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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

DEPARTAMENTO DE ECONOMIA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS


TEORIA MICROECONÔMICA I
PROF. MARCELO S. PORTUGAL
I SEMESTRE 2016
1º PROVA

1. Considere a função de utilidade dada por 𝑈(𝑥, 𝑦) = [ln 𝑥 𝑎 𝑦 𝑏 ]1/2 , com a + b = 1.


(a) Obtenha as funções de demanda para os bens x e y (1 ponto).

Realizando duas transformações monotônicas na função utilidade, chega-se a uma função Cobb-
Douglas: 𝑈(𝑥, 𝑦) = 𝑥 𝑎 𝑦 𝑏 .
A partir da condição de ótimo da maximização de 𝑈(𝑥, 𝑦) restrita a 𝑝𝑥 𝑥 + 𝑝𝑦 𝑦 = 𝐼:
𝑎𝑥 𝑎−1 𝑦 𝑏 𝑝𝑥
𝑎 𝑏−1
=
𝑏𝑥 𝑦 𝑝𝑦
𝑎𝑦 𝑝𝑥
=
𝑏𝑥 𝑝𝑦
Reorganizando e substituindo na restrição orçamentária:
𝑎𝑝𝑦 𝑦
+ 𝑝𝑦 𝑦 = 𝐼
𝑏
𝑏𝐼 𝑏𝐼 𝑎𝐼 𝑎𝐼
Implicando em: 𝑦 = (𝑎+𝑏)𝑝 = 𝑝 e 𝑥 = (𝑎+𝑏)𝑝 = 𝑝 .
𝑦 𝑦 𝑥 𝑥

(b) Interprete os coeficientes a e b (0,5 ponto).

Como 𝑎 + 𝑏 = 1, observa-se que:


𝑥𝑝𝑥 𝑎𝐼 𝑝𝑥
= =𝑎
𝐼 (𝑎 + 𝑏)𝑝𝑥 𝐼
Portanto, 𝑎 representa a proporção da renda destinada ao consumo de x, e, analogamente, b
representa a proporção da renda destinada ao consumo de y.

(c) Determine e represente graficamente a curva de renda-consumo e a curva de Engel. Classifique


os bens entre normais ou inferiores. (1,5 ponto).

A trajetória renda-consumo consiste em uma relação entre a renda e as quantidade


demandadas de x e de y que, diferentemente da curva de Engel, é expressa no plano xy. Assim
sendo, deve-se partir da relação de I em função de x e de I em função de y, igualando-se estas
expressões:
(𝑎 + 𝑏)𝑥𝑝𝑥 (𝑎 + 𝑏)𝑦𝑝𝑦
𝐼= =
𝑎 𝑏
𝑏 𝑝𝑥
𝑦= 𝑥
𝑎 𝑝𝑦
Então, a trajetória renda-consumo é uma reta com inclinação igual ao preço relativo multiplicado
pela razão dos parâmetros a e b. Abaixo, há uma representação gráfica, supondo, por simplicidade,
𝑝𝑥 = 𝑝𝑦 e a =b, de modo que a inclinação é unitária.
A curva de Engel expressa, no plano Ix (e Iy), a relação direta entre a renda e a quantidade
demandada:
𝑥𝑝𝑥 𝑦𝑝𝑦
𝐼= ,𝐼=
𝑎 𝑎
Supondo px = 1 e a = 0,5, abaixo segue uma representação gráfica da curva de Engel para o bem x,
uma reta com inclinação igual a 2:

𝑑𝑥
Por fim, derivando a função demanda em termos da renda, 𝑑𝐼 = a/px > 0. O mesmo resultado
pode ser apreendido do formato da curva de Engel. A partir de um procedimento análogo para o bem
y, conclui-se que ambos os bens são normais, isto é, crescem na quantidade demandada com
aumentos de renda.
2. A função utilidade 𝑈(𝑥, 𝑦) = (𝑥 2 + 𝑦 2 )𝑘 representa preferências côncavas. Demonstre e explique
a natureza da escolha ótima neste caso (1 ponto).
A denominação preferência côncava decorre do formato das curvas de indiferença, que, ao
contrário do caso convencional, constitui um conjunto côncavo. Especificando 𝑈(𝑥, 𝑦) = 𝑘, as
curvas de indiferença são dadas por circunferências, restritas ao quadrante positivo. A figura abaixo
demonstra que a tangência não representa um ponto de escolha ótima, uma vez que, seguindo a
mesma restrição orçamentária, é possível alcançar uma curva de indiferença mais elevada. No caso
ilustrado abaixo, o consumidor, dadas as suas preferências e os preços relativos, escolhe por
consumir uma quantidade positiva de y e uma quantidade nula de x. Portanto, com preferências
côncavas, as soluções são de fronteira. A diferença principal frente às preferências convexas reside
na hipótese de balanceamento do consumo; isto é, o consumidor não prefere uma combinação linear
de duas cestas as quais se concentram em ou em outro dos bens.

3. Um investidor, com função utilidade Von Neumann-Morgenstern 𝑈(𝑊) = ln 𝑊, defronta-se com


duas opções de aplicação financeira e dispõe de uma riqueza de $100. Uma aplicação, de renda fixa
sem risco, garante um rendimento certo de 15%, enquanto a outra, de renda variável com risco, tem
uma remuneração sujeita à seguinte distribuição de probabilidade:
Cenário 1 Cenário 2 Cenário 3
Retorno -30% 5% 40%
Probabilidade p1 p2 p3

(a) Dada a probabilidade de p1 = 0,25 para o pior cenário possível, encontre os valores de p2 e p3 tais
que o investimento na renda variável seja tão atraente quanto o investimento de renda fixa, para o
investidor acima representado (1 ponto).

Como a soma das probabilidades deve ser 1, define-se p2 = 0,75 – p3. A fim de se ter uma
comparação entre as aplicações que considere a postura do investidor frente ao risco, é preciso uma
relação baseada na utilidade esperada, e não somente no valor esperado do investimento:
0,25 ln 70 + 𝑝2 ln 105 + (0,75 − 𝑝2 ) ln 140 = ln 115
𝑝2 (ln 105 − ln 140) = ln 115 − 0,25 ln 70 − 0,75 ln 140
𝑝2 (−0,2877) = −0,0234
𝑝2 = 0,0814
Se p2 = 0,0814 e, logo, p3 = 0,6686, então ambas as aplicações, de renda variável e de renda
fixa, são equivalentes ao investidor.

(b) Considerando a possibilidade de diversificação, e dado o vetor de probabilidade p = (p1, p2, p3) =
(0,15; 0,5; 0,35), é preferível o investimento concentrado em renda variável ou a ponderação dada
por 50% alocado em renda variável e 50% em renda fixa? (1 ponto)

Calcula-se, primeiramente, a utilidade esperada do investimento em renda variável:


0,15 ln 70 + 0,5 ln 105 + 0,35 ln 140 = 4,6938
Em seguida, procede-se de modo semelhante para o investimento em renda fixa:
ln 115 = 4,7449
A utilidade esperada do investimento ponderado é, portanto:
0,5.4,6938 + 0,5.47449 = 4,7194
Uma vez que 4,7194 > 4,6938, é preferível, para o investidor considerado, o investimento
balanceado frente ao concentrado em renda variável. No entanto, em comparação à aplicação em
renda fixa, esta é superior à diversificação.

(c) Supondo um vetor de probabilidade p = (p1, p2, p3) = (0,25; 0; 0,75), qual é o equivalente certo à
aplicação na renda variável? Isto é, qual é o valor que proporciona utilidade igual à utilidade
esperada da aplicação em renda variável? Represente graficamente e interprete o resultado (1 ponto).

O equivalente certo corresponde ao valor que proporciona a mesma utilidade do que o valor
esperado da utilidade do retorno do investimento em renda variável:
0,25 ln 70 + 0,75 ln 140 = 4,7684
ln 𝐸𝐶 = 4,7684
𝐸𝐶 = ℮4,7684
𝐸𝐶 = 117,73
Observa-se que deve haver uma compensação pelo risco de se investir nesta opção sujeita a perda,
uma vez que, comparando-se o equivalente certo com o retorno da renda fixa, esta é inferior ao
primeiro. Assim, não basta somente o valor obtido de maneira garantida através da renda fixa ($115),
também demanda-se um adicional pelo risco por conta da incerteza envolvida na renda variável.

4. Julgue se as seguintes afirmativas são verdadeiras ou falsas. Justifique sua resposta.


(a) Se (x1, x2) ≽ (y1, y2), sendo (x1, x2) e (y1, y2) duas cestas estritamente distintas, no sentido de que
x1 ≠ y1 e x2 ≠ y2, então a cesta (x1, x2) possui no mínimo as mesmas quantidades de cada bem da
cesta (y1, y2). (1 ponto)

Falso. A hipótese de convexidade das preferências, que indica balanceamento no consumo,


ajuda a visualizar a incorreção da assertiva. Se a cesta x consiste em uma combinação linear da cesta
y, a qual apresenta “grande” quantidade do bem 2, e de outra cesta qualquer z, concentrada no bem 1,
então a cesta x é preferível à cesta y (e também preferível à cesta z), mesmo dispondo de menos de
um dos bens. A figura abaixo representa uma curva de indiferença convexa, demonstrando que x
pode ser preferível a y mesmo tendo uma quantidade inferior do bem 2.
(b) Se, para a demanda por certo bem por parte de um consumidor, o efeito renda é negativo e não
excede o efeito substituição, então o bem é um bem de Giffen. (1 ponto)

Falso. O bem de Giffen é uma classe especial de bem inferior, aquela classe de mercadorias
na qual um aumento de renda diminui a quantidade demandada. Para que isto ocorra, é necessário
que o efeito renda seja, então, negativo, e em uma magnitude absoluta que supere o módulo do efeito
substituição. A equação de Slutsky justifica formalmente o argumento:
𝜕𝑥 𝜕𝑥 𝑐 𝜕𝑥
= −𝑥
𝜕𝑝𝑥 𝜕𝑝𝑥 𝜕𝐼
Como o efeito substituição, medido pelo primeiro termo, é necessariamente negativo, para que um
aumento de preço eleve a quantidade demandada, é preciso que o efeito renda (o segundo termo) seja
negativo e superior, em módulo, ao valor absoluto do primeiro, de forma que o resultado final seja
positivo.

(c) Se as preferências entre dois bens para um consumidor são completas, reflexivas, transitivas e
não saciáveis, então o módulo da taxa marginal de substituição será decrescente ao longo de suas
curvas de indiferença. (1 ponto)

Falso. O módulo da taxa marginal de substituição ser decrescente é uma decorrência da


hipótese independente de convexidade das preferências. Substantivamente, imagina-se que uma cesta
balanceada seja preferível a uma concentrada em somente um dos bens. Matematicamente, dada uma
função utilidade côncava, ela será necessariamente quase-côncava, propriedade matemática segundo
a qual as isoquantas (aqui, curvas de indiferença) são convexas. A hipótese de convexidade das
preferências não guarda relação lógica necessária com as demais hipóteses (completude,
reflexividade, transitividade e não saciedade). A questão 2 demonstra o argumento; preferências
côncavas não dispõem de taxa marginal de substituição decrescente, porém, nada exclui que as
demais hipóteses sejam contempladas.

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