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Electromagnetismo

(cap. 3. eletrodinâmica)

José Pinto da Cunha

universidade de coimbra
2016
2
Conteúdo

3 Electrodinâmica 5
3.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
3.2 A experiência de Faraday . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
3.3 A lei de Faraday . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
3.3.1 Lei de Faraday num circuito em movimento⋆ . . . . . . 10
3.4 As equações de Maxwell . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
3.4.1 A corrente de deslocamento de Maxwell . . . . . . . . . 11
3.4.2 A aproximação quasi-estacionária . . . . . . . . . . . . 16
3.4.3 As equações dos potenciais V e A na electrodinâmica . 17
3.4.4 Acerca do gauge de Lorenz⋆ . . . . . . . . . . . . . . . 19
3.5 As ondas electromagnéticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
3.5.1 A equação geral de uma onda . . . . . . . . . . . . . . 21
3.5.2 A luz e as ondas electromagnéticas . . . . . . . . . . . 23
3.5.3 A experiência de Hertz . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
3.5.4 O teorema de Poynting . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
3.5.5 Ondas sinusoidais planas . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
3.5.6 Ondas electromagnéticas planas no vazio . . . . . . . . 35
3.6 Ondas electromagnéticas em meios condutores . . . . . . . . . 39
3.7 A linha de transmissão coaxial . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
3.7.1 Análise do cabo a partir da teoria de circuitos . . . . . 47
3.7.2 Reflexão do sinal no cabo . . . . . . . . . . . . . . . . 49
3.8 Os potenciais retardados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
3.8.1 Potenciais de Liénard-Wiechert⋆ . . . . . . . . . . . . . 54
3.9 Radiação de um dipolo eléctrico . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
3.9.1 Ganho da antena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
3.10 Radiação de um dipolo magnético . . . . . . . . . . . . . . . . 64
3.11 Guias de ondas⋆ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68

3
4 CONTEÚDO

3.11.1 Guia de ondas retangular . . . . . . . . . . . . . . . . . 70


3.11.2 Guia de ondas cilı́ndrico . . . . . . . . . . . . . . . . . 75

4 Comentário Final 81
Capı́tulo 3

Electrodinâmica

3.1 Introdução
Até agora estudámos os campos eletrostático e magnetostático. Trata-se
num caso e noutro de efeitos associados a cargas e correntes em regime esta-
cionário, respectivamente. Vamos analisar neste capı́tulo os fenómenos de-
vidos a cargas e correntes que não estão em condições estacionárias, cujos
campos variam com o tempo.

3.2 A experiência de Faraday


Seja uma espira fechada e plana, da qual se aproxima um magnete perma-
nente, (ver fig. 3.1). A experiência mostra que, sempre que o magnete se
move há uma corrente que percorre a espira, certamente induzida por esse
movimento. Para além disso, o sentido da corrente muda sempre que se
inverte o sentido de movimento do magnete. A observação experimental
deste fenómeno foi primeiramente descrita por Faraday, em 1830, (mas este
fenómeno terá sido observado por Henry alguns anos antes) e está na base
da lei que é hoje conhecida como lei de Faraday.
A partir da análise de experiências como a descrita Faraday concluiu que:
- a força electromotriz induzida na espira é igual à variação do fluxo do campo
c j. pinto da cunha, electromagnetismo /electrodinâmica, universidade de coimbra, 2016.

5
6 CAPÍTULO 3. ELECTRODINÂMICA

i
m’ m m’ m
N S N S
i B B

v v
F F F F

Figura 3.1: Indução electromagnética. O movimento do magnete em relação


à espira induz nesta uma corrente, i, que é num sentido ou no sentido inverso
consoante estes se aproximem ou se afastem, respectivamente. Da interação
entre os momentos dipolares magnéticos do magnete, m, e do dipolo induzido
na espira, m′ resulta uma força F , que é repulsiva quando o movimento é
de aproximação e é atrativa se for de afastamento.

B através da respectiva área, independentemente da causa dessa variação.1


Pouco tempo depois, baseando-se em considerações energéticas, Lenz con-
cluı́a que: - o sentido da corrente é aquele que cria um campo magnético
induzido que se opõe à variação do fluxo magnético, (“a natureza tem “hor-
1
A força electromotriz (ou f.e.m.) é por definição o trabalho que é realizado sobre as
cargas de um circuito, por unidade de carga. Ou seja, num circuito, C, a força eletromotriz,
ǫ, é I I
dw dF
ǫ= = · dℓ = E · dℓ
dq C dq C

onde E = ddq F é o campo elétrico dentro do condutor. A f.e.m. é portanto de facto uma
diferença de potencial. A designação de força electromotriz é portanto inadequada já que
não é uma força como o nome sugere, mas o integral de uma força por unidade de carga.
Mas é, todavia, a designação que continua a ser comummente utilizada. Como é evidente,
num circuito em que haja uma f.e.m. há certamente um campo não conservativo, (cuja
circulação é não nula).
No caso de uma bateria, a f.e.m. é a energia que essa bateria transfere para as cargas por
unidade de carga, através de um qualquer mecanismo interno (que pode ser eletroquı́mico,
fotovoltaico, piezoeléctrico, etc...), por via do qual elas vão de um eletrodo para o outro
contra o campo eletrostático entre esses eletrodos. Ou seja, internamente, entre os eletro-
dos de uma bateria, há um campo não conservativo que atua sobre as cargas; cuja f.e.m. co-
incide com a diferença de potencial entre eletrodos, se resistência interna for nula. Porém,
caso a força eletromotriz seja induzida, como acima, esse campo não conservativo não está
circunscrito a uma parte do circuito, mas estende-se ao longo de todo ele.
3.3. A LEI DE FARADAY 7

ror” à variação de fluxo”). Esta regra prática ficou conhecida como lei de
Lenz.
Da observação resulta claro que a corrente está claramente associada ao
movimento relativo entre o magnete e a espira e que a energia dessa cor-
rente provem certamente da energia do movimento relativo entre eles. A
força de interação entre o momento magnético do magnete, m, e o momento
magnético induzido na espira, m′ , deve pois opor-se ao movimento relativo
entre eles, transferindo energia cinética para a corrente induzida na espira,
quer quando eles se aproximam quer quando eles se afastam um do outro.
Isto é, durante a aproximação, m e m′ têm sentidos contrários e por isso
repelem-se; durante o movimento de afastamento têm o mesmo sentido, e
portanto atraem-se, (ver fig. 3.1). A corrente induzida na espira é portanto
sempre de molde a opôr-se à variação do fluxo magnético através da respec-
tiva superfı́cie, quer quando aumenta, quer quando se reduz, como concluiu
Lenz.
Vimos em § 2.6, eq. 2.39 que variar o fluxo magnético custa energia. De
facto, é essa transferência de energia que está efetivamente subjacente à lei
de Faraday-Lenz, como veremos a seguir.

3.3 A lei de Faraday


A relação entre a variação de fluxo magnético e a energia de um circuito foi já
discutida na secção § 2.6. Como então vimos, se o fluxo do campo magnético,
Φ, através da superfı́cie de um circuito variar, haverá uma força magnética
que atua sobre cada elemento infinitesimal de corrente, idℓ, desse circuito, a
qual se decompõe em duas parcelas, dF m = dF + dF , a primeira das quais
é perpendicular a dℓ, (ver eq. 2.40). Nos termos da eq. 2.39, a força dF
realiza, em cada intervalo de tempo, dt, o trabalho dw = idΦ. Nesse mesmo
intervalo de tempo, dF realiza sobre as correntes o trabalho dF · dℓ = −idΦ,
(eq. 2.41), (é pois nulo o trabalho da força magnética total). Isto é, se o fluxo
magnético variar, cada elemento de carga, dq, da corrente do circuito sentirá
ao longo de todo o fio uma força, dF . Esta força constitui para todos os
efeitos um campo eléctrico induzido, E = ddq F , que se estende ao longo do fio
e está associado à alteração do fluxo magnético.
A densidade de corrente no circuito será pois j = σ(E + E), onde σ é
a condutividade do material condutor, E é o campo eletrostático que even-
tualmente exista dentro do condutor e E = ddq F é o campo eléctrico induzido
8 CAPÍTULO 3. ELECTRODINÂMICA

pela mudança de fluxo. O efeito deste campo E ao longo de todo o circuito


constitui portanto uma força electromotriz induzida pela variação de fluxo
magnético, dada pelo integral2
I
dΦ dΦ
ǫ= E · dℓ = −i =− (3.1)
C dq dt

É a lei de Faraday, que H


já tı́nhamos visto na eq. 2.42 A circunstância de o
integral de circulação, C E ·dℓ ser não nulo torna evidente que E é um campo
não conservativo!
Deve-se fazer notar que, como B = ∇ × A, podemos escrever a eq. 3.1
na forma I
d Z
E · dℓ = − (∇ × A) · ds (3.2)
C dt S
Se o circuito estiver em repouso relativamente a B, então os campos B e E
estão no mesmo referencial e S não varia com t. Nesse caso pode-se aplicar
o teorema de Stokes e, considerando que r e t são variáveis independentes,
tem-se I
d I I
E · dℓ = − A · dℓ = − ∂t A · dℓ (3.3)
C dt C C

contando que o potencial vector, A, é uma função bem comportada, (A


é uma função sempre contı́nua e diferenciável, incluindo na superfı́cie do
condutor, onde os campos são descontı́nuos!, ver condições de fronteira de
A). Como o circuito C é qualquer então, necessariamente,

E = −∂t A + ∇f
H
onde f é uma função arbitrária, já que C ∇f · dℓ = 0 (ver eq. 1.19).
Esta parcela conservativa pode-se fazer coincidir com o campo eletrostático,
fazendo f = −V . Desta forma conveniente, E inclui também o campo elet-
rostático e reduz-se a este último no regime estacionário. Por isso, E repre-
senta efetivamente a acepção mais geral do campo elétrico e convém portanto
chamar-lhe simplesmente E. Passámos portanto do campo conservativo elet-
rostático para o campo eléctrico, em que o campo eletrostático é o caso limite,
em condições estáticas.
Podemos então escrever que

E = −∇V − ∂t A (3.4)
2
H
O integral, C
E · dℓ = 0, pois o campo eletrostático tem sempre ∇ × E = 0.
3.3. A LEI DE FARADAY 9

Esta é de facto a generalização da equação do campo eletrostático, em que


se inclui um termo que depende explicitamente do tempo mas se torna nulo
no regime estacionário.
Vejamos agora que consequências tem a equação anterior na divergência
e no rotacional do campo E. Aplicando a divergência à eq. 3.4 conclui-se
que
ρ
∇·E = (3.5)
ǫ0
pois, ∇2 V = − ǫρ0 e ∇ · A = 0 (ver eqs. 1.46 e 2.21).3 Aplicando o rotacional
à eq. 3.4 obtém-se
∇ × E = −∂t B (3.6)

Conclui-se pois que no regime variável, não estacionário, o campo eléctrico


não é conservativo - só é conservativo apenas em condições estacionárias.
A equação anterior, 3.6, mostra também que os campos variáveis E e B
estão acoplados um ao outro e que são mutuamente ortogonais, em qualquer
ponto do espaço (pois ∇ × E ⊥ E).4
Esta é uma clara evidência de que E e B são de facto duas faces uma
única entidade − o campo electromagnético!
3
De facto, como se viu em § 2.4.3, a divergência de A não é necessariamente zero.
Tem-se nesse caso,
∇ · E = −∇2 V − ∂t ∇ · A

No regime estacionário, a equação de Poisson diz-nos que ∇2 V = − ǫρ0 . Todavia, em


condições não estacionárias, tem-se
ρ
∇2 V = − + ∂t ψ
ǫ0

onde ψ é uma função arbitrária, que não contribui para o regime estacionário, pois nesse
caso todas as derivadas temporais explicitas, ∂t , são nulas. Fica-se então com,
ρ
∇·E = − ∂t (ψ + ∇ · A)
ǫ0

Mas, como vimos, a divergência, ∇ · A, não está definida pelos campos, é fixada pela
escolha de gauge (ver § 2.4.3) e podemos portanto escolhê-la de forma a que seja sempre
∇ · E = ǫρ0 em qualquer regime, variável ou não (ver discussão em § 3.4.4).
4
Mas se parte do campo for eletrostático, tal que E = E var + E est , então como ∇ ×
E var = 0, então E 6⊥ B, (mas E var ⊥ B var ).
10 CAPÍTULO 3. ELECTRODINÂMICA

3.3.1 Lei de Faraday num circuito em movimento⋆


Uma carga q que se mova com velocidade v numa região de campo magnético
B e campo eléctrico E sente a força de Lorentz F = q(E + v × B). Porém,
para um observador, O′ , que se mova com ela, ela está parada e portanto a
força de Lorentz nesse referencial é F ′ = q(E ′ + v ′ × B) = qE ′ . Para baixas
velocidades, v ≪ c, as forças (e os efeitos) são iguais nos dois referenciais e,
portanto,5
E′ = E + v × B
A lei de Faraday referente a um circuito que se move através de um campo
magnético que varia com o tempo, ao ser observada a partir de fora, tem que
ter em conta quer a variação de fluxo que é devida à variação temporal do
campo B, quer a que é devida ao movimento da espira em relação a esse
campo B. Com efeito, vista no referencial da espira,
I Z I

ǫ= E · dℓ = − ∂t B · ds + (v × B) · dℓ (3.7)
C S C

Note que nesta equação o campo E ′ é medido no referencial do circuito e que


E ′ e B estão em referenciais diferentes. A força electromotriz num circuito
em movimento é pois igual à soma da força electromotriz devida à variação
de B, mais a força electromotriz devida à ação direta das forças magnéticas
sobre as cargas do circuito em movimento. Todavia, convém frisar que esta
última equação não traduz nada de novo, é tão somente uma expressão geral,
eventualmente com algum interesse prático.

3.4 As equações de Maxwell


Vimos até agora que os campos eléctrico e magnético são descritos no vazio
por quatro equações diferenciais acopladas:

no vazio na matéria
∇ · E = ǫρ0 (1) ∇ · D = ρℓ (1a) (lei de Gauss)
∇·B =0 (2) ∇·B =0 (2a) (lei de Gauss) (3.8)
∇ × E = −∂t B (3) ∇ × E = −∂t B (3a) (lei de Faraday)
∇ × B = µ0 j (4) ∇ × H = jℓ (4a) (lei de Ampère)
5
Como se constata na eq. 3.3.1, o campo elétrico depende do movimento do observador
relativamente às cargas. Já tı́nhamos visto que assim devia ser em § 2.4.
3.4. AS EQUAÇÕES DE MAXWELL 11

As duas primeiras equações são escalares e as duas últimas são equações


vectoriais. Aplicando a divergência e o rotacional às duas equações vectori-
ais, eqs. 3.8-(3) e 3.8-(4), podemos eventualmente desacoplá-las, pagando o
preço de as ter como equações diferenciais de segunda ordem. Todavia, deste
exercı́cio vão resultar duas consequências fundamentais:

i) aplicando o operador divergência vai-se constatar que a equação 3.8-


(4) (e 3.8-(4a)) é inconsistente com o princı́pio de conservação da carga
eléctrica (§ 3.4.1);

ii) aplicando o operador rotacional vai-se descobrir que existem ondas elec-
tromagnéticas (§ 3.5).

3.4.1 A corrente de deslocamento de Maxwell


A divergência do rotacional de um campo qualquer, G, é sempre nula, i.e.,
∇ · (∇ × G) = 0. Assim, ao aplicar a divergência às eqs. 3.8-(3) e 3.8-(4),
tem-se (
0 = ∇ · (∇ × E) = −∂t (∇ · B) = 0
(3.9)
0 = ∇ · (∇ × B) = µ0 ∇ · j
A primeira destas equações é uma identidade, mas a segunda só é válida no
regime estacionário, em que ∇ · j = −∂t ρ = 0. é manifestamente incom-
patı́vel com a equação da continuidade, ∇ · j = −∂t ρ. Isto é, a eq. 3.8-(4)
é incompatı́vel com a equação da continuidade, ∇ · j = −∂t ρ e, portanto,
inconsistente com o princı́pio geral de conservação da carga eléctrica, que é,
um princı́pio fundamental em qualquer regime.
Isto significa que a eq. 3.8-(4), é válida apenas em condições estacionárias
(isso não deve surpreender pois foi obtida de facto em condições estacionárias,
em § 2.4.3). Para que a eq. 3.8-(4) satisfaça a equação de continuidade no
regime variável é pois necessário adicionar à corrente um termo cuja di-
vergência dê ∂t ρ, ou seja, falta-lhe o termo ǫ0 ∂t E = ∂t D (no vazio). Ficare-
mos nesse caso com a identidade,

0 = ∇ · (∇ × B) = µ0 ∇ · (j + ∂t D) = µ0 (∇ · j + ∂t ρ) = 0
| {z } | {z }

Daqui infere-se que a lei de Ampère no regime variável é então,

∇ × B = µ 0 j + µ 0 ǫ0 ∂ t E (3.10)
12 CAPÍTULO 3. ELECTRODINÂMICA

Esta equação generaliza de facto a lei de Ampère da magnetostática,


reduzindo-se a esta última no regime estacionário. A quantidade j D =
ǫ0 ∂t E = ∂t D é conhecida como “corrente de deslocamento” de Maxwell,
que a introduziu pela primeira vez em 1861. O nome desta corrente deriva
da expressão corrente do vector deslocamento, ∂t D.
O argumento anterior aplica-se igualmente à eq. eq. 3.8-(4a). De facto,
aplicando-lhe a divergência tem-se

0 = ∇ · (∇ × H) = ∇ · j ℓ

Esta equação só é válida no regime estacionário. Para se aplicar ao regime


variável (não estacionário) falta-lhe o termo ∂t ρℓ , de modo a ficar a igualdade

0 = ∇ · (∇ × H) = ∇ · j ℓ + ∂t ρℓ = ∇ · (j ℓ + ∂t D)

Conclui-se portanto que, no regime variável,

∇ × H = j ℓ + ∂t D (3.11)

onde j D = ∂t D é a corrente de deslocamento de Maxwell.


Vem a propósito referir que na matéria D = ǫ0 E + P e que, portanto,
∂t D = ǫ0 ∂t E + ∂t P ; o termo j p = ∂t P descreve a corrente local associada
à oscilação das cargas de polarização do meio em resultado de oscilações
temporais do campo eléctrico. De facto, visto que ∇ · P = −ρp , então
∇ · (∂t P ) = −∂t ρp , de onde se vê que j p = ∂t P é a respectiva densidade
de corrente. Esta corrente j p não deve ser confundida com a corrente de
magnetização, j m .
Note-se que a corrente de deslocamento não altera as equações da magne-
tostática, estende a equação de Ampère ao regime variável e só se faz sentir
quando os campos são explicitamente variáveis no tempo.
A corrente de deslocamento introduzida por Maxwell, conquanto aparente-
mente simples e pacı́fica, revelar-se-ia de fundamental importância; sem ela
não haveria ondas electromagnéticas! 6

6
A inclusão da corrente de deslocamento é porventura a maior contribuição de Maxwell
para a teoria electromagnética. Nas suas próprias palavras: “the variations of the electrical
displacement must be added to the currents to get the total amount of electricity”, Maxwell,
1865 [“A Dynamical Theory of Electromagnetic Field”]. Sem a corrente de deslocamento
o electromagnetismo seria outra coisa totalmente diferente.
3.4. AS EQUAÇÕES DE MAXWELL 13

Exemplo:A análise do circuito da fig. 3.2 põe em evidência o papel essen-


cial da corrente de deslocamento. Nessa figura, o condensador está inicialmente
descarregado, liga-se o interruptor em t = 0 e o circuito é percorrido por uma
corrente i = VR e−t/RC , que carrega o condensador. Na fig. 3.2 esquematizam-se,
em condições quase-estacionárias, os campos E e B em torno do fio condutor e
entre as placas do condensador, sendo em ambos os casos, E ⊥ B em cada ponto,
(eq. 3.8-3); (desprezam-se os efeitos de bordos nas placas do condensador).
Nos termos do teorema de Stokes, a circulação do campo B sobre um contorno
C é (fig. 3.2),

I Z Z
B · dℓ = (∇ × B) · ds = (∇ × B) · ds (3.12)
C S S′

onde ∇ × B é dado pela eq. 3.10.


A superfı́cie S é atravessada pela corrente do fio, mas E é tangente a essa
superfı́cie no regime quase-estacionário, pelo que ∂t E ⊥ ds. Por conseguinte,

Z Z
(∇ × B) · ds = µ0 j · ds = µ0 i
S S

Sobre a superfı́cie S ′ , tem-se j = 0, mas o fluxo do campo E não é nulo. Isto


é,
Z Z
(∇ × B) · ds = µ0 ǫ0 ∂t E · ds
S′ S′

H q R
Ora, de acordo com a lei de Gauss, S+S ′ E · ds = ǫ0 . Como S E · ds = 0, então
R i
S ′ ∂t E · ds = ǫ0 . Por conseguinte,

Z Z
(∇ × B) · ds = µ0 i = (∇ × B) · ds
S′ S

Ou seja, não fora a corrente de deslocamento e o circuito da fig. 3.2 violava a


eq. 3.12 e, portanto, o teorema de Stokes. A corrente de deslocamento é pois
fundamental, como este simples exemplo mostra.


14 CAPÍTULO 3. ELECTRODINÂMICA

i B
R
E
C 000
111
000S
111
000
111
S’
111111
000000
q
V 000000
111111
B
000000
111111
E
000000
111111
000000
111111

Figura 3.2: A corrente i do circuito é variável, durante a fase transiente, até


que o condensador fique totalmente carregado (C refere-se ao contorno que
delimita S e S ′ ; não confundir C com a capacidade do condensador).

As equações de Maxwell na forma final são então:7

no vazio na matéria
∇ · E = ǫρ0 (1) ∇ · D = ρℓ
(Gauss) (1a)
∇·B =0 (2) ∇·B =0 (Gauss) (2a)
∇ × E = −∂t B (3) ∇ × E = −∂t B
(Faraday) (3a)
∇ × B = µ 0 j + µ 0 ǫ0 ∂ t E (4) ∇ × H = j ℓ + ∂t D
(Ampère) (4a)
(3.13)
com D = ǫ0 E + P e B = µ0 (H + M ). As formas integrais destas equações
7
As equações que Maxwell publicou em 1865 eram originalmente em número de 20 e
tinham formas muito distintas das atuais (i.e., eram intragáveis). As quatro equações vec-
toriais que hoje designamos como equações de Maxwell são de facto a versão de Heaviside,
de 1884.
As três frases seguintes que retirei do artigo original de Maxwell, de 1865, dão uma ideia
do seu entendimento acerca do campo electromagnético que acabara de descobrir:
• ”the variations of the electrical displacement must be added to the currents to get
the total amount of electricity”
• ”[the energy] resides in the electromagnetic field, in the space surrounding the elec-
trified and magnetic bodies, as well as in those bodies themselves”
• [about the speed of light]: ”the agreement of the results seems to show that light and
magnetism are affections of the same substance, and that light is an electromagnetic
disturbance”
3.4. AS EQUAÇÕES DE MAXWELL 15

E+
E− B+ k k σ Ψ
1111111111
0000000000
n^
0000000000
1111111111
0000000000
1111111111 h
B−1111111111
0000000000S
C
l

Figura 3.3: Superfı́cie de descontinuidade dos campos E e B, em regime


variável.

são, respectivamente:

no
H
vazio na
H
matéria
E · ds = ǫq0 (1) D · ds = qℓ (1a)
HS HS
B · ds = 0 (2) B · ds = 0 (2a)
HS R HS R
E · dℓ = − dtd S B · ds (3) E · dℓ = − dtd S B · ds (3a)
HC d R HC d R
C B · dℓ = µ0 i + µ0 ǫ0 dt S E · ds (4) C H · dℓ = iℓ + dt S D · ds (4a)
(3.14)
As condições de fronteira dos campos E e B da electrodinâmica são
idênticas às da eletrostática (e magnetostática), (eqs. 1.58 e 2.31). Com
efeito, aplicando as equações integrais 3.14 à vizinhança de uma superfı́cie,
Ψ, (ver fig. 3.3), em que, por hipótese, os campos são descontı́nuos, no limite
em que h → 0, obtém-se:

no vazio na matéria
n̂ · (E + − E − ) = ǫσ0 (1) n̂ · (D + − D − ) = σℓ (1a)
n̂ · (B + − B − ) = 0 (2) n̂ · (B + − B − ) = 0 (2a) (3.15)
n̂ × (E + − E − ) = 0 (3) n̂ × (E + − E − ) = 0 (3a)
n̂ × (B + − B − ) = µ0 k (4) n̂ × (H + − H − ) = kℓ (4a)

(note que na fig. 3.3, limh→0 S = 0). Isto é, as condições de fronteira do campo
electromagnético são iguais no regime variável e no regime estacionário.
As eqs. 3.13-(3) e eq. 3.13-(4)), dizem-nos que um campo eléctrico variável
num ponto origina nesse ponto um campo magnético variável, e vice-versa,
respectivamente. Há portanto aqui uma simetria entre os campos eléctrico
e magnético: a variação temporal de qualquer deles implica o outro. Os
16 CAPÍTULO 3. ELECTRODINÂMICA

campos variáveis E e B estão pois umbilicalmente acoplados e são mutua-


mente ortogonais em cada ponto. No regime variável, não mais se podem
considerar os campo em separado, mas ao invés como partes de uma única
entidade − o campo electromagnético. Acabámos de descobrir o campo
electromagnético!
A descoberta do campo electromagnético é seguramente um dos maiores
triunfos de sempre da Fı́sica. Tanto assim é que a abordagem de Maxwell
continua ainda hoje a ser o modelo inspirador para as outras teorias de
campo.

3.4.2 A aproximação quasi-estacionária


Em geral, a análise de problemas de electrodinâmica passa pela resolução
das equações de Maxwell. Todavia, estas equações estão acopladas e a sua
resolução pode ser uma tarefa formidável. Na maioria dos casos só é possı́vel
fazê-lo numericamente e mesmo assim é difı́cil.
Contudo, há muitas situações em que é válida a chamada aproximação
quasi-estacionária, caso em que se podem calcular soluções analı́ticas aprox-
imadas para as equações de Maxwell.
O primeiro passo dessa aproximação consiste em ignorar o acoplamento
entre E e B, obter uma primeira solução aproximada dos campos e, a seguir,
inserir essas soluções alternadamente nas equações 3.13-(3) e 3.13-(4), por
forma a corrigir a solução inicial, em aproximações sucessivas. Obtêm-se
deste modo soluções aproximadas para os campos, na forma de uma série
cujas parcelas hão de tender rapidamente para zero se a aproximação for
válida.
Como veremos adiante, µ0 ǫ0 = c12 ∼ 10−17 s2 /m2 é uma quantidade muito
pequena. A aproximação quasi-estacionária consiste de facto em expandir
as soluções das equações de Maxwell numa série de potências de c12 .
Começa-se por considerar, na aproximação de ordem zero, que µ0 ǫ0 ∂t E ≪
µ0 j, visto que µ0 ǫ0 = c12 ≪ 1.
Na aproximação de ordem zero, começa-se por fazer µ0 ǫ0 ≈ 0, a eq. 3.13-
(4) fica apenas ∇ × B = µ0 j e tem uma solução é formalmente função da
corrente, B (0) = µ0 f (j). Pelo princı́pio de sobreposição esta função deve ser
tal que f (j 1 + j 2 ) = f (j 1 ) + f (j 2 ).8
8
Se ∇ × B 1 = µ0 j 1 e ∇ × B 2 = µ0 j 2 , então B = B 1 + B 2 é solução da equação
∇ × B = µ0 (j 1 + j 2 ). Ou seja, B/µ0 = f (j 1 + j 2 ) = f (j 1 ) + f (j 2 ).
3.4. AS EQUAÇÕES DE MAXWELL 17

Inserindo a solução anterior alternadamente nas eqs. 3.13-(3) e 3.13-(4),


obtém-se a seguinte sequência:

∇ × B (0) = µ0 j → B (0) = µ0 f (j)


∇ × E (0) = −∂t B (0) → E (0) = −∂t f (B (0) )
∇ × B (1) = µ0 j + c12 ∂t E (0) → B (1) = B (0) − c12 ∂t2 f [f (B (0) )]
∇ × E (1) = −∂t B (1) → E (1) = −∂t f (B (0) ) + c12 ∂t3 f [f [f (B (0) )]]
∇ × B (2) = µ0 j + c12 ∂t E (1) → B (2) = B (0) − c12 ∂t2 f [f (B (0) )]+
+ c14 ∂t4 f [f [f [f (B (0) )]]]
···
(3.16)
Vê-se pois que a aproximação quasi-estacionária consiste efetivamente em
expandir os campos E e B em potências de c12 . A convergência da série e,
consequentemente, a validade desta aproximação dependem de quão rápidas
são as variações dos campos. Em princı́pio uma flutuação electromagnética
pode ser expandida em série de Fourier e trata-se então de ajuizar a validade
2
da aproximação quasi-estacionária com base em potências do quociente ωc2 ,
onde ω = 2πf e f é a frequência. Como c12 ≈ 10−17 s2 /m2 , a aproximação
quasi-estacionária deixa de ser válida para sinais acima da dezena de MHz,
(∼ 107 Hz). Acima destas frequências tem mesmo que se resolver o sistema
de equações diferenciais acopladas de Maxwell.

3.4.3 As equações dos potenciais V e A na elec-


trodinâmica
As equações da electrodinâmica diferem das correspondentes equações da
eletrostática apenas no que diz respeito ao rotacional dos campos E e B.
Mas que implicações é que isso tem nas equações dos potenciais no regime
variável?
Como vimos em § 3.3, no regime não estacionário (variável) da elec-
trodinâmica, a relação entre os campos eléctrico e magnético e os potenciais
é (
E = −(∇V + ∂t A)
(3.17)
B =∇×A
Inserindo estas equações nas equações de Maxwell, eqs. 3.13-(1) a (4), podem
também ser expressas em termos dos potenciais V e A. Verifica-se que:
i) as eqs. 3.17 satisfazem identicamente as equações 3.13-(2) e 3.13-(3).
18 CAPÍTULO 3. ELECTRODINÂMICA

ii) aplicando a divergência à primeira eq. 3.17-1 e inserindo na eq. 3.13-(1)


tem-se ∇2 V + ∂t ∇ · A = − ǫρ0 .

iii) aplicando o rotacional à eq. 3.17-2, considerando a identidade ∇×(∇×


A) = ∇(∇ · A) − ∇2 A, e inserindo em 3.13-(4) conclui-se que

∇ × (∇ × A) = µ0 j + µ0 ǫ0 ∂t E = µ0 j + µ0 ǫ0 (−∇∂t V − ∂t2 A)

As quatro equações de Maxwell, 3.13, reduzem-se assim a duas equações


acopladas nos potenciais,
(
∇2 V + ∂t ∇ · A = − ǫρ0
(3.18)
(∇2 A − µ0 ǫ0 ∂t2 A) − ∇(∇ · A + µ0 ǫ0 ∂t V ) = µ0 j

Todavia, estas equações podem ser desacopladas porque os potenciais V e


A não são definidos absolutamente pelos campos9 , (ver § 2.4.3). Usando
desta liberdade de escolha do “sistema de potenciais”, em particular a ∇ · A,
podem-se escolher potenciais convenientes, tais que

∇ · A + µ 0 ǫ0 ∂ t V = 0 (3.19)

i.e., suprime-se o termo de acoplamento das equações anteriores. Nesse caso


as duas equações ficam desacopladas e podem ser consideradas separada-
mente. Mas será que isto é sempre possı́vel? Sim! (vide infra, in § 3.4.4). O
sistema de equações 3.18 fica assim na forma,
(
∇2 A − µ0 ǫ0 ∂t2 A = −µ0 j
(3.20)
∇2 V − µ0 ǫ0 ∂t2 V = − ǫρ0

Estas equações foram publicadas por Lorenz em 1867, escassos anos (ape-
nas dois) após a publicação dos artigos de Maxwell, e são conhecidas como
equações de Lorenz.10
A condição 3.19, que especifica esta escolha dos potenciais, é chamada
condição de Lorenz ou gauge de Lorenz e, no regime estacionário, reduz-
se ao gauge de Coulomb, ∇ · A = 0, (ver § 2.4.3).
9
Os campos não definem absolutamente os potenciais, mas o contrário não é verdadeiro
- os potenciais definem univocamente os campos E e B.
10
Note que Lorenz e Lorentz são pessoas diferentes! (vide D. Jackson, Classical Electro-
dynamics).
3.4. AS EQUAÇÕES DE MAXWELL 19

As duas equações diferenciais de Lorenz, conjuntamente com a força


de Lorentz sobre uma carga, são suficientes para descrever toda a elec-
trodinâmica. O regime estacionário é um caso particular destas equações.
As eqs. 3.20 são equações de onda não homogéneas (são homogéneas em
pontos sem cargas ou correntes, ver § 3.5.1). Por consequência, qualquer
perturbação dos potenciais propaga-se através do espaço como uma onda, à
velocidade da luz (ver § 3.5). Isto é, os potenciais, V e A, num determi-
nado ponto do espaço estão retardados relativamente aos potencias de outro
ponto onde eventualmente tenha ocorrido uma perturbação/flutuação, pois
essa perturbação levará algum tempo a propagar-se de um ponto ao outro,
(propaga-se com a velocidade finita).
A semelhança formal entre as duas equações de Lorenz sugere a existência
de uma ligação mais profunda entre V e A, mas a discussão desse assunto
está para além do âmbito deste texto.

3.4.4 Acerca do gauge de Lorenz⋆


A questão da liberdade de escolha do sistema dos potencias merece ser anal-
isada com mais detalhe.
Nos termos do teorema de Helmholtz, é necessária quer a divergência quer
o rotacional de uma função vectorial para a definir completamente.
A relação, B = ∇ × A, fixa o rotacional de A, mas nada diz quanto à
divergência de A. O campo E, através da relação, E = −(∇V + ∂t A), fixa
apenas a combinação de potenciais, ∇2 V + ∂t ∇ · A = ∇ · E = ǫρ0 , deixando
∇ · A a depender da escolha que se fizer de V . Portanto, como a divergência
de A não é definida pelos campos, podemos defini-la ou fixá-la da forma que
for mais conveniente, em particular, especificamente, de modo a desacoplar
as equações 3.18.
No regime estacionário, V e V ′ = V + const. + ∂t f , onde f é uma função
arbitrária, representam o mesmo campo E, já que no regime estacionário
nada depende explicitamente do tempo e portanto ∂t f = 0 (supõe-se que f
é bem comportada). Por seu lado, A e A′ = A + ∇f , com f arbitrária,
representam o mesmo campo B, visto que ∇ × ∇f ≡ 0.
No regime variável, E = −∇V − ∂t A, (eq. 3.17) e se, por hipótese, se
fizer V → V ′ = V − ∂t f , então

E = −∇V − ∂t A = −∇V ′ − ∂t (A + ∇f ) = ∇V ′ − ∂t A′ = E ′
20 CAPÍTULO 3. ELECTRODINÂMICA

Ou seja, o campo E e o campo B são ambos insensı́veis à transformação


conjunta: (
A′ = A + ∇f
(V, A) → (3.21)
V ′ = V − ∂t f + const.
com f uma função qualquer, que seja bem comportada; pois, como se pode
verificar, E ′ = −∇V ′ −∂t A′ = −∇V −∂t A = E e B ′ = ∇×A′ = ∇×A = B.
A escolha livre da função f fixa, portanto, a relação entre a divergência,
∇ · A, e o potencial V , já que ∇ · A′ = ∇ · A + ∇2 f . Em particular, pode-se
escolher a função f de molde a que ∇ · A′ = −µ0 ǫ0 ∂t V ′ ; bastará escolher f
tal que

∇ · A′ + µ0 ǫ0 ∂t V ′ = 0 = (∇2 f − µ0 ǫ0 ∂t2 f ) + (∇ · A + µ0 ǫ0 ∂t V ) = 0

Esta é uma equação de onda que em princı́pio terá sempre solução não trivial,
pelo que é sempre possı́vel satisfazer a condição de Lorenz, eq. 3.19. Isto é, se
por hipótese os potenciais, (V, A), não satisfizerem a priori a condição 3.19,
as variantes, (V ′ , A′ ), satisfazem-na seguramente. Como, (V, A) e (V ′ , A′ )
são equivalentes - descrevem os mesmos campos fı́sicos -, portanto podemos
sempre satisfazer a condição 3.19 e considerar equações desacopladas em V
e A, (eqs. 3.20).
A liberdade de escolha do “sistema de potenciais” tem paralelo na liber-
dade de escolha do sistema de coordenadas:- podemos escolher os mais con-
venientes. A fı́sica não depende nem de um nem do outro.

3.5 As ondas electromagnéticas


No parágrafo § 3.4.1 aplicámos a divergência às equações de Maxwell e
concluı́mos pela necessidade de se considerar a corrente de deslocamento,
j D = ∂t D, de modo a tornar o sistema de equações autoconsistente.
Vamos agora aplicar o operador rotacional às equações de Maxwell, 3.13-
(3) e 3.13-(4). Obtêm-se em resultado dessa operação equações diferenciais
de segunda ordem, quer num caso quer noutro. Assim, aplicando o rotacional
à eq. 3.13-(3), considerando a identidade ∇ × (∇ × E) = ∇(∇ · E) − ∇2 E,
obtém-se

∇ × (∇ × E) = ∇(∇ · E) − ∇2 E
= −∂t (∇ × B) = −(µ0 ∂t j + µ0 ǫ0 ∂t2 E)
3.5. AS ONDAS ELECTROMAGNÉTICAS 21

f v

x
O O’ x
vt x’ x’
(x’=x − v t)

Figura 3.4: Uma onda indeformável unidimensional, f (x, t), propaga-se ao


longo do eixo x com velocidade v. O observador O′ move-se com a onda e
acompanha o seu movimento. No instante t = 0 as origens dos referenciais
coincidem; a relação entre as coordenadas é x′ = x − vt.

Em pontos do espaço sem cargas ou correntes (ρ = 0 e j = 0) conclui-se


assim que
∇2 E = µ0 ǫ0 ∂t2 E (3.22)
O mesmo argumento aplicado à eq. 3.13-(4) dá
∇2 B = µ0 ǫ0 ∂t2 B (3.23)
Ou seja, os campos E e B satisfazem, quer um quer outro, a mesma equação
diferencial de segunda ordem. Esta equação é a equação que descreve a
propagação de uma onda (ver eq. 3.26), o que significa que as perturbações
dos campos E e B se propagam através do espaço, exatamente da mesma
maneira, na forma de ondas electromagnéticas, com velocidade,
1
c= √ (3.24)
µ 0 ǫ0
(cf. eq. 3.26). Isto é, acabamos de descobrir que há ondas electromagnéticas!
Essa descoberta fundamental foi feita pela primeira vez por Maxwell, em
1865 (vide nota pág. 14).

3.5.1 A equação geral de uma onda


Uma onda designa genericamente um fenómeno em que uma determinada
perturbação se propaga através de um meio. Geralmente esse processo on-
dulatório transporta energia e momento e não deixa rasto no meio por onde
passa (se não dissipar energia).
22 CAPÍTULO 3. ELECTRODINÂMICA

A perturbação que origina uma onda pode ser uma flutuação mecânica, a
perturbação de um campo, etc... A velocidade de propagação de uma onda
é função das propriedades do meio no qual se propaga. As perturbações
de campos como o campo electromagnético, constituem ondas imateriais e
propagam-se todas no vazio à velocidade da luz.
Seja, por hipótese, uma onda que se propaga num meio a uma dimensão,
com velocidade constante, v, que mantém a sua forma à medida que se
propaga (ver fig. 3.4 ). No referencial da onda, a perturbação que se propaga
é descrita por uma função f (x′ ). Porém, vista do laboratório, f é uma função
do espaço e do tempo. Isto é, f (x′ ) = f (x − vt), pois a relação entre os dois
sistemas de coordenadas é x′ = x − vt, (transformação de Galileu).
As derivadas de f em ordem a x e a t são, (derivação composta ou em
cadeia),
∂ x f = ∂ x′ f ∂ x x′ = ∂ x′ f
∂t f = ∂x′ f ∂t x′ = −v∂x′ f
∂x2 f = ∂x2′ f
∂t2 f = v 2 ∂x2′ f
Deste exercı́cio resulta assim a equação geral de uma onda unidimensional,
∂t2 f = v 2 ∂x2 f (3.25)
Esta é a famosa equação de onda a uma dimensão, onde v é a velocidade
da onda. A generalização para o espaço tridimensional é imediata, pois
∂x2 → ∇2 = ∂x2 + ∂y2 + ∂z2 . Obtém-se assim a equação de onda a 3 dimensões
da função f (r),
∂t2 f = v 2 ∇2 f (3.26)
A equação de onda baseia-se em argumentos muito gerais e portanto
aplica-se a qualquer perturbação que se propague através de qualquer meio.
Aplica-se portanto em geral a quaisquer ondas acústicas, electromagnéticas,
marı́timas, gravitacionais, etc... A velocidade de propagação depende natu-
ralmente do processo fı́sico subjacente e das propriedades do meio em causa.
A eq. 3.26 foi descoberta por D’Alembert em 1746 e é conhecida como
equação de onda de D’Alembert.11 Esta equação já era portanto conhecida
cerca de 100 anos antes de Maxwell descobrir as ondas electromagnéticas (em
1865).
11
D’Alembert também demonstrou que as soluções gerais da eq. 3.25 são do tipo f (x, t) =
f (x − vt) + g(x + vt).
3.5. AS ONDAS ELECTROMAGNÉTICAS 23

3.5.2 A luz e as ondas electromagnéticas

Como se disse, as equações 3.22 e 3.23 dizem-nos que existem ondas electro-
magnéticas, que se propagam no espaço vazio com velocidade c = √µ10 ǫ0 ≈
3×108 m/s. Esta previsão foi confirmada alguns anos depois de ter sido feita,
através das experiências realizadas por Hertz (cerca de 1888, ver § 3.5.3).
As equações 3.13-(3), 3.13-(4), 3.22 e 3.23 mostram que uma mera flu-
tuação do campo eléctrico num ponto induz uma perturbação do campo
magnético em pontos dessa vizinhança; a qual por sua vez perturba o campo
eléctrico na vizinhança seguinte, etc... A perturbação dos campos vai-se
portanto propagando pelo espaço na forma de uma onda imaterial 12 , com
velocidade c = √µ10 ǫ0 ≈ 3 × 108 m/s. A velocidade c depende apenas das
propriedades do vazio e é por isso uma constante fundamental da fı́sica.
Maxwell constatou que o valor numérico da velocidade, c, era muito
próximo do valor da velocidade da luz, o qual era já bem conhecido nessa
época, sobretudo depois das experiências realizadas por Fizeau (em 1849) e
por Foucault (em 1850), que mediram a velocidade da luz em vários mate-
riais. Maxwell teve a intuição de que esta coincidência não era fortuita e
especulou que a luz devia ser também ela uma onda electromagnética.13 É
hoje evidente que Maxwell estava certo e que a luz visı́vel é, de facto, apenas
uma janela estreita num espectro muito mais largo de ondas eletromagnéticas
(ver tabela 3.1).

12
Durante muito tempo não se considerou que fosse possı́vel haver ondas imateriais que
se propagassem no vazio. Por isso inventou-se o éter, uma espécie de essência que existiria
em todo o espaço para dar suporte à propagação da luz. Esse conceito só foi abandonado
com o advento da teoria da relatividade.
13
Citando Maxwell: ”If it should be found that the velocity of propagation of electro-
magnetic disturbances is the same as the velocity of light, and this not only in air, but in
other transparent media, we shall have strong reasons for believing that light is an elec-
tromagnetic phenomenon”. J. C. Maxwell in ”A Treatise on Electricity and Magnetism”,
2nd vol., 3rd ed., p. 431, 1891.
Na verdade, já nessa época se suspeitava de que a luz devia ter alguma relação com
os campos eléctrico e magnético. Por exemplo, anos antes, em 1845, Faraday, um ex-
perimentador arguto, tinha observado que um campo magnético podia rodar o plano de
polarização de um feixe de luz polarizada.
24 CAPÍTULO 3. ELECTRODINÂMICA

Tabela 3.1: O especto das ondas electromagnéticas

nome frequências exemplos de aplicação


ondas rádio 535 − 1.605 kHz rádio AM
3 − 26 MHz rádio de ondas curtas
54 − 216 MHz rádio FM; televisão VHF
470 − 806 MHz televisão UHF
microondas 1 − 300 GHz radar, telecomunicações, aquecimento
infravermelho 103 − 104 GHz análise espectroscópica, aquecimento
luz visı́vel 105 − 106 GHz muitas!
ultravioleta 106 − 108 GHz espectroscopia, esterilização
raios X 108 − 109 GHz exames radiológicos
raios γ 1010 − 1013 GHz irradiação de tumores
γ alta energia > 1013 GHz astrofı́sica

3.5.3 A experiência de Hertz


Nos anos que se seguiram à publicação do tratado de Maxwell, “A Trea-
tise on Electricity and Magnetism”, em 1873, muitas pessoas debatiam-se
tentando observar experimentalmente as ondas electromagnéticas previstas
nesse tratado. O problema estava porém em conseguir campos que variassem
com frequência suficientemente elevada tal que o comprimento da respectiva
onda fosse da ordem do metro, para permitir fazer o seu estudo. Também não
havia ideias firmes de como detectá-las. O primeiro a consegui-lo foi Heinrich
Hertz, em 1888, sendo essas ondas hoje conhecidas como ondas hertzianas,
em sua homenagem.14
Hertz apercebeu-se de que uma descarga eléctrica entre dois condutores
envolve uma corrente instantânea muito elevada, e que isso deveria correspon-
der a uma elevada perturbação dos campos eléctrico e magnético locais. De
acordo com a teoria electromagnética de Maxwell essa perturbação dever-
se-ia propagar como uma onda electromagnética pelo espaço em redor, à
velocidade da luz.
14
Há referências ao facto de que terá havido, antes de Hertz, observações experimentais
que possivelmente eram já manifestações das ondas electromagnéticas. Todavia, essas
pessoas não as souberam relacionar na altura com os trabalhos de Maxwell, nem se terão
apercebido do que estava presumivelmente em causa.
3.5. AS ONDAS ELECTROMAGNÉTICAS 25

Assim, usando um transformador de alta tensão criou um circuito os-


cilante LC de alta frequência capaz de produzir periodicamente descargas
(a alta frequência) entre duas pequenas esferas condutoras muito próximas
(ver fig. 3.5). Da análise do circuito conclui-se que a carga do condensador
1
é da forma q = q0 cos ωt, com ω = √LC , ou seja, o circuito oscila com uma
1
frequência ω = √LC . Se a amplitude da tensão no condensador for suficien-
temente elevada, serão produzidas periodicamente descargas entre as duas
pequenas esferas,15 alternadamente num sentido e no outro, com frequência
ω
f = 2π .
Baseando-se na teoria de Maxwell, Hertz calculou pela primeira vez o
campo electromagnético que seria radiado por um pequeno dipolo eléctrico
e previu que os campos eléctrico e magnético teriam polarização linear e que
no plano de simetria o campo eléctrico da onda seria paralelo ao dipolo (ver
fig. 3.5).
Concebeu então um dipolo constituı́do por duas esferas condutoras de
raio R, cujas superfı́cies estavam separadas por uma certa distância, b, (ver
16
fig. 3.5).
 As duas esferas formam um condensador com capacidade , C ≈
R
2πǫ0 R 1 + 2R+b . Ou seja, Hertz criou a primeira antena!

15
Uma descarga eléctrica ocorre se o campo eléctrico for superior à rigidez dielétrica
do ar (campo de disrupção, Emax ≃ 3 × 106 V/m). Se o campo for suficientemente
intenso para fornecer a um eventual electrão livre do ar a energia cinética suficiente para
que ele ionize uma molécula (ou átomo) com que colida, libertar-se-ão nessa colisão outros
electrões que, uma vez livres, serão acelerados pelo campo e originarão mais eletrões livres,
e assim sucessivamente. Estabelece-se assim uma corrente muito intensa que dura cerca
de 1 ns − é isto que vulgarmente se designa como descarga (ou faı́sca).
O campo necessário para produzir uma descarga no ar pode ser estimado com uns poucos
cálculos. Se houver no ar n = N/V moléculas/m3 e a secção transversal de cada molécula
for ∼ πa2 , então a distância média de aceleração que um electrão percorre antes de colidir
1 2
com outra molécula é ℓ ∼ nπa 2 , pois V ≈ N πa ℓ. Na aproximação de gás ideal, 1 mole
3
ocupa 22.4 dm ; o diâmetro de cada molécula é ∼ 2 Å; e a energia de ionização é da ordem
de I ∼ 1 eV. Entre colisões a energia adquirida por um electrão é ∆U = e∆V ∼ eEℓ.
∼ ∼
Conclui-se assim que se E > E max ≃ 3 × 106 V/m, então ∆U > I e portanto há uma
descarga. O campo E max é o campo de disrupção (ou rigidez dielétrica) do ar.
Para que se dê uma descarga no ar entre dois electrodos à distância de 1 cm um do
outro é portanto necessária uma diferença de potencial, ∆V ∼ 30 kV. Cada faı́sca tem
uma duração de cerca de 1 ns, pelo que a frequência máxima de descargas é da ordem de
∼ 1 GHz.
16
A capacidade de uma esfera condutora é C = 4πǫ0 R; duas esferas com cargas q e −q,
em que a distância centro a centro seja d, têm uma diferença de potencial ∆V ≈ R2 1 − R d

e têm portanto uma capacidade C ≈ 2πǫ0 R 1 + R d .
26 CAPÍTULO 3. ELECTRODINÂMICA

Hertz concluiu que, como cada descarga que ocorre no circuito está as-
sociada a variações muito fortes dos campos eléctrico e magnético, que se
vão propagar como ondas electromagnéticas ao espaço em redor, então os
campos dessa onda electromagnética devem induzir uma força electromotriz
numa espira detectora colocada a certa distância da descarga. Se esta espira
tiver uma pequena interrupção, e se os campos da onda tiverem amplitude
suficiente, a diferença de potencial na descontinuidade da espira pode ser
bastante para que se produza uma pequena faı́sca nessa abertura. Esta ideia
foi crucial, pois até então ninguém sabia como detectar as ondas electro-
magnéticas.
Assim, para detectar as ondas electromagnéticas Hertz concebeu um
ressoador constituı́do por uma espira circular, de raio a, quase fechada, com
duas pequenas esferas separadas por uma distância submilimétrica, ajustável.
Com um parafuso podia afinar a distância entre as esferas e assim variar o
fator LC da espira, de modo a aproximá-lo do do circuito oscilante até obter
ressonância (ver fig. 3.5).
As direções dos campos E e B estão indicadas na figura 3.5, para ondas
que se propagam horizontalmente. Colocando a espira perpendicularmente
ao campo magnético da onda, que é variável, a força electromotriz induzida
na espira de raio a é, de acordo com a lei de Faraday,
dΦ dB
ǫ=− ≈ −πa2
dt dt
Se a amplitude de ǫ for suficientemente elevada dá-se uma pequena descarga
entre os terminais da espira, proporcional a dBdt
, que é visı́vel no escuro. A
dimensão da espira deve ser muito menor que o comprimento de onda de
modo a apanhar o máximo de B na maior parte da área da espira.
Hertz observou que de facto se viam faı́scas na espira quando ocorriam
faı́scas no circuito oscilante, demonstrando assim que eram produzidas, e se
propagavam no ar, ondas electromagnéticas. Confirmava-se assim a previsão
feita por Maxwell cerca de 20 anos antes. A experiência de Hertz é por isso
uma das experiências fundamentais da fı́sica.
Mas Hertz não se ficou por esta observação qualitativa, fez várias ex-
periências, cada vez mais aperfeiçoadas.
Numa das suas experiências Hertz colocou uma chapa condutora em frente
ao dipolo radiante, a cerca de 10 metros deste. Os electrões de um condu-
tor absorvem o campo electromagnético, e, oscilando, reemitem a onda com
a mesma frequência da onda incidente, i.e., uma chapa condutora constitui
3.5. AS ONDAS ELECTROMAGNÉTICAS 27

um espelho de ondas electromagnéticas.17 A sobreposição das ondas dá uma


onda electromagnética estacionária entre a chapa e o dipolo radiante (ver
§ 3.5.5 e fig. 3.5). Percorrendo com a sua espira o espaço entre o dipolo e o
espelho, Hertz pôde observar a posição dos ventres (pontos de máxima ampli-
tude) e dos nodos, e pôde assim medir o comprimento de onda, λ, das ondas
electromagnéticas. Visto que conhecia a frequência do circuito, f = 2π√1LC ,
pôde medir a velocidade dessas ondas invisı́veis, pois v = λf . Confirmou as-
sim a previsão teórica de Maxwell de que as perturbações electromagnéticas
se propagam à velocidade da luz (ver fig. 3.5).18
Hertz observou também que, tal como no caso da luz visı́vel, as ondas
electromagnéticas são polarizadas, e que, tal como aquela, podiam ser reflec-
tidas, refractadas e focadas com um espelho parabólico condutor.
As versões modernas desta experiência usam normalmente dı́odos de alta
frequência (em particular dı́odos Gunn) quer na fonte emissora quer no sis-
tema de recepção. Mas continua a ser uma experiência fascinante!19

3.5.4 O teorema de Poynting


Tomando as equações de Maxwell, 3.13-(3) e 3.13-(4), e fazendo o produto
escalar, respectivamente com B e com E, obtém-se
 2
 B · (∇ × E) = −∂ B
t 2
2 (3.27)

E · (∇ × B) = µ0 E · j + µ0 ǫ0 ∂t E2

Estas duas equações podem-se fundir, tendo em conta a identidade vectorial


∇ · (E × B) = −E · (∇ × B) + B · (∇ × E) (ver apêndice A). Obtém-se
17
Aliás, os espelhos são em geral condutores, mesmo os que são para a luz visı́vel. Por
exemplo, o espelho em que nos miramos pela manhã é constituı́do de facto por um filme
de alumı́nio (mas podia outro bom condutor) depositado na parte posterior de uma chapa
de vidro, coberto com uma tinta protetora para não oxidar. A maior parte da reflexão
não vem do vidro mas do filme condutor que está a trás.  
18 R
A capacidade das esferas que Hertz utilizou é C ≈ 2πǫ0 R 1 + 2R+b ; se R ∼ 0.5 m
11
então C ∼ 3 × 10 F; e se a bobine tiver uma indutância tı́pica de L ∼ 1µH, então
f ∼ 30 MHz e λ ∼ 9 m. Os dados originais de Hertz indicam que mediu ondas estacionárias
cujo comprimento de onda era cerca de 8 m.
19
Marconi veio anos depois utilizar as ondas hertzianas para revolucionar o nosso modo
de viver.
28 CAPÍTULO 3. ELECTRODINÂMICA

V
L’ L
C

a) b)

λ /2

c) d)

Figura 3.5: Representação esquemática da experiência de Hertz. a) circuito


oscilador acoplado a um transformador de alta tensão ; b) espira detectora
ou ressoador (representado em perspetiva); c) formação de ondas eletro-
magnéticas estacionárias entre o dipolo e uma chapa condutora; d) repre-
sentação dos campos E e B das ondas relativamente ao vector de propagação,
k. Hertz acoplou o circuito oscilador a uma bobine de indução de Ruhmko-
rff, gerando uma alta tensão a partir de uma bateria (a oscilação do fluxo
magnético faz-se com um interruptor que vibra e interrompe periodicamente
a corrente no circuito primário).
3.5. AS ONDAS ELECTROMAGNÉTICAS 29

então,

B2 E2
∇ · (E × B) = −∂t − µ 0 ǫ0 ∂ t − µ0 E · j
2 2 !
1 2 ǫ0 2
= −µ0 ∂t B + E − µ0 E · j
2µ0 2

Esta equação pode ser escrita na forma

−∂t uem = ∇ · S + E · j (3.28)

onde uem = 2µ1 0 B 2 + ǫ20 E 2 é a densidade de energia do campo electromagnético


(i.e., uem = ue + um , eqs. 1.68 e 2.47) e S é o chamado vector de vector de
Poynting,
1
S = (E × B) = E × H (3.29)
µ0
Em pontos onde j = 0 a equação 3.28 é claramente uma equação de
continuidade para a energia,

−∂t uem = ∇ · S (3.30)

que expressa a conservação de energia do campo electromagnético, em cada


ponto. Diz-nos a eq. 3.30 que: - a variação da densidade de energia num
ponto é igual ao fluxo de energia que atravessa a vizinhança desse ponto, por
unidade de volume. O vector de Poynting, S = µ10 E ×B, representa portanto
a densidade de fluxo de energia do campo electromagnético.
Conclui-se da argumentação anterior que uma onda electromagnética
transporta energia, mesmo quando se propague no espaço vazio.20 O fluxo
de energia dessa onda electromagnética deve ter a mesma direção e sentido
que a onda, o que significa que S tem a direção e o sentido de propagação da
onda. Conclui-se também, portanto, que os campos E e B são transversais
à direção de propagação de qualquer onda eletromagnética que se propague
em espaço aberto, livre de fronteiras, (ver fig. 3.8).
Mas voltemos à equação 3.28 para analisar o termo de corrente, E ·j e ver
que ele expressa a potência transferida para as cargas por unidade volume.
Com efeito, sobre um elemento de carga dq, com velocidade v em relação
20
Já sabı́amos que as ondas electromagnéticas transportam energia; sem a radiação do
sol a terra congelava!
30 CAPÍTULO 3. ELECTRODINÂMICA

ao campo, atua a força de Lorentz, dF = dq(E + v × B). Como a força


magnética não realiza trabalho, o trabalho realizado pelo campo sobre as
cargas é dW = dqE · dℓ. Isto é,

d dW
= ρE · v = E · j (3.31)
dt dτ
pois j = ρv.
A equação 3.28 expressa portanto o balanço de energia em cada ponto:
- a variação (negativa) de energia do campo electromagnético por unidade
de volume da vizinhança de um ponto é igual ao fluxo de energia que sai
desse volume mais a energia que é transferida para as cargas dessa vizin-
hança, nesse intervalo de tempo por unidade de volume. Esta é uma forma
de enunciar o teorema de Poynting.
Integrando a eq. 3.28 tem-se a equação do balanço de energia num volume
finito, τ , cuja superfı́cie é Ψ, tem-se
I
d d Z dW dW
− Uem − S · ds = dτ = (3.32)
dt Ψ dt τ dτ dt
onde Uem é a energia armazenada no campo nesse volume. Este é o teorema
de Poynting (1884).

Teorema de Poynting. O trabalho realizado pelo campo electromagnético


sobre as cargas de um volume é igual ao decréscimo de energia desse campo
menos o fluxo de energia que sai desse volume.

As ondas electromagnéticas também transportam momento linear e mo-


mento angular. Mostra-se que a quantidade de movimento (momento linear)
do campo electromagnético por unidade de volume é

S
g = ǫ0 (E × B) =
c2
Consequentemente, uma onda electromagnética que incida sobre uma su-
perfı́cie exerce sobre ela uma pequena pressão − a chamada pressão da ra-
diação. Mas trata-se em geral de um efeito tão pequeno que o vamos igno-
rar.21
21
A pressão da luz emitida pelo Sol é uma das causas (juntamente com o vento de
partı́culas) que faz com que a cauda dos cometas se estenda na direção oposta ao Sol.
3.5. AS ONDAS ELECTROMAGNÉTICAS 31

3.5.5 Ondas sinusoidais planas


Uma onda plana caracteriza-se pelo facto de que em qualquer plano perpen-
dicular à direção de propagação todos os pontos serem equivalentes entre
si. Quaisquer desses planos são pois frentes de onda (ver fig. 3.7). Uma
onda plana é portanto descrita por uma função que só depende da variável
posicional ao longo da direção em que ela se propaga e do tempo.
As ondas sinusoidais são uma classe particular de soluções da equação
de onda, 3.26. A relevância do seu estudo decorre diretamente do teo-
rema de Fourier, que mostra que, sob certas condições, qualquer perturbação
periódica é decomponı́vel numa série de ondas sinusoidais de frequências
apropriadas. As ondas sinusoidais têm por isso relevância particular; sabendo
descrever cada uma, em princı́pio saberemos descrever qualquer onda.

Ondas planas unidimensionais


Uma onda plana e sinusoidal unidimensional, que se propague na direção do
eixo x, com a forma geral,

f (x, t) = f 0 cos(kx − ωt) (3.33)

é uma solução da equação de onda, que se propaga com velocidade


ω
v= (3.34)
k
(como facilmente se verifica). A expressão 3.33 representa uma onda com
amplitude f0 , perı́odo T = 2π ω
e comprimento de onda λ = 2π k
, onde ω é a
22
frequência angular, e k é o número de onda.
Uma onda sinusoidal caracteriza-se por ter uma dupla periodicidade, é
periódica quer no espaço quer no tempo: - i) vista num ponto fixo, x0 , a
onda repete-se a intervalos de tempo iguais, T ; ii) ”fotografada” num certo
instante, t0 , a onda repete-se exatamente a distâncias iguais, λ, (ver fig. 3.6).
Essa periodicidade está embutida na expressão 3.33, já que
(
f (x + λ) = f (x) =⇒ kλ = 2π ; λ = 2π
k
f (t + T ) = f (t) =⇒ ωT = 2π ; T = 2π
ω

22
Mais geralmente, f (x, t) = f0 cos(kx − ωt + α) onde α é uma fase constante. Contudo,
a fase anula-se mudando o instante inicial em que se começa a contar o tempo e podemos
ignorá-la na discussão.
32 CAPÍTULO 3. ELECTRODINÂMICA

f f
f0 f0

x t

λ T

a) b)

Figura 3.6: Uma onda sinusoidal é periódica quer no espaço quer no tempo,
sendo λ e T os respectivos perı́odos de repetição, no espaço e no tempo.

^
k
f(x,y,t)

^
k θ
z ^r
r r
^
θ k y
ξ ^
r ξ
y
x x

a) b)

Figura 3.7: Onda plana a duas dimensões, f (x, y, t), que se propaga na
direção/sentido do vector de onda, k. Esta onda pode ser descrita a uma
dimensão na direção de propagação, f (x, y, t) = f (ξ, t).
3.5. AS ONDAS ELECTROMAGNÉTICAS 33

onde T é o perı́odo (em unidades de tempo) e λ é o comprimento de onda


(em unidades de distância). Há portanto uma relação bem definida entre ω
e T e k e λ. A frequência da onda é f = T1 = 2π ω
(em Hz). Importa ainda
referir que a velocidade de propagação da onda é efetivamente o quociente
entre os perı́odos de repetição no espaço e no tempo, v = ωk = Tλ = λf .

Ondas planas no espaço


Visto que todos os pontos da frente de uma onda plana são equivalentes
entre si, então a onda pode ser sempre descrita a uma dimensão, ao longo da
direção de propagação, k̂ (ver fig. 3.7). Num ponto r do espaço, uma onda
plana sinusoidal é pois da forma (ver fig. 3.7),

f (r, t) = f0 cos(kξ − ωt) ; com ξ = r · k̂

Isto é, a expressão geral de uma onda sinusoidal a três dimensões é pois

f (r, t) = f0 cos(k · r − ωt) (3.35)

onde k = 2π λ
k̂ é o vector de onda ou vector de propagação, o qual aponta na
direção e sentido de propagação da onda. A velocidade desta onda é portanto
v = ωk k̂.
É sabido que a fórmula de Euler relaciona uma função sinusoidal com
uma função exponencial complexa, sendo23

eiϑ = cos ϑ + i sin ϑ , com i = −1
n o
Podemos por isso escrever cos ϑ = ℜe eiϑ , substituindo por regra as funções
trigonométricas por funções exponenciais, com as quais é geralmente mais
fácil lidar. A eq. 3.35 toma assim a forma,
 
i(k·r −ωt)
f (r, t) = ℜe f0 e (3.36)

Todavia, para simplificar a notação, geralmente omite-se a menção explicita


à parte real, ”ℜe {}”, escrevendo-se simplesmente que f (r, t) = f0 ei(k·r −ωt) ,
ficando então implı́cito, pelo contexto, que a onda é a parte real da expressão
complexa indicada. De resto, a onda é bem real - a utilização de números
23

Usamos para√ número imaginário a notação i = −1, mas é também frequente usar-se
a notação j = −1, sobretudo na análise de circuitos.
34 CAPÍTULO 3. ELECTRODINÂMICA

complexos é uma preferência puramente matemática, como se disse. Por igual


razão de simplicidade, não acrescentaremos notação especı́fica para designar
quantidades complexas.
Finalmente, deve-se referir que, de um ponto de vista fı́sico, uma onda
plana é em geral um caso limite de uma onda esférica emitida a partir de
um ponto a uma distância muito grande, tal que a sua divergência pode ser
desprezada.

Ondas sinusoidais esféricas


Uma onda esférica é uma onda a 3 dimensões, que se propaga isotropica-
mente pelo espaço, a partir de numa fonte pontual. Essa onda é descrita
pela equação de onda, eq. 3.26, ∂t2 f = c2 ∇2 f . O laplaciano em coorde-
nadas esféricas de uma função com simetria radial, f (r, t) = f (r, t), é (ver
apêndice A),
1   1
∇2 f = 2 ∂r r2 ∂r f = ∂r2 (rf ) (3.37)
r r
Por isso, a equação de onda esférica é
∂t2 (rf ) = c2 ∂r2 (rf ) (3.38)
Ora, esta é uma equação de onda a uma dimensão, cujas soluções são,
rf = f0 cos(kr − ωt)
onde c = ωk . Ou seja,
1
f (r, t) = f0 cos(kr − ωt) (3.39)
r
Uma onda esférica qualquer tem portanto a forma genérica,
f (r − ct)
f (r, t) = (3.40)
r
se a fonte estiver na origem das coordenadas. Isto é, à medida que a per-
turbação se afasta da fonte a sua amplitude decresce, porque ela se vai di-
vidindo por superfı́cies esféricas que crescem com 4πr2 .24
24
A energia, U , de cada frente de ondas vai-se espalhando por superfı́cies que crescem
com 4πr2 . Por conseguinte, a intensidade da onda (que é a energia por unidade de tempo
e de área) decai com r2 . Como a intensidade de uma onda é proporcional ao quadrado da
sua amplitude em cada ponto (ver eq. 3.47), isso significa que a amplitude de uma onda
esférica decresce diretamente com a distância r, à fonte (cf. eq. 3.40).
3.5. AS ONDAS ELECTROMAGNÉTICAS 35

Ondas estacionárias
Uma classe importante de soluções da equação de onda é a das ondas esta-
cionárias, que são ondas confinadas a uma determinada zona limitada do
espaço, mas que não se propagam efetivamente.
Nas fronteiras da região em causa a função de onda deve satisfazer
condições de fronteira, especı́ficas do fenómeno em causa (no caso das ondas
electromagnéticas são as condições de fronteira dos campos E e B). Mas
essas condições de fronteira não dependem do tempo e, consequentemente,
estas soluções da equação de onda devem estar fatorizadas nas variáveis do
espaço e do tempo, de modo a satisfazerem as referidas condições em todos os
instantes. Isto é, o que acontece à função nas fronteiras não pode depender
do tempo.
No caso de uma onda unidimensional, as soluções da equação de onda são
pois do tipo
f (x, t) = g(x)h(t)
Como os zeros das funções g(x) não dependem do tempo, as ondas esta-
cionárias caracterizam-se portanto por terem pontos onde a amplitude de
oscilação é sempre nula (nodos) e outros onde a oscilação é máxima (ven-
tres). Estas ondas são estacionárias, não se propagam (e.g., os nodos e os
ventres não mudam de posição).25 Estes conceitos podem ser generalizados
para mais dimensões, como é evidente.

3.5.6 Ondas electromagnéticas planas no vazio


Uma onda electromagnética deve satisfazer dois tipos de equações: i) deve
ser solução da equação de onda, eq. 3.26 e, ii) deve ser também solução das
equações de Maxwell, eqs. 3.13.
Seja, por hipótese, uma onda electromagnética plana, que se propaga pelo
espaço, numa região do vazio sem cargas ou correntes (onde ρ = 0 e j = 0).
Os campos eléctrico e magnético dessa onda devem ter a forma genérica que
é solução da equação de onda,

 E(r, t) = ℜe E ei(k·r −ωt)
0
 B(r, t) = ℜe B ei(k·r −ωt)
(3.41)
0

25
As ondas estacionárias podem-se neste caso interpretar como sobreposições de ondas
com sentidos contrários, pois 2cos(kx − ωt) + cos(kx + ωt) = cos(kx) cos(ωt).
36 CAPÍTULO 3. ELECTRODINÂMICA

onde E 0 e B 0 são as amplitudes dos campos dessa onda (eventualmente com-


plexas, se incluı́rem uma fase). Com efeito, visto que os campos E e B estão
acoplados em cada ponto pelas equações de Maxwell, então quaisquer flu-
tuações desses campos devem propagar-se ambas na mesma direção/sentido,
à mesma velocidade, (é de resto o acoplamento entre E e B que está na
origem da propagação electromagnética).
Com respeito às soluções de onda deverem satisfazer as equações de
Maxwell, vejamos primeiramente a divergência dos campos, para ver que
condições elas impõem às soluções 3.41. Visto que por hipótese não há car-
gas, ∇ · E = 0, sendo então,
 
∇·E = ∂x Ex +∂y Ey +∂z Ez = E0x kx + E0y ky + E0z kz ei(k·r −ωt) = k·E = 0

ou seja,
k·E =0 → E⊥k (3.42)
Isto é, o campo eléctrico de uma onda electromagnética que se propague no
espaço livre (de barreiras ou fronteiras) é sempre perpendicular à direção
de propagação − é uma onda transversal. Visto que ∇ · B = 0, conclui-se
igualmente que B ⊥ k. Por conseguinte, as ondas electromagnéticas que
se propagam no vazio, em espaço aberto, são ondas transversais eléctricas e
magnéticas.26
O rotacional de E e de B impõe condições adicionais aos campos que
se propagam e que sejam descritos pelas eqs. 3.41. Assim, a equação de
Maxwell, eq. 3.13-(3), ∇ × E = −∂t B, requer que:

∂t B = iωB; (3.43)
x̂ ŷ ẑ +x̂ (∂y Ez − ∂z Ey )
∇×E = ∂x ∂y ∂z = −ŷ (∂x Ez − ∂z Ex ) = i (k × E)
(3.44)
Ex Ey Ez +ẑ (∂x Ey − ∂y Ex )

já que ∂y Ez = ikz Ez , etc... Por conseguinte,

i (k × E) = iωB
26
Uma onda é transversal ou longitudinal consoante a oscilação é perpendicular ou
longitudinal à direção de propagação, respetivamente. Assim, p.ex., o som é uma onda
longitudinal de pressão na direção em que se propaga, mas uma onda na superfı́cie da
água é transversal.
3.5. AS ONDAS ELECTROMAGNÉTICAS 37

E
E

k
B B k

a) b)

Figura 3.8: Direções dos campos E e B de uma onda electromagnética sinu-


soidal que se propaga no vazio, em espaço aberto, na direção/sentido de k.
Uma onda em que o vector E (e portanto B) esteja sempre no mesmo plano
é uma onda com polarização linear.

ω
ou seja, como k
= c,
1 
B= k̂ × E (3.45)
c
Por outro lado, a equação de Maxwell, eq. 3.13-(4), ∇×B = µ0 ǫ0 ∂t E, obriga
a que ∇ × B = i(k × B) = −i cω2 E; isto é, que E = −c(k̂ × B). Mas esta
condição é equivalente à eq. 3.45, não acrescenta nada.
Em suma, conclui-se que os campos de uma onda electromagnética que
se propaga no espaço livre e vazio, na direção/sentido k̂, são tais que:

 E ⊥ k̂ e B ⊥ k̂


E⊥B (3.46)

 |B| = |E |

c

Os campos E e B são pois mutuamente perpendiculares em cada ponto e


ambos perpendiculares à direção de propagação, e têm amplitudes tais que
|B| ≪ |E|, (pois c ≫ 1). A eq. 3.45 mostra que os vectores E, B e k formam
um sistema de direções bem definido (ver fig. 3.8).
O produto vectorial E × B aponta pois sempre na direção/sentido de
propagação. Mas já sabı́amos isso, pois essa é a direção/sentido do vector
de Poynting, S = µ1 E × B. O vector S representa, como vimos em § 3.5.4,
a densidade do fluxo de energia da onda e deve evidentemente apontar na
direção/sentido de propagação.
38 CAPÍTULO 3. ELECTRODINÂMICA

E E
B
B
k
E

Figura 3.9: Campos E e B de uma onda electromagnética com polarização


circular, em várias posições ao longo da direção de propagação. Nesta onda
os vectores E e B não mantêm a direção enquanto se propagam. No caso em
que rodam para a direita relativamente a k, a polarização é circular direita
e vice-versa.

Polarização
Os campos E e B de uma onda electromagnética plana que se propaga
no vazio têm a forma genérica representada na fig. 3.8: - oscilam transver-
salmente à direção de propagação, com periodicidade espacial bem definida.
Se o plano de oscilação do campo eléctrico (e do campo magnético) se
mantiver constante diz-se que a onda tem polarização linear. Normalmente
o estado de polarização é referido à oscilação do vector E (como E e B estão
acoplados basta definir um deles).
Todavia, a polarização não tem que ser linear; satisfazem igualmente
as equações de Maxwell ondas transversais em que o plano formado pelos
vectores E e B roda durante a propagação (ver fig. 3.9). Trata-se nesse caso
de ondas com polarização circular (eventualmente elı́ptica), a qual pode ser
circular esquerda ou direita consoante o sentido de rotação de E em relação
a k (ver fig. 3.9).

A intensidade das ondas electromagnéticas


No caso de uma onda electromagnética plana (monocromática), o vector de
Poynting tem a forma

1 1 E2
S= (E × B) = EB k̂ = 0 cos2 (k · r − ωt) k̂
µ0 µ0 µ0 c
3.6. ONDAS ELECTROMAGNÉTICAS EM MEIOS CONDUTORES 39

Isto é, o vector de Poynting de uma onda sinusoidal é ele próprio uma onda
sinusoidal, mas com frequência dupla da frequência dos campos.27 Contudo,
o interesse reside no valor médio de S. Define-se a intensidade de uma onda
eletromagnética em cada ponto como a média temporal de S, i.e., I = hSi,
E02 D 2 E E2 ǫ0
I = hSi = cos (k · r − ωt) = 0 = E02 c = huic (3.47)
µ0 c 2µ0 c 2
(pois hcos2 ϑi = 21 ). Isto é, a intensidade da onda é igual à densidade média
de energia do campo electromagnético28 a multiplicar pela velocidade dessa
onda (note-se que qualquer densidade de fluxo é a densidade do que se move
vezes a respetiva velocidade, e.g., para a carga, j = ρv), (eq. 1.68), etc.
Sempre que uma onda electromagnética encontra uma fronteira e o meio
muda de caracterı́sticas, há lugar a reflexão e refracção das ondas. As
condições de fronteira dos campos eléctrico e magnético (eqs. 3.15) determi-
nam as relações entre os campos nessas fronteiras e, portanto, as intensidades
das ondas refractada e reflectida em qualquer interface. Porém, não faremos
essa análise aqui.
As ondas electromagnéticas, pelo seu interesse, pela diversidade dos con-
ceitos que envolve e pelo universo das suas aplicações, têm que ser estudadas
especificamente, nas suas diversas vertentes. Importa ainda assim discutir
alguns fenómenos mais significativos e algumas aplicações relevantes.

3.6 Ondas electromagnéticas em meios con-


dutores
Como é sabido, num condutor em condições estacionárias, j = σE, onde σ
é a condutividade. Os tempos transientes num bom condutor são da ordem
de τ ∼ 10−19 s (ver discussão em § 2.3). Por isso, em geral, para a maioria
das aplicações, τ ≪ ω1 , e pode-se considerar que dentro de um condutor,
ρtotal = 0, mesmo a alta frequência,29 pois em cada ponto são tantas as cargas
positivas quantas as negativas, apesar de poder haver correntes, j = ρv.
27
Note que cos2 ϑ = 1+cos2

; o valor médio de cos2 ϑ, é então hcos2 ϑi = 12 + hcos(2ϑ)i.
28
A densidade de energia dos campos E e B é u = ǫ20 E 2 + 2µ1 0 B 2 = ǫ0 E 2 cos2 (k ·r − ωt).
Por conseguinte, hui = ǫ20 E02 .
29
Este argumento é delicado e convém entendê-lo bem. Num condutor (quase)ideal
(σ ∼ 108 ≫ 1) a carga eventualmente acumulada num ponto interior de um condutor
dispersa-se muito rapidamente, ∇ · j = σ∇ · E ⇒ ρ(t) = ρ(0)e−σt/ǫ (no cobre este tempo
40 CAPÍTULO 3. ELECTRODINÂMICA

Num bom condutor as eqs. de Maxwell ficam então na forma (cf.


eqs. 3.13)

∇·E =0 (3.48)
∇·B =0 (3.49)
∇ × E = −∂t B (3.50)
∇ × B = µσE + µǫ∂t E (3.51)

Aplicando o rotacional às duas últimas equações, considerando a identidade


∇ × (∇ × E) = ∇(∇ · E) − ∇2 E (ver apêndice A), vem

∇ × (∇ × E) = −∂t (∇ × B)
= −µσ∂t E − µǫ∂t2 E

isto é,
∇2 E − µǫ∂t2 E = µσ∂t E (3.52)
e, analogamente,
∇2 B − µǫ∂t2 B = µσ∂t B (3.53)
As equações 3.52 e 3.53 são equações de onda não homogéneas (o lado
direito não é nulo). Conquanto não saibamos a priori qual é a solução destas
equações, admitamos todavia que uma onda plana que se propaga ao longo
de z é solução, i.e., que

E(z, t) = E 0 ei(kz−ωt) ; B(z, t) = B 0 ei(kz−ωt) (3.54)

Substituindo na eq. 3.52 (e em 3.53) conclui-se que estas expressões são de


facto soluções da equação de onda 3.52 (e 3.53), com a restrição de que

k 2 = µǫω 2 + iµσω (3.55)

significando que k = k ′ + ik ′′ . Ou seja, as expressões 3.54 são soluções se o


número de onda for um número complexo, k = k ′ + ik ′′ , em que k ′ e k ′′ são
de trânsito é τ ∼ σǫ ∼ 10−19 s). O condutor pode pois ser considerado em equilı́brio
estacionário, mesmo que a frequência seja muito elevada. Um bom condutor caracteriza-
se assim por ter σǫ ≪ ω1 , ou seja, σ ≫ ǫω. A qualidade de um condutor tem pois que ser
aferida consoante a gama/banda de frequências dos sinais que o percorrem.
3.6. ONDAS ELECTROMAGNÉTICAS EM MEIOS CONDUTORES 41

os dois números positivos,30


v s
r u  2
µǫ u σ
k′ = ω
t
1+ 1+ (3.57)
2 ǫω
v s
r u  2
′′ µǫ u
t σ
k = ω −1 + 1+ (3.58)
2 ǫω

Por conseguinte, os campos de uma onda electromagnética plana que se


propaga através de um condutor têm a forma
′′ ′
E = E 0 e−k z ei(k z−ωt) (3.59)
′′ ′
B = B 0 e−k z ei(k z−ωt) (3.60)

Ou seja, a onda electromagnética que se propaga através de um meio con-


dutor, é uma onda amortecida, cuja amplitude decresce exponencialmente à
medida que se propaga e perde energia para o meio (se a condutividade for
nula, k ′′ = 0 e não há atenuação da onda).
Num bom condutor, a divergência dos campos E e B é nula e, portanto,
as ondas são também transversais, tal como no vazio (cf. § 3.5.6). Do
rotacional de E (ou de B) resulta ainda a relação entre os campos, (ver
eq. 3.45),
k
B = (k̂ × E)
ω
Todavia, neste caso k é um número complexo, k = k ′ + ik ′′ = |k|eiα , e,
consequentemente, os campos E e B da onda que se propaga num meio
condutor têm uma diferença de fase, α, que é
!
k ′′
α = atan (3.61)
k′
30
As expressões de k ′ e k ′′ obtêm-se da igualdade k 2 = k ′2 −k ′′2 +2ik ′ k ′′ = µǫω 2 +iµσω,
i.e.  ′2
k − k ′′2 = µǫω 2 = ξ
2k ′ k ′′ = µσω = ζ
donde ( 2
k ′4 − ξk ′2 − ζ4 = 0
2 (3.56)
k ′′4 + ξk ′′2 − ζ4 = 0
cujas soluções são as as eqs. 3.57 e 3.58; (as outras soluções não são fisicamente aceitáveis).
42 CAPÍTULO 3. ELECTRODINÂMICA

B
z

vazio condutor

Figura 3.10: Campos E e B de uma onda electromagnética que se propaga


num meio condutor. As amplitudes decrescem exponencialmente com a
distância percorrida dentro do condutor (a superfı́cie do condutor está em
z = 0). Note-se que há uma diferença de fase entre os campos E e B, a qual
é função das propriedades do meio.

Isto é, se
′′ ′
E = E0 Ê e−k z ei(k z−ωt) ; (3.62)
|k| ′′ ′
B= E0 (k̂ × Ê) e−k z ei(k z−ωt+α) ) (3.63)
ω
Na fig. 3.10 esquematizam-se os campos de uma onda electromagnética que
se propaga num bom condutor, onde se ilustra a diferença de fase entre os
campos. Num bom condutor, tem-se σ ≫ ǫω e, portanto, k ′ ≈ k ′′ , sendo a
diferença de fase aproximadamente 45o .
Em suma, conclui-se das equações anteriores que uma onda electro-
magnética se extingue exponencialmente à medida que penetra através de
um meio condutor; o que significa que, na prática, não penetra para além
da camada superficial. Este efeito é conhecido como efeito pelicular (em
inglês, skin effect) e tem consequências importantes, nomeadamente nas lin-
has de transmissão, quer de sinal quer de potência.
Como se disse atrás, considera-se que um meio é um bom condutor se tem
condutividade muito elevada, tal que σ ≫ ǫω, (o cobre tem σ ∼ 108 Ω−1 m−1
e o limite σ ∼ ǫω atinge-se para ω ≃ 7 × 1018 Hz). Para frequências aquém
desse limite, a expressão 3.58 fica
r r r
µǫ σ µσω q
k ′′ ≈ ω = = πµσf (3.64)
2 ǫω 2
3.6. ONDAS ELECTROMAGNÉTICAS EM MEIOS CONDUTORES 43

onde f é a frequência da onda. Isto significa que (ver eq. 3.62) a distância
média de penetração31 da onda no condutor é da ordem de δ = k1′′ , ou seja,
1
δ=√ (3.66)
πµσf
Com efeito, a essa distância, δ, da superfı́cie, a amplitude da onda está re-
duzida a cerca de 1/3 do valor à entrada. Esta distância caracterı́stica, δ,
designa-se como profundidade pelicular, sendo, como se vê, uma quanti-
dade que decresce com a frequência. A tabela 3.2 tem os valores da profun-
didade pelicular do cobre para várias frequências.32
Devido a este efeito pelicular (mas não só) as ondas de frequência muito
elevada propagam-se nos cabos das linhas de transmissão apenas numa fina
camada superficial do condutor. Por consequência, a resistência efetiva de
um fio condutor é geralmente muito maior a frequências elevadas do que seria
se a corrente fosse contı́nua.
Podemos estimar a importância do efeito pelicular num condutor
cilı́ndrico sólido, de comprimento ℓ e raio a, supondo que a corrente é uni-
forme nessa fina pelı́cula de espessura δ. Se a corrente for contı́nua a re-
sistência do fio é
1 ℓ
R0 =
σ πa2
Porém, se a corrente for variável, só corre na camada superficial e, conse-
quentemente, √
1 ℓ a a πµσf
R≈ = R0 = R0 (3.67)
σ 2πaδ 2δ 2
e, portanto, a resistência do fio cresce com a raiz quadrada da frequência
da corrente que o percorre. Por exemplo, num fio de cobre com 5 mm de
diâmetro a resistência por metro é R0 /ℓ ≃ 8 × 10−4 Ω/m, para corrente
contı́nua. Porém, a 25 kHz, só uma pelı́cula é efetivamente condutora e por
31
O valor médio da distância percorrida pela onda é
R∞ ′′

0
dz ze−k z 1
δ = R∞ ′′ z
= ′′ (3.65)
0
dz e −k k

Quando z = δ, fica E(z = δ) = E0 /e ≃ E0 /3, ou seja, a amplitude cai para cerca de 1/3
ao fim da distância δ.
32
Não deve pois surpreender que todos os bons condutores sejam opacos à luz visı́vel
(cuja frequência é f ∼ 1014 Hz) - as ondas não passam! É também por isso que os bons
espelhos são feitos com pelı́culas boas condutoras, ver nota da pág. 27.
44 CAPÍTULO 3. ELECTRODINÂMICA

Tabela 3.2: Profundidade pelicular do cobre para várias frequências das on-
das electromagnéticas.

frequência, f (Hz) pelı́cula, δ (mm)


10 20.8
50 9.4
100 6.6
500 3.0
10 kHz 0.66
100 MHz 6.6 × 10−3
10 GHz 6.6 × 10−4

isso R/ℓ ≃ 50 Ω/m. Por consequência, para frequências elevadas é inútil


utilizar fios grossos; é preferı́vel utilizar cabos multifilares, porque têm uma
superfı́cie especı́fica muito mais elevada e portanto resistência menor.33

3.7 A linha de transmissão coaxial


Seja um cabo coaxial muito longo em que o condutor interno tem raio a e
o externo tem raio b, estendido ao longo do eixo z (ver fig. 3.11). Supomos
que ambos os condutores são bons (σ ≫ ǫω), tal que no seu interior ρ = 0.
Consideramos também que o meio que separa os dois condutores é linear,
sendo a permitividade ǫ e a permeabilidade µ e que nesse espaço se propaga,
ao longo do cabo, uma onda electromagnética de frequência elevada e que,
devido ao efeito pelicular, os campos não penetram nos condutores.
No caso vertente, a onda electromagnética não se propaga livre pelo
espaço, mas confinada ao espaço entre os raios a e b do cabo de transmissão.
Os campos devem ser soluções da equação de onda e das equações de Maxwell,
(
∂t2 E = v 2 ∇2 E , ∇ · E = 0 , ∇·B =0
(3.68)
∂t2 B = v 2 ∇2 B , ∇ × E = −∂t B , ∇ × B = µǫ∂t E

onde v = 1/ µǫ. Nas superfı́cies do espaço em que se propagam, os campos
33
Os cabos das linhas de alta tensão são constituı́dos por fios de aço entrelaçados (para
resistência mecânica) envolvidos por múltiplos fios de Al para condução elétrica, dado que
a profundidade pelicular do Al é δ ≈ 1 cm a 50 Hz.
3.7. A LINHA DE TRANSMISSÃO COAXIAL 45

b y ϕ
^
a
ρ
^
ϕ
ϕ z x
x z^
ρ
^ ϕ
^
y

Figura 3.11: O cabo coaxial é constituı́do por um condutor interno de raio


a e outro externo de raio b, separados por um dielétrico. Uma onda elec-
tromagnética propaga-se através do dielétrico ao longo do cabo, sendo con-
comitantemente acompanhada pela propagação de flutuações de cargas e de
correntes nas superfı́cies dos condutores.

devem ainda satisfazer as respectivas condições de fronteira em ̺ = a e ̺ = b,


em particular,

n̂ × (E + − E − ) = 0 (3.69)
n̂ · (B + − B − ) = 0 (3.70)

(as restantes condições de fronteira envolvem as densidades superficiais de


cargas e de correntes, as quais desconhecemos a priori ).
Em coordenadas cilı́ndricas, (̺, ϕ, z), os campos têm as componentes,

E = E̺ ̺ˆ + Eϕ ϕ̂ + Ez ẑ
B = B̺ ̺ˆ + Bϕ ϕ̂ + Bz ẑ

Porém, visto que a onda é transversal e se propaga em z, Ez = 0 e Bz = 0;


por razões da simetria, nenhum dos campos depende de ϕ (i.e. ∂ϕ ❀ 0);
além disso, E ⊥ B.
A equação da divergência de E e de B diz-nos então que, nestas condições,
1 f (z, t)
∇·E =0 = ∂̺ (̺E̺ ) = 0 → E̺ =
̺ ̺
g(z, t)
∇·B =0 → B̺ =
̺
onde f e g são duas funções a determinar. As condições de fronteira em ̺ = a
impõem que B̺ = 0, e consequentemente g = 0, pois dentro do condutor o
46 CAPÍTULO 3. ELECTRODINÂMICA

campo é (aproximadamente) zero devido ao efeito pelicular. Conclui-se assim


que B = Bϕ ϕ̂. Para além disso, visto que E ⊥ B, então apenas E̺ 6= 0 e,
portanto, E = E̺ ̺ˆ = ̺1 f (z, t) ̺ˆ.
Os campos E e B devem também satisfazer a equação de onda na direção
de propagação, z, (
∂z2 E = c12 ∂t2 E
(3.71)
∂z2 B = c12 ∂t2 B
Assim, relativamente ao campo eléctrico, tem-se
1 2 1
∂z f = 2 ∂t2 f → f (z, t) = E0 ei(kz−ωt)
̺ c̺
com ω/k = v e, consequentemente,
E0 i(kz−ωt)
E(z, t) = e ̺ˆ
̺
O campo B = Bϕ ϕ̂ obtém-se agora facilmente da equação ∇ × E = −∂t B,
Z
−∂t B = −∂z E̺ ϕ̂ → B = ϕ̂ ∂z E̺ dt

e, portanto,
E0 i(kz−ωt)
B= e ϕ̂
̺v
Concluı́mos assim que no espaço entre os dois condutores se propaga uma
onda electromagnética, cujos campos são da forma34 (ver fig. 3.12)
E0 i(kz−ωt)
E(̺, z, t) = ̺ˆ e (3.72)
̺
E0 i(kz−ωt)
B(̺, z, t) = ϕ̂ e (3.73)
̺c
As ondas transversais representadas pelas equações anteriores constituem
o chamado modo principal de propagação em cabos coaxiais. Há todavia
também outros modos de propagação mais complicados que correspondem a
ondas electromagnéticas que não são simultaneamente transversais em E e
em B (ver § 3.11).
34
Verifique que, de facto, ambos os campos satisfazem as condições de fronteira 3.70,
nas superfı́cies dos condutores.
3.7. A LINHA DE TRANSMISSÃO COAXIAL 47

b
E
1111111111111
0000000000000
B k
0000000000000 a
1111111111111 111
000
000
111
0000000000000
1111111111111 000
111
000
111
0000000000000
1111111111111
B
000
111
B
k E
E
Figura 3.12: Campos E e B de uma onda electromagnética que se propaga
através do cabo coaxial no modo fundamental de propagação (dominante):
o campo eléctrico é radial e o campo magnético é axial. a) Vista transversal
e b) vista longitudinal.

Podemos antecipar que devem existir cargas e correntes nas superfı́cies


condutoras, induzidas pela passagem da onda electromagnética. Essas cargas
e correntes podem-se obter das condições fronteira dos campos em ̺ = a:

ǫE0 i(kz−ωt)
(σ)̺=a = n̂ · (ǫ+ E + − ǫ− E − ) = a
e
(3.74)
(k)̺=a = n̂ × ( µ1+ B + − 1
µ−
B−) = ẑ µE0 ca
0
ei(kz−ωt)

onde ǫ é a permitividade do dielétrico no espaço entre os raios a e b e ω/k =



v = 1/ µǫ. As cargas e correntes na superfı́cie ̺ = b obtêm-se analogamente.
Conclui-se das equações anteriores que as flutuações das cargas e das
correntes nas superfı́cies do cabo coaxial constituem elas próprias ondas su-
perficiais que se propagam ao longo do cabo, em interação com a onda elec-
tromagnética que se propaga através do dielétrico (e portanto em fase com
ela). Esta constatação justifica que se possa considerar a propagação de um
sinal eléctrico através de um cabo coaxial a partir da perspectiva das cor-
rentes e das cargas superficiais dos seus condutores, no âmbito da teoria de
circuitos. Fazemos isso a seguir.

3.7.1 Análise do cabo a partir da teoria de circuitos


Do ponto de vista da teoria de circuitos, caracterizam um cabo coaxial a
capacidade, a indutância e a resistência dos seus dois condutores, todas por
48 CAPÍTULO 3. ELECTRODINÂMICA

unidade de comprimento (ver eq. 3.67),


 
2πǫ µ b 1 1 1
C= b ; L= ln ; R = +
ln a 2π a 2πσδ a b

Neste sentido, o cabo pode ser substituı́do por um circuito equivalente. Em


cada elemento de comprimento dz, R e L são elementos em série, enquanto
que C é um elemento entre os dois condutores. Para descrever a eventual con-
dutividade do dielétrico acrescenta-se ainda uma condutância, G, por unidade
de comprimento, que será nula se o dielétrico for um isolador eléctrico per-
feito (ver fig. 3.14); mas vamos supor por ora que G = 0. As cargas e
correntes superficiais e as diferenças de potencial serão descritas por funções,
q(z, t), I(z, t) e V (z,
√t), respectivamente (chamamos I à corrente para não se
confundir com i = −1).
Na superfı́cie do elemento de comprimento dz, existe a carga dq = V C dz,
(note que C é a capacidade por unidade de comprimento). A variação da
carga do elemento dz é obviamente igual à corrente que entra menos a que
sai, num intervalo de tempo dt, (ver fig. 3.13),

δ(dq) = [−I(z + dz) + I(z)] dt = −∂z I dz dt

Portanto, como dq = V C dz,

−∂z I dz dt = δ(dq) = C∂t V dt dz

pois, em dt, tem-se δV ≈ ∂t V dt. Isto é,

−∂z I = C∂t V (3.75)

Mas, por outro lado, considerando as equações dos circuitos, a diferença de


potencial entre z e z + dz é, (ver figs. 3.13 e 3.14),
dI
−dV = −∂z V dz = (R dz)I + (L dz)
dt
Ou seja, em cada ponto do cabo,

−∂z V = RI + L∂t I (3.76)

Derivando as eqs. 3.75 e 3.76 conclui-se que

∂z2 I = LC ∂t2 I + RC ∂t I (3.77)


3.7. A LINHA DE TRANSMISSÃO COAXIAL 49

Esta é uma equação de onda não homogénea, que descreve uma onda amorte-
cida, que se vai extinguindo à medida que se propaga (c.f. eq. 3.52). A am-
plitude da onda vai-se reduzindo à medida que ela percorre o cabo, devido às
perdas óhmicas por efeito Joule. Este efeito dissipativo não se manifestou na
análise precedente porque apenas analisámos a propagação da onda através
do dielétrico.
A função V (z, t) é também ela descrita por uma onda cuja equação é

∂z2 V = LC ∂t2 V + RC ∂t V (3.78)

Se R → 0, então não há amortecimento ao longo do cabo e a equação


reduz-se à equação de onda homogénea,

∂z2 I = LC ∂t2 I (3.79)

Em suma, as flutuações da corrente e da diferença de potencial (i.e. os


sinais eléctricos) propagam-se ao longo (dos condutores) do cabo com veloci-
dade
1 1
v=√ =√
LC µǫ
Isto significa que a velocidade de propagação do sinal eléctrico é igual à
velocidade da onda electromagnética que percorre o meio dielétrico entre os
dois condutores, tal como tı́nhamos visto na eq. 3.74. Isto é, o sinal eléctrico
nos condutores acompanha e vai associado à onda electromagnética que se
propaga no meio dielétrico. É evidente que assim deve ser, pois as flutuações
de carga e de corrente estão associadas à passagem da onda electromagnética
e devem propagar-se em fase com ela.

3.7.2 Reflexão do sinal no cabo


Quando a onda que se propaga através do cabo anterior chega à sua extrem-
idade reflete-se (ainda que parcialmente), e vai sobrepôr-se ao sinal electro-
magnético transportado por esse cabo. Este ruido fantasma é indesejável
e constitui um problema bem conhecido no domı́nio da instrumentação
eletrónica. Para suprimir as reflexões na extremidade do cabo usam-se ter-
minações entre os dois condutores com impedância igual à impedância efetiva
caracterı́stica do cabo. Em resultado disso, a onda não sente mudança de
meio e não se reflete.
50 CAPÍTULO 3. ELECTRODINÂMICA

V(z) V(z+dz) a

I(z) I(z+dz)

dz

Figura 3.13: Análise da propagação da perturbação eléctrica (i.e., do sinal),


associada a uma onda electromagnética que se propaga ao longo de um cabo
coaxial.

R dz L dz

C dz V(z+dz,t)
V(z,t)
G dz

dz

Figura 3.14: Uma linha de transmissão de dois condutores (e.g., um cabo


coaxial) pode ser parametrizada com uma cadeia de circuitos RLC em
sequência. Em cada elemento de comprimento dz, tem-se R e L em série
e G e C que ligam um condutor ao outro. A condutância G tem em conta a
eventual condutividade do dielétrico. Os parâmetros R, L, C e G são todos
quantidades por unidade de comprimento de cabo.
3.8. OS POTENCIAIS RETARDADOS 51

A impedância caracterı́stica do cabo é Z = VI . Tendo em conta as


equações do cabo, eqs. 3.75 e 3.76, e visto que Z é uma constante carac-
terı́stica do circuito, então, derivando tem-se, (para R = 0),
V ∂t V ∂z V L∂t I L1
Z= = = = = (3.80)
I ∂t I ∂z I C∂t V CZ
Por conseguinte, a impedância caracterı́stica de um cabo sem resistência, por
metro de cabo coaxial, é35 s
L
Z= (3.82)
C
q
Assim, se na extremidade do cabo for ligada uma resistência R = LC , as
caracterı́sticas da extremidade são semelhantes às do meio e quando a onda
aı́ chega não se reflete. Uma classe importante de cabos coaxiais usa ter-
minações de 50 Ω (nomeadamente a norma BNC).

3.8 Os potenciais retardados


As equações de Lorenz dos potenciais do campo electromagnético são, (cf.
eqs. 3.20),

∇2 A − µ0 ǫ0 ∂t2 A = −µ0 j (3.83)


ρ
∇2 V − µ0 ǫ0 ∂t2 V = − (3.84)
ǫ0
35
A expressão mais geral da impedância caracterı́stica deve também contar com as
perdas da linha de transmissão. Na fig. 3.14 tem-se, para um sinal de frequência ω, que:
i) a queda de tensão por unidade de comprimento é δV /dz = Z1 I = (R + jωL)I; e
ii) as perdas de corrente por unidade de comprimento são δI/dz = Z2 V = (G + jωC)V .
Por conseguinte,
s
V δV (G + jωC) I R + jωL
Z= = = → Z= (3.81)
I δI (R + jωL) V G + jωC

(usamos na expressão anterior, excecionalmente, a notação j = −1, porque é a habitual
na análise de circuitos). Esta é a expressão mais geral da impedância caracterı́stica do
cabo; se G = R = 0 esta expressão reduz-se à eq. 3.82.
Vemos da expressão anterior que, se ω for pequeno, a impedância é puramente resistiva
e os efeitos ondulatórios são desprezáveis, em particular as reflexões. Ou seja, a questão
da reflexão dos sinais só se coloca se os sinais que percorrem o cabo tiverem frequência
elevada, ou tiverem componentes de Fourier de frequência elevada.
52 CAPÍTULO 3. ELECTRODINÂMICA

z
j
ρ
r"
r’ τ ( V(r), A(r))
O r

x y

Figura 3.15: O atraso dos potenciais V e A no ponto r depende da distância


r ′′ ao ponto em que se dá a flutuação. Qualquer alteração na distribuição de
cargas e (ou) correntes será percepcionada no ponto r com um atraso igual
ao tempo que a onda electromagnética demora a percorrer a distância r ′′ , à
velocidade da luz.

Estas duas equações são claramente equações de onda não homogéneas (são
homogéneas em pontos onde ρ = j = 0), o que significa que no regime não
estacionário, as variações dos potenciais formam ondas que se propagam pelo

espaço à velocidade da luz, c = 1/ µ0 ǫ0 .
As equações de Lorenz são, como se vê, uma generalização das equações de
Poisson da eletrostática, às quais se reduzem no regime estacionário, ficando
∇2 A = −µ0 j (3.85)
ρ
∇2 V = − (3.86)
ǫ0
Vimos nos capı́tulos precedentes que as soluções destas últimas equações têm
a forma (ver eqs. 1.50, 2.24 e fig. 3.15),
µ0 Z j(r ′ ) ′
A(r) = dτ (3.87)
4π τ r′′
1 Z ρ(r ′ ) ′
V (r) = dτ (3.88)
4πǫ0 τ r′′
Por conseguinte, as soluções das eqs. 3.83 e 3.84 devem também ser, em
princı́pio, uma generalização das soluções do regime estacionário.
Discutimos nas linhas seguintes as soluções do potencial V , mas pode-se
aplicar o mesmo argumento às componentes do potencial vector, A.
As eqs. 3.83 e 3.84 são equações de onda que variam linearmente com
as fontes, pelo que é válido o princı́pio de sobreposição. Considerando a
3.8. OS POTENCIAIS RETARDADOS 53

y q v
θ r"
r’
θ
V(r ,t)
r
z’ z
x

Figura 3.16: O potencial V no ponto r associado a uma carga pontual, q,


em movimento com velocidade v = vẑ, depende dessa velocidade.

isotropia do espaço, cada carga infinitesimal variável será origem de uma onda
esférica de potencial, de amplitude infinitesimal - i.e., origina uma ondula ou
ondı́cula esférica - com a forma genérica, (ver eq. 3.40 e fig. 3.15),
′′
f (r′′ − ct)
′′ f (t − rc )
dV (r , t) = = (3.89)
r′′ r′′
Contudo, na vizinhança da fonte o efeito de propagação do potencial não
se põe, pelo que nesse ponto a solução deve-se aproximar da solução esta-
cionária, i.e.,
r ′′
f (t − c
) f (t) ρ(r ′ , t)dτ ′
lim = lim = lim
r →0
′′
r′′ r
′′ →0 r ′′ r ′′ →0 r′′
 ′′
  ′′

pelo que f t − rc = ρ r ′ , t − rc dτ ′ .
O potencial V de uma distribuição variável de cargas deve ser dado pela
sobreposição de todas as ondı́culas com origem em cada uma das flutuações
elementares de cargas, eq. 3.89. O mesmo se pode dizer acerca das com-
ponentes do potencial vector, A. Podemos pois prever que as soluções das
equações de Lorenz têm a forma,
′′
1 Z ρ(r ′ , t − rc ) ′
V (r, t) = dτ (3.90)
4πǫ0 τ r′′
′′
µ0 Z j(r ′ , t − rc ) ′
A(r, t) = dτ (3.91)
4π τ r′′
onde j(r ′ , t − r′′ /c) e ρ(r ′ , t − r′′ /c) são as distribuições que existiam em
tempos recuados, t − r′′ /c, quando essas ondulas foram emitidas, (sendo
54 CAPÍTULO 3. ELECTRODINÂMICA

esses tempos diferentes para cada ondula). Estas soluções são, de facto, uma
generalização das respectivas soluções estacionárias, eqs. 3.87 e 3.90, que são
conhecidas como potenciais retardados.36
As equações anteriores dizem-nos claramente que, em condições não-
estacionárias, é necessário ter em conta o tempo de trânsito da variação
dos potenciais, desde as fontes (em r ′ ) até ao ponto em que é observado o
seu efeito, em r (ver fig. 3.15). Isto é, os potenciais V e A que existem num
ponto r em cada instante são os de cargas e correntes que existiam instantes
antes, em t − δt, onde δt = r′′ /c é o tempo de transito de cada ondı́cula
entre r ′ e r, feito à velocidade da luz. Os potenciais V e A em cada ponto
são portanto os das cargas e correntes que em cada instante se veem a partir
desse ponto (literalmente!). São por isso potenciais retardados, do mesmo
modo que a imagem que se vê do céu é a imagem das estrelas, não a que elas
têm agora, mas a imagem que elas tinham no instante em que emitiram a
luz que nós vemos, porventura há muitos milhões de anos atrás; e esse tempo
não é o mesmo para todas elas. O que vemos no céu é portanto uma imagem
retardada do universo!
As soluções 3.90 e 3.91 permitem calcular os campos criados por cargas e
correntes em qualquer regime variável e têm por isso grande importância.
Calculadas estas soluções, os campos obtêm-se derivando essas soluções,
recorrendo às eqs. 3.17, entre os potenciais e os campos.

3.8.1 Potenciais de Liénard-Wiechert⋆


As considerações desta secção não são necessárias à compreensão das secções sub-
sequentes.
O facto de o ”retardamento” não ser exatamente o mesmo para todas as on-
dulas, embora aparentemente insignificante, tem implicações nomeadamente nos
potenciais de uma carga pontual em movimento. Uma carga pontual pode ser
tomada como o caso limite em que ρ é nulo excepto na sua vizinhança. Assim,
uma carga que se desloque com v = vẑ, será descrita no laboratório por uma função
ρ(x′ , y ′ , z ′ − vt), (no referencial em que a carga está em repouso). Num ponto r
R ′ ′ ′ ′′ /c))
o potencial retardado é V ∼ τ ρ(x ,y ,z −v(t−r r ′′ dx′ dy ′ dz ′ , onde r ′′ = r − r ′ .
36
Note-se que a generalização das soluções estacionárias dos campos de Coulomb e de
Biot-Savart não têm sentido, apesar da sua semelhança com as expressões dos potenciais.
De facto, não há para os campos referidos equações de onda equivalentes às eqs. 3.83 e
3.84, às quais se apliquem os argumentos supra. Ou seja, os campos de Coulomb e de
Biot-Savart são soluções estritamente estacionárias.
3.8. OS POTENCIAIS RETARDADOS 55

Quando se considera o limite da carga pontual, r′′ pode passar para fora do inte-
gral; porém, o integral resultante não é igual à carga, pois a função ρ não se refere a
um instante particular (i.e., não é uma foto da nuvem de carga), já que r′′ depende
de r ′ mas também de r. Mas fazendo a mudança de variável, ζ = z ′ − v(t − r′′ /c),
fica ρ = ρ(x′ , y ′ , ζ), e visto que r′′2 = (x − x′ )2 + (y − y ′ )2 + (z − z ′ )2 , então
 
v z′ − z ′ v
dζ = dz ′ + ′′
dz = dz ′ 1 − cos θ
c r c
pois (z − z ′ )/r′′ = cos θ, (ver fig. 3.16). R O fator (1 − vc cos θ) sai para fora do
integral, que assim se reduz à carga, q = τ ρ(x′ , y ′ , ζ)dx′ dy ′ dζ.
Por conseguinte, o potencial de uma carga pontual, q, em movimento com
velocidade, v tem a forma
1 q
V (r, t) = (3.92)
4πǫ0 r (1 − vc cos θ)
′′

onde θ é o ângulo entre v e r ′′ (ver fig. 3.16).


Como o movimento da carga corresponde a uma densidade de corrente j = ρv,
então,
v
A(r, t) = 2 V (r, t) (3.93)
c
Os potenciais 3.92 e 3.93 são os potenciais de Liénard-Wiechert, (1900). A partir
destes potenciais obtêm-se, nos moldes habituais, os campos criados por uma carga
pontual animada de uma velocidade qualquer.
Resta demonstrar explicitamente que as soluções 3.91 e 3.90 são de facto
soluções das equações de onda de Lorenz para os potenciais, (eqs. 3.83 e
3.84). Mostramo-lo a seguir só para o tranquilizar.

Demonstração da solução dos potenciais retardados⋆


Esta demonstração não é necessária para compreender as secções subsequentes.
1
Com vista a simplificar a notação fazemos κ = 4πǫ 0
na eq. 3.90, ficando a
R ρ(r ′ ,t−r ′′ /c)
expressão do potencial, V = κ r ′′ dτ ′ . Sabendo que ∇2 V = ∇ · ∇V ,
comecemos a calcular
Z Z   
∇ρ ′ 1
∇V = κ dτ + ρ∇ dτ ′
r′′ r′′
  ′′
Ora, como r ′′ = r − r ′ , então ∇ r1′′ = − rr̂′′2 e ∇ρ = − 1c ∂t ρ∇r′′ = − 1c ∂t ρ r̂′′ , e,
portanto,  Z 
r̂′′ r̂′′
Z
1
∇V = −κ ∂t ρ ′′ dτ ′ + ρ ′′2 dτ ′
c r r
56 CAPÍTULO 3. ELECTRODINÂMICA
   
Dado que ∇ · (f a) = ∇f · a + f ∇ · a; que ∇ · r̂r = r12 ; e que ∇ · rr̂2 = 0, excepto
em r = 0, onde é uma indeterminação (verifique em coord. cartesianas); aplicando
a divergência vem:
Z  
2 1 r̂′′ 1 r̂′′ r̂′′ r̂′′
∇ V = −κ ∂t (∇ρ) · ′′ + (∂t ρ) ∇ · ′′ + ∇ρ · ′′ + ρ ∇ · ′′2 dτ ′
c r c r r r

mas como ∇ρ = − 1c ∂t ρ r̂′′ , então


Z  
1 1 1 r̂′′
∇2 V = −κ − 2 ′′
∂t2 ρ + ′′2 ∂t ρ − ′′2 ∂t ρ + ρ∇ · ′′2 dτ ′
c r cr cr r
Isto é,  Z   
r̂′′
Z
1 2 ρ ′
∇2 V = ∂ κ dτ −κ ρ∇ · dτ ′
c2 t r′′ r′′2
| {z }
V
 ′′

Porém, visto que ∇ · rr̂′′2 = 0 excepto na vizinhança de r′′ = 0, a segunda parcela
resume-se ao integral de volume numa esfera na vizinhança de r′′ = 0, com raio
a ≪ 1, tendo-se então,

r̂′′ r̂′′
Z Z
ρ(r ) ∇ · ′′2 dτ ′ =

ρ(r ′ ) ∇ · dτ ′
r r ′′ <a r′′2
r̂′′ r̂′′
Z I
≈ ρ ∇· dτ ′ = ρ · ds′ = 4πρ
r ′′ <a r′′2 S r′′2

onde ds′ = r′′2 sin θ dθ dϕ r̂′′ , com ρ = ρ(r′′ = 0) = ρ(r ′ ). Voltando atrás, conclui-
se finalmente que
1 ρ
∇2 V − 2 ∂t2 V = −
c ǫ0
Esta demonstração aplica-se igualmente a cada umas das componentes do potencial
A.

3.9 Radiação de um dipolo eléctrico


Discutimos nos parágrafos precedentes a propagação de ondas eletro-
magnéticas em vários meios, em condições diversas. Todavia, em nenhuma
das circunstâncias analisadas se discutiu como foram geradas essas ondas.
As soluções dos potenciais retardados têm grande interesse prático no
domı́nio da electrodinâmica, nomeadamente na teoria das antenas. De facto,
3.9. RADIAÇÃO DE UM DIPOLO ELÉCTRICO 57

a forma mais simples de calcular os campos que são radiados por uma antena
é calcular primeiramente os potenciais retardados em cada ponto e, a partir
deles, obter os campos eléctrico e magnético que constituem a onda emitida.
Têm particular interesse as ondas sinusoidais (ver § 3.5.5). As fontes dos
campos das ondas electromagnéticas radiadas hão de ser nesse caso densi-
dades de correntes que oscilam harmonicamente, a que correspondem cor-
rentes da forma, n o
I(t) = I0 cos ωt = I0 ℜe e−iωt (3.94)
Ou seja, visto de longe, no ponto r, (ver fig. 3.15),37
!
′ r′′ r ′′
j r ,t − = j(r ′ )e−iω(t− c
)
(3.95)
c
O potencial em r é dado pela eq. 3.91,
ωr ′′
µ0 −iωt Z ei c
A(r, t) = e j(r ′ ) ′′ dτ ′ = A(r)e−iωt (3.96)
4π τ r
Se as correntes estiverem confinadas a um fio fino de comprimento ℓ, então
jdτ ′ = Idℓ ′ , pelo que
ωr ′′
µ0 −iωt Z ei c
A(r, t) = e I(r ′ ) ′′ dℓ ′ (3.97)
4π r
Um dipolo de Hertz é constituı́do por um fio fino, muito curto, de com-
primento ℓ ≪ 1, percorrido por uma corrente que oscila harmonicamente,
I = I0 cos(ωt). Este elemento básico é o limite assimptótico de uma antena
dipolar eléctrica. Em pontos afastados do dipolo, o campo calculado para
esse dipolo não é significativamente diferente daquele que é devido p.ex. a
uma antena de meia onda, que tem ℓ = λ2 . Os cálculos são, porém, muito
mais simples.38
Seja o dipolo eléctrico elementar de Hertz da fig. 3.17, percorrido pela
corrente sinusoidal da eq. 3.94.39 O potencial (retardado), A(r, t), criado
37
Como é habitual, omite-se a menção explı́cita à parte real, de modo a simplificar a
notação. Não há, porém, ambiguidade porque as quantidades fı́sicas são evidentemente
reais.
38
Este argumento deve ser usado com cautela, pois em geral são relevantes as diferenças
de fase introduzidas por elementos radiantes diferentes.
39
Nesta situação a carga do fio desloca-se periodicamente num e no outro sentido, sendo
em cada ponto q(t) = q0 sin(ωt) e, portanto, I = q0 ω cos(ωt), com I0 = q0 ω.
58 CAPÍTULO 3. ELECTRODINÂMICA

r^
z
ϕ^
r θ^
θ

l
ϕ
x y

Figura 3.17: O dipolo de Hertz é constituı́do por um fio fino de comprimento


ℓ ≪ 1, percorrido por uma corrente oscilante, I = I0 cos(ωt).

por esta corrente num ponto à distância r′′ = r do dipolo (que está colocado
na origem de coordenadas), é
ωr ′′ ωr
µ0 −iωt Z ℓ ei c µ0 ei c −iωt
A(r, t) = e I(r ′ ) ′′ dℓ ′ ≈ I0 ℓ e ẑ (3.98)
4π 0 r 4π r
Isto é, A = Az ẑ.
O problema trata-se melhor em coordenadas esféricas, sendo então
A = Az ẑ = Ar r̂ + Aθ θ̂ + Aϕ ϕ̂
com
Ar = Az ẑ · r̂ = Az cos θ
Aθ = Az ẑ · θ̂ = −Az sin θ
Aϕ = Az ẑ · ϕ̂ = 0
Há claramente simetria azimutal na fig. 3.17, pelo que os potenciais e os
campos não podem depender de ϕ. O campo B, radiado pelo dipolo, vem
da relação B = ∇ × A, sendo
1
B = [∂r (rAθ ) − ∂θ Ar ] ϕ̂
r
( ! !)
ωr ωr
ξ ei c ξ ei c
= ∂r r (− sin θ) − ∂θ cos θ ϕ̂
r r r r
( )
ξ iω i ωr ξ i ωr
= − sin θe c + 2 e c sin θ ϕ̂
r c r
3.9. RADIAÇÃO DE UM DIPOLO ELÉCTRICO 59

µ0
onde se fez ξ = I ℓe−iωt .
4π 0
Ora, visto que c = ωk , fica
 
µ0 I 0 ℓ −iω 1
B(r, θ, t) = sin θ + 2 ei(kr−ωt) ϕ̂ (3.99)
4π rc r
Vemos portanto que o campo B tem duas componentes, uma que decresce
com a distância, r, e a outra com o quadrado da distância. Em pontos
afastados do dipolo, quando r ≫ 1, o campo fica reduzido a40
µ0 I0 ℓ sin θ ω i(kr−ωt)
B(r, θ, t) = −i e ϕ̂ (3.100)
4π r c
Em pontos fora do dipolo, j = 0, e ∇ × B = µ0 ǫ0 ∂t E, donde se tem
1 1
[∂θ (sin θBϕ )] r̂ − ∂r (rBϕ )θ̂ = µ0 ǫ0 ∂t E
r sin θ r
µ0 I 0 ℓ 1
Então, fazendo η = 4π e µ0 ǫ0 = c2 na eq. 3.99, obtém-se
 h i
1 η −iω 1


 ∂E
c2 t r
= r sin θ rc
+ r2
2 sin θ cos θ ei(kr−ωt)
 h   i
1
= − ηr ∂r r sin θ −iω 1

 ∂E
c2 t θ rc
+ r2
ei(kr−ωt)
Isto é,  h i
2iηc2 −iω 1
 Er =

 ω r2 c
+ r3
cos θ ei(kr−ωt)
 h i
 E = i c2 η sin θ − k2 −
 ik
+ 1
ei(kr−ωt)
θ ω r r2 r3
Em pontos afastados do dipolo, o campo eléctrico radiado é pois
µ0 I0 ℓ sin θ i(kr−ωt)
E(r, θ, t) = −iω e θ̂ (3.101)
4π r
π
(o fator i = ei 2 que aparece nas eqs. 3.100 e 3.101 é uma diferença de fase
(de π2 ) entre a oscilação da corrente e os campos que ela radia).
Faz-se notar que, como é de supor em campos constitutivos de ondas
electromagnéticas, os campos das equações 3.100 e 3.101 são mutuamente
ortogonais, E ⊥ B, e que, além disso, |B| = |E c
|
.
O campo eléctrico radiado por um dipolo de Hertz, dado pela eq. 3.101,
está representado na fig. 3.18, para dois instantes sucessivos. Este campo é
pois, basicamente, o de uma onda esférica, modulado pela função sin θ, (cf.
eq. 3.40). A amplitude decresce com o inverso da distância ao dipolo, como é
caracterı́stico de uma onda esférica, diferentemente do campo de um dipolo
eléctrico estático, que varia com 1/r3 .
40 k 1
Mais exatamente, quando r ≫ r2 , i.e. no limite em que kr ≫ 1, ou seja, para r ≫ λ.
60 CAPÍTULO 3. ELECTRODINÂMICA

k k

k k
E

Figura 3.18: Linhas de campo eléctrico da onda electromagnética emitida


por um dipolo eléctrico oscilante de Hertz (ao centro), em dois instantes
sucessivos, separados de meio perı́odo. O campo B é perpendicular ao plano
do papel. O vector k indica a direção de propagação em cada ponto. Ilustra-
se também a oscilação do vector E no plano horizontal, em associação com
o mapa de linhas de campo. Note-se que não é radiado campo na direção
axial do dipolo.
3.9. RADIAÇÃO DE UM DIPOLO ELÉCTRICO 61

θ I(θ)

x y

Figura 3.19: Diagrama polar da intensidade da radiação emitida por uma


antena dipolar eléctrica de λ/2. Nesta representação a intensidade, I(θ), é
proporcional à distância à origem. Como I(θ) ∼ sin2 θ, a intensidade é muito
pequena para θ ∼ 0 e θ ∼ π, tendo-se a intensidade máxima para θ ∼ π2 . O
corte na imagem é bastante ilustrativo dessa caracterı́stica.

A densidade de fluxo de energia radiada pelo dipolo de Hertz, em pontos


r ≫ λ, é
1 E2
S = (E × B) = 0 r̂
µ0 µ0 c
ω 2 µ2 I 2 ℓ2
sin θ 2
com E02 = 16π0 0
2 r2
. A intensidade da onda electromagnética é dada, em
qualquer ponto pela média temporal do vector de Poynting, S, (ver § 3.5.6),
sendo portanto,
ω 2 µ20 I02 ℓ2 sin2 θ
I = hS(r, θ)i =
32π 2 µ0 c r2
pois hcos2 ωti = 21 (cf. nota pág. 39). Na fig. 3.19 representa-se num dia-
grama polar a intensidade da radiação emitida. A comparação com o cálculo
para uma antena de meia onda (cujo comprimento é ℓ = λ2 ) mostra quão boa
é a aproximação de dipolo elementar de Hertz (ver fig. 3.20).
A potência total média radiada pelo dipolo é igual ao integral de fluxo
da intensidade da onda através de uma superfı́cie fechada, S, que contenha
o dipolo, I
hP i = hSi · ds (3.102)
S
ω2 µ 2 2
0 I0 ℓ
R π R 2π sin2 Rπ
Isto é, hP i = 32π 2 c 0 0 r2
θ 2
r sin θ dθ dϕ, e como 0 sin3 θ dθ = 34 , então

µ0 ω 2 ℓ 2 2
hP i = I (3.103)
12πc 0
62 CAPÍTULO 3. ELECTRODINÂMICA

θ I(θ)

Figura 3.20: Diagrama polar da intensidade da radiação dipolar. Com-


paração entre o dipolo de Hertz (linha a cheio) e uma antena de meia onda
(linha a tracejado).

Esta equação expressa a chamada relação de potência da antena e pode ser


posta na forma41
I2
hP i = R 0 = RI02e (3.104)
2
41
A eq. 3.103 também se pode escrever explicitamente em função do momento dipolar
eléctrico radiante. A amplitude do momento dipolar eléctrico é p0 = q0 ℓ, onde q0 é a
amplitude da carga do dipolo, a qual se pode relacionar com a amplitude da corrente visto
que I0 ≈ qT0 = q0 2π
ω
. Pode-se portanto escrever a eq. 3.103 como,

µ0 p20 4
hP i = ω
48π 3 c

Esta equação é importante porque nos diz que: - uma carga a oscilar radia ondas
electromagnéticas com uma potência que é proporcional à quarta potência da frequência
de oscilação.
Um exemplo dramático em que a equação anterior está implicada é na existência do
céu azul (e do pôr do sol vermelho). O céu é azul devido à interação da radiação solar
com as moléculas da atmosfera, em resultado da qual as moléculas se tornam em pequenos
dipolos eléctricos oscilantes. A potência (re)emitida por essas moléculas, é proporcional
à 4a potência da frequência, sendo por isso muito mais intensa no azul do que na banda
do vermelho. Em resultado disso, a luz azul é dispersa em todas as direções mais do
que outras componentes e o céu torna-se azul. Este tipo de dispersão é conhecido como
dispersão de Rayleigh.
É também devido a esta dispersão que o pôr do sol é vermelho; nessa altura a luz
atravessa muito mais ar e a dispersão da componente azul é maior - a luz do pôr do sol é
a que sobra, (expurgada de azul é vermelha).
3.9. RADIAÇÃO DE UM DIPOLO ELÉCTRICO 63

onde I0e é o valor eficaz da corrente e R é a resistência da radiação,


!2
µ0 ω 2 ℓ 2 ℓ
R= = 80π 2 [Ω] (3.105)
6πc λ

em que λ é o comprimento de onda da onda emitida pela antena. Por ex-


λ
emplo, se ℓ = 20 , então R ≃ 2 Ω e estamos perante uma antena de baixa
potência: - se o pico de corrente for I0 = 2 A, a potência radiada é somente
I2
hP i ≃ 2 × 20 ≃ 2 W. Mas se ℓ = λ/2, R ≃ 200 Ω e a mesma corrente de 2 A
radia uma potência de 200 W.

3.9.1 Ganho da antena


Como se vê pelas equações anteriores, uma antena dipolar eléctrica não ra-
dia isotropicamente. O ganho de uma antena traduz num coeficiente a di-
recionalidade da radiação emitida por essa antena. O ganho, G, é definido
como o quociente entre a intensidade da onda num certo ponto do espaço e
a intensidade média medida à mesma distância da antena,

I hS(r, θ)i hP i
G(θ) = = , onde hIi = hhSii = (3.106)
hIi hhSii 4πr2

i.e., hhSii representa a média da média temporal do vector de Poynting sobre


a esfera centrada na antena, a que pertence o ponto considerado. No caso
µ0 ω 2 ℓ2
vertente, do dipolo de Hertz, hhSii = 48π 2 cr 2 e portanto o ganho é,

µ0 ω 2 ℓ2 48π 2 cr2 2
G(θ) = 2 2 2 2
sin2 θ = sin2 θ (3.107)
32π cr µ0 ω ℓ 3

Ou seja, o ganho máximo do dipolo de Hertz é 32 , em qualquer direção do


plano perpendicular à antena.42 Na direção axial a antena tem ganho zero.
Combinando várias antenas dipolares em sequência podem-se construir
antenas de elevado ganho, altamente direcionais, tirando partido da inter-
ferência entre as ondas emitidas por cada um dos elementos dipolares do
conjunto. Tais configurações são muito comuns no domı́nio das telecomu-
nicações.
42 2
É comum expressar o ganho de uma antena em escala dB. Um ganho G = 3 traduz-se
assim em GdB = 10 log10 G ≃ 1.76 dB.
64 CAPÍTULO 3. ELECTRODINÂMICA

k
E

z r B
r"
θ

r’ y
ϕ
i x

Figura 3.21: Dipolo magnético oscilante, constituı́do por uma espira circular.
Representam-se os campos E e B da onda que ele radia, num ponto r.

3.10 Radiação de um dipolo magnético


Como o nome faz subentender, uma antena dipolar magnética é constituı́da
por um dipolo magnético oscilante.
Seja uma antena dipolar magnética elementar constituı́da por uma espira
circular de raio a ≪ λ, colocada na origem de coordenadas, (ver fig. 3.21),
que é percorrida pela corrente variável,
n o
I = I0 cos ωt = ℜe e−iωt

Como vimos em § 3.8, o potencial vector (retardado) criado por esta corrente,
num ponto r é
µ0 I I0 dℓ ′ −iω(t− r′′ )
A(r, t) = e c (3.108)
4π C r′′
o qual se refere às correntes existentes no instante (passado) em que a per-
turbação electromagnética deixou a espira e que, após um tempo de trânsito
′′
τ = rc , chega ao ponto r.
O cálculo do campo criado pelo dipolo magnético é mais complicado do
que o de um dipolo eléctrico elementar, pois neste caso é necessário integrar
sobre toda a espira.43
43
Se considerássemos apenas um dos elementos dessa espira então tratar-se-ia de um
·⊙
dipolo de Hertz e não de uma espira, ⌣.
3.10. RADIAÇÃO DE UM DIPOLO MAGNÉTICO 65

Vamos calcular o campo electromagnético em pontos afastados da espira,


no caso em que a espira é muito mais pequena do que o comprimento de
onda da luz que ela emite.  
2
Como se vê na fig. 3.21, r ′′ = r−r ′ , pelo que r′′2 = r2 1 + ar2 − 2 ar cos θ′ ,
onde cos θ′ = r̂ · r̂′ . No limite em que r ≫ a, fica44
 
a
r ≈ r 1 − cos θ′
′′
(3.109)
r
Em coordenadas esféricas,

r̂ = sin θ cos ϕ x̂ + sin θ sin ϕ ŷ + cos θ ẑ


r̂′ = cos ϕ′ x̂ + sin ϕ′ ŷ
ϕ̂ = − sin ϕ x̂ + cos ϕ ŷ

e, portanto, cos θ′ = r̂ · r̂ ′ = sin θ cos ϕ cos ϕ′ + sin θ sin ϕ sin ϕ′ . Juntando as


expressões anteriores, atendendo a que dℓ ′ = a dϕ′ ϕ̂ ′ e que c = ωk ,

µ0 I0 i(kr−ωt) I a dϕ′ ϕ̂ ′ ika cos θ′


A(r, t) ≈ e e
4πr 1 − ar cos θ′
Na aproximação que estamos a considerar, a espira é muito pequena, com-
parada com o comprimento de onda, a ≪ λ, e portanto, ka ≪ 1. Podemos
por isso desenvolver a exponencial em série de Taylor,
′ 1
eika cos θ ≈ 1 + ika cos θ′ − k 2 a2 cos2 θ′ + . . .
2
 −1
Para além disso, como por hipótese r ≫ a, então 1 − ar cos θ′ ≈
 
a ′
1 + cos θ . Por conseguinte,
r
 
µ0 I0 a i(kr−ωt) I a
A(r, t) ≈ e dϕ′ ϕ̂ ′ (1 + ika cos θ′ . . .) 1 + cos θ′
4πr r
 I
µ0 I0 a i(kr−ωt)
≈ e 0 + ika (− sin ϕ′ x̂ + cos ϕ′ ŷ) ×
4πr 
× (sin θ cos ϕ cos ϕ′ + sin θ sin ϕ sin ϕ′ ) dϕ′

já que ϕ̂ = − sin ϕ′ x̂ + cos ϕ′ ŷ (desprezam-se termos de ordem O(r−2 )).



44
O desenvolvimento da raiz quadrada em série Taylor dá: 1 + x ≈ 1 + x2 , se x ≪ 1.
66 CAPÍTULO 3. ELECTRODINÂMICA

Mas, devido à simetria, o potencial não pode depender de ϕ. Como não


depende, fazemo-lo zero! i.e. podemos simplesmente calcular A em ϕ = 0,
na certeza de que A terá a mesma forma em quaisquer outros pontos onde
ϕ 6= 0. Assim,
µ0 I0 a i(kr−ωt)
A(r, t) = e ikaπ sin θ ŷ , se ϕ = 0
4πr
Rodando os eixos varrem-se pontos em que ϕ 6= 0 e imediatamente se conclui
que (ver fig. 3.21),

µ0 I0 a i(kr−ωt)
A(r, t) = e ikaπ sin θ ϕ̂ (3.110)
4πr
π
O fator i = ei 2 indica que há uma diferença de fase de π2 entre a oscilação
da corrente e a do potencial A.
Os campos E(r, t) e B(r, t) são dados pelas eqs. 3.17,45

E(r, t) = −∂t A (3.111)


B(r, t) = ∇ × A (3.112)

Assim, visto que m0 = I0 πa2 é a amplitude do momento magnético da espira,


então
µ0 m 0 ω k
E(r, t) = sin θei(kr−ωt) ϕ̂ (3.113)
4π r
µ0 m 0 ω k
B(r, t) = sin θei(kr−ωt) θ̂ (3.114)
4πc r
expressões que são válidas em pontos r ≫ a, se ka ≫ 1 (i.e. se λ ≫ a.
Obtiveram-se assim os campos radiados por uma antena dipolar magnética
em pontos a grande distância, r ≫ a, para o caso em que se o comprimento
da onda emitida for muito maior que a espira, λ ≫ a.
É interessante comparar os campos radiados por um dipolo magnético
com os que são radiados por um dipolo elétrico de Hertz, eqs. 3.100 e 3.101.
Verifica-se, com efeito, que o campo E radiado pelo dipolo elétrico corre-
sponde ao campo B do dipolo magnético e vice-versa. O perfil de radiação
emitida é pois semelhante nos dois casos, trocando E ⇀
↽ B; ou seja, o padrão
45
Note que, neste caso, se a espira for um bom condutor, então ρ = 0 na espira e,
portanto, não haverá quaisquer cargas estáticas, em nenhum lugar, e então V =const.
3.10. RADIAÇÃO DE UM DIPOLO MAGNÉTICO 67

dos campos radiados por um dipolo magnético oscilante é o que está repre-
sentado na fig. 3.18, trocando E com B nessa figura.
A intensidade da radiação emitida obtém-se a partir do vector de Poynt-
ing, S = µ10 E × B; em pontos afastados S = S r̂ e, portanto,

µ0 m20 ω 4 sin2 θ
S= r̂ e2i(kr−ωt) (3.115)
16π 2 c3 r2
A intensidade da onda é assim,
!
µ0 m20 ω 4 sin2 θ
I = hSi = (3.116)
32π 2 c3 r2

pois hcos2 ϑi = 21 (ver nota pág. 39).


A potência total radiada pelo dipolo magnético obtém-se
H
por integração
do fluxo da intensidade, sobre todos os ângulos, hP i = S hSi · ds,
µ0 m20 4 I02
hP i = ω = RI02e (3.117)
12πc3 2
onde I0e é o valor eficaz da corrente e R é a resistência da radiação desta
antena dipolar magnética,
µ0 πa4 ω 4
 4
a
R= 3
= 320π 6 (3.118)
6c λ
λ
Assim, por exemplo, se o raio da espira for a = 20 e a corrente for Ie = 2 A,
então R ≈ 1.9 Ω e hP i ≈ 7.7 watt. Como se vê, neste caso, tal como no dipolo
de Hertz, a potência radiada cresce com a quarta potência da frequência de
oscilação do dipolo (cf. pág. 62).
!!!!????Io ou Ioeficaz????? ver
Um enrolamento com N espiras sobrepostas é equivalente a uma espira
com corrente N I e tem, portanto, uma potência radiante N 2 vezes superior
à de uma espira. Mas se estas N espiras estiverem espaçadas, formando uma
estrutura helicoidal como a da figura 3.22), há uma diferença de fase entre
as ondas radiadas por diferentes espiras. Em resultado dessa interferência,
uma antena helicoidal que tenha um tamanho da ordem do comprimento de
onda, radia essencialmente num cone na direção do eixo axial e tem por-
tanto um ganho muito elevado. Ademais, como os elementos dℓ das espiras
variam continuamente de orientação, as ondas emitidas por esta antena têm
polarização circular.
68 CAPÍTULO 3. ELECTRODINÂMICA

cabo coaxial
prato reflector

Figura 3.22: Uma antena helicoidal é altamente direcional, radiando num


cone ao longo da direção axial (i.e., tem ganho muito elevado). Como a ori-
entação de sucessivos elementos dℓ das espiras varia incrementalmente, as
diferenças de fase entre as ondı́culas desses elementos originam ondas com
polarização circular. Por estas duas razões, esta antena é particularmente ad-
equada para as telecomunicações espaciais, já que é mais imune às constantes
mudanças de orientação relativa dos satélites em órbita.

Este tipo de antena helicoidal é muito usado em comunicações espaciais,


devido quer à sua elevada direcionalidade (ou ganho), quer também pelo
facto de a radiação emitida ser circularmente polarizada e, portanto, mais
conveniente em aplicações em que muda constantemente a orientação relativa
entre o emissor e o recetor, como é o caso de satélites em órbita.

3.11 Guias de ondas⋆


A discussão que faremos deste assunto é necessariamente breve e tem sobre-
tudo o propósito de dar consistência ao todo e chamar a atenção para aspectos
fundamentais acerca das ondas electromagnéticas ainda não descortinados.
Um guia de ondas, contrariamente a uma linha de transmissão, tem ape-
nas um condutor. É normalmente constituı́do por um tubo condutor oco,
(ou por um tubo dielétrico dentro doutro, como nas fibras ópticas), cuja
secção pode ser qualquer, mas que na prática é ou retangular ou circular.
A sua utilização é particularmente importante para transmitir sinais de ele-

vada frequência (>GHz), ou elevadas potências, casos em que os efeitos de
indução se tornam dominantes.46 Consequentemente, a propagação de ondas

46
Para frequências da banda das microondas ou superiores (>GHz), o efeito pelicular
3.11. GUIAS DE ONDAS⋆ 69

de frequência muito elevada faz-se preferencialmente em condutores ocos, ou


em fibras ópticas dielétricas, na forma de ondas electromagnéticas guiadas.
As correntes e tensões ao longo do guia são então meros efeitos associados
à passagem da perturbação electromagnética - a energia é essencialmente
transmitida através do volume do guia de ondas.
Analisámos nas secções precedentes a propagação de ondas electro-
magnéticas em espaço aberto e demonstrámos que essas as ondas electro-
magnéticas são transversais. Vimos que também que há ondas transversais
numa linha de transmissão coaxial. Todavia, importa que não fique a ideia
de que as ondas electromagnéticas são sempre transversais. Em boa verdade,
só é assim se as ondas se propagarem livremente no espaço sem fronteiras.
Nesse caso as frentes de onda não têm qualquer restrição, são planos ou su-
perfı́cies esféricas, ou etc... (consoante se trate de ondas planas, esféricas,
etc..., ver § 3.5.5). Nesse caso, as equações ∇ · E = 0 e ∇ · B = 0 implicam
que E e B sejam transversais à direção de propagação, respectivamente (ver
§ 3.5.6).
Num guia de ondas o espaço está limitado pelas respectivas paredes,
havendo que considerar as condições de fronteira dos campos E e B em
todas essas superfı́cies. Por via disso, as amplitudes dos campos são nec-
essariamente funções do espaço (não são constantes), pelo que a condição
de divergência nula já não tem a implicação de que o campo seja normal à
direção de propagação. Ademais, mostra-se que as ondas electromagnéticas
transversais (TEM), em que ambos E e B são perpendiculares à direção de
propagação, não se podem propagar num guia de ondas condutor: - todas
as ondas que nele se propagam ou são transversais eléctricas (TE), ou são
transversais magnéticas (TM), mas não ambas as coisas. Conclui-se ainda
que só se propagam num guia de ondas as ondas que tenham frequência su-
perior a um determinado valor limite, caracterı́stico de cada guia de ondas,
chamado frequência de corte ou de cut-off. Isto é, um guia de ondas é opaco
para frequências inferiores à respetiva frequência de cut-off.47
Assim, em geral, as ondas electromagnéticas têm caracterı́sticas diferentes
consoante se propagam i) no espaço livre, ii) numa linha de transmissão,

torna-se muito elevado, assim como as correntes induzidas de Foucault. Por consequência,
a resistência dos cabos eléctricos torna-se muito elevada e, consequentemente, são grandes
as perdas óhmicas de Foucault.
47
A razão de ser para o guia ser opaco em frequências inferiores à frequência de cut-off,
ωc , é que se ω < ωc não é possı́vel satisfazer simultaneamente as equações de onda, as
equações de Maxwell e as condições de fronteira.
70 CAPÍTULO 3. ELECTRODINÂMICA

y
b E
B

a x

Figura 3.23: Guia de ondas de secção retangular. Os campos representados


são de uma onda transversal eléctrica (TE).

ou iii) no espaço de um guia de ondas. As primeiras, vimo-lo, são ondas


transversais (TEM), em que quer E quer B são ambos vectores normais à
direção de propagação, em qualquer ponto. Numa linha de transmissão, que
é constituı́da por dois condutores, as ondas ainda são predominantemente
TEM, mas coexistem com ondas TE e TM, a frequências elevadas. Porém,
num guia de ondas em geral não é possı́vel ter ondas electromagnéticas em
que ambos E e B sejam transversais à direção de propagação. Em todos os
casos, porém, E ⊥ B em cada ponto, como decorre das equações de Maxwell.

3.11.1 Guia de ondas retangular


Seja um guia de ondas de secção retangular, com lados a e b, que se estende
ao longo do eixo z (ver fig. 3.23), no qual se propaga, por hipótese, uma onda
electromagnética. Se as paredes forem de um condutor ideal, então E = 0 e
B = 0 dentro do condutor (cf. efeito pelicular). As condições de fronteira
de E e de B (não dependentes de cargas ou correntes) implicam então que
junto às superfı́cies interiores do condutor, E k = 0 e B ⊥ = 0, onde k e ⊥ se
referem à componente do campo que é tangente e perpendicular à superfı́cie,
respectivamente.
Supomos que as ondas são sinusoidais, mas não planas, pois a sua am-
plitude há de eventualmente variar ao longo da secção do guia de ondas, de
modo a satisfazer as condições de fronteira nas paredes. Como as ondas se
propagam ao longo de z, então
E(x, y, z, t) = E 0 (x, y)ei(kz z−ωt) (3.119)
B(x, y, z, t) = B 0 (x, y)ei(kz z−ωt) (3.120)
3.11. GUIAS DE ONDAS⋆ 71

Suponhamos primeiramente, por hipótese, que E 0 = E0y ŷ. As condições


de fronteira exigem que junto das paredes, em x = 0 e x = a, o campo
E se anule, por forma a que a componente tangencial seja contı́nua nessas
paredes. Mas esta variação da amplitude E 0 ao longo da secção do tubo tem
consequências. Com efeito,

Z Z x̂ ŷ ẑ
B=− dt ∇ × E = − dt ∂x ∂y ∂z
0 Ey 0
 Z Z 
= − −x̂ dt ∂z Ey + ẑ dt ∂x Ey
h   i i
= x̂ ∂z E0 y + ikz E0 y − ẑ ∂x E0 y ei(kz z−ωt)
ω
ou seja, como E0 y = E0 y (x, y), então Bz 6= 0 (!). Isto significa que o campo
magnético desta onda não é transversal à direção de propagação, ẑ. Uma
onda com estas caracterı́sticas é uma onda transversal eléctrica (TE). Porém,
as linhas do campo B ainda formam linhas fechadas, pois ∇ · B = 0; o
que significa que em parte essas linhas seguem ao longo do guia de ondas,
que é a direção de propagação (ver fig. 3.23). Esta configuração satisfaz
também a condição de continuidade da componente B ⊥ em todas as paredes
do condutor, i.e., contando que |B| → 0 nas paredes laterais.

ondas TE e TM
No caso mais geral de uma onda TE, cuja velocidade é segundo z, temos
então n o
E(x, y, z, t) = E0 x (x, y)x̂ + E0 y (x, y)ŷ ei(kz z−ωt)
1 2
Da equação de onda, ∇2 E = ∂ E,
c2 t
vem que
( 2
∂x2 E0x + ∂y2 E0x − kz2 E0x = − ωc2 E0x
2
∂x2 E0 y + ∂y2 E0 y − kz2 E0 y = − ωc2 E0 y

Como as condições de fronteira do campo em x = 0 e x = a não dependem


de y e em y = 0 e y = b não dependem de x, o campo deve estar fatorizado
em x e y, de tal modo que os zeros do campo em x não dependem de y e
vice-versa:

E0 x (x, y) = χ(x)η(y) ; E0 y (x, y) = χ′ (x)η ′ (y)


72 CAPÍTULO 3. ELECTRODINÂMICA

onde χ(x) e η(y) e χ′ e η ′ são funções a determinar. Nestes termos,


!
d2 χ d2 η ω2
η 2 + χ 2 = kz2 − 2 η χ
dx dy c

e, portanto, !
1 d2 χ 1 d2 η 2 ω2
+ = kz −
χ dx2 η dy 2 c2
As variáveis x e y são independentes e por isso as duas parcelas da equação an-
terior são também independentes. Como a igualdade é válida para quaisquer
valores de x e y, conclui-se que essas parcelas são necessariamente constantes
(é o método de separação de variáveis),

1 d2 χ
2
= −kx2 (3.121)
χ dx
1 d2 η
2
= −ky2 (3.122)
η dy
com !
ω2
−kx2 − ky2 = kz2 − 2 (3.123)
c
As eqs. 3.121 e 3.122 são equações diferenciais ordinárias, cujas soluções são
sinusoidais,

χ(x) = A1 cos(kx x) + A2 sin(kx x) (3.124)


η(y) = B1 cos(ky y) + B2 sin(ky y) (3.125)

onde A1 , A2 , B1 e B2 são constantes de integração. Por conseguinte,

E0x (x, y) = [A1 cos(kx x) + A2 sin(kx x)] [B1 cos(ky y) + B2 sin(ky y)]
E0y (x, y) = [A′1 cos(kx x) + A′2 sin(kx x)] [B1′ cos(ky y) + B2′ sin(ky y)]

As condições de fronteira são




 Ex (x, y = 0) = 0, → B1 = 0

 E (x = 0, y) = 0,
y → A′1 = 0
(3.126)
 Ex (x, y = b) = 0,

 → ky = mπb
, m = 0, 1, 2, . . .
kx = nπ

Ey (x = a, y) = 0, → a
, n = 0, 1, 2, . . .
3.11. GUIAS DE ONDAS⋆ 73

Para além disso, a equação ∇ · E = 0 = ∂x Ex + ∂y Ey , implica que



′ ′
 B1 A2 ky = −A1 B2 kx

A2 B2 = 0 (3.127)


A′2 B2′ = 0
Conclui-se pois que o campo eléctrico desta onda é

E(x, y, z, t) = C [ky sin(ky y) cos(kx x) x̂ − kx sin(kx x) cos(ky y) ŷ] ei(kz z−ωt)


(3.128)
onde C é uma constante proporcional à amplitude da onda; ky = mπ b
; e
kx = nπ
a
, onde n, m = 0, 1, 2, . . . R
O campo B obtém-se da equação B = − dt ∇ × E, vindo
( )
kz kz 1   π
B= E0 y x̂ − E0 x ŷ − C ky2 + kx2 cos(kx x) cos(ky y) ẑ ei(kz z−ωt+ 2 )
ω ω ω
(3.129)

já que i = e . O campo B não é pois transversal à direção de propagação
2

da onda, ẑ, tal como acima tı́nhamos antecipado.


Como se vê nas expressões anteriores, os campos E e B das ondas TE
dependem de dois números inteiros, os quais caracterizam diferentes modos
de propagação das ondas. Isto significa que no guia de ondas podem coexi-
stir ondas com configurações muito diversas - os modos de propagação. Nas
figuras fig. 3.24 e fig. 3.25 mostram-se representações dos campos E e B de
alguns desses modos de propagação, para os valores de n e m indicados.
As ondas transversais magnéticas, TM, calculam-se de modo semelhante
às TE, quando a priori se assume que B está sempre no plano transversal à
direção de propagação, ẑ. Os padrões de alguns desses modos de propagação
estão também representados nas figuras fig. 3.24 e fig. 3.25.

Frequência de cut-off
Se a constante kz for um número real, i.e., se kz2 > 0, então a onda elec-
tromagnética propaga-se ao longo do eixo z no guia de ondas sem amorteci-
mento. Tendo em consideração a eq. 3.123, conclui-se então que a condição
2
para que não haja atenuação da amplitude da onda é kz2 = ωc2 − kx2 − ky2 > 0;
ou seja, se
s
n2 m 2
ω > ωnm = cπ + 2 , com m, n = 0, 1, 2, . . . (3.130)
a2 b
74 CAPÍTULO 3. ELECTRODINÂMICA

A
λ/2
B

a) b)

Figura 3.24: Modos de propagação num guia de ondas retangular. i) modo


(TE)11 (linha de cima); ii) modo (TM)11 (linha de baixo). Cortes: a)
transversal e b) longitudinal (cortes nos planos A e B). As linhas contı́nuas
são linhas do campo E e as linhas tracejadas são linhas do campo B.

E
B
E
E B

Figura 3.25: Modos de propagação num guia de ondas retangular em repre-


sentação tridimensional. i) modo (TE)11 (à esquerda); ii) modo (TM)11 (à
direita). As linhas contı́nuas são linhas do campo E e as linhas tracejadas
são linhas do campo B.
3.11. GUIAS DE ONDAS⋆ 75

A frequência limite, ωnm , abaixo da qual a onda se extingue, é a frequência de


corte (ou de cut-off ) do guia de ondas que, como se vê, depende do modo de
propagação. Se uma onda tiver frequência inferior a ωnm , então kz2 < 0, o que
significa que kz é imaginário e que, nessa circunstância, a onda é amortecida
exponencialmente e rapidamente se extingue (ver § 3.6). O guia é pois opaco
para frequências, ω < ωnm .

Fluxo de energia
No caso das ondas TE, o campo B tem uma componente na direção de
propagação. Coloca-se por isso a questão de saber que implicações tem isso
no vector de Poynting e na sua relação com a propagação da onda. Ora, no
caso destas ondas,
(
1 1  2 2

S = E×B = E0x + E0y ẑ
µ0 µ0 c
)
1 iπ
+ cos kx x cos ky y (E0x ŷ − E0y x̂) e2i(kz z−ωt+ 2 )
µ0

Vê-se portanto que S tem componentes Sx , Sy e Sz . Porém, as duas


primeiras, e que são transversais à direção de propagação, são alternada-
mente positivas e negativas em x e em y e têm média nula; i.e., valor médio
de S é apenas na direção/sentido de ẑ. A intensidade das ondas TE (e
também das ondas TM) tem portanto a direção/sentido de propagação da
onda, não havendo afinal nenhuma inconsistência com S.

3.11.2 Guia de ondas cilı́ndrico


Se o guia de ondas for cilı́ndrico, de raio a, a equação de onda em coordenadas
cilı́ndricas, (̺, ϕ, z), reduz-se a uma equação diferencial de Bessel. A forma
das soluções é grosso modo semelhante à das soluções do guia retangular,
eqs. 3.128 e 3.129, mas em que, no lugar das funções trigonométricas em x e
y, há agora funções de Bessel, Jm . As funções Jm são uma espécie de funções
trigonométricas amortecidas (ver fig. 3.26).
Os campos eléctrico e magnético das ondas TE tomam então a forma
( )
Cm ′ ′
E(̺, ϕ, z) = Jm (κ̺) sin(mϕ)ˆ
̺ + Cm Jm (κ̺) cos(mϕ)ϕ̂ ei(kz z−ωt)
̺
76 CAPÍTULO 3. ELECTRODINÂMICA

1 J0
.8
J1
.6 J2
.4
.2
0
2 4 6 8 ξ
−.2
−.4

Figura 3.26: Funções de Bessel de primeira ordem, J0 , J1 e J2 .

TE TE TM
01 11 11

Figura 3.27: Modos de propagação num guia de ondas cilı́ndrico. Vista


em corte transversal dos modos (TE)01 , (TE)11 e (TM)11 (o modo (TM)01 é
semelhante a (TE)01 , com E ⇀ ↽ B). As linhas contı́nuas são linhas do campo
E e as linhas tracejadas são do campo B.
3.11. GUIAS DE ONDAS⋆ 77
(

′ Dm
B(̺, ϕ, z) = Dm Jm (κ̺) cos(mϕ)ˆ
̺+ Jm (κ̺) sin(mϕ)ϕ̂ +
̺

′′
+ Dm Jm (κ̺) cos(mϕ)ẑ ei(kz z−ωt) (3.131)

2
onde kz2 − ωc2 = κ2 e onde m = 0, 1, 2, . . .; e Jm ′
é a derivada de Jm , e κ
é a componente transversal do vector de onda k, (isto é, o vector de onda
é k = kz ẑ + κ). Os factores C, C ′ , D, D′ e D′′ são constantes. Compare
estas soluções com as correspondentes soluções do guia retangular, eqs. 3.128,
3.129.
As soluções anteriores, eq. 3.131, são semelhantes às que se aplicam às
fibras ópticas. Porém, as fibras ópticas são particularmente complicadas de
estudar, visto que a parede do guia é uma interface entre dois dielétricos
diferentes e não uma parede condutora, o que implica considerar também a
propagação de ondas nesse meio envolvente à fibra (que é a bainha).
Os modos de propagação correspondem às soluções de onda possı́veis,
compatı́veis com as condições de fronteira dos campos. As condições de
fronteira de E e B impõem que a componente tangencial de E deve ser
contı́nua em ̺ = a, o que significa que Eϕ (a) = 0. Por outro lado, o campo
B deve ter componente normal contı́nua em ̺ = a; i.e., B̺ (a) = 0. Impondo
estas restrições às eqs. 3.131 conclui-se por consequência que as ondas TE
devem satisfazer a condição

Jm (κa) = 0 (3.132)

As funções de Bessel não têm expressão analı́tica exata, estão tabeladas.


′ ′
Os primeiros zeros de Jm (ζ) e Jm (ζ) ocorrem em ζmn e ζmn , respectivamente,
onde m = 0, 1, 2, . . . e n = 1, 2, . . ., (ver fig. 3.26):

m=0: ζ01 = 2.4048; ζ02 = 5.5201; ζ03 = 8.6537; . . .


m=1: ζ11 = 3.8317; ζ12 = 7.0156; ζ13 = 10.1735; . . .
...
′ ′ ′
m=0: ζ01 = 3.8317; ζ02 = 7.0156; ζ03 = 10.1735; . . .
′ ′ ′
m=1: ζ11 = 1.8412; ζ12 = 5.3314; ζ13 = 8.5363; . . .
... (3.133)

′ ′
onde ζmn é o n-ésimo zero da função Jm e ζmn o n-ésimo zero da função Jm .
Assim, a condição 3.132 das ondas TE traduz-se portanto na equação,
78 CAPÍTULO 3. ELECTRODINÂMICA


κa = ζmn , ou seja,

ω2 ′
ζmn
k 2 = κ2 + kz2 = , com κ = (3.134)
c2 a
A onda propaga-se ao longo de z sem se extinguir se kz2 > 0 (cf. eq. 3.131).
2
Ou seja, há ondas se kz2 = ωc2 − κ2 > 0. Isto significa que só se transmitem
através do guia de ondas ondas com frequência ω, tal que
c ′
ω > ωmn ; com ωmn = ζmn (3.135)
a
onde ωmn é a frequência de corte (ou de cut-off ) caracterı́stica do guia de
ondas.
O modo fundamental - o de frequência mais baixa - é pois o modo (TE)11 ,

correspondente a ζ11 ≈ 1.841, ver eqs. 3.133; este é o modo de propagação
dominante num guia de ondas cilı́ndrico. Na fig. 3.27 representam-se a tı́tulo
ilustrativo alguns dos modos de propagação de um guia de ondas cilı́ndrico.
Por exemplo, se o raio for a = 6 cm, então a frequência de corte no modo
(TE)11 é ω11 ≈ 10 GHz.Consequentemente, ondas com frequência inferior a
ω11 não passam neste guia de ondas.
Em geral, as ondas que se propagam dentro do guia de ondas são uma
sobreposição dos vários modos possı́veis, dependendo da frequência do campo
electromagnético injetado no guia de ondas. É todavia possı́vel favorecer um
modo em detrimento doutros, mas não vamos discutir essa questão.

Ondas TM
O campo magnético das ondas TM tem a forma
( )
Cm ′ ′
B= Jm (κ̺) sin(mϕ)ˆ
̺ + Cm Jm (κ̺) cos(mϕ)ϕ̂ ei(kz z−ωt) (3.136)
̺

onde m = 0, 1, 2, . . . e Cm e Cm são constantes. O campo eléctrico pode-se
obter diretamente a partir do campo B. As condições de fronteiras das ondas
TM originam, à semelhança das ondas TE, a condição

Jm (κa) = 0 (3.137)
ζmn
pelo que os valores possı́veis de κ são, κ = a
.
3.11. GUIAS DE ONDAS⋆ 79

Como vimos acima, o modo fundamental (TE)11 só pode ser excitado se
TE
ω > ω11 = 1.841c/a. Como se conclui das eqs. 3.133, o modo seguinte com
frequência mais baixa desse guia de ondas é o modo (TM)01 , cuja frequência
de corte é
TM
ω01 = 2.4048c/a

TE TM
Por consequência, se uma onda tiver frequência no intervalo ω11 < ω < ω01
então apenas é excitado o modo (TE)11 . Um guia de ondas que opere nestas
condições é um guia de ondas monomodo.

Fibras ópticas

A questão anterior tem particular relevância nas fibras ópticas de alto débito,
∼ ∼
estendidas sobre longas distâncias (> 100 Gb/s; > 100 km), porque modos
de propagação diferentes têm velocidades diferentes.48 Esta diferença limita
a taxa de transferência de dados porque desconstroi a forma do sinal trans-
ferido (sobretudo após longas distâncias). Por isso as fibras ópticas usadas
atualmente em telecomunicações de média/longa distância são fibras ópticas
monomodo. Estas fibras são necessariamente muito finas49 ; pois o seu raio,

A velocidade de fase das ondas ao longo do guia é v = kωz , mas a velocidade a que
48

um sinal efetivamente se propaga é a velocidade de grupo, u = dk z
. Vimos acima que
(′)
ω2 ζmn
kz2 = c2 − κ2 , onde κ = a qé um número bem definido em cada modo. Por conseguinte, a
2 2
velocidade do sinal é u = c 1 − κωc2 , o que significa que modos diferentes têm geralmente
velocidade diferente - os modos de ordem mais elevada são geralmente mais lentos.Na
transmissão de um sinal é pois desejável que não haja múltiplos modos a propagar-se
porque, como cada um destes se propaga com velocidade diferente, do outro lado do guia
há uma sobreposição de sinais desencontrados que distorce e desconstroi o sinal original.
Os modos de propagação de um guia correspondem de algum modo às diferentes ondas
estacionárias que se podem formar nas direções perpendiculares à direção de propagação,
já que no plano transversal a onda não se pode propagar. Isso permite descrever semi-
quantitativamente um guia de ondas.
49
De facto, a internet rápida como hoje a conhecemos só se tornou realidade graças à
capacidade em produzir fibras monomodo. Esse reconhecimento valeu aos cientistas que
as desenvolveram o prémio nobel da fı́sica em 2009.
80 CAPÍTULO 3. ELECTRODINÂMICA

100
absorção por
impurezas de OH¯

Atenuação (dB/km)
10

1
dispersão de Rayleigh 1.55 µm

1.31 µm
0.1
absorção de
infravermelho

0.01
0.6 0.8 1.0 1.2 1.4 1.6 1.8
comprimennto de onda (µm)

Figura 3.28: Curva de absorção de uma fibra ótica tı́pica.

a, deve ser menor que50


∼ 2.4048λ
a< q (3.138)
2π n21 − n22
Uma fibra óptica monomodo tı́pica que opere no infravermelho com compri-
mento de onda, λ = 1.31 µm, (ver fig. 3.28), e tenha ı́ndices de refracção com
valores tı́picos de n1 = 1.465 e n2 = 1.460, no núcleo da fibra e na bainha51 ,

respetivamente, deverá portanto ter um raio a < 4 µm.
O anel da rede de fibra óptica da Universidade de Coimbra utiliza fibras
monomodo.

É melhor parar.
Fim.

p
50
O fator n21 − n22 vem das condições de fronteira na interface dielétrica entre a fibra e
a bainha que a envolve
p e relaciona-se com o ângulo crı́tico de reflexão total nessa superfı́cie,
pois sin θc = n11 n21 − n22 ; se θ < θc a luz sai pela parede e perde-se através dela; portanto
não se propaga.
51
Newport Photonics, Technical Note #21.
Capı́tulo 4

Comentário Final

Este texto foi escrito para suporte às aulas de Electromagnetismo dadas
na Universidade de Coimbra nos últimos anos para o curso de Engenharia
Eletrotécnica e Computadores.
Terminadas estas lições podemos agora olhar para trás e ver o longo
percurso andado. Ver como, partindo de equações empı́ricas decorrentes
da observação, se foi argumentando sucessivamente até se concluir que os
campos eléctrico e magnético estão acoplados, que a perturbação de um deles
perturba o outro e que essas perturbações se propagam na forma de ondas
electromagnéticas imateriais, mesmo no espaço vazio.
O objectivo foi explanar os conceitos, interligando-os e dando-lhes con-
texto, tendo sempre presente as aplicações e o cálculo de problemas. A
organização e a sequência dos assuntos tem de resto em conta a necessidade
de paralelamente se irem calculando problemas.
Mas pretendeu-se também mostrar para que é que servem e onde é que se
aplicam esses conceitos, para além do âmbito de aplicação estrito. Foi nessa
tentativa de rasgar horizontes que fomos discutindo na parte final algumas
aplicações relevantes, que nos levaram às portas de outras disciplinas mais es-
pecı́ficas. Deixámos por isso assuntos inacabados, que serão presumivelmente
objecto de estudo mais aprofundado nessas disciplinas, em particular as que
estudam ondas electromagnéticas e óptica, linhas de transmissão, teoria de
circuitos, teoria de antenas e telecomunicações, fibras ópticas, etc...
Por vezes parecerá a alguns que esta análise dos conceitos por detrás dos
fenómenos é desnecessária e que devemos privilegiar as aplicações e focarmo-
nos apenas nas práticas que se utilizam para resolver problemas concretos.
Essa ideia assenta muito nas capacidades de cálculo numérico atuais que

81
82 CAPÍTULO 4. COMENTÁRIO FINAL

múltiplas aplicações informáticas permitem de forma fácil, levando a que por


vezes se ouça (e se ouse) dizer que “o resto não interessa”, que isso “é só
teoria”. Mas essa visão é curta, pois não é verdadeiramente conhecimento
saber martelar uns números se não se souber interpretá-los, se não se tiver
uma ideia em perspetiva acerca do que se espera obter, que permita ajuizar
criticamente os resultados.
Citando Newman: “It is true that numerical thecniques can be more acu-
rate than analitical results since they generally involve fewer assumptions.
However, a big disavantage of numerical techniques is that they yield only
numbers and not equations. Simple equations are usefull since we can
look at them and gain physical insight into the problem and we can also get
design information. Thus, numerical techniques will never replace good (ac-
curate but simple) analytical results”, Prof. E. Newman, Ohio State Univ.
(retirado do livro de Kraus & Fleisch, Electromagnetics, 5th ed., p. 589).
Mas, se por mais não fora, os conceitos que aqui discutimos valem por
si o seu estudo, já que o desenvolvimento da teoria electromagnética é in-
disputavelmente um dos maiores feitos cientı́ficos de sempre, que ainda hoje
serve de modelo inspirador.
Não foi pois em vão o esforço.
Coimbra, 2016. j. pinto da cunha

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