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Parte 2 Do Diário De Um Sobrevivente Do Yomi Wan (1000 Infernos)

É dito que a tripulação de Kenshi está fadada a afundar e emergir até eles
encontrarem uma alma inocente que foi jogada no Yomi sem merecer. Até que este dia
chegue, eles estão condenados a repetirem o ciclo de tormento, servos da justiça em
um lugar injusto. Tais conhecimentos são de interesse acadêmico apenas para mim,
agora que chega o momento de agir. O Kenshi vem em minha direção, jogando os
diversos demônios pro lado.
É a distração que eu preciso. Eu encho meus pulmões com ar, mais por hábito do
que por necessidade, e afundo para as profundezas. Por um período breve, eu ouço os
gritos, e depois meus ouvidos são totalmente tampados com a água fervente. Tudo o
que eu posso ouvir é o som causado pelas bolhas na água e gemidos de dor que vêm
presos nas bolhas.
Rapidamente, a luz começa a sumir, e eu devo fazer uma escolha: Arriscar abrir
meus olhos e ter eles fervidos, ou enfrentar a escuridão com meus olhos fechados e
ser presa fácil de demônios. Eu poderia tentar curá-los, mas tenho um resto de chi
precioso que vou precisar pra fuga, então mantenho meus olhos abertos e tento
conter a vontade de gritar de agonia.
É dito que no fundo dos Sete Oceanos Ferventes, tem uma passagem que almas
bravas e corajosas podem alcançar que leva para os oceanos do Reino Médio. É dito
também que os servos da Imperatriz Das Pérolas vivem por lá, tendo construído uma
cidade feita de conchas e outros materiais do fundo do mar. Além deles, um akuma me
alertou que há horrores inimagináveis que vivem naquele vazio, piores que tudo que
não os Reis Yama. De todos os lugares dos Yomi Wan, estou indo para o pior.
Minha visão fica turva. Parte disso deve ser o dano que a água inflige,
enquanto o resto se deve às profundezas. Nenhuma luz pode penetrar muito nessas
águas, mesmo a luz de fogo que dança nas tramas acima. Eu passo pecadores
amontoados em posição fetal, sem fazer nenhum esforço para voltarem a superfície. A
dor tornou-se demais para eles, e agora eles afundam, devagar, sempre para baixo.
Agora, levemente; eu posso ver as cidades dos servos da imperatriz. Eles são
iluminados por uma chama verde que de alguma forma queimam debaixo d'água, e eles
são titânicos. As muralhas da cidade que estou passando devem ter 30 metros de
altura, e há edifícios dentro disso que desmoronariam sob seu próprio peso ao ar
livre. Agora vejo os habitantes; caranguejos em todas as suas vias e até as suas
torres. Alguns estão apontando para mim com garras do tamanho de, bem, é impossível
distinguir daqui, mas posso dizer que de fato os servos da Imperatriz são
monstruosos.
Continuo a nadar pela cidade. Os corpos flutuantes são menos aqui; eles tendem
a afundar muito rapidamente uma vez que eles atingem este estágio. As coisas deviam
estar a escurecer, mas não estão. Em vez disso, elas estão brilhantes, brilhando
com o laranja brilhante da luz de fogo. Talvez este seja um sinal de que estou
realmente no caminho certo. Eu tenho luz quando deveria ter escuridão.
Um instante depois, eu percebo meu erro. A luz está vindo de trás de mim. A
luz realmente vem de fogo, não de favor divino. Os servos da Imperatriz não estão
apontando pra mim, estão apontando pra fonte.
O Keshi está despencando nas profundezas vindo atrás de mim, tentando me
segurar pelo calcanhar. Eu viro e olho para trás de mim, e lá está, ainda em chamas
mesmo nas profundezas deste oceano infernal. Falhou mais uma vez, e agora corre
para o solo do oceano. Se eu não me mover rapidamente, serei preso embaixo dele, e
esse será o fim de mim. Pior ainda, eu posso ser pressionado na tripulação e
condenado a passar a eternidade procurando uma alma que não existe.
Pois não há inocentes no yomi.
Eu nado com mais força e tento ser mais rápido, tentando sair do seu caminho,
mas eles se movem tentando me seguir. Eu posso ouvir os gritos da tripulação,
impossivelmente altos para a água das profundezas. Eu arrisco olhar pra trás e fico
apavorado com o que vejo. O Keshi está mais perto, e a tripulação está falando
sobre como é melhor eu entrar logo no navio. Está claro que eles querem que eu faça
parte de sua tripulação infernal, e meu dever não permitirá.
Eu avisto minha rota de fuga, muito estreita para que o Keshi possa passar por
ela. Se eu alcançar o túnel, estarei seguro.
Posso sentir as mãos flamejantes deles em meu calcanhar, queimando minha carne
até os ossos, e sei que está tudo perdido...
E então, o Keshi passa por mim, caindo com força no fundo do oceano. Eu não
fico para ver se eles vão sair daquela névoa de areia criada pelo impacto. Ao invés
disso, aproveito maravilhosamente a minha sorte e prossigo meu caminho para o Reino
Médio, usando toda a minha força para finalmente alcançar a liberdade, a água
gelada sendo uma sensação relaxante depois do esforço infernal.
É apenas muito, muito depois que eu pondero os meios da minha escapada. Talvez
os augúrios fossem verdade. Talvez eu era a alma inocente que os Kenshi estavam
destinados a resgatar para ganhar sua liberdade. E talvez, por conta da minha
própria tentativa de escapar deles, eu me tornei impuro, perdi a inocência, perdi a
dignidade.
Se for verdade, então eu cometi uma das mais graves ofensas. Por meu egoísmo,
eu condenei aquela tripulação de bravos homens a mais séculos de tortura. Seu
sofrimento é minha culpa.
Portanto, o meu dever é claro. Devo voltar a Yomi Wan, ao Inferno dos Sete
Mares Ardentes, e devo levar uma alma inocente comigo, já que a minha não é mais
digna, e devo oferecer o tormento a outro inocente para retificar o mal que eu
causei. Tudo isso é o que eu devo fazer, embora a ideia me encha de pavor.
Ninguém escapa do Yomi para sempre. Foi o que me disseram na primeira vez que
eu escapei. Você apenas escolhe como voltar.
Meu caminho está traçado. Que os inocentes e culpados tremam. Eu estou
voltando para o Yomi Wan.

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