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MONS.

MARCEL LEFEBVRE

DO LIBERALISMO ¿
APOSTASIA
A TragÈdia Conciliar

TraduÁ„o de Ildefonso Albano Filho

Rio de Janeiro 1991

EDITORA PERMAN NCIA


TÌtulo original: Ils líont dÈcouronnÈ
Du liberalisme ‡ líapostasie
La tragÈdie conciliaire

© FIDELITER 1987. ISBN : 2-903122-30-X

Todos os direitos reservados para a traduÁ„o em portuguÍs para


EDITORA PERMAN NCIA.

© PERMAN NCIA 1991. ISBN : 85-85432-01-2


Sobre o autor: Lille, FranÁa. Em 1930, entra para os ìPadres do EspÌrito Santoî e È
enviado ao Gab„o em 1932, onde permanece atÈ 1945. Em 1946,
volta ‡ FranÁa.
O ano de 1947 È o de sua sagraÁ„o episcopal. Em 1948, aos 43
“E aos escribas e locutores que pelo mundo inteiro facilmente anos de idade È nomeado Delegado ApostÛlico para toda a ¡frica de
aplicam a Dom Lefebvre o título infamante de rebelde, sem saberem lÌngua francesa (18 paÌses). … nomeado 1∫ arcebispo de Dakar em
o que dizem e sem conhecerem toda a largura, a altura e a 1955 e Assistente ao Trono Pontifical em 1961.
profundidade da moral católica, devemos advertir que erram e Em 1962 deixa a ¡frica e È nomeado arcebispo-bispo de Tulle.
pecam gravemente por excessiva presunção e conseqüente Neste ano È eleito superior geral dos Padres do EspÌrito Santo. Em
simplificação de tão grave problema. 1968 pede demiss„o deste cargo devido ao progressismo conciliar.
O caso de Dom Lefebvre e de todos os “integristas” que acima de … ent„o que alguns seminaristas vÍm lhe suplicar que lhes dÍ
tudo querem continuar a Igreja tão santamente representada por uma formaÁ„o verdadeiramente catÛlica. Ele funda a Fraternidade
São Pio X e São Pio V, é simples: eles não podem admitir que a Sacerdotal S„o Pio X, com todas as aprovaÁıes de Roma. ComeÁava
obra dos “desintegristas”, tão variada como promíscua, lhes seja a obra de defesa da TradiÁ„o pela formaÁ„o de padres: EcÙne e
imposta em nome da obediência que tanto amam e tão tristemente outros cinco semin·rios, uma centena de priorados espalhados em
vêem instalada no outro lado do abismo. Assim é difícil. Assim é vinte e trÍs paÌses, duzentos e trinta seminaristas. De l· para c· Dom
impossível. Non Possumus” Lefebvre recebeu crÌticas, suspens„o ìa divinisî(1976), excomunh„o
(1988), dos inimigos da Igreja. Mas o l˙cido bispo n„o podia, em s„
Gustavo CorÁ„o, 25/09/1976 consciÍncia, colaborar com os destruidores da Igreja CatÛlica. E ele
continuava a cumprir seu dever de confirmar os fiÈis na FÈ, certo de
que estas condenaÁıes eram injustas e sem valor.
Junto com Dom AntÙnio de Castro Mayer levantou sua voz
para alertar as almas e suplicar a Roma a volta ‡ verdadeira
Dom Marcel Lefebvre nasceu em Tourcoing, na FranÁa, dia 29 TradiÁ„o. Dom Lefebvre deixou este mundo no dia 25 de MarÁo de
de Novembro de 1905, numa famÌlia catÛlica que deu cinco dos oito 1991, no dia da AnunciaÁ„o. Mais de vinte mil pessoas
filhos para a Religi„o. acompanharam seu enterro em EcÙne, onde ele repousa em paz.
Foi aluno do Padre Le Foch no Semin·rio FrancÍs de Roma
onde recebeu o doutorado em Filosofia. Fez-se doutor tambÈm em
Teologia, na Universidade PontifÌcia Gregoriana, em Roma. !
Ordenado padre em 21 de Setembro de 1929, por Mons. Lienart, em
ÍNDICE A ILUSÃO DO PLURALISMO De Jacques Maritain a Yves
Congar ........................................................................................ 79
O SENTIDO DA HISTÓRIA ................................................... 84
PREF¡CIO.........................................................................................5 TERCEIRA PARTE ........................................................................ 88
INTRODUÇÃO ................................................................................7 A CONSPIRAÇÃO LIBERAL DE SATANÁS CONTRA A
PRIMEIRA PARTE ...........................................................................9 IGREJA E O PAPADO................................................................. 88
O LIBERALISMO – PRINCÍPIOS E APLICAÇÕES.................9 A CONSPIRAÇÃO DA ALTA VENDA DOS
AS ORIGENS DO LIBERALISMO.........................................10 CARBONÁRIOS ....................................................................... 89
A ORDEM NATURAL E O LIBERALISMO ........................16 OS PAPAS DENUNCIAM A CONSPIRAÇÃO DA SEITA . 92
NOSSO SENHOR JESUS CRISTO E O LIBERALISMO....20 A SUBVERSÃO DA IGREJA OPERADA POR UM
LEI E LIBERDADE...................................................................25 CONCÍLIO................................................................................. 95
BENÉFICAS COAÇÕES ..........................................................29 QUARTA PARTE ........................................................................... 98
DESIGUALDADES NECESSÁRIAS ......................................32 UMA REVOLUÇÃO COM TIARA E PLUVIAL ..................... 98
JESUS CRISTO É REI DAS REPÚBLICAS? ........................35 A MISTIFICAÇÃO DO VATICANO II ................................. 99
O LIBERALISMO OU A SOCIEDADE SEM DEUS ............39 O ESPÍRITO DO CONCÍLIO ............................................... 103
A LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E DE CULTOS...........43 QUESTIONAMENTO E DIÁLOGO .................................... 105
A LIBERDADE RELIGIOSA CONDENADA PELOS PAPAS MORTE DO ESPÍRITO MISSIONÁRIO ............................ 105
......................................................................................................47 A LIBERDADE RELIGIOSA DO VATICANO II .............. 113
A LIBERDADE DE IMPRENSA .............................................54 UM CONCÍLIO PACIFISTA ................................................ 127
A LIBERDADE DE ENSINO ...................................................56 VATICANO II – TRIUNFO DO LIBERALISMO DITO
TEM A IGREJA UM DIREITO PÚBLICO?..........................59 CATÓLICO ............................................................................. 130
COMO DESTRONARAM JESUS CRISTO ...........................63 PAULO VI – PAPA LIBERAL .............................................. 133
SEGUNDA PARTE .........................................................................67 UM LIBERALISMO SUICIDA ............................................. 137
O CATOLICISMO LIBERAL .....................................................67 AS REFORMAS PÓS-CONCILIARES ................................ 137
A GRANDE TRAIÇÃO.............................................................68 ANEXO......................................................................................... 149
A MENTALIDADE CATÓLICO-LIBERAL .........................70 BIBLIOGRAFIA ......................................................................... 154
OS PAPAS E O CATOLICISMO LIBERAL..........................73
O MITO DE “SÓ A LIBERDADE” De Lamennais a Sangnier
......................................................................................................75
erros e especialmente os religiosos. Louis Veuillot em seu cap. XXIII
PREF¡CIO mostra que o princípio fundamental da Revolução Francesa de
1789, é a independência religiosa, a secularização da sociedade, e
A idéia de escrever este livro surgiu com algumas em definitivo a liberdade religiosa.
conferências sobre o liberalismo, feitas para seminaristas de Ecône.
Estas conferências tinham por finalidade esclarecer a inteligência DO LIBERALISMO À APOSTASIA
desses futuros sacerdotes sobre o erro mais grave e mais nocivo dos
tempos modernos e permitir a eles fazer um juízo, de acordo com a O Padre Tissier de Mallerais, secretário geral da
verdade e a fé, sobre todas as conseqüências e manifestações do Fraternidade Sacerdotal São Pio X (hoje Monsenhor), encorajado
liberalismo e do catolicismo liberal. pelo superior geral, teve a idéia de completar e organizar este
conjunto de conferências e publicá-las, para que elas possam ser
Os católicos liberais introduzem os erros liberais no interior úteis a outros além dos seminaristas.
da Igreja e nas sociedades ainda católicas. É muito instrutivo reler
as declarações dos papas a este respeito e comprovar o vigor das Enquanto este trabalho estava em andamento, acontecia em
condenações. Assis a mais abominável manifestação do catolicismo liberal, prova
visível de que o Papa e aqueles que a aprovam têm uma falsa noção
É de grande utilidade relembrar a aprovação de Pio IX a da fé, noção modernista que vai balançar todo o edifício da Igreja.
Louis Veuillot, autor do admirável livro “A Ilusão Liberal”, e a do O próprio Papa o anuncia em sua alocução de 22 de Dezembro de
Santo Ofício a Dom Félix Sarda y Salvany para “O Liberalismo é 1986, aos membros da Cúria.
Pecado”.
Com o fim de guardar e proteger a fé católica deste peste do
Que teriam pensado estes autores se houvessem comprovado, liberalismo, parece-me que este livro chega muito oportunamente,
como nós atualmente, que o liberalismo é rei e senhor no Vaticano e fazendo-se eco das palavras de Nosso Senhor: “Aquele que crê será
nos episcopados? salvo, aquele que não crê se condenará”; é esta a fé que o Verbo de
Deus encarnado exige de todos aqueles que querem ser salvos. Ela
Destes fatos a urgente necessidade, para os futuros sacerdotes foi causa de sua morte e seguindo seu caminho, de todos os mártires
de conhecer este erro. Pois o católico liberal tem uma falsa e testemunhas que a professaram. Com o liberalismo religioso, não
concepção do ato de fé, como bem o mostra Dom Sarda (cap. VII). A há mais mártires nem missionários, mas somente destruidores da
fé não é mais uma dependência objetiva da autoridade de Deus, mas religião reunidos em volta da promessa de uma paz puramente de
um sentimento subjetivo, que em conseqüência, respeita todos os palavras.
Longe de nós este liberalismo, sepultura da Igreja Católica.
Seguindo Nosso Senhor, levemos o estandarte da Cruz, único sinal e
única fonte de salvação.

Que Nossa Senhora de Fátima, no 70º aniversário de sua


aparição queira abençoar a difusão deste livro, que faz eco às suas
predições.

Ecône, 13 de janeiro de 1987


Festa do Batismo de Nosso Senhor.

+ MARCEL LEFEBVRE
INTRODUÇÃO
Agora um pouco de reflex„o pode ajudar ao senso comum: se
a Època pÛs-conciliar est· dominada pela revoluÁ„o na Igreja, n„o È
Para onde vamos? Qual ser· o final de todas as mudanÁas porque o prÛprio ConcÌlio a introduziu? ìO ConcÌlio È o 1789 na
atuais? N„o se trata de guerras, de cat·strofes atÙmicas ou Igrejaî, declarou o Cardeal Suenens. ìO problema do ConcÌlio, foi
ecolÛgicas, mas sobretudo da revoluÁ„o no exterior e interior da assimilar dois sÈculos de cultura liberalî, diz o Cardeal Ratzinger. E
Igreja, da apostasia que por fim ganha povos inteiros, catÛlicos em se explica: Pio IX pelo Syllabus, havia rechaÁado sem possibilidade
outros tempos, chegando inclusive a mais alta hierarquia da Igreja. de rÈplica o novo mundo surgido da RevoluÁ„o, ao condenar este
Roma parece afogada em uma cegueira completa, a Roma de sempre proposiÁ„o: ìO Romano PontÌfice pode e deve se reconciliar e se
est· reduzia ao silÍncio, abafada pela outra Roma, a Roma liberal acomodar com o progresso, com o liberalismo e com a civilizaÁ„o
que a ocupa. As fontes da GraÁa e da fÈ divina se esvaem e as veias modernaî(n∫ 80). O ConcÌlio, diz abertamente Joseph Ratzinger, foi
da Igreja canalizam por todo seu corpo o veneno mortal do um ìcontra-Syllabusî ao efetuar este reconciliaÁ„o da Igreja com o
naturalismo. liberalismo, particularmente por intermÈdio de ìGaudium et Spesî, o
maior documento conciliar. Com efeito os papas do sÈculo XIX n„o
… impossÌvel compreender esta crise profunda sem levar em parecem ter sabido discernir o que havia de verdade crist„, e
conta o fato central deste sÈculo: o segundo ConcÌlio Vaticano. portanto assimil·vel pela Igreja, na revoluÁ„o de 1789.
Creio que minha opini„o em relaÁ„o a ele È bastante conhecida para
me permitir dizer sem rodeios meu pensamento: sem rechaÁas em Uma afirmaÁ„o deste È absolutamente dram·tica,
bloco este ConcÌlio, penso que È o maior desastre deste e de todos os principalmente na boca de um representante do magistÈrio da Igreja!
sÈculos passados desde a fundaÁ„o da Igreja. Na verdade n„o faÁo Essencialmente o que foi a revoluÁ„o de 1789? Foi o naturalismo e o
mais do que julga-lo pelos frutos, usando o critÈrio que nos foi dado subjetivismo do protestantismo, transformados em normas jurÌdicas
por Nosso Senhor (Mt.VII,16). Quando se pede ao Cardeal e impostas a uma sociedade ainda catÛlica. Como resultado: a
Ratzinger que mostre algum bom fruto do ConcÌlio, n„o sabe o que proclamaÁ„o dos direitos do homem sem Deus, a exaltaÁ„o da
responder1; e ao perguntar um dia ao Cardeal Garrone, como um subjetividade de cada um em detrimento da verdade objetiva, por no
ìbomî concÌlio havia produzido t„o mais frutos, me respondeu: ìn„o mesmo nÌvel todas as crenÁas religiosas e finalmente a organizaÁ„o
È o ConcÌlio, s„o os meios de comunicaÁ„o socialî2. de uma sociedade sem Deus e sem Nosso Senhor Jesus Cristo. Uma
sÛ palavra resume este teoria monstruosa: LIBERALISMO.

1 Para desgraÁa, chegamos verdadeiramente ao ìmistÈrio da


Cardeal Joseph Ratzinger, ìEntretien sur la foiî. Fayard, Paris, 1985 pgs. 45-48.
2
Entrevista de 13 de Janeiro de 1975. iniq¸idadeî (2 Ts 2,7); desde o dia seguinte da revoluÁ„o, o demÙnio
suscitou dentro da Igreja homens cheios do espÌrito de orgulho e de homemî3 ìinstalado no santu·rio e residindo como se fora Deusî (2
novidades, apresentando-se como reformadores inspirados que, Ts 2, 4), permaneÁamos catÛlicos, adoradores do ˙nico verdadeiro
sonhando em reconciliar a Igreja com o liberalismo, tentaram Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo, com seu Pai e o EspÌrito Santo!
realizar uma uni„o ad˙ltera entre a Igreja e os princÌpios da
RevoluÁ„o. Com efeito, como reconciliar Nosso Senhor Jesus Cristo Por outro lado como d· testemunho a histÛria da Igreja, toda a
com um conjunto de erros que se opıem t„o diametralmente ‡ sua Època de crise prepara uma Època de fÈ pela fidelidade ‡ tradiÁ„o,
graÁa, ‡ sua verdade, ‡ sua divindade e ‡ sua realeza universal? N„o, uma verdadeira renovaÁ„o. A todos vocÍs caros leitores, lhes cadÍ
os papas n„o se enganaram quando apoiados na TradiÁ„o, e portanto contribuir recebendo humildemente o que a Igreja nos transmitiu atÈ
garantidos com a assistÍncia do EspÌrito Santo, condenaram com a a vÈspera do Vaticano II, pela boca dos papas e o que lhes transmito
sua autoridade suprema e com grande continuidade a grande traiÁ„o nesta oportunidade. … esta doutrina imut·vel da Igreja que recebi
catÛlica liberal. Como pÙde ent„o a seita liberal impor seus pontos sem reservas que lhes transmito sem reservas: ìquam sine fictione
de vista em um concÌlio ecumÍnico? Como a uni„o pouco natural didici, sine invidia communicoî (Sb 7,13).
entre a Igreja (melhor dizendo: homens da Igreja, aparato exterior) e
a revoluÁ„o deu a luz o monstro cujas divagaÁıes enchem de espanto
atualmente inclusive a muitos de seus mais ardentes adeptos? S„o
estas as perguntas que procuro responder nestas palestras sobre o
liberalismo, mostrando que j· tendo penetrado na Igreja, o veneno
do liberalismo a conduz ‡ apostasia como conseq¸Íncia natural.

ìDo liberalismo ‡ apostasiaî, tal È ent„o o tema deste livro.


Certamente, viver em tempo de apostasia n„o tem em si nada de
agrad·vel. Entretanto, pensemos como todos os tempos e todos os
sÈculos pertencem a Nosso Senhor Jesus Cristo: ìIpsus sunt tempora
et saeculaî, dizemos na liturgia pascal. Este sÈculo de apostasia, sem
d˙vida diferente dos sÈculos de fÈ, pertence a Jesus Cristo; por outro
lado, a apostasia da maioria pıe em destaque a fidelidade herÛica do
pequeno Elias em Israel, quando somente sete mil homens se
negaram a dobrar o joelho ante Baal, preservados por Deus (3 Rs
19,18). N„o dobremos portanto o joelho ante o Ìdolo do ìculto do
3
Palavras de Paulo VI
PRIMEIRA PARTE

O LIBERALISMO – PRINCÍPIOS E
APLICAÇÕES
CAPÕTULO 1 O Renascimento e o Naturalismo

O naturalismo j· se encontrava no Renascimento, que no


AS ORIGENS DO LIBERALISMO
esforÁo para recuperar as riquezas das antigas culturas pag„s e
particularmente a cultura e a arte dos gregos, conduziu ‡ exaltaÁ„o
ìSe vocÍs n„o lerem muito, cedo ou tarde ser„o traidores, exagerada do homem, da natureza e das forÁas naturais. Exaltando a
porque n„o ter„o compreendido a raiz do malî. Com estas fortes bondade e o poder da natureza, menosprezava-se e desaparecia do
palavras um de meus colaboradores4 recomendava aos seminaristas pensamento dos homens a necessidade da graÁa, a destinaÁ„o da
de EcÙne a leitura de boas obras que tratem do liberalismo. humanidade para a ordem sobrenatural, a luz trazida pela RevelaÁ„o.
Sob o pretexto de arte quiseram introduzir por toda parte, atÈ nas
Com efeito, n„o se pode compreender a crise atual da Igreja igrejas, esse nudismo (sem exagero se pode chamar de nudismo) que
nem conhecer a verdadeira cara dos que ocupam a Roma atual, e em domina na Capela Sistina em Roma. Consideradas sob o ponto de
conseq¸Íncia ver que atitude tomar perante os fatos, se n„o se vista artÌstico, estas obras tÍm seu valor; porÈm nelas prima o
procura as causas desta crise, se n„o se estuda seu curso histÛrico, e aspecto sensual da exaltaÁ„o da carne, totalmente em oposiÁ„o aos
se n„o se descobre sua fonte primeira neste liberalismo condenado ensinamentos do Evangelho: ìpois a carne luta contra o espÌrito, diz
pelos papas dos ˙ltimos sÈculos. S„o Paulo, e o espÌrito luta contra a carneî. (Gal.V:17)

Nossa Luz: A Voz dos Papas N„o condeno esta arte se restrita aos museus mundanos, mas
n„o vejo nela um meio de exprimir a verdade da RedenÁ„o, ou seja,
Partiremos das origens, como faziam os Soberanos PontÌfices uma feliz submiss„o da natureza redimida ‡ graÁa. J· na arte barroca
ao denunciarem as graves perturbaÁıes em curso. AlÈm de acusarem da contra-reforma catÛlica, meu julgamento È bem diferente,
o liberalismo, os papas v„o mais longe no passado e todos, desde Pio especialmente nos paÌses que resistiram ao protestantismo: o barroco
VI atÈ Bento XV, falavam da crise reduzindo-a para a luta encetada utilizar· ainda anjinhos rechonchudos mas esta arte de puro
contra a Igreja no sÈculo XVI pelo protestantismo e pelo movimento e expressıes ‡s vezes patÈticas È um canto de triunfo da
naturalismo, do qual aquela heresia foi a causa e a primeira RedenÁ„o, um canto de vitÛria do catolicismo sobre o pessimismo de
propagadora. um protestantismo frio e desesperado.

4
Padre Paul Aulagnier, 17 de setembro de 1981.
O Protestantismo e o Naturalismo ela e cobrir-se com sua fÈ-confianÁa para converter-se em uma
bela besta livre, cujo infalÌvel e contÌnuo progresso encanta
Pode parecer estranho e paradoxal chamar o protestantismo de hoje o universo inteiroî5.
naturalista. Nada h· em Lutero de exaltaÁ„o ‡ bondade intrÌnseca da
natureza porque, segundo ele, a natureza est· irremediavelmente Este naturalismo se aplicar· ‡ ordem civil e social: ficando a
decaÌda e a concupiscÍncia È invencÌvel. No entanto a opini„o graÁa reduzida a um sentimento de fÈ-confianÁa, a RedenÁ„o ser·
excessivamente niilista que o protestante tem sobre si mesmo, somente uma religiosidade individual e particular, sem influÍncia na
desemboca em um naturalismo pr·tico: na intenÁ„o de menosprezar vida p˙blica. A ordem p˙blica, econÙmica e polÌtica fica condenada
a natureza e de exaltar o poder ìsÛ da fÈî, relegam a graÁa divina e a a viver e se desenvolver sem Nosso Senhor Jesus Cristo. O
ordem sobrenatural ao domÌnio das abstraÁıes. Para os protestantes a protestante busca no seu Íxito econÙmico o critÈrio de sua
graÁa n„o opera uma verdadeira renovaÁ„o interior; o batismo n„o È justificaÁ„o diante de Deus; assim, de bom grado escrever· sobre sua
a restituiÁ„o de um estado sobrenatural habitual, È somente um ato porta: ìRendei honras a Deus por teus bens, oferecei as primÌcias de
de fÈ em Jesus Cristo que justifica e salva. A natureza n„o È teus ganhos, ent„o teus celeiros se encher„o e teus tonÈis
restaurada pela graÁa, permanece intrinsecamente corrompida; e transbordar„o de vinhoî. (Prov.III,9-10)
somente a fÈ obtÈm de Deus que deite sobre nossos pecados o manto
pudico de NoÈ. Todo o organismo sobrenatural que o batismo agrega Jacques Maritain escreveu excelentes p·ginas sobre o
‡ natureza enraizando nela a graÁa, todas as virtudes infusas e os materialismo do protestantismo, que dar· nascimento ao liberalismo
dons do EspÌrito Santo s„o reduzidos a nada, reduzidos a um sÛ ato econÙmico e ao capitalismo:
forÁado de fÈ-confianÁa em um redentor que gratifica somente para
retirar-se para longe a criatura, deixando um abismo intransponÌvel ìPor tr·s dos chamados de Lutero ao Cordeiro que salva, por
entre o homem definitivamente miser·vel e Deus transcendente trÍs tr·s de seus movimentos de confianÁa e sua fÈ no perd„o dos
vezes santo. Este pseudo-supernaturalismo, como chama o Padre pecados, h· uma criatura humana que levanta a cabeÁa e faz
Garrigou-Lagrange, deixa finalmente o homem, apesar de haver sido seus negÛcios no lodaÁal em que est· submersa por causa do
redimido, sujeito somente ‡ forÁa de suas aptidıes naturais; pecado de Ad„o! Desenvolver-se-· no mundo, seguir· a sede
fatalmente se afunda no naturalismo. Deste modo os extremos do poder, o instinto dominador, a lei deste mundo que È o seu
opostos se unem! Jacques Maritain exprime bem o desenlace mundo. Deus ser· somente um aliado um poderosoî.
naturalista do luteranismo: (op.cit.pag.52-53)

ìA natureza humana ter· que rechaÁar como um in˙til


5
acessÛrio teolÛgico o manto de uma graÁa que n„o È nada para Trois Reformateurs, p·g. 25
O resultado do protestantismo foi que os homens se apegaram ìDesde os trÍs primeiros sÈculos e desde as origens da Igreja,
ainda mais aos bens deste mundo, esquecendo-se dos bens eternos. E perÌodo em que o sangue dos crist„os fecundou toda a terra,
se um certo puritanismo chega a exercer uma vigil‚ncia exterior pode-se dizer que nunca a Igreja correu t„o grande perigo
sobre a moralidade p˙blica, n„o impregnar· os coraÁıes do espÌrito como o que se manifestou nos fins do sÈculo XVIII. Ent„o
verdadeiramente crist„o, que È um espÌrito sobrenatural, onde reina a uma filosofia em delÌrio, a continuaÁ„o da heresia e a apostasia
primazia do espiritual. O protestantismo, necessariamente, ser· dos inovadores, adquiriu sobre os espÌritos um poder de
conduzido a proclamar a emancipaÁ„o do temporal em relaÁ„o ao seduÁ„o, provocando transformaÁ„o total, com o propÛsito
espiritual. Esta emancipaÁ„o, justamente, vai reencontrar-se no determinado de destruir as bases crist„s da sociedade, n„o
liberalismo. Os papas tiveram portanto muita raz„o em denunciar somente na FranÁa, mas pouco a pouco em todas as naÁıesî7.
este naturalismo de inspiraÁ„o protestante como sendo a origem do
liberalismo que transtornar· a cristandade em 1789 e 1848. Assim Nascimento do Naturalismo Político
diz Le„o XIII:
O protestantismo constituiu um ataque muito duro contra a
ìEsta ousadia de homens t„o falsos que ameaÁa cada dia a Igreja e ocasionou um desagregamento profundo na cristandade do
sociedade civil com maiores ruÌnas, e que estremece a todos sÈculo XVI, porÈm sem conseguir impregnar as naÁıes catÛlicas
com inquietante preocupaÁ„o, tem sua causa e origem nas com o veneno de seu naturalismo polÌtico e social. Isso sÛ aconteceu
peÁonhentas doutrinas que, difundidas entre os povos como quando este espÌrito secularizante chegou ‡s universidades e em
boas sementes em tempos passados, produziram em seu tempo seguida ‡queles que chamamos ìfilÛsofos das luzesî.
frutos t„o danosos. Bem sabeis, Vener·veis Irm„os, que a
guerra cruel iniciada contra a fÈ catÛlica pelos inovadores, Filosoficamente o protestantismo e o positivismo jurÌdico tÍm
desde o dÈcimo sexto sÈculo e que vem recrudescendo origem no nominalismo surgido com a decadÍncia da Idade MÈdia
diariamente atÈ o presente, tinha por fim unicamente afastar (sÈc. XIV) que conduz tanto ‡ Lutero com sua concepÁ„o puramente
toda revelaÁ„o e toda ordem sobrenatural, para abrir a porta extrÌnseca e nominal da RedenÁ„o, como a Descartes, com sua idÈia
aos inventos e delÌrios da raz„oî6. de uma lei divina indecifr·vel submetida somente ao arbÌtrio da
vontade de Deus. Com S„o Tom·s de Aquino, toda a filosofia crist„
E posteriormente, o Papa Bento XV: afirmava, ao contr·rio, a unidade da lei divina eterna e da lei humana

7
Carta ìAnno Jam Exeunteî de 7 de MarÁo de 1917, Paz Interior das
6
EncÌclica ìQuod ApostÛliciî de 28 de Dezembro de 1878. NaÁıes (PIN.486) vide bibliografia.
natural: ìA lei natural È t„o somente uma participaÁ„o da lei eterna O jurista Pufendorf (1672) e o filÛsofo Locke (1689) dar„o o
nas criaturas racionaisî. (Suma Teol. I-II,91,2) ˙ltimo toque para a secularizaÁ„o do direito natural. A filosofia das
luzes imagina ìum estado de naturezaî que nada tem a ver com o
Mas com Descartes j· se pıe uma ruptura entre o direito realismo da filosofia crist„ e que culmina com o mito do ìbom
divino e o direito humano natural. Seguindo a Descartes, os selvagemî de Jean Jacques Rousseau. A lei natural fica reduzida a
universit·rios e juristas n„o tardariam a tomar o mesmo caminho um conjunto de sentimentos que o homem tem de si mesmo e que
cism·tico. s„o compartilhados pela maior parte dos outros homens; em Voltaire
encontra-se o di·logo seguinte:
Assim diz Hugo Grotius (1625), citado por Paul Hazard:
ìE o direito divino? Grotius procura salvaguard·-lo: O que B: - O que È a lei natural?
acabamos de dizer, declara, valeria mesmo se concord·ssemos A: - O instinto que nos faz sentir a justiÁa.
(o que n„o pode ser concedido sem um crime) que n„o h· B: - A que vocÍ chama justo e injusto?
Deus e que os assuntos humanos n„o s„o objeto de seus A: - Ao que assim parece para o universo inteiro9.
cuidados. N„o h· d˙vida alguma que Deus e a ProvidÍncia
existem, sendo portanto uma fonte de direito alÈm da que Tal conclus„o È o fruto de uma raz„o desorientada, que na
provÈm da natureza. ëMesmo este direito natural, pode ser ‚nsia de emancipaÁ„o em relaÁ„o a Deus e ‡ sua revelaÁ„o cortou as
atribuÌdo a Deus, porque ele quis que estes princÌpios ligaÁıes com os princÌpios da ordem natural, reforÁados pela
existissem em nÛsí. A Lei de Deus, a lei da natureza..., revelaÁ„o divina sobrenatural e confirmados pelo magistÈrio da
continua Paul Hazard, esta fÛrmula dupla n„o È Grotius que Igreja. Se a RevoluÁ„o separou o poder civil do poder da Igreja, È
inventa (...) a Idade MÈdia j· a conhecia. Onde est· seu car·ter porque ela originariamente j· havia separado naqueles que se
de novidade? De onde vem que seja criticada e condenada chamam filÛsofos, a fÈ e a raz„o. Vem a propÛsito relembrar o que
pelos doutores? Para quem È luminosa? A novidade consiste ensina a respeito deste ponto, o ConcÌlio Vaticano I (primeiro):
no aparecimento da separaÁ„o de dois fins; em sua oposiÁ„o,
que tende a se afirmar; em uma tentativa de conciliaÁ„o ìN„o se pode nunca encontrar discord‚ncia entre a fÈ e a
posterior, que por si sÛ supıe a idÈia de rupturaî8. raz„o, pois elas se prestam m˙tua ajuda: a reta raz„o
demonstra as bases da fÈ e, esclarecida por ela, cultiva a

8 9
ìLa Crise de la Conscience EuropÈenne, 1680-1715î, Fayard, Paris, Voltaire, Di·logos FilosÛficos, A.B.C., 1768, ìQuarto Di·logo, Da lei
1961; 3™ parte, cap. 3. natural e da Curiosidadeî citado por Paul Hazard, op.cit.
ciÍncia das coisas divinas; e a fÈ, por sua vez, livra e defende a que em poucas dÈcadas havia penetrado e estabelecido n˙cleos em
raz„o dos erros e lhe proporciona in˙meros conhecimentosî10. toda a classe dirigente.

Mais exatamente podemos dizer que a RevoluÁ„o se fez em A Maçonaria Propagadora destes Erros
nome da deusa Raz„o, da raz„o deificada, da raz„o que se faz norma
suprema do verdadeiro e do falso, do bem e do mal. O Papa Le„o XIII nos mostra em ìQuod Apostoliciî, encÌclica
j· citada, e tambÈm em ìHumanum Genusî de 20 de Agosto de 1884
Naturalismo, Racionalismo, Liberalismo sobre a seita dos maÁons, com que precis„o, com que clarividÍncia
os Soberanos PontÌfices denunciaram esta empresa:
Desde j·, podemos ver como todos os erros est„o entrelaÁados
uns com os outros: liberalismo, naturalismo, racionalismo, s„o ìEm nossos dias os malfeitores parecem conspirar em
somente aspectos complementares do que se deve chamar conjunto e lutar com maior forÁa, guiados e auxiliados por
RevoluÁ„o. Onde a reta raz„o, esclarecida pela fÈ, vÍ somente uma Sociedade que chamam dos MaÁons, firmemente
harmonia e subordinaÁ„o, a raz„o deificada cava abismos e levanta constituÌda e muito difundida (...). Os Romanos PontÌfices,
muralhas: a natureza sem a graÁa, a prosperidade material sem a nossos predecessores, zelando cuidadosamente pela salvaÁ„o
procura dos bens eternos, o poder civil separado do poder do povo crist„o, reconheceram logo quem era e o que queria
eclesi·stico, a polÌtica sem Deus nem Jesus Cristo, os direitos do este inimigo, assim que ele comeÁou a sair das trevas de sua
homem contra os direitos de Deus, finalmente a liberdade sem a conjuraÁ„o oculta, para se lanÁar ao ataque em plena luz do
verdade. diaî.

Com este espÌrito se fez a RevoluÁ„o, que vinha se preparando Le„o XIII cita ent„o os papas que j· haviam condenado a
a mais de dois sÈculos, como procurei mostrar, mas somente no fim maÁonaria: Clemente XII, na encÌclica ìIn Eminentiî de 27 de Abril
do sÈculo XVIII culmina e d· seus frutos decisivos: os frutos de 1738 lanÁa uma excomunh„o contra os maÁons; Bento XIV
polÌticos como resultado dos trabalhos dos filÛsofos, dos renova esta condenaÁ„o na encÌclica ìProvidasî de 16 de MarÁo de
enciclopedistas e de uma extraordin·ria atividade da maÁonaria11, 1751; Pio VII pela encÌclica ìEcclesiamî de 13 de Setembro de 1821
acusa especialmente os ìCarbonariî; Le„o XII m sua ConstituiÁ„o
ApostÛlica ìQuo Gravioraî de 13 de MarÁo de 1826 denuncia a
10 sociedade secreta ìA Universit·riaî que procurava perverter a
Const. De Fide Catholica, ìDei Filiusî, Dz n∫1799.
11 juventude; Pio VIII na ìTraditiî de 24 de MarÁo de 1829, e Pio IX
1517: rebeli„o de Lutero, que queima a Bula do Papa em Wittenberg. ñ
1717: fundaÁ„o da ìGrande Loja de Londresî na AlocuÁ„o Consistorial de 25 de Setembro de 1865 e na encÌclica
ìQuanta Curaî de 8 de Dezembro de 1864, falaram no mesmo combinar e se firmar para se espalhar pelo mundo profano sob
sentido. uma forma palp·vel e pr·tica. Digam-lhes em uma palavra,
que somos a Filosofia do Liberalismoî.
Posteriormente, deplorando a pouca atenÁ„o dispensada pelos
governantes apesar de tantas advertÍncias, Le„o XIII constata os Fique ent„o claro, caros leitores, que embora n„o a mencione
espantosos progressos da seita: sempre, a maÁonaria È o centro dos temas que lhes falarei em todos
os capÌtulos seguintes.
ìVemos como resultado, que no perÌodo de um sÈculo e meio
a seita dos maÁons fez incrÌveis progressos. Empregando
simultaneamente a ast˙cia e a aud·cia, invadiu todos os setores
da hierarquia social e comeÁou a tomar, no interior dos
Estados modernos, um poder que equivale ‡ soberaniaî.

O que ele diria hoje, quando todos os governos obedecem aos


decretos das Lojas MaÁÙnicas!12. Agora mesmo, no assalto ‡
Hierarquia da Igreja, o espÌrito maÁÙnico e a prÛpria maÁonaria
progridem solidamente. Voltaremos ao assunto.

O que È ent„o o espÌrito maÁÙnico? Eis em poucas palavras o


que diz o senador Goblet díAviello membro do Grande Oriente da
BÈlgica, falando na loja dos Amigos FilantrÛpicos de Bruxelas em 5
de Agosto de 1877:

ìDigam aos neÛfitos que a MaÁonaria... È antes de tudo uma


escola de vulgarizaÁ„o e aperfeiÁoamento, uma espÈcie de
laboratÛrio onde as grandes idÈias do momento vÍm a se

12
Sem excluir os paÌses comunistas, visto que os partidos comunistas s„o
simplesmente sociedades maÁÙnicas, com a ˙nica diferenÁa que nestes paÌses elas
s„o legais.
CAPÕTULO 2 descreve com muita precis„o o liberalismo (pgs.14-16),
acrescentando um pequeno coment·rio:
A ORDEM NATURAL E O LIBERALISMO
ìO liberal È um fan·tico de independÍncia, a proclama em tudo
e para tudo, chegando ‡s raias do absurdoî.
ìA liberdade não existe no começo
Trata-se de uma definiÁ„o; veremos como se aplica e quais s„o
mas no fim. Ela não está na raiz, mas
as libertaÁıes que o liberalismo reivindica.
nas flores e frutosî.
Charles Maurras
1 ñ ìA independÍncia da verdade e do bem em relaÁ„o ao ser:
È a filosofia relativista da mobilidade e do futuro. A independÍncia
H· uma obra que recomendo especialmente ‡queles que da inteligÍncia em relaÁ„o a seu objeto: soberana, a raz„o n„o tem
desejam ter uma noÁ„o concreta e completa do liberalismo para que se submeter a seu objeto, ela o cria na evoluÁ„o radical da
poder preparar preleÁıes, destinadas a pessoas que pouco conhecem verdade; subjetivismo relativistaî.
este erro e suas ramificaÁıes e est„o viciadas em pensar como um
liberal, inclusive entre catÛlicos ligados ‡ tradiÁ„o. Frequentemente Vejamos as palavras b·sicas: subjetivismo e evolução:
encontramos pessoas que n„o percebem a profunda penetraÁ„o do
liberalismo em toda nossa sociedade e em nossas famÌlias. Subjetivismo È introduzir a liberdade da inteligÍncia, quando
pelo contr·rio, sua nobreza consiste em se submeter a seu objeto,
Facilmente se reconhece que o ìliberalismo de vanguardaî de consiste na acomodaÁ„o ou conformidade do pensamento com o
um Giscard díEstaing nos anos de 1975, conduziu a FranÁa ao objeto conhecido. A inteligÍncia funciona como uma c‚mara
socialismo; mas se pensa, com boa fÈ, que a ìdireita liberalî pode fotogr·fica, deve reproduzir exatamente as caracterÌsticas
nos livrar da opress„o totalit·ria. As almas que ìpensam bemî ainda perceptÌveis do real. Sua perfeiÁ„o est· na fidelidade ao real. Por
n„o descobriram se devem aprovar ou censurar a ìlibertaÁ„o do este motivo a verdade se define como a adequaÁ„o da inteligÍncia
abortoî, mas est„o prontas para assinar uma petiÁ„o para liberar a com a coisa. A verdade È esta qualidade do pensamento, de estar de
eutan·sia. De fato qualquer coisa que leve a etiqueta de ìliberdadeî, acordo com a coisa, com o que ela È. N„o È a inteligÍncia que cria as
tem h· sÈculos a aurÈola do prestÌgio que acompanha esta palavra coisas, mas as coisas que se impıes ‡ inteligÍncia como s„o. Como
ìsacrossantaî. No entanto estamos morrendo deste mal, È o conseq¸Íncia a verdade de uma afirmaÁ„o, depende do que ela È, È
liberalismo que envenena tanto a sociedade civil como a Igreja. algo de objetivo; e aquele que procura a verdade deve renunciar a si,
Abramos o livro de que lhes falo, ìLiberalismo e Catolicismoî do renunciar a uma composiÁ„o de seu espÌrito, renunciar a inventar
Padre Roussel, que foi lanÁado em 1926, e leiamos a p·gina que uma verdade.
objeto, assistimos ao desaparecimento do sujeito, pronto ent„o para
Pelo contr·rio, no subjetivismo, È a raz„o que constrÛi a sofrer todo tipo de escravid„o. O subjetivismo, exaltando a liberdade
verdade: deparamos com a submiss„o do objeto ao sujeito! Este de pensamento, vai proporcionar sua destruiÁ„o.
passa a ser o centro de todas as coisas. Elas n„o s„o mais o que s„o,
mas o que se pensa. O homem passa a dispor da verdade conforme A segunda marca do liberalismo intelectual, como j· dissemos,
sua vontade: este erro se chamar· ìidealismoî em seu aspecto È a evolução. Afastando a submiss„o ao real, o liberalismo È
filosÛfico, e ìliberalismoî em seu aspecto moral, polÌtico e religioso. arrastado a afastar tambÈm a essÍncia imut·vel das coisas; para ele
Como conseq¸Íncia a verdade ser· diferente conforme os indivÌduos n„o h· natureza das coisas, n„o h· natureza humana est·vel, regida
e os grupos sociais. A verdade È necessariamente compartilhada, por leis definitivas estabelecidas pelo Criador. O homem vive em
ninguÈm pode pretender tÍ-la exclusivamente em sua integridade; uma constante evoluÁ„o progressiva; o homem de hoje n„o È o
ela se faz e se procura sem descanso. Pode-se ver quanto isto È homem de ontem; vai-se cair no relativismo. Ainda mais, o homem
contr·rio ‡ Nosso Senhor Jesus Cristo e ‡ sua Igreja. se cria a si mesmo, È o autor de suas leis, que deve refazer sem
cessar de acordo com a ˙nica lei inflexÌvel do progresso necess·rio.
Historicamente a emancipaÁ„o do sujeito com relaÁ„o ao Temos ent„o o evolucionismo em todos os domÌnios: biolÛgico
objeto foi realizada por trÍs pessoas. LUTERO em primeiro lugar, (Lamarck e Darwin), intelectual (o racionalismo e seu mito do
afasta o magistÈrio da Igreja e conserva somente a BÌblia, ao recusar progresso indefinido da raz„o humana), moral (emancipaÁ„o dos
qualquer mediaÁ„o entre o homem e Deus. Introduz o ìlivre exameî ìtabusî), polÌtico-religioso (emancipaÁ„o das sociedades em relaÁ„o
a partir de uma falsa noÁ„o de inspiraÁ„o na Escritura: a inspiraÁ„o a Jesus Cristo).
individual! Depois DESCARTES, seguido por KANT, sistematiza o
subjetivismo: a inteligÍncia se fecha em si mesma, sÛ conhece seu O auge do delÌrio evolucionista È alcanÁado com o Padre
prÛprio pensamento: È o ìcogitoî de Descartes, s„o as ìcategoriasî TEILHARD DE CHARDIN (1881-1955) que afirma, em nome de
de Kant; as coisas mesmas n„o podem ser conhecidas. Finalmente uma pseudociÍncia e de uma pseudomÌstica, que a matÈria se
ROUSSEAU: emancipado de seu objeto, tendo perdido o senso transforma em espÌrito, que a natureza se transforma no
comum (o reto juÌzo), o sujeito fica sem defesa frente ‡ opini„o sobrenatural, a humanidade em Cristo: tripla confus„o do monismo
comum. O pensamento do indivÌduo se dilui na opini„o p˙blica, isto evolucionista, incompatÌvel com a fÈ catÛlica.
È, o que todo o mundo ou a maioria pensa; esta opini„o ser· criada
pelas tÈcnicas de din‚mica de grupo, organizados pelos meios de Para a fÈ, a evoluÁ„o È a morte. Fala-se de uma Igreja que
comunicaÁ„o que est„o nas m„os de financeiros, dos polÌticos, dos evolui, quer-se uma fÈ evolutiva. ìO senhor deve se submeter ‡
maÁons, etc. Pelo prÛprio movimento, o liberalismo intelectual vai Igreja viva, ‡ Igreja de hojeî, me escreviam de Roma nos anos de
acabar no totalitarismo do pensamento. ApÛs o afastamento do 1976, como se a Igreja de hoje n„o devesse ser idÍntica ‡ Igreja de
ontem. Eu lhes respondo: ìNestas condiÁıes, amanh„ j· n„o ser· estas palavras despertam na imaginaÁ„o e nas paixıes humanas, e
verdade o que vocÍs dizem hoje!î Estas pessoas j· n„o tÍm noÁ„o da com o mesmo espÌrito se faz apÛstolo da paz, da liberdade, da
verdade, do ser. S„o modernistas. toler‚ncia e do pluralismo.

2 ñ ìA independÍncia da vontade em relaÁ„o ‡ inteligÍncia: 5 ñ ìA independÍncia do corpo em relaÁ„o ‡ alma, da


forÁa arbitr·ria e cega, a vontade n„o deve se preocupar com os animalidade em relaÁ„o ‡ raz„o: È a mais radical invers„o dos
juÌzos da raz„o, ela cria o bem, assim como a raz„o cria a verdadeî. valores humanosî.

Em uma palavra, È o arbitr·rio: ìsic volo, sic jubeo, sic pro A sexualidade ser· exaltada, se secularizar·; ser· invertida a
ratione voluntas!î Assim o quero, assim o mando, simplesmente finalidade do matrimÙnio (procriaÁ„o e educaÁ„o de um lado,
assim por minha vontade. remÈdio ‡ concupiscÍncia do outro), colocando como finalidade
principal o prazer carnal e a ìrealizaÁ„oî dos dois cÙnjuges ou dos
3 ñ ìA independÍncia da consciÍncia em relaÁ„o ‡ regra dois ìparceirosî. … a destruiÁ„o do casamento e da famÌlia; sem falar
objetiva da lei; a consciÍncia se constitui ela mesma como regra das aberraÁıes que transformam o santu·rio do matrimÙnio em um
suprema da moralidadeî. laboratÛrio biolÛgico, ou que reduzem a crianÁa ainda n„o nascida a
um lucrativo material de cosmÈtica13.
De acordo com os liberais, a lei limita a liberdade e lhe impıe
uma coaÁ„o inicialmente moral, a obrigaÁ„o, e em segundo lugar 6 ñ ìA independÍncia do presente em relaÁ„o ao passado; daÌ o
fÌsica, a sanÁ„o. A lei e suas coaÁıes se opıem ‡ dignidade humana desprezo da tradiÁ„o e o amor doentio a toda novidade, sob o
e ‡ dignidade da consciÍncia. O liberal confunde liberdade e pretexto de progressoî.
licenciosidade. Sabemos que Nosso Senhor Jesus Cristo por ser o
Verbo de Deus, È a lei vivente; vÍ-se ent„o mais uma vez, como È S„o Pio X assinala como causas do modernismo: ìParece-nos
profunda a oposiÁ„o do liberal a Nosso Senhor. que as causas remotas se reduzem a duas: a curiosidade e o orgulho.
A curiosidade que n„o foi sabiamente ordenada, explica
4 ñ ìA independÍncia das forÁas an·rquicas do sentimento em suficientemente todos os erros. Esta È a opini„o de nosso
relaÁ„o ‡ raz„o: È uma das caracterÌsticas do romantismo, inimigo da predecessor GregÛrio XVI: È um espet·culo lament·vel ver atÈ onde
supremacia da raz„oî.

O rom‚ntico cria e manobra ìslogansî: condena a violÍncia, a


13
superstiÁ„o, o fanatismo, o integrismo e o racismo, somente pelo que Revista ìFideliterî n∫47. Alus„o ‡ pr·tica criminosa do aborto e
utilizaÁ„o do feto como produto farmacÍutico.
chegam as divagaÁıes da raz„o humana, depois de ceder ao espÌrito complementares17. A ìLei Chapelierî (de 14 de Junho de 1791), que
de novidadeî14. proÌbe associaÁıes, aniquila com as corporaÁıes, que constituÌam o
instrumento de paz social desde a Idade MÈdia; esta lei foi fruto do
7 ñ ìA independÍncia do indivÌduo em relaÁ„o a toda individualismo liberal, porÈm em vez de ìlibertarî os trabalhadores,
sociedade, a toda autoridade e hierarquia natural: independÍncia dos os oprimiu. E quando no sÈculo XIX, o capital da burguesia liberal
filhos em relaÁ„o aos pais, da esposa em relaÁ„o a seu marido havia oprimido a massa informe dos trabalhadores, transformada em
(liberaÁ„o da mulher); do trabalhador em relaÁ„o a seu patr„o; da proletariado, se idealizou, seguindo a iniciativa dos socialistas, o
classe trabalhadora em relaÁ„o ‡ classe burguesa (luta de classes)î. reagrupamento dos trabalhadores em sindicatos; porÈm os sindicatos
sÛ fizeram agravar a guerra social, ao estender a toda a sociedade a
O liberalismo polÌtico e social È o reino do individualismo. A artificial oposiÁ„o entre capital e trabalho. Sabe-se que esta oposiÁ„o
unidade b·sica do liberalismo È o indivÌduo15. Ele È como um sujeito ou ìluta de classesî est· na origem da teoria marxista do
de direitos absolutos (ìos direitos do homemî), sem nenhuma materialismo dialÈtico; assim um falso problema social criou um
referÍncia aos deveres que o ligam a seu Criador, a seus superiores falso sistema: o comunismo18. Posteriormente, desde LÍnin, a luta de
ou a seus semelhantes e especialmente sem referÍncia aos direitos classes se transformou por meio da tÈcnica comunista, em uma arma
de Deus. O liberalismo faz desaparecer todas as hierarquias sociais b·sica da revoluÁ„o comunista19.
naturais, deixando assim o indivÌduo sozinho e sem defesa da massa,
da qual ele n„o È mais do que um elemento que acaba sendo Guardemos ent„o esta ineg·vel verdade histÛrica e filosÛfica:
absorvido por ela. o liberalismo leva, por inclinaÁ„o natural, ao totalitarismo e ‡
revoluÁ„o comunista. Pode-se dizer que È a alma de todas as
Ao contr·rio, a doutrina social da Igreja afirma que a revoluÁıes modernas e simplesmente, a alma da RevoluÁ„o.
sociedade n„o È uma massa disforme de indivÌduos16, mas um
organismo ordenado de grupos sociais coordenados e
hierarquizados: a famÌlia, as empresas e profissıes, as organizaÁıes
profissionais, e por fim o Estado. As organizaÁıes profissionais
unem patrıes e trabalhadores, para defesa e promoÁ„o dos interesses
comuns. As classes n„o s„o antagÙnicas, mas naturalmente

14 17
EncÌclica ìPascendiî de 8 de Setembro de 1907. Cf. Le„o XIII ñ ìRerum Novarumî, 15 de Maio de 1891.
15 18
D. Raffard de Brienne, ìLÍ Deuxieme …tendardî pg. 25 Cf. Pio XI, EncÌclica ìDivini Redemptorisî, de 19 de MarÁo de 1937, ß 15.
16 19
Pio XII, Radio Mensagem de Natal, 24 de Dezembro de 1944. Idem ß 9.
CAPÕTULO III milagres de Jesus Cristo, a vida maravilhosa dos santos, devem ser
reinterpretados e desmistificados. Ser· necess·rio distinguir
NOSSO SENHOR JESUS CRISTO E O LIBERALISMO cuidadosamente o ìCristo da FÈî, construtor da fÈ dos apÛstolos e
das comunidades primitivas, do ìCristo da histÛriaî que foi nada
ìA verdade os fará livres!î mais do que um simples homem. VÍ-se quanto o racionalismo se
(Jo 8, 32) opıe ‡ divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo e ‡ RevelaÁ„o
divina!
Depois de haver exposto que o liberalismo È uma rebeli„o do
J· expliquei como a RevoluÁ„o Francesa de 1789 se fez sob a Ègide
homem contra a ordem natural concebida pelo Criador, que culmina
da deusa Raz„o. J· o frontispÌcio da EnciclopÈdia de Diderot (1751)
em uma organizaÁ„o individualista, igualit·ria e centralizadora, me
apresentava a coroaÁ„o da Raz„o. Quarenta anos mais tarde, a Raz„o
resta lhes mostrar como o liberalismo ataca tambÈm a ordem
deificada, se transformava em objeto de culto religioso e p˙blico:
sobrenatural, o plano da RedenÁ„o, quer dizer, em definitivo, como o
liberalismo tem por finalidade destruir o reinado de Nosso Senhor
ìTrÍs dias apÛs a secularizaÁ„o, diante da assemblÈia de
Jesus Cristo, tanto sobre o indivÌduo como sobre a sociedade.
padres, tendo ‡ sua frente o bispo metropolitano Gobel,
Chaumette propoz solenizar este dia no qual ìa raz„o havia
Em relaÁ„o ‡ ordem sobrenatural, o liberalismo proclama duas novas
retomado a supremaciaî. Apressaram-se em transformar em
independÍncias:
realidade uma idÈia t„o nobre, ficando ent„o decidido que o
Culto da Raz„o seria celebrado com grandiosidade em Notre
1 ñ ìA independÍncia da raz„o e da ciÍncia em relaÁ„o ‡ fÈ: È o
Dame de Paris, especialmente enfeitada pelo pintor David. No
racionalismo, para quem a raz„o, juiz soberana e medida da verdade,
topo de um monte de papel„o com pinturas imitando pedras,
se basta a si mesma e rechaÁa toda dominaÁ„o estranhaî.
um pequeno templo grego com uma bela bailarina, orgulhosa
por ter sido eleita a ìDeusa Raz„oî; coros de meninas
… o que se chama de racionalismo.
coroadas de flores cantavam hinos. PorÈm quando a festa
acabou, verificou-se que a assistÍncia n„o era muito numerosa;
O liberalismo quer separar a raz„o da fÈ, que impıe dogmas
foram depois em prociss„o com a Deusa Raz„o para visitar a
formulados de modo definitivo, e aos quais a inteligÍncia deve se
ConvenÁ„o Nacional, cujo presidente a beijouî20.
submeter. A simples hipÛtese de que certas verdades podem superar
as capacidades da raz„o È completamente inadmissÌvel. Os dogmas
devem ent„o ser submetidos ‡ peneira da raz„o e da ciÍncia, sendo
ela de um modo constante, a causa dos progressos cientÌficos. Os 20
Daniel Rops, ìA Igreja das RevoluÁıesî, pg.63
Este racionalismo demasiado radical porÈm, n„o agradou a
Robespierre que em MarÁo de 1794 aplica um golpe sobre os As divagaÁıes do racionalismo, as ìvariaÁıesî desta ìreligi„o nos
ìexageradosî: limites da simples raz„oî22, demonstram suficientemente a sua
falsidade.
ìEle achou que sua onipotÍncia deveria fundar-se em bases
nitidamente teolÛgicas, e que ele coroaria sua obra 2 ñ ìA independÍncia do homem, da famÌlia, da profiss„o e
estabelecendo um culto ao Ser Supremo, em que ele seria o principalmente do Estado, em relaÁ„o ‡ Deus, ‡ Jesus Cristo, ‡
Sumo Sacerdote. Pronuncia um discurso em 18 de Floreal do Igreja; È, segundo os pontos de vista, o naturalismo, o laicismo, o
ano II (7 de Maio de 1794) ìsobre as relaÁıes das idÈias indiferentismo (...) da apostasia oficial dos povos que rechaÁam a
religiosas e morais com os princÌpios republicanos e sobre as realeza social de Jesus Cristo, e desconhecem a autoridade divina da
festas nacionaisî; e a ConvenÁ„o aprova a impress„o deste Igrejaî.
discurso. Ele afirmava que ìa idÈia de Ser Supremo e da
imortalidade da almaî È um constante apelo ‡ justiÁa, sendo Explicarei estes erros por algumas consideraÁıes:
portanto social e republicana. O novo culto ser· o da virtude.
Foi aprovado em decreto pelo qual o povo francÍs reconhecia O Naturalismo sustenta que o homem est· limitado ‡ esfera do
os dois axiomas da teologia robesperiana, e uma placa natural e que de nenhuma maneira est· destinado por Deus ‡ ordem
comemorativa seria posta no front„o das igrejas. Seguia-se sobrenatural. A verdade È outra: Deus n„o criou o homem em estado
uma lista de festas com feriado que ocupava duas colunas: a de pura natureza. Desde o comeÁo Deus formou o homem em uma
primeira da lista era a do ìSer Supremo e da Naturezaî; ficou ordem sobrenatural: ìDeus, diz o ConcÌlio de Trento, formou
decidido que fosse celebrada no dia ì20 de Prairialî (8 de primeiro o homem em estado de santidade e justiÁaî (Dz.∫ 788). Foi
Junho de 1794). E ela foi realmente celebrada: comeÁou no em conseq¸Íncia do pecado original que o homem foi destituÌdo da
jardim das Tulherias onde uma imensa fogueira devorava uma graÁa santificante, mas a RedenÁ„o mantÈm os desÌgnios de Deus: o
monstruosa imagem do ateÌsmo, enquanto Robespierre homem permanece destinado ‡ ordem sobrenatural. Ser reduzido ‡
pronunciava um discurso mÌstico. Depois da multid„o cantar ordem natural È para o homem um estado de violÍncia, que Deus n„o
hinos alusivos, foi iniciado o desfile atÈ o Campo de Marte. A aprova. Eis o que ensina o Card. Pio, mostrando que o estado natural
multid„o seguiu um carro puxado por oito bois com bandeiras n„o È mau em si, mas pela privaÁ„o da ordem sobrenatural:
vermelhas, enfeitado com espigas de trigo e folhagens, tendo
por cima entronizada a est·tua da liberdadeî21.
22
Obra de Kant, 1793
21
Daniel Rops, ìA Igreja das RevoluÁıesî, pg.63
ìEnsinareis ent„o, que a raz„o humana tem seu poder prÛprio e
suas atribuiÁıes essenciais; ensinareis que a virtude filosÛfica ìPor Ele foram criadas todas as coisas no cÈu e na terra, tudo foi
possui uma bondade moral e intrÌnseca que Deus recompensa criado por Ele e para Ele; Ele È antes de todas as coisas e todas
nos indivÌduos e nos povos por meio de alguns dons naturais e subsistem por Eleî (Cl 1,16).
temporais, algumas vezes incluÌdos em favores maiores. Mas
tambÈm ensinareis e provareis por meio de argumentos O desÌgnio de Deus È de ìrestaurar tudo em Cristoî (Eph.I,10) ou
insepar·veis da essÍncia mesma do cristianismo, que as seja, conduzir todas as coisas a uma sÛ cabeÁa, Cristo. O Papa S„o
virtudes naturais, que as luzes naturais, s„o incapazes de Pio X tomar· estas mesmas palavras de S„o Paulo, como divisa:
conduzir o homem a seu fim ˙ltimo, que È a glÛria celestial. ìomnia instaurare in Christoî, tudo instaurar, tudo restaurar em
Cristo: n„o somente na religi„o, como tambÈm na sociedade civil.
Ensinareis que o dogma È indispens·vel, que a ordem
sobrenatural da qual o autor de nossa natureza nos constituiu, ìN„o, Vener·veis Irm„os ñ È necess·rio relembrar com energia
por um ato formal de sua vontade e de seu amor, È obrigatÛrio nestes tempos de anarquia social e intelectual, em que cada um
e inevit·vel; ensinareis que Jesus Cristo n„o È facultativo e que se coloca como mestre e legislador ñ n„o se poder· construir a
fora de sua lei revelada n„o existe, n„o existir· jamais o exato sociedade de uma maneira diferente da que Deus a instituiu;
meio filosÛfico e calmo onde todos, tanto almas de elite quanto n„o se edificar· a sociedade se a Igreja n„o estabelece as bases
almas comuns, podem encontrar o descanso de consciÍncia e e dirige os trabalhos; n„o, a civilizaÁ„o n„o est· para ser
uma regra de vida. inventada, nem uma sociedade nova para ser construÌda das
nuvens. Ela foi, ela È a civilizaÁ„o crist„, È a cidade catÛlica.
Ensinareis que n„o basta que o homem faÁa o bem, mas que È Trata-se somente de instaurar e restaurar sem cessar a
de grande import‚ncia que o faÁa em nome da fÈ, por um civilizaÁ„o em suas bases naturais e divinas, contra ataques
movimento sobrenatural, sem o qual seus atos n„o alcanÁar„o sempre renascentes da rebeli„o e da impiedade: ìomnia
o fim que Deus destinou, ou seja a felicidade eterna no instaurare in Christoî24.
cÈu...23î.
Jean Ousset tem excelentes p·ginas sobre o naturalismo, em sua
Assim no estado da humanidade exatamente querido por Deus, a obra mestra ìPour Quíil Regneî, na segunda parte intitulada ìAs
sociedade n„o se pode organizar nem subsistir afastada de Nosso oposiÁıes ‡ realeza de Nosso Senhor Jesus Cristoî; em que ele
Senhor Jesus Cristo: È o que ensina S„o Paulo: assinala trÍs categorias de naturalismo, um ìnaturalismo agressivoî
23 24
Cardeal Pie, bispo de Poitiers, Oeuvres: T.II, p·gs. 380-381, citado por Jean Carta ìNosso Encargo ApostÛlicoî de 25 de Agosto de 1910, PIN. 430.
Ousset, ìPour quíil Regneî.
que nega mesmo a existÍncia do sobrenatural, aquele dos podem achar no culto de qualquer religi„o o caminho da salvaÁ„o
racionalistas; depois um naturalismo moderado que n„o nega o eternaî (propÙs.∫16); e tambÈm ìdeve-se ter fundadas esperanÁas na
sobrenatural, mas recusa dar-lhe proeminÍncia porque sustenta que eterna salvaÁ„o daqueles que n„o se acham de modo algum na
todas as religiıes s„o provenientes do sentimento religioso: È o verdadeira Igreja de Cristoî (Syllabus, proposiÁ„o condenada n∫17).
naturalismo dos modernistas; finalmente o naturalismo
inconseq¸ente, que reconhece a existÍncia do sobrenatural e sua … f·cil descobrir as raÌzes racionalistas ou modernistas destas
proeminÍncia divina, mas considera como ìmatÈria de opÁ„oî: È o proposiÁıes. A este erro se soma o indiferentismo do Estado em
naturalismo pr·tico de muitos crist„os fracos. matÈria religiosa; por princÌpio, o Estado estabelece que n„o È capaz
de reconhecer a religi„o verdadeira (agnosticismo) e deve pois dar
O laicismo È um naturalismo polÌtico: sustenta que a sociedade pode liberdade a todos os cultos. Eventualmente concordar· em dar ‡
e deve ser constituÌda e que pode subsistir sem levar em conta Deus religi„o catÛlica um certo relevo por ser a da maioria dos cidad„os,
e a religi„o, sem levar em conta a Jesus Cristo, sem reconhecer seu mas reconhece-la como verdadeira, dizem, seria restabelecer a
direito de reinar, ou seja, de inspirar com doutrina toda a legislaÁ„o teocracia; pedir ao Estado para julgar a verdade ou falsidade de uma
da ordem civil. Como conseq¸Íncia, os laicistas querem separar o religi„o seria atribuir-lhe uma competÍncia que ele n„o tem.
Estado da Igreja (o Estado n„o favorecer· a religi„o catÛlica e n„o
reconhecer· os princÌpios crist„os como seus), e separa a Igreja do Mons. Pio, antes de se tornar cardeal, ousou expor este grande erro
Estado (a Igreja ser· reduzida a um direito comum de qualquer ao imperador francÍs Napole„o III, e lhe explicou a doutrina catÛlica
associaÁ„o frente ao Estado, e n„o se levar· em conta sua autoridade do Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo. Em uma entrevista
divina nem sua miss„o universal). Como conseq¸Íncia ser· memor·vel de valor inteiramente apostÛlico, o grande bispo d· ao
estabelecida uma instruÁ„o chamada ìeducaÁ„o p˙blicaî (‡s vezes imperador uma liÁ„o de direito crist„o, o chamado ìdireito p˙blico
obrigatÛria) laica, quer dizer atÈia. O laicismo È o ateÌsmo do Estado, da Igrejaî. Vale a pena fechar este capÌtulo com esta conversa.
porÈm sem este nome!
Foi em 15 de maio de 1856, nos diz Pe. ThÈotime de Saint Just, de
Voltarei a este erro, prÛprio do liberalismo atual e que goza dos quem tiro esta citaÁ„o25. Ao imperador que se jactava de haver feito
favores da declaraÁ„o do Vaticano II sobre a liberdade religiosa. pela religi„o mais do que a RestauraÁ„o26, o bispo respondeu:

O indiferentismo proclama ser indiferente a pr·tica de uma ou outra 25


Pe. ThÈotime de Saint Just, ìLa RoyautÈ Sociale de N. S. Jesus-Christ selon le
religi„o; Pio XI condena este erro: ìTodo homem È livre de abraÁar e Card. Pieî, Beauchesne, Paris, 1925, 2™ ed., pag. 117-121.
professar a religi„o que, guiado pela luz da raz„o, lhe parecer 26
A RestauraÁ„o È a volta da monarquia de Luiz XVIII entre a RevoluÁ„o
verdadeiraî (Syllabus, proposiÁ„o condenada n∫15); ìOs homens Francesa e o 1∫ ImpÈrio. Esta RestauraÁ„o consagrou o princÌpio liberal da
liberdade de culto.
vos sucedeis derrubando-vos uns aos outros, Eu tambÈm vos
ìApresso-me em fazer justiÁa ‡s disposiÁıes religiosas de dou igual proteÁ„o. Dei-a ao imperador vosso tio, aos
Vossa Majestade e sei reconhecer, Senhor, os serviÁos que ela Bourbons, a Luiz Felipe, ‡ Rep˙blica, e a vÛs tambÈm igual
prestou ‡ Roma e ‡ Igreja, principalmente nos primeiros anos proteÁ„o ser· dadaî.
de seu governo. Talvez a RestauraÁ„o n„o tenha feito mais do
que vÛs. Deixe-me acrescentar que nem vÛs nem a E o imperador interroga o bispo: - ìAinda pensais que nossa
RestauraÁ„o fizeram por Deus o que deveria ser feito, porque Època comporta tal estado de coisas, e que È chegado o
nem um nem outro restaurou seu trono, porque n„o renegaram momento de estabelecer este re˙no exclusivamente religioso
os princÌpios da RevoluÁ„o cujas conseq¸Íncias pr·ticas, que me pedis? N„o vos parece, Monsenhor, que seria
entretanto, combateis. Porque o evangelho social em que se desencadear todas as paixıes ruins?î.
inspira o Estado ainda È a declaraÁ„o dos direitos do homem
que n„o È mais do que a negaÁ„o formal dos direitos de Deus. ì ñ Senhor, quando os grandes polÌticos como Vossa
Majestade objetam que n„o È chegado o momento, sÛ me resta
… direito de Deus governar tanto os Estados como os inclinar-me, porque n„o sou um grande polÌtico. Mas sou
indivÌduos. N„o È outra coisa o que Nosso Senhor veio bispo, e como bispo lhe respondo: se n„o chegou o momento
procurar na terra. Ele deve reinar inspirando as leis, de reinar para Jesus Cristo, ent„o tambÈm n„o chegou, para os
santificando os costumes, esclarecendo o ensino, dirigindo os governos, o momento de perdurarî27.
conselhos, regulando as aÁıes tanto dos governos como dos
governados. Onde Jesus Cristo n„o exerce este reinado, h· Para encerrar esses dois capÌtulos sobre os aspectos do liberalismo,
desordem e decadÍncia. gostaria de ressaltar o que h· de fundamental na emancipaÁ„o que
ele propıe aos homens, isolados ou reunidos em sociedade. Como
Agora tenho o direito de vos dizer que Ele n„o reina entre nÛs, expliquei, o liberalismo È a alma de toda revoluÁ„o, e È igualmente,
e que nossa constituiÁ„o est· longe de ser de um Estado crist„o desde o seu nascimento no sÈculo XVI, o inimigo onipresente de
e catÛlico. Nosso direito p˙blico estabelece que a religi„o Nosso Senhor Jesus Cristo, o Deus Encarnado. N„o h· d˙vida: posso
catÛlica È a da maioria dos franceses, mas acrescenta que os afirmar que o liberalismo se identifica com a revoluÁ„o. O
outros cultos tÍm direito a uma igual proteÁ„o. N„o È isto liberalismo È a revoluÁ„o em todos os domÌnios, a revoluÁ„o radical.
proclamar que a ConstituiÁ„o protege igualmente a verdade e o
erro? Sabeis, senhor, o que Jesus Cristo responde aos governos
que se fazem culpados de tais contradiÁıes? Jesus Cristo, Rei
do cÈu e da terra lhes responde: ìe eu vos digo, governos que
27
Histoire du Cardinal Pie, T-1, liv. II, cap. 2, pag. 698.
Mons. Gaume escreveu algumas linhas sobre a RevoluÁ„o, que me CAPÕTULO IV
parecem caracterizar perfeitamente o liberalismo:
LEI E LIBERDADE
ìSe arrancando sua m·scara, pergunta-se ‡ RevoluÁ„o: quem
Ès tu? Ela lhe dir·: eu n„o sou o que pensam. Muitos falam de ìA liberdade consiste em poder viver
mim e poucos me conhecem. N„o sou o carbonarismo, nem mais facilmente conforme as
motim, ... nem troca de monarquia por rep˙blica, nem prescrições da lei eterna, com o
substituiÁ„o de uma monarquia por outra, nem a perturbaÁ„o auxílio das leis civisî.
moment‚nea da ordem p˙blica. N„o sou nem os latidos dos Le„o XIII
jacobinos, nem os furores da Montagne, nem a guerrilha nem a
pilhagem, nem o incÍndio, nem a reforma agr·ria, nem a
N„o poderia resumir melhor os desastres produzidos pelo
guilhotina, nem as execuÁıes. N„o sou nem Marat, nem
liberalismo em toda parte, expostos no capÌtulo precedente, do que
Robespierre, nem Babeuf, nem Mazzini, nem Kassuth. Esses
com uma passagem de uma carta pastoral de bispos, que data de cem
homens s„o meus filhos, mas n„o eu. Essas coisas s„o minhas
anos atr·s, mas continua atual.
obras, mas n„o eu. Esses homens e essas coisas s„o
passageiros mas eu sou um estado permanente. Sou o Ûdio por
ìAtualmente, o liberalismo È o erro capital das inteligÍncias e
toda ordem que n„o tenha sida estabelecida pelo homem e na
a paix„o dominante em nosso sÈculo. Forma uma atmosfera
qual ele n„o seja ao mesmo tempo rei e deus. Sou a
infecta que envolve por todos os lados o mundo polÌtico e
proclamaÁ„o dos direitos do homem sem respeito aos direitos
religioso, e È um imenso perigo para o indivÌduo e para a
de Deus. Sou a fundaÁ„o do estado religioso e social na
sociedade.
vontade do homem em lugar da vontade de Deus. Sou Deus
destronado e o homem em seu lugar. Eis porque me chamo
Inimigo t„o gratuito e cruel da Igreja CatÛlica, amontoa em
RevoluÁ„o, ou seja, subvers„o...î28.
desordem insensata todos os instrumentos de destruiÁ„o e
morte, com a finalidade de proscrevÍ-la da terra. Falsifica as
idÈias, corrompe os juÌzos, adultera as consciÍncias, irrita os
temperamentos, incendeia as paixıes, submete os governantes,
subleva os governados, e n„o satisfeito em apagar (se isto

28
Mons. Gaume, ìLa RÈvolution, Recherches Historiquesî, Sec. Soc. Saint Paul,
Lille, 1877, T-1, pag. 18. Citado por Jean Ousset, ìPour Quíil Regneî, pag. 122.
fosse possÌvel) a chama da revelaÁ„o, lanÁa-se inconsciente e outra coisa. Este foi o pensamento dos autores da revoluÁ„o de
audaz para apagar a luz da raz„o naturalî29. 1789, que ainda espalha seus frutos amargos. Este È o ˙nico
objeto da ìDeclaraÁ„o dos Direitos do Homemî, desde a
primeira atÈ a ˙ltima linha. Isto foi, para os ideÛlogos, o ponto
Enunciado do Princípio Liberal de partida necess·rio ‡ reedificaÁ„o completa da sociedade na
ordem polÌtica, na ordem econÙmica e principalmente na
Ser· possÌvel descobrir no meio de tal caos, num erro t„o ordem moral e religiosaî31.
multiforme, o princÌpio fundamental que explica tudo? Repetimos
com o padre Roussel: ìo liberal È um fan·tico da independÍnciaî. … Poder„o dizer: n„o È a liberdade uma propriedade dos seres
um fato e procuraremos explic·-lo. inteligentes? N„o È portanto justo que se faÁa dela a base da ordem
social? AtenÁ„o! Responderei-lhes: de que liberdade se trata? Esta
O Cardeal Billot, cujos tratados teolÛgicos foram meus livros de palavra tem v·rios significados, que os liberais procuram confundir,
estudo na Universidade Gregoriana e no Semin·rio FrancÍs de quando na realidade È necess·rio distingui-los.
Roma, dedicou ao liberalismo algumas p·ginas brilhantes e
enÈrgicas, em seu tratado sobre a Igreja30. Ele enuncia o princÌpio Há Liberdade e Liberdade...
fundamental do liberalismo:
FaÁamos um pouco de filosofia. A mais elementar reflex„o nos
ìA liberdade È um bem fundamental do homem, bem sagrado mostra que h· trÍs tipos de liberdade:
e inviol·vel, bem que n„o pode ser submetido a qualquer tipo
de coaÁ„o; como conseq¸Íncia esta liberdade sem limites deve 1) Primeiro, a liberdade psicológica, ou livre arbÌtrio, prÛpria dos
ser a pedra irremovÌvel sobre a qual se organizar„o todos os seres providos de inteligÍncia e que È a faculdade de escolher entre
elementos das relaÁıes entre os homens, na norma imut·vel esta ou aquela coisa, independentemente de toda necessidade interior
segundo a qual ser„o julgados todas as coisas a partir do ponto (reflexos, instinto). O livre arbÌtrio faz a dignidade radical da pessoa
de vista do direito; portanto que seja eq¸itativo, justo e bom, humana, que È de ser ìsui jurisî, depender de si mesma e portanto
tudo o que em uma sociedade tenha por base o princÌpio da ser respons·vel, o que um animal n„o È.
liberdade individual inviol·vel; inÌqua e perversa, qualquer
2) Depois temos a liberdade moral, que tem relaÁ„o com o uso do
29 livre arbÌtrio: bom uso, se os meios escolhidos s„o bons em si
Carta Pastoral dos bispos do Equador a seus diocesanos, de 15 de julho de 1885,
citada por Dom Sarda y Salvany em ìO liberalismo È pecadoî, p·gs. 257-258.
30 31
ìDe Ecclesiaî, T-II, p·gs. 19-63. TraduÁ„o do texto latino do Padre Le Floch, ìLe Cardinal Billot, LumiËre de la
ThÈologieî, p·g. 44.
mesmos, conduzem ao bom fim, como resultado; uso mau, se n„o
conduzem a ele, ou se s„o intrinsecamente maus. Podemos ver que a ìA condiÁ„o da liberdade humana, sendo como È, tinha
liberdade moral È essencialmente relativa ao bem. O Papa Le„o XIII necessidade de uma proteÁ„o, necessitava ajuda e socorro
a define magnificamente e de um modo muito simples: a liberdade capazes de dirigir todos seus movimentos para o bem e desvi·-
moral, diz, È ìa faculdade de se mover no bemî. A liberdade moral los do mal; sem isto a liberdade teria sido para os homens algo
n„o È portanto absoluta, mas totalmente relativa ao bem, ou seja, ‡ de danoso. Em primeiro lugar lhe era necess·ria uma regra
lei. Pois È a lei, e em primeiro lugar a lei natural que È a participaÁ„o sobre o que se deve ou n„o fazer, ou seja, uma leiî33.
da criatura racional na lei eterna: È esta lei que determina a ordem
posta pelo criador entre os fins que Ele determina ao homem E Le„o XIII termina sua exposiÁ„o com esta admir·vel definiÁ„o,
(sobreviver, multiplicar-se, organizar-se em sociedade, chegar ao seu que chamaria ìcompletaî, da Liberdade:
fim ˙ltimo ñ o ìSummum Bonumî ñ que È Deus) e os meios para
conseguir estes fins. ìEm uma sociedade de homens, a liberdade digna deste nome,
n„o consiste em fazer tudo de que gostamos; isto provocaria
A lei n„o È o oposto da liberdade, mas pelo contr·rio, uma ajuda uma grande confus„o no Estado, confus„o esta que acabaria
necess·ria, o que vale tambÈm para as leis civis dignas deste nome. em opress„o. A liberdade consiste em que, com a ajuda das
Sem a lei, a liberdade degenera em licenciosidade, que È ìfazer o leis civis, possamos viver mais facilmente conforme as
que eu queroî. Alguns liberais, fazendo desta liberdade moral um prescriÁıes da lei eternaî34.
absoluto, pregam a licenciosidade, a liberdade de fazer
indiferentemente o bem ou o mau, de aderir ‡ verdade ou ao erro. 3) Finalmente a liberdade fÌsica, liberdade de aÁ„o ou liberdade ante
Mas quem n„o vÍ que a possibilidade de n„o fazer o bem, longe de a coaÁ„o, que È a ausÍncia de qualquer coaÁ„o externa que nos
ser a essÍncia e a perfeiÁ„o da liberdade, È a marca da imperfeiÁ„o impeÁa de agir de acordo com a nossa consciÍncia; È precisamente
do homem decaÌdo? E alÈm disso, como explica Santo Tom·s, a esta liberdade que os liberais fazem absoluta, e È esta concepÁ„o que
faculdade de pecar n„o È uma liberdade, mas uma escravid„o: ser· necess·rio analisar e criticar.
ìQuem comete, È escravo do pecadoî (Jo. 8, 34)32.
Ordem Natural e Lei Natural
Ao contr·rio, bem guiada pela lei e canalizada entre preciosas
barreiras, a liberdade alcanÁa seu fim. Eis o que diz o Papa Le„o Antes gostaria de insistir na existÍncia da ordem natural e da lei
XIII a este respeito: natural. Os liberais concordam em admitir leis, mas leis que o
33
EncÌclica ìLibertasî, de 20 de junho de 1888, PIN.179.
32 34
Comentando as palavras de Jesus Cristo em S„o Jo„o. Idem, PIN.185.
homem forjou por si mesmo, enquanto repelem toda ordem (ou
ordenamento) e toda lei cujo autor n„o seja o prÛprio homem. Uma comparaÁ„o lhes far· entender o que quero dizer: atualmente
n„o se compra alguma coisa complicada como uma m·quina de
… uma verdade cientÌfica, que h· uma lei natural concebida pelo lavar, uma foto copiadora ou um computador sem um manual.
Criador, tanto para a natureza mineral, vegetal, animal, como para a Haver· sempre uma lei, uma regra que explique como us·-la
natureza humana. A nenhum cientista ocorreu negar a existÍncia de corretamente para que ela funcione bem, para que alcance seu fim,
leis inscritas na natureza das coisas e dos homens. Em que consiste, diria eu. Esta regra foi estabelecida por aquele que concebeu a
com efeito, a pesquisa cientÌfica, na qual se gastam milhıes? N„o È m·quina em quest„o e n„o pela empregada que se julgue livre para
exatamente a procura das leis? Fala-se freq¸entemente dos inventos mexer em todos os botıes e todas as teclas! Guardando as devidas
cientÌficos, mas È um erro: n„o se inventou nada, n„o se fez mais do proporÁıes, o mesmo ocorre com nossa alma e Deus. Deus nos d·
que descobrir leis e explor·-las. Estas leis que se descobrem, estas uma alma, a cria, e necessariamente nos d· as leis: nos d· os meios
relaÁıes constantes entre as coisas, n„o s„o os cientistas que as para servir-nos dela e assim obter nosso fim, em especial o fim
criam. O mesmo ocorre com as leis da medicina que regulam a ˙ltimo que È o prÛprio Deus conhecido e amado por toda eternidade.
sa˙de, as leis da psicologia que regem os atos plenamente humanos;
todos est„o de acordo, que estas leis n„o s„o criadas pelo homem, ele Ah, disto n„o queremos saber! Exclamam os liberais; as leis da alma
j· as encontra postas na natureza humana. humana È o prÛprio homem que deve cri·-las. N„o nos
surpreendamos se fazem do homem um desequilibrado, por querer
Quando se trata de encontrar as leis morais que regem os atos obrig·-lo a viver contrariamente ‡s leis vegetais: morreriam, È claro!
humanos em relaÁ„o aos principais fins do homem, os liberais sÛ ¡rvores que recusassem fazer subir a seiva, ou p·ssaros que se
fazem falar de pluralismo, criatividade, espontaneidade, liberdade; negassem a procurar seu alimento porque isto n„o lhes agrada: sem
segundo eles, cada escola filosÛfica tem a faculdade de construir sua d˙vida morreriam! N„o seguir a sua lei, o que lhe indica o instinto
prÛpria Ètica, como se o homem, nas partes racionais e da vontade de natural, È a morte! Notem porÈm que o homem n„o segue um
sua natureza, n„o fosse uma criatura de Deus! instinto cego como os animais: Deus nos deu o grande dom da raz„o,
para que tenhamos a inteligÍncia da lei que nos rege, e possamo-nos
Ent„o a alma humana se fez a si mesma? Ou se faz ela mesma? … dirigir livremente ao fim, porÈm n„o sem aplicar a lei!
sem d˙vida evidente que as almas apesar de toda complexidade e de
todas as diversidades foram talhadas de acordo com o mesmo A lei eterna e a lei natural, a lei sobrenatural e as outras leis que
modelo e tÍm a mesma natureza. Quer seja a alma de um Zulu da derivam das primeiras: leis humanas, civis ou eclesi·sticas, todas
¡frica do Sul, de um Maori da Nova Zel‚ndia, de um LÍnin ou de elas s„o para o nosso bem, e isso È nossa felicidade. Sem uma ordem
um Santo Tom·s de Aquino, trata-se sempre de uma alma humana. preconcebida por Deus, sem leis, a liberdade seria para o homem um
presente envenenado. Esta È a concepÁ„o realista do homem que a CAPÕTULO V
Igreja defende contra os liberais, com toda a sua forÁa. Foi a grande
virtude e qualidade do grande Papa Pio XII haver enfrentado os BENÉFICAS COAÇÕES
ataques do liberalismo contempor‚neo, tornando-se o campe„o da
ordem natural crist„. ìNão considereis que estais obrigados,
mas a que estais obrigados,
Voltando a falar de liberdade, podemos dizer resumidamente que ela se é ao bem ou ao malî.
n„o se compreende sem a Lei: s„o duas realidades estreitamente Santo Agostinho
relacionadas, e seria absurdo querer separ·-las ou opÙ-las:
Como lhes disse, o liberalismo faz da liberdade de aÁ„o, definida no
ìDeve-se procurar necessariamente na lei eterna de Deus a regra da
capÌtulo anterior, uma liberdade de toda coaÁ„o, um absoluto, um
liberdade, n„o somente para os indivÌduos mas para as sociedades
fim em si. Deixarei ao Cardeal Billot a an·lise e contestaÁ„o desta
humanasî35.
pretens„o fundamental dos liberais:

ìO princÌpio fundamental do liberalismo, escreve ele, È a


liberdade de toda coaÁ„o, qualquer que seja, n„o sÛ daquela
que se exerce pela violÍncia e que somente atinge os atos
externos, como tambÈm da coaÁ„o que provÈm do temor das
leis e penalidades, das dependÍncias e necessidades sociais, ou
resumindo, dos laÁos de qualquer natureza que impeÁam o
homem de agir segundo sua inclinaÁ„o natural. Para os
liberais, esta liberdade individual È o bem por excelÍncia, o
bem fundamental, inviol·vel, ao qual tudo deve ceder,
excetuando talvez o que exige a ordem puramente material da
cidade; a liberdade È o bem ao qual tudo mais est·
subordinado; ela È o fundamento necess·rio de toda construÁ„o
socialî36.

35 36
EncÌclica ìLibertasî, PIN. 184. Op. Cit. P·gs. 45-46.
ìEste princÌpio do liberalismo, continua o Cardeal Billot, È absurdo, Santo Agostinho, doutor da Igreja, que escreve a Vincentium (carta
antinatural e quimÈricoî. Eis a an·lise crÌtica que ele desenvolve; eu n∫ 93):
resumo e comento:
ìPenso que n„o se deve considerar que se È obrigado, mas a
O Princípio Liberal é Absurdo que se È obrigado: se ao bem ou ao mal. N„o È que ninguÈm
seja capaz, sozinho, de um esforÁo para se tornar bom, mas È
Este princÌpio È absurdo: ìincipit ab absurdoî, comeÁa com a que o temor daquilo que n„o se quer sofrer pıe fim ‡
insensatez de pretender que o principal bem do homem È a ausÍncia obstinaÁ„o e empurra ao estudo da verdade que se ignorava;
de todo liame que atrapalhe ou restrinja a liberdade. Realmente o faz afastar o falso que se sustentava e procurar a verdade que
bem do homem deve ser considerado como um fim: aquilo que È n„o se conhecia, e assim se chega a querer o que n„o se
desejado em si. Vejamos porÈm que a liberdade, a liberdade de aÁ„o, queriaî.
È somente um meio, È somente a faculdade que pode permitir ao
homem adquirir um bem. … portanto relativa ao uso que se faz: boa Durante o ConcÌlio Vaticano II, intervi pessoalmente v·rias vezes
se È para o bem, porÈm m· se È para o mal. N„o È portanto um fim para protestar contra a concepÁ„o liberal de liberdade que estava
em si mesma e certamente n„o È o fim principal do homem. sendo aplicada ‡ liberdade religiosa, concepÁ„o segundo a qual a
liberdade se definiria como a ausÍncia de qualquer coaÁ„o. Eis o que
De acordo com os liberais, a coaÁ„o constitui sempre um mal (a n„o ent„o eu declarava:
ser para garantir uma certa ordem p˙blica). Mas È claro, por
exemplo, que a pris„o de um malfeitor, n„o sÛ por garantir a ordem ìA liberdade humana n„o pode ser definida como uma
p˙blica mas tambÈm para castigo e emenda do culpado È um bem. liberaÁ„o de toda coaÁ„o, sob pena de destruir toda autoridade.
Igualmente a censura da imprensa È praticada atÈ pelos liberais A coaÁ„o pode ser fÌsica ou moral. A coaÁ„o moral no campo
contra seus inimigos, de acordo com o ditado (liberal?): ìn„o h· religioso È de grande utilidade e È encontrada praticamente em
liberdade para os inimigos da liberdadeî. Em si mesma a censura È todas as Sagradas Escrituras: ìo temor de Deus, é o começo da
um bem para defender a sociedade contra a expans„o do veneno do sabedoriaî37.
erro que corrompe os espÌritos.
ìA exposiÁ„o contra a coaÁ„o, n∫ 28, È ambÌgua e falsa sob
Como conseq¸Íncia, deve-se afirmar que a coaÁ„o n„o È em si certos aspectos. O que resta da autoridade paterna dos pais de
mesma um mal, que È inclusive do ponto de vista moral, ìquid famÌlia crist„os sobre seus filhos? Da autoridade dos
indifferens in seî, algo em si mesmo indiferente; tudo depender· da
finalidade para a qual seja empregada. … ali·s o ensinamento de
37
Obs. Enviada ao Secretariado do ConcÌlio, 30 de Dezembro de 1963.
professores nas escolas crist„s? Da autoridade da Igreja sobre catÛlicos que n„o s„o suspeitos de simpatia com o naturalismo ou
os apÛstatas, os hereges e os cism·ticos? Da autoridade dos com o protestantismo. N„o h· d˙vida que È um sinal deste espÌrito
chefes de estado catÛlicos sobre as falsas religiıes, que trazem moderno considerar que ìalguÈm È livre enquanto n„o haja lei que
com elas a imoralidade, o racionalismo, etc38. lhe venha restringirî40. Sem d˙vida, toda lei limita a liberdade de
aÁ„o, mas o espÌrito da Idade MÈdia, ou seja, o espÌrito da ordem
A mim me parece que n„o se pode reafirmar melhor o qualificativo natural e crist„ de que falamos antes, sempre considerou a lei e suas
de ìabsurdoî, que o cardeal Billot d· ao princÌpio do liberalismo, coaÁıes primeiramente como uma ajuda e uma garantia de
sen„o citando o Papa Le„o XIII: verdadeira liberdade, n„o como uma limitaÁ„o. Quest„o de ponto de
vista?, dir„o; eu direi: n„o! Quest„o essencial que marca o comeÁo
ìNada se poderia ter dito ou imaginado de mais absurdo e de da troca fundamental de mentalidade; um mundo dirigido para Deus
mais em oposiÁ„o ao bom senso, do que esta afirmaÁ„o: o considerado como fim ˙ltimo a alcanÁar custe o que custar. Um
homem sendo livre por natureza, deve estar isento de toda mundo orientado completamente para o Soberano Bem, d· lugar a
leiî39. um mundo orientado para o homem, preocupado com as
prerrogativas do homem, seus direitos, sua liberdade.
Equivale a dizer: sou livre, logo devem deixar-me livre! O sofisma
escondido, fica claro ao se explicar um pouco: sou livre por
natureza, dotado de livre arbÌtrio, portanto sou livre tambÈm em
relaÁ„o a qualquer lei, e de toda coaÁ„o exercida pela ameaÁa de
castigos! Ou seja, leis sim, mas sem prever qualquer sanÁ„o. Mas
isto seria a morte das leis: o homem n„o È um anjo, nem todos os
homens s„o santos!

Espírito Moderno e Liberalismo

Gostaria de fazer agora uma observaÁ„o. O liberalismo È um erro


gravÌssimo, cuja origem histÛrica j· vimos. Mas h· um espÌrito
moderno que, sem ser francamente liberal, apresenta uma tendÍncia 40
Su·rez SJ. (1548-1617) exprime este espÌrito ao escrever: ìhomo continet
ao liberalismo. Desde o sÈculo XVI o encontramos em autores libertatem suamî, o homem detÈm sua liberdade, no sentido de que a liberdade È
anterior ‡ lei (De Bon.Et Mal.Hum.Act., disp. XII, sect. V, p·g. 448, citado por
38
IntervenÁ„o oral na Aula Conciliar, Outubro de 1964. DTC. XIII, 473). Um espÌrito tomista como Le„o XIII n„o admitiria esta distinÁ„o
39
EncÌclica ìLibertasî, PIN. 180. de duas realidades estritamente correlatas.
CAPÕTULO VI homem È um lobo para o outro homemî. A sociedade nada tem de
natural, È puramente convencional em sua origem histÛrica e em sua
DESIGUALDADES NECESSÁRIAS constituiÁ„o: esta convenÁ„o È um ìcontrato socialî.

ìA natureza se rege por procedimentos que Toda esta teoria, cuja an·lise nÛs tiramos do livro do padre Baltasar
envolvem a autoridade e a desigualdade, P. Argos S.J.41, havia sido refutada anteriormente, e especialmente
contradizendo assim diretamente a ridícula por S„o Tom·s de Aquino, que demonstra a natureza social do
hipótese liberal e democráticaî. homem, pondo em evidÍncia que o homem È o animal mais provido
Charles Maurras de meios naturais para subsistir de modo autÙnomo quando vem ao
mundo e que os homens, mesmo na idade adulta s„o incapazes de
satisfazerem sozinhos a todas as suas necessidades; devem portanto
Um Individualismo Antinatural
ajudar-se mutuamente42. Gostaria de lhes apresentar uma p·gina
admir·vel do pensador polÌtico contempor‚neo Charles Maurras
Continuaremos a an·lise do princÌpio do liberalismo: ele È
(1868-1952), que seguindo S„o Tom·s refuta magistralmente a
antinatural, diz o Cardeal Billot, ìao pretender que tudo deve ceder
teoria individualista e igualit·ria de Rousseau43. Contudo, parece-
ante o bem da liberdade individual, que as necessidades sociais
nos bastante indicar o que ensina Le„o XIII, em relaÁ„o a este
multiplicaram os empecilhos a esta liberdade, e que o regime ideal
assunto em sua encÌclica sobre a origem do poder polÌtico:
para o homem È aquele em que reina a lei do puro e perfeito
individualismoî. Ora, continua o autor, ìeste individualismo È
ìO grande erro destes filÛsofos est· em n„o ver algo, que
absolutamente contr·rio ‡ natureza humanaî.
entretanto È evidente: os homens n„o constituem uma raÁa
selvagem e solit·ria; a condiÁ„o natural de viver em sociedade
VocÍs j· viram que se trata do liberalismo individual de Jean
È anterior a qualquer decis„o de sua vontadeî44.
Jacques Rousseau, que se encontra por toda parte no fundo de todo
pensamento polÌtico atual. De acordo com Rousseau, os homens
nascem livres de toda coaÁ„o, ìanti-sociaisî por natureza, feitos para
Uma Igualdade Quimérica
viver isolados na selva, onde s„o felizes. A origem de seus males e
das desigualdades est· na introduÁ„o da propriedade privada, que d·
origem ‡s rivalidades: um ìestado de guerra de todos contra todosî.
41
Se os homens se agrupam em sociedades, n„o È por uma necessidade Cf. Baltazar P. Argos S.J. ìCatÈchisme Politiqueî, Orme Rond, 1981, p·g. 25;
42
de sua natureza, mas unicamente por decis„o de sua livre e Cf. Santo Tom·s, ìDe Regimine Principiumî, liv. I cap. I
43
Charles Maurras, ìMÍs IdÈes Politiquesî, cap. A PolÌtica Natural, p·g. 17 e seg.
espont‚nea vontade, como uma escapatÛria a este estado no qual ìo 44
EncÌclica ìDiuturnumî, 29 de junho de 1881, PIN. 97.
O princÌpio igualit·rio È quimÈrico, diz o Cardeal Billot, liberdade-igualdade, o condena classificando-o de ìfantasiaî e de
ìinicialmente porque em absoluto n„o corresponde ‡ realidade: ìpalavras vazias e sem sentidoî:
supıe um pacto inicial na origem de toda sociedade. Onde ele viu tal
pacto? E pressupıe a entrada livre de cada um na sociedade; e ainda ìAonde est· ent„o esta liberdade de pensar e agir que a
vai mais longe: imagina que os homens foram moldados pelo mesmo AssemblÈia Nacional d· ao homem social como um direito
modelo, exatamente iguais, o homem abstrato, reproduzido milhıes imprescindÌvel da natureza? Este direito quimÈrico n„o È
de vezes sem as caracterÌsticas individualizantes. Aonde est·? Diz contr·rio aos direitos do Criador Supremo, a quem devemos a
Taine: ìaplicai o contrato social, se vos parece bem, mas explicai-o existÍncia e tudo que possuÌmos? Ser· possÌvel ignorar que o
unicamente aos homens para os quais foi fabricado. S„o homens homem n„o foi criado para si mesmo, mas sim para ser ˙til a
abstratos de nenhum sÈculo ou paÌs, puras entidades surgidas da vara seus semelhantes? Pois È tal a debilidade da natureza humana
m·gica da metafÌsicaî45. que para se conservar os homens tÍm necessidade do socorro
m˙tuo. E para isto os homens receberam de Deus a raz„o e o
Le„o XIII exprime o mesmo pensamento, na continuaÁ„o da frase uso da palavra para poderem pedir ajuda aos outros e por sua
antes citada da encÌclica ìDiuturnumî: ìSomai a isto, que o pacto vez socorrer aos que imploram o seu auxÌlio. … a mesma
que invocam È uma invenÁ„o e uma fantasiaî. natureza que estabeleceu laÁos entre os homens e os reuniu em
sociedade; por outro lado, considerando que o uso da raz„o
Quero insistir sobre o aspecto fantasioso desta igualdade, segundo a consiste essencialmente em reconhecer a seu soberano autor,
qual os homens nascem iguais, ou pelo menos com iguais direitos: honr·-lo, admir·-lo, entregar-lhe toda sua pessoa e seu ser,
ìos homens nascem e permanecem livres e iguais em seus direitosî, considerando que desde sua inf‚ncia teve necessidade de se
proclama o artigo primeiro da ìDeclaraÁ„o dos Direitos do Homem e submeter ‡queles de mais idade, regular sua vida de acordo
do Cidad„oî de 1791. Vejamos o que pensam a este respeito os com as leis da raz„o, da sociedade e da religi„o, vÍ-se que esta
papas: igualdade, esta liberdade t„o apreciadas, n„o s„o para ele,
desde seu nascimento, mais que quimeras e palavras vazias,
O Papa Pio VI, inicialmente, condenando especialmente o artigo II sem sentidoî47.
desta mesma DeclaraÁ„o46, refere-se diretamente ao princÌpio de
Desta liberdade-igualdade supostamente inata ao indivÌduo, em
45 virtude do contrato social, derivar· o princÌpio da soberania do povo;
Taine, ìLa Revolutionî, Tomo I, Livro II, cap. 2.
46 a soberania reside primeiramente no povo e de nenhum modo em
ìA livre comunicaÁ„o de pensamentos e opiniıes È um dos direitos mais
preciosos do homem; todo cidad„o pode portanto falar, escrever e imprimir
47
livremente, devendo contudo responder pelos abusos desta liberdade, nos casos Carta ìQuod Aliquantulumî, de 10 de marÁo de 1791 aos bispos da AssemblÈia
previstos pela leiî. Nacional da FranÁa, PIN. n∫3.
Deus ou nas autoridades naturais constituÌdas por Deus. Pio VI n„o
deixa de notar esta conseq¸Íncia. ìPorque na verdade aquele que criou e governa todas as coisas
dispÙs, com sua providÍncia e sabedoria, que as coisas
O Papa Le„o XIII por sua vez condena o princÌpio liberal da inferiores alcanÁassem seu fim pelas mÈdias e estas pelas
igualdade entre os homens, retomado pelos socialistas, e distingue superioras. Pois assim como, mesmo no Reino dos CÈus ele
cuidadosamente a igualdade que os homens tÍm por sua natureza quis que os coros angÈlicos fossem diferentes e uns
comum da desigualdade que tÍm por causa das diferentes funÁıes na subordinados a outros, assim como na Igreja Ele instituiu
sociedade, como diz o Evangelho: v·rios graus de ordens e diversos ofÌcios para que ìnem todos
fossem apÛstolos, nem todos doutores, nem todos pastoresî
ìOs socialistas (...) sempre insistem em dizer, como nÛs (Rm 13, 1-7), assim tambÈm dispÙs que na sociedade civil
sabemos, que todos os homens s„o por natureza iguais entre si, houvesse v·rias ordens distintas em dignidade, direitos e
e por isso eles pretendem que n„o se deve dar ao poder nem poderes, ou seja, que o Estado, como a Igreja, fosse um sÛ
honra nem reverÍncia, nem obediÍncia ‡s leis, a n„o ser para corpo com muitos membros, uns mais nobres do que os outros
aquelas nascidas de seus caprichos. Ao contr·rio, segundo os mas todos necess·rios e solÌcitos ao bem comumî48.
ensinamentos evangÈlicos, a igualdade entre os homens vem
de todos, dotados da mesma natureza, s„o chamados ‡ mesma Parece-me que estes textos mostram bem o total irrealismo do
altÌssima dignidade de filhos de Deus, e enquanto um mesmo princÌpio fundamental do liberalismo: liberdade-igualdade. Pelo
fim È proposto a todos, cada um ser· julgado segundo a mesma contr·rio, È um fato naturalmente ineg·vel que em nenhuma etapa de
lei e obter· castigo ou recompensa segundo seus mÈritos. Mas sua vida o indivÌduo È intercambi·vel, mas que ele È um membro,
h· uma desigualdade de direito e de poder que provÈm do parte de um corpo constituÌdo sem que ele devesse opinar. Neste
prÛprio Autor da natureza, ìem virtude de quem toda corpo, alÈm disso, ele est· submetido ‡ necess·rias e ˙teis coaÁıes.
paternidade recebe seu nome nos cÈus e na terraî. E enfim, neste corpo ele encontrar· o lugar correspondente a seus
talentos naturais ou adquiridos e a seus dons sobrenaturais, ainda
Le„o XIII lembra a seguir o preceito da obediÍncia ‡s autoridades que submetido ‡ hierarquias e ‡ desigualdades tambÈm saud·veis.
dado pelo apÛstolo S„o Paulo: ìn„o h· poder que n„o venha de Assim Deus o concebeu. Ele que È um Deus de ordem e n„o de
Deus, e aqueles que existem foram estabelecidos por Deus. Por isso, desordem.
quem resiste ao poder resiste ‡ ordem querida por Deusî (Rm 13, 2).
O PontÌfice ensina em seguida que a hierarquia que se encontra na
sociedade civil n„o È unicamente fruto da vontade dos homens, mas
antes de tudo a aplicaÁ„o de uma ordem divina, do plano de Deus:
48
EncÌclica ìQuod Apostoliciî, PIN. 71-72.
CAPÕTULO VII do ìcomplotî armado contra a ìAction FranÁaiseî50 e da crise que se
seguiu, quando eu era seminarista.
JESUS CRISTO É REI DAS REPÚBLICAS?
Por outro lado, o Pe. Le Floch nos falava constantemente do perigo
do modernismo, do ìsillonismoî, do liberalismo. Baseando-se nas
Não é a maioria que faz a verdade, encÌclicas dos papas, o Pe. Le Floch chegou a firmar em nÛs uma
é a verdade que deve fazer a maioria. convicÁ„o segura e sÛlida, baseada na doutrina imut·vel da Igreja,
sobre o perigo destes erros. Desejo transmitir-lhes esta mesma
convicÁ„o, como uma chama que se transmite ‡ posteridade, como
Ainda tenho muito a dizer sobre o liberalismo. Mas gostaria que uma luz que os preservar· destes erros que reinam hoje mais do que
compreendessem bem que n„o s„o minhas opiniıes pessoais que nunca ìin ipsis Ecclesiae venis et visceribusî, nas veias e mesmo nas
proponho. Por isso cito documentos dos papas e n„o sentimentos entranhas da Igreja, como dizia S„o Pio X.
meus, que facilmente poderiam ser atribuÌdos a uma formaÁ„o
recebida no Semin·rio FrancÍs de Roma. O Padre Le Floch, que era VocÍs compreender„o assim que meu pensamento polÌtico pessoal
superior, teve com efeito uma reputaÁ„o muito grande de sobre o regime que melhor convÈm, por exemplo para a FranÁa, n„o
tradicionalista. Dir„o de mim: ìfoi influenciado pelo que lhe foi dito tem muita import‚ncia. Os fatos falam por si mesmos: a monarquia
no semin·rio!î. N„o nego esta influÍncia, mas tambÈm agradeÁo francesa nunca conseguiu realizar o que conseguiu a democracia:
todos os dias a Deus o fato de me haver sido dado como superior e cinco revoluÁıes sangrentas (1789, 1830, 1848, 1870 e 1945), quatro
mestre o Pe. Le Floch. Ele foi acusado na Època de fazer polÌtica; invasıes estrangeiras (1815, 1870, 1914 e 1940), duas
Deus sabe que È o oposto a um crime, o fazer a polÌtica de Jesus desapropriaÁıes dos bens da Igreja, expulsıes de ordens religiosas,
Cristo e suscitar homens polÌticos que usem todos os meios supress„o de escolas catÛlicas, laicizaÁıes de instituiÁıes (1789 e
legÌtimos, inclusive jurÌdicos, para expulsar da sociedade os 1901), etc. No entanto, dir„o alguns, o Papa Le„o XIII pediu o
inimigos de Nosso Senhor Jesus Cristo49. Na realidade o Pe. Le ìralliementî51 dos catÛlicos franceses ao regime republicano52 (que
Floch nunca se meteu com a polÌtica, nem sequer no pior momento
50
Jornal e movimento polÌtico dirigido por Charles Maurras, ìLíAction FranÁaiseî
lutava baseada em s„s verdades naturais contra o democratismo liberal. Foi
acusada falsamente de naturalismo. O Papa Pio XI, enganado, condenou-a. Pio XII
devia levantar esta sanÁ„o. PorÈm o mal estava feito: 1926 marca na FranÁa uma
49
N„o È porque bispos esquerdistas fazem polÌtica socialista ou comunista que a etapa decisiva na ìocupaÁ„oî da Igreja pela facÁ„o ìcatÛlico liberalî.
51
Igreja deve se abster de fazer polÌtica! Ela tem um poder, sem d˙vida indireto mas [N. do T.] ìRalliementî ou participaÁ„o proposta por Le„o XIII ao regime
real, sobre a ordem temporal e a vida da cidade. O reino social de N. S. J. C. È uma republicano francÍs. Significou o rompimento com a monarquia francesa e o
preocupaÁ„o essencial da Igreja. afogamento da resistÍncia catÛlica.
provocou uma cat·strofe polÌtica e religiosa). Outros criticam esta - A ìcruzada das democraciasî contra todo regime que faz referÍncia
atitude de Le„o XIII, classificando-a e a seu autor, de liberal. N„o ‡ autoridade divina, qualificando ent„o como regime ìabsolutistaî.
creio que ele fosse um liberal e muito menos um democrata. Quanto a isto, o Tratado de Versalhes de 1919, que suprimia as
Acreditou apenas suscitar uma boa combinaÁ„o para o bem da ˙ltimas monarquias verdadeiramente crist„s, foi uma vitÛria liberal e
religi„o na FranÁa; mas vÍ-se claramente que esquecia a origem da em especial maÁÙnica53.
constituiÁ„o irremediavelmente liberal, maÁÙnica e anti-catÛlica da
democracia francesa. - O reino polÌtico das maiorias, que se supıe expressar a
ìsacrossanta e infalÌvelî vontade geral.
A Ideologia Democrática
Ante este democratismo que entra na Igreja pela colegialidade, sÛ
Nascida do postulado liberal do indivÌduo-rei, a ideologia nos resta repetir: a maioria n„o faz a verdade. O que pode ser
democr·tica se constrÛi em seguida, logicamente; os indivÌduos construÌdo solidamente, fora da verdade e da verdadeira justiÁa para
passam ao estado social por um pacto convencional: o ìcontrato com Deus e o prÛximo?
socialî que È, como diz Rousseau, ìuma alienaÁ„o total de cada
membro, com todos seus direitos, em favor de toda a humanidadeî. Condenação da Ideologia Democrática pelos Papas
DaÌ vem:
Os papas n„o cessaram de condenar esta ideologia democr·tica.
- A necess·ria soberania popular: o povo È necessariamente Le„o XIII o fez ìex professoî em sua encÌclica ìDiuturnumî, da
soberano, tem o poder por si mesmo, e o conserva mesmo depois de qual j· lhes falei:
haver eleito os governantes.
ìGrande n˙mero de nossos contempor‚neos seguem as
- A ilegitimidade de todo regime que n„o tem por base a soberania pegadas daqueles que, no sÈculo passado, se outorgaram o
popular ou cujos governantes dizem receber o poder de Deus. tÌtulo de filÛsofos, pretendendo que todo poder vem do povo;
que em conseq¸Íncia a autoridade n„o pertence ‡queles que a
DaÌ como conseq¸Íncia, na pr·tica: exercem sen„o a tÌtulo de mandato popular, e com esta
ressalva: que a vontade do povo pode sempre tirar de seus
- A luta para o estabelecimento universal da democracia. mandat·rios o poder que lhes havia sido delegado.

52 53
Cf. EncÌclica ìAu milieu des solicitudesî, de 16 de janeiro de 1892 aos bispos e Cf. H. Le Caron, ìLe plan de Domination Mondiale de la Contre-egliseî, p·g.
fiÈis da FranÁa. 22.
E È nisso que os catÛlicos se separam de seus novos mestres;
eles fundamentam em Deus o direito de mandar, e o fazem daÌ Para encerrar, Le„o XIII mostra a falsidade do contrato social de
derivar como de sua fonte natural e seu princÌpio necess·rio. Rousseau que È a base da ideologia democr·tica contempor‚nea.

Entretanto deve-se notar que se se trata de designar aqueles A Igreja Não Condena o Regime Democrático
que devem governar o domÌnio p˙blico, em alguns casos essa
escolha pode ser feita por eleiÁ„o e pela preferÍncia da Gostaria de lhes mostrar agora que nem toda democracia È liberal.
maioria, sem que a doutrina catÛlica ponha aÌ qualquer Uma coisa È a ìideologiaî democr·tica, outra o regime democr·tico;
obst·culo. Esta eleiÁ„o, com efeito, determina a pessoa do a Igreja condena a ideologia, mas n„o o regime que È a participaÁ„o
soberano, n„o lhe conferindo o direito de soberania; n„o se do povo no poder.
constitui a autoridade, decide-se quem deve exercÍ-laî (PIN.
94). S„o Tom·s j· justificava a legitimidade do regime democr·tico:

Logo toda autoridade vem de Deus, mesmo em democracia! ìQue todos tenham uma certa parte no governo ajuda para que
seja conservada a paz do povo. Todos gostam desta
Toda autoridade vem de Deus, esta È uma verdade revelada e Le„o organizaÁ„o e procuram conserv·-la, como diz AristÛteles no
XIII a estabelece solidamente pela Sagrada Escritura, a tradiÁ„o dos livro II de sua ëPolÌticaíî56.
Padres, e finalmente pela raz„o: uma autoridade que emanasse
somente do povo, n„o teria forÁa para obrigar, em consciÍncia, sob Sem preferir a democracia, o Doutor comum considera que,
pena de pecado54. concretamente, o melhor regime polÌtico È uma monarquia na qual
todos os cidad„os tÍm uma certa participaÁ„o no poder elegendo, por
ìNenhum homem tem em si ou por si o necess·rio para forÁar, exemplo, aqueles que v„o governar sob as ordens do monarca; este
por uma obrigaÁ„o de consciÍncia, o livre querer de seus È, diz S„o Tom·s, ìum regime que alia bem a monarquia, a
semelhantes. Somente Deus como criador e legislador aristocracia e a democraciaî57.
universal possui tal poder; os que exercem o poder tÍm
necessidade de recebÍ-lo dEle e exercÍ-lo em seu nomeî55. A monarquia francesa do Antigo Regime, como muitas outras, era
mais ou menos deste tipo apesar do que dizem os liberais; existia
54 ent„o entre o monarca e a multid„o de s˙ditos toda uma ordem e
Ela poderia obrigar sob a ameaÁa de castigos, mas n„o se suscita assim, diria
Jo„o XXIII em ìPacem in Terrisî, a procura por cada um do bem comum. A
56
autoridade È antes de tudo uma forÁa moral. Suma Teol. I-II / 105 / 1.
55 57
ìDiuturnumî, PIN. 96. Idem.
hierarquia de in˙meros corpos intermedi·rios que podiam expor suas da natureza social do homem, e n„o dos indivÌduos-reis. ApÛs a
opiniıes diante das autoridades superiores, quando necess·rio. eleiÁ„o dos governantes pelo povo, este povo n„o conserva o
exercÌcio da soberania59.
A Igreja catÛlica n„o d· preferÍncia por este ou aquele regime;
admite que os povos escolham a forma de governo mais adaptado ‡ Primeira conseq¸Íncia: o governo n„o È mais uma multid„o amorfa
sua Ìndole e ‡s circunst‚ncias: de indivÌduos, mas de um povo organizado: os chefes de famÌlia
(que poder„o legislar diretamente em Estados muito pequenos, como
ìNada impede ‡ Igreja aprovar o governo de um sÛ ou de Appenzell na SuÌÁa), cidad„os e comerciantes, industriais e
v·rios, sempre e quando o governo seja justo e ordenado para trabalhadores, grandes e pequenos propriet·rios, militares e
o bem comum. Por isto, em absoluto, n„o est· proibido aos magistrados, religiosos, sacerdotes e bispos; como diz Mons. de
povos esta ou aquela forma polÌtica que melhor se adapte ‡ sua SÈgur, È ìa naÁ„o com todas suas forÁas vivas, constituÌda em uma
Ìndole ou ‡s suas tradiÁıes e a seus costumesî58. representaÁ„o sÈria e capaz de expressar seus sentimentos por seus
legÌtimos representantes, de exercer livremente seus direitosî 60. Por
O que é uma Democracia não Liberal? sua vez, Pio XII distingue bem o povo e a massa:

Confesso que uma democracia n„o liberal È uma coisa rara, hoje ìPovo e multid„o amorfa, ou como se costuma dizer massa,
desaparecida, mas tambÈm n„o È completamente um sonho, como s„o dois conceitos diferentes. O povo vive e se movimenta por
prova a Rep˙blica de Cristo Rei, aquela do Equador de Garcia si mesmo; a massa È em si mesma inerte, e sÛ pode ser movida
Moreno no sÈculo passado. por forÁas externas. O povo vive na plenitude da vida dos
homens que o compıem, da qual cada um em seu lugar e de
Vejamos ent„o as caracterÌsticas de uma democracia n„o liberal: modo prÛprio, È uma pessoa consciente de suas
responsabilidades e convicÁıes. A massa, pelo contr·rio,
1 ñ Primeiro princÌpio: o princÌpio da soberania popular. espera o impulso de fora, joguete f·cil nas m„os de qualquer
um que procure explorar os instintos e as impressıes e pronta a
Em primeiro lugar se limita o regime democr·tico e se respeita a seguir esta bandeira hoje e outra bandeira amanh„î61.
legitimidade da monarquia. AlÈm disso, È radicalmente diferente
daquela democracia de Rousseau: o poder n„o È do povo nem pela
origem nem definitivamente: o poder vem de Deus. De Deus, autor
59
Cf. ìDiuturnumî citado acima, e Mons. de SÈgur, a ìRevoluÁ„oî, p·g. 73.
60
Op. Cit. P·g. 73.
58 61
Le„o XIII, EncÌclica ìDiuturnumî, PIN. 94. Radio mensagem de Natal, 24 de dezembro de 1944.
Segunda conseq¸Íncia: os governantes eleitos, mesmo se s„o CAPÕTULO VIII
chamados, como diz S„o Tom·s, ìvig·rios do povoî, o s„o somente
no sentido de que fazem o que o povo n„o pode fazer por si mesmo, O LIBERALISMO OU A SOCIEDADE SEM DEUS
ou seja, governar. PorÈm o poder lhes vem de Deus ìde quem toda
paternidade no cÈu e na terra recebe seu nomeî (Eph. III, 15). Os ìO indiferentismo È o ateÌsmo sem o nomeî
governantes s„o respons·veis por seus atos em primeiro lugar diante Le„o XIII
de Deus, de quem s„o ministros, e depois diante do povo, para o bem
do qual eles governam. Depois de haver analisado os princÌpios do liberalismo polÌtico,
procurarei expor como o movimento generalizado de laicizaÁ„o que
2 ñ Segundo princÌpio: os direitos de Deus (e os de sua Igreja, em destruiu quase completamente a cristandade, tem sua fonte nos
uma naÁ„o catÛlica), s„o colocados como base da constituiÁ„o. O princÌpios liberais. … o que mostra o Papa Le„o XIII em sua
Dec·logo ent„o inspira toda a legislaÁ„o. EncÌclica ìImmortale Deiî, em um texto j· cl·ssico que n„o se pode
ignorar.
Primeira conseq¸Íncia: a ìvontade geralî È nula, se vai contra os
direitos de Deus. A maioria n„o faz a verdade, ela deve se manter na O “Direito Novo”
verdade, sob pena de uma pervers„o da democracia. Pio XII com
raz„o enfatizava o perigo inerente ao regime democr·tico e contra o ìA ‚nsia perniciosa e deplor·vel de novidades que surgiu no
qual a constituiÁ„o deve reagir: o perigo da despersonalizaÁ„o, da sÈculo XVI, tendo inicialmente perturbado as coisas da
massificaÁ„o e da manipulaÁ„o da multid„o por grupos de press„o e Religi„o, como natural conseq¸Íncia veio transformar a
maiorias artificiais. filosofia, e por seu intermÈdio toda a organizaÁ„o da sociedade
civil. DaÌ, como de um manancial, derivaram os mais recentes
Segunda conseq¸Íncia: a democracia n„o È laica, mas claramente postulados de uma liberdade sem freios, criados durante as
crist„ e catÛlica. Ela È conforme a doutrina social da Igreja, no que grandes perturbaÁıes do sÈculo XVIII e lanÁadas depois como
concerne ‡ propriedade privada, o princÌpio de subsidiaridade, e a princÌpios e bases de um novo direito, que era atÈ ent„o
educaÁ„o, deixada aos cuidados da Igreja e dos pais, etc. desconhecido e discrepante n„o sÛ do cristianismo, mas
tambÈm, em mais de um ponto, do direito natural.
Resumindo: a democracia, como qualquer outro regime, deve
realizar o reinado social de Nosso Senhor Jesus Cristo. A O principal entre estes princÌpios È que todos os homens,
democracia tambÈm deve ter um Rei: Jesus Cristo. sendo de uma mesma espÈcie e natureza, assim tambÈm s„o
iguais em suas aÁıes vitais, sendo cada um dono de si mesmo
e de modo algum sujeito ‡ autoridade de outro, que pode sem freio de toda consciÍncia, a plena liberdade sem freio de
pensar em qualquer coisa que lhe ocorra e agir livremente no toda consciÍncia, a plena liberdade de adorar ou n„o adorar a
que lhe apetecer, e ninguÈm tem o direito de mandar em Deus, e a licenÁa sem limites de pensar e de publicar seus
alguÈm. pensamentosî62.

Tendo sido a sociedade constituÌda sob estes princÌpios, a


autoridade p˙blica n„o passa da vontade do povo o qual, como Conseqüências do Direito Novo
depende de si mesmo, È o que se d· as ordens. Entretanto o
povo elege pessoas a quem ele entrega n„o tanto o direito, mas ìAdmitidos estes princÌpios que hoje em dia s„o aplaudidos
apenas a funÁ„o do poder para que ela a exerÁa em seu nome. freneticamente, facilmente se compreender· a que situaÁ„o
Cobre-se assim com um manto de silÍncio o poder soberano de inÌqua querem impelir a Igrejaî.
Deus, como se Deus n„o existisse, ou n„o se preocupasse com
a sociedade do gÍnero humano, ou como se os homens, ìPois onde quer que estas ëdoutrinasí sejam praticadas, o
individual ou coletivamente, nada devessem a Deus, ou como catolicismo È colocado em pÈ de igualdade ou mesmo de
se fosse possÌvel imaginar alguma forma de domÌnio que n„o inferioridade, com sociedades que lhe s„o estranhas. N„o se
tivesse em Deus sua raz„o de ser, sua forÁa e toda sua tem nenhuma consideraÁ„o pelas leis eclesi·sticas; a Igreja,
autoridade. que recebeu de Jesus Cristo ordem e miss„o de ensinar todas
as naÁıes, se vÍ proibida de qualquer ingerÍncia na educaÁ„o
Como se vÍ, deste modo o Estado n„o passa de uma multid„o p˙blica.
que È mestra e governadora de si mesma; e como se afirma que
o povo tem em si a fonte de todos os direitos e de todo poder, Mesmo em assuntos que s„o de competÍncia tanto eclesi·stica
segue-se logicamente que o Estado não se considera em quanto civil, os governantes civis legislam por si prÛprios
nada devedor de Deus, não professa oficialmente qualquer demonstrando enorme desprezo pelas santas leis da Igreja.
religião, não deve indicar entre tantas qual é a única Assim tomam para sua jurisdiÁ„o os casamentos dos crist„os;
verdadeira nem favorecer nenhuma; mas que ele deve legislam sobre os laÁos conjugais, sobre sua unidade e
conceder a todas igualdade de direitos salvo para as que estabilidade; usurpam os domÌnios dos clÈrigos negando ‡
perturbam a disciplina da coisa p˙blica. Ser· lÛgico ent„o Igreja o direito ‡ propriedade. Ou seja, tratam a Igreja como se
deixar ao arbÌtrio de cada um tudo o que se refere ‡ religi„o, esta n„o tivesse nem as marcas nem os direitos de uma
permitindo-lhe que siga a que preferir ou nenhuma, se
nenhuma lhe agradar. DaÌ decorre necessariamente a liberdade
62
PIN. 143.
sociedade perfeita, como se ela fosse simplesmente uma polÌticas que eram sua proteÁ„o e a express„o de sua benÈfica
associaÁ„o como as outras existentes no Estado. E todos os influÍncia, a prÛpria Igreja seria paralisada e abatidos com ela a
direitos que lhe restam, toda possibilidade de agir, eles as famÌlia crist„, a escola crist„, o espÌrito crist„o e atÈ mesmo o nome
transformam em concessıes e favores dos governosî63. crist„o. Le„o XIII vÍ claramente este plano sat‚nico tramado pelas
seitas maÁÙnicas, e que chega atualmente ‡s ˙ltimas conseq¸Íncias.

Conseqüências Últimas
O Liberalismo Laicizante em Ação Durante o Vaticano II
ìComo conseq¸Íncia desta situaÁ„o polÌtica, que atualmente
muitos favorecem, j· se formou um costume e uma tendÍncia O auge da impiedade, que antes nunca havia sido alcanÁado, foi
de afastar completamente a Igreja, ou tÍ-la ligada e sujeita ao quando prÛpria Igreja, ou o que queria se passar por Ela, adotou no
Estado. Estes desÌgnios inspiram na maioria das vezes o que os ConcÌlio Vaticano II o princÌpio do laicismo do Estado, ou o
governantes fazem. As leis, a administraÁ„o p˙blica, a equivalente: a regra de igual proteÁ„o do Estado aos adeptos de
instruÁ„o leiga da juventude, o confisco dos bens e a todos os cultos, pela declaraÁ„o da liberdade religiosa; tornarei a
supress„o das ordens religiosas como a supress„o do poder falar sobre este assunto. Isto mostra ao mesmo tempo atÈ que ponto
temporal dos Romanos PontÌfices, tudo segue o fim de ferir o penetraram as idÈias liberais na Igreja, atÈ nas suas mais altas
nervo vital das instituiÁıes crist„s, sufocar a liberdade da esferas. TambÈm voltarei a falar sobre este assunto.
Igreja CatÛlica, destruir todos os seus direitosî64.
Para recapitular, veremos abaixo o encadeamento lÛgico dos
Le„o XIII j· se manifestou afirmando que o novo direito, aquele dos princÌpios liberais atÈ chegar as suas conseq¸Íncias extremas para a
princÌpios liberais, conduz ao indiferentismo do Estado em relaÁ„o ‡ Igreja. Trata-se do esquema anexo ‡ carta que dirigi ao Cardeal
religi„o, È o ìateÌsmo sem nomeî, diz ele65, È a eliminaÁ„o da Seper em 26 de fevereiro de 1978. … um paralelo esclarecedor entre
religi„o catÛlica da sociedade. Em outras palavras, o objetivo dos ìQuanta Curaî de Pio IX e ìImmortale Deiî de Le„o XIII.
Ìmpios liberais n„o È nada menos do que a eliminaÁ„o da Igreja, pela
destruiÁ„o dos Estados catÛlicos que a sustentam. Estes Estados
eram as muralhas da fÈ, portanto era necess·rio abatÍ-las. E uma vez
destruÌdos estes amparos da Igreja e suprimidas as instituiÁıes

63
PIN. 144.
64
PIN. 146.
65
PIN. 148.
Leão XIII Pio IX
ìImmortale Deiî (PIN. 143/4) ìQuanta Curaî (PIN. 39-40)

1- CondenaÁ„o do racionalismo individualista indiferentista, do 1 ñ Den˙ncia do naturalismo e sua aplicaÁ„o ao Estado:


indiferentismo e do monismo de Estado.
ìAtualmente n„o faltam homens que aplicando ‡ sociedade civil o Ìmpio e
ìTodos os homens s„o iguais em sua aÁ„o vital, sendo cada qual dono de si absurdo princÌpio do naturalismo, como eles chamam, se atrevem a dizer
mesmo, que de modo algum est· submetido ‡ autoridade de outro; que que a melhor ordem da sociedade p˙blica e o progresso civil exigem
pode pensar em qualquer coisa que lhe ocorra, e agir livremente no que lhe imperiosamente que a sociedade humana se constitua e se governe sem
d· vontade... levar em conta a religi„o, como se ela n„o existisse; ou sem fazer qualquer
diferenÁa entre a verdadeira religi„o e as falsasî.
(...) A autoridade p˙blica nada mais È do que a vontade do povo... Deste
modo... O povo tem em si a fonte de todos os direitos... Segue-se 2 ñ Conseq¸Íncia: o ìdireito ‡ liberdade religiosaî no Estado:
logicamente que o Estado n„o se considere em nada devedor a Deus, nem
professe oficialmente nenhuma religi„o, nem deva favorecer a alguma ìAlÈm disso, contrariando a doutrina da Escritura da Igreja e dos Santos
especialmente. Padres, afirmam que o melhor governo È aquele em que n„o se d· ao poder
a obrigaÁ„o de reprimir por sanÁıes ou penalidades aos violadores da
2 ñ Conseq¸Íncia: o ëdireito ‡ liberdade religiosaí no Estado... que ele religi„o catÛlica, a n„o ser que a tranq¸ilidade p˙blica o exijaî.
deve conceder a todas as religiıes a igualdade de direitos, para que o
regime do Estado n„o sofra dano algum por parte delas. Ser· portanto E tambÈm: ìQue a liberdade de consciÍncia e de culto È um direito livre de
deixar ao arbÌtrio de cada um o que se refere ‡ religi„o, permitindo que cada homem, que deve ser proclamado e garantido em toda sociedade bem
siga a que preferir ou absolutamente nenhuma, se n„o encontrar uma que constituÌdaî.
lhe agrade.
3 ñ Conseq¸Íncia do ìdireito novoî: ataque ‡ Igreja:
3 ñ Conseq¸Íncia deste ëdireito novoí: Admitidos estes princÌpios, que
hoje s„o aplaudidos freneticamente, facilmente se compreender· a que ìPio IX denuncia a ˙ltima ìopini„oî citada no n∫ 2 como sendo: ìopini„o
situaÁ„o inÌqua empurram a Igreja. Pois onde quer que a atividade errada, a mais fatal para a Igreja catÛlica e para a salvaÁ„o das almasî.
responda a estas doutrinas, o catolicismo È colocado em pÈ de igualdade Ele n„o diz mais do que isto, mas acrescenta adiante que tudo isso leva a :
com sociedades bem diferentes, e ‡s vezes se relega a uma situaÁ„o inferior ìdesterrar a religi„o da sociedade p˙blicaî.
a elas... Agem em relaÁ„o a ela de modo que negando-lhe a natureza e os
direitos de uma sociedade perfeita, a colocam no mesmo nÌvel das outras
sociedades que existem no Estadoî.
Mesmo se o Vaticano II n„o proclama o primeiro princÌpio do CAPÕTULO IX
liberalismo, que chamo aqui de racionalismo individualista e
indiferentista, encontramos nele, como mostrarei em seguida, todo o A LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E DE CULTOS
seu conte˙do e conseq¸Íncias: o indiferentismo do Estado, direito ‡
liberdade religiosa para os seguidores de todas as religiıes, ìSob o nome sedutor de liberdade de
destruiÁ„o do direito p˙blico da Igreja, supress„o dos Estados culto, proclama-se a apostasia legal
catÛlicos; tudo est· ali, toda esta sÈrie de abominaÁıes encontra-se da sociedadeî.
ali consignada e exigida pela lÛgica mesma de um liberalismo que Le„o XIII
n„o quis dizer seu nome, mas que È sua fonte envenenada.
Na encÌclica ìLibertasî, o Papa Le„o XIII passa em revista as novas
liberdades proclamadas pelo liberalismo. Seguirei sua exposiÁ„o
passo a passo66.

ìSer· bom considerar separadamente os diversos tipos de


liberdade que s„o consideradas como conquistas da nossa
Èpocaî.

A liberdade de cultos (ou liberdade de consciÍncia e de cultos) È a


primeira; ela È, como explica Le„o XIII, reivindicada como uma
liberdade moral da consciÍncia individual e como uma liberdade
social, um direito civil reconhecido pelo Estado.

ìConsideremos a propÛsito dos indivÌduos, esta liberdade t„o


contr·ria ‡ virtude de religi„o, a liberdade de cultos, como
chamam, liberdade que tem seu fundamento em considerar
permitido a cada um professas a religi„o que mais lhe agrade,
ou n„o professar nenhuma. Ao contr·rio, entre todas as
obrigaÁıes do homem, a maior e a mais santa È sem d˙vida a

66
PIN. 201 e seguintes.
que nos manda oferecer a Deus um culto de piedade e de entre seus semelhantes para que as exigÍncias naturais, que
religi„o. E este dever vem do fato de que estamos sempre sob eles n„o podem satisfazer isoladamente, fossem feitas pela
o domÌnio de Deus, somos governados por sua vontade e sociedade. Assim a sociedade, por ser sociedade, deve
providÍncia, temos nEle nossa origem e havemos de retornar a reconhecer a Deus como pai e autor, e em conseq¸Íncia,
Eleî. oferecer ao seu poder e ‡ sua autoridade a homenagem de um
culto. A justiÁa pois, proÌbe, como tambÈm a raz„o, que o
Se realmente o indivÌduo-rei È considerado a fonte de seus prÛprios Estado seja ateu ou que venha a apoiar o ateÌsmo, que proceda
direitos, È lÛgico que ele atribua ‡ sua consciÍncia uma completa do mesmo modo com relaÁ„o ‡ diversas religiıes e conceda a
independÍncia em relaÁ„o ‡ Deus e ‡ religi„o. Le„o XIII considera todas indistintamente iguais direitosî.
ent„o a liberdade religiosa enquanto direito civil67.
Le„o XIII faz um esclarecimento necess·rio: quando se fala da
ìDo ponto de vista social, esta mesma liberdade pede que o religi„o de modo abstrato, fala-se implicitamente da ˙nica
Estado n„o tribute nenhum culto p˙blico ‡ Deus, ou n„o verdadeira religi„o, que È a da Igreja CatÛlica:
autorize nenhum culto p˙blico, que nenhuma religi„o seja
preferida ‡ outra, e que todas elas tenham os mesmos direitos, ìSendo pois necess·rio ao Estado ter uma religi„o, deve
sem nenhuma consideraÁ„o ao povo, mesmo que este professe professar a ˙nica verdadeira, a qual se conhece sem
o catolicismoî. dificuldade especialmente nos povos catÛlicos, pois nela
aparecem como gravadas as marcas da verdadeî.
Se a sociedade n„o È mais do que uma coleÁ„o puramente
convencional de indivÌduos-rei, nada deve ‡ Deus, e o Estado se Como conseq¸Íncia o Estado deve reconhecer a verdadeira religi„o
considera livre de todos os deveres religiosos; isto È completamente como tal, e professar o catolicismo68. As citaÁıes abaixo condenam
falso, diz Le„o XIII: sem apelaÁ„o o pretendido agnosticismo do Estado e sua pretendida
neutralidade em matÈria religiosa:
ìCom efeito, n„o se pode duvidar que a reuni„o dos homens
em sociedade seja estabelecida pela vontade de Deus e isto ìEsta religi„o È pois a que devem conservar os governos; esta
quando a consideramos tanto nos seus membros, nas suas a que devem proteger se querem, como devem, atender com
causas, ou na quantidade de vantagens que acarreta. Foi Deus prudÍncia aos interesses da comunidade. A autoridade p˙blica
quem criou os homens para viver em sociedade e os colocou est· com efeito constituÌda para utilidade de seus governados e
67
Vide os textos citados no capÌtulo anterior, das encÌclicas ìImmortale Deiî de
68
Le„o XIII e ìQuanta Curaî de Pio IX; e o capÌtulo seguinte. Ou seja, incluir na ConstituiÁ„o o princÌpio deste reconhecimento.
para proporcionar a eles a prosperidade nesta vida terrena; precisos, para que todos possam reconhecÍ-la e como tal
entretanto n„o deve diminuir mas aumentar as facilidades para abraÁ·-laî.
conseguir o supremo e ˙ltimo bem, que È a eterna felicidade
do homem, que n„o pode ser obtida sem a religi„oî. ìAlÈm disso, semelhante liberdade pıe num mesmo plano
verdade e o erro, a fÈ e a heresia, a Igreja de Jesus Cristo e
Voltarei a falar sobre esta citaÁ„o que contÈm o princÌpio qualquer outra instituiÁ„o humana; estabelece uma funesta e
fundamental que regula as relaÁıes do Estado com a Religi„o, ou deplor·vel separaÁ„o entre a sociedade humana e Deus, seu
seja, com a verdadeira religi„o. autor; desemboca finalmente na triste conseq¸Íncia do
indiferentismo do Estado em matÈria religiosa ou, o que È o
A encÌclica ìLibertasî È de 20 de junho de 1888. Um ano mais tarde, mesmo, no ateÌsmoî.
Le„o XIII volta ao tema da liberdade de cultos para conden·-lo
novamente com palavras admir·veis e zelo apostÛlico, em carta ao S„o palavras que valem ouro! S„o palavras que se deveria aprender
Imperador do Brasil. de cor. A liberdade de cultos implica no indiferentismo do Estado
quanto ‡ todas as formas religiosas. A liberdade religiosa significa
Eis abaixo trechos que mostram o absurdo e a impiedade da necessariamente o ateÌsmo do Estado, pois ao professar o
liberdade de cultos, uma vez que implica sempre no ateÌsmo do reconhecimento ou favorecer a todos os deuses, o Estado de fato n„o
Estado69: reconhece a nenhum, especialmente n„o reconhece o verdadeiro
Deus! Eis aÌ o que respondemos quando nos apresentam a liberdade
ìA liberdade de cultos, considerada em relaÁ„o ‡ sociedade, religiosa do Vaticano II como uma conquista, como um progresso,
est· baseada no princÌpio de que o Estado, inclusive em uma como um desenvolvimento da doutrina da Igreja! … o ateÌsmo por
naÁ„o catÛlica, n„o est· obrigado a professar ou favorecer acaso um progresso? A ìteologia da morte de Deusî inscreve-se na
nenhum culto; deve permanecer indiferente a respeito de todos linha da tradiÁ„o? A morte legal de Deus! … inimagin·vel!
e consider·-los juridicamente iguais. N„o se trata de uma
toler‚ncia que em situaÁıes especiais pode ser concedida a … f·cil constatar que È disto que estamos morrendo: em nome da
cultos dissidentes, mas o reconhecimento de dar a estes cultos liberdade religiosa do Vaticano II foram suprimidos os Estados
os direitos que pertencem somente ‡ ˙nica verdadeira religi„o, ainda catÛlicos que foram laicizados, foi apagado das constituiÁıes
que Deus estabeleceu no mundo e marcou com sinais claros e desses Estados o primeiro item que proclamava a submiss„o do
Estado ‡ Deus, seu autor, no qual se fazia profiss„o da verdadeira

69
Carta ìE giuntoî de 19 de julho de 1889. PIN. 234-237.
religi„o70. Isto È exatamente o que os maÁons n„o queriam mais sen„o pela prÛpria forÁa da tradiÁ„o e do ensinamento constante dos
saber; eles encontraram ent„o o meio radical: nada menos do que Papas, Pio VI, Pio VII, GregÛrio XVI, Pio IX, Le„o XIII, Bento XV,
levar a Igreja por meio do seu magistÈrio a proclamar a liberdade etc, que sem exceÁ„o condenaram a liberdade religiosa, como
religiosa e assim, por uma conseq¸Íncia sem apelaÁ„o, obter a mostraremos no capÌtulo seguinte.
laicizaÁ„o dos estados catÛlicos.
*
VocÍs sabem, e È um fato histÛrico publicado na ocasi„o pelos
jornais de Nova York, que o Cardeal Bea, na vÈspera do ConcÌlio, Ao concluir este capÌtulo me contentarei em citar um trecho da carta
foi visitar os Bínai Bírith, os ìfilhos da AlianÁaî, uma seita ìE giuntoî na qual o Papa Le„o XIII d· mostras mais uma vez da
maÁÙnica reservada aos judeus de grande influÍncia no mundo clareza e forÁa admir·veis de seu juÌzo sobre a liberdade religiosa
ocidental71. Na sua qualidade de secret·rio do Secretariado para a (que ele chama de liberdade de cultos):
Unidade dos Crist„os, fundado por Jo„o XXIII, ele lhes perguntou:
― MaÁons, o que vocÍs querem? Eles lhe responderam: ― A ìSer· supÈrfluo insistir nestas reflexıes. Repetidas vezes em
liberdade religiosa, proclamem a liberdade religiosa e cessar· as documentos oficiais dirigidos ao mundo catÛlico, nÛs temos
hostilidades entre a maÁonaria e a Igreja CatÛlica! E eles ganharam a demonstrado qu„o errÙnea È a doutrina daqueles que sob o
liberdade religiosa; ela È pois uma vitÛria maÁÙnica! O segundo fato nome de liberdade de culto proclamam a apostasia legal da
vem corroborar o acima citado: a algum tempo, o presidente sociedade, separando-a de seu divino autorî.
Alfonsin, da Argentina, foi recebido oficialmente na Casa Branca
em Washington e pela Bínai Bírith em Nova York, sendo Lembrem-se sempre: a liberdade religiosa È a apostasia legal da
condecorado pelos maÁons com a medalha da liberdade religiosa, sociedade; È isto que respondo a Roma cada vez que me querem
por haver instaurado um regime de liberdade de cultos, de liberdade obrigar a aceitar globalmente o ConcÌlio e especialmente a
religiosa72. declaraÁ„o sobre a liberdade religiosa.

Por causa disso nÛs rechaÁamos a liberdade religiosa do Vaticano II, Neguei-me a assinar este ato conciliar em 7 de dezembro de 1965 e
a rechaÁamos nos mesmos termos em que fizeram os papas do atualmente, vinte anos mais tarde, as razıes para n„o fazÍ-lo sÛ tÍm
sÈculo XIX, nos apoiamos em sua autoridade e somente nela. Que feito aumentar. N„o se assina uma apostasia!
maior garantia podemos ter de estar na verdade e sermos fortes

70
Cf. mais adiante, cap. XXXII, nota 11.
71
Cf. H.le Caron, cap. VII, ìA Ideologia Democr·ticaî.
72
ìDi·rio de Genebraî, s·bado, 23 de marÁo de 1985.
CAPÕTULO X que parece ‡ AssemblÈia ser o resultado da igualdade e
liberdade naturais a todos os homens. Mas o que poderia haver
A LIBERDADE RELIGIOSA CONDENADA PELOS PAPAS de mais insensato do que estabelecer entre os homens esta
igualdade e esta liberdade desenfreada que parece afogar a
ìA liberdade civil de todos os cultos raz„o, o dom mais precioso que a natureza fez ao homem e o
propaga a peste do indiferentismoî. ˙nico que o distingue dos animais?î.
Pio IX
Pio VII, carta apostÛlica ìPost tam Diuturnitasî, ao bispo de Troyes,
na FranÁa, condenando a ìliberdade de cultos e de consciÍnciaî,
Correndo o risco de me repetir, vou reunir neste capÌtulo os textos
estabelecida pela constituiÁ„o de 1814 (Luis XVIII):74
das principais condenaÁıes da liberdade religiosa durante o sÈculo
XIX, para que os leitores entendam bem o que foi condenado e
ìUm novo motivo de tristeza pelo qual Nosso coraÁ„o ainda
porque os papas condenaram.
mais se aflige e que, confessamos, Nos causa tormento,
opress„o e ang˙stia, È o artigo 22 da ConstituiÁ„o. Nele n„o sÛ
I
se permite a liberdade de cultos e de consciÍncia, como
tambÈm promete-se apoio e proteÁ„o a esta liberdade e aos
A CONDENA«√O
ministros dos chamados ëcultosí. Certamente n„o s„o
necess·rias muitas explicaÁıes, ao nos dirigirmos a um bispo
Pio VI, carta ìQuod Aliquantulumî, de 10 de marÁo de 1791, aos
como vÛs, para vos fazer conhecer claramente que ferida
bispos franceses da AssemblÈia Nacional:73
mortal este artigo infligiu ‡ religi„o catÛlica na FranÁa.
ìA finalidade da ConstituiÁ„o decretada pela AssemblÈia È
Pelo mesmo artigo que estabelece a liberdade de todos os
aniquilar a religi„o catÛlica, e com ela a obediÍncia devida aos
cultos sem distinÁ„o, confunde-se a verdade com o erro e se
reis. Como resultado se estabelece como direito do homem na
coloca no mesmo grupo das seitas herÈticas, inclusive da
sociedade esta liberdade absoluta que n„o sÛ lhe assegura o
pÈrfida judaica, a Esposa Santa e Imaculada de Cristo, a Igreja
direito de n„o ser perturbado quanto ‡s suas opiniıes
fora da qual n„o pode haver salvaÁ„o. Por outro lado,
religiosas, como tambÈm licenÁa de pensar, de dizer, de
prometendo favor e apoio ‡s seitas hereges e a seus ministros,
escrever e inclusive imprimir impunemente tudo o que possa
toleram e favorecem n„o somente as suas pessoas como
sugerir a imaginaÁ„o mais desordenada; direito monstruoso

73 74
PIN. 1 PIN. 19
tambÈm os seus erros. … implicitamente a desastrosa e para destruir os Estados mais ricos, mais poderosos, mais gloriosos,
sempre deplor·vel heresia que Santo Agostinho menciona com bastou esta liberdade imoderada das opiniıes, a licenÁa de se
estas palavras: ëEla afirma que todos os hereges est„o no bom dizer o que quer, a avidez pelas novidadesî77.
caminho e dizem a verdade, absurdo t„o monstruoso que n„o
posso acreditar que alguma seita o professe realmenteíî. Pio IX, encÌclica ìQuanta Curaî, de 8 de dezembro de 1864. O Papa
reitera a condenaÁ„o feita por seu antecessor:
GregÛrio XVI, encÌclica ìMirari Vosî de 15 de agosto de 1832,
condena o liberalismo sustentando por Lamennais: ìVener·veis Irm„os, sabeis perfeitamente que hoje n„o faltam
homens que aplicando ‡ sociedade civil o Ìmpio e absurdo
ìDesta corruptÌssima fonte de indiferentismo brota aquela princÌpio do naturalismo, como o chamam, atrevem-se a
sentenÁa absurda e errÙnea, melhor dito, o delÌrio de que se ensinar que ëa perfeiÁ„o dos governos e o progresso civil
deve afirmar e reivindicar para cada um a absoluta liberdade exigem absolutamente que a sociedade humana seja
de consciÍncia. Erro dos mais contagiosos ao qual abre constituÌda e governada sem se levar em conta a religi„o, como
caminho aquela plena e excessiva liberdade de opini„o que se ela n„o existisse, ou sem fazer nenhuma diferenÁa entre a
est· t„o difundida, para a ruÌna da Igreja e do Estado, pelos verdadeira e as falsasí.
que n„o temem consider·-la proveitosa para a religi„o. ëQue
pior morte pode haver para a alma do que a liberdade de AlÈm disso, contrariando a doutrina da Escritura, da Igreja e
errar!í j· dizia Santo Agostinho75. Vendo-se retirado todo freio dos Santos Padres, n„o temem em afirmar que o ëmelhor
que mantÈm os homens no caminho da verdade, levados que governo È aquele em que n„o se d· ao poder a obrigaÁ„o de
s„o por uma inclinaÁ„o natural para o mal, podemos dizer que reprimir por sanÁıes, aos violadores da religi„o catÛlica, a n„o
certamente est· aberto aquele poÁo do abismo do qual viu S„o ser que a tranq¸ilidade p˙blica o exijaí.
Jo„o sair a fumaÁa que obscureceu o sol e sair os gafanhotos
que invadiram a terra76. Porque daÌ nasce a falta de Em conseq¸Íncia desta idÈia inteiramente falsa sobre o
estabilidade dos espÌritos; daÌ a corrupÁ„o crescente dos governo social, eles n„o hesitam em favorecer esta opini„o
jovens; daÌ se infiltrar no povo o desprezo pelos direitos errada, a mais fatal para a Igreja CatÛlica e para a salvaÁ„o das
sagrados, pelas coisas e leis as mais santas; daÌ a peste mais almas que Nosso predecessor de feliz memÛria, GregÛrio XVI,
grave que possa afligir os Estados; pois desde a mais remota chamava de delÌrio78, a saber, ëque a liberdade de consciÍncia
antiguidade a experiÍncia tem demonstrado que para se e de cultos È um direito de cada homem, que deve ser
75 77
Coment·rio do Salmo 124. PIN. 24, cf. Dz n∫ 1613-1614.
76 78
Ap 9, 3. Cf. supra, ìMirari vosî, citaÁ„o livre de Pio IX.
proclamado e garantido em toda sociedade bem constituÌda, e
que os cidad„os tenham plena liberdade de manifestar alto e 79 ñ ì… efetivamente falso que a liberdade civil de todos os
publicamente suas opiniıes, quaisquer que elas sejam, por cultos e o pleno poder outorgado a todos de manifestar aberta e
palavra, por escrito ou de qualquer outro modo, sem que a publicamente todas as suas opiniıes e todos os seus
autoridade eclesi·stica ou civil possa limitar esta liberdade t„o pensamentos, precipite mais facilmente os povos na corrupÁ„o
funestaí. dos costumes e da inteligÍncia, e propague a peste do
indiferentismoî82.
Ora, ao sustentar estas afirmaÁıes temer·rias, eles n„o pensam
nem consideram que proclamam a ëliberdade de perdiÁ„oí79 Le„o XIII, encÌclica ìImmortale Deiî, de 1 de novembro de 1885
que ëse È permitido sempre ‡s opiniıes humanas entrarem em sobre a organizaÁ„o crist„ dos Estados83:
conflito, nunca faltar„o homens que se atrevam a resistir ‡
verdade e a por sua confianÁa na verbosidade da sabedoria ìDesta maneira, como se vÍ, o Estado n„o passa de uma
humana, vaidade muito prejudicial e que a fÈ e a sabedoria multid„o que È dirigente e governante de si mesma, e como se
crist„ devem evitar cuidadosamente, conforme aos afirma que o povo tem em si todos os direitos e todo o poder,
ensinamentos de Nosso Senhor Jesus Cristoí80.î81. segue-se logicamente que o Estado n„o se considera devedor
de nada ‡ Deus, nem professa oficialmente nenhuma religi„o,
Pio IX, ìSyllabusî: resumo dos erros condenados, extraÌdos de nem que deva indicar entre tantas qual È a ˙nica verdadeira,
diversos documentos do magistÈrio de Pio IX e publicados junto nem favorecer especialmente ‡ uma, mas que ele deva a todas
com a encÌclica ìQuanta Curaî: igualdade de direitos, estando salva a disciplina da coisa
p˙blica. Em conseq¸Íncia cada um ser· livre de abraÁar a
77 ñ ìNa Època atual j· n„o convÈm que a religi„o catÛlica religi„o que preferir, ou de n„o seguir nenhuma se nenhuma
seja considerada a ˙nica religi„o do Estado, com exclus„o de lhe agradar, etc. ñ ëa continuaÁ„o j· foi citada no cap. VIIIí.î.
todos os outros cultosî.
O que é Condenado
78 ñ ìPor isso È com raz„o que em certos paÌses catÛlicos a lei
tenha previsto que os estrangeiros que cheguem possam O que È comum em todas estas condenaÁıes pontificais È a liberdade
assistir ao exercÌcio p˙blico de seus cultos particularesî. religiosa, chamada de ìliberdade de consciÍnciaî ou ìliberdade de
consciÍncia e de cultosî, a saber: o direito reconhecido a todo
79
Santo Agostinho, carta 105.
80 82
S„o Le„o I, carta 164. PIN. 53, cf. Dz. N∫ 1777-1799.
81 83
PIN. 39-40, cf. Dz. N∫ 1689-1690. PIN. 143-146.
homem de exercer publicamente o culto da religi„o que haja s„o aqui considerados: A Igreja condena o racionalismo, o
escolhido, sem ser incomodado pelo poder civil. indiferentismo e o monismo estatalî86, simplesmente.

II 2 ñ Ante as expressıes concretas dos princÌpios modernos (luta


com o poder temporal do papado, laicizaÁ„o das ConstituiÁıes,
MOTIVO DA CONDENA«√O espoliaÁ„o da Igreja, etc.), faltou aos papas ìa serenidade
necess·ria para julgar com objetividade o sistema das
Como ter„o notado nos textos precedentes, os papas mostraram liberdades modernas, e distinguir o verdadeiro do falsoî; ìera
cuidadosamente as causas e denunciaram as origens liberais do inevit·vel que o primeiro reflexo de defesa fosse uma atitude
direito ‡ liberdade religiosa: trata-se de denunciar principalmente o de condenaÁ„o totalî87, era difÌcil para estes papas ìreconhecer
liberalismo naturalista e racionalista, que pretende ser a raz„o um valor num conte˙do onde a motivaÁ„o era hostil aos
humana o ˙nico ·rbitro do bem e do mal (racionalismo); que valores religiosos... assim se fez cara feia durante um longo
pertence a cada um de decidir se deve adorar ou n„o tempo ao ideal representado pelos direitos do homem, porque
(indiferentismo); e finalmente que o Estado È a origem de todo o n„o se lograva reconhecer neles a longÌnqua heranÁa do
direito (monismo estatal). Evangelhoî88.

DaÌ certos teÛlogos modernos acharam que se podiam tirar trÍs teses: 3 ñ Mas hoje È possÌvel redescobrir a parte de verdade crist„
contida nos princÌpios da RevoluÁ„o de 1789 e reconciliar
1 ñ Os papas n„o condenaram a liberdade religiosa em si, mas assim a Igreja com as liberdades modernas, com a liberdade
somente porque ela aparecia ìcomo conseq¸Íncia de uma religiosa em particular. O Padre Congar foi o primeiro a traÁar
concepÁ„o naturalista do homemî84 ou que ela ìprocedia da o caminho que se deve seguir neste ponto:
primeira premissa do racionalismo naturalistaî85, ou das duas
outras: ìmais do que as conseq¸Íncias, s„o os princÌpios que

86
J. Hamer O.P., ìHistoire du Texte de la DÈclaration, dans Vatican II, La liberte
religieuseî, Cerf. Paris, 1967.
84 87
Roger Aubert: O magistÈrio eclesi·stico e o liberalismo, em ìTolÈrance et Roger Aubert, op. Cit., p·g. 82.
88
CommunautÈ Humaineî, Casterman, 1951, p·g. 81. Comission ThÈologique Internationale, Les ChrÈtiens díAujourdíhui devant la
85
John Courtney Murray, ìVers une Intelligence du DÈveloppement de la DignitÈ et les Droits de la Personne Humaineî, Comiss„o PontifÌcia JustiÁa e Paz,
Doctrine de líEglise sur la LibertÈ Religieuse, dans Vatican II: La LibertÈ Vaticano, 1985, p·g. 44; cit. Por Doc. Episc., boletim do SÈc. da ConferÍncia
Religieuseî, p·g. 112. Episcopal Francesa, outubro de 1986, p·g. 15.
ìA reconciliaÁ„o da Igreja com um certo mundo moderno n„o raro porÈm que a corrupÁ„o do coraÁ„o humano os afaste da
podia ser feita introduzindo as idÈias deste mundo moderno tal ordem requerida, por causa disto È necess·rio purific·-losî90.
como s„o. Isto supunha um trabalho em profundidade
mediante o qual os princÌpios permanentes do catolicismo … isto o que fez o ConcÌlio, diz o Cardeal Ratzinger:
tivessem um desenvolvimento novo assimilando, depois de
filtradas e em caso de necessidade purificadas, as conquistas ìO problema dos anos sessenta era adquirir os melhores valores
deste mundo modernoî89. resultantes dos sÈculos de cultura ìliberalî. Efetivamente s„o valores
que mesmo nascidos fora da Igreja, podem encontrar seu lugar,
Roger Aubert foi um ano depois um eco fiel a este modo de ver as purificados e corrigidos, em sua vis„o do mundo. … o que foi
coisas: sobre os colaboradores de ìLíAvenirî, jornal catÛlico-liberal feitoî91.
de Lamennais, no sÈculo XIX, diz:
Quis citar todos estes textos que mostram o consenso un‚nime de
ìEles n„o haviam tido bastante cuidado em repensar os todos estes teÛlogos que prepararam, realizaram e executaram o
princÌpios que permitiam, com os discernimentos e as ConcÌlio. Ora, estas afirmaÁıes que chegam a serem repetiÁıes
purificaÁıes necess·rias, assimilar ao cristianismo as idÈias de literais umas das outras, n„o s„o mais que uma espantosa impostura.
democracia e de liberdade que, nascidas fora da Igreja, se … dram·tico que se afirme que os papas n„o viram o que h· de
desenvolveram em um espÌrito hostil a elaî (op. Cit. P·g. 81- verdade crist„ nos princÌpios da RevoluÁ„o de 1789! Vejamos
82). cuidadosamente:

Ora, Vaticano II disse que a purificaÁ„o e assimilaÁ„o dos princÌpios 1 ñ Certamente os papas condenaram o racionalismo, o
da RevoluÁ„o de 1789 era seu fim primordial: indiferentismo do indivÌduo e o monismo estatal. Mas n„o
condenaram somente isto! Condenaram expressamente as liberdades
ìO ConcÌlio se propıe antes de tudo julgar sob a luz da fÈ, os modernas em si mesmas. A liberdade religiosa foi condenada pelo
valores mais apreciados por nossos contempor‚neos (direito do que ela vale, e em raz„o das motivaÁıes histÛricas da Època; pois por
homem, liberdade, toler‚ncia...) e voltar a uni-los ‡ sua n„o tomar mais que este exemplo, o liberalismo de Lamennais
FONTE DIVINA. Pois estes valores, enquanto procedem do (condenado por GregÛrio XVI) n„o È o liberalismo absoluto e ateu
gÍnio humano, que È um dom de Deus, s„o muito bons; n„o È dos filÛsofos do sÈculo XVIII (condenado por Le„o XIII em
ìImmortale Deiî, e no entanto todos estes liberais, quaisquer que
89
Y. Congar O.P., ìVraie et Fausse Reforme dans líEglise Cerfî, Paris, 1950,
90
p·g. 345, cit. Por Roger Aubert, p·g. 102. ìGaudium et Spesî, II ß 2.
91
Entrevista na revista ìJesusî, novembro de 1984.
fossem seus princÌpios, ‡s vezes muito diversos, ou seus matizes, contr·rios ‡ estabilidade da rocha de Pedro no meio das flutuaÁıes
sempre reivindicaram a mesma liberdade religiosa. O que È comum humanas, e qu„o contr·rios ‡ Verdade imut·vel que È Nosso Senhor
a todos os liberalismo È a reivindicaÁ„o ao direito de n„o ser Jesus Cristo.
incomodado pelo poder civil no exercÌcio p˙blico da religi„o de sua
escolha; seu denominador comum (como diz o Cardeal Billot) È a Estes teÛlogos, de fato, n„o s„o teÛlogos nem bons historiadores,
liberaÁ„o de toda coaÁ„o em matÈria religiosa. … isto precisamente, pois n„o tÍm nenhuma noÁ„o da verdade ou de uma doutrina
como veremos, o que os papas condenaram. permanente da Igreja, principalmente em matÈria social e polÌtica; se
extraviam em sua erudiÁ„o e s„o prisioneiros de seus prÛprios
2 ñ … uma impiedade e injustiÁa aos papas, dizer-lhes: ìVÛs haveis sistemas de interpretaÁ„o; s„o pensadores cheios de idÈias mas n„o
juntado na mesma condenaÁ„o os falsos princÌpios do liberalismo e s„o bons pensadores. Teve raz„o Pio XII ao condenar sua teologia
as liberdades boas que ele propıe; haveis cometido um erro cambiante, sob o nome de historicismo:
histÛricoî.
ìA isto se soma um falso historicismo que aferrando-se unicamente
N„o s„o os papas que cometeram um erro histÛrico ou que foram aos acontecimentos da vida humana, subverte os fundamentos de
prisioneiros de circunst‚ncias histÛricas, mas s„o estes teÛlogos que toda verdade e de toda lei absoluta, tanto no que se refere ‡ filosofia
est„o imbuÌdos do preconceito historicista, apesar do que eles dizem. como no que se refere aos dogmas crist„osî93.
Basta-nos ler as referÍncias histÛricas que trazem Roger Aubert e J.
Courtney Murray sobre a liberdade religiosa para comprovar que 3 ñ Reconciliar a Igreja com as novas liberdades ser· efetivamente o
revitalizam sistematicamente os ensinamentos do magistÈrio dos esforÁo do Vaticano II, em ìGaudium et Spesî e na declaraÁ„o sobre
papas do sÈculo XIX, segundo um princÌpio que assim se pode a liberdade religiosa; voltaremos adiante a esta tentativa, de antem„o
expressar: ìtodo enunciado doutrinal do magistÈrio È estritamente condenada ao fracasso, de combinar a Igreja e a RevoluÁ„o.
relativo a seu contexto histÛrico, de tal modo que, mudado o
contexto, a doutrina pode mudarî92. N„o h· necessidade de lhes Por enquanto vejamos os verdadeiros motivos, imediatos e
dizer o quanto este relativismo e este evolucionismo doutrinal s„o concretos, da condenaÁ„o da liberdade religiosa pelos papas do
sÈculo XIX, motivos para sempre v·lidos, como se pode ver pelas
92
prÛprias expressıes usadas pelos papas: absurda, Ìmpia e levando os
O Pe. Court Murray procurando explicar como o magistÈrio pode passar das povos ao indiferentismo religioso:
condenaÁıes do sÈculo XIX ‡ liberdade religiosa do Vaticano II declarou
primeiro: ìEsta inteligibilidade n„o È acessÌvel a priori ou simplesmente pelo jogo
de aplicaÁıes de alguma Teoria Geral do desenvolvimento da doutrina.
93
Atualmente n„o temos uma teoria geral neste sentidoî. EncÌclica ìHumani Generisî de 12 de agosto de 1950, sobre os erros doutrinais
de nosso tempo.
Absurda, a liberdade religiosa È porque d· o mesmo direito ‡
verdade e ao erro, ‡ verdadeira religi„o e ‡s seitas herÈticas; ora, diz
Le„o XIII, o ìdireito È uma faculdade moral, e como temos dito e
nunca se repetir· suficientemente, seria absurdo crer que ela
pertenÁa naturalmente e sem distinÁ„o nem discernimento ‡ verdade
e ‡ mentira, ao bem e ao malî94.

Õmpia, a liberdade religiosa È porque ìatribui a todas as religiıes a


igualdade de direitosî e ìpıe no mesmo nÌvel as seitas herÈticas,
inclusive a pÈrfida judaica, com a Esposa santa e imaculada de
Cristoî; porque tambÈm ela leva ao ìindiferentismo religioso do
Estadoî que È o mesmo que seu ìateÌsmoî, ou seja, a impiedade
legal das sociedades, a apostasia forÁada das naÁıes, o rechaÁo da
realeza social de Nosso Senhor Jesus Cristo, a negaÁ„o do direito
p˙blico da Igreja, sua eliminaÁ„o da sociedade ou submiss„o ao
Estado.

Finalmente, ela conduz os povos ‡ indiferenÁa religiosa, como


declara o ìSyllabusî ao condenar a proposiÁ„o 77. … evidente que se
atualmente a igreja conciliar e a maioria dos catÛlicos chegam a ver
em todas as religiıes caminhos de salvaÁ„o È porque este veneno do
indiferentismo lhes foi administrado durante j· quase dois sÈculos de
liberdade religiosa.

94
ìLibertasî, PIN. 207.
CAPÕTULO XI entre todas as opiniıes, a toler‚ncia de todos os comportamentos, o
pluralismo moral ou religioso, s„o as caracterÌsticas de uma
A LIBERDADE DE IMPRENSA sociedade em decomposiÁ„o, que È a sociedade liberal procurada
pela maÁonaria. Ora, foi contra o estabelecimento de uma tal
ìLiberdade funesta e execrável, sociedade que os Papas que citamos reagiram sem cessar, afirmando
verdadeira opressão das massasî. o contr·rio, que o Estado, o Estado catÛlico em primeiro lugar, n„o
Le„o XIII tem o direito de dar tais liberdades, como a liberdade religiosa, a
liberdade de imprensa ou a liberdade de ensino.
Se o leitor continuar a ler os documentos papais, um apÛs outro, ver·
A Liberdade de Imprensa
que todos disseram o mesmo sobre as novas liberdades nascidas do
liberalismo: a liberdade de consciÍncia e de cultos, a liberdade de
Le„o XIII lembra ao Estado seu dever de temperar com justiÁa, ou
imprensa, a liberdade de ensino, s„o liberdades envenenadas, falsas
seja, de acordo com as exigÍncias da verdade, a liberdade de
liberdades: porque o erro È sempre mais f·cil de difundir do que a
imprensa:
verdade, o mal È mais f·cil de ser propagado do que o bem. … mais
f·cil dizer ‡s pessoas: ìpodem ter v·rias mulheresî do que dizer: ìsÛ
ìContinuemos agora essas consideraÁıes sobre a liberdade de
podem ter uma durante toda suas vidasî; logo È mais f·cil
exprimir pela palavra ou na imprensa tudo o que se quer. Sem
estabelecer o divÛrcio como um ìcontrapesoî ao casamento! Assim
d˙vida, se esta liberdade n„o È temperada pela boa medida, se
tambÈm, deixem indiferentemente se propagar na imprensa o certo e
ela ultrapassa os limites e a medida, uma tal liberdade,
o errado e ver„o com certeza o errado ser favorecido ‡s custas da
evidentemente, n„o È um direito, pois o direito È uma
verdade.
faculdade moral. E como nÛs j· dissemos e devemos sempre
repetir, seria absurdo pensar que esta faculdade pertence
Atualmente gostam de dizer que a verdade faz seu caminho somente
naturalmente e sem distinÁ„o nem discernimento ‡ verdade e ‡
com sua forÁa intrÌnseca, e que para ela triunfar n„o necessita da
mentira, ao bem e ao mal. A verdade, o bem, pode-se propag·-
proteÁ„o intempestiva e molesta do Estado e de suas leis. Se o
los no Estado com uma liberdade prudente para que um maior
Estado favorece a verdade, grita-se logo ‡ injustiÁa, como se a
n˙mero seja beneficiado; mas as doutrinas falsas, peste mortal
justiÁa consistisse em manter equilibrada a balanÁa entre o
para as inteligÍncias, os vÌcios que corrompem os coraÁıes e
verdadeiro e o falso, entre a virtude e o vÌcio... Est· errado! A
os costumes, È justo que a autoridade p˙blica os reprima com
primeira justiÁa È favorecer o acesso das inteligÍncias ‡ verdade e
diligÍncia, para impedir que o mal se estenda e corrompa a
preserv·-las do erro. … tambÈm a primeira caridade: ìveritatem
sociedade.
facientes in caritateî. Na caridade, faÁamos a verdade. O equilÌbrio
pequenos em seus volumes mas enormes em sua malÌcia, de
E as maldades das mentes licenciosas que redundam em onde corre essa maldiÁ„o que cobre a face da terra e nos faz
opressão da multidão ignorante não devem ser menos chorar. E por desgraÁa h· quem, levado a tal descaramento,
punidas pela autoridade das leis que qualquer atentado da afirme que esta avalanche de erros, nascida da liberdade de
violÍncia cometido contra os fracos. E essa repress„o È tanto imprensa, seja plenamente compensada pela publicaÁ„o de
mais necess·ria quanto mais indefesa È a grande maioria da alguns livros escritos para defender, no meio desta tempestade
populaÁ„o, impossibilitada de se defender contra esses de perversidade, a verdade da religi„oî96.
artifÌcios do estilo ou as sutilidades da dialÈtica,
principalmente quando tudo isto excita as paixıes. DÍ a todos E aÌ aparece, desmascarado pelo PontÌfice, o pseudoprincÌpio liberal
a licenÁa ilimitada de falar e escrever e nada mais ser· sagrado da ìcompensaÁ„oî, que pretende que se deva compensar a verdade
e inviol·vel, nada ser· poupado, nem mesmo estas verdades pelo erro e vice-versa. Como veremos, esta idÈia È o primeiro
primeiras, estes princÌpios naturais que devemos considerar princÌpio daqueles que se chamam ìcatÛlicos liberaisî, que n„o
como um nobre patrimÙnio comum a toda a humanidade. A suportam a afirmaÁ„o pura e simples da verdade e exigem que ela
verdade È assim invadida pelas trevas e nÛs assistimos, como seja contestada imediatamente por opiniıes opostas; e
tantas vezes, o f·cil estabelecimento e a plena dominaÁ„o dos reciprocamente julgam que n„o h· nada a censurar na livre difus„o
erros os mais perniciosos e os mais diversosî95. dos erros, contanto que a verdade possa se fazer ouvir pelo menos
um pouco! … a constante utopia dos liberais ditos catÛlicos, que
NÛs j· vimos como o Papa Pio IX, antes de Le„o XIII, estigmatizou voltaremos a tratar adiante.
a liberdade de imprensa no Syllabus (proposiÁ„o 79). J· GregÛrio
XVI o fizera na encÌclica ìMirari Vosî:

ìAqui tem lugar aquela pÈssima e nunca suficientemente


execrada e detestada liberdade de imprensa que alguns homens
ousam, com tanto barulho e insistÍncia, pedir e espalhar.
Ficamos horrorizados, Vener·veis Irm„os, ao contemplar com
que monstruosas doutrinas, ou melhor, de que monstruosos
erros nos vemos cercados. Erros espalhados ao longe e em
toda parte, por imensa quantidade de livros e folhetos,

95 96
ìLibertasî, PIN. 207. PIN. 25.
CAPÕTULO XII O que falando claramente, significa: ìn„o vos pedimos mais que a
liberdade, um pouquinho de liberdade para nossas escolas; assim
A LIBERDADE DE ENSINO nada teremos a censurar ‡ liberdade de ensino laica e obrigatÛria, ‡
liberdade do quase monopÛlio da escola marxista e freudiana.
ìO ensino deve ter por objeto Continuai tranq¸ilamente a arrancar Jesus Cristo das almas,
unicamente coisas verdadeirasî. denegrindo a p·tria, manchando nosso passado no espÌrito e no
Le„o XIII coraÁ„o de 80% das crianÁas; por nossa parte cantaremos glÛrias aos
mÈritos da toler‚ncia e do pluralismo, denunciaremos os erros do
fanatismo e a superstiÁ„o; em resumo, faremos apreciadores dos
Entre as novas liberdades, a terceira condenada pelos papas foi a
encantos da liberdade, aos 20% que nos restamî.
liberdade de ensino.
Deixo agora aos papas a responsabilidade de nos mostrar a falsidade
Escandalizai-vos almas ingÍnuas, que n„o reconheceis vosso espÌrito
desta nova liberdade e a armadilha que ela constitui para a
liberal! Confessai que n„o saÌs de vosso assombro, que j· n„o se
verdadeira defesa do ensino catÛlico. Inicialmente vejamos sua
compreende nada: os papas condenam a liberdade de ensino! Oh
falsidade:
surpresa, oh esc‚ndalo! O Papa ñ e que papa! Le„o XIII, que alguns
chamam de liberal ñ condena a sacrossanta liberdade de ensino! Mas
ìQuanto ao que se chama liberdade de ensino, n„o se deve
como defenderemos nossas escolas catÛlicas... quer dizer, nossas
julgar de outra maneira: n„o h· d˙vida de que somente a
escolas livres? Pois o nome de escola catÛlica tem um ressabio de
verdade deve ser dada ‡s almas porque nela se encontra o bem
sectarismo, um sabor de guerra religiosa, um colorido muito
das naturezas inteligentes, seu fim e perfeiÁ„o; de modo que o
confessional, que n„o convÈm manifestar nos tempos em cada um
ensinamento sÛ pode ter por objeto as coisas verdadeiras, e
guarda a sua bandeira no bolso.
isso tanto para os instruÌdos como para os ignorantes, para
dirigir uns ao conhecimento da verdade e conserv·-la nos
Farei-lhes admirar as moles e aÁucaradas virtudes liberais,
outros. …, portanto sem d˙vida dever dos que ensinam, livrar
superando-se uma ‡ outra em hipocrisia: falta de senso, covardia e
as inteligÍncias do erro e fechar o caminho que conduz a
traiÁ„o d„o-se as m„os para cantar em coro, como nas ruas de Paris
opiniıes enganosas. Por aÌ se vÍ quanto repugna ‡ raz„o esta
em junho de 1984, o ìC‚ntico da Escola Livreî:
liberdade de que tratamos e como nasceu para perverter
radicalmente os entendimentos ao pretender ser lÌcito ensinar
ìLiberdade, liberdade, tu Ès a ˙nica verdadeî.
tudo segundo seus caprichos; licenÁa esta que a autoridade
nunca pode conceder ao p˙blico, sem infringir seus deveres.
Principalmente porque a autoridade do professor tem grande especialmente na FranÁa, e num paÌs onde as forÁas da cristandade
influÍncia sobre os ouvintes e È muito raro o aluno poder n„o foram completamente aniquiladas, isto È uma covardia e uma
julgar, por si mesmo, se È ou n„o verdade o que explica o traição. CatÛlicos! Mostrai valentemente vossa forÁa! Manifestai
professor. Portanto, È necess·rio que esta liberdade n„o saia de abertamente os direitos de Jesus Cristo sobre os espÌritos resgatados
certos limites para ser honesta, para que n„o suceda pelo seu sangue! Defendei valorosamente a plena liberdade que a
impunemente que a faculdade de ensinar se transforme em Igreja tem de ensinar, em virtude de sua miss„o divina! Reivindicai
instrumento de corrupÁ„oî97. tambÈm a plena liberdade dos pais de dar a seus filhos uma educaÁ„o
e instruÁ„o catÛlicas em virtude de sua funÁ„o de educadores natos
Guardemos pois estas palavras do papa: o poder civil n„o pode dar da prole. … o ensinamento de Pio XI em sua encÌclica ëDivini Illiusí
nas escolas chamadas p˙blicas o direito de ensinar Marx e Freud, ou de 31 de dezembro de 1929, sobre educaÁ„o:
o que È pior, dar licenÁa de ensinar que todas as opiniıes e doutrinas
tÍm igual valor, que nenhuma pode reivindicar a verdade para si, que ìDupla È pois a funÁ„o da autoridade civil do Estado: proteger
todas devem tolerar-se mutuamente; isto constitui a pior das e promover a famÌlia e o indivÌduo, mas sem os absorver ou
corrupÁıes do espÌrito: o relativismo. suplant·-losî.

* ìPortanto em relaÁ„o ‡ educaÁ„o, È direito, ou melhor, È o


dever do Estado proteger com suas leis o direito da famÌlia na
Consideremos agora a armadilha que significa a liberdade de educaÁ„o crist„ das crianÁas, e por conseguinte, respeitar o
ensino. Para o catÛlico, consiste em dizer ao Estado: ìN„o lhe direito sobrenatural da Igreja sobre essa educaÁ„o crist„î.
pedimos mais do que a liberdadeî. Em outras palavras: ìa escola
livre, no Estado livreî. Ou tambÈm: ìvocÍs d„o liberdade a Marx e a E tambÈm em sua encÌclica ìNun Abbiamo Bisognoî, de 29 de
Freud em suas escolas p˙blicas, dÍem ent„o liberdade a Jesus Cristo junho de 1931 contra o fascismo que estrangulava as associaÁıes
em nossas escolas particulares!î Mas isso È uma armadilha: È deixar catÛlicas da juventude, Pio XI tem palavras admir·veis que se
‡ livre vontade do Estado a funÁ„o de determinar o mÌnimo toler·vel aplicam ‡ liberdade ìplenaî de ensino, ‡ qual tÍm direito tanto a
do projeto educativo crist„o numa sociedade laica, e nesse espaÁo se Igreja como as prÛprias almas.
acomodar docilmente. Seria o argumento ëAD HOMINEMí, talvez
aceit·vel frente a um regime brutalmente perseguidor, mas diante de ìFal·vamos dos direitos sagrados e inviol·veis das almas e da
um poder liberal-maÁÙnico tal como existe no Ocidente, Igreja. Trata-se do direito que tÍm as almas de buscar um
maior bem espiritual no magistÈrio e na obra formadora da
Igreja, divinamente constituÌda ˙nica mandat·ria deste
97
Le„o XIII, ìLibertasî PIN. 209/10; e ìE giuntoî PIN. 240.
magistÈrio e desta obra, na ordem sobrenatural fundada pelo Penso que agora compreender„o melhor a diferenÁa, a oposiÁ„o
sangue do Deus Redentor, necess·ria e obrigatÛria para todos, diametral entre a liberdade de ensino liberal e a liberdade total de
a fim de participar da redenÁ„o divina. Trata-se do direito das ensino, reivindicada pela Igreja como um de seus direitos sagrados.
almas assim formadas de comunicar a outras almas os tesouros
da redenÁ„o participando da atividade do apostolado Que lugar deixa a doutrina da Igreja ao Estado, no ensino e na
hier·rquico (Pio XI tem em vista a AÁ„o CatÛlica). educaÁ„o? A resposta È simples: tirando certas escolas preparatÛrias
aos serviÁos p˙blicos, como por exemplo as escolas militares, o
Em consideraÁ„o a este duplo direito das almas, dizÌamos Estado n„o È educador nem docente. Sua funÁ„o, de acordo com o
recentemente que nos sentÌamos felizes e orgulhosos de princÌpio de subsidiaridade aplicado por Pio XI na citaÁ„o acima, È
combater o bom combate pela liberdade das consciÍncias, n„o promover a fundaÁ„o de escolas particulares pelos pais e pela Igreja,
(como talvez por inadvertÍncia alguns afirmam que disse) pela e n„o substituÌ-los. A escola p˙blica, o princÌpio de um ìgrande
liberdade de consciÍncia, frase equÌvoca e freq¸entemente projeto nacional e educativoî, inclusive se n„o È laico e se o Estado
utilizada para significar a absoluta independÍncia de n„o reivindica o monopÛlio da educaÁ„o, È um princÌpio contr·rio ‡
consciÍncia, coisa absurda em uma alma criada e redimida por doutrina da Igreja.
Deus (...).

Por outro lado, trata-se do direito n„o menos inviol·vel, que


tem a Igreja de cumprir o imperativo mandato de seu Divino
fundador, de levar ‡s almas, a todas as almas, todos os
tesouros da verdade e de bens doutrinais e pr·ticos que Ele
trouxe ao mundo. ëIde e ensinai a todas as naÁıes, ensinando-
lhes a guardar tudo o que vos confieií (Mt 28, 19-20)î98.

Esta doutrina se aplica especialmente aos ensinamentos dispensados


pelas escolas catÛlicas.

98
D.C. 574 (1931) col. 82; Ensinamentos Pontificais, ìA EducaÁ„oî, DesclÈe,
1960 n∫ 316.
CAPÕTULO XIII ìA Igreja n„o È uma sociedade verdadeira e perfeita,
completamente livre, nem goza de seus direitos prÛprios e
TEM A IGREJA UM DIREITO PÚBLICO? constantes a ela conferidos por seu divino fundador, mas cabe
‡ autoridade civil determinar quais s„o os direitos da Igreja e o
ìA Igreja sem o Estado é uma alma sem o corpo. limite dentro dos quais pode exercer estes direitosî (prop. 19,
O Estado sem a Igreja é um corpo sem almaî. Dz n∫ 1719).
Le„o XIII ñ ìLibertasî
Esta È a escravid„o ‡ qual os liberais querem reduzir a Igreja em
relaÁ„o ao Estado! O ìSyllabusî tambÈm condena radicalmente as
Qual È a situaÁ„o da Igreja em relaÁ„o ‡ sociedade civil? A resposta
espoliaÁıes ‡s quais a Igreja È submetida em seus bens e em seus
È objeto de uma ciÍncia eclesi·stica especial: O Direito P˙blico da
direitos, periodicamente, pelo poder civil. A Igreja nunca aceitar· o
Igreja. Pode-se consultar os excelentes tratados a este respeito, do
ìprincÌpio de direito comumî, nunca admitir· ser reduzida ao
Cardeal Ottaviani e de SÌlvio Romani, como tambÈm as fontes
simples direito comum de todas as associaÁıes legais na sociedade
apresentadas por Lo Grasso (ver bibliografia).
civil, que devem receber do Estado sua aprovaÁ„o e seus limites.
Como conseq¸Íncia a Igreja tem o direito de adquirir, possuir e
Quero mostrar-lhes quanto o liberalismo se opıe ao direito p˙blico
administrar livre e independentemente do poder civil os bens
da Igreja, como o aniquila, e por conseguinte como È contr·rio ‡ fÈ,
temporais necess·rios ‡ sua miss„o. (cÛdigo de direito canÙnico de
sobre a qual se apÛia integralmente o direito p˙blico da Igreja.
1917, c‚non 1495): igrejas, semin·rios, bispados, mosteiros,
benefÌcios (can. 1409-1410), e ser isenta de todos os impostos civis.
Os Princípios do Direito Público da Igreja
Tem direito de possuir suas escolas e hospitais independentemente
de qualquer intromiss„o do Estado. A Igreja tem seus prÛprios
Os princÌpios do direito p˙blico da Igreja s„o na realidade verdades
tribunais eclesi·sticos para julgar os assuntos concernentes ‡s
de fÈ ou que se deduzem da fÈ. S„o os seguintes:
pessoas dos clÈrigos e aos bens da Igreja (can. 1552),
independentemente, em si, dos tribunais civis (privilÈgio do foro).
1 ñ IndependÍncia da Igreja: A Igreja que tem por finalidade a
Os clÈrigos tambÈm s„o isentos do serviÁo militar (privilÈgio da
salvaÁ„o sobrenatural das almas, È uma sociedade perfeita, dotada
isenÁ„o-can. 121).
por seu divino fundador de todos os meios para subsistir por si
mesma de maneira est·vel e independente. O ìSyllabusî condena a
Resumindo, a Igreja reivindica a soberania e a independÍncia em
proposiÁ„o contr·ria seguinte:
raz„o de sua miss„o: ìA mim me foi dado todo poder no cÈu e na
terra, ide pois ensinai todas as naÁıesî (Mt 28, 19).
estabeleÁa um acordo na pr·tica. N„o È sem raz„o que este
2 ñ DistinÁ„o entre Igreja e Estado: O Estado que tem por finalidade acordo tem sido comparado com a uni„o que existe entre a
direta o bem comum temporal È tambÈm uma sociedade perfeita, alma e o corpo, que È de grande vantagem para os dois, sendo
independente da Igreja e soberano em seus domÌnios. Esta a separaÁ„o particularmente funesta ao corpo, pois o priva da
independÍncia È o que Pio XII chama de laicidade s„ e legÌtima do vidaî101.
Estado99, que nada tem a ver com o laicismo, erro j· condenado.
Cuidado ent„o para n„o passar de um conceito para o outro! Le„o 4 ñ JurisdiÁ„o indireta da Igreja sobre o temporal: Quer dizer que nas
XIII expressa bem a diferenÁa entre as duas sociedades: questıes mistas a Igreja, tendo em conta a supremacia do seu fim,
ter· primazia: ìAssim tudo o que na vida humana h· de sagrado a
ìDeus dividiu o governo de toda sociedade humana entre dois um tÌtulo qualquer, tudo o que toca a salvaÁ„o das almas e ao culto
poderes: o eclesi·stico e o civil; o primeiro, que cuida das de Deus, seja por sua natureza, seja em relaÁ„o a seu fim, tudo isso È
coisas divinas e o outro que cuida das humanas. Cada qual na da autoridade da Igrejaî102. Com outras palavras, o regime de uni„o
sua esfera È soberano, cada um tem seus limites perfeitamente e de harmonia entre a Igreja e o Estado, supıe uma ordem, uma
determinados e traÁados conforme a sua natureza e seu fim hierarquia: ou seja, uma jurisdiÁ„o indireta da Igreja sobre o
determinado. H· assim como que uma esfera de atuaÁ„o onde temporal, um direito indireto de intervenÁ„o da Igreja nas coisas
cada um exerce sua aÁ„o ëjureí prÛprioî 100. temporais que normalmente dependem do Estado. A Igreja intervÈm
ìratione peccatiî, em raz„o do pecado e por causa da salvaÁ„o das
3 ñ Uni„o entre a Igreja e o Estado: mas diversidade n„o significa almas, para usar uma express„o do Papa Bonif·cio VIII (Dz. N∫468,
separaÁ„o! Como os dois poderes se ignorariam uma vez que nota).
governam os mesmos s˙ditos e freq¸entemente legislam sobre a
mesma matÈria: casamento, famÌlia, escola, etc.? Seria inconcebÌvel 5 ñ SubordinaÁ„o indireta: Reciprocamente o temporal est·
que se opusessem, quando ao contr·rio a unanimidade de aÁ„o È indiretamente subordinado ao espiritual: tal È o quinto princÌpio,
requerida para o bem dos homens. princÌpio de fÈ ou ao menos de certeza teolÛgica, que fundamenta o
direito p˙blico da Igreja. O homem est· realmente destinado ‡
ìO conflito neste caso seria absurdo, diz Le„o XIII, e beatitude eterna, e os bens da vida presente, os bens temporais,
repugnaria abertamente a infinita sabedoria dos conselhos existem para o ajudar a atingir este fim: mesmo se eles n„o s„o
divinos: È assim necess·rio que haja um meio, um processo
que faÁa desaparecer as causas das contestaÁıes e lutas, e 101
EncÌclica ìImmortale Deiî, PIN. 136, Cf. Dz. N∫ 1866.
102
EncÌclica ìLibertasî, PIN. 200. J· Yves de Chartres escrevia ao rei Roberto o
99
ProposiÁ„o 19, DZ 1719. Piedoso: ìTanto vale o corpo que n„o est· dirigido pela alma como vale o poder
100
AlocuÁ„o aos habitantes de Marches, 23 de marÁo de 1985, PIN. 1284. temporal se n„o est· orientado pela disciplina eclesi·sticaî.
proporcionais a este fim, eles ao menos s„o indiretamente modernos105. Na verdade isso È uma insensatez pois nossa doutrina,
ordenados. Mesmo o bem comum temporal que È o fim do Estado, deduzida da revelaÁ„o e dos princÌpios da ordem natural, È t„o
est· ordenado a facilitar aos cidad„os o acesso ‡ bem-aventuranÁa imut·vel e intemporal como a natureza do bem comum e a divina
celeste. Do contr·rio ele seria somente um bem aparente e ilusÛrio. constituiÁ„o da Igreja.

6 ñ FunÁ„o ministerial do Estado em relaÁ„o ‡ Igreja: ìA sociedade Para apoiar sua tese funesta sobre a separaÁ„o da Igreja e do Estado,
civil, favorecendo a prosperidade p˙blica, deve prover o bem dos os liberais de ontem e de hoje citam satisfeitos esta frase de Nosso
cidad„os n„o pondo nenhum obst·culo, e tambÈm assegurar todas as Senhor: ìDai a CÈsar o que È de CÈsar, e a Deus o que È de Deusî
facilidades possÌveis ‡ procura e aquisiÁ„o do bem supremo e (Mt XXII, 21); simplesmente deixam de dizer o que CÈsar deve a
imut·vel que aspiramî103. ìA funÁ„o do rei (nÛs dirÌamos, do Deus!
Estado) diz S„o Tom·s, È procurar o bom caminho para a multid„o,
segundo o que lhes È necess·rio para obter a beatitude celeste; ou 7 ñ Realeza social de Nosso Senhor Jesus Cristo: o ˙ltimo princÌpio
seja, que deve prescrever (em seu domÌnio temporal) o que a ela que resume de uma forma soberana o direito p˙blico da Igreja È uma
conduz, e na medida do possÌvel, proibir o contr·rioî104. verdade de fÈ: Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem,
Rei dos Reis e Senhor dos Senhores, deve reinar sobre as sociedades
Como conseq¸Íncia, em relaÁ„o ‡ Igreja, o Estado tem uma funÁ„o do mesmo modo que sobre os indivÌduos; a redenÁ„o das almas
ministerial, um papel de servidor: o Estado, ao mesmo tempo em prolonga-se necessariamente na submiss„o dos Estados e de suas leis
que procura seu fim prÛprio, deve ajudar positivamente apesar de ao jugo suave e leve da lei de Cristo.
indiretamente, a Igreja a alcanÁar seu fim, ou seja, a salvar as almas!
Como diz Le„o XIII, o Estado n„o somente deve ìfazer respeitar as
Esta doutrina constante da Igreja atravÈs de sÈculos, merece ser santas e inviol·veis leis da religi„o, cujos deveres unem o homem a
chamada de ìdoctrina cathÛlicaî, e È necess·ria toda a m· fÈ dos Deusî106; alÈm disso a legislaÁ„o civil deve estar apoiada pela lei de
liberais para releg·-la ao ìobscurantismo de uma Època passadaî. Deus (dec·logo) e pela lei evangÈlica, para ser em seu domÌnio, que
È a ordem temporal, um instrumento da obra da redenÁ„o operada
Segundo eles, ela valia para as ìmonarquias sacrasî da Idade MÈdia, por Nosso Senhor Jesus Cristo. Nisto consiste essencialmente a
mas j· n„o vale para os ìEstados democr·ticos constitucionaisî realizaÁ„o do Reino Social de Nosso Senhor Jesus Cristo.

105
Cf. J. Courtney Murray, ìVers une intelligence du developpement de la
103
EncÌclica ìImmortale Deiî, PIN. 131. doctrine de líEglise sur la libertÈ religieuseî, p·g. 128 (cf. bibliorafia).
104 106
ìDe Regimine Principumî, L-I cap. XV. ìImmortale Deiî, PIN. 131.
Leiam a magnÌfica encÌclica de Pio XI ìQuas Primasî, de 11 de os inovadores deformaram ou suprimiram estas trÍs estrofes do hino
novembro de 1925, sobre a realeza social de Nosso Senhor Jesus das primeiras VÈsperas da festa de Cristo Rei:
Cristo. Ela expıe esta doutrina com uma limpidez e vigor
admir·veis. Lembro-me ainda, quando jovens seminaristas em ìScelesta turba clamitat
Roma, recebemos este ensinamento pontifÌcio; com que alegria e Regnare Christum nolumus,
Te nos ovantes omnium
entusiasmo a comentaram nossos professores! Releiam este trecho Regem Supremum dicimus.
que refuta definitivamente o laicismo do Estado: (estrofe 2)

ìA celebraÁ„o desta festa, que se repetir· todos os anos, ser· Te nationum praesides
tambÈm uma advertÍncia para as naÁıes que o dever de venerar HonorÈ tollant publico
Colant magistri, judices
publicamente a Cristo e prestar-lhe obediÍncia, refere-se n„o sÛ aos Leges et artes exprimant.
cidad„os como tambÈm aos magistrados e governantes; Os chefes da (estrofe 6)
sociedade civil, por sua vez, se lembrar„o do juÌzo final quando
Cristo acusar· os que o expulsaram da vida p˙blica assim como os Submissa regum fulgeant
que o ter„o simplesmente ignorado e desprezado, e vingar· Tibi dicata insÌgnia,
Mitique sceptro patriam
severamente tantas inj˙rias recebidas; pois sua dignidade real exige Domosque subde civium.î
que toda a sociedade se ajuste aos mandamentos e aos princÌpios (estrofe 7)
crist„os, tanto ao estabelecer as leis como ao administrar a justiÁa, e
finalmente na formaÁ„o da alma da juventude na s„ doutrina e na ìA turba Ìmpia grita:
santidade dos costumesî107. N„o queremos que Cristo Reine
NÛs com j˙bilo te proclamamos
De todos supremo Rei.
Desde ent„o a Igreja em sua liturgia canta e proclama o reino de
Jesus Cristo sobre as leis civis. Que bela proclamaÁ„o dogm·tica, Que te honrem publicamente
apesar de n„o ser ainda ìex cathedraî! Os chefes das naÁıes
E que mestres e juÌzes
Nas leis e artes te exprimam.
Foi necess·ria toda a raiva dos inimigos de Jesus Cristo para chegar
a arrancar-lhe sua coroa, quando aplicando o ConcÌlio Vaticano II, Que brilhem a Ti dedicadas
Dos reis armas conquistadas
Teu doce cetro submete
A p·tria e todos os lares.î
107
PIN. 569.
CAPÕTULO XIV - N˙ncio: ìO senhor compreende, se se faz isto se obter· uma maior
liberdade religiosa entre os soviÈticos!î.
COMO DESTRONARAM JESUS CRISTO
- Mons. Lefebvre: ìMas o que fazem os senhores do Reino Social de
ìNo juízo final, Jesus Cristo acusará aos que o Nosso Senhor Jesus Cristo?î.
expulsaram da vida pública, e por este grande ultraje
aplicará a mais terrível vingançaî. Pio XI - N˙ncio: ìO senhor sabe, atualmente È impossÌvel; talvez em futuro
afastado?... Atualmente este reino est· nos indivÌduos; deve ser
aberto ‡s massasî.
Apesar do risco de repetir o que foi dito, volto ao tema da Realeza
Social de Nosso Senhor Jesus Cristo, este dogma de fÈ catÛlica, que
- Mons. Lefebvre: ìE o que fazem da EncÌclica ëQuas Primasí?î.
ninguÈm pode por em d˙vida sem ser um herege: sim, È isso: um
herÈtico!
- N˙ncio: ìAh, hoje em dia o Papa n„o a escreveriaî.
Ainda têm eles a Fé?
- Mons. Lefebvre: ìSabe que na ColÙmbia foi a Santa SÈ que pediu a
supress„o da constituiÁ„o do Estado?î.
O leitor pode julgar a fÈ agonizante do N˙ncio ApostÛlico de Berna,
Mons. Marchioni, com quem tive a seguinte conversa em 31 de
- N˙ncio: ìSim, e aqui tambÈmî.
marÁo de 1976 em Berna:
- Mons. Lefebvre: ìNo Valais?î (provÌncia suÌÁa).
- Mons. Lefebvre: ìPode-se ver claramente coisas perigosas no
ConcÌlio (...). Na DeclaraÁ„o sobre a liberdade religiosa h· coisas
- N˙ncio: ìSim, no Valais. E veja, agora me convidam para todas as
contr·rias aos ensinamentos dos papas: decide-se que j· n„o pode
reuniıesî.
haver Estados catÛlicos!î.
- Mons. Lefebvre: ìEnt„o o senhor aprova a carta que Mons. Adam
- N˙ncio: ìMas È evidente!î.
(bispo de Sion, no Valais) escreveu a seus diocesanos para explicar
porque deviam votar a favor da lei de separaÁ„o da Igreja e do
- Mons. Lefebvre: ìAcredita o senhor que a supress„o dos Estados
Estado?î
catÛlicos v· ser um bem para a Igreja?î.
- N˙ncio: ìVeja o senhor, o Reino Social de Nosso Senhor Jesus Estado n„o pode ser sen„o laico, portanto sem religi„o! Um cardeal
Cristo, È atualmente algo difÌcil...î. disse isso! Que idÈia tem ele da RedenÁ„o de Nosso Senhor Jesus
Cristo? … incrÌvel! Vejam o quanto o liberalismo j· havia penetrado
VocÍs vÍem, ele n„o acredita mais! … um dogma ìimpossÌvelî ou na Igreja. Se ele tivesse dito isso vinte anos antes teria sido uma
ìmuito difÌcilî, que n„o seria mais escrito hojeî. E quantos pensam bomba em Roma, todo mundo teria protestado, o Papa Pio XII teria
assim atualmente! Quantos s„o incapazes de entender que a refutado e tomado medidas... Mas atualmente È normal, a coisa
RedenÁ„o de Nosso Senhor Jesus Cristo deve se realizar com a ajuda parece normal. … necess·rio pois que estejamos convencidos desta
da sociedade civil, e que o Estado deve assim, nos limites da ordem verdade de fÈ: tudo, inclusive a sociedade civil, foi concebido para
temporal, ser o instrumento de aplicaÁ„o da obra da RedenÁ„o. E servir direta e indiretamente ao plano redentor de Nosso Senhor
eles lhes responder„o: Jesus Cristo.

ìAh! S„o duas coisas diferentes, vocÍ mistura polÌtica e religi„o!î. Condenação da Separação entre a Igreja e o Estado

Entretanto tudo foi criado por Nosso Senhor Jesus Cristo para Inicialmente chamo a atenÁ„o para o fato dos Papas terem
complementar a obra da redenÁ„o. Tudo, inclusive a sociedade civil condenado a separaÁ„o da Igreja do Estado, n„o somente quanto ‡
que tambÈm, como lhes disse, È uma criatura de Deus. A sociedade doutrina, mas tambÈm na sua aplicaÁ„o nas naÁıes de maioria
civil n„o È uma pura criaÁ„o da vontade dos homens, ela resulta catÛlica. Evidentemente n„o se condena a toler‚ncia eventual de
antes de tudo da natureza social do homem, do fato de que Deus outros cultos em uma cidade de maioria catÛlica, nem a forciori o
criou os homens para que vivam em sociedade; isto faz parte da fato de haver uma pluralidade de cultos em numerosos paÌses
natureza criada por Deus. Portanto assim como os indivÌduos, a estrangeiros ao que atÈ a pouco era chamado de cristandade.
sociedade deve render homenagem a Deus, seu autor e seu fim, e ser
˙til ao plano redentor de Jesus Cristo. Isto dito, afirmo com os papas que È uma impiedade e um erro
prÛximo ‡ heresia defender que o Estado deve estar separado da
Em setembro de 1977 fiz uma conferÍncia na casa da princesa Igreja e a Igreja do Estado. O espÌrito de fÈ de um S„o Pio X, sua
Palaviccini, em Roma, e li uma missiva do Cardeal Colombo, teologia firme, seu zelo pastoral, levantam-se com forÁa contra o
arcebispo de Mil„o, em que ele afirmava que o Estado n„o deve ter intento laicizante de separar a Igreja do Estado. Convido-lhes a
religi„o, que deve ser ìsem ideologiaî. Em resposta a meu ataque, o meditar sobre o que ele diz em sua encÌclica ìVehementer nosî de
cardeal, longe de me contestar, escreveu no ìAvenire díItaliaî 11 de fevereiro de 1906:
repetindo tudo, reiterando com maior Ínfase, ao longo de todo o
artigo que se intitulava ìLo Stato non puo essere altro che laicoî ñ O
ìA necessidade de separar o Estado da Igreja È uma tese Acrescente-se que esta tese ocasiona gravÌssimos danos ‡ sociedade
absolutamente falsa e um erro pernicioso. Baseado no princÌpio de civil que n„o pode prosperar nem viver muito tempo quando n„o se
que o Estado n„o deve reconhecer nenhum culto religioso, ela È reconhece o papel da religi„o, que È a regra suprema que define e
antes de tudo injuriosa a Deus, fundador e conservador das assinala os direitos e deveres do homemî.
sociedades humanas, ao qual devem tributar culto p˙blico e social.
Notável Continuidade desta Doutrina
A tese de que falamos acima constitui tambÈm uma verdadeira
negaÁ„o da ordem sobrenatural porque limita a aÁ„o do Estado a E o Santo Papa se apÛia nos ensinamentos de seu antecessor, Le„o
conseguir a prosperidade p˙blica nesta vida terrena que È a raz„o XIII, do qual cita a seguinte passagem, mostrando pela continuidade
imediata das sociedades polÌticas, e n„o se ocupa de modo algum desta doutrina a autoridade dela:
com sua raz„o ˙ltima que È a eterna bem-aventuranÁa proposta ao
homem quando tenha terminado esta vida breve; mas como a ordem ìPela continuidade desta doutrina os Romanos PontÌfices, segundo
atual das coisas, sujeita ao tempo, se encontra subordinada ‡ pediam as circunst‚ncias e a ocasi„o, nunca cessaram de refutar e
conquista do bem supremo e absoluto, È obrigaÁ„o do poder civil condenar a doutrina da separaÁ„o da Igreja e do Estado. Nosso
n„o somente afastar os obst·culos que se podem opor a que o ilustre predecessor Le„o XIII, em particular, expÙs v·rias vezes e
homem alcance aquele bem para o qual foi criado, como tambÈm magnificamente, o que deveria ser, segundo a doutrina catÛlica, as
ajudar a consegui-lo. relaÁıes entre as duas sociedadesî.

Esta tese È igualmente contr·ria ‡ ordem estabelecida no mundo por Segue a passagem de ìImmortale Deiî que citei no capÌtulo anterior,
Deus, ordem que exige uma verdadeira concÛrdia e harmonia entre e tambÈm esta citaÁ„o:
as duas sociedades; porque a religiosa e a civil se compıem dos
mesmos indivÌduos, por mais que cada uma delas exerÁa em sua ìAs sociedades humanas n„o podem, sem se fazer criminosas,
esfera prÛpria sua autoridade sobre eles. Resulta daÌ que existem proceder como se Deus n„o existisse, ou se recusar a se preocupar
matÈrias em que devem agir uma e outra, por se tratar de com a religi„o, como se esta lhe fosse estranha e sem proveito...
incumbÍncia de ambas. Rompido o acordo entre Estado e a Igreja, Quanto ‡ Igreja, que tem o prÛprio Deus por autor, a excluir da vida
surgir„o graves diferenÁas na apreciaÁ„o das matÈrias mistas que ativa da naÁ„o, das leia, da educaÁ„o das crianÁas, da famÌlia, È
tender„o a se acentuar, ficar· obscura a noÁ„o da verdade, a d˙vida e cometer um grave e pernicioso erroî (PIN. 149).
a ansiedade acabar„o tomando conta de todas as almas.
E basta reler esta passagem de ìImmortale Deiî para constatar que ConsistÛrio de 21 de fevereiro de 1906 (PIN. 404-405), de m·xima
Le„o XIII por sua vez, afirma que ele tambÈm sÛ faz retomar a autoridade, e sem d˙vida da garantia da infalibilidade.
doutrina de seus predecessores:
Como chegam pois um N˙ncio Marchioni ou um Cardeal Colombo a
ìEstas doutrinas que a raz„o humana n„o pode provar e que negar esta doutrina que deriva da FÈ, e provavelmente È infalÌvel?
repercutem com grande forÁa na ordem da sociedade civil, tÍm sido Como chegou um concÌlio ecumÍnico a deix·-la de lado, em um
sempre condenadas pelos Romanos PontÌfices, Nossos antecessores, museu de curiosidades arcaicas, È o que vou explicar-lhes falando da
plenamente conscientes da responsabilidade de seu cargo apostÛlico. penetraÁ„o do liberalismo na Igreja, como conseq¸Íncia de um
movimento de pensamento deletÈrio: o catolicismo liberal.
GregÛrio XVI, em sua Carta-EncÌclica ìMirare Vosî, de 15 de
agosto de 1832, (...) sobre a separaÁ„o da Igreja e do Estado, dizia o
seguinte: ën„o poderÌamos esperar situaÁ„o mais favor·vel para a
Religi„o e o Estado, se atendÍssemos os desejos daqueles que
anseiam por separar a Igreja do Estado e romper a concÛrdia m˙tua
entre o sacerdÛcio e o impÈrio; pois se vÍ quanto os que gostam de
uma liberdade desenfreada temem esta concÛrdia, pois ela sempre
produziu bons e saud·veis frutos para a causa eclesi·stica e civilíî.

Pio IX do mesmo modo, sempre que se apresentou oportunidade,


condenou os erros que comeÁavam a exercer maior influÍncia,
mandando mais tarde reuni-los em um cat·logo108 a fim de que tal
dil˙vio de erros, os catÛlicos tivessem uma direÁ„o seguraî (PIN.
151).

Conclui-se que uma doutrina que ensina a uni„o que deve existir
entre a Igreja e o Estado, e condena o erro de sua separaÁ„o, est·
revestida, por sua continuidade perfeita nos quatro Papas sucessivos
de 1832 a 1906, e pela declaraÁ„o solene feita por S„o Pio X no
108
Trata-se do ìSyllabusî em que a proposiÁ„o condenada, n∫ 55 diz: ì…
necess·rio separar a Igreja do Estado e o Estado da Igrejaî.
SEGUNDA PARTE

O CATOLICISMO LIBERAL
CAPÕTULO XV poder· sugerir toler‚ncia desses cultos em uma cidade basicamente
catÛlica, por um Estado que continua reconhecendo a verdadeira
A GRANDE TRAIÇÃO religi„o, porque acredita no Reino Social de Nosso Senhor Jesus
Cristo.
Reconciliar a Igreja com a Revolução,
tal é a empresa dos liberais que se dizem católicos. Mas cuidado! Para os catÛlicos liberais n„o se trata disso! Segundo
eles os princÌpios, que s„o por definiÁ„o regras de aÁ„o, n„o devem
ser aplicados nem propostos porque s„o inaplic·veis, dizem. Isto È
Os liberais que se dizem catÛlicos, sustentam que a doutrina catÛlica
evidentemente falso: por acaso deve-se renunciar a pregar e a aplicar
do Reino Social de Nosso Senhor Jesus Cristo e da uni„o da Igreja
os mandamentos de Deus, ìter·s um sÛ Deusî, ìn„o matar·sî, ìn„o
com o Estado È sem d˙vida verdadeira, mas inaplic·vel mesmo nos
cometer·s adultÈrioî, somente porque ninguÈm quer mais saber
paÌses catÛlicos:
deles? Somente porque a mentalidade tende a se livrar de toda tutela
moral? Deve-se renunciar ao Reino Social de Nosso Senhor Jesus
- Na teoria pode-se aceitar a tese proposta pelos Papas e teÛlogos.
Cristo num paÌs somente porque MaomÈ ou Buda pedem um lugar
- Na pr·tica deve-se ceder ante as circunst‚ncias e resolutamente
nele? Em suma, eles se recusam a crer na efic·cia pr·tica da
aderir ‡ hipÛtese: promover o pluralismo religioso e a liberdade de
verdade. Pensam que podem afirmar em teoria os princÌpios
cultos:
catÛlicos e agir sempre contra estes princÌpios; esta È a incoerÍncia
intrÌnseca dos liberais que se dizem catÛlicos. Eis o que diz deles o
ìOs liberais catÛlicos n„o tÍm deixado de sustentar que desejam a
Cardeal Billot S.J.:
ortodoxia tanto quanto os mais intransigentes, e que sua ˙nica
preocupaÁ„o s„o os interesses da Igreja: a reconciliaÁ„o que
ìO liberalismo dos catÛlicos liberais escapa a toda classificaÁ„o e sÛ
procuraram n„o È teÛrica nem abstrata, mas somente pr·ticaî109.
tem uma nota distintiva e caracterÌstica: a perfeita e absoluta
incoerÍnciaî110.
… a famosa diferenÁa entre a tese (a doutrina) e a hipÛtese (a pr·tica)
conforme as circunst‚ncias. Notemos que se pode dar uma
O Cardeal afirma que o tÌtulo de ìcatÛlico liberalî em si È uma
interpretaÁ„o correta a esta diferenciaÁ„o: a aplicaÁ„o dos princÌpios
contradiÁ„o nos termos, uma incoerÍncia, porque ìcatÛlicoî significa
deve levar em conta as circunst‚ncias, isto se faz com ponderaÁ„o,
sujeiÁ„o ‡ ordem das coisas humanas e divinas, enquanto ìliberalî
que È parte da prudÍncia. DaÌ vem que a presenÁa dentro de uma
naÁ„o catÛlica de fortes minorias muÁulmanas, judias e protestantes,

109 110
Dictionaire de ThÈol. Cat., T-9, col. 509, art. Liberalisme catholique. Pe. Le Floch, op. Cit., p·g. 57.
significa precisamente emancipaÁ„o desta ordem, rebeli„o contra e de prudÍncia polÌtica para com as minorias; ao contr·rio, o que
Nosso Senhor Jesus Cristo. chamamos de ìtolerantismoî È um erro liberal que quer conceder
indistintamente a todos os dissidentes, em qualquer circunst‚ncia e
Vejamos enfim como o Cardeal Billot julga a famosa diferenÁa entre em justiÁa, os mesmos direitos que gozam os que est„o na verdade
tese e hipÛtese, dos catÛlicos ditos liberais: moral ou religiosa. Como se pode notar tambÈm em outros aspectos,
converter a caridade em justiÁa È subverter a ordem social, È destruir
ìDo fato de que os acontecimentos reais diferem das condiÁıes tanto a justiÁa como a caridade.
ideais em teoria, se deduz que os fatos nunca ter„o a perfeiÁ„o do
ideal, porÈm somente istoî.

Pelo fato de que existem minorias dissidentes em uma naÁ„o


catÛlica, conclui-se que talvez nunca se consiga uma unanimidade
perfeita, e que o Reino Social de Nosso Senhor Jesus Cristo jamais
ter· a perfeiÁ„o manifestada nos princÌpios; mas n„o se conclui que
na pr·tica se deva rejeitar este reino e que o pluralismo religioso
deva se converter em regra!

VocÍs podem ver portanto que no catolicismo liberal (utilizo o termo


com repugn‚ncia porque ele È uma blasfÍmia) h· uma traiÁ„o dos
princÌpios escamoteada, uma apostasia pr·tica da fÈ no Reino Social
de Nosso Senhor Jesus Cristo. Pode-se dizer com certeza: ìo
liberalismo È pecadoî111 quando se fala do liberalismo catÛlico.

H· tambÈm no fundo deste problema, e voltarei a ele no prÛximo


capÌtulo, um ìconfusionismoî intelectual, uma mania de se alimentar
confusıes, uma recusa de definiÁ„o e clareza: Por exemplo esta
confus„o entre toler‚ncia e ìtolerantismoî: a toler‚ncia È um
princÌpio catÛlico e em certas circunst‚ncias È um dever de caridade

111
Dom Felix Sarda y Salvany.
CAPÕTULO XVI assumem com muita facilidade os estados de espÌrito de seus
contempor‚neos; receosos porque por medo de contrariar estes
A MENTALIDADE CATÓLICO-LIBERAL diversos estados de espÌrito, se encontram em constante
inquietude apologÈtica; parecem sofrer eles mesmos as
ìHá fraquezas tirânicas, debilidades perversas d˙vidas que combatem, n„o tÍm suficiente confianÁa na
e vencidos que merecem sê-loî. verdade, querem justificar em demasia, demonstrar em
Charles Maurras demasia, adaptar demais ou mesmo desculpar em demasiaî.

Colocar-se em Harmonia com o Mundo


Uma Doença do Espírito
Desculpar em demasia, que express„o oportuna! Querem desculpar
Mais do que uma confus„o, o catolicismo liberal È uma doenÁa do
todo o passado da Igreja: as cruzadas, a inquisiÁ„o, etc.; porÈm
espÌrito112. Simplesmente o espÌrito n„o consegue descansar na
quanto a justificar e demonstrar eles sÛ o fazem timidamente,
verdade. Basta que ele se atreva a afirmar algo para que se apresente
principalmente quando se trata dos direitos de Jesus Cristo; mas
a ele o contr·rio, que ele se sente obrigado a considerar tambÈm. O
adaptar, a isso certamente eles se entregam: eis seu princÌpio:
Papa Paulo VI È o protÛtipo deste espÌrito dividido, de ser de dupla
personalidade. Inclusive podia-se fisicamente ler isto em sua face,
ìPartem de um princÌpio pr·tico que consideram ineg·vel: que a
em constante vai e vem entre as contradiÁıes, e animado de um
Igreja n„o seria ouvida no ambiente concreto onde ela deve cumprir
movimento pendular que oscilava regularmente entre a novidade e a
sua miss„o divina, se ela n„o se harmonizar com eleî114.
tradiÁ„o. Dir„o alguns: esquizofrenia intelectual?
Posteriormente os modernistas querer„o adaptar a prÈdica do
Creio que o Pe. Clerissac viu a natureza desta doenÁa em maior
Evangelho ‡ falsa ciÍncia crÌtica e ‡ falsa filosofia imanentista da
profundidade. … uma ìfalta de integridade de espíritoî, de um
Època, ìesforÁando-se em tornar a verdade crist„ acessÌvel aos
espÌrito que n„o tem ìsuficiente confianÁa na verdadeî113:
espÌritos treinados para negar o sobrenaturalî115. Segundo eles, para
converter os que n„o crÍem no sobrenatural È necess·rio fazer
ìEsta falta de integridade do espÌrito nas Èpocas de
abstraÁ„o da RevelaÁ„o de Nosso Senhor, da GraÁa, dos milagres...
liberalismo, se explica no lado psicolÛgico, por dois aspectos:
Se vocÍ tem de tratar com ateus, n„o fale de Deus, coloque-se no
os liberais s„o receptivos e receosos. Receptivos porque
nÌvel dele, sintonize-se com ele, entre no seu sistema! Por esse
112 114
Padre A. Roussel, ìLiberalisme et Catholicismeî, p·g. 16. Dictionaire de ThÈologie Catholique, T-9, col. 509.
113 115
Pe. H. ClÈrissac O.P., ìLe MystÈre de lîEglise, cap. 7. Jacques Marteaux, ìLÍs Catholiques dans Líinquietudeî.
caminho vocÍ ser· em breve marxista-crist„o: eles È que lhe ter„o Reconciliar-se com os Princípios de 1789
convertido!
Em polÌtica, os catÛlicos liberais vÍem verdades crist„s nos
Este foi tambÈm o pensamento da Miss„o de FranÁa a respeito do princÌpios da RevoluÁ„o de 1789, sem d˙vida um pouco
apostolado entre os oper·rios, e que ainda sustenta numerosos desajustados; porÈm uma vez purificados, os ideais modernos s„o
sacerdotes: se queremos convertÍ-los devemos trabalhar com os plenamente assimil·veis pela Igreja: liberdade, igualdade,
oper·rios, compartilhar suas preocupaÁıes, conhecer suas fraternidade, democracia (ideolÛgica) e pluralismo. Erro que Pio IX
reivindicaÁıes, n„o nos mostrar como sacerdotes; assim chegaremos condena no ìSyllabusî: ìO pontÌfice Romano pode e deve se
a ser como o fermento da massa... ñ e por aÌ foram os padres se reconciliar e transigir com o progresso, o liberalismo e a civilizaÁ„o
convertendo e virando agitadores sindicais! ñ ìSim, nos dir„o, modernaî (prop. Conden. N∫ 80, Dz. 1780).
compreenda, era necess·rio assimilar completamente o ambiente,
n„o chocar, n„o dar a impress„o de que se queria evangelizar ou ìO que vocÍs querem? declara o catÛlico liberal, n„o se pode ir
impor uma verdadeî. ñ Que erro! Estes indivÌduos que n„o crÍem sempre contra as idÈias de seu tempo, remar continuamente contra a
tÍm sede de verdade, tÍm fome do p„o da verdade que estes corrente, parecer retrÛgrado ou reacion·rioî. J· n„o se quer mais o
sacerdotes extraviados n„o querem repartir com eles! antagonismo entre a Igreja e o espÌrito liberal laico, sem Deus. O que
se quer È reconciliar o irreconcili·vel: A Igreja e a RevoluÁ„o, Nosso
… tambÈm este falso pensamento que foi sugerido aos mission·rios: Senhor Jesus Cristo e o prÌncipe deste mundo. N„o se pode imaginar
inicialmente n„o falem de Jesus Cristo a estes pobres indÌgenas que empreendimento mais Ìmpio e mais diluente do espÌrito crist„o, do
morrem de fome! DaÌ primeiro de comer, depois ferramenta, depois bom combate pela fÈ, do espÌrito de luta, ou seja, do zelo em
ensinai a trabalhar, o alfabeto, a higiene... e porque n„o? O controle conquistar o mundo para Jesus Cristo.
da natalidade! Mas n„o falem de Deus, pois eles tÍm o estÙmago
vazio! Eu porÈm diria: precisamente porque s„o pobres e Da Pusilanimidade à Apostasia
desprovidos de bens terrenos eles s„o extraordinariamente acessÌveis
ao Reino dos CÈus, a este ìprocurai primeiro o Reino dos CÈusî, ao Em todo este liberalismo que se diz catÛlico, h· uma falta de fÈ, ou
Deus que os ama e sofreu por eles, para que eles participem por suas melhor dito, uma falta de espÌrito de fÈ, que È um espÌrito de entrega
misÈrias, de Seu sofrimento Redentor. Se ao contr·rio, vocÍs total: submetÍ-lo todo a Jesus Cristo, restaur·-lo em tudo,
pretendem se por em seu nÌvel, far„o eles gritar contra a injustiÁa e ìrecapitular tudo em Cristoî como diz S„o Paulo (Ef 1,20). J· n„o h·
acender neles o Ûdio. Mas se levam Deus a eles, os levantar„o, os quem se atreva a reclamar para a Igreja a totalidade de seus direitos,
elevar„o, eles ser„o verdadeiramente enriquecidos. ficam resignados sem lutar, acomodam-se muito bem inclusive no
laicismo, e por fim chegando a aprov·-lo. Dom Delatte e o Cardeal mesmo modo um De Broglie escrever· uma histÛria liberal da
Billot caracterizam bem esta tendÍncia ‡ apostasia: Igreja, onde os excessos dos CÈsares crist„os ultrapassaram o
benefÌcio das constituiÁıes crist„s. Assim tambÈm um Jacques Piou
ìA partir de agora, uma linha dividiria os catÛlicos (com Falloux e se far· o arauto da ades„o dos catÛlicos franceses ‡ rep˙blica: n„o
Montalembert do lado liberal, na FranÁa no sÈculo XIX) em dois tanto ao regime republicano, mas ‡ ideologia democr·tica liberal; eis
grupos: os que tinham como primeira preocupaÁ„o a liberdade de o canto da AÁ„o Liberal Popular de Piou, por volta de 1900, citado
aÁ„o da Igreja e manutenÁ„o de seus direitos em uma sociedade por Jacques Ploncard díAssac119:
crist„; e os que primeiro se esforÁavam por determinar o que a
sociedade moderna podia suportar do cristianismo, para logo ìNÛs somos da AÁ„o Liberal
convidar a Igreja a se reduzir a este limiteî116. Queremos viver em liberdade
Um sim ou um n„o, ‡ vontade
Diz Billot que todo o catolicismo liberal est· contido em um A liberdade È nossa glÛria
equÌvoco: ìa confus„o entre toler‚ncia e aprovaÁ„oî: Gritemos: Viva a Liberdade!

ìO problema entre os liberais e nÛs (...) n„o est· em saber se, dada a Aclamemos a AÁ„o Liberal
malÌcia do sÈculo, deve-se suportar com paciÍncia o que escapa a Liberal, liberal,
nosso poder, e ao mesmo tempo trabalhar para evitar males maiores Para todos que a lei seja igual
e realizar todo o bem que ainda seja possÌvel; o problema È Seja igual
precisamente se convÈm aprovar (...) o novo estado das coisas, Via a AÁ„o Liberal de Piou!î.
cantar os princÌpios que s„o o fundamento desta ordem de coisas,
promovÍ-los pela palavra, pela doutrina, pelas obras, como fazem os Os catÛlicos liberais de 1984 n„o se comportavam melhor quando
catÛlicos chamados liberaisî117. cantavam seu canto da escola livre, nas ruas de Paris:

Deste modo Montalembert com seu slogan ìa Igreja livre no Estado ìLiberdade, liberdade, tu Ès a ˙nica verdade!î.
livreî118 ser· o campe„o da separaÁ„o entre a Igreja e o Estado,
recusando admitir que esta m˙tua liberdade levaria necessariamente Que praga estes catÛlicos liberais! Guardam sua fÈ no bolso e
‡ situaÁ„o de uma Igreja submetida a um Estado espoliador. Do adotam as m·ximas do sÈculo. … incalcul·vel o dano que causaram ‡
Igreja com sua falta de fÈ e sua apostasia.
116
Dom Delatte, ìVie de Dom Guerangerî, Solesmes, T. II, p·g. 11.
117
Citado pelo Pe. Le Foch, op. Cit. P·g. 58-59.
118 119
Discurso de Malines, 20 de agosto de 1863. A Igreja Ocupadaî, DPF., 1975, p·g. 136.
Terminarei com um trecho de Dom Gueranger, cheio deste espÌrito CAPÕTULO XVII
de fÈ de que vos falei:
OS PAPAS E O CATOLICISMO LIBERAL
ìHoje mais do que nunca (...) a sociedade tem necessidade de
doutrinas firmes e coerentes consigo mesmas. Em meio ‡ ìO liberalismo católico é um verdadeiro flageloî.
destruiÁ„o geral das idÈias, somente a asserÁ„o, uma afirmaÁ„o Pio IX
nÌtida, sÛlida, sem misturas, lograr· ter aceitaÁ„o. Os ajustes se
tornam cada vez mais estÈreis e cada um arranca uma fatia da
O padre Roussel reuniu em seu livro121 toda uma sÈrie de
verdade (...). Mostrai-vos pois tal como sois no fundo:
declaraÁıes do Papa Pio IX que condenam a tentativa catÛlico-
catÛlicos convencidos. (...) H· uma graÁa unida ‡ confiss„o
liberal de aliar a Igreja com a RevoluÁ„o. Eis algumas delas, em que
plena e inteira da fÈ. Esta confiss„o, como diz o ApÛstolo, È a
seria bom meditar:
salvaÁ„o dos que a fazem, e a experiÍncia mostra que È
tambÈm daqueles que a escutamî120.
ìO que aflige nosso paÌs e o impede de receber as bÍnÁ„os de
Deus, È esta mistura de princÌpios. Direi e n„o me calarei; o
que temo n„o s„o estes miser·veis da Comuna de Paris... O
que temo È esta desastrada polÌtica, este liberalismo catÛlico
que È o verdadeiro flagelo... este jogo de pÍndulo que
destruiria a Religi„o. Sem d˙vida, deve-se praticar a caridade,
fazer o possÌvel para atrair os extraviados; entretanto n„o È
necess·rio por causa disto compartilhar com suas
opiniıes...î122.

ìAdverti pois vener·vel Irm„o (o bispo de Quimper) aos


membros da AssociaÁ„o CatÛlica que em muitas ocasiıes em

121
ìLiberalisme et Catholicismeî, 1926.
120 122
ìLe Sens ChrÈtien de líHistoireî, Nouvelle Aurore, Paris, 1977, p·g. 31-32. Aos peregrinos de Nevers, julho de 1871.
que temos repreendido os partid·rios das opiniıes liberais, n„o aparÍncia de integridade e de doutrina reta, seduzindo assim
tÌnhamos em vista aqueles que odeiam a Igreja e aos quais aos imprudentes amadores de conciliaÁ„o e enganando gente
teria sido in˙til falar; mas nos referimos aos que conservando e honesta, que se rebelaria contra um erro declarado. Assim
mantendo escondido o vÌrus dos princÌpios liberais com que se dividem os espÌritos, desfazem a unidade e debilitam as forÁas
alimentaram desde o berÁo, sob o pretexto de n„o estar que teriam que se unir para lutar contra o inimigo...î124.
infectado com uma malÌcia clara e que, segundo eles, n„o È
prejudicial ‡ Religi„o, o transmitem facilmente ‡s almas e *
propagam assim as sementes dessas revoluÁıes que sacodem
j· h· bastante tempo o mundoî123. ìNÛs sÛ podemos aprovar-vos pelo fato de terem empreendido
a defesa e explicaÁ„o das determinaÁıes de Nosso Syllabus,
* principalmente as que condenam o liberalismo dito catÛlico; o
qual, contando com um grande n˙mero de partid·rios mesmo
ìEntretanto, por mais que os filhos do sÈculo sejam mais entre os homens honestos e dando a impress„o de se afastar
h·beis que os filhos da luz, as ast˙cias dos inimigos da Igreja pouco da verdade, È mais perigoso para os outros, engana mais
teriam menor Íxito, se um grande n˙mero dos que levam o facilmente aos que n„o est„o de sobreaviso, e destruindo o
nome de catÛlicos n„o lhes estendesse a m„o amiga. Mas por espÌrito catÛlico insensivelmente e de modo velado, diminui as
desgraÁa, h· os que parecem querer andar de acordo com forÁas dos catÛlicos e aumenta as do inimigoî125.
nossos inimigos, e se esforÁam por estabelecer uma alianÁa
entre a luz e as trevas, um acordo entre a justiÁa e a iniq¸idade, *
por meio destas doutrinas chamadas de ìcatÛlico-liberaisî;
estas, apoiando-se em princÌpios os mais perniciosos, afagam o Depois de tais condenaÁıes, que se atrevam os catÛlicos liberais a
poder laico quando invade as coisas espirituais e fazem os rechaÁar os qualificativos de traidores, desertores, de inimigos
espÌritos respeitar ou ao menos tolerar as leis mais inÌquas, perigosos da Igreja!
como se n„o estivesse escrito que ninguÈm pode servir a dois
senhores. Esses s„o certamente mais perigosos e mais funestos Para encerrar com o catolicismo liberal considerado de um modo
que os inimigos declarados, porque agem sem serem notados, geral, eis o juÌzo de uma testemunha autorizada: Emile Keller,
ou pensam agir assim, ou porque mantendo-se no justo limite deputado francÍs em 1865, em seu livro ìO Syllabus de Pio IX ñ Pio
das opiniıes condenadas formalmente, mostram uma certa IX e os PrincÌpios de 1789î.
124
Breve a um CÌrculo CatÛlico de Mil„o, 1873.
123 125
Breve a um CÌrculo CatÛlico de Quimper, 1973. Breve aos redatores de um jornal catÛlico de Rodez, dezembro de 1876.
ìQual È pois esta transaÁ„o que se procura h· tantos anos e que CAPÕTULO XVIII
hoje È citada cada vez com mais insistÍncia? Que lugar querem
dar ‡ Igreja em um edifÌcio do qual, em princÌpio, ela deveria O MITO DE “SÓ A LIBERDADE” De Lamennais a Sangnier
ser excluÌda? Os liberais e os governantes a aceitam com boa
vontade, como auxiliar. Mas se reservando sua independÍncia, ìEles não temem traçar paralelos blasfemos
sua soberania e sua inteira liberdade de aÁ„o, fora de qualquer entre o Evangelho e a Revoluçãoî. S„o Pio X.
vÌnculo com a autoridade dela. Deixam em suas m„os o
domÌnio das consciÍncias, contanto que ela lhes entregue a Apenas constituÌdo, o liberalismo catÛlico lanÁa-se ao assalto da
polÌtica e reconheÁa a efic·cia social das idÈias modernas, Igreja com a bandeira do progresso. Lembremos alguns nomes deste
conhecidas com o nome de princÌpios de 1789. Caindo nesta liberalismo progressista:
armadilha sedutora, muitos espÌritos generosos n„o entendem
que estas propostas t„o moderadas possam ser recusadas. Uns I
se afastam da Igreja imaginando, coisa absurda, que realmente
ela exija o sacrifÌcio do progresso e da liberdade. Certos do LAMENNAIS (1782-1854)
contr·rio, mas n„o ousando negar a forÁa das fÛrmulas
modernas, outros fazem grandes esforÁos para que a Igreja Felicite de Lamennais, sacerdote que se rebelar· contra a Igreja e
decida, como eles, a reconciliaÁ„o oferecida. Com boa vontade ser· infiel a seu sacerdÛcio, funda seu liberalismo sob o mito do
crÍem haver demonstrado que, salvo alguns detalhes, os progresso da humanidade que se manifesta pela aspiraÁ„o crescente
princÌpios da revoluÁ„o de 1789 s„o puramente crist„os, e que dos povos pela liberdade. Ele diz: este movimento ìtem seu
seria uma grande ast˙cia apoderar-se deles e lev·-los princÌpio indestrutÌvel na lei primeira e fundamental pela qual a
gradualmente e em surdina para serem reconhecidos e humanidade tem que se despojar progressivamente dos laÁos da
abenÁoados pela Santa SÈî126. inf‚ncia, ‡ medida que o cristianismo em desenvolvimento v·
emancipando a inteligÍncia e os povos alcancem a idade maduraî127.
Foi exatamente o que ocorreu durante o ConcÌlio Vaticano II: os Na Idade MÈdia a humanidade est· na sua inf‚ncia e necessita da
liberais conseguiram que fossem abenÁoados pelo Papa e pelo tutela da Igreja: hoje os povos j· adultos, devem se emancipar desta
ConcÌlio os princÌpios da RevoluÁ„o Francesa de 1789. Tratarei de tutela separando a Igreja do Estado. Quanto ‡ Igreja, ela deve se
demonstr·-lo mais adiante. adaptar a esta nova ordem de coisas que Ela mesma criou: ìuma

126 127
Op. Cit. P·g. 13. Obras Completas T.X, p·gs. 317-318, citado pelo DTC, T-VIII, col. 2489.
nova ordem social, fundada no grande desenvolvimento da opiniıes religiosas se reconheÁa a mesma liberdade sem
liberdade, que o catolicismo fez necess·rio, aumentando em nossas discriminaÁ„o. Quanto ‡ emancipaÁ„o progressiva da humanidade, a
almas a verdadeira noÁ„o e o sentimento do direitoî. Na FÈ CatÛlica lhe d· seu verdadeiro nome: a apostasia das naÁıes.
apresentaÁ„o do programa do jornal ìlíAvenirî vemos o arremate
perfeitamente liberal da teoria de Lamennais: II

ìTodos os amigos da Religi„o precisam compreender que ela MARC SANGNIER E ìLE SILLONî
necessita somente de uma coisa: da liberdadeî.
Apesar das condenaÁıes dos Papas, o liberalismo progressista
Era querer submeter a Igreja ao direito comum a todas as continua sua penetraÁ„o na Igreja. O Padre Emmanuel Barbier
associaÁıes e confissıes religiosas diante da lei. GregÛrio XVI n„o escreveu um pequeno livro chamado ìLe ProgrÈs du LibÈralisme
podia deixar de condenar tal erro e o fez na EncÌclica ìMirari Vosî Catholique em France sous le Pontificat du Pape Leon XIIIî130. Nele
de 15 de agosto de 1832, condenando... h· um capÌtulo que trata do ìcatolicismo progressistaî, em que o
autor diz: ìA express„o catolicismo progressista È a que M.
ìAqueles que querem separar a Igreja do Estado e romper a Fogazzaro apresenta em seu romance ìIl Santoî para designar o
m˙tua concÛrdia entre o ImpÈrio e o SacerdÛcio: pois o que È conjunto de reformas que ele pede ‡ Igreja em sua doutrina, sua vida
certo È que esta concÛrdia que sempre foi t„o saud·vel e interior e sua disciplina. Existe uma quase identidade de tendÍncias
favor·vel aos interesses da Religi„o e da autoridade civil, È entre os movimentos que estudamos na FranÁa, e aquele cujo porta-
temida pelos partid·rios de uma liberdade desenfreadaî128. voz mais ouvido na It·lia È, atualmente, Fogazzaroî.

E igualmente: Se Fogazzaro expÙs sem constrangimento algum o plano de


penetraÁ„o do modernismo na Igreja, quer dizer que o modernismo e
ìEste princÌpio absurdo, ou melhor dito, este delÌrio, que o catolicismo liberal s„o compartimentos vizinhos e tÍm t·ticas
defende a necessidade de assegurar e garantir a qualquer um a semelhantes131.
liberdade de consciÍnciaî129.

Certamente a Igreja n„o podia se acomodar ao princÌpio


revolucion·rio liberal de liberdade para todos, que a todas as 130
Esta obra conserva todo seu valor, apesar da condenaÁ„o prudencial que
recebeu na Època.
128 131
Cf. dez. n∫ 1615. Ploncard díAssac, ìLíEglise OccupÈeî, cap. XV: Une SociÈtÈ SecrÈte dans
129
PIN. 24, cf. dez. n∫ 1613. LíEglise?
Em 1894 Marc Sangnier funda sua revista ìLe Sillonî que se
converte em um movimento da juventude que sonha em reconciliar a ìPor ˙ltimo, com base em todas as falsificaÁıes das noÁıes
Igreja com os princÌpios da RevoluÁ„o de 1789, o socialismo e a sociais fundamentais, o Sillon d· uma falsa idÈia da dignidade
democracia universal, baseando-se no progresso da consciÍncia humana. Segundo ele, o homem n„o ser· verdadeiramente
humana. A penetraÁ„o de suas idÈias nos semin·rios e a evoluÁ„o homem, digno deste nome, sen„o no dia em que tenha
cada dia mais indiferentista do movimento, levaram S„o Pio X a adquirido uma consciÍncia esclarecida, forte, independente,
escrever a carta ìNotre Charge Apostoliqueî de 25 de agosto de autÙnoma, sem necessidade de mestres, que obedeÁa somente
1910, que condena a utopia da reforma da sociedade, reforma esta a si, capaz de assumir e levar avante as maiores
acariciada pelos chefes do Sillon: responsabilidades. Estas s„o as palavras com que se exalta o
sentimento do orgulho humano (...).
ìSeu sonho È trocar os fundamentos naturais e tradicionais e
prometer uma cidade futura edificada sobre outros princÌpios Mas como! Inspiram em vossa juventude catÛlica a
que ousam declarar mais fecundos, mais benÈficos do que desconfianÁa de sua M„e, a Igreja; ensinam que em dezenove
aqueles sobre os quais se apÛia a cidade catÛlica atual (...). sÈculos ela n„o conseguiu constituir no mundo a sociedade
sobre suas bases verdadeiras; que Ela n„o compreendeu as
O Sillon tem a nobre preocupaÁ„o da dignidade humana. Mas noÁıes sociais da autoridade e da liberdade, da igualdade, da
entende esta dignidade ao modo de certos filÛsofos que a fraternidade e da dignidade humana.
Igreja est· longe de elogiar. O primeiro elemento desta
dignidade È a liberdade, entendida no sentido em que, salvo O sopro da RevoluÁ„o passou por l· (...). NÛs n„o temos que
em matÈria religiosa, cada homem È autÙnomo. Deste demonstrar que o advento da democracia universal n„o afasta a
princÌpio fundamental, tira as seguintes conclusıes: Hoje o aÁ„o da Igreja no mundo (...).
povo est· sob a tutela de uma autoridade diferente dele, da
qual deve-se livrar: emancipaÁ„o polÌtica (...). Uma S„o Pio X denuncia ent„o o indiferentismo do Sillon, irm„o daquele
organizaÁ„o polÌtica e social fundada sobre este duplo de Vaticano II132:
fundamento: a liberdade e a igualdade aos quais logo logo se
juntar· a fraternidade, isto È o que chamam Democraciaî. ìQue devemos pensar de todos estes erros e do estranho
convite feito a todos os dissidentes catÛlicos para fortalecer
A exemplo de Le„o XIII, apÛs haver denunciado o falso slogan de suas convicÁıes pelo estudo, e tirar delas fontes sempre mais
liberdade-igualdade, S„o Pio X deixa patente as falsas fontes do
liberalismo progressista do Sillon:
132
Cf. ìDignitatis Humanaeî, n∫4.
abundantes e novas forÁas? Que devemos pensar de uma contempor‚nea135, pois os verdadeiros amigos do povo n„o s„o
associaÁ„o de todas as religiıes em que atÈ o livre- os revolucion·rios nem os inovadores, mas os
pensamento133 pode se manifestar em alta voz e a seu gosto?î. tradicionalistasî.

E o Santo Padre vai ao fundo da quest„o: Eis os termos enÈrgicos e precisos com que o Papa S„o Pio X
condena o liberalismo progressista e define a atitude realmente
ìDe agora em diante, o Sillon n„o passa de um miser·vel catÛlica. Meu maior consolo È poder dizer que sou fiel ‡ doutrina
afluente do grande movimento de apostasia organizado em deste Papa canonizado. Os trechos que lhes citei esclarecem
todos os paÌses, para estabelecimento de uma Igreja universal notavelmente as doutrinas conciliares sobre este assunto, nas quais
que n„o ter· dogmas, nem hierarquia, nem regra para o me deterei na continuaÁ„o deste trabalho.
espÌrito, nem freio para as paixıes (...). Conhecemos bem as
escuras oficinas em que s„o elaboradas estas doutrinas
deletÈrias (...). Os chefes do Sillon n„o conseguiram se
defender delas; a exaltaÁ„o de seus sentimentos (...) os levou
para um novo evangelho (...) sendo seu ideal semelhante ao da
RevoluÁ„o, n„o temem proferir blasfemas aproximaÁıes entre
o Evangelho e a RevoluÁ„o (...).

Finalmente o Santo PontÌfice conclui, restabelecendo a verdade


sobre a verdadeira ordem social:

ì(...)A Igreja, que jamais traiu o bem dos povos com elogios
comprometedores, n„o deve esquecer o passado (...) basta
retomar com o concurso dos verdadeiros trabalhadores a
restauraÁ„o social dos organismos atingidos pela RevoluÁ„o134
e adapt·-los, com o mesmo espÌrito crist„o que os inspirou, ao
novo cen·rio criado pela evoluÁ„o material da sociedade 135
A evoluÁ„o compreende um progresso material e tÈcnico, mas o homem e a
sociedade permanecem submetidos ‡s mesmas leis. Vaticano II, em ìGaudium et
133
O livre-pensamento È uma ramificaÁ„o da maÁonaria. Spesî desprezar· esta diferenÁa, inclinando-se novamente para o programa do
134
S„o Pio X designa aqui as corporaÁıes profissionais, agentes da concÛrdia ìSillonî.
social, totalmente opostos ao sindicalismo, que È o agente da luta de classes.
CAPÕTULO XIX Mas a divisa de Maritain, que ser· tambÈm a de Paulo VI, foi
ìinstaurar tudo no homemî. Em reconhecimento ao velho mestre,
A ILUSÃO DO PLURALISMO Paulo VI lhe remeteu no dia 8 de dezembro de 1965, dia do
De Jacques Maritain a Yves Congar encerramento do ConcÌlio, o texto de uma das mensagens finais do
ConcÌlio ao mundo. Ora, eis o que declarava um desses textos, a
O liberalismo que se diz catÛlico, lanÁou-se ao ataque da Igreja sob ìmensagem aos governantesî, lido pelo Cardeal Lienart:
o estandarte do progresso, como lhes mostrei no capÌtulo precedente.
Somente lhe faltava revestir-se com o manto da filosofia para ìEm vossa cidade terrena e temporal, Ele constrÛi
penetrar com toda seguranÁa na Igreja, que atÈ ent„o o misteriosamente sua cidade espiritual e eterna: sua Igreja. E o
anatematizava. Alguns nomes conhecidos ilustram esta penetraÁ„o que vos pede esta Igreja, depois de quase dois mil anos de toda
liberal na Igreja atÈ as vÈsperas do Vaticano II. espÈcie de vicissitudes em suas relaÁıes convosco, poderosos
da terra? O que vos pede hoje? Ela vos disse em um dos
Jacques Maritain (1882-1973) principais textos do ConcÌlio: sÛ vos pede a liberdade. A
liberdade de crer e pregar sua fÈ, a liberdade de amar e servir a
N„o È um erro chamar Jacques Maritain o pai da liberdade religiosa Deus, a liberdade de viver e levar aos homens sua mensagem
do Vaticano II. Paulo VI, por sua vez, se havia alimentado com as de vida. N„o temais, Ela È semelhante a seu Mestre, cuja aÁ„o
teses polÌticas e sociais do Maritain liberal posterior a 1926, e o misteriosa n„o usurpa vossas prerrogativas, mas cura o homem
reconhecia como mestre... S„o Pio X havia sido por certo mais bem de sua fatal velhice, o transforma dando-lhe esperanÁa,
inspirado ao eleger como mestre o Cardeal Pio136 do qual foi tirada a verdade e belezaî137.
passagem central de sua primeira encÌclica ìE Supremi Apostolatusî
e sua divisa, ìRestaurar tudo em Cristoî. Isso È aceitar a tese de Maritain da ìsociedade vitalmente crist„î,
segundo a qual a Igreja, renunciando ‡ proteÁ„o da espada civil, por
um movimento progressivo e necess·rio se emancipa da molesta
136 tutela dos Chefes de Estado catÛlicos, e agora se contenta somente
Conta o Padre ThÈotime de Saint Just que um sacerdote e um religioso da
diocese de Poitiers foram um dia recebidos por S„o Pio X: ìAh, a diocese do com a liberdade, se reduz a n„o ser mais do que um fermento
Cardeal Pio!î lhes disse o Papa levantando as m„os, ìtenho aqui a meu lado as evangÈlico escondido na massa ou o signo de salvaÁ„o para a
obras do vosso cardeal e h· muitos anos, n„o deixo passar muitos dias sem que eu humanidade.
leia algumas p·ginasî. Dizendo isto, pegou um de seus volumes e o colocou nas
m„os de seus visitantes. Eles puderam comprovar pela encadernaÁ„o simples, que
o livro pertencia ao p·roco de Salzano ou ao diretor espiritual do semin·rio de
Treviso (ou seja, o prÛprio Pio X) muito tempo antes de ir para o Vaticano.
137
Doc. PontifÌcios de Paulo VI, Ed. St. AgustÌn, St. Maurice, 1965, p·g. 685.
Esta ìemancipaÁ„oî da Igreja, assegura Maritain, vem acompanhada reconhece a Jesus Cristo e a sua Igreja? Escutem bem a resposta do
por uma emancipaÁ„o recÌproca do temporal em relaÁ„o ao filÛsofo: a cristandade (ou o Reino social de Jesus Cristo) È
espiritual, da sociedade civil em relaÁ„o ‡ Igreja, por uma laicizaÁ„o suscetÌvel de v·rias realizaÁıes histÛricas sucessivas, essencialmente
da vida p˙blica, que de certo modo È uma ìperdaî. Mas ela È diferentes, mas analogicamente idÍnticas; ‡ cristandade medieval do
amplamente compensada pelo ìprogressoî que dela adquire a tipo ìsacroî e ìteocr·ticoî (quantos equÌvocos nestes termos!î,
liberdade e pelo pluralismo religioso que se instaura legalmente na caracterizada pela abund‚ncia de meios temporais a serviÁo da
sociedade civil. Cada famÌlia espiritual gozaria de um estatuto unidade da fÈ, deve suceder hoje em dia uma ìcristandadeî
jurÌdico prÛprio e uma justa liberdade138. H· assim ao longo da caracterizada, como vimos, pela emancipaÁ„o recÌproca do temporal
histÛria humana uma lei que se manifesta, a ìdupla lei da degradaÁ„o e do espiritual e pelo pluralismo religioso e cultural da cidade.
e da super-valorizaÁ„o da energia da histÛriaî: a lei de emergÍncia
da consciÍncia da pessoa e da liberdade e a lei correlativa da Que habilidade no uso da teoria filosÛfica da analogia para
degradaÁ„o de uma quantidade de meios temporais, postos ao simplesmente renegar o Reino social de Nosso Senhor Jesus Cristo!
serviÁo da Igreja e de seu triunfalismo: … evidente que a cristandade se pode realizar de maneira diferente na
monarquia de S„o Luiz e na Rep˙blica de Garcia Moreno; mas o que
ìEnquanto a avareza do tempo e a passividade da matÈria eu nego absolutamente È que a sociedade maritanista, a cidade
dissipam e degradam naturalmente as coisas deste mundo e a pluralista ìvitalmente crist„î seja ainda uma cristandade e realize o
energia da histÛria, as forÁas criadoras prÛprias do espÌrito e a Reino social de Jesus Cristo. ìQuanta Curaî, ìImmortale Deiî e
liberdade (...) elevam cada vez mais a qualidade desta energia. ìQuas Primasî me asseguram que Jesus Cristo n„o tem trinta e seis
A vida das sociedades humanas avanÁa e progride assim ‡ maneiras de reinar sobre a sociedade: ele reina ìinformandoî,
custa de muitas perdasî139. modelando as leis civis segundo Sua lei divina. Uma coisa È suportar
uma sociedade em que h· de fato uma pluralidade de religiıes, como
VocÍs j· conhecem a famosa ìenergia criadoraî de BÈrgson e a n„o por exemplo no LÌbano, e fazer o possÌvel para que Jesus Cristo seja
menos famosa ìemergÍncia da consciÍnciaî de Teilhard de Chardin. o ìpoloî de todas; outra coisa È pregar o pluralismo em uma cidade
Todas estas figuras, BÈrgson, Teilhard, Maritain, dominaram e em que sua maioria È ainda catÛlica e, para c˙mulo, querer batizar
corromperam o pensamento catÛlico durante v·rias dÈcadas! este sistema com o nome de cristandade. N„o! A ìnova cristandadeî
imaginada por Jacques Maritain n„o passa de uma cristandade
Mas, diriam a Maritain, o que sucede com o Reino social de Nosso moribunda que apostatou e rechaÁou seu Rei.
Senhor na sua ìsociedade vitalmente crist„î, se o Estado j· n„o
Realmente Jacques Maritain ficou deslumbrado com a civilizaÁ„o do
138
Cf. ìHumanisme Integralî, cap. V, p·gs. 180-181. tipo abertamente pluralista dos Estados Unidos da AmÈrica, onde a
139
ìLes Droits de líHomme et la Loi Naturelleî, p·g. 34.
Igreja CatÛlica, gozando do regime da liberdade pura, teve um Mais recentemente Pio XII, como Le„o XIII, diz que o pluralismo
grande desenvolvimento no n˙mero de seus membros e de suas religioso pode ser uma condiÁ„o favor·vel e suficiente para o
instituiÁıes. Mas È por acaso este argumento suficiente a favor do desenvolvimento da Igreja, e ressalta inclusive que em nosso tempo
princÌpio do pluralismo? PeÁamos uma resposta aos Papas. h· uma tendÍncia para o pluralismo141:

Le„o XIII na encÌclica ìLongiqua Oceaniî de 6 de janeiro de 1895, ìA Igreja sabe que h· algum tempo, os acontecimentos tÍm
elogia o progresso da Igreja nos Estados Unidos. Damos abaixo seu evoluÌdo em outro sentido, ou seja, para a multiplicidade das
juÌzo a esse respeito: confissıes religiosas e das concepÁıes da vida em uma mesma
comunidade nacional, onde os catÛlicos constituem uma
ìEm vossa p·tria, escreve aos bispos americanos, graÁas ‡ boa minoria mais ou menos forte. Para a histÛria pode ser
constituiÁ„o do Estado, a Igreja sendo defendida contra a interessante e atÈ surpreendente, encontrar um exemplo nos
violÍncia pelo direito comum e com eq¸idade de juÌzos, n„o Estados Unidos da AmÈrica entre outros, onde a Igreja se
incomodada por nenhuma lei, obteve a liberdade garantida de expande mesmo em situaÁıes as mais discrepantesî.
viver e agir sem obst·culos. Todas estas observaÁıes s„o
verdadeiras, entretanto È preciso evitar-se um erro: que n„o se Mas o grande Papa evitou deduzir que por este motivo devia-se virar
conclua, por isto, que a melhor situaÁ„o para a Igreja È aquela para onde sopra o ìvento da histÛriaî e promover o princÌpio do
que goza na AmÈrica do Norte; e que ser· permitido e que È pluralismo! Pelo contr·rio, reafirma a doutrina catÛlica:
˙til separar e desunir os princÌpios dos assuntos civis daqueles
dos assuntos sagrados, como na AmÈrica do Norte. ìO historiador n„o deveria esquecer que mesmo que a Igreja e
o Estado tenham conhecido horas e anos de luta, houve desde
Com efeito, se a Religi„o CatÛlica È honrada entre vÛs, se Constantino o Grande atÈ a Època contempor‚nea, e mesmo
prospera, se tem se desenvolvido, deve-se atribuir somente ‡ recentemente, perÌodos tranq¸ilos e freq¸entemente
fecundidade divina de que goza a Igreja; quando ninguÈm se prolongados, durante os quais colaboraram com completa
opıe nem cria obst·culo, ela se expande por si mesma. compreens„o na educaÁ„o das mesmas pessoas. A Igreja n„o
Entretanto Ela produziria mais frutos se gozasse n„o sÛ de esconde que Ela considera esta colaboraÁ„o como normal e
liberdade, mas tambÈm do favor das leis e da proteÁ„o dos que vÍ como um ideal a unidade do povo na verdadeira
poderes p˙blicosî140. Religi„o e na unanimidade de aÁ„o entre Ela e o Estadoî142.

141
Discurso no 10∫ Congresso Internacional das CiÍncias HistÛricas, 7 de
setembro de 1955. Doc. PontifÌcios de Pio XII, T. XVII, p·g. 294.
140 142
Cartas ApostÛlicas de Le„o XIII, Bonne Presse, T. IV, p·gs. 162-165. Loc. Cit.
Mantenhamos firmemente esta doutrina e desconfiemos da ilus„o do DesgraÁadamente para o P. Congar, estes ìcatÛlicosî n„o s„o sen„o
pluralismo. Se o vento da histÛria parece soprar atualmente nesta os catÛlicos liberais condenados pelos Papas; e o ensinamento do
direÁ„o, certamente n„o È pelo sopro do EspÌrito Santo, mas sim o Syllabus, longe de depender de circunst‚ncias histÛricas passageiras,
vento glacial do liberalismo e da RevoluÁ„o, atravÈs de sÈculos de constitui um conjunto de verdades histÛricas passageiras, constitui
trabalho para solapar a cristandade143. um conjunto de verdades deduzidas logicamente da RevelaÁ„o e t„o
imut·veis como a FÈ. Mas nosso advers·rio prossegue e insiste:
Yves Congar e Outros
ìA Igreja de Vaticano II, pela declaraÁ„o sobre liberdade
O Padre Congar n„o est· entre meus amigos. TeÛlogo religiosa, por ìGaudium et Spesî (a Igreja no mundo atual) ñ
experimentado, no ConcÌlio foi o autor principal, junto a Karl que tÌtulo significativo! ñ se situou claramente no mundo
Rahner, dos erros que desde ent„o n„o tenho cessado de combater. pluralista de hoje; e sem renegar o que houve de grande,
Entre outros, escreveu um livreto intitulado ìMons. Lefebvre e a cortou as amarras que a tinham mantido na Idade MÈdia. N„o
Crise da Igrejaî. Ora vocÍs ver„o como, ‡ exemplo de Maritain, o se pode permanecer estagnado em um momento da
Pe. Congar nos inicia nos mistÈrios da evoluÁ„o do contexto histÛriaî145.
histÛrico e do vento da HistÛria:
AÌ est·! O desenvolvimento da histÛria empurra para o pluralismo:
ìN„o se pode negar, diz ele, que um tal texto (a DeclaraÁ„o deixemos ir nesta direÁ„o a barca de Pedro e abandonemos o Reino
conciliar sobre a liberdade religiosa) diga outra coisa que o social de Jesus Cristo nas longÌnquas margens de um tempo que
Syllabus de 1864, e mesmo quase o contr·rio das proposiÁıes ficou para tr·s... Estas mesmas teorias encontraremos no Pe. John
15, 77 e 79 deste documento. … que o Syllabus defendia um Courtney Murray, sacerdote jesuÌta, outro experimentado membro
poder temporal a que o papado renunciou, em 1929, do ConcÌlio que ousa escrever com ares de doutor que sÛ iguala sua
considerando uma nova situaÁ„o. O contexto histÛrico-social auto-suficiÍncia, que a doutrina de Le„o XIII sobre a uni„o da Igreja
em que a Igreja era chamada a viver e a falar j· n„o era o e do Estado, È estritamente relativa ao contexto histÛrico em que foi
mesmo, os acontecimentos nos haviam ensinado. J· no sÈculo escrita:
XIX ìalguns catÛlicos haviam compreendido que a Igreja
encontraria melhor apoio para sua liberdade na firme
convicÁ„o dos fiÈis do que nos favores dos prÌncipesî144.
143
Cf. ìMgr. Lefebvre et le Saint-Officeî, p·gs. 54-55.
144 145
Op. Cit. P·gs. 51-52. Loc. Cit.
ìLe„o XIII estava muito influenciado pela noÁ„o histÛrica do prisioneiro de concepÁıes histÛricas? E S. Paulo ao afirmar: …
poder polÌtico pessoal exercido de modo paternalista sobre a necess·rio que Jesus Cristo reine?
sociedade como sobre a famÌliaî146.
Creio que o leitor ter· compreendido a perversidade do relativismo
Assim a trapaÁa est· montada: a Monarquia foi substituÌda pelo doutrinal histÛrico de Maritain, Yvez Congar e companhia. Tratamos
regime do ìEstado Constitucional Democr·tico e Socialî, o qual, de pessoas que n„o tÍm nenhuma noÁ„o da verdade, nem a menor
assegura nosso teÛlogo e repetir· Mons. De Smedt no ConcÌlio, ìn„o idÈia do que pode ser uma verdade imut·vel. … cÙmico comprovar
È uma autoridade competente para julgar a verdade ou falsidade em que estes mesmos liberais relativistas, que foram os verdadeiros
matÈria religiosaî147. N„o se pode imaginar uma declaraÁ„o do autores do Vaticano II, atualmente chegam a dogmatizar este
reinado social de Jesus Cristo, e isto na boca do relator oficial da ConcÌlio que haviam declarado pastoral; e nos querem impor as
comiss„o de redaÁ„o da DeclaraÁ„o conciliar sobre a liberdade novidades conciliares como doutrinas definitivas de intoc·ceis. Se
religiosa! Deixemos o Padre Murray continuar: aborrecem se ousamos dizer-lhes: ìvocÍs dizem que hoje o Papa j·
n„o escreveria ìQuas Primasî. Eu lhes digo: ìtambÈm hoje n„o se
ìSua prÛpria obra est· marcada por uma forte consciÍncia histÛrica. escreveria seu ConcÌlio, j· est· superado. VocÍs se aferram a ele
Ele conhecia o tempo em que vivia e escrevia para ele com porque È a obra de vocÍs, mas eu me apego ‡ TradiÁ„o, porque È
admir·vel realismo histÛrico e concreto148. Para Le„o XIII a obra do EspÌrito Santoî.
estrutura conhecida sob o nome de Estado Confessional CatÛlico (...)
nunca foi mais do que uma hipÛteseî149.

Ruinoso relativismo doutrinal! Com tais princÌpios se pode


relativizar toda verdade, apelando para a consciÍncia histÛrica de um
momento fugitivo! Por acaso Pio XI ao escrever ìQuas Primasî era

146
ìVers une intelligence du dÈveloppement de la dostrine de líEglise sur la
liberte religieuse in Vatican II, la liberte religieuseî, p·g. 128.
147
Relatio de reemendatione schematis emendati, 28 de maio de 1965.
148
Parece estarmos lendo Jacques Maritain, com seus ìciels historiques variesî e
ìideal historique concretî ñ Cf. ìHumanisme Integralî p·gs. 153-154. PoderÌamos
depois perguntar: quem influenciou a quem?
149
Op. Cit. P·g. 134.
CAPÕTULO XX consciÍncia crescente da dignidade e liberdade humanas. Somente
Jesus Cristo ao conferir aos batizados a dignidade de filhos de Deus,
O SENTIDO DA HISTÓRIA mostra aos homens em que consiste sua verdadeira dignidade: a
liberdade de filhos de Deus de que fala S„o Paulo (Rm 8, 2). Na
medida em que as naÁıes se submeteram a Nosso Senhor Jesus
Nos capÌtulos anteriores procurei mostrar que os catÛlicos liberais Cristo, viu-se com efeito o desenvolvimento da dignidade humana e
como Lamennais, Maritain e Yves Congar, tÍm uma vis„o pouco uma s„ liberdade; mas desde a apostasia das naÁıes com a
catÛlica do sentido da histÛria. Trataremos de aprofundar sua instauraÁ„o do liberalismo, È forÁoso verificar que, pelo contr·rio, se
concepÁ„o e julg·-la ‡ luz da FÈ. n„o reina Jesus Cristo ìas verdades diminuem entre os filhos dos
homensî (Sl 11, 2), a dignidade humana È cada vez mais
Senso ou Contra-senso desprestigiada e achatada, e a liberdade fica reduzida a um tema
vazio sem qualquer conte˙do.
Para os catÛlicos chamados liberais, a histÛria tem um sentido, ou
seja, uma direÁ„o. Na terra, esta direÁ„o È imanente: a liberdade. A Em alguma Època da histÛria j· se viu um empreendimento t„o
humanidade È empurrada por um sopro imanente, para uma radical e colossal de escravid„o, como a tÈcnica comunista de
consciÍncia crescente da dignidade da pessoa humana, para uma escravizar as massas?151 Se Nosso Senhor nos convida a ìver os
liberdade cada vez maior de livre de toda coaÁ„o. O Vaticano II se sinais dos temposî (Mt. XVI, 4), ent„o foi necess·ria uma cegueira
far· eco desta teoria dizendo, a exemplo de Maritain: volunt·ria dos liberais e um conluio absoluto de silÍncio, para que
um concÌlio ecumÍnico reunido precisamente para ver os sinais de
ìEm nosso tempo, a dignidade da pessoa humana È objeto de nosso tempo152, se calasse acerca do sinal dos tempos mais evidente,
consciÍncia cada vez mais viva; s„o cada vez mais numerosos que È o comunismo. Este silÍncio basta por si sÛ para cobrir de
os que reivindicam para os homens a possibilidade de agir de vergonha e reprovaÁ„o este ConcÌlio, diante da HistÛria, e para
acordo com suas prÛprias opiniıes e segundo sua livre mostrar o ridÌculo do que alega o pre‚mbulo de ìDignitatis
responsabilidadeî150. Humanaeî, que lhes citei.

NinguÈm discute que seja desej·vel que o homem se encaminhe Por conseguinte, se a histÛria tem um sentido, n„o È certamente a
livremente para o bem; mas È muito discutÌvel que nossa Època ou tendÍncia imanente e necess·ria da humanidade para a liberdade e a
mesmo o sentido da histÛria em geral, estejam marcados por uma
151
Cf. J. Madirain, ìLa vieillese du Mondeî DMM, JarzÈ, 1975.
152
Cf. Vaticano II, ìGaudium et Spesî, n∫ 4 ß 1, 11 ß 1.
150
DeclaraÁ„o sobre a Liberdade Religiosa, pre‚mbulo.
dignidade; isto n„o passa de uma invenÁ„o ìad justificandas completamente destruÌdasî (Is 60, 12). H· excelentes livros sobre a
justificationes suasî, para justificar seu liberalismo, para cobrir com filosofia da HistÛria, mas que me deixam surpreso e impaciente ao
a m·scara enganosa do progresso o vento gelado que fazem soprar comprovar que omitem este princÌpio absolutamente capital ou n„o o
sobre a cristandade, h· dois sÈculos. pıe no lugar que lhe È devido. Trata-se do princÌpio da filosofia da
HistÛria, sendo tambÈm uma verdade de FÈ, verdadeiro dogma
Jesus Cristo, Pólo da História revelado e confirmado centenas de vezes pelos fatos!

Qual È pois o verdadeiro sentido da HistÛria? H· por acaso um Eis a resposta ‡ pergunta: Qual È o sentido da HistÛria? A HistÛria
sentido da HistÛria? n„o tem nenhum sentido, nenhuma direÁ„o imanente. N„o existe o
sentido da HistÛria. O que h·, È um fim da HistÛria, um fim
Toda a HistÛria tem por centro uma pessoa: Nosso Senhor Jesus transcendente: a ìrecapitulaÁ„o de todas as coisas em Cristoî; È a
Cristo, porque como diz S„o Paulo: ìNele foram fundadas todas as submiss„o de toda ordem temporal ‡ Sua obra redentora; È o
coisas, as dos cÈus e as que est„o sobre a terra, as visÌveis e as domÌnio da Igreja militante sobre a cidade temporal que se prepara
invisÌveis, sejam tronos, dominaÁıes, principados ou potestades. para o reino eterno da Igreja triunfante no cÈu. A FÈ afirma e os
Tudo foi criado por Ele e nEle, e Ele È antes de todas as coisas e fatos o demonstram que a HistÛria tem um primeiro pÛlo: a
nEle todas subsistem. Ele È a cabeÁa do corpo da Igreja, sendo Ele EncarnaÁ„o, a Cruz, Pentecostes; ela teve seu completo
mesmo o princÌpio (...) para que em tudo tenha o primeiro lugar. desenvolvimento na cidade catÛlica, quer seja no impÈrio de Carlos
Deus quis que toda a plenitude habitasse nEle, e por meio dEle Magno ou na rep˙blica de Garcia Moreno; e terminar·, chegar· a
reconciliar todas as coisas tanto as da terra como as do cÈu, trazendo seu pÛlo final quando o n˙mero de eleitos se completar, depois do
a paz mediante o sangue de sua cruzî153. tempo da grande apostasia (2 Tess. II, 3); n„o estamos vivendo este
tempo?
Jesus Cristo È portanto o pÛlo da HistÛria. A HistÛria tem somente
uma lei: ìé necessário que Ele reineî (1 Cor 15, 25). Se Ele reina, Uma Objeção Liberal contra a Cidade Católica
reinam tambÈm o verdadeiro progresso e a prosperidade, que s„o
bens muito mais espirituais que materiais. Se Ele n„o reina, vem a Pelo que foi dito acima, creio que se compreende bem que na
decadÍncia, a caducidade, a escravid„o em todas as formas, o reino HistÛria n„o h· nenhuma lei imanente do progresso da liberdade
do mal. … o que profetiza a Sagrada Escritura: ìPorque a naÁ„o e o humana, da emancipaÁ„o da cidade temporal quanto ‡ submiss„o a
reino que n„o Te servem perecer„o, estas naÁıes ser„o Nosso Senhor Jesus Cristo.

153
Cl 1, 17-21.
Mas, dizem os liberais como o PrÌncipe Alberto de Broglie em seu aÁıes intempestivas e falta de inteligÍncia que ‡s vezes
livro ìA Igreja e o ImpÈrio Romano no SÈc. IVî, o regime que atentavam contra o princÌpio e as regras da imunidade
desejais da uni„o da Igreja e do Estado, que foi a dos CÈsares sacerdotal, nenhum destes seus chefes tÍm o dever de
crist„os e germ‚nicos sempre conduziu a uma submiss„o da Igreja professar publicamente a verdade crist„, harmonizar com ela
ao ImpÈrio, a uma molesta dependÍncia do poder espiritual ao seus atos e instituiÁıes e tambÈm proibir com leis quer
temporal. Diz o autor: ìa alianÁa entre o trono e o altar nunca foi preventivas ou repressivas, segundo as disposiÁıes do tempo e
dur·vel, nem sincera, nem eficazî154. Como conseq¸Íncia a dos espÌritos, os atentados que deram car·ter de patente
liberdade e independÍncia destes dois poderes n„o tem valor. impiedade e introduziram a inquietaÁ„o e a desordem no meio
da sociedade civil e religiosaî155.
Deixo ao Cardeal Pio, o cuidado de responder a estas acusaÁıes
liberais; ele n„o tem d˙vida em qualificar estas afirmaÁıes … um erro, ao qual foi dado destaque e que este trecho do Cardeal
temer·rias como trivialidades revolucion·rias: Pio esclarece bem, dizer que o regime de ìsÛ liberdadeî seja um
progresso em relaÁ„o ao regime de uni„o das duas potÍncias. A
ìSe v·rios prÌncipes ainda neÛfitos e ainda n„o desligados dos Igreja nunca ensinou que o sentido da HistÛria e o progresso
costumes absolutistas dos CÈsares pag„os, desde o princÌpio consistem na tendÍncia inevit·vel para a emancipaÁ„o recÌproca do
trocaram a proteÁ„o legÌtima por opress„o; se procederam com temporal em relaÁ„o ao espiritual. O sentido da HistÛria de Jacques
rigor contr·rio ao espÌrito crist„o (geralmente lutando por uma Maritain e de Yves Congar n„o passa de um contra-senso. Esta
heresia, a pedido de bispos hereges), houve na Igreja homens emancipaÁ„o que descrevem como sendo um progresso, n„o passa
de FÈ e de valor como Hil·rio, Martinho, Atan·sio e de um divÛrcio ruinoso e blasfemo entre a cidade e Jesus Cristo. Foi
AmbrÛsio, para cham·-los ao espÌrito de mansid„o crist„, para necess·ria a falta de vergonha de ìDignitatis Humanaeî para
repudiar o apostolado da espada, para declarar que a convicÁ„o canonizar este divÛrcio, e isto, suprema impostura, em nome da
religiosa jamais se impıe pela violÍncia e finalmente verdade revelada!
proclamar com eloq¸Íncia que o cristianismo, que se havia
propagado apesar da perseguiÁ„o dos prÌncipes, podia Por ocasi„o da conclus„o da nova Concordata entre a Igreja e a
prescindir de seus favores e n„o devia se colocar sob nenhuma It·lia, Jo„o Paulo II declarava: ìnossa sociedade se caracteriza pelo
tirania. NÛs conhecemos e temos pesado cada palavra destes pluralismo religiosoî, e dava a conseq¸Íncia: esta evoluÁ„o
nobres atletas da FÈ e da liberdade de sua M„e a Igreja. Mas demanda a separaÁ„o entre a Igreja e o Estado. Mas em nenhum
tendo protestado contra os abusos e excessos e censurado as momento Jo„o Paulo II pronunciou um juÌzo sobre esta troca,
155
Terceira instruÁ„o sinodal sobre os principais erros do tempo presente, Obras,
154
Op. cit., T.IV, p·g. 424, cit. Pelo P. T. De St Just, p·g. 55. T-V, p·g. 178.
mesmo sendo para deplorar a laicizaÁ„o da sociedade, ou
simplesmente dizer que a Igreja se resignava a uma situaÁ„o de fato.
N„o, sua declaraÁ„o como a do Cardeal Casaroli, louvava a
separaÁ„o da Igreja e do Estado, como se fosse o regime ideal, o
resultado de um processo histÛrico normal e providencial, contra o
qual nada se pode dizer! Dito de outra forma: ìViva a apostasia das
naÁıes, eis aÌ o progresso!î Ou ent„o: ìN„o devemos ser
pessimistas! Abaixo os profetas de calamidades! Jesus Cristo j· n„o
reina? Que import‚ncia tem? Tudo bem! De qualquer modo a Igreja
marcha rumo ao cumprimento de sua histÛria. E depois de tudo
Cristo vem, aleluia!î. Este otimismo simplista enquanto j· se
acumulam as ruÌnas, este fatalismo imbecil, n„o s„o os frutos do
espÌrito de erro e descaminho? Tudo isto me parece absolutamente
diabÛlico.
TERCEIRA PARTE

A CONSPIRAÇÃO LIBERAL DE
SATANÁS CONTRA A IGREJA E O
PAPADO
CAPÕTULO XXI temor que se lÍem estas linhas. N„o invento nada, sÛ faÁo ler, mas
n„o È nenhum mistÈrio que hoje em dia elas se realizam. N„o deixo
A CONSPIRAÇÃO DA ALTA VENDA DOS CARBONÁRIOS de chamar a atenÁ„o para o fato de que mesmo seus projetos mais
audazes estejam ultrapassados pela realidade atual! Passemos ‡
leitura, somente sublinharei o que mais nos deve impressionar.
Em nosso breve estudo histÛrico do liberalismo catÛlico, eis-nos
chegados ‡s vÈsperas do ConcÌlio Vaticano II. Mas antes de analisar *
a vitÛria obtida pelo liberalismo no ConcÌlio, gostaria de retroceder
para lhes mostrar a penetraÁ„o do liberalismo em toda a hierarquia e ìO Papa, qualquer que ele seja, jamais vir· ‡s sociedades
atÈ mesmo no papado, o que seria impens·vel h· dois sÈculos; secretas: a elas cabe dar o primeiro passo em direÁ„o ‡ Igreja,
entretanto foi pensada, predita e organizada pela maÁonaria, desde o para vencer ambos.
princÌpio do sÈculo passado. Bastar· reproduzir os documentos que
provam a existÍncia desta intriga contra a Igreja, deste ì˙ltimo O trabalho que vamos empreender n„o È obra de um dia, nem
assaltoî contra o papado. de um mÍs, mas de um ano; pode durar v·rios anos, talvez um
sÈculo; mas em nossas fileiras o soldado morre, mas a luta
Os papÈis secretos da Alta Venda dos Carbon·rios que caÌram nas continua.
m„os do Papa GregÛrio XVI, cobrem o perÌodo de 1820 a 1846.
Foram publicados a pedido do Papa Pio IX, por CrÈtineau-Joly em N„o queremos conquistar os Papas para nossa causa, fazÍ-los
sua obra ìlíEglise Romaine et la RÈvolutionî156. Pelo Breve de neÛfitos de nossos princÌpios, propagadores de nossas idÈias.
aprovaÁ„o dirigido ao autor em 25 de fevereiro de 1861, Pio IX Seria um sonho ridÌculo, e qualquer que seja o desenrolar dos
confirma a autenticidade dos documentos, mas n„o permitiu que acontecimentos, o fato de cardeais e prelados, por exemplo,
fossem divulgados os verdadeiros nomes dos membros da Alta terem entrado com satisfaÁ„o ou com surpresa, em uma parte
Venda implicados com esta correspondÍncia. Estas cartas s„o de nossos segredos, em absoluto n„o È motivo para desejar sua
pavorosas, e se os Papas pediram sua publicaÁ„o foi para que os fiÈis eleiÁ„o par a c·tedra de Pedro, pois esta eleiÁ„o seria nossa
saibam da conspiraÁ„o contra a Igreja tramada pelas sociedades perda. Somente a ambiÁ„o os haveria conduzido ‡ apostasia,
secretas, conheÁam seus planos e estejam preparados para o caso de mas a necessidade do poder os forÁaria a nos imolar. O que
uma eventual realizaÁ„o. Nada acrescento por ora, apenas que È com devemos pedir, e o que devemos procurar e esperar, como os
judeus esperam o Messias, È um papa de acordo com nossas
156 necessidades (...).
Vol. 2, Ed. Orig., 1859; reimpr. ìCercle de la Renaissance FranÁaiseî, Paris
1976. Mons. Delassus reproduziu em ìLa Conjuration AntichrÈtienneî, DDB,
1910, T. III, p·gs. 1035-92.
Assim poderemos marchar com mais seguranÁa ao assalto da funÁıes; ser· quem governa, administra, julga, forma o
Igreja do que com as liberalidades de nossos irm„os da FranÁa conselho soberano e ser· chamado para eleger o PontÌfice que
e mesmo da Inglaterra. Quereis saber a raz„o? Com ele j· n„o ter· que reinar, e este pontÌfice como a maioria de seus
precisaremos, para destruir a rocha sobre a qual Deus edificou contempor‚neos, estar· necessariamente mais ou menos
sua Igreja, do vinagre mistificador nem da pÛlvora do canh„o; imbuÌdo dos princÌpios italianos e humanit·rios que
j· n„o precisaremos nem de nossos braÁos. Teremos o dedo do comeÁaremos a pÙr em circulaÁ„o. … um pequeno gr„o de
sucessor de Pedro comprometido com a conspiraÁ„o, e nesta mostarda que confiamos ‡ terra; mas o sol da justiÁa o far·
cruzada este dedo vale mais do que todos os Urbano II e todos crescer atÈ o mais alto poder, e um dia vereis a abund‚ncia de
os S„o Bernardos da Cristandade. gr„os que produzir· este gr„ozinho.

N„o temos d˙vida que chegaremos a este resultado de nossos Na rota que indicamos a nossos irm„os, h· grandes obst·culos
esforÁos, mas quando e como? A incÛgnita continua sem que teremos de vencer, e muitas dificuldades a superar.
soluÁ„o. Entretanto como nada nos deve separar do plano Triunfaremos graÁas ‡ experiÍncia e perspic·cia; mas a meta È
traÁado, ao contr·rio, tudo deve tender para ele, como se desde t„o brilhante que devemos iÁar todas as velas para alcanÁ·-la.
amanh„ o Íxito viesse coroar a obra apenas esboÁada, Quereis revolucionar a It·lia? Procurai o Papa de que
queremos com esta instruÁ„o, que para os simples iniciados acabamos de pintar o retrato. Se quereis estabelecer o reino
permanecer· secreta, dar aos encarregados da Suprema Venda dos eleitos sobre o trono da prostituta BabilÙnia, que o clero
conselhos que dever„o inculcar a todos os irm„os, sob a forma marche sob vosso estandarte, acreditando ir sempre atr·s das
de ensinamento ou de memorandos (...). bandeiras das Chaves apostÛlicas. Se quereis fazer desaparecer
o ˙ltimo vestÌgio dos tiranos e opressores, lanÁai vossas redes
Para asseguramos um Papa nas devidas proporÁıes, devemos como Simon Barjone; lanÁai-as n„o no fundo do mar, mas no
inicialmente preparar para este Papa uma geraÁ„o digna do fundo das sacristias, dos semin·rios, e dos conventos; e se n„o
reino que sonhamos. Deixai de lado a velhice e a idade demorais, vos prometemos uma pesca mais milagrosa que a
madura, procurai a juventude e se possÌvel atÈ as crianÁas (...) deles. O pescador de peixes se converteu em pescador de
os conquistareis sem grande esforÁo uma dupla reputaÁ„o de homens, vÛs os rodeareis de amigos junto ‡ C·tedra
bom catÛlico e patriota. ApostÛlica. VÛs havereis pregado uma revoluÁ„o em tiara e
pluvial, marchando com a cruz e o estandarte, uma revoluÁ„o
Esta reputaÁ„o far· chegar nossas doutrinas tanto ao meio do
clero jovem, como no interior dos conventos. Dentro de alguns
anos este clero jovem ter· forÁosamente ocupado todas as
que n„o precisar· mais do que uma fagulha para incendiar os AutodemoliÁ„o È uma palavra de Paulo VI, que implicitamente
quatro cantos do mundoî157. denunciava o verdadeiro culpado, pois quem pode autodemolir a
Igreja sen„o aquele cuja miss„o È mantÍ-la firme na rocha?... E que
Vejamos ainda um extrato da carta ìNubiusî a ìVolpeî de 3 de abril produto t„o eficaz para dissolver a rocha como o espÌrito liberal que
de 1824: penetra atÈ mesmo no sucessor de Pedro?

ìFoi posto sobre nossos ombros uma pesada carga, querido Este È um plano de inspiraÁ„o diabÛlica e de realizaÁ„o diabÛlica!
Volpe. Devemos tornar imoral a educaÁ„o da Igreja, devemos N„o somente o revelaram os inimigos da Igreja, como tambÈm os
chegar por pequenos meios mal definidos porÈm bem Papas o predisseram e denunciaram. … o que veremos no prÛximo
graduados, ao triunfo da idÈia revolucion·ria graÁas a um capÌtulo.
papa. Marchamos ainda tateando neste projeto que sempre me
pareceu sobre-humano (...)158.

ìPlano sobre-humanoî diz Nubius; ele quer dizer plano diabÛlico! J·


que È planejar a subvers„o da Igreja por seu prÛprio Chefe, o que
Mons. Delassus159 chama de ì˙ltimo ataqueî pois n„o se pode
imaginar nada t„o subversivo para a Igreja, como um papa seduzido
pelas idÈias liberais, um papa que use as chaves de S„o Pedro para
serviÁo da contra-Igreja. N„o È por acaso o que vivemos atualmente
desde o Vaticano II, desde o novo Direito CanÙnico? Este falso
ecumenismo e esta falsa liberdade religiosa promulgada no Vaticano
II aplicados pelo Papa com fria perseveranÁa, apesar de todas as
ruÌnas que tÍm provocado h· mais de vinte anos!

Sem que se tenha comprometido a infalibilidade do MagistÈrio da


Igreja, inclusive sem que jamais tenha sido sustentada uma heresia
propriamente dita, assistimos a autodemoliÁ„o sistem·tica da Igreja.

157
InstruÁ„o Permanente de 1820, op. cit. P·gs. 82-90.
158
Op. cit. P·g. 129.
159
ìLe ProblÈme de líHeure Presenteî, DDB, 1904, T-I, p·g. 195.
CAPÕTULO XXII Como isto È possÌvel? me perguntar„o. Asseguro-lhes que n„o sei,
mas isto ocorre cada vez mais, dia apÛs dia. Isto nos causa uma
OS PAPAS DENUNCIAM A CONSPIRAÇÃO DA SEITA grande ang˙stia, nos sugere uma pergunta dolorosa: quais s„o ent„o
estes Papas que toleram a autodemoliÁ„o que contribuem para ela?
Em seu tempo, S„o Paulo j· dizia: ìj· se est· realizando o mistÈrio
A trama da seita liberal contra a Igreja consistia em atac·-la da iniq¸idadeî (2 Ts 2, 7). O que diria ele hoje?
utilizando sua prÛpria hierarquia, pervertendo-a atÈ ao seu mais alto
posto, como lhes mostrei no capÌtulo precedente. Por sua parte S„o Pio X (1903-1914) confessar· a ang˙stia de que
era possuÌdo ante os progressos alcanÁados pela seita no interior
Mas os Papas, com a clarividÍncia de seu cargo e as luzes que Deus mesmo da Igreja. Em sua primeira EncÌclica ìE Supremi
lhes deu, viram e denunciaram claramente este programa. Apostolatusî de 4 de outubro de 1903, expressa seu temor de que o
tempo da apostasia que entrava na Igreja, fosse o tempo do Anti-
Le„o XIII (1878-1903) pressentiu este ìsubversio capitisî, esta Cristo, falsificaÁ„o de Cristo, usurpador de Cristo. Eis abaixo o
subvers„o do chefe e a descreveu com todos os detalhes, em toda a texto:
sua crueza, escrevendo o pequeno exorcismo contra Satan·s e os
espÌritos malignos. Eis o techo em quest„o, que figura na vers„o ì... Nos atemorizava principalmente o estado aflitivo em que
original mas foi suprimido nas versıes posteriores por n„o sei qual se encontra a humanidade atualmente. Porque, quem n„o vÍ
sucessor de Le„o XIII, provavelmente por consider·-lo impossÌvel, que a sociedade humana est· sendo atacada de uma doenÁa
impens·vel, impronunci·vel... Pelo contr·rio, apÛs cem anos de sua muito mais grave e mais profunda do que a que afetava as
composiÁ„o, este trecho nos parece cheio de uma verdade candente: geraÁıes passadas, que se agravando a cada dia e roendo atÈ os
ossos, vai arrastando-a para a perdiÁ„o? Que doenÁa È esta j· o
ìEis que astutos inimigos encheram de amargura a Igreja, sabeis, Vener·veis Irm„os, È para com Deus a deserÁ„o e a
Esposa do Cordeiro Imaculado, deram-lhe absinto para beber e apostasia; nada sem d˙vida que esteja mais perto da perdiÁ„o,
puseram suas m„os Ìmpias sobre tudo o que h· nEla de mais segundo estas palavras do Profeta: ëPorque perecer„o os que se
precioso. Onde a Sede do bem-aventurado Pedro e a C·tedra afastarem de Tií (Sl 72, 27)î.
da Verdade haviam sido estabelecidas como luz para as
naÁıes, eles erigiram o trono da abominaÁ„o da sua impiedade, E o Santo PontÌfice prossegue, adiante:
para que uma vez golpeado o pastor possam dispersar o
rebanhoî. ìPorque verdadeiramente contra seu criador ërugiram as
naÁıes e os povos meditaram com insensatezí (Sl 2, 1); de tal
modo que j· È voz comum a dos inimigos de Deus: ëAparta-te obra divina no que depende de nÛs, ou seja, de acelerar o triunfo de
de nÛsí (JÛ 21, 14). DaÌ resulta que est·, na maioria dos Cristo Rei.
homens, quase extinto o respeito ao eterno Deus sem levar em
conta sua vontade suprema nas manifestaÁıes de vida p˙blica E tambÈm em sua EncÌclica ìPascendiî de 8 de setembro de 1907,
e privada. Mais ainda, com todo o esforÁo e engenho procuram sobre os erros modernistas, S„o Pio X denuncia com clareza a
que seja abolida por completo atÈ a memÛria e a noÁ„o de infiltraÁ„o na Igreja j· comeÁada pela seita modernista, que foi,
Deus. como lhes disse160, aliada da heresia liberal para demolir a Igreja
CatÛlica. Vejamos as passagens mais importantes deste documento:
Quem considerar todas estas coisas, pode com raz„o temer que
esta perversidade de espÌrito seja uma antecipaÁ„o e o comeÁo ì... O que sobretudo exige de NÛs que sem demora quebremos
dos males que estavam reservados para o fim dos tempos, ou o silÍncio, È que atualmente n„o h· necessidade de procurar os
que j· se encontra neste mundo ëo filho da perdiÁ„oí (2 Ts 2, fautores de erros entre os inimigos declarados: eles se
3) de que fala o ApÛstolo. escondem, o que È motivo de grande ansiedade e ang˙stia, no
centro e dentro do prÛprio coraÁ„o da Igreja. Na verdade,
S„o t„o grandes a aud·cia e a desmedida raiva com que em inimigos tanto mais prejudiciais quanto menos declarados.
toda parte se ataca a Religi„o; combatem-se os dogmas da FÈ e Vener·veis Irm„os, falamos de um grande n˙mero de catÛlicos
se fazem incontidos esforÁos para impedir e atÈ aniquilar todo seculares, e do que È ainda mais deplor·vel atÈ sacerdotes, que
meio de comunicaÁ„o do homem com Deus. Por sua vez, e sob o pretexto de amor ‡ Igreja, com absoluta falta de
segundo o mesmo ApÛstolo isso constitui a nota caracterÌstica conhecimentos sÈrios de Filosofia e Teologia e impregnados,
do ëAnti-Cristoí, o homem com inaudito atrevimento usurpou ao contr·rio, atÈ a medula dos ossos de erros venenosos
o lugar de Deus, elevando-se a si mesmo sobre tudo o que leva contidos nos escritos dos advers·rios do catolicismo; sem
o nome de Deus, chegando ao ponto que mesmo n„o sendo qualquer sentimento de modÈstia, eles se jactam de
possÌvel apagar inteiramente de sua alma todo sinal de Deus, restauradores da Igreja e assaltam com aud·cia tudo sem
faz-se omisso ‡ sua majestade. O homem fez deste mundo um respeitar sua prÛpria pessoa, que rebaixam com sacrÌlega
templo dedicado a si mesmo para nele ser adorado pelos temeridade ‡ categoria de simples homem.
restantes. ëSenta-se no trono de Deus como se fosse ele prÛprio
um Deusí (2 Ts 2, 4)î. Tais homens poder„o estranhar verem-se colocados por NÛs
entre os inimigos da Igreja; mas n„o haver· fundamento para
E S„o Pio X conclui recordando que no final Deus triunfar· de seus
160
inimigos, mas que esta certeza de fÈ n„o nos dispensa de acelerar a Com as bandeiras do ìprogressoî e da ìevoluÁ„oî os liberais comeÁaram o
ataque para ocupaÁ„o da Igreja. Cf. Cap. XVIII.
tal em nenhum daqueles que, prescindindo de intenÁıes esforÁos; estes homens inclinaram a cabeÁa por um pequeno
reservadas ao juÌzo de Deus, conheÁam sua autoridade e sua momento para reerguÍ-la em seguida com maior orgulho
maneira de falar e agir. S„o seguramente inimigos da Igreja, e (Idem, n∫ 3).
n„o errar· quem disser que Ela nunca os teve piores. Porque
como j· se notou, eles tramam a ruÌna da Igreja, n„o do lado de E como a t·tica traiÁoeira dos modernistas (assim s„o
fora mas de dentro dela: em nossos dias o perigo est· quase chamados vulgarmente, e com muita raz„o) consiste em nunca
nas entranhas da Igreja e atÈ mesmo em suas veias; o dano expor suas doutrinas de um modo metÛdico e em conjunto,
produzido por tais inimigos È tanto mais inevit·vel quanto mas dando-as em fragmentos e espalhadas aqui e ali, contribui
mais fundo eles conhecem a Igreja. Some-se o fato de que para serem julgados flutuantes e indecisos em suas idÈias,
aplicaram o veneno n„o nos ramos nem nos rebentos, mas na quando na realidade s„o perfeitamente fixas e consistentes;
prÛpria raiz, ou seja na FÈ, e em suas fibras mais profundas. antes de tudo È preciso apresentar estas doutrinas sob um
Depois de ferida esta raiz de vida imortal, comeÁam a fazer ponto de vista ˙nico, e fazer ver o enlace lÛgico que as une
circular o vÌrus por toda a ·rvore e em tais proporÁıes que n„o entre si (Pascendi, n∫ 4)î.
h· parte alguma da FÈ catÛlica em que n„o ponham sua m„o,
nenhuma que n„o se esforcem em corromperî (Pascendi, n∫2- Permanecer na Igreja para fazÍ-la evoluir, tal È o desÌgnio dos
3). modernistas:

S„o Pio X, em continuaÁ„o, revela a t·tica dos modernistas: ìV„o adiante no caminho comeÁado e mesmo repreendidos e
condenados, continuam encobrindo sua incrÌvel aud·cia com a
ì... E enquanto prosseguem por mil caminhos seu nefasto m·scara de uma aparente humildade. Dobram fingidamente a
desÌgnio, sua t·tica È mais traiÁoeira e pÈrfida. Amalgamando cerviz, mas prosseguem atrevidamente no que empreenderam.
em suas pessoas o racionalista e o catÛlico, o fazem com Assim procedem conscientemente pois crÍem que a autoridade
habilidade t„o refinada que facilmente confundem os espÌritos deve ser empurrada e n„o derrubada, e tambÈm lhes È
fracos. Sendo entretanto consumados impostores, n„o h· necess·rio permanecer no recinto da Igreja para trocar
conseq¸Íncias que os faÁam retroceder, ou melhor, que n„o insensivelmente a consciÍncia comum: confessam assim sem
sustentem com obstinaÁ„o e aud·cia. Juntam a isto, com o perceber, que a consciÍncia comum n„o os favorece, e por
propÛsito de enganar, uma vida cheia de atividade, assiduidade conseguinte n„o lhes assiste o direito de se apresentar como
e interesse por todo gÍnero de estudo, costumes seus intÈrpretesî (Pascendi, ∫ 37).
freq¸entemente inatac·veis graÁas a sua severidade (...).
Vener·veis Irm„os, n„o ignorais a esterilidade de Nossos
ìPascendiî deteve por algum tempo a aud·cia dos modernistas, mas
pouco depois recrudesceu a ocupaÁ„o metÛdica e progressiva da CAPÕTULO XXIII
Igreja e da hierarquia pela seita modernista e liberal. Rapidamente a
ìintelligentsiaî teolÛgica liberal chegaria ‡s primeiras p·ginas das A SUBVERSÃO DA IGREJA OPERADA POR UM
revistas especializadas, aos congressos, ‡s grandes editoras e aos CONCÍLIO
centros de pastoral lit˙rgica, pervertendo dos pÈs ‡ cabeÁa a
hierarquia catÛlica, desprezando as ˙ltimas condenaÁıes do Papa Pio
XII na ìHumani Generisî. A Igreja e o papado estariam logo Um grande iluminado, o cÙnego Roca, viu h· mais de um sÈculo os
maduros para um golpe de mestre liberal (como o de 1789 na detalhes da tentativa de subvers„o da Igreja e do Papado projetada
FranÁa), por ocasi„o de um ConcÌlio EcumÍnico predito e esperado pela seita maÁÙnica. Mons. Rudolf Graber em seu livro ìAtan·sioî,
pela seita, como veremos no prÛximo capÌtulo. cita as obras de Roca (1830-1893), sacerdote em 1858, cÙnego
honor·rio em 1869. Excomungado mais tarde, pregou a revoluÁ„o e
anunciou o advento da sinarquia. Fala a mi˙do, em seus escritos, de
uma ìIgreja novamente iluminadaî, que estaria influenciada pelo
socialismo de Jesus e seus ApÛstolos. ìA nova Igreja, diz ele, que
certamente n„o poder· guardar nada do ensino e da forma primitiva
da antiga Igreja, receber· entretanto a benÁ„o e a jurisdiÁ„o canÙnica
de Romaî. Roca anuncia tambÈm a reforma lit˙rgica: ìO culto
divino tal como rege a liturgia, o cerimonial, o ritual, as prescriÁıes
da Igreja romana, sofrer„o uma transformaÁ„o apÛs um concÌlio
ecumÍnico (...) que lhe devolver· a simplicidade respeit·vel da idade
de ouro apostÛlica, segundo o novo estado da consciÍncia da
civilizaÁ„o modernaî.

Roca especifica os frutos deste concÌlio: ìsair· dele algo que encher·
o mundo de estupor e o por· de joelhos ante seu Redentor: a
demonstraÁ„o do perfeito acordo entre o idealismo da civilizaÁ„o
moderna e o idealismo de Cristo e de seu Evangelho. Ser· a
consagraÁ„o da Nova Ordem Social e o solene batismo da
civilizaÁ„o modernaî.
dos bispos n„o est„o isentos. ìEsta mentalidade pode inclinar certos
Ou seja: todos os valores dessa cultura liberal, ser„o reconhecidos e Padres a apresentar moÁıes e introduzir mÈtodos incompatÌveis com
canonizados logo apÛs o concÌlio em quest„o. as tradiÁıes catÛlicasî. Billot È ainda mais preciso: manifesta seu
temor de ver o concÌlio ìmanobradoî (sic) pelos ìpiores inimigos da
Vejam tambÈm o que Roca escreve sobre o Papa: ìPrepara-se um Igreja, os modernistas, que j· se preparam, como demonstram certos
sacrifÌcio que apresentar· uma penitÍncia solene (...) O Papado cair·, indÌcios, para introduzir a revoluÁ„o na Igreja, um novo 1789î.
morrer· sob o punhal sagrado forjado pelos Padres do ˙ltimo
concÌlio. O CÈsar pontifical È a hÛstia preparada para o sacrifÌcioî. Quando Jo„o XXIII retomou a idÈia, j· ventilada por Pio XII162, de
Devemos acreditar que tudo isto est· para chegar, a n„o ser que convocar um concÌlio ecumÍnico, ìpassou a ler os documentos
Nosso Senhor o impeÁa! Por fim Roca fala dos novos sacerdotes que durante uns passeios pelos jardins do Vaticanoî, conta o P.
aparecer„o, chamando-os de ìprogressistasî; fala da supress„o da Caprille163. Isto foi tudo, pois sua decis„o j· estava tomada. Em
batina, do casamento de sacerdotes... muitas outras profecias! Notem v·rias ocasiıes afirmou que a decis„o fora tomada sob uma
como Roca viu bem o papel determinante para a subvers„o da Igreja, inspiraÁ„o repentina do EspÌrito Santo164. ìObedecendo a uma voz
de um ˙ltimo concÌlio ecumÍnico. interior que consideramos vinda de um impulso superior, NÛs
julgamos que era o momento oportuno para oferecer ‡ Igreja
Mas n„o foram somente os inimigos da Igreja que assinalaram os CatÛlica e a toda a famÌlia humana um novo concÌlio ecumÍnicoî165.
transtornos que traria consigo um concÌlio ecumÍnico reunido em Esta ìinspiraÁ„o do AltÌssimoî, esta ìsolicitaÁ„o divinaî como ele a
uma Època em que as idÈias liberais j· haviam penetrado chama, foi recebida no dia 25 de janeiro de 1959, enquanto se
profundamente na Igreja. preparava para celebrar uma cerimÙnia em S„o Paulo Extramuros
em Roma, e logo apÛs a cerimÙnia a confiou aos dezoito cardeais
Conta o P. Dulac161 que no consistÛrio secreto de 23 de maio de presentes. Mas foi esta inspiraÁ„o verdadeiramente divina? Parece
1923, o ent„o Papa Pio XI interrogou os cardeais da C˙ria sobre a duvidoso; acho que sua origem foi totalmente outra...
oportunidade de convocar um concÌlio ecumÍnico. Eram cerca de
trinta: Merry Del Val, de Lai, Gasparri, Boggiani, Billot... Billot
dizia: ìN„o podemos dissimular a existÍncia de divergÍncias
profundas dentro mesmo do episcopado... que podem dar lugar a 162
discussıes que se prolongariam indefinidamenteî. Boggiani Op. cit. P·g. 10; FrÈre Michel de la Sainte TrinitÈ ìToute la VÈrite sur F·tima,
le 3e. Secretî, p·gs. 182-199.
recordava as teorias modernistas, das quais dizia: parte do clero e 163
Em ìHistoire de Vatican IIî. Cf. Dulac, op. cit. P·g. 11.
164
Cf. ìJean XXIII et Vatican IIî sous le feux de la PentecÙte LucifÈrienne, in Le
161
Raymond Dulac ìLa CollÈgialitÈ …piscopale au Concile du Vaticanî, Paris, RÈgne Social de Marie, F·tima, janeiro-fevereiro de 1985, p·gs. 2-3.
165
CÈdre, 1979, p·gs. 9-10. Bula ìHumanae Salutisî.
Em todo caso, uma reflex„o de um velho amigo do Cardeal Roncalli,
futuro Jo„o XXIII, È muito esclarecedora: com a notÌcia da morte de
Pio XII, o velho Dom Lambert Beauduin, amigo de Roncalli,
confiava ao R. P. Bouyer: ìse elegem Roncalli, tudo est· salvo: ele È
capaz de convocar um concÌlio e de consagrar o ecumenismoî166.
Como mostra o Pe. Bonneterre, Dom Lambert Beauduin conhecia
bem o Cardeal Roncalli, sabia desde 1958 que Roncalli feito papa,
realizaria o ecumenismo e provavelmente por meio de um concÌlio.
Quem diz ecumenismo, diz liberdade religiosa e liberalismo. A
revoluÁ„o pela tiara e pela pluvial n„o foi uma improvisaÁ„o. No
prÛximo capÌtulo procurarei mostrar isto recordando o desenrolar do
ConcÌlio Vaticano II.

166
L. Bouyer ìDom Lambert Beaudin, um Homme dí»gliseî, Casterman 1964
p·gs. 180-181, cit. Pelo Pe. Didier Boneterre em ìLe Mouvement Liturgiqueî, Ed.
Fideliter, 1980, p·g. 119.
QUARTA PARTE

UMA REVOLUÇÃO COM TIARA E


PLUVIAL
CAPÕTULO XXIV Manipulação nas Comissões Conciliares

A MISTIFICAÇÃO DO VATICANO II O PÈlerin Magazine de 22 de novembro de 1985 citava declaraÁıes


muito esclarecedoras do Cardeal LiÈnart ao repÛrter Claude
Beaufort, em 1972, sobre a primeira congregaÁ„o Geral do ConcÌlio.
… interessante encontrar um precedente ao ConcÌlio Vaticano II, pelo Cito ìin extensoî este artigo intitulado ìO Cardeal LiÈnart: O
menos quanto aos mÈtodos usados por uma ativa minoria liberal, que ConcÌlio, a Apoteose de Minha Vidaî. Apenas acrescentarei minhas
rapidamente se transformou em maioria. A este respeito deve-se observaÁıes167.
observar o ConcÌlio Geral de …feso, a que o Papa S„o Le„o I deu o
nome de ìA MistificaÁ„o de …fesoî. Este concÌlio foi presidido por ìDia 13 de outubro de 1962: o ConcÌlio Vaticano II tem sua
um bispo ambicioso e sem escr˙pulos, DiÛscoro, que com a ajuda de primeira sess„o de trabalho. A ordem do dia prevÍ que a
seus monges e dos seus soldados imperiais, exerceu uma press„o AssemblÈia designe os membros das Comissıes
extraordin·ria sobre os Padres do ConcÌlio. Foi negada a presidÍncia especializadas, chamadas para ajud·-la em sua tarefa. Mas os
aos legados do Papa, presidÍncia que eles reclamavam; as cartas 2300 padres reunidos na imensa nave de S„o Pedro mal se
pontificais n„o foram lidas. Este ConcÌlio, que n„o foi ecumÍnico, conheciam. Podem eleger assim equipes competentes? A C˙ria
chegou a declarar ortodoxo o herege Eutiques, que sustentava o erro resolve a dificuldade: distribui juntamente com as cÈdulas de
do monofisismo (uma ˙nica natureza em Cristo). votaÁ„o as listas das comissıes preparatÛrias, que haviam sido
constituÌdas por ela. … evidente o convite para manter as
O Vaticano II foi igualmente uma mistificaÁ„o, com a diferenÁa de mesmas equipes...î.
que os Papas (Jo„o XXIII e Paulo VI) apesar de estar presentes, n„o
opuseram resistÍncia nem ao menos ‡ manipulaÁ„o dos liberais, mas O que seria mais normal do que voltar a eleger para as comissıes
atÈ a favoreceram. Como foi possÌvel isto? Declarando este ConcÌlio conciliares aqueles que durante trÍs anos haviam elaborado, dentro
pastoral e n„o dogm·tico, insistindo no ìaggionarmentoî e no das comissıes preparatÛrias, textos irrepreensÌveis? Mas
ecumenismo, estes Papas privaram a si mesmos e ao prÛprio evidentemente, esta proposta n„o podia ser do agrado dos
ConcÌlio da intervenÁ„o do carisma da infalibilidade, que o haveria inovadores:
preservado de qualquer erro.

Neste capÌtulo mostrarei trÍs manobras do cl„ liberal durante o


ConcÌlio Vaticano II. 167
Le Figaro de 9 de dezembro de 1976, publicou extratos do ìJournal du
Concileî do Cardeal LiÈnart. Michel Martin comenta estes extratos em seu artigo
ìLíArdoise RefilÈeî, n∫ 165 do ìCourrier de Romeî, janeiro de 1977.
ìNa entrada da BasÌlica, o Cardeal LiÈnart foi informado pelo ìFiquei sem resposta, mas convencido de que n„o era razo·vel
Cardeal Lefebvre, arcebispo de Bourges168, deste ficar calado pois se n„o falasse faltaria com meu dever. NÛs
procedimento ambÌguo. Os dois conheciam o grande perigo n„o podÌamos renunciar ‡ nossa funÁ„o, que era eleger. Ent„o
das comissıes prÈ-conciliares: seu car·ter muito romano e assumi meu papel: me inclinei para o Cardeal Tisserant que
pouco acomodado ‡ sensibilidade da Igreja universal. Eles estava a meu lado e presidia e lhe disse: EminÍncia n„o se
temiam que as mesmas causas produzissem os mesmos efeitos. pode votar, n„o È razo·vel, nÛs n„o os conhecemos, peÁo-lhe a
O bispo de Lille tem sua posiÁ„o no Conselho de PresidÍncia palavra. Ele respondeu: È impossÌvel, a ordem do dia n„o
do ConcÌlio. Esta posiÁ„o lhe permite intervir, opor-se a prevÍ nenhum debate; estamos reunidos simplesmente para
alguma manobra e exigir os espaÁos de tempo necess·rios para votar, e n„o posso dar-lhe a palavra. Eu respondi: ent„o vou
que as ConferÍncias Episcopais possam propor candidaturas tom·-la. Me levantei e tremendo li meu papel. Imediatamente
representativasî. percebi que minha intervenÁ„o respondia ‡ ang˙stia de toda a
assistÍncia. Aplaudiram e logo depois o Cardeal Frings, que
Portanto os liberais temem os teÛlogos e os esquemas ìromanosî. estava um pouco mais longe, se levantou e disse o mesmo. Os
Para obter comissıes de sensibilidade liberal, digamos, È preciso aplausos redobraram. O Cardeal Tisserant propÙs levantar a
preparar novas listas que conter„o os nomes da m·fia liberal sess„o e relatar ao Santo Padre. Tudo havia demorado apenas
mundial: um pouco de organizaÁ„o, para comeÁar uma primeira vinte minutos.
intervenÁ„o, e o conseguiram.
Os Padres saÌram da BasÌlica, fato que alarmou aos jornalistas.
Ajudado por Mons. Garrone, o Cardeal Lefebvre preparou um texto Inventaram histÛrias: ìos bispos franceses se rebelam no
em latim e o passou para o Cardeal LiÈnart. Havia ent„o um texto ConcÌlioî, etc. N„o era uma rebeli„o, era uma s·bia reflex„o.
preparado pelo Cardeal Lefebvre, arcebispo de Bouges. Quer dizer Pela minha posiÁ„o e pelas circunst‚ncias, eu estava obrigado
que n„o houve improvisaÁ„o, mas premeditaÁ„o, digamos: a falar ou renunciarî.
preparaÁ„o, organizaÁ„o entre os cardeais de sensibilidade liberal.
Saindo do local do concÌlio, um bispo holandÍs expressava sem
Dez anos depois, o Cardeal LiÈnart recordava seu estado de ‚nimo rodeios seu pensamento e o dos bispos liberais franceses e alem„es,
naquele dia com os termos seguintes: dizendo a um sacerdote amigo que estava a uma certa dist‚ncia:
ìNossa primeira vitÛria!î169

169
Ralp Wiltgen ìLe Rhin se jette dans le Tibreî, LíAlliance EuropÈenneî, p·gs.
168
N„o confundir com seu primo Mons. Marcel Lefebvre. 16-17.
O I.D.O.C. ou o Intox destes brasileiros iam distribuir nossas folhas nos hotÈis e caixas de
correio dos Padres conciliares, como fazia o I.D.O.C. com uma
Um dos meios de press„o mais eficaz do cl„ liberal sobre o ConcÌlio organizaÁ„o vinte vezes superior ‡ nossa.
foi o I.D.O.C., Instituto de DocumentaÁ„o... a serviÁo das produÁıes
da ìinteligentsiaî liberal, que agogou os Padres conciliares com O I.D.O.C. e muitas outras organizaÁıes e reuniıes liberais, s„o o
in˙meros textos. AtÈ o final da terceira sess„o conciliar, o I.D.O.C. indÌcio de que houve uma conjuraÁ„o neste ConcÌlio, preparada com
declarou haver distribuÌdo mais de quatro milhıes de folhas. A antecedÍncia desde muitos anos. Eles souberam o que se devia fazer,
organizaÁ„o e as obras do I.D.O.C. foram da ConferÍncia Episcopal como fazer e quem devia fazÍ-lo. Lamentavelmente esta trama teve
Holandesa, e o financiamento havia sido assegurado em parte pelo Íxito, o ConcÌlio foi intoxicado em sua grande maioria, pelo poder
Padre Werenfried (por desgraÁa) e pelo Cardeal Cushing, arcebispo da propaganda liberal.
de Boston nos Estados Unidos. O secretariado do Instituto situava-se
na Vila dellíAmina, em Roma. Astúcia dos Redatores dos Esquemas Conciliares

Do nosso lado, bispos conservadores, havÌamos tratado de Com 250 Padres conciliares do Coetus, havÌamos tratado por todos
contrabalanÁar esta influÍncia graÁas ao Cardeal Larraona, que os meios postos a nossa disposiÁ„o, de impedir que se expressassem
colocou seu secretariado ‡ nossa disposiÁ„o. TÌnhamos m·quinas de os erros liberais nos textos do ConcÌlio. PodÌamos assim limitar os
escrever e mimeÛgrafos e algumas pessoas, trÍs ou quatro. Fomos danos e trocar algumas afirmaÁıes inexatas ou perigosas e agregar
muito ativos, mas Èramos insignificantes em comparaÁ„o com a alguma frase para retificar proposiÁıes tendenciosas ou expressıes
organizaÁ„o do I.D.O.C.. Brasileiros, membros da T.F.P. nos ambÌguas.
ajudaram com grande abnegaÁ„o, trabalhando durante a noite
rodando os textos que cinco ou seis bispos havÌamos redigido. Era o Mas devo confessar que n„o conseguimos purificar o ConcÌlio do
comitÍ diretor do ìCoetus Internationalis Patrumî que eu havia espÌrito liberal e modernista que impregnava a maioria dos
fundado com Mons. Carli, bispo de Segni e Mons. de ProenÁa esquemas. Com efeito, os redatores eram os peritos e os Padres
Sigaud, arcebispo de Diamantina, no Brasil. Duzentas e cinq¸enta manchados com este espÌrito. Que querem? Quando um documento
bispos se haviam filiado ‡ nossa organizaÁ„o170. Com o Padre V.A. est· em todo seu conjunto redigido com um espÌrito falso, È
Berto meu teÛlogo particular, com os bispos j· citados e outros como praticamente impossÌvel expurg·-lo deste espÌrito; seria necess·rio
Mons. de Castro Mayer e alguns bispos espanhÛis, redigÌamos estes recompÙ-lo completamente para dar-lhe um espÌrito catÛlico.
textos que eram impressos durante a noite; de madrugada alguns
O que pudemos fazer pelas modificaÁıes que apresentamos, foi
agregar incisos nos esquemas e isto se pode ver muito bem: basta
170
Cf. Ralph Wiltgen, op. cit. P·g. 147.
comparar o primeiro esquema da liberdade religiosa e o quinto que liturgia. Para atenuar esta pretens„o, tiveram o cuidado de escrever,
foi reeditado. Este documento foi reeditado cinco vezes e cinco no n∫36,1: o uso da lÌngua latina, salvo caso especial, ser·
vezes voltou ao plen·rio, e deste modo logramos atenuar o conservado nos ritos latinos. Tranq¸ilizados com esta afirmaÁ„o, os
subjetivismo que infestava as primeiras redaÁıes. O mesmo para Padres admitiram sem problemas as outras duas.
ìGaudium et Spesî, onde se vÍem os par·grafos que foram
agregados, a nosso pedido, e que est„o ali, eu diria, como peÁas Igualmente na declaraÁ„o sobre a liberdade religiosa ìDignitatis
colocadas em um vestido velho; n„o combinam com o conjunto. N„o Humanaeî, cujo ˙ltimo esquema havia sido rechaÁado por
existe mais a lÛgica da redaÁ„o primitiva, os adendos feitos para numerosos Padres, Paulo VI fez acrescentar um par·grafo dizendo,
atenuar ou contradizer as afirmaÁıes liberais, ficam ali como corpos em resumo: ìesta DeclaraÁ„o n„o contÈm nada que seja contr·rio ‡
estranhos. tradiÁ„oî172. Mas todo o conte˙do È contr·rio ‡ TradiÁ„o! AlguÈm
dir·: leia, est· escrito que n„o h· nada contr·rio ‡ TradiÁ„o. Sim,
N„o somente nÛs conservadores, fizemos agregar tais par·grafos, o est· escrito... Mas isto n„o impede que seja tudo contr·rio ‡
prÛprio Papa Paulo VI, como se sabe, fez acrescentar uma nota TradiÁ„o. Esta frase foi acrescentada pelo Papa no ˙ltimo minuto,
explicativa preliminar ‡ ConstituiÁ„o sobre a Igreja ìL˙men para forÁar aqueles, em particular os bispos espanhÛis, que se
Gentiumî, para retificar a falsa noÁ„o de colegialidade que se opunham ao esquema. Com efeito, desgraÁadamente a manobra
insinua no n∫ 22171. surtiu efeito e em vez de 250 ìn„oî houve somente 74, por causa de
uma pequena frase: ìn„o h· nada contr·rio ‡ TradiÁ„oî. Afinal de
Lamentavelmente os liberais praticaram este mesmo sistema nos contas, sejamos lÛgicos! N„o trocaram nada no texto, È f·cil apor
textos dos esquemas: afirmaÁ„o de um erro, de uma orientaÁ„o uma etiqueta de inocÍncia! Procedimento espantoso! Nada mais direi
perigosa, ou de uma ambig¸idade, tendo imediatamente antes ou sobre tais maquinaÁıes e organizaÁıes. Passemos a falar sobre o
depois, afirmaÁ„o sem sentido contr·rio, destinada a tranq¸ilizar os espÌrito do ConcÌlio.
Padres conciliares conservadores.

Assim fizeram na ConstituiÁ„o sobre a Liturgia ìSacrosanctum


Conciliumî, escrevendo no n∫ 36,2: poder· se dar maior destaque ‡
lÌngua vern·cula ìconfiando ‡s AssemblÈias Episcopais o cuidado de
decidir adotar a lÌngua vern·cula ou n„o adotarî (cf. n∫ 36,3); os
redatores dos textos assim abriram as portas ‡ supress„o do latim na

171 172
Ralph Wiltgen, op. cit. P·g. 224, seg. ìDignitatis Humanaeî, n∫ 1 in fine, cf. Cap. 27.
CAPÕTULO XXV tendÍncia È colocar a consciÍncia acima da lei e a subjetividade
acima da ordem objetiva das coisas, quando na verdade, È evidente,
O ESPÍRITO DO CONCÍLIO a consciÍncia existe para conformar-se com a lei.

Definição Liberal da Verdade


Quantos enganos e orientaÁıes heterodoxas poderiam ter sido
evitados, se o Vaticano II tivesse sido um concÌlio dogm·tico e n„o Da mesma maneira, continuamente e de um modo especial na
um concÌlio que se chamou pastoral! DeclaraÁ„o sobre a liberdade religiosa, repete-se que n„o se deve
forÁar, que n„o deve haver coaÁ„o (Gaudium et Spes, n∫ 47,
Quando se examina as sucessivas redaÁıes de documentos Dignitatis Humanae, n∫ 1, 2, 3, 10). A liberdade È definida como a
conciliares, vÍ-se as orientaÁıes que eles deram. Permitam-se indicar ausÍncia de coaÁ„o. … evidente que n„o h· sociedade sem a coaÁ„o
algumas: fÌsica das penas, sem a coaÁ„o moral do temor das penas que est„o
nas leis; em caso contr·rio surge a anarquia. Nosso Senhor ele
O Sacerdócio dos Fiéis mesmo n„o deixou de usar a coaÁ„o; que coaÁ„o mais forte do que a
frase: ìQuem n„o crer ser· condenadoî (Mc 16, 16)? O inferno pesa
ìL˙men Gentiumî faz distinÁ„o entre o sacerdÛcio comum dos fiÈis sobre as consciÍncias, isto È bem uma coaÁ„o. H· portanto boas e
e o sacerdÛcio ministerial dos padres (n∫ 10). Mas em continuaÁ„o, saud·veis coaÁıes.
apresenta as p·ginas que falam do sacerdÛcio em geral, confundindo
os dois e fazendo do sacerdÛcio ministerial uma funÁ„o mais ligada Confusões e Incoerências
ao sacerdÛcio comum (n∫ 11).
AlÈm disso, em ìDignitatis Humanaeî n„o se faz a necess·ria
Exaltação da Consciência acima da Lei distinÁ„o entre os atos religiosos isentos de coaÁ„o por parte do
Estado, e os que n„o s„o isentos; seria necess·rio distinguir os atos
Igualmente se diz que o homem deve se submeter ‡ lei de Deus internos e externos, privados e p˙blicos, e n„o atribuir a todos a
(Dignitatis Humanae, n∫ 2). Mas logo a seguir exalta-se a liberdade mesma liberdade (Cf. n∫ 2).
do homem, a consciÍncia pessoal (n∫ 3), chega-se a sustentar a
ìobjeÁ„o de consciÍnciaî (ib. n∫ 3) de maneira t„o geral que chega a Certamente em um paÌs catÛlico, tem-se o direito de impedir que os
ser falsa: ìo homem n„o deve ser constrangido a agir contra sua falsos cultos se manifestem publicamente, de limitar sua
consciÍnciaî. Isto est· certo somente para uma consciÍncia propaganda!
verdadeira ou para uma consciÍncia invencivelmente errÙnea. A
Se o Estado n„o tem direito de intervir em matÈria religiosa, ent„o os CatÛlica. Protegendo a FÈ dos cidad„os, estas leis e estes chefes de
pais tambÈm n„o tÍm o direito de transmitir e impor uma religi„o a estado ter„o contribuÌdo para levar para o cÈu milhıes de indivÌduos,
seus filhos. Se a liberdade religiosa for generalizada sem nenhuma que gozar„o da vida eterna graÁas a estas leis sem as quais n„o a
distinÁ„o, chega-se a um absurdo! teriam conseguido. Mas agora na ColÙmbia, isto acabou. Esta lei
fundamental foi suprimida a pedido do Vaticano, na aplicaÁ„o da
Tendência ao Indiferentismo Religioso liberdade religiosa do Vaticano II! Atualmente as seitas pululam e
estes pobres homens est„o desarmados ante a propaganda das seitas
Quando se afirma que toda religi„o È caminho para Deus, ou que o protestantes, cheias de dinheiro e meios, que trabalham sem cessar
Estado n„o est· qualificado para fazer um juÌzo sobre a verdade para doutrinas os analfabetos. N„o invento nada. Por acaso, isto n„o
desta ou daquela religi„o, s„o ditas coisas que combinam com a È uma verdadeira opress„o protestante e maÁÙnica para as
heresia chamada indiferentismo: indiferentismo do indivÌduo ou do consciÍncias? A isto chega a pretendida liberdade religiosa do
Estado, com relaÁ„o ‡ verdadeira religi„o. ConcÌlio!

… ineg·vel que o ConcÌlio apresenta este indiferentismo ou uma Tendência ao Naturalismo


tendÍncia para ele. Exaltando a consciÍncia individual, os valores
espirituais e os valores das outras religiıes (Nostra Aetate n∫ 2, Se lermos o capÌtulo V da ìGaudium et Spesî sobre as relaÁıes
Unitatis Redintegratio n∫ 3, Dignitatis Humanae n∫ 4) alimenta-se o internacionais, as organizaÁıes internacionais, a paz e a guerra, n„o
indiferentismo individual. Proferindo incongruÍncias inauditas, encontraremos quase nenhuma referÍncia a Nosso Senhor Jesus
como faz Mons. De Smedt, sobre a incompetÍncia do Estado para Cristo. Pode por acaso o mundo se organizar sem Nosso Senhor
julgar a verdade religiosa e reconhecer o verdadeiro Deus, propaga- Jesus Cristo, ter a paz sem o ìPrinceps Paciferî? … impossÌvel! Em
se o indiferentismo do Estado, seu ateÌsmo. troca o mundo est· afundando na guerra e na subvers„o, antes de
tudo porque est· afundado no pecado. … preciso primeiro dar-lhe a
Est„o aÌ os frutos deste espÌrito e destas doutrinas deletÈrias: nenhum graÁa de Jesus Cristo e convertÍ-lo em Nosso Senhor. Ele È a ˙nica
catÛlico hoje sustenta que nos paÌses catÛlicos o Estado ainda deva soluÁ„o para o problema da paz no mundo. Sem Ele, fala-se no
reconhecer a verdadeira religi„o, ajud·-la com suas leis e inclusive vazio.
impedir a propagaÁ„o das falsas religiıes. J· ninguÈm o faz!
Mons. Hauptmann, reitor do Instituto CatÛlico de Paris, presidiu a
Em 1966 a ColÙmbia era ainda um paÌs 95% catÛlico, graÁas ao comiss„o de redaÁ„o deste texto. Esta comiss„o se reuniu com
Estado que impediu, pela ConstituiÁ„o, a propagaÁ„o das seitas protestantes, na SuÌÁa, tendo por objetivo que este capÌtulo pudesse
protestantes, o que significou uma grande ajuda para a Igreja agradar e chegar ao mundo internacional. Como querem que tudo
isto seja sobrenatural, marcado verdadeiramente por Nosso Senhor CAPÕTULO XXVI
Jesus Cristo?
QUESTIONAMENTO E DIÁLOGO
Limitarei a isto minha enumeraÁ„o. N„o digo que neste ConcÌlio MORTE DO ESPÍRITO MISSIONÁRIO
tudo seja mau, e que n„o haja alguns belos textos que mereÁam ser
meditados; mas afirmo, com as provas na m„o, que h· documentos
perigosos e inclusive errÙneos, que apresentam tendÍncias liberais O Questionamento
modernistas, que inspiraram as reformas, que agora deitam a Igreja
por terra. Temos visto que o espÌrito catÛlico-liberal n„o tem suficiente
confianÁa na verdade. O espÌrito conciliar, por sua vez, perde a
esperanÁa de conseguir chegar ‡ verdade; sem d˙vida a verdade
existe, mas ela passa a ser objeto de uma procura sem fim.

Veremos que isto significa que a sociedade n„o se pode organizar


sobre a verdade, verdade que È Jesus Cristo. Em tudo isto, a palavra
chave È ìquestionamentoî, ou orientaÁ„o, tendÍncia para a verdade,
procura da verdade, caminho para a verdade. Na linguagem conciliar
e pÛs-conciliar encontra-se com abund‚ncia os termos ìmovimentoî
e ìdin‚micaî.

Com efeito, o ConcÌlio Vaticano II canonizou a procura em sua


DeclaraÁ„o sobre a liberdade religiosa: ìA verdade deve ser
procurada conforme o modelo prÛprio da pessoa humana e de sua
natureza social, ou seja, por meio da livre procura...î. O ConcÌlio
pıe a procura em primeiro lugar, antes do ensino e da educaÁ„o.
Entretanto a realidade È outra: as convicÁıes religiosas s„o impostas
pela educaÁ„o das crianÁas, e uma vez que est„o fixadas nos
espÌritos e manifestadas nos cultos religiosos, para que procur·-las?
Por outro lado, muito raramente a ìlivre procuraî conseguiu alcanÁar AlguÈm pode se salvar ìnoî protestantismo, mas n„o ìgraÁasî ao
a verdade religiosa e filosÛfica. O grande AristÛteles n„o est· isento protestantismo. No cÈu n„o h· protestantes, h· somente catÛlicos!
de erros. A filosofia do livre exame acaba em Hegel... E tambÈm, Eis o que declara o ConcÌlio a respeito das religiıes n„o crist„s:
que dizer das verdades sobrenaturais? Eis o que diz S„o Paulo
falando aos pag„os: ìComo poder„o crer, se n„o lhes fazem ìA Igreja CatÛlica n„o rechaÁa nada do que h· de verdadeiro e santo
prÈdicas? Como se poder· pregar, se n„o lhes enviam missıes?î nestas religiıes. Ela considera com respeito estas maneiras de agir e
(Rm 10, 15). N„o È o questionamento que a Igreja deve pregar, mas de viver, estas regras e doutrinas, que embora em muitos pontos
a necessidade das missıes: ìIde e ensinai todas as naÁıesî (Mt 28, difira do que ela sustenta e propıe, tÍm entretanto um raio da
19), tal È a ordem dada por Nosso Senhor. Sem a ajuda do verdade que ilumina a todos os homensî174.
MagistÈrio da Igreja, quantas almas poder„o encontrar a verdade,
permanecer na verdade? A livre procura È um irrealismo total, no Mas como? Eu deveria ent„o respeitar a poligamia e a imoralidade
fundo um naturalismo radical. Na pr·tica, qual a diferenÁa entre do Isl„, ou a idolatria dos hindus? Certamente estas religiıes podem
quem se questiona e um livre pensador? ter conservado elementos saud·veis, restos de uma religi„o natural,
ocasiıes naturais para a salvaÁ„o; ou seja guardar vestÌgios de uma
Os Valores das outras Religiões revelaÁ„o primitiva (Deus, a queda, uma salvaÁ„o), valores
sobrenaturais ocultos que a graÁa de Deus poderia utilizar para
O ConcÌlio se ocupou em exaltar os valores salvÌficos ou acender em alguns a chama de uma FÈ nascente. Mas nenhum destes
simplesmente os valores das outras religiıes. Falando das religiıes valores pertence ou È propriedade das falsas religiıes. O prÛprio
crist„s n„o catÛlicas, o Vaticano II ensina que ìmesmo que as delas È errar longe da verdade, a carÍncia da FÈ, a ausÍncia da GraÁa,
consideremos vÌtimas de deficiÍncias, elas n„o est„o de modo algum a superstiÁ„o, atÈ a idolatria. Em si mesmos, estes falsos cultos n„o
desprovidas de significaÁ„o e de valor no mistÈrio da salvaÁ„oî173. passam de vaidade e afliÁ„o do espÌrito, inclusive culto rendido aos
Isto È uma heresia! O ˙nico meio de salvaÁ„o È a Igreja CatÛlica. As demÙnios. Os elementos salutares que podem subsistir ainda,
comunidades protestantes, enquanto est„o separadas da unidade da pertencem por direito ‡ ˙nica verdadeira Religi„o, a da Igreja
verdadeira FÈ, n„o podem ser utilizadas pelo EspÌrito Santo. Ele sÛ CatÛlica e somente Ela pode se valer deles.
pode agir diretamente sobre as almas, ou usar meios (por exemplo o
batismo), que em si n„o leva nenhum sinal de separaÁ„o.

173 174
Dec. Sobre o Ecumenismo, ìUnitatis Redintegratioî, n∫ 3. Decl. Sobre religiıes n„o crist„s, ìNostra Aetateî n∫ 2.
Se nos primeiro sÈculos a Igreja pode batizar os templos pag„os ou
Sincretismo Religioso santificar os dias das festividades pag„s, foi porque a prudÍncia
evitava perturbar os costumes respeit·veis e que sua sabedoria
Repito, falar dos valores de ìsalvaÁ„oî das outras religiıes, È uma discernia os elementos da piedade natural que n„o devia suprimir, da
heresia. E ìrespeitar seus modos de agir e suas doutrinasî, È uma miscel‚nea idol·trica de que havia purificado os novos convertidos.
afirmaÁ„o que escandaliza aos verdadeiros crist„os. Digam a nossos Ao longo de toda a histÛria das missıes, n„o faltou ‡ Igreja este
catÛlicos africanos para respeitar os ritos animistas! Se um crist„o espÌrito de misericÛrdia inteligente. A nota de catolicidade da Igreja,
fosse surpreendido participando de semelhantes ritos, era suspeito de n„o È precisamente sua capacidade de reunir em uma unidade
apostasia e excluÌdo da miss„o por um ano. Quando se pensa que sublime de FÈ os povos de todos os tempos, de todas as raÁas e de
Jo„o Paulo II fez um gesto animista em Togo!175. Igualmente em todos os lugares, sem suprimir suas legÌtimas diversidades? Pode-se
Madras no dia 5 de fevereiro de 1986, levaram ‡ sua presenÁa uma dizer que o discernimento a respeito de todas as religiıes j· existe h·
cana de aÁ˙car tranÁada em forma de b·culo, que significa a muito tempo e nada h· a inventar. Vaticano II nos pede um novo
oferenda hindu ao deus carnal, depois durante a prociss„o do respeito, um novo discernimento, uma nova assimilaÁ„o e uma nova
ofertÛrio levaram cocos ao altar, oferenda tÌpica da religi„o hindu a construÁ„o, e em que termos! E com que aplicaÁıes concretas!
seus Ìdolos e por ˙ltimo uma mulher colocou as cinzas sagradas em Chama-se a isto ìinculturaÁ„oî. N„o, n„o est· aÌ a sabedoria da
Jo„o Paulo II, passando a m„o em sua testa176. O esc‚ndalo dos Igreja.
verdadeiros catÛlicos indianos chegou ao m·ximo. A eles, expostos
diariamente, em qualquer esquina, aos templos idol·tricos e ‡s O espÌrito da Igreja fez inscrever em sua liturgia palavras oportunas
crendices mitolÛgicas dos budistas e dos hindus, n„o È possÌvel destinadas a nosso tempo, pouco antes do ConcÌlio, sob o reinado de
falar-lhes de ìreconhecer, preservar e fazer progredir os valores Pio XII. Leiam a oraÁ„o do ofertÛrio da Missa do Soberanos
espirituais, morais e sÛcio-culturais, que se encontram nestas PontÌfices, tirada do chamado divino ao Profeta Jeremias (Jr 1, 10):
religiıesî177.
ìEis que ponho minhas palavras em tua boca, que te estabeleci sobre
as naÁıes e os reinos, para que arranques e destruas, edifiques e
plantesî.

175 Por minha parte, na ¡frica, nunca procurei transformar o templo de


Osservatore Romano, 11 de agosto de 1985, p·g. 5.
176 um sacerdote animista em capela. Quando um bruxo morria
N„o se trata do ìTilacî que Jo„o Paulo II recebeu em 2 de fevereiro em Nova
Delhi, cf. ìFideliterî, n∫ 51, p·g. 3, mas das conzas sagradas ìVibhutiî, cf. ìIndian (freq¸entemente envenenado), queim·vamos imediatamente seu
Expressî, 6 de fevereiro de 1986. templo, diante da alegria das crianÁas. Aos olhos de toda a tradiÁ„o,
177
Vaticano II, ìNostra Aetateî, n∫ 2.
a orientaÁ„o dada por Jo„o Paulo II na ìRedemptor Hominisî: ìDeve-se evitar falar sobre isso de um modo tal que ao voltar ‡
ìNunca a destruiÁ„o, mas retomar para si os valores e nova Igreja, eles imaginem que tragam para ela algo de essencial que lhe
construÁ„oî (p·g. 76), n„o passa de uma utopia de teÛlogo de teria faltado atÈ ent„oî179.
laboratÛrio. De fato, de modo claro ou n„o, È um incitamento ao
sincretismo religioso. O contato com n„o catÛlicos sÛ pode nos trazer experiÍncias
humanas, mas nunca elementos doutrinais!
O Diálogo
AlÈm disso o ConcÌlio modificou consideravelmente a atitude da
O di·logo n„o È uma descoberta conciliar, Paulo VI em ìEcclesiam Igreja diante das outras religiıes, em particular das n„o-crist„s. Na
Suamî178 È o seu autor: di·logo com o mundo, com as outras entrevista que eu tive em 13 de setembro de 1975 com o secret·rio
religiıes; mas È preciso reconhecer que o ConcÌlio aumentou de Mons. Nestor Adam, ent„o bispo de Sion na SuÌÁa, o secret·rio
imensamente sua tendÍncia liberal. Exemplo: estava de acordo comigo: ìSim, algo mudou na orientaÁ„o
mission·ria da Igrejaî. Mas ele acrescentava: ì...e tinha mesmo que
ìA verdade deve ser procurada (...) por meio (...) de um interc‚mbio mudarî. ìPor exemplo, dizia ele ainda, agora nÛs procuramos
e de um di·logo para que uns exponham aos outros a verdade que naqueles que n„o s„o crist„os ou nos que se separaram da Igreja, o
encontraram ou pensam haver encontrado, para se ajudarem que j· neles de bom, de positivo; procuramos ver nos seus valores os
mutuamente na procura da verdade (DH. 3)î. germes de sua salvaÁ„oî.

Assim, tanto o crente como o n„o crente deveriam estar sempre em … claro que todo erro tem lados verdadeiros, positivos; n„o h· erro
procura. S„o Paulo, entretanto, denunciou os falsos doutores ì que em estado puro, assim como o mal absoluto n„o existe. O mal È a
est„o sempre aprendendo sem nunca chegar ‡ verdadeî (2 Tm 3, 7). corrupÁ„o de um bem; o erro È a corrupÁ„o da verdade, mesmo
Por seu lado, o n„o crente pensaria em fornecer ao crente elementos sendo evidente que a pessoa m· ou errada conserva sua natureza,
da verdade que lhe faltaram! suas qualidades naturais, algumas verdades. Mas h· grande perigo
em tomar este resto de verdade n„o atingido pelo erro como base. O
O Santo OfÌcio, em sua InstruÁ„o de 20 de dezembro de 1949, sobre que deverÌamos pensar de um mÈdico que, chamado para assistir um
o ecumenismo, afastava este erro e falando da volta dos crist„os doente grave chegasse dizendo: - ìAinda h· muita sa˙de neste
separados para a Igreja catÛlica, escrevia: doente, isso È que contaî. VocÍ poderia objetar: - ìMas È melhor
examinar a doenÁa antes que ele morra!î E o mÈdico a insistir: -

178 179
De 6 de agosto de 1964. InstruÁ„o ìDe Motione Oecumenicaî.
ìAh! Mas ele n„o est· t„o doente. AlÈm disso meu mÈtodo de CAPÕTULO XXVII
trabalho È de n„o prestar atenÁ„o ‡ doenÁa de meus pacientes: isso È
negativo. Eu me volto para a sa˙de que lhe restaî. Ent„o, diria eu, VATICANO II À LUZ DA TRADIÇÃO
deixemos que morram os doentes! O resultado È que ‡ forÁa de se
dizer aos n„o-catÛlicos ou aos n„o-crist„os: ìafinal vocÍs tÍm uma
consciÍncia reta, vocÍs tÍm meios de salvaÁ„oî eles acabam
acreditando que n„o est„o doentes. E depois, como os converter? ìA liberdade religiosa (...) n„o causa nenhum prejuÌzo ‡ doutrina
catÛlica...î
Nunca tal espÌrito foi o da Igreja. Pelo contr·rio, o espÌrito ìPor outro lado, ao falar desta liberdade religiosa, o Santo ConcÌlio
mission·rio foi sempre o de mostrar abertamente aos enfermos suas entende por ela, o desenvolvimento da doutrina dos ˙ltimos
chagas, para cur·-los e dar-lhes os remÈdios de que necessitavam. … Soberanos PontÌfices sobre os direitos inviol·veis da pessoa
uma crueldade encontrar-se com n„o crist„os e n„o lhes dizer que humana...î180.
tÍm necessidade da Religi„o crist„, e que somente se podem salvar
por Nosso Senhor Jesus Cristo. Sem d˙vida no comeÁo de uma
convers„o se faz uma ìcaptatio benevolentiaeî, elogiando o que h·
de honesto em sua religi„o, ou seja, o que È legÌtimo; mas fazer disso Este pre‚mbulo que quer parecer tranq¸ilizador, precede a
um princÌpio doutrinal È um erro, È enganar as almas! ìValores DeclaraÁ„o conciliar sobre a liberdade religiosa. Ela È apresentada
salvÌficos das outras religiıesî: isto È uma heresia! Fazer deles a como uma continuaÁ„o da linha da TradiÁ„o. O que h· de certo
base do apostolado mission·rio È querer manter as almas no erro. nisto? A quest„o se apresenta, como vimos, a partir do fato de que os
Este ìdi·logoî È anti-mission·rio ao extremo. Nosso Senhor n„o Papas do sÈculo XIX condenaram, sob o nome de liberdade de
enviou seus apÛstolos para dialogar, mas para pregar. Por ser este consciÍncia e de cultos, uma liberdade religiosa que parece irm„
espÌrito de di·logo liberal o recomendado aos sacerdotes e daquela do Vaticano II.
mission·rios desde o concÌlio, entende-se porque a Igreja Conciliar
perdeu completamente o zelo mission·rio, o verdadeiro espÌrito da
Igreja.

J· falamos bastante sobre o questionamento, a livre procura e o


di·logo; cheguemos agora aos resultados dessas descobertas
conciliares, ou seja, a liberdade religiosa. Trataremos dela nos seus
aspectos histÛrico, individual e finalmente social.
180
ìDignitatis Humanaeî, n∫ 1.
I
Paralelo assombroso! Sua an·lise183 nos leva a concluir numa
Vaticano II e Quanta Cura contradiÁ„o em suas doutrinas. O prÛprio Pe. Congar confessa que
ìDignitatis Humanaeî È contr·rio ao Syllabys de Pio IX:
Proposições condenadas por Pio XI em Quanta Cura
ìN„o se pode negar, diz ele, que a afirmaÁ„o da liberdade
A – ìA melhor condiÁ„o da sociedade È aquela na qual n„o se religiosa feita pelo ConcÌlio Vaticano II, n„o expressa
reconhece o direito de reprimir com penas legais aos que violam a materialmente o mesmo que o Syllabus de 1864, mas quase o
religi„o catÛlica, salvo quando a paz p˙blica o exigeî. contr·rio das proposiÁıes 16, 17 e 19 do citado documentoî184.

B – ìA liberdade de consciÍncia e de culto È um direito prÛprio de O Vaticano II contraria materialmente a Pio IX, mas n„o
todo indivÌduoî. formalmente. Isto È o que pretendem os defensores do texto
conciliar. E eles acrescentam, como j· mostrei185: ìa condenaÁ„o da
C – ìTal direito deve ser proclamado e estar garantido em toda liberdade religiosa no sÈculo XIX È um erro histÛricoî. Os Papas a
sociedade corretamente organizadaî181. condenaram, mas de fato queriam condenar somente o
indiferentismo que a inspirava: ìO homem È livre para ter a religi„o
Proposições afirmadas em Vaticano II, Dignitatis H. que lhe agrade, logo tem direito ‡ liberdade religiosaî. Com outras
palavras, os Papas castigaram com demasia forÁa, cegamente, e sem
A’ ñ ìEm matÈria religiosa que ninguÈm seja impedido de agir discernimento, por temer este liberalismo absoluto que ameaÁava o
segundo sua consciÍncia, em privado ou em p˙blico, sÛ ou que restava do poder pontifÌcio temporal. O Pe. Congar retoma esta
associado, nos justos limitesî. explicaÁ„o e cita suas fontes:

B’ ñ ìA pessoa tem o direito ‡ liberdade religiosa. Ela consiste...î 183


Michel Martin ìCourrier de Romeî, n∫ 157 e em particular o n∫ de novembro de
(segue em Aí). 1985; AbbÈ Bernard Lucien, anexo sobre a oposiÁ„o do Vaticano II com ìQuanta
Curaî, na ìLettre a quelques Èvequesî, Sociedade Santo Tom·s de Aquino, Paris
C’ ñ ìEste direito da pessoa humana ‡ liberdade religiosa deve ser 1983.
184
reconhecido na ordem jurÌdica da sociedade como um direito Yves Congar, citado pelo Ab. Georges de Nantes, CRC n∫ 113, p·g. 3. Quanto
ao ìSyllabusî, veja nosso cap. X. Por sua parte o Cardeal Ratzinger vÍ no texto
civilî182. ìGaudium et Spesî um ìcontra-Syllabusî: - ìNa medida em que ele representa
uma tentativa de reconciliaÁ„o oficial da Igreja com o mundo como ele passou a
181
PIN. 40, Dz. N∫ 1689-1690. ser depois de 1789, depois dos direitos humanosî (Os princÌpios da Teologia).
182 185
ìDignitatis Humanae n∫ 2. Cf. Cap. X.
o jacobinismo e o totalitarismo do sÈculo XX?188. Leiamos primeiro
ìO Pe. John Courtney Murray que pertencia ‡ ìeliteî alguns enunciados do ëdireito fundamentalí do culto de Deus:
intelectual e religiosa, demonstrou que mesmo dizendo
materialmente o contr·rio do Syllabus (que È de 1864, e que È, ìO homem como pessoa, tem direitos que recebe de Deus, que
como provou Roger Auber, condicionado por circunst‚ncias devem ser mantidos na comunidade, longe de tudo que os
histÛricas precisas), a DeclaraÁ„o (conciliar sobre a liberdade negue ou queira aboli-los ou depreci·-losî (PIN. 677).
religiosa), era a continuaÁ„o do combate pelo qual, frente aos
jacobinismo e aos totalitarismos, os Papas haviam lutado cada (...) ìO crente tem o direito inalien·vel de professar sua fÈ e
vez mais pela dignidade e liberdade da pessoa humana feita ‡ vivÍ-la como ele quer que seja vivida. As leis que a afogam ou
semelhanÁa de Deusî186. tornam difÌcil professar a sua pr·tica, est„o em contradiÁ„o
com o direito naturalî189.
Ao contr·rio, vimos que Roger Aubert e John Courtney Murray s„o
prisioneiros do preconceito histÛrico, que os faz revitalizar ìPromover o respeito ao exercÌcio dos direitos fundamentais
equivocadamente a doutrina dos Papas do sÈculo XIX187. Na da pessoa, a saber, o direito de manter e desenvolver a vida
realidade, os Papas condenaram a liberdade religiosa em si mesma, corporal, intelectual e moral; em particular, o direito a uma
como uma liberdade absurda, Ìmpia, que leva os povos ao formaÁ„o e a uma educaÁ„o religiosa, o direito ao culto
indiferentismo religioso. Esta condenaÁ„o permanece e, com a p˙blico e privado de Deus e tambÈm a caritativa aÁ„o
autoridade do MagistÈrio ordin·rio constante da Igreja (alÈm do religiosa...î190.
MagistÈrio extraordin·rio ñ ìQuanta Curaî), pesa sobre a
DeclaraÁ„o Conciliar. Objetivamente, o ìculto de Deusî, sÛ pode ser o verdadeiro culto do
verdadeiro Deus, pois quando se fala de direito objetivo (o objeto
II concreto do direito: este culto), sÛ pode se tratar de algo verdadeiro e
bom moralmente.
A Liberdade Religiosa, Direito Fundamental?

Estaria a liberdade religiosa, como assegurou o Pe. Congar (e 188


ìDignitatis Humanaeî em seu pre‚mbulo), na linha dos direitos Cf. ñ Ph. I ñ AndrÈ Vincent O.P. ìLa Liberte Religieuse, Droit Fondamentalî,
Tequi, Paris 1976; ìMons. Lefebvre e o Santo OfÌcio, ìItinÈrairesî n∫ 233, p·gs.
fundamentais da pessoa humana, definidos pelos ˙ltimos Papas ante 68-81.
189
Pio XI, EncÌclica ìMit Brennender Sorgeî de 14 de marÁo de 1937, DC. 837-
186
Y. Congar, DC. 1704, 789. 838, p·g. 915.
187 190
Cf. Cap. X. Pio XII, Radiomensagem de 24 de dezembro de 1942.
ìO que n„o responde ‡ verdade e ‡ lei moral, ensina Pio XII,
objetivamente n„o tem nenhum direito ‡ existÍncia, nem ‡ A perspectiva do Vaticano II È totalmente diferente. O ConcÌlio
propaganda, nem ‡ aÁ„oî191. definiu um direito n„o somente subjetivo, mas objetivo ‡ liberdade
religiosa, um direito absolutamente concreto que todo homem teria,
… tambÈm o sentido do texto de Pio XI: ìcrentesî e ìfÈî se referem de ser respeitado no exercÌcio de seu culto, qualquer que seja. N„o!
aos seguidores da verdadeira Religi„o, neste caso os catÛlicos A liberdade religiosa do Vaticano II se coloca em posiÁ„o oposta aos
alem„es perseguidos pelo nazismo. direitos fundamentais definidos por Pio XI e Pio XII!

Mas definitivamente, o que È que atacavam e atacam sempre, os


regimes totalit·rios e ateus sen„o o fundamento mesmo de todo
direito religioso? A aÁ„o anti-religiosa do regime comunista tende a
ridicularizar e suprimir todo culto religioso, quer seja catÛlico,
ortodoxo ou isl‚mico. O que querem abolir È o direito enraizado na
pessoa que responde ao dever que ela tem de honrar a Deus,
abstraÁ„o feita de seu exercÌcio em tal culto, quer seja catÛlico,
ortodoxo... Este direito se chama direito subjetivo porque concerne a
pessoa e n„o o objeto. Por exemplo, eu tenho o direito subjetivo de
render culto a Deus, mas n„o se segue que eu tenha o direito objetivo
de exercer o culto budista.

¿ luz desta distinÁ„o, perfeitamente cl·ssica e elementar,


compreende-se que ante o ateÌsmo militante, os Papas deste sÈculo,
principalmente Pio XII, tenham reivindicado precisamente o direito
subjetivo ao culto de Deus, direito fundamental; È o sentido que se
deve dar ‡ express„o ìDireito fundamental ao culto de Deusî. Isto
n„o impediu aos Papas reivindicar, quando preciso, explÌcita e
concretamente, o direito subjetivo e objetivo das ìalmasî
192
catÛlicas .
191
Pio XII, AlocuÁ„o ìCi Riesceî aos juristas, 6 de dezembro de 1953, PIN. 3041.
192
Cf. Pio XI, encÌclica ìNon Abbiamoî de 29 de junho de 1931.
CAPÕTULO XXVIII religiosa t„o solene e j· reconhecida pela O.N.U. e pela maÁonaria...
… a declaraÁ„o que me fez o Papa Jo„o Paulo II, na audiÍncia que
A LIBERDADE RELIGIOSA DO VATICANO II concedeu em 18 de novembro de 1978: ìO senhor sabe, me disse, a
liberdade religiosa nos foi muito ˙til contra o comunismo na
PolÙniaî. Eu tinha vontade de contestar: ìMuito ˙til pode ser como
De acordo com o Vaticano II a pessoa humana teria direito em nome argumento ìad hominemî, j· que os regimes comunistas tÍm a
de sua dignidade, a n„o ser impedida no culto religioso, qualquer liberdade de culto inscrita em suas constituiÁıes195, mas n„o como
que ele fosse, em particular ou em p˙blico, salvo se prejudicasse a princÌpio doutrinal da Igreja CatÛlicaî.
tranq¸ilidade ou a moralidade p˙blica193. ReconheÁam que a
moralidade p˙blica do Estado ìpluralistaî promovida pelo ConcÌlio I
n„o È do tipo a causar dano a esta liberdade, como tambÈm a
corrupÁ„o avanÁada da sociedade liberal n„o limitaria o direito ‡ Liberdade Religiosa e Verdade
liberdade do ìconcubinatoî se fosse proclamado indistintamente, em
nome da dignidade humana, para casais em uni„o livre ou casados. Era isto ao menos, o que dizia o P. Garrigou-Lagrange:

Assim pois, muÁulmanos, rezai tranq¸ilamente no meio de nossas ìNÛs podemos (...) fazer da liberdade de culto um argumento
ruas crist„s, construÌ vossas mesquitas e minaretes junto aos ëad hominemí contra aqueles que, enquanto proclamam a
campan·rios de nossas igrejas, a Igreja do Vaticano II vos assegura liberdade de culto, perseguem a Igreja (Estados laicos e
que n„o o podemos impedir194; o mesmo para vocÍs budistas e socializantes), ou impedem o culto direta e indiretamente
hindus...! (Estados comunistas, isl‚micos, etc.). Este argumento ëad
hominemí È justo e a Igreja n„o o despreza, usando-o para
Em troca, nÛs catÛlicos pediremos a liberdade religiosa em vossos defender eficazmente o direito de sua liberdade. Mas n„o se
paÌses, em nome da liberdade que damos nos nossos... Poderemos segue que a liberdade de culto, considerada em si mesma, seja
assim defender nossos direitos religiosos ante os regimes sustentada pelos catÛlicos como um princÌpio, porque ela È em
comunistas, em nome de um princÌpio declarado por uma assemblÈia si absurda e Ìmpia; com efeito, a verdade e o erro n„o podem
ter os mesmos direitosî196.
193
Cf. ìDignitatis Humanae, n∫ 2.
194
Na Europa, a religi„o isl‚mica invade todos os redutos catÛlicos. Aqui no
195
Brasil dirÌamos: ìAssim pois seitas protestantes, construÌ vossos templos ao lado Juntamente com o direito de propaganda anti-religiosa.
196
do campan·rio de nossas igrejas, enchei os est·dios de multidıes para lhes Cf. Reginald Garrigou-Lagrange O.P., ìDe Revelationeî T.2, p·g. 451, oitava
arrancar dinheiro...î (N. do T.). objeÁ„o. Ferrari y Gabalda, ed. 1921.
Gosto de repetir: sÛ a verdade tem direitos, o erro n„o tem nenhum religiosa e ‡queles que est„o no erro. … concebÌvel semelhante
direito, È o ensinamento da Igreja: direito? Em que se apÛia o ConcÌlio?

Escreve Le„o XIII: ìO direito È uma faculdade moral, e como Os Direitos da Consciência?
temos dito e n„o cansamos e repetir, seria um absurdo crer que
ele pertence naturalmente e sem distinÁ„o nem discernimento ‡ No comeÁo do ConcÌlio alguns quiseram basear a liberdade religiosa
verdade e ‡ mentira, ao bem e ao mal. A verdade, o bem, tem o nos direitos de consciÍncia: ìA liberdade religiosa seria v„, se os
direito de ser propagado no Estado com uma liberdade homens n„o pudessem demonstrar os imperativos de sua consciÍncia
prudente, para que um maior n˙mero possa se beneficiar; mas em atos exteriores, declarou Mon. De Smedt em seu discurso
as doutrinas enganosas, a peste fatal do espÌrito (...), È justo introdutÛrio (ìDocumentation Catholiqueî, 5 de janeiro de 1964,
que o poder p˙blico empregue seu poder para reprimi-las, a col. 74-75). O argumento era o seguinte: cada um tem o dever de
fim de impedir que o mal se estenda para ruÌna da seguir sua consciÍncia, pois ela È para cada um, a regra imediata de
sociedadeî197. aÁ„o. Mas isto vale n„o somente para uma consciÍncia
invencivelmente errada, em particular a de numerosos adeptos das
Fica claro que as doutrinas e os cultos das religiıes falsas, n„o tÍm falsas religiıes; assim eles tÍm o dever de seguir sua consciÍncia, e
nenhum direito para se expressar e propagar livremente. Para deve-se dar a eles a liberdade de segui-la e de exercer seu culto.
contornar esta verdade de La Palice198, objetaram no ConcÌlio que a
verdade ou o erro n„o tÍm nenhum direito, s„o as pessoas que tÍm os O disparate deste raciocÌnio ficou logo evidente e tiveram que se
direitos, elas s„o o ìsujeito do direitoî. Assim tentavam desviar o contentar em fazer fogo com outra madeira. Com efeito o erro
problema, pondo-o em um nÌvel puramente subjetivo e esperando involunt·rio, ou seja, sem culpa, desculpa toda falta moral, mas n„o
deste modo poder fazer abstraÁ„o da verdade. Mas este intento foi por isto passa a ser uma aÁ„o boa199 e portanto n„o d· nenhum
em v„o, como demonstrarei a seguir, situando-me na prÛpria direito a seu autor. O direito sÛ pode se firmar sobre a norma
problem·tica do ConcÌlio. objetiva da lei, e em primeiro lugar sobre a lei divina que regula a
maneira como Deus quer ser honrado pelos homens.
A liberdade religiosa posta em nÌvel subjetivo de ìsujeito de
direitoî, daria o mesmo direito ‡queles que aderem ‡ verdade

197
EncÌclica ìLibertasî, PIN. 207.
198
La Palisse ou La Palice, gentil homem francÍs morto na batalha de Pavia em
199
1525. Esta express„o equivale a uma verdade evidente (N. do T.). Santo Tom·s, I-II, XIX, 6 e ad 1m.
A Dignidade da Pessoa Humana? ìSe a inteligÍncia adere ‡s idÈias falsas, e se a vontade escolhe
o mal e se une a ele, nem uma nem outra alcanÁam a perfeiÁ„o,
Por n„o oferecer a consciÍncia um fundamento suficientemente ambas perdem sua dignidade inicial e se corrompem. Por isso
objetivo, julgaram encontrar um na dignidade da pessoa humana. ìO n„o È permitido vir ‡ luz e mostrar aos olhos dos homens o que
ConcÌlio do Vaticano declara (...) que o direito ‡ liberdade religiosa È contr·rio ‡ virtude e ‡ verdade, e muito menos colocar isto
tem seu fundamento na prÛpria dignidade da pessoa humanaî (DH. sob a tutela da proteÁ„o das leisî201.
2). Esta dignidade consiste em que o homem, dotado de inteligÍncia
e de livre arbÌtrio, est· por sua prÛpria natureza preparado para E em ìLibertasî, explica o mesmo Papa em que consiste a
conhecer a Deus, o que n„o poder· conseguir se n„o for deixado verdadeira liberdade religiosa e em que deve-se fundar:
livre200. O argumento È este: o homem È livre, portanto deve ser
deixado livre. Ou ainda: o homem È dotado de livre arbÌtrio, portanto ìOutra liberdade que se proclama muito alto, È a liberdade que
tem direito ‡ liberdade de aÁ„o. VocÍs j· conhecem o princÌpio chamam de liberdade de consciÍncia; e entende-se com isso
absurdo de todo liberalismo, como o chama o Cardeal Billot. … um que cada um pode indiferentemente, a seu gosto, dar ou n„o
sofisma: o livre arbÌtrio se situa no terreno do SER, a liberdade culto a Deus. Os argumentos apresentados antes, bastam para
moral e a liberdade de aÁ„o se situam no plano do AGIR. Uma coisa refutar202.
È o que Pedro È por natureza e outra È o que ele chega a ser (bom ou
mau, na verdade ou no erro) mediante seus atos. A dignidade Mas ela tambÈm pode ser entendida no sentido de que o
humana radical È por certo a de uma natureza inteligente, capaz homem tem no Estado o direito de seguir, e acordo com a
portanto de uma escolha pessoal, mas sua dignidade terminal (final) consciÍncia de seu dever, a vontade de Deus, cumprir seus
consiste em aderir, em ato, ‡ verdade e ao bem. … esta dignidade preceitos203, sem que alguÈm possa impedi-lo. Esta liberdade,
terminal que d· a cada um a liberdade moral (faculdade de agir) e a a verdadeiramente digna dos filhos de Deus, que protege t„o
liberdade de aÁ„o (faculdade de n„o ser impedido de agir). Mas na gloriosamente a dignidade da pessoa humana, est· cima de
medida em que o homem adere ao erro ou se apega ao mal, perde toda violÍncia e de toda opress„o, ela foi sempre objeto dos
sua dignidade terminal ou n„o a alcanÁa e j· n„o pode firmar-se desejos da Igreja e de seu particular afetoî204.
sobre ela. Isto È o que ensinava magnificamente Le„o XIII nos textos
escondidos pelo Vaticano II. Falando sobre as falsas liberdades
modernas, escreveu Le„o XIII na ìImmortale Deiî: 201
PIN. 149.
202
Trata-se do indiferentismo religioso do indivÌduo.
203
Evidentemente trata-se, falando de modo concreto, dos preceitos da verdadeira
Religi„o.
200 204
Cf. ìDignitatis Humanaeî, n∫ 2. PIN. 215.
Para uma verdadeira dignidade, verdadeira liberdade religiosa; para maiores, sem contudo elev·-los ‡ dignidade de direito, contra
uma falsa dignidade, falsa liberdade religiosa! as eternas leis da justiÁaî 205.

A Liberdade Religiosa, Direito Universal à Tolerância? ìEmbora n„o dando direitos sen„o ‡quilo que È verdadeiro e
honesto, a Igreja n„o se opıe ‡ toler‚ncia que o poder p˙blico
O Pe. Ph. AndrÈ Vincent que se interessava muito pelo assunto, me acha que tem que usar a respeito de certas coisas contr·rias ‡
escreveu um dia para pÙr-me em guarda: atenÁ„o, me dizia, o verdade e ‡ justiÁa, tendo em vista evitar mal maior ou
ConcÌlio n„o reclama o direito ìafirmativoî de exercer seu culto para procurar conservar um bem maiorî206.
os adeptos das falsas religiıes, mas somente o direito ìnegativoî de
n„o serem impedidos no exercÌcio p˙blico ou particular de seu culto. ìQualquer que seja seu car·ter religioso, nenhum Estado ou
Definitivamente o Vaticano n„o fez mais do que generalizar a comunidade de Estados, pode dar um mandato positivo ou
doutrina cl·ssica da toler‚ncia. uma autorizaÁ„o positiva (15) de ensinar ou fazer o que seja
contr·rio ‡ verdade religiosa ou ao bem moral (...).
Com efeito, quando um Estado catÛlico, por motivo da paz civil,
para cooperaÁ„o de todos ao bem comum, ou de um modo geral para Outra coisa essencialmente diferente, È o que se formula nesta
evitar um mal maior, julga que deve tolerar o exercÌcio deste ou pergunta: em uma comunidade pode-se, pelo menos em
daquele culto, pode ent„o ìfechar os olhosî por uma toler‚ncia de determinadas circunst‚ncias, estabelecer que a norma do livre
fato, n„o tomando nenhuma medida coercitiva a seu respeito; exercÌcio de uma crenÁa ou de uma pr·tica religiosa em vigor
inclusive dar a seus adeptos o direito civil de n„o serem molestados em um Estado membro n„o seja impedida em todo o territÛrio
no exercÌcio de seu culto. Neste ˙ltimo caso, trata-se de um direito da comunidade por meio de leis coercitivas de Estado?207. O
puramente negativo. Por outro lado os Papas n„o deixam de afirmar Papa responde afirmativamente: ìsim, em certas circunst‚ncias
que a toler‚ncia civil n„o concede nenhum direito ìafirmativoî aos tal norma pode ser estabelecidaî.
dissidentes, nenhum direito de exercer seu culto, pois semelhante
direito afirmativo sÛ pode se firmar sobre a verdade do culto O P. Baucher resume muito bem esta doutrina. Ele escreve:
considerado: ìDecretando a toler‚ncia considera-se que o legislador n„o quer criar
em benefÌcio dos dissidentes, o direito ‡ faculdade moral de exercer
ìSe as circunst‚ncias o exigem, pode-se tolerar desvios na
regra, quando s„o introduzidos tendo em vista evitar males 205
Pio IX, carta ìDum Civilis Societasî de 1 de janeiro de 1875 para M. Charles
Perrin.
206
Le„o XIII, ìLibertasî PIN. 219.
207
Pio XII, alocuÁ„o ìCi riescoî aos juristas italianos em 6 de dezembro de 1953.
seu culto, mas somente o direito de n„o serem perturbados no troca procurou-se destacar os valores positivos de todas as
exercÌcio deste culto. Sem nunca ter o direito de agir mal, quando religiıes210.
uma justa lei por motivos suficientes, impede tal impedimentoî208.
Liberdade Religiosa, Direito Natural à Imunidade?
Mas acrescenta para esclarecer: È diferente o direito civil ‡
toler‚ncia, quando est· garantido por lei tendo em vista o bem Sem invocar a toler‚ncia, o ConcÌlio definiu um simples direito
comum de alguma naÁ„o em determinadas circunst‚ncias, do natural ‡ imunidade: o direito de n„o ser perturbado no exercÌcio do
pretendido direito natural e inviol·vel ‡ toler‚ncia para todos os prÛprio culto, qualquer que seja.
adeptos de todas as religiıes, por princÌpios e em qualquer
circunst‚ncia. A ast˙cia ou pelo menos o procedimento astuto, era evidente: por
n„o poder definir um direito ao exercÌcio de todo culto, pois este
De fato, o direito civil ‡ toler‚ncia, mesmo se as circunst‚ncias que o direito n„o existe para os falsos cultos, empenharam-se em formular
legitimam se multiplicam hoje em dia, continua estritamente relativo um direito natural somente para a imunidade, que sirva aos adeptos
‡s ditas circunst‚ncias. de todos os cultos.

Escreve Le„o XIII: ìA toler‚ncia ao mal, pertence aos Assim todos os ìgrupos religiososî (inocente qualificativo para
princÌpios da prudÍncia polÌtica e deve ser rigorosamente esconder a Babel das religiıes) gozariam naturalmente da imunidade
limitada pelos limites exigidos por sua raz„o de ser, ou seja do a toda coaÁ„o em seu ìculto p˙blico ‡ divindade supremaî (por
bem p˙blico. Portanto se ela for prejudicial, ou se for para o Deus!, de que divindade se trata?) e tambÈm se beneficiariam do
Estado causa de um mal maior, como conseq¸Íncia n„o ser· ìdireito de n„o ser impedidos de ensinar e manifestar sua fÈ (que
permitido usar dela, uma vez que nestas condiÁıes falta a fÈ?) publicamente, oralmente ou por escritoî (DH. 4).
raz„o do bem maiorî209.
… imagin·vel maior confus„o? Todos os adeptos de todas as
Teria sido muito difÌcil ao Vaticano II proclamar um direito natural e religiıes, tanto da verdadeira como das falsas, absolutamente
universal ‡ toler‚ncia, apoiando-se nos atos do MagistÈrio anterior. reduzidos ao mesmo pÈ de igualdade, gozariam de um mesmo
E tambÈm evitaram cuidadosamente a palavra ìtoler‚nciaî que direito natural, sob o pretexto de que se trata somente de um ìdireito
parecia muito negativa, pois o que se tolera È sempre um mal; em ‡ imunidadeî. … por acaso concebÌvel?

208
D.T.C., T. IX, col. 701, artigo ìLiberteî.
209 210
ìLibertasî, PIN. 221. Sobre estes valores, cf. cap. XXVI.
… mais do que evidente que os adeptos das falsas religiıes, somente respondi a esta objeÁ„o falando da ìprocuraî214. Poder„o me retrucar
por este tÌtulo, n„o gozam de nenhum direito natural ‡ imunidade. dizendo que a orientaÁ„o fundamental das almas dos adeptos dos
Permitam-me ilustrar esta verdade com um exemplo concreto: se falsos cultos permanece reta e que deve ser respeitada e portanto
vocÍs quisessem impedir a oraÁ„o p˙blica de um grupo muÁulmano deve ser respeitado o culto em que ela est· inserida. N„o poderia
na rua, ou perturbar seu culto em uma mesquita, pecariam talvez opor-me ao culto sem prejudicar estas almas, sem romper sua
contra a caridade e seguramente contra a prudÍncia, mas n„o fariam orientaÁ„o para Deus. Assim por causa de um erro religioso, a alma
a estes crentes nenhuma injustiÁa. N„o se sentiriam feridos em em quest„o n„o teria o direito de exercer seu culto. Mas como de
nenhum dos bens a que tÍm direito, nem em nenhum de seus direitos qualquer maneira ela estaria enxertada em Deus, teria direito ‡
a estes bens211; em nenhum de seus bens, porque seu verdadeiro bem imunidade no exercÌcio de seu culto. Todo homem teria assim um
n„o È exercer sem coaÁ„o seu culto falso, mas poder exercer um dia direito natural ‡ imunidade civil em matÈria religiosa.
o verdadeiro; em nenhum de seus direitos, pois eles tÍm
precisamente o direito de exercer o ìculto de Deus em particular e Admitamos por um momento esta chamada orientaÁ„o naturalmente
em p˙blicoî212 e a n„o ser nisso impedidos, mas o culto de Al· n„o È reta para Deus, de toda alma no exercÌcio de seu culto. N„o È
o culto de Deus! Realmente Deus revelou, Ele mesmo, o culto com absolutamente evidente que o dever de respeitar seu culto, seja dever
que quer ser honrado exclusivamente, que È o da Religi„o de justiÁa natural. Falando com propriedade me parece tratar-se de
catÛlica213. um puro dever de caridade. Sendo assim, este dever de caridade n„o
d· aos adeptos dos falsos cultos nenhum direito natural ‡ imunidade,
Por conseguinte, se na justiÁa natural n„o se prejudica de nenhum mas sugere ao Poder civil o dar-lhes um direito civil ‡ imunidade.
modo a estes crentes ao impedir ou perturbar seu culto, È porque n„o No entanto, precisamente o ConcÌlio proclama para todos os
tÍm nenhum direito natural de n„o serem perturbados em seu homens, sem prov·-lo, um direito natural ‡ imunidade civil. Pelo
exercÌcio. contr·rio, me parece que o exercÌcio dos falsos cultos n„o pode ir
alÈm do estatuto de um simples direito civil ‡ imunidade, o que È
Se me objetarem dizendo que sou ìnegativoî, que n„o sei considerar bem diferente.
os valores positivos dos falsos cultos, declaro que mais acima j·
Distingamos bem, por um lado a virtude da justiÁa que ao
211
determinar, a uns seus deveres, d· aos outros o direito
Pio XII faz esta distinÁ„o, a respeito das extraÁıes de Ûrg„os realizadas em correspondente, ou seja a faculdade de exigir; e de outra parte, a
corpos de defuntos. Cf. Discurso aos especialistas em cirurgia ocular, 14 de maio
de 1956.
212
Pio XII, Radiomensagem de Natal, 24 de dezembro de 1941. PIN. 804.
213
Esta explicaÁ„o, por breve que seja, evita usar termos complicados de direito
214
objetivo e subjetivo, de direito concreto e abstrato. Cf. cap. XXIV.
virtude da caridade, que È verdade, impıe deveres a uns, sem atribuir
por isto nenhum direito aos outros. De todos os modos, a identidade e o n˙mero das almas que Deus se
digna chamar para Ele por sua graÁa, permanece oculto e ignorado.
Uma Inclinação Natural de todo Homem para Deus? Certamente n„o s„o muitas. Um sacerdote origin·rio de um paÌs de
religi„o mista, me referia um dia sua experiÍncia a respeito daqueles
O ConcÌlio (DH. 2-3) alÈm da dignidade da pessoa humana, invoca que vivem nas seitas herÈticas; ele me contava sua surpresa ao
sua procura natural do divino: todo homem no exercÌcio de sua comprovar como estas pessoas est„o endurecidas em seus erros e
religi„o, estaria de fato orientado para o verdadeiro Deus, pouco dispostas a examinar as observaÁıes que pode fazer-lhes um
ìenxertandoî em Deus, e portanto teria um direito natural de ser catÛlico. Como s„o muito dÛceis ao EspÌrito da Verdade...
respeitado no exercÌcio de seu culto. Para a teologia catÛlica, se um
budista queima varinhas de incenso diante do Ìdolo de Buda, comete A identidade das almas verdadeiramente orientadas para Deus nas
um ato de idolatria; entretanto, ‡ luz da nova doutrina descoberta outras religiıes, fica no segredo de Deus e escapa ao julgamento
pelo Vaticano II, este fato expressa o ìesforÁoî supremo de um humano. Por isso È impossÌvel basear sobre ela algum direito natural
homem para procurar a Deus215. Por conseguinte este ato religioso ou civil. Seria fazer a ordem jurÌdica das sociedades se basear em
teria direito de ser respeitado, e este homem teria o direito de n„o ser suposiÁıes fortuitas e arbitr·rias. Finalmente seria basear a ordem
impedido de realiz·-lo, ele teria direito ‡ liberdade religiosa. social sobre a subjetividade de cada um e construir a casa sobre
areia...
Inicialmente h· uma contradiÁ„o em afirmar que todos os homens
dedicados aos falsos cultos, est„o naturalmente orientados para Acrescentarei que estive em suficiente contato com as religiıes da
Deus. Um culto errado n„o pode mais do que separar as almas de ¡frica (Animismo, Islamismo) e o mesmo se pode dizer da religi„o
Deus, j· que as compromete em um caminho que n„o as conduz para da Õndia (Hinduismo) para poder afirmar que em seus adeptos se
Deus. constatam as lament·veis conseq¸Íncias do pecado original, e
particularmente o obscurantismo da inteligÍncia e o temos
Pode-se admitir que em religiıes falsas, certas almas possam estar supersticioso. Sustentar, como faz o Vaticano II, a existÍncia de uma
orientadas para Deus, mas È porque elas n„o se apegam aos erros de orientaÁ„o naturalmente reta para Deus em todos os homens, È um
sua religi„o. N„o se orientam para Deus graÁas ‡ sua religi„o, mas irrealismo total e uma outra heresia naturalista. Deus nos livre dos
apesar dela. Por conseguinte o respeito que se deveria ter por estas erros naturalistas e subjetivistas! S„o marca inequÌvoca do
almas, n„o implica em que se deva respeito ‡ sua religi„o. liberalismo que inspira a liberdade religiosa do Vaticano II. Eles sÛ
podem levar ao caos social e ‡ Babel das religiıes.
215
Jo„o Paulo II, discurso na audiÍncia geral de 22 de outubro de 1986.
A Mansidão Evangélica direito natural e inviol·vel. Diz Santo Agostinho: ìAli onde se deve
temer arrancar o gr„o bom ao mesmo tempo que o ruim, que a
Assegura o ConcÌlio que a revelaÁ„o divina ìmostra o grande severidade da disciplina n„o durmaî216, que n„o se tolere o exercÌcio
respeito que Cristo teve pela liberdade do homem, no cumprimento dos falsos cultos. E S„o Jo„o CrisÛstomo, tambÈm n„o partid·rio das
de seu dever de crer na palavra de Deusî (DH. 9); Jesus manso e supressıes dos dissidentes, n„o exclui a supress„o de seus cultos:
humilde de coraÁ„o, manda deixar crescer o Jesus manso e ìQuem sabe, diz ele, se algum joio n„o se transformar· em boa
humildade de coraÁ„o, manda deixar crescer o joio atÈ a colheita, semente? Se o arrancais agora, prejudicareis a prÛxima colheita,
n„o quebra a cana rachada nem apaga a chama bruxuleante (DH. 11, arrancando os que poderiam mudar e chegar a ser melhores. Ele (o
cf. Mt 13, 29; Is 42, 3). Eis a resposta: quando o Senhor manda Senhor) certamente n„o proÌbe reprimir os hereges, fechar suas
deixar crescer o joio, n„o lhe concede o direito de n„o ser arrancado, bocas, negar-lhes a liberdade de falar, dispersar suas assemblÈias, e
mas aconselha aquilo aos que colhem, ìpara evitar que sejam repudiar seus juramentos; o que Ele proÌbo È derramar seu sangue e
arrancados os gr„os bonsî. Conselho de prudÍncia: ‡s vezes È mat·-losî217. A autoridade destes Padres da Igreja me parece
preferÌvel n„o escandalizar os fiÈis com o espet·culo da repreens„o suficiente para refutar a interpretaÁ„o abusiva que faz o ConcÌlio da
dos infiÈis; algumas vezes mais vale evitar a guerra civil, que mansid„o evangÈlica. Sem d˙vida Nosso Senhor n„o pregou
despertaria a intoler‚ncia. Igualmente, se Jesus n„o quebra a cana medidas militares, o que n„o È motivo para transform·-lo em um
rachada e faz disso uma regra pastoral para seus apÛstolos, È por apÛstolo da toler‚ncia liberal.
caridade para com os que erram, para n„o separ·-los mais da
verdade, o que poderia acontecer se usassem os meios coercitivos. A Liberdade do Ato de Fé

… claro, ‡s vezes existe um dever de prudÍncia e de caridade por Por ˙ltimo invocam a liberdade do ato de FÈ (DH. 10). AÌ h· um
parte da Igreja e dos Estados catÛlicos para com os adeptos dos duplo argumento. Eis o primeiro: por motivos religiosos, impor
falsos cultos, mas este dever n„o confere ao outro nenhum direito. limites ao exercÌcio de um culto dissidente, seria por via indireta
Por n„o distinguir a virtude da justiÁa (a que d· os direitos) da forÁar seus adeptos a abraÁar a FÈ catÛlica. Realmente o ato de FÈ
prudÍncia e da caridade (que por si, sÛ d· deveres), o Vaticano II deve estar livre de toda coaÁ„o: ìQuem ninguÈm seja coagido a
mergulha no erro. Fazer da caridade uma justiÁa È perverter a ordem abraÁar a FÈ catÛlica contra a sua vontadeî (Direito CanÙnico de
social e polÌtica da cidade. 1917, can. 1351).

Mesmo quando se considerar que Nosso Senhor d·, apesar de tudo, 216
ìContra Epis. Parmenianiî, 3, 2. Citado por S„o Tom·s ìCatena ¡ureaî, in
ao joio o direito ìde n„o ser arrancadoî este direito seria totalmente Matthaeum XIII, 29-30.
217
relativo ‡s razıes particulares que o motivaram, n„o seria nunca um Homilia 46, sobre S„o Mateus, citado por Santo Tom·s, loc. Cit. A quest„o da
morte dos hereges, n„o vem ao caso.
Entretanto os liberais, esquecidos do car·ter objetivo,
Baseado na s„ teologia moral, eu respondo que tal coaÁ„o È legÌtima completamente divino e sobrenatural do ato de FÈ divina, e os
conforme as regras do ìvolunt·rio indiretoî. Com efeito, ela tem modernistas que correm no seu rastro, fazem da FÈ uma express„o
como objeto direto limitar o culto dissidente, o que È um bem218, e da convicÁ„o subjetiva do sujeito221 no final de sua procura
somente por efeito indireto e remoto o incitar certos n„o catÛlicos a pessoal222, ao tentar responder ‡s grandes interrogaÁıes que lhe
se converter, mais por temor ou conveniÍncia social do que por apresenta o universo223. A Igreja que propıe o fato da RevelaÁ„o
convicÁ„o, o que n„o È o ideal, mas que pode ser permitido por raz„o divina exterior, d· lugar ‡ invenÁ„o criadora do sujeito, ou pelo
grave. menos o sujeito deve se esforÁar para ir de encontro ‡ fonte...224.
Sendo assim, ent„o a FÈ divina È rebaixada ao nÌvel das convicÁıes
O segundo argumento È b·sico e exige maior estudo. Ele se apÛia na religiosas dos n„o crist„os, que pensam ter uma fÈ divina, quando
concepÁ„o liberal do ato de FÈ. Segundo a doutrina catÛlica219, a FÈ n„o tÍm mais do que uma persuas„o humana, pois o motivo para
È uma anuÍncia, uma submiss„o da inteligÍncia ‡ autoridade de Deus aderir ‡ sua crenÁa n„o È a autoridade divina, mas o livre julgamento
que revela, sob o impulso da vontade livre movida pela graÁa. Por de seu espÌrito. Est· aÌ sua inconseq¸Íncia fundamental: os liberais
um lado o ato de FÈ deve ser livre, ou seja, deve escapar ‡ toda pretendem manter para este ato de persuas„o completamente
coaÁ„o exterior que tivesse por objeto ou por efeito direto obtÍ-lo humano, os caracteres de inviolabilidade e isenÁ„o de toda coaÁ„o
contra a vontade da pessoa220. Por outros lado, sendo o ato de FÈ que n„o pertencem sen„o ao ato de FÈ divina. Eles asseguram que
uma submiss„o ‡ autoridade divina, nenhum poder ou terceira pelos atos de suas convicÁıes religiosas, os adeptos de outras
pessoa tem o direito de se opor ‡ influÍncia da Verdade primeira, religiıes se pıem em relaÁ„o com Deus, e que a partir daÌ esta
que tem o direito inalien·vel de iluminar a inteligÍncia do fiel. Disto relaÁ„o deve ficar livre de toda coaÁ„o que puder afet·-la. Eles
se segue que o fiel tem direito ‡ liberdade religiosa; ninguÈm tem o dizem: ìQualquer fÈ religiosa È respeit·vel e intoc·velî.
direito de o coagir, e ninguÈm tem o direito de impedi-lo de abraÁar
a RevelaÁ„o divina ou de realizar com prudÍncia os atos exteriores Mas estes ˙ltimos argumentos s„o visivelmente falsos, pois por suas
de culto. convicÁıes religiosas os adeptos das outras religiıes n„o fazem mais

221
Cf. S„o Pio X, ìPascendiî, n∫ 8, Dz. N∫ 2075.
222
Cf. Vaticano II, ìDignitatis Humanaeî, n∫ 3.
218 223
… um bem para a Religi„o catÛlica, atÈ para o bem comum temporal, quando Cf. Vaticano II, ìNostra Aetateî n∫ 2.
224
este repousa sobre a unanimidade religiosa dos cidad„os. O P. Pierre Reginald Cren O. P. opıe ‡ noÁ„o da FÈ, sua concepÁ„o
219
Vaticano I Const. Dog. ìDei Filiusî Dz n∫ 1789, n∫ 1810; Santo Tom·s, II-II, 2, personalista da revelaÁ„o: ìLa RevÈlation: dialogue entre la liberte divine et la
9 e 4, 2. liberte humaineî, seu artigo consagrado ‡ liberdade do ato de FÈ (LumiÈre et Vie,
220
Cf. explicaÁ„o anterior. n∫ 69, La Liberte Religieuse, p·g. 39).
do que seguir invenÁıes do seu prÛprio espÌrito, produÁıes humanas examinar se ela se acha de acordo com o sprincÌpios catÛlicos que
que n„o tÍm em si nada de divino, nem em seu princÌpio, nem em regem as relaÁıes da cidade temporal com a religi„o.
seu objeto, nem no motivo pelo qual aderiram a elas.
Limites da Liberdade Religiosa
Isto n„o quer dizer que n„o h· nada de verdadeiro em suas
convicÁıes, ou que n„o possam conservar sinais da RevelaÁ„o Para comeÁar, o Vaticano II afirma que a liberdade religiosa deve-se
primitiva ou posterior. Mas a presenÁa destas ìsemina Verbiî, n„o restringir aos ìjustos limitesî (DH. I), ìde acordo com as regras
basta por si para fazer de suas convicÁıes um ato de FÈ divina. jurÌdicas (...) conformes ‡ ordem moral objetiva, que s„o requeridas
Principalmente porque se Deus quisesse suscitar este ato para salvaguardar eficazmente os direitos de todos (...) a autÍntica
sobrenatural por sua GraÁa, na maioria dos casos se veria impedido paz p˙blica (...) assim como a proteÁ„o devida ‡ moralidade p˙blicaî
pela presenÁa de in˙meros erros e superstiÁıes aos quais estes (DH. 7). Tudo isto È muito razo·vel, mas deixa de lado a quest„o
homens continuam ligados. essencial que È a seguinte: o Estado n„o tem o dever, e por
conseguinte o direito de salvaguardar a unidade religiosa das pessoas
Frente ao subjetivismo e ao naturalismo dos liberais, devemos na Religi„o verdadeira, e de proteger as almas catÛlicas contra o
reafirmar hoje o car·ter objetivo e sobrenatural da FÈ divina que È a esc‚ndalo e a propagaÁ„o do erro religioso, e somente por isso
FÈ catÛlica e crist„. Somente ela tem o direito absoluto e inviol·vel limitar o exercÌcio dos cultos falsos e inclusive proibi-los, se
ao respeito e ‡ liberdade religiosa. necess·rio?

II Tal È a doutrina exposta com veemÍncia pelo Papa Pio IX na


ìQuanta Curaî, onde o pontÌfice condena a opini„o daqueles que,
Vaticano II e a Cidade Católica contrariamente ‡ doutrina da Escritura, da Igreja e dos Santos
Padres, n„o temem afirmar que ìo melhor governo È aquele em que
Procuremos encerrar o assunto. A DeclaraÁ„o conciliar sobre n„o se reconhece ao poder a funÁ„o de reprimir por sanÁıes, aos
liberdade religiosa se mostra desde logo contr·rio ao MagistÈrio violadores da Religi„o catÛlica, salvo se o exigir a paz p˙blica (PIN.
constante da Igreja225, e tambÈm n„o se situa na direÁ„o dos direitos 39, Dz. 1690). O sentido Ûbvio da express„o ìvioladores da Religi„o
definidos pelos ˙ltimos Papas226. Pelo que vimos, ela tambÈm n„o se catÛlicaî, È: aqueles que exercem publicamente um culto diferente
apÛia em nenhum fundamento revelado. Por ˙ltimo, È importante do catÛlico, ou que n„o observam publicamente as leis da Igreja. Pio
IX ensina portanto, que o Estado governa melhor quando reconhece
em si mesmo o ofÌcio de reprimir o exercÌcio p˙blico de cultos
225
CapÌtulo XXVII, primeira parte. falsos, somente pelo motivo de serem falsos e n„o apenas para
226
CapÌtulo XXVII, segunda parte.
salvaguardar a paz p˙blica; somente pelo motivo de que contrariam ìPara o pensamento contempor‚neo, o bem comum reside
a ordem crist„ e catÛlica da Cidade, e n„o porque a paz e a sobretudo na salvaguarda dos direitos e dos deveres da pessoa
moralidade p˙blicas possam ser afetadas. humanaî227.

Por isso deve-se dizer que os ìlimitesî fixados pelo ConcÌlio ‡ Certamente Pio XII, enfrentando os totalitarismos contempor‚neos,
liberdade religiosa s„o como poeira nos olhos que oculta o seu lhes opÙs legitimamente os direitos fundamentais da pessoa
defeito radical, que È o de n„o levar em conta a diferenÁa entre a humana228, o que n„o significa que a doutrina catÛlica se limite a
verdade e o erro. Contra toda justiÁa, pretende-se atribuir o mesmo isto. Ao forÁar a verdade em um sentido paternalista, acaba-se
direito ‡ verdadeira religi„o e ‡s falsas, e artificialmente procura-se entrando no jogo do individualismo furioso que os liberais lograram
limitar os prejuÌzos por meio de barreiras que est„o longe de introduzir na Igreja. Como destacaram Charles de Koninck (ìDe la
satisfazer ‡s exigÍncias da doutrina catÛlica. De bom grado PrimautÈ du bien Commum contre les Personnalistesî) e Jean
compararia ìos limitesî da liberdade religiosa aos muros de Madiran (ìLe PrÌncipe de TotalitÈî), n„o se luta contra o
seguranÁa das auto-estradas, que servem para conter os veÌculos totalitarismo exaltando o indivÌduo, mas recordando que o
quando o motorista perdeu o controle deles. Seria preferÌvel verdadeiro bem comum temporal est· ordenado positivamente,
entretanto, certificar-se antes se est„o dispostos a respeitar os mesmo se indiretamente, ao bem da Cidade de Deus, na terra e no
regulamentos de tr‚nsito. CÈu. N„o nos faÁamos c˙mplices dos personalistas em sua
secularizaÁ„o do direito!
Falsificação do Bem Comum Temporal
Concretamente e em outras palavras, o Estado (n„o falo dos paÌses
Vejamos agora os vÌcios fundamentais da liberdade religiosa. A n„o crist„os) antes de se preocupar em saber se as pessoas dos
argumentaÁ„o conciliar se apÛia em falso conceito personalista do muÁulmanos, dos Krishna, e dos Moon s„o molestados demais pela
bem comum, reduzido ‡ soma dos interesses particulares, ou como lei, deve velar e salvaguardar a alma crist„ do paÌs, que È o elemento
se diz, ao respeito das pessoas em detrimento da obra comum que se essencial do bem comum de uma naÁ„o ainda crist„. Quest„o de
deve cumprir para maior glÛria de Deus e o bem de todos. J· Jo„o detalhe, dir-se-·. N„o! Quest„o fundamental: È ou n„o È uma
XXIII em ìPacem in Terrisî, tende a adotar este ponto de vista doutrina catÛlica a concepÁ„o global da cidade catÛlica?
parcial e por conseguinte, falso. Ele escreve:

227
11 de abril de 1963, n∫ 61 da EncÌclica.
228
Cf. especialmente mensagem radiofÙnica de Natal 1942.
EspanhÛisî, carta dos direitos e deveres do cidad„o espanhol, previa
Ruína do Direito Público da Igreja sabiamente:

Eu diria que o pior da liberdade religiosa do Vaticano II s„o as suas ìO exercÌcio e a pr·tica da Religi„o catÛlica, que È a Religi„o
conseq¸Íncias: a ruÌna do direito p˙blico da Igreja, a morte do do Estado espanhol, gozar„o de proteÁ„o oficial. NinguÈm ser·
Reinado social de Nosso Senhor Jesus Cristo, e por ˙ltimo o incomodado nem por crenÁa, nem pelo exercÌcio privado de
indiferentismo religioso dos indivÌduos. Segundo o ConcÌlio, a Igreja seu culto. N„o ser„o permitidas nem cerimÙnias nem
pode ainda gozar de um reconhecimento especial por parte do manifestaÁıes externas diferentes das da Religi„o do
Estado, mas ela n„o tem um direito natural e primordial a este Estadoî229.
reconhecimento, mesmo em uma naÁ„o de maioria catÛlica;
acabaram com o princÌpio do estado confessional catÛlico, que fez a Esta intoler‚ncia aos cultos dissidentes est· perfeitamente
felicidade das naÁıes que haviam permanecido catÛlicas. A principal justificada: por um lado ela pode ser imposta ao Estado em nome de
aplicaÁ„o do ConcÌlio foi a supress„o dos Estados catÛlicos, sua sua ìCura Religionesî, de seu dever de proteger a Igreja e a FÈ de
laicizaÁ„o em virtude dos princÌpios do Vaticano II, inclusive a seus membros; por outro lado, a unanimidade religiosa dos cidad„os
pedido do prÛprio Vaticano. Todas as naÁıes catÛlicas (Espanha, na verdadeira FÈ, È um bem precioso e insubstituÌvel que È preciso
ColÙmbia, etc.) foram traÌdas pela prÛpria Santa SÈ, como aplicaÁ„o guardar a todo custo, ainda que apenas pelo prÛprio bem temporal de
do ConcÌlio. A separaÁ„o da Igreja e do Estado foi proclamada como uma NaÁ„o catÛlica. Isto È o que expressava o esquema sobre as
o ìregime idealî pelo Cardeal Casaroli e por Jo„o Paulo II, quando relaÁıes entre a Igreja e o Estado redigido pelo Cardeal Ottaviani.
se fez a reforma da Concordata Italiana. Este documento expunha simplesmente a doutrina catÛlica sobre a
quest„o, doutrina aplic·vel integralmente a uma naÁ„o catÛlica:
Por princÌpio, a Igreja se encontra reduzida ao direito comum
reconhecido pelo Estado a todas as religiıes; por uma impiedade ìAssim, da mesma maneira que o poder civil pensa ter o
inomin·vel, se encontra em pÈ de igualdade com a heresia, a perfÌdia direito de proteger a moralidade p˙blica, assim tambÈm com o
e a idolatria. Assim seu direito p˙blico È radicalmente aniquilado. fim de proteger os cidad„os contra as seduÁıes do erro, de
guardar a Cidade na unidade da FÈ, que È o bem supremo e
Na doutrina e na pr·tica, n„o fica nada do que havia sido o regime fonte de numerosos benefÌcios mesmo temporais, o poder civil
das relaÁıes p˙blicas da sociedade civil com a Igreja e as outras pode por si mesmo regular e moderar as manifestaÁıes
religiıes, e que se pode resumir com as seguintes palavras: p˙blicas dos outros cultos e defender os cidad„os contra a
reconhecimento da verdadeira Religi„o e eventual toler‚ncia,
229
limitada, das outras religiıes. Assim antes do ConcÌlio o ìForo dos Citado pelo Cardeal Ottaviani, ìLíEglise et la Citeî. Imp. Poliglota Vaticano,
1963, p·g. 275.
difus„o das falsas doutrinas que, a juÌzo da Igreja, pıem em Mas os atos dos cultos falsos, devem ser diferenciados uns dos
perigo sua eterna salvaÁ„oî230. outros de maneira cuidadosa. Os atos puramente internos escapam
por sua natureza a todo poder humano232. Entretanto os atos privados
As Confusões Mantidas Revelam a Apostasia Latente externos ‡s vezes podem ser submetidos ‡ regulamentaÁ„o de um
Estado catÛlico, se perturbam a ordem p˙blica, por exemplo, as
Como vimos, o ìForoî dos espanhÛis tolera o exercÌcio privado de reuniıes de oraÁ„o de n„o catÛlicos em residÍncias particulares.
falsos cultos, mas n„o tolera suas manifestaÁıes p˙blicas. Esta È uma Finalmente os atos de culto p˙blico ficam sob o jugo das leis que
classificaÁ„o cl·ssica que ìDignitatis Humanaeî se negou a aplicar. visam eventualmente, proibir toda publicidade dos falsos cultos. Mas
O ConcÌlio definiu a liberdade religiosa como um direito da pessoa como poderia o ConcÌlio concordar em fazer esta distinÁ„o, j· que se
em matÈria religiosa ìem particular ou em p˙blico, sÛ ou associadoî negava a distinguir a verdadeira Religi„o das falsas, o Estado
(DH. 2). O documento conciliar justificava esta falta de qualquer catÛlico do Estado n„o catÛlico, do Estado comunista, do Estado
distinÁ„o: ìcom efeito, a natureza social do homem requer que ele pluralista, etc? Pelo contr·rio, o esquema do Cardeal Ottaviani n„o
expresse exteriormente os atos internos de religi„o, que em matÈria deixava de fazer todas estas distinÁıes, absolutamente
religiosa tenha interc‚mbio com outros homens, que professe sua indispens·veis. Mas precisamente, e aÌ se vÍ a futilidade e a
religi„o sob uma forma comunit·riaî (DH. 3). impiedade do desÌgnio conciliar, Vaticano II quis definir um direito
que conviesse a todos os casos, independentemente da verdade. … o
Sem d˙vida alguma, a religi„o È um conjunto de atos da alma, n„o que haviam pedido os maÁons; havia aÌ uma apostasia latente da
sÛ interiores (devoÁ„o, oraÁ„o) como tambÈm exteriores (adoraÁ„o, Verdade que È Nosso Senhor Jesus Cristo.
sacrifÌcio) e n„o somente privados (oraÁ„o familiar) mas tambÈm
p˙blicos (ofÌcios religiosos nos edifÌcios de culto, digamos nas Morte do Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
igrejas, procissıes, peregrinaÁıes, etc.). Mas o problema n„o est· aÌ,
a quest„o È saber de que religi„o se trata: se È a verdadeira, ou se È Se o Estado j· n„o reconhece ter um dever especial a respeito da
uma falsa. Quanto ‡ verdadeira Religi„o, ela tem o direito de exercer verdadeira Religi„o do verdadeiro Deus, o bem comum da sociedade
todos os atos citados acima, ìcom uma prudente liberdadeî, como civil j· n„o est· ordenado para a cidade celestial dos bem-
diz Le„o XIII231, ou seja dentro dos limites da ordem p˙blica, n„o de aventurados, e a cidade de Deus sobre a terra, quer dizer a Igreja, se
maneira intempestiva. encontra privada de sua influÍncia benÈfica sobre toda a vida
p˙blica. Queiram ou n„o, a vida social se organiza fora da verdade e

230
Ver o texto integral do documento no Anexo.
231 232
ìLibertasî, PIN. 207. Excetuando o poder da Igreja sobre seus s˙ditos, que n„o È puramente humano.
da lei divina. A sociedade se torna atÈia. … a morte do Reinado Em outros tempos, a uni„o entre a igreja e o Estado catÛlico teve
Social de Nosso Senhor Jesus Cristo. como fruto a Cidade catÛlica, realizaÁ„o perfeita do Reino Social de
Nosso Senhor Jesus Cristo. Hoje a igreja do Vaticano II unida ao
… por certo o que fez o Vaticano II, quando Mons. de Smedt, relator Estado que quer que seja ateu, d· ‡ luz, desta uni„o ad˙ltera, a
do esquema de liberdade religiosa, afirmou trÍs vezes: ìO Estado sociedade pluralista, a babel das religiıes, a Cidade indiferentista
n„o È uma autoridade competente para fazer o julgamento da que È o desejo da MaÁonaria.
verdade ou falsidade em matÈria religiosaî233. Que declaraÁ„o
monstruosa a de afirmar que Nosso Senhor n„o tem mais o direito de O Reinado do Indiferentismo Religioso
reinar, de reinar sozinho, de impregnar todas as leis civis com a lei
do Evangelho! Quantas vezes Pio XII condenou semelhante Dizem: ìA cada qual sua religi„o!î ou ent„o ìA Religi„o catÛlica e
positivismo jurÌdico234, com pretens„o de que se deve separar a boa para os catÛlicos, mas a muÁulmana È boa para os
ordem jurÌdica da ordem moral porque n„o se poderia expressar em muÁulmanos!î. Esta È a divisa dos cidad„os da Cidade indiferentista.
termos jurÌdicos a distinÁ„o entre a verdadeira e as falsas religiıes. Como querem que pensem de outro modo quando a igreja do
Vamos reler o ìForo dos espanhÛisî! Vaticano II lhes ensina que as outras religiıes ìn„o est„o
desprovidas de significaÁ„o e de valor no mistÈrio da salvaÁ„oî235.
Mais ainda, para c˙mulo da impiedade, o ConcÌlio quis que o Estado Como querem que pensem de outro modo a respeito das outras
liberado de seus deveres para com Deus, passe a ser de agora em religiıes, quando o Estado concede a todas a mesma liberdade? A
diante a garantia de que nenhuma religi„o ìse veja impedida de liberdade religiosa ocasiona fatalmente o indiferentismo dos
manifestar livremente a efic·cia de sua doutrina para organizar a indivÌduos. Pio IX j· condenava no ìSyllabusî a seguinte
sociedade e vivificar toda atividade humanaî (DH. 4). Assim proposiÁ„o:
Vaticano II, convida a Nosso Senhor para vir organizar e vivificar a
sociedade juntamente com Lutero, MaomÈ e Buda. … o que Jo„o ì… falso declarar que a liberdade civil de todos os cultos e o
Paulo II quis realizar em Assis, projeto Ìmpio e blasfemo. poder dado a todos de manifestar aberta e publicamente todos
os pensamentos, lancem mais facilmente os povos na
corrupÁ„o dos costumes e do espÌrito e propaguem a peste do
indiferentismoî236.
233
ìRelatio de reemendatione schematis emendati, 28 de maio de 1965,
documento 4 SC.
234
Pio XII, Carta de 19 de outubro de 1945 para a XIX Semana Social dos
235
catÛlicos italianos, AAS, 37, 274; AlocuÁ„o ìCom vivo compiacimentoî de 13 de Dec. Sobre ecumenismo, ìUnitatis Redintegratioî, n∫ 3.
236
novembro de 1945 ao Tribunal da Rota, PIN. 1064, 1072. ProposiÁ„o 79.
… o que nÛs vemos: depois da DeclaraÁ„o sobre a liberdade
religiosa, a maioria dos catÛlicos est· persuadida de que ìos CAPÕTULO XXIX
homens podem encontrar o caminho da salvaÁ„o eterna e obtÍ-
la no culto de qualquer religi„oî237. TambÈm se cumpriu o UM CONCÍLIO PACIFISTA
plano dos maÁons: lograram, por um concÌlio da Igreja catÛlica
que ela ìassumisse o grande erro do tempo atual, que consiste
em (...) por em pÈ de igualdade todas as formas religiosasî238. O di·logo e a livre procura proposta pelo ConcÌlio, s„o sintomas
caracterÌsticos do liberalismo do Vaticano II. Quiseram inventar
Ser· que todos os Padres conciliares que deram seu voto a novos mÈtodos de apostolado para os n„o crist„os, deixando de lado
ìDignitatis Humanaeî e que proclamaram com Paulo VI a liberdade o espÌrito mission·rio. … o que chamei de ìapostasia dos princÌpiosî,
religiosa, perceberam que de fato tiraram o cetro de Nosso Senhor que caracteriza o espÌrito liberal. Ainda mais, o liberalismo que
Jesus Cristo, arrancando-lhe a coroa de sua Realeza Social? Deram- impregnou o concÌlio chegou atÈ ‡ traiÁ„o, assinando a paz com os
se conta de que, concretamente, haviam tirado do trono a Nosso inimigos da Igreja. Quiseram fazer um concÌlio pacifista.
Senhor Jesus Cristo, do Trono de sua Divindade? Ter„o
compreendido que fazendo-se eco das naÁıes apÛstatas, faziam s Lembrem como Jo„o XXIII, em sua alocuÁ„o de abertura do
Op. Cit. P·g. 15.ubir atÈ Seu Trono estas execr·veis blasfÍmias: ConcÌlio, expÙs a nova atitude que a Igreja devia ter com respeito
ìN„o queremos que Ele reine sobre nÛsî (Lc 19, 14); ìN„o temos aos erros que ameaÁavam a doutrina: recordando que a Igreja nunca
outro rei, sen„o CÈsar!î (Jo 19, 15). Mas Ele, rindo do burburinho deixou de se opor aos erros e que freq¸entemente os havia
confuso de vozes que subia desta assemblÈia de insensatos, retira- condenado com grande severidade, o Papa deixou claro, diz
lhes Seu EspÌrito. Wiltgen239, que agora a Igreja prefere ìutilizar o remÈdio da
misericÛrdia antes que o rigor, e julgava oportuno, nas
circunst‚ncias atuais, expor com mais amplid„o a forÁa de sua
doutrina do que recorrer ‡s condenaÁıesî. N„o se trata somente de
expressıes lament·veis que manifestam um pensamento bastante
confuso, mas de um programa que expressa o pacifismo que
caracterizou o ConcÌlio.

237
Syllabus, proposiÁ„o condenada n∫ 17.
238 239
Le„o XIII, EncÌclica ìHumanum Genusî, sobre os maÁons, 20 de abril de 1884. Op. Cit. P·g. 15.
… necess·rio, dizia-se, fazer a paz com os maÁons, a paz com os lit˙rgica. VÛs formulareis vossos desejos e a eles nÛs ajustaremos
comunistas, a paz com os protestantes. Deve-se acabar com estas nosso culto! Assim aconteceu: foi a constituiÁ„o sobre a liturgia
guerras intermin·veis, esta hostilidade permanente! ìSacrosanctum Conciliumî, primeiro documento promulgado pelo
Vaticano II, que d· os princÌpios e o programa detalhado da
… o que havia dito Mons. Montini, ent„o substituto na Secretaria de adaptaÁ„o lit˙rgica, feita de acordo com o protestantismo240; depois
Estado, quando em uma de minhas visitas ‡ Roma nos anos o ìNovus Ordo Missaeî promulgado por Paulo VI em 1969.
cinq¸enta lhe pedi a condenaÁ„o do ìRearmamento Moralî; ele
respondeu: ìAh, n„o se deve estar sempre condenando, condenando! ó ìComunistas, o que solicitais, para que possamos ter a felicidade
A Igreja parecer· uma madrasta!î Estas foram as palavras usadas de receber alguns representantes da Igreja Ortodoxa Russa no
por Mons. Montini, substituto do Papa Pio XII. Ainda me lembro ConcÌlio? Alguns emiss·rio do K.G.B.!î A condiÁ„o exigida pelo
como se fosse hoje. Portanto, n„o mais condenaÁıes, n„o mais patriarca de Moscou, foi a seguinte: ìN„o condeneis o Comunismo
an·temas! Pactuemos! no ConcÌlio, n„o faleis neste tema!î. (Eu acrescentaria: sobretudo
nada de consagrar a R˙ssia ao OraÁ„o Imaculado de Maria!) e
O Pacto Triplo tambÈm ìmanifestai a abertura do di·logo conoscoî. E o acordo241
se fez, a traiÁ„o foi consumada: ìEstamos de acordo, n„o
ó ìMaÁons, o que quereis?î O que solicitais de nÛs? Tal È a condenaremos o comunismo!î Isto mesmo foi executado ao pÈ da
pergunta que o Cardeal Bea fez aos Bnai Bírith antes do comeÁo do letra: eu mesmo levei, juntamente com Mons. De ProenÁa Sigaud,
ConcÌlio: a entrevista foi relatada por todos os jornais de Nova uma petiÁ„o com 450 assinaturas de Padres conciliares ao Secret·rio
Iorque, onde ela se realizou. Os maÁons responderam que queriam a do ConcÌlio Mons. Felici, solicitando que o ConcÌlio pronunciasse
ìliberdade religiosa!î, o que quer dizer todas as religiıes em plano uma condenaÁ„o da mais espantosa tÈcnica de escravid„o da histÛria
de igualdade. A Igreja, de agora em diante, n„o h· de ser chamada a humana, o comunismo. Depois, como nada acontecia, perguntei
˙nica e verdadeira religi„o, o ˙nico caminho de salvaÁ„o, a ˙nica onde estava nosso pedido. Procuraram e finalmente me responderam
admitida pelo Estado. Terminemos com estes privilÈgios com uma desenvoltura que me deixou estupefato: ìSeu pedido se
inadmissÌveis e declarai ent„o a liberdade religiosa. Eles o extraviou numa gaveta...î242. E n„o se condenou o comunismo; ou
conseguiram: foi a ìDignitatis Humanaeî.
240
ó ìProtestantes, o que quereis?î O que solicitais para que vos Os princÌpios da revoluÁ„o lit˙rgica se encontravam nele, mas de modo que se
passaram desapercebidos aos desavisados.
possamos satisfazer e rezar juntos? A resposta foi: Trocai vosso 241
Entre o Cardeal Tisserant, mandat·rio do Papa Jo„o XXIII e Mons. Nicodeme,
culto, retirai aquilo que n„o podemos admitir! Muito bem, lhes foi concluÌdo em Metz em 1962 (Cf. Itineraires, abril de 1963, fevereiro de 1964,
dito, inclusive os chamaremos quando formos elaborar a reforma julho e agosto de 1984).
242
Cf. Wiltgen, p·g. 269-274.
melhor, o ConcÌlio cuja intenÁ„o era discernir ìos sinais dos
temposî, foi condenado por Moscou a guardar silÍncio sobre o mais Eu pergunto, na verdade o que tem a ver o homem santo com esta
evidente e monstruoso dos sinais dos tempos atuais! coleÁ„o de imundÌcies? Principalmente porque Paulo VI recapitula o
que acabava de descrever, citando o humanismo leigo e profano:
Est· claro que houve no ConcÌlio Vaticano II um entendimento com
os inimigos da Igreja, para terminar com as hostilidades para com ìO humanismo leigo e profano apareceu finalmente em
eles. … um entendimento com o diabo! enormes proporÁıes, e de certo modo desafiou o ConcÌlio. A
religi„o do Deus que se fez homem, teve que enfrentar a
A Igreja Convertida para o Mundo religi„o (pois È uma) do homem que se fez Deus. O que
aconteceu? Um choque, uma luta, um an·tema? Isto poderia
O espÌrito pacifista do ConcÌlio me parece muito bem caracterizado ter acontecido, mas n„o aconteceu. A velha histÛria do
pelo Papa Paulo VI, em seu discurso da ˙ltima sess„o p˙blica do Samaritano foi modelo da espiritualidade do ConcÌlio. Uma
Vaticano II, em 17 de dezembro de 1965. A Igreja e o homem ilimitada simpatia invadiu inteiramente o ConcÌlio. A
moderno, a Igreja e o mundo, s„o os temas considerados pelo descoberta das necessidades humanas (tanto maiores quanto
ConcÌlio que Paulo VI define maravilhosamente: mais crescido È o filho da terra), absorveu a atenÁ„o de nosso
SÌnodo. VÛs humanistas modernos, reconhecei-lhe pelo menos
ìA Igreja do ConcÌlio, na verdade n„o se contentou em refletir este mÈrito, e procurai reconhecer nosso novo humanismo: nÛs
sobre a prÛpria natureza e sobre as relaÁıes que a unem a tambÈm, nÛs mais do que qualquer um, temos o culto do
Deus; tambÈm se ocupou especialmente do homem, tal como homemî.
na realidade se apresenta em nossa Època, homem vivente,
homem inteiramente preocupado consigo mesmo, o homem Est· assim explicado de um modo ingÍnuo e lÌrico, mas claro e
que n„o somente se faz centro de tudo que lhe interessa, mas terrÌvel o que foi, n„o o espÌrito, mas a espiritualidade do ConcÌlio:
que tem a audaz pretens„o de ser o princÌpio e a raz„o ˙ltima uma ìsimpatia ilimitadaî pelo homem leigo, pelo homem sem Deus.
de toda realidade (...)î. Se ao menos houvesse sido para elevar o homem caÌdo, mostrar-lhe
suas chagas mortais para cur·-lo com um remÈdio eficaz, para sar·-
Segue-se uma enumeraÁ„o das misÈrias do homem sem Deus e de lo e conduzi-lo ao interior da Igreja, para submetÍ-lo a seu Deus...
suas falsas grandezas, e que termina assim: Mas n„o! Foi para poder dizer ao mundo: a Igreja tambÈm tem o
culto do homem.
ì... o homem pecador e o homem santo; assim
sucessivamenteî.
N„o tenho d˙vida em afirmar que o ConcÌlio levou a cabo a CAPÕTULO XXX
convers„o da Igreja para o mundo. VocÍs podem adivinhar quem foi
o animador desta espiritualidade: basta que recordem daquele que VATICANO II – TRIUNFO DO LIBERALISMO DITO
Nosso Senhor Jesus Cristo chama de o PrÌncipe deste mundo. CATÓLICO

N„o creio que me possam chamar de exagerado, quando digo que o


ConcÌlio representou o triunfo das idÈias liberais; os capÌtulos
anteriores expuseram suficientemente os fatos: as tendÍncias
liberais, as t·ticas e os Íxitos dos liberais no ConcÌlio e finalmente
seus pactos com os inimigos da Igreja.

Os prÛprios liberais, os catÛlicos liberais, proclamam que o Vaticano


II foi a sua vitÛria. Na entrevista com o jornalista Messori, o Cardeal
Ratzinger, antigo ìespecialistaî do espÌrito liberal do ConcÌlio
explica como Vaticano II planejou e resolveu o problema da
assimilaÁ„o dos princÌpios liberais pela Igreja CatÛlica; n„o diz que
terminou em um Íxito admir·vel, mas afirma que a assimilaÁ„o foi
feita:

ìO problema dos anos sessenta era adquirir os melhores


valores aparecidos na era da cultura ëliberalí. S„o valores que
mesmo nascidos fora da Igreja, podem encontrar seu lugar
depois de depurados e corrigidos, na sua vis„o do mundo. … o
que foi feitoî243.

Como se fez isto? Sem d˙vida no ConcÌlio, que ratificou os


princÌpios liberais em ìGaudium et Spesî e ìDignitatis Humanaeî.

243
Revista mensal ìJesusî, novembro de 1984, p·g. 72.
Como se fez? Mediante uma tentativa condenada ao fracasso, do Eis aqui o que escrevia Lamennais, em um prospecto destinado a
tipo da quadratura do cÌrculo: casar a Igreja com os princÌpios da fazer conhecer seu di·rio ìLíAvenirî:
RevoluÁ„o. … precisamente o fim, a ilus„o dos catÛlicos liberais.
ìTodos os amigos da religi„o devem compreender que ela
O Cardeal Ratzinger n„o se ufana muito da empresa, inclusive julga necessita somente de uma coisa: a liberdade ì.
o resultado com severidade:
Ent„o como podem ver, tanto em Lamennais como no Vaticano II,
ìMas agora o clima È diferente, ficou escurecido em relaÁ„o trata-se do mesmo princÌpio liberal de ìsomente a liberdadeî; nada
‡quele que justificava um otimismo sem d˙vida ingÍnuo. de privilÈgios para a verdade, para Nosso Senhor Jesus Cristo, para a
Agora È preciso procurar novo equilÌbrioî244. Igreja CatÛlica. N„o! A mesma liberdade para todos: para o erro
como para a verdade, para MaomÈ como para Jesus Cristo. Isto n„o
Portanto o equilÌbrio ainda n„o foi encontrado, vinte anos depois! È o reconhecimento do mais puro liberalismo ìchamado catÛlicoî?
Entretanto continua a procura: È a ilus„o liberal de sempre!
Marcel PrÈlot relembra a histÛria deste liberalismo, atÈ seu triunfo
Menos pessimistas, outros catÛlicos liberais pelo contr·rio, cantam no Vaticano II:
abertamente a vitÛria: o ConcÌlio È nossa vitÛria. Leiam por exemplo
a obra de Marcel PrelÛt, membro do ìDoubsî, sobre a histÛria do ìO liberalismo catÛlico (...) conhece vitÛrias; aparece com a
catolicismo liberal245. O autor comeÁa por colocar em destaque dois circular de Eckstein em 1814; brilha com a grande difus„o de
textos, um de Paulo VI e um de Lamennais, cuja comparaÁ„o È ìLíAvenirî no outono de 1830; conhece vitÛrias e crises
reveladora. Eis abaixo o que diz Paulo VI na mensagem do ConcÌlio alternadas atÈ que a mensagem do Vaticano II aos governantes
aos governantes, em 8 de dezembro de 1965: marca seu fim: suas reivindicaÁıes fundamentais, aprovadas e
depuradas, s„o recebidas pelo prÛprio ConcÌlio. TambÈm hoje
ìO que vos pede esta Igreja depois de quase dois mil anos de È possÌvel considerar o liberalismo catÛlico, tal como È em si
problemas de todo tipo em sua relaÁ„o convosco, poderes da mesmo. Escapa ‡s confusıes que atrapalharam sua carreira,
terra: o que vos pede hoje? Ela j· vos disse em um dos textos que em certos momentos estiveram a ponto de fazÍ-la terminar
mais importantes do ConcÌlio: n„o vos pede mais do que prematuramente; assim vemos que n„o È uma sucess„o de
Liberdadeî. ilusıes piedosas professadas por sombras transparentes, mas
como um pensamento comprometido, havendo imposto sua
influÍncia durante um sÈculo e meio sobre os espÌritos e sobre
244
Idem (nota 1). as leis, antes de receber a aceitaÁ„o definitiva desta Igreja, que
245
Armand Colin, Ed.
ele havia servido t„o bem, mas onde havia sido t„o E este maÁom, logicamente liberal, diz a verdade: todas as idÈias
freq¸entemente desconhecidoî. pelas quais lutaram um sÈculo e meio, foram confirmadas pelo
ConcÌlio: liberdade de pensamento, de consciÍncia e de cultos,
Isto confirma o que havÌamos dito: o Vaticano II È o ConcÌlio do foram inscritas neste com a proclamaÁ„o da liberdade religiosa de
triunfo do Liberalismo. ìDignitatis Humanaeî e a objeÁ„o de consciÍncia de ìGaudium et
Spesî. Isto n„o se fez por causalidade, mas graÁas a homens que,
Tem-se mais uma confirmaÁ„o ao ler o livro de M. Yves Marsaudon infectados de liberalismo, chegaram ‡ Sede de Pedro e usaram seu
ìLíoecumÈnisme vu par Franc-maÁon de Traditionî, escrito durante poder para impor estes erros ‡ Igreja. Sim, na verdade o ConcÌlio
o ConcÌlio. Marsaudon sabe o que diz: Vaticano II È a consagraÁ„o do catolicismo liberal. Quando se
lembra que o Papa Pio IX, setenta e cinco anos antes dizia e repetia
ìOs crist„os n„o devem esquecer que todos os caminhos ‡queles que visitavam Roma: ìAtenÁ„o, n„o h· piores inimigos para
conduzem a Deus (...) e se manter nesta valente noÁ„o da a Igreja do que os catÛlicos liberais!î. Pode-se sentir ent„o que
liberdade de pensar, que agora se pode falar de revoluÁ„o saÌda cat·strofe constituiu para a Igreja e para o reinado de Nosso Senhor
de nossas lojas maÁÙnicas, que se estendeu magnificamente Jesus Cristo, tais papas liberais e tal ConcÌlio!
sobre a c˙pula de S„o Pedroî.

Ele triunfa, nÛs choramos! E o autor acrescenta estas linhas terrÌveis,


entretanto verdadeiras:

ìQuando Pio XII decidiu dirigir diretamente o importante


MinistÈrio de Assuntos Estrangeiros, a Secretaria de Estado,
Mons. Montini foi elevado ao posto muito pesado de arcebispo
da maior diocese da It·lia, Mil„o, mas n„o recebeu a p˙rpura.
Canonicamente n„o havia impedimento, mas era difÌcil, sob o
ponto de vista da tradiÁ„o vigente, que pela morte de Pio XII
ele pudesse subir ao Supremo Pontificado. Ent„o veio um
homem, chamado Jo„o como o Precursor, e tudo comeÁou a
mudarî.
CAPÕTULO XXXI recorrer a estas explicaÁıes; penso inclusive que È um erro seguir
certas hipÛteses.
PAULO VI – PAPA LIBERAL
Outros pensam de modo simplista, que havia ent„o dois papas: um, o
verdadeiro, estava prisioneiro nos porıes do Vaticano, enquanto o
Talvez perguntem, como È possÌvel que o liberalismo tenha outro, o impostor, o sÛsia, ocupava o trono de S„o Pedro, para a
triunfado atravÈs dos Papas Jo„o XXIII e Paulo VI e mediante o infelicidade da Igreja. Livros foram escritos sobre ìos dois papasî,
ConcÌlio Vaticano II? Como se pode conciliar esta cat·strofe com as baseados em revelaÁıes de uma pessoa possuÌda do demÙnio e em
promessas feitas por Nosso Senhor ‡ Pedro e ‡ sua Igreja: ìAs portas argumentos pseudocientÌficos que afirmam, por exemplo, que a voz
do inferno n„o prevalecer„o contra Elaî (Mt 16, 18); ìEu estarei do sÛsia n„o È a do verdadeiro Paulo VI!
convosco todos os dias, atÈ o fim do mundo? (Mt 28, 20) Creio que
n„o h· contradiÁ„o efetivamente, na medida em que estes Papas e o Finalmente outros pensam que Paulo VI n„o foi respons·vel pelos
ConcÌlio negligenciaram ou recusaram fazer uso da infalibilidade. seus atos, sendo prisioneiro dos que o cercavam, inclusive drogado.
Deixando de usar este carisma, que lhes È assegurado pelo EspÌrito Isto estaria corroborado por v·rias testemunhas de um papa
Santo sempre e quando o queiram usar, puderam cometer erros fisicamente esgotado, inclusive necessitando ser amparado, etc... A
doutrinais e com maior raz„o ainda, deixar penetrar o inimigo na meu ver È uma soluÁ„o demasiadamente simples, pois ent„o n„o
Igreja, graÁas ‡ sua negligÍncia e cumplicidade. Em que grau foram terÌamos mais que esperar um prÛximo papa. Mas j· tivemos (n„o
c˙mplices? De que faltas foram culpados? Em que medida sua falo de Jo„o Paulo I, que reinou somente um mÍs) outro papa, Jo„o
funÁ„o fica questionada? Paulo II, que prosseguiu ininterruptamente na linha traÁada por
Paulo VI.
… evidente que a Igreja, um dia, julgar· este ConcÌlio, julgar· estes
Papas. E em especial, como ser· julgado o Papa Paulo VI? Alguns A soluÁ„o real me parece que È outra, muito mais complexa, penosa
afirmam que fui herege, cism·tico e apÛstata; outros crÍem poder e dolorosa. O caminho nos È dado por um amigo de Paulo VI, o
demonstrar que Paulo VI n„o tinha em vista o bem da Igreja, e Cardeal DaniÈlou: em suas ìMemÛriasî publicadas por um membro
portanto n„o foi papa, È a tese dos ìSedes Vacansî. N„o nego que de sua famÌlia, o Cardeal diz explicitamente: ì… evidente que Paulo
estas opiniıes tenham algum argumento ‡ seu favor. Poder„o dizer VI È um papa liberalî.
que em trinta anos se descobrir„o coisas que estavam ocultas ou se
ver· melhor elementos que deveriam ter sido mais claros para os Esta È a soluÁ„o que me parece historicamente mais verossÌmil: pois
contempor‚neos, como afirmaÁıes deste Papa absolutamente este papa È como um fruto do liberalismo, toda sua vida foi
contr·rias ‡ tradiÁ„o da Igreja, etc. Pode ser, mas creio necess·rio
impregnada de influÍncia de homens que o rodeavam ou que tomou ìSe verdadeiramente, como dizÌamos, a Igreja tem consciÍncia
por mestres, e que eram liberais. do que o Senhor quer que ela seja, surge nela uma singular
plenitude e uma necessidade de express„o, com a clara
N„o escondeu suas simpatias liberais: no ConcÌlio, em lugar dos consciÍncia de uma miss„o que a excede e uma novidade que
presidentes designados por Jo„o XXIII, colocou homens que deve propagar. … a obrigaÁ„o de evangelizar, È o mandato
chamou de moderadores. Estes moderadores foram: Cardeal mission·rio, È o dever de apostolado (...). NÛs sabemos bem:
Agagianian, cardeal da C˙ria sem personalidade, e os Cardeais ëIde e ensinai a todas as naÁıesí, È o ˙ltimo mandamento de
Lercaro, Suenens e DÚpfner; estes trÍs ˙ltimos, liberais e seus Cristo a seus apÛstolos. Isto define sua irrecus·vel miss„o,
amigos pessoais. Os antigos presidentes foram relegados a uma mesa pelo prÛprio nome de apÛstolosî.
de honra e foram os trÍs moderadores que dirigiram os debates do
ConcÌlio. Da mesma maneira, Paulo VI sustentou durante todo o Esta È a tese, imediatamente seguida pela antÌtese:
ConcÌlio a facÁ„o liberal que se opunha ‡ tradiÁ„o da Igreja, isto È
um fato conhecido. Como j· lhes disse, Paulo VI repetiu ao fim do ìA propÛsito deste impulso interior de caridade que tente a se
ConcÌlio as palavras de Lamennais textualmente: ìA Igreja n„o pede transformar em um dom exterior, nÛs usaremos o nome que È
mais do que a liberdadeî. Doutrina condenada por GregÛrio XVI e atualmente usual: di·logo.
Pio IX!
A Igreja deve manter di·logo com o mundo em que vive. A
… ineg·vel que Paulo VI esteve fortemente influenciado pelo Igreja se faz palavras, a Igreja se faz mensagem, a Igreja se faz
liberalismo. Isto explica a evoluÁ„o histÛrica vivida pela Igreja conversaÁ„oî.
nestas ˙ltimas dÈcadas e caracteriza muito bem o comportamento
pessoal de Paulo VI. Como j· lhes disse, o liberal È um homem que Finalmente vem a tentativa de sÌntese, que n„o faz mais do que
vive sempre em contradiÁ„o; afirma os princÌpios mas faz o consagrar a antÌtese:
contr·rio, vive sempre na incoerÍncia.
ì(...) inclusive antes de converter o mundo, principalmente
Deixem-me citar alguns exemplos destes binÙmios tese-antÌtese, em para convertÍ-lo, È necess·rio acercar-se dele e falar com
que Paulo VI se destacava ao propor tantos problemas insol˙veis que eleî246.
refletiam seu espÌrito ansioso e paradoxal. A encÌclica ìEclesiam
Suamî, de 6 de agosto de 1964, que È a carta-programa de seu
pontificado, nos ilustra a este respeito:
246
Documentos pontificais de Paulo VI, 1964. Ed. ST. Augustin, Saint Maurice,
p·gs. 677-679.
Mais graves e mais caracterÌsticas da psicologia liberal de Paulo VI, Perdemos a lÌngua dos sÈculos crist„os, nos tornamos intrusos
s„o as palavras com que logo apÛs o ConcÌlio declara a supress„o do e profanamos o domÌnio liter·rio da express„o sagrada.
latim na liturgia. Logo apÛs haver recordado os benefÌcios do latim: Perdemos assim em grande parte esta admir·vel e
lÌngua sagrada, lÌngua est·vel, lÌngua universal, pede em nome da incompar·vel riqueza artÌstica e espiritual que È o canto
adaptaÁ„o o ìsacrifÌcioî do latim, confessando inclusive que ser· gregoriano. Sem d˙vida, temos raz„o em sentir pesar e
uma grande perda para a Igreja! Eis aqui as prÛprias palavras do desconcertoî.
Papa Paulo VI, citadas por Louis Salleron em sua obra ìA Nova
Missaî247: Portanto, tudo deveria dissuadir Paulo VI de realizar tal ìsacrifÌcioî
e persuadi-lo a conservar o latim. Mas n„o, acomodando-se em
Em 7 de marÁo de 1965, Paulo VI declarava ‡ multid„o de fiÈis sentido oposto em seu ìdesconcertoî, de um modo singularmente
reunidos na PraÁa S„o Pedro: masoquista, vai agir em sentido oposto aos princÌpios que acabava
de enumerar, e vai decretar o ìsacrifÌcioî em nome da compreens„o
ì… um sacrifÌcio da Igreja renunciar ao latim, lÌngua sagrada, e da oraÁ„o, argumento enganador que n„o passava de um pretexto
bela, expressiva, elegante. Ela sacrificou sÈculos de tradiÁ„o e dos modernistas.
unidade da lÌngua, por uma crescente aspiraÁ„o ‡
universalidadeî. O latim lit˙rgico nunca foi obst·culo para convers„o dos infiÈis ou
para a educaÁ„o crist„; pelo contr·rio os povos simples da ¡frica e
E a 4 de maio de 1967, o ìsacrifÌcioî era consumado com a instruÁ„o da ¡sia gostam do canto gregoriano e desta lÌngua una e sagrada,
ìTrÍs Abhinc Annosî, que estabelecia o uso da lÌngua vulgar na sinal de ades„o ‡ catolicidade. A experiÍncia prova que onde o latim
recitaÁ„o em voz alta do C‚non da missa. n„o foi imposto pelos mission·rios da Igreja latina, ficaram ocultos
os germes de cismas futuros.
Este ìsacrifÌcioî, no espÌrito de Paulo VI, parece ter sido definitivo.
Em 26 de novembro, ele explica ao apresentar o novo rito da missa: Paulo VI pronuncia ent„o a sentenÁa contraditÛria:

ìJ· n„o È o latim, mas a lÌngua vern·cula a lÌngua principal da ìA resposta parece trivial e prosaica, porÈm boa por ser
missa. Para quem conhece a beleza, o poder do latim, sua humana e apostÛlica: a compreens„o da oraÁ„o È mais valiosa
capacidade de expressar as coisas sagradas, ser· certamente do que as antigas roupas de seda, eleg‚ncia real com que
um grande sacrifÌcio vÍ-lo substituÌdo pela lÌngua vulgar. estava revestida. Mais preciosa È a participaÁ„o do povo, deste
povo que hoje quer que se fale claramente, de maneira
inteligÌvel que se possa traduzir em sua linguagem profana. Se
247
ColeÁ„o ìItinerairesî, NEL, 2™. EdiÁ„o, 1976, p·g. 83.
a nobre lÌngua latina nos separasse das crianÁas, dos jovens, do queiram) catÛlica, n„o teve d˙vida em contradizer a tradiÁ„o,
mundo de trabalho e dos negÛcios, se fosse um biombo opaco mostrou-se favor·vel ‡s mudanÁas, batizando-as de mutaÁıes e
em vez de ser um cristal transparente, nÛs pescadores de almas progresso, indo assim na mesma direÁ„o dos inimigos da Igreja que
terÌamos uma atitude certa conservando-a na exclusividade da o estimularam.
linguagem de oraÁ„o e da religi„o?î
N„o se viu um dia, no ano 76 o ìIzvestiaî, Ûrg„o do partido
Que confus„o mental! Quem me impede de rezar em minha lÌngua? comunista russo, reclamar de Paulo VI em nome do Vaticano II
Mas a oraÁ„o lit˙rgica n„o È uma oraÁ„o privada, È a oraÁ„o de toda minha condenaÁ„o e a de EcÙne?
a Igreja. TambÈm outra confus„o lament·vel, a liturgia n„o È um
ensinamento dirigido ao povo, mas o culto dirigido pelo povo crist„o Igualmente, o di·rio comunista ìLíUnit·î expressou uma solicitaÁ„o
a Deus. Uma coisa È o catecismo, outra a liturgia! N„o se trata para o similar, reservando-lhe uma p·gina inteira, quando pronunciei meu
povo reunido na Igreja ìque se fale claramenteî, mas que este povo serm„o em Lille em 29 de agosto de 1976. Como estava furioso, por
possa louvar a Deus de maneira mais bela, mais sagrada e mais causa de meus ataques ao comunismo! Dirigindo-se a Paulo VI,
solene que exista! ìRezar a Deus com belezaî, tal era a m·xima diziam: ìTomai consciÍncia do perigo que representa Lefebvre, e
lit˙rgica de S„o Pio X. Quanta raz„o ele tinha! continuai o magnÌfico movimento de aproximaÁ„o iniciado com o
ecumenismo do Vaticano IIî.
Como vocÍs podem ver, o liberal È um espÌrito paradoxal e confuso,
angustiado e contraditÛrio; assim foi Paulo VI. Louis Salleron o … um pouco incÙmodo ter amigos como estes, n„o lhes parece?
explica muito bem quando descreve o aspecto fÌsico de Paulo VI. Triste ilustraÁ„o de uma regra que temos destacado: o liberalismo
Ele diz: ìtem dupla faceî. N„o fala de duplicidade, pois este termo leva do compromisso ‡ traiÁ„o.
expressa uma intenÁ„o perversa de enganar, que n„o era a de Paulo
VI. … um personagem duplo, cujo rosto contraditÛrio expressa a A psicologia de um papa liberal È facilmente compreensÌvel, mas
dualidade: ora tradicional nas palavras, ora modernista em seus atos; difÌcil de suportar! Com efeito, nos pıe em uma situaÁ„o muito
ora catÛlico em sua premissas e princÌpios, ora progressista em sua delicada em relaÁ„o a tal chefe, seja Paulo VI, seja Jo„o Paulo II...
conclusıes, n„o condenando o que deveria condenar e condenando o Na pr·tica, nossa atitude deve se fundar em um discernimento
que deveria aprovar. prÈvio, necess·rio para a circunst‚ncia extraordin·ria que significa
um papa conquistado pelo liberalismo. Eis aqui este discernimento:
Com esta debilidade psicolÛgica este papa oferece uma ocasi„o quando o papa diz alguma coisa de acordo com a tradiÁ„o, o
sonhada, uma grande possibilidade aos inimigos da Igreja de se seguimos; quando diz alguma coisa contr·ria ‡ nossa fÈ, ou quando
servir dele. Sempre guardando uma cara (ou meia cara, como sustente ou deixe fazer algo que pıe em perigo nossa fÈ, ent„o n„o
podemos segui-lo! Isto pela raz„o fundamental de que a Igreja, o CAPÕTULO XXXII
Papa, e a hierarquia est„o a serviÁo de nossa fÈ. N„o s„o eles que
fazem a fÈ, devem servir a ela. A fÈ n„o se faz, È imut·vel, a fÈ se UM LIBERALISMO SUICIDA
transmite. AS REFORMAS PÓS-CONCILIARES

Por este motivo, n„o podemos seguir os atos destes papas feitos com
a finalidade de confirmar uma aÁ„o que vai contra a tradiÁ„o. Seria Os espÌritos leais e um mÌnimo perspicazes, falam de ìcrise da
colaborar com a autodemoliÁ„o da Igreja, com a destruiÁ„o de nossa Igrejaî, para assinalar a Època pÛs-conciliar. Antigamente se falou
fÈ! da ìcrise arianaî, da ìcrise protestanteî, mas nunca na ìcrise da
Igrejaî... Mas infelizmente nem todos concordam com as causas
Fica claro que o que nos pedem sem cessar: completa submiss„o ao desta tragÈdia. O Cardeal Ratzinger por exemplo, vÍ bem a crise,
Papa e ao ConcÌlio, aceitaÁ„o de toda reforma lit˙rgica, vai em mas desculpa totalmente o ConcÌlio e as reformas pÛs-conciliares.
sentido oposto ‡ tradiÁ„o na medida em que o Papa, o ConcÌlio e as ComeÁa por reconhecer a crise:
reformas nos arrastam para longe da tradiÁ„o, como os fatos provam
atravÈs de anos. Assim pedir-nos isto significa pedir-nos colaborar ìOs resultados que vieram depois do ConcÌlio parecem
com o desaparecimento da fÈ. ImpossÌvel! Os m·rtires morreram cruelmente opostos ao que todos esperavam, comeÁando pelo
para defender a fÈ; temos exemplos dos crist„os prisioneiros, Papa Jo„o XXIII e depois Paulo VI (...). Os papas e os Padres
torturados, enviados a campos de concentraÁ„o por sua fÈ! Um gr„o conciliares esperavam uma nova unidade catÛlica, e pelo
de incenso oferecido ‡ divindade, teria salvo suas vidas. Me tÍm contr·rio chegou-se a uma dissens„o que, como disse Paulo
aconselhado algumas vezes: ìAssinai, assinai que aceitais e tudo VI, parece haver passado da autocrÌtica ‡ autodestruiÁ„o.
continuar· como antes!î N„o! N„o se brinca com a fÈ! Esperava-se um novo entusiasmo e ao contr·rio,
freq¸entemente se chegou ao tÈdio e ao desalento. Esperava-se
um salto ‡ frente e pelo contr·rio surgiu um processo evolutivo
de decadÍnciaî248.

Eis a explicaÁ„o para a crise, dada pelo Cardeal:

248
Entrevista sobre a fÈ, Fayard, Paris 1985, p·gs. 30-31.
ìEstou convencido que os estragos que sofremos nestes vinte se estendeu pela sociedade, inclusive a crist„. Mas justamente o que
anos, n„o se devem ao ëverdadeiroí concÌlio mas ao fez o Vaticano II para se lhe opor? Nada! Ou melhor, o Vaticano II
desencadeamento de forÁas latentes agressivas e centrÌfugas no impulsionou neste sentido! Usarei uma comparaÁ„o: o que
interior da Igreja; e no exterior, devido ao impacto de uma pensariam se ante uma marÈ ameaÁadora, o governo holandÍs
revoluÁ„o cultural no ocidente, a afirmaÁ„o de uma classe decidisse abrir os diques para evitar o choque das ·guas? E depois se
mÈdia superior, a ëburguesiaí com sua ideologia liberal radical desculpasse da inundaÁ„o total do paÌs: ìn„o tivemos culpa, foi a
do tipo individualista, racionalista, hediondaî249. marÈî. … exatamente o que fez o ConcÌlio: abriu todas as comportas
tradicionais ao espÌrito do mundo, declarando a ìabertura ao
Mais adiante o Cardeal Ratzinger diz o que lhe parece a verdadeira mundoî, por uma liberdade religiosa, por uma constituiÁ„o pastoral,
causa ìinteriorî da crise: um anti-espÌrito do ConcÌlio: ìA Igreja no mundo atualî (Gaudium et Spes), que s„o o espÌrito
mesmo do ConcÌlio, e n„o o anti-espÌrito!
ìJ· durante as sessıes e cada vez mais durante o perÌodo
seguinte, se opÙs um pretendido ëanti-espÌritoí. Segundo este Quanto ao anti-espÌrito, admito sua existÍncia no ConcÌlio e depois
pernicioso ëKonzils-Ungeistí, tudo o que È novo (ou do ConcÌlio, com as opiniıes completamente revolucion·rias dos
presumido como tal: quantas antigas heresias tÍm sido Kung, Boff, etc. que deixaram bem para tr·s os Ratzinger, Congar,
apresentadas durante muitos anos, como novidades) seria etc. Concordo que este anti-espÌrito tenha gangrenado
sempre melhor do que existe ou do que existiu, qualquer coisa completamente os semin·rios e universidades, e ali um Ratzinger
que seja. Este È o anti-espÌrito, segundo o qual a histÛria da universit·rio e teÛlogo vÍm bem os estragos, È seu domÌnio.
Igreja deveria comeÁar a partir do Vaticano II, considerado
como uma espÈcie de ponto zeroî250. Mas afirmo duas coisas: o que o Cardeal Ratzinger chama de ìanti-
espÌrito do ConcÌlioî n„o È mais do que o resultado final de teorias
Ent„o o Cardeal propıe uma soluÁ„o: voltar ao ìverdadeiro de teÛlogos que goram de grande influÍncia no ConcÌlio. Entre o
ConcÌlioî, considerando-o n„o ìcomo um ponto de partida do qual espÌrito do Vaticano II e o chamado anti-espÌrito n„o h· mais do que
se afaste correndo, mas uma base sobre a qual È necess·rio construir uma pequena diferenÁa, e me parece fatal que o anti-espÌrito haja
solidamenteî. influÌdo sobre o espÌrito mesmo do ConcÌlio. Por outro lado È o
espÌrito do ConcÌlio, este espÌrito liberal que j· temos analisado
Quero admitir considerar as causas exteriores da crise da Igreja, amplamente251, que È a raiz de quase todos os textos conciliares ed e
particularmente uma mentalidade liberal que gosta dos prazeres, que
249
Op. cit. p·gs. 31-32.
250 251
Op. cit. p·gs. 36-37. Cap. XXV.
todas as reformas que se seguiram, que deve ser colocado no banco Limitar-me-ei a trÍs desta reformas: a supress„o do Santo OfÌcio, a
dos acusados. polÌtica abertamente prÛ-comunista do Vaticano II e a nova
Concordata entre a Santa SÈ e a It·lia. Qual ter· sido o espÌrito
Dito de outro modo, ìacudo o ConcÌlioî È a resposta necess·ria ao destas reformas?
ìescuso o ConcÌlioî do Cardeal Ratzinger! Explico-me: sustento e
vou provar que a crise da Igreja se reduz essencialmente ‡s reformas A Supressão do Santo Ofício
pÛs-conciliares que emanam das autoridades oficiais mais
importantes da Igreja e nas aplicaÁıes das doutrinas e diretivas do N„o sou eu quem inventou, eu mesmo fiz a pergunta ao Cardeal
Vaticano II. Browne, que durante muito tempo fez parte do Santo OfÌcio: ìA
troca do Santo OfÌcio pela Sagrada CongregaÁ„o para a Doutrina da
Ent„o nada de marginal nem subterr‚neo nas causas essenciais do FÈ, È uma troca acidental, superficial, uma simples troca de nome ou
desastre pÛs-conciliar! N„o esqueÁamos que s„o os mesmos homens uma troca profunda e radical?î O Cardeal me respondeu: ìuma troca
e principalmente o mesmo papa Paulo VI que fizeram o ConcÌlio e essencial, È evidenteî. Realmente o tribunal da fÈ foi substituÌdo por
logo depois aplicaram-no metÛdica e oficialmente, usando sua um escritÛrio de pesquisa teolÛgica. Podem dizer o que quiserem,
autoridade hier·rquica. Assim, o novo missal de Paulo VI foi ìex mas esta È a realidade. Por exemplo, as duas instruÁıes sobre a
decreto sacrosanti oecumenici concilii Vaticani II instauratum, teologia da libertaÁ„o, longe de chegar a uma condenaÁ„o clara desta
autoritate Pauli P.P. VI promulgatumî. ìteologiaî e de seus autores, tiveram como resultado clarÌssimo
encoraj·-los! Porque? Tudo porque este tribunal se tornou
Seria um erro dizer: ìMas as reformas n„o comeÁaram no ConcÌlioî. essencialmente um escritÛrio de pesquisa. … um espÌrito
Sem d˙vida, sobre certos pontos as reformas ultrapassaram o texto completamente diferente, um espÌrito maÁÙnico: n„o h· verdade
do ConcÌlio; por exemplo o ConcÌlio n„o havia pedido a supress„o definitiva, sempre se est· em procura da verdade. A comiss„o de
do latim na liturgia, pediu somente a introduÁ„o da lÌngua vulgar, teÛlogos de todo o mundo se perde em discussıes e sÛ consegue
mas como j· lhes disse, a intenÁ„o daqueles que abriram esta escrever textos intermin·veis, cuja confus„o espelha a incoerÍncia
pequena porta era chegar ‡ mudanÁa radical. Mas em definitivo, de seus autores.
basta verificar que todas as reformas se referem oficialmente ao
Vaticano II: n„o somente as reformas da missa e dos sacramentos, Praticamente n„o se condena mais nada, j· n„o se apostam as
mas tambÈm a das congregaÁıes religiosas, semin·rios, assemblÈias doutrinas reprovadas, n„o se marcam os hereges com o ferro em
episcopais, a criaÁ„o do SÌnodo Romano, a reforma das relaÁıes brasa da inf‚mia. N„o. Pedem-lhes que se calem por um ano, e se
entre a Igreja e o Estado, etc. declara: ìEste ensinamento n„o È digno de uma c·tedra de teologia
catÛlicaî, e È tudo. Praticamente, a supress„o do Santo OfÌcio est·
caracterizada, como eu escrevi a Jo„o Paulo II252, pela livre difus„o nestes paÌses catÛlicos! Sua influÍncias s„o determinantes sobre as
dos erros. O rebanho das ovelhas de Nosso Senhor Jesus Cristo, foi conferÍncias episcopais, na nomeaÁ„o de bispos revolucion·rios que
entregue sem defesa aos lobos devoradores. tambÈm s„o, na maioria, favor·veis ‡ polÌtica da Santa SÈ e em
oposiÁ„o ao governo. O que pode fazer um governo catÛlico contra a
A Política Pró-Comunista da Santa Sé maioria do episcopado que trabalha contra ele? … uma situaÁ„o
horrorosa! Assistimos a uma incrÌvel subvers„o de forÁas: a Igreja se
A ìOstpolitikî, ou polÌtica de m„o estendida para o Leste, transforma na principal forÁa revolucion·ria nos paÌses catÛlicos.
desgraÁadamente n„o comeÁou no ConcÌlio. J· nos pontificados de
Pio XI e de Pio XII haviam sido estabelecidos contatos, com A Nova Concordata com a Itália
conhecimento destes papas, que terminaram em cat·strofes
limitadas253. Mas a partir do ConcÌlio, assiste-se a verdadeiros Em virtude dos princÌpios do Vaticano II, a polÌtica liberal da Santa
pactos; j· vimos como os russos compraram o silÍncio do ConcÌlio SÈ procura a supress„o dos Estados ainda catÛlicos. … o que foi feito
sobre o ecumenismo (cap. XXIX). pelo nova concordata entre a Santa SÈ e a It·lia. Amadurecido
durante doze anos de discuss„o, o que n„o È pequena coisa, este
Depois do Vaticano II, os acordos de Helsinki foram patrocinados texto foi adotado pelo Senado italiano, como noticiaram os jornais
pelo Vaticano: o primeiro e o ˙ltimo discursos foram pronunciados de 7 de dezembro de 1978, logo apÛs haver sido aprovado pela
por Mons. Casaroli, sagrado arcebispo para a ocasi„o. A Santa SÈ comiss„o designada pelo Estado italiano, como tambÈm pela
manifestou logo hostilidade a todos os governos anti-comunistas. No comiss„o do Vaticano. Em vez de analisarmos este fato, citarei a
Chile a Santa SÈ sustentou a revoluÁ„o comunista de Allende254 de declaraÁ„o do presidente Andreotti feita neste dia, para apresentar o
1970 a 1972. O Vaticano age assim por meio de suas nunciaturas documento:
com a nomeaÁ„o de cardeais como Tarancon (Espanha), Ribeiro
(Portugal), Silva Henriquez (Chile), de acordo com a polÌtica prÛ- ì... Eis uma disposiÁ„o de princÌpios. O novo texto do artigo
comunista da Santa SÈ. A influÍncia de tais cardeais È consider·vel primeiro estabelece solenemente que o Estado e a Igreja
CatÛlica s„o, cada um em sua prÛpria organizaÁ„o,
independentes e soberanosî.
252
Carta aberta de D. Lefebvre e de D. AntÙnio de Castro Mayer a Jo„o Paulo II,
em 21 de novembro de 1983. Isto È falso: ìsoberanosî sim È verdade, È o que ensina Le„o XIII em
253
Cf. FrËre Michel de la TrinitÈ, ìToute la VeritÈ sur F·tima. T-II ìLe Secret et
líEglise, p·gs. 353-378; T.III ìLe Troisieme Secret, p·gs. 237-244. G. De Nantes, ìImmortale Deiî255; mas ìindependentesî n„o! ì… necess·rio, diz
editor.
254
Cf. Leon de Poncins, ìChristianisme et Franc-MaÁonnerieî, 2™ ediÁ„o, DPF.,
255
1975, p·g. 208 e seguintes. Cf. cap. XIII (PIN. 136: ìLes deux Puissancesî).
Le„o XIII, que haja entre os dois poderes um sistema de relaÁıes Quero dar Ínfase ao fato de que a vontade de suprimir todas as
bem ordenadas, n„o sem analogia com aquilo que no homem instituiÁıes catÛlicas da vida civil È uma vontade de princÌpio. Ela se
constitui a uni„o da alma com o corpoî. Le„o XIII diz ìuni„oî, n„o afirma quer pela boca do presidente italiano, do Cardeal Casaroli, de
diz ìindependÍnciaî! Releiam o capÌtulo em que tratamos das Jo„o Paulo II ou dos teÛlogos como Ratzinger e no texto da
relaÁıes entre a Igreja e o Estado256. Eis a continuaÁ„o do texto do declaraÁ„o conciliar sobre liberdade religiosa: que n„o deve haver
discurso do presidente italiano: ìbaluartesî catÛlicos. … uma resoluÁ„o de princÌpios, ou seja, que
n„o deve existir Estado catÛlico.
ìEm princÌpio È o abandono concluÌdo de comum acordo, do
conceito do Estado confessional, de acordo com Outra coisa seria dizer: ìnÛs concordamos em aceitar a separaÁ„o da
ConstituiÁ„o257 e em harmonia com as conclusıes do ConcÌlio Igreja e do Estado porque a situaÁ„o em nosso paÌs mudou
Vaticano IIî258. completamente pela malÌcia dos homens, a naÁ„o n„o tem mais
maioria catÛlica, etc. Estamos pois dispostos a fazer uma reforma
Portanto j· n„o pode existir um Estado catÛlico, um Estado nas relaÁıes entre a Igreja e o Estado em vista dos fatos, mas n„o
confessional, quer dizer que professe a religi„o, que professe a estamos de acordo com o princÌpio da laicizaÁ„o do Estado e das
verdadeira religi„o! Decidiu-se por princÌpio, com a aplicaÁ„o do instituiÁıes p˙blicasî. Nos paÌses em que a situaÁ„o mudou
Vaticano II. E como conseq¸Íncia deste princÌpio, a legislaÁ„o do realmente, seria perfeitamente legÌtimo dizer isto.
matrimÙnio est· desorganizada e igualmente o ensino religioso259.
Tudo isto est· cheio de elementos capazes de fazer desaparecer o Mas dizer que em nossa Època, em todos os paÌses o regime de uni„o
ensino religioso. E quanto aos bens eclesi·sticos, foram feitos entre a Igreja e as instituiÁıes civis est· superado, È absolutamente
acordos prÈvios entre o Estado e as religiıes metodistas, calvinistas falso. Em primeiro lugar porque nenhum princÌpio da doutrina crist„
e hebraica; todas est„o em pÈ de igualdade. jamais pode ser ìsuperadoî, inclusive sem sua aplicaÁ„o deve levar
em conta as circunst‚ncias; na verdade, o regime de uni„o È um
princÌpio da doutrina catÛlica, t„o imut·vel quanto ela mesma 260.
Durante e depois do ConcÌlio, ainda havia Estados inteiramente
256
Cap. XIII e XIV. catÛlicos (Espanha, ColÙmbia, Valais suÌÁo), ou quase (It·lia, etc.)
257
Nova ConstituiÁ„o Italiana, que aboliu seu primeiro capÌtulo que reconhecia o cuja laicizaÁ„o era totalmente injustificada.
catolicismo como a religi„o do Estado.
258
O presidente se refere ‡ declaraÁ„o sobre a liberdade religiosa.
259
Com a nova concordata, È o Estado que propıe os professores de ensino
religioso para a aprovaÁ„o da Igreja. Invers„o dos papÈis! E mais ainda, se os
260
professores de escola prim·ria se recusam a ensinar religi„o, n„o podem ser Sobre a imutabilidade dos princÌpios do direito p˙blico da Igreja, ver capÌtulo
obrigados, tendo em vista a liberdade de consciÍncia. XIV.
Tomando um exemplo, o Cardeal Ratzinger diz exatamente o ìconcepÁ„o do mundoî ligada a uma Època caduca e a evoluÁ„o da
contr·rio em seu livro ìLes PrÌncipes de la ThÈologie mentalidade para a apostasia È afirmada como algo indiferente,
Catholiqueî261: irresistÌvel e generalizada. Finalmente Joseph Ratzinger n„o tem, por
sua vez, mais do que desprezo e indiferenÁa pelo Estado catÛlico e
ìJ· ninguÈm contesta mais hoje que as concordatas com a as instituiÁıes daÌ resultantes, na defesa que elas constituem para a
Espanha e a It·lia procuravam conservar muitas coisas de uma fÈ.
concepÁ„o do mundo que h· muito tempo n„o correspondiam
mais ‡s circunst‚ncias reais. Somente uma d˙vida se apresenta: s„o ainda catÛlicos,
considerando-se que para eles Reino Social de Nosso Senhor Jesus
Do mesmo modo quase ninguÈm pode negar que este apego a Cristo È uma concepÁ„o ultrapassada? E uma segunda pergunta lhes
uma concepÁ„o ultrapassada das relaÁıes entre a Igreja e o farei: ser· que me engano ao dizer que a sociedade crist„ e catÛlica,
Estado corresponde a anacronismos semelhantes no domÌnio e portanto a Igreja, morre n„o tanto pelos ataques dos comunistas e
da educaÁ„o. dos maÁons mas pela traiÁ„o dos catÛlicos liberais, que tendo feito o
ConcÌlio, realizaram depois as reformas pÛs-conciliares?
Nem os abraÁos nem o ghetto podem resolver, de maneira
duradoura para o cristianismo, os problemas do mundo Admitam ent„o comigo e com os fatos: atualmente o liberalismo
moderno. ëO desmantelamento dos baluartesí que Urs Von conciliar conduz a Igreja para a sepultura. Os comunistas s„o
Balthazar reclamava em 1952, era verdadeiramente um dever clarividentes como mostra o seguinte: em um museu da Litu‚nia,
urgente. consagrado em parte ‡ propaganda atÈia, h· uma grande fotografia
da ìtroca de instrumentosî por ocasi„o da assinatura da nova
Foi necess·rio ‡ Igreja separar-se de muitas coisas que atÈ concordata com a It·lia. Nela aparecem o presidente da It·lia e o
ent„o lhe davam seguranÁa e lhe pertenciam quase que por Cardeal Casaroli, tendo este coment·rio: ìA nova concordata entre a
natureza. Foi necess·rio abater velhos baluartes e confiar It·lia e o Vaticano, grande vitÛria do ateÌsmoî. Qualquer coment·rio
somente na proteÁ„o da fÈî. me parece supÈrfluo.

Como se pode comprovar, s„o as mesmas trivialidades liberais que


temos assinalado nos escritos de John Coutney Murray e de Yves
Congar262: a doutrina da Igreja sobre a matÈria, est· reduzida a uma
261
TÈqui, Paris 1985, p·gs. 427-437.
262
Confrontar capÌtulo XIX.
CAPÕTULO XXXIII ser, pelo dom que Deus lhes fez da existÍncia! Este È um princÌpio
t„o admir·vel, que se pode meditar sobre ele durante horas. Ter o ser
REMÉDIO CONTRA O LIBERALISMO por si, È viver na eternidade, È ser eterno. Aquele que tem o ser por
RESTAURAR TUDO EM CRISTO si mesmo sempre teve que tÍ-lo, o ser nunca poderia havÍ-lo
abandonado. … sempre, foi sempre, ser· sempre. Pelo contr·rio,
aquele que È ìens ab alioî, ser por outro ser, recebeu de outro,
Para os grandes males, grandes remÈdios! O que poder· curar o portanto comeÁou a ser em algum momento, portanto comeÁou!
c‚ncer ou a aids na Igreja? A resposta È clara, È necess·rio aplicar os
remÈdios que os Papas propuseram contra os erros modernos: a Como esta consideraÁ„o nos deve manter em humildade!
filosofia tomista, a s„ teologia e o Direito que resulta de ambas. Compenetrarmo-nos do nada que somos diante de Deus! ìEu sou
aquele que È, e tu Ès aquele que n„o Èî, dizia Nosso Senhor a uma
A Sã Filosofia, a de São Tomás de Aquino santa alma. Como È verdadeiro! Quanto mais o homem absorver este
princÌpio da mais elementar filosofia, melhor sentir· seu verdadeiro
Para combater o subjetivismo e o racionalismo, que s„o a base dos lugar diante de Deus.
erros liberais, n„o farei alus„o ‡s filosofias modernas infectadas
precisamente de subjetivismo e racionalismo. N„o È nem o sujeito, Somente o fato de dizer: eu sou ìab alioî, Deus È ìens a seî; eu
nem seus conhecimentos e nem seus anseios que a filosofia de comecei a ser, Deus È sempre. Que contraste admir·vel! Que
sempre, e em particular a metafÌsica, toma por objeto, È o ser mesmo abismo! … por acaso este pequeno ìab alioî, que recebe seu ser de
das coisas, È aquilo que È. Com efeito, È o ser com suas leis e Deus, que teria o poder de limitar a GlÛria de Deus? Teria o direito
princÌpios, o que nosso conhecimento mais espont‚neo descobre. E de dizer a Deus: tens direito a isto, mas a mais nada? ìReina nos
no seu ·pice a sabedoria natural (que È essa filosofia) chega pela coraÁıes, nas sacristias, nas capelas, sim; mas na rua e na cidade
teodicÈia ou teologia natural ao Ser por excelÍncia, ao Ser n„o!î Que petul‚ncia! Igualmente seria este ìab alioî quem teria o
subsistente por si mesmo. … este Ser primeiro que o senso comum, poder de reformar os planos de Deus, de fazer com que as coisas
apoiado, sustentado e elevado pelas verdades de fÈ, sugere que seja sejam de outra maneira, diferentes de como Deus as fez? E as leis
colocado no topo do real, conforme ‡ sua definiÁ„o revelada: ìEgo que Deus em sua sabedoria e onipotÍncia criou para todos os seres e
sum quis umî (Ex 3, 14): Eu sou aquele que sou. VocÍs sabem que especialmente para o homem e a sociedade, teria o desprezÌvel ìab
quando MoisÈs perguntou seu nome, Deus lhe respondeu: Eu sou o alioî o poder de rechaÁ·-las a seu capricho, dizendo: ìEu sou livre!î,
que sou, o que significa: Eu sou Aquele que È por si mesmo, possuo que pretens„o! Que absurda esta rebeli„o do liberalismo! Vede como
o ser por mim mesmo. … o ìens a seî: o ser por si mesmo, em È importante possuir uma s„ filosofia e ter assim um conhecimento
oposiÁ„o a todos os outros seres que s„o ìens ab alioî: ser por outro profundo da ordem natural, individual, social e polÌtica. Para isto o
ensinamento de Santo Tom·s de Aquino È insubstituÌvel. Le„o XIII novo direito, que como todos sabem s„o um perigo para a boa
os citou em sua encÌclica ìAeterni Patrisî de 4 de agosto de 1879: ordem das coisas e o bem estar p˙blicoî.

ìSome-se a isto que o Doutor AngÈlico procurou as conclusıes A Sã Teologia, também a de São Tomás
filosÛficas na raz„o e princÌpio das coisas, princÌpios estes que se
estendem amplamente e encerram em seu interior as sementes de AlÈm da sabedoria natural que È a s„ filosofia, aquele que se queira
in˙meras verdades que dariam abundantes frutos com os mestres preservar do liberalismo dever· conhecer a sabedoria sobrenatural, a
posteriores. Tendo empregado este mÈtodo de filosofia, conseguiu teologia. Sabemos que a ìteologia de Santo Tom·sî È recomendada,
vencer os erros dos tempos passados e fornecer armas invencÌveis entre todas, pela Igreja para se adquirir uma ciÍncia profunda da
para refutar os erros que sempre haviam de se renovar nos sÈculos ordem sobrenatural. Os Padres do ConcÌlio de Trento quiseram que a
futurosî. Suma TeolÛgica de Santo Tom·s de Aquino fosse colocada aberta
bem no centro da Santa AssemblÈia, juntamente com o livro das
Le„o XIII quer que se aplique o remÈdio da filosofia tomista, Divinas Escrituras e os Decretos dos Supremos PontÌfices, para
especialmente aos erros modernos do liberalismo: extrair dela conselhos, razıes, juÌzos263. Seguindo Santo Tom·s, o
ConcÌlio de Trento dissipou as primeiras nuvens do naturalismo
ìAs sociedades civil e domÈstica que se acham em grave nascente.
perigo, como todos sabemos, por causa das pestes dominantes
de opiniıes perversas, viveriam certamente mais tranq¸ilas e Quem melhor do que Santo Tom·s, mostrou que a ordem
mais seguras se nas universidades e escolas se ensinasse uma sobrenatural ultrapassa infinitamente as capacidades e as exigÍncias
doutrina mais s„ e mais de acordo com o magistÈrio e o da ordem natural? Ele nos mostra como Nosso Senhor por meio de
ensinamento da Igreja, tal como contÈm as obras de Santo seu sacrifÌcio redentor, pela aplicaÁ„o de seus mÈritos, elevou a
Tom·s de Aquino. Tudo o que nos ensina Santo Tom·s sobre a natureza dos resgatados pela graÁa santificante, pelo batismo, pelos
verdadeira noÁ„o de liberdade, que hoje degenera em licenÁa, outros sacramentos, pelo Santo SacrifÌcio da Missa. Conhecendo
sobre a origem divina de toda autoridade, as leis e seu poder, o bem esta teologia, aumentaremos em nÛs o ìespÌrito de fÈî, ou seja a
paternal e justo governo dos soberanos, a obediÍncia devida fÈ e as atitudes que correspondem a uma vida de fÈ.
aos poderes superiores, sobre a m˙tua caridade que deve reinar
entre todos; todas estas coisas e outras do mesmo teor, s„o Quando se tem uma verdadeira fÈ, tÍm-se gestos que dela resultam
ensinadas por Santo Tom·s e tÍm uma grande robustez e no culto divino. … exatamente o que reprovamos em toda a reforma
invencibilidade para deitar por terra todos os princÌpios do
263
Le„o XIII, ìAeterni Patrisî.
lit˙rgica: impıem atitudes que j· n„o s„o atitudes de fÈ, impıem um reconciliar por Ele todas as coisas consigo, restabelecendo a
culto naturalista e humanista. Temem fazer genuflexıes, n„o querem paz entre o cÈu e a terra, por meio do sangue que derramou na
manifestar a adoraÁ„o que È devida a Deus, reduzem o sagrado ao cruzî (Cor 1, 16-21).
profano. Os que tÍm contato com a nova liturgia, sentem: d· a
impress„o de achatamento, que n„o eleva, que nela j· n„o se Desta primeira verdade de fÈ, a divindade de Nosso Senhor Jesus
encontram os mistÈrios. Cristo, segue-se a segunda: sua Realeza, e especialmente sua
Realeza sobre as sociedades, a obediÍncia que devem ter as
… igualmente a s„ teologia que fortificar· em nÛs esta convicÁ„o de sociedades ‡ Vontade de Jesus Cristo, a submiss„o que devem ter ‡s
fÈ: Nosso Senhor Jesus Cristo È Deus e a divindade de Nosso Senhor leis civis com respeito ‡ lei de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ainda
È a verdade central de nossa fÈ. Portanto serviremos a Nosso Senhor mais, Nosso Senhor Jesus Cristo quer que as almas se salvem,
como Deus e n„o como um simples homem. Sem d˙vida por sua indiretamente sem d˙vida, mas eficazmente por uma sociedade civil
humanidade Ele nos santificou, pela GraÁa Santificante que enche crist„, plenamente submetida ao Evangelho e que se cumpra seu
sua Santa Alma; isto determina o respeito infinito que devemos ter desÌgnio redentor, que seja o instrumento temporal dele. Ent„o o que
por sua Santa Humanidade. Mas atualmente o perigo È fazer de ser· mais justo e necess·rio do que as leis civis se submeterem ‡s
Nosso Senhor um simples homem, um homem extraordin·rio leis de Jesus Cristo e aprovarem a aplicaÁ„o de penas aos
certamente, um super-homem, mas n„o o Filho de Deus. Pelo transgressores de suas leis no domÌnio p˙blico e social?
contr·rio, se È verdadeiramente Deus como a fÈ nos ensina, ent„o Precisamente a liberdade religiosa dos maÁons e do Vaticano II quer
tudo muda pois sendo assim Ele È Senhor de todas as coisas e tudo suprimir estas penalidades. Isto constituiu a ruÌna da ordem social
resulta de sua divindade. Assim todos os atributos que a teologia nos crist„! O que quer Nosso Senhor sen„o que seu sacrifÌcio redentor
faz conhecer de Deus: sua onipotÍncia, sua onipresenÁa, sua vivifique a sociedade civil? O que È a civilizaÁ„o crist„, o que È a
causalidade permanente e suprema relativamente a todas as coisas a cristandade sen„o a encarnaÁ„o da Cruz de Nosso Senhor Jesus
tudo o que existe j· que Ele È a origem de todos os seres, tudo isto se Cristo na vida de toda uma sociedade? Eis aqui o que se chama o
aplica a Nosso Senhor Jesus Cristo. Tem portanto todo o poder sobre Reino Social de Nosso Senhor, a verdade que devemos propagar
todas as coisas, por sua prÛpria natureza È Rei, rei do universo e hoje com a maior forÁa possÌvel, frente ao liberalismo.
nenhuma criatura, indivÌduo ou sociedade pode escapar a sua
soberania, sua soberania de poder e sua soberania da GraÁa: A segunda conseq¸Íncia da divindade de Jesus Cristo, È que sua
RedenÁ„o n„o È facultativa para obter a vida eterna. … o Caminho, a
ì... pois por Ele foram criadas todas as coisas nos cÈus e na Verdade e a Vida! … a porta:
terra...todas as coisas foram criadas por Ele mesmo e em
atenÁ„o a Ele mesmo... todas subsistem por Ele... pode (o Pai)
ì... Eu sou a porta das ovelhas. AtÈ agora, os que vieram s„o contra o erro do positivismo jurÌdico, que faz da vontade arbitr·ria
ladrıes e salteadores e assim as ovelhas n„o os escutaram. Eu do homem a fonte do direito.
sou a porta, quem por Mim entrar se salvar·; entrar· e sair· e
encontrar· pastosî (S. Jo„o, 10, 7-9). Existe tambÈm o direito sobrenatural; os direitos de Jesus Cristo e de
sua Igreja, os direitos das almas resgatadas pelo sangue de Jesus
Ele È a ˙nica via de salvaÁ„o para todos os homens: Cristo. Estes direitos da Igreja e das almas crist„s em relaÁ„o ao
Estado formam o que chamamos de direito p˙blico da Igreja. Esta
ì... fora dEle, n„o adianta procurar salvaÁ„o em nenhum outro. ciÍncia foi praticamente aniquilada pela DeclaraÁ„o Conciliar sobre
Pois n„o foi dado aos homens outro nome debaixo do cÈu, pelo a liberdade religiosa, tal como tratei de mostrar264. … portanto
qual possamos nos salvarî (At 4,12). urgente ensinar novamente o direito p˙blico da Igreja que estabelece
os grandes princÌpios que regem as relaÁıes entre a Igreja e o
… a verdade que deve ser hoje mais reafirmada, para fazer frente ao Estado265. Sobre este assunto, recomendo especialmente a leitura das
falso ecumenismo de essÍncia liberal, que assegura haver valores de ìInstitutiones J˙ris Publici Ecclesiasticiî, do Cardeal Ottaviani e da
salvaÁ„o em todas as religiıes e procura desenvolvÍ-los. Se isto obra ìEcclesia et Status, Fontes Selectiî, de Giovanni Lo Grasso
fosse verdade, para que os mission·rios? Precisamente porque n„o S.J.; particularmente esta ˙ltima re˙ne os documentos dos sÈculos
h· salvaÁ„o em nenhum outro culto que n„o seja Nosso Senhor Jesus IV a XX, desconhecidos e deliberadamente esquecidos pelos
Cristo, a Igreja est· animada com o espÌrito mission·rio, o espÌrito liberais.
de conquista que È o prÛprio espÌrito da fÈ.
Finalmente n„o esqueÁamos a ìHistÛria Eclesi·sticaî, fonte
O Direito inesgot·vel do direito da Igreja. A atitude dos primeiros imperadores
crist„os, ao colocar a espada temporal a serviÁo do poder da Igreja
AlÈm da filosofia e da teologia, h· necessidade de uma terceira no sÈculo IV, atitude sempre elogiada pela Igreja; como tambÈm a
ciÍncia para traduzir as grandes verdades da ordem natural e valente resistÍncia dos papas e dos bispos frente aos prÌncipes que
sobrenatural em regras jurÌdicas. Com efeito o liberalismo, mesmo usurpavam o poder espiritual com o passar dos tempos, constituem a
em suas formas mais moderadas, proclama os direitos do homem realizaÁ„o pr·tica do dogma e representam a mais radical refutaÁ„o a
sem Deus. Como conseq¸Íncia para o jurista catÛlico È todos os liberalismos, tanto os dos revolucion·rios perseguidores da
indispens·vel basear nos deveres para com Deus e nos direitos de Igreja, como aqueles muito mais pÈrfidos, dos perseguidores
Deus, os direitos dos homens que vivem em sociedade. Repete-se a chamados catÛlicos.
mesma verdade, ou seja, que o direito positivo, o direito civil, deve-
264
se basear no direito natural. O Papa Pio XII insistiu neste princÌpio, Ver capÌtulo XXVIII.
265
Ver capÌtulo XIII.
CAPÕTULO XXXIV ecumenista, o papa das Religiıes Unidas e que lavou as m„os e
cobriu os olhos diante de tantas ruÌnas, para n„o ver as chagas
RECONSTRUIR A CIDADE CATÓLICA sangrentas da Filha de Sion, as feridas mortais da Esposa Imaculada
de Jesus Cristo.

ìLiberalismo, por tua causa estou morrendoî, diz a Igreja em sua N„o me resignarei, n„o assistirei a agonia de minha M„e a Santa
agonia. Ela pode dizer como Jesus disse aos que vieram prendÍ-lo: Igreja de braÁos cruzados. Certamente n„o compartilho do otimismo
ìEsta È a vossa hora e o poder das trevasî (Lc 22, 53). A Igreja est· beato de alguns sermıes: ìVivemos uma Època magnÌfica. O
em GetsÍmani, mas n„o morrer·. Tem o aspecto de uma cidade ConcÌlio foi uma renovaÁ„o extraordin·ria. Saudemos esta Època de
ocupada pelo inimigo, mas a resistÍncia ‡ seita liberal se organiza e transformaÁ„o cultural! Nossa sociedade se caracteriza pelo
fortifica. pluralismo religioso e pela completa liberdade ideolÛgica. Sem
d˙vida este ëavanÁoí da HistÛria vem novamente acompanhado de
Vimos surgir esta seita no sÈculo XVI, da rebeli„o protestante, e algumas contrariedades: pr·tica religiosa nula, contestaÁ„o a toda
logo se transformar na instigadora da RevoluÁ„o. Durante um sÈculo autoridade, os crist„os em minoria. Mas vejam quantos benefÌcios!
e meio de lutas sem trÈgua, os papas tÍm condenado os princÌpios e Os crist„os s„o o levedo escondido na massa, a alma da cidade
os pontos de aplicaÁ„o do liberalismo. Apesar disso a seita pluralista em gestaÁ„o, vitalmente crist„, s„o o motor de um mundo
continuou seu caminho. Assistimos sua penetraÁ„o na Igreja, sob a novo, mais fraterno, mais pacÌfico, mais livre!î.
aparÍncia de um liberalismo aceit·vel, com a idÈia de conciliar Jesus
Cristo com a RevoluÁ„o. Depois contemplamos estupefatos a intriga Tal cegueira, sÛ se explica como a realizaÁ„o da profecia de S„o
da seita liberal para penetrar na hierarquia catÛlica. Vimos seus Paulo, ìlhes enviar· um poderoso enganador, afim de que creiam na
progressos atÈ atingir os mais altos postos e seu triunfo no ConcÌlio mentiraî (2 Ts 2, 11). Que castigo mais terrÌvel pode haver do que
Vaticano II. Tivemos papas liberais... O primeiro papa liberal, uma hierarquia desorientada? Se dermos crÈdito ‡ Irm„ L˙cia, isto È
aquele que ria dos ìprofetas da desgraÁaî, convocou o primeiro precisamente o que Nossa Senhor predisse na terceira parte do
concÌlio liberal da histÛria da Igreja. As portas do redil foram abertas Segredo de F·tima: a Igreja e sua hierarquia sofrer„o uma
e os lobos penetraram e massacraram as ovelhas. Veio um segundo ìdesorientaÁ„o diabÛlicaî267, e esta crise corresponde ao que o
papa liberal, o papa da dupla face, o papa humanista, que derrubou o Apocalipse nos diz sobre o combate da Mulher contra o Drag„o. A
altar, aboliu o SacrifÌcio, profanou o santu·rio266. Chegou finalmente SantÌssima Virgem nos assegura que no final desta luta ìseu CoraÁ„o
o terceiro papa liberal, o papa dos direitos do homem, o papa Imaculado triunfar·î.
267
Frere Michel de la Saint Trinite: ìToute la Verite sur F·timaî, T. III ìO
266
Cf. Dn 9, 27; Mt 24, 15. Terceiro Segredoî p·g. 507.
Compreendereis ent„o porque apesar de tudo n„o sou pessimista. A
SantÌssima Virgem sair· vitoriosa, Ela vencer· a grande apostasia
fruto do liberalismo. Uma raz„o para n„o ficarmos de braÁos
cruzados! Devemos lutar mais do que nunca pelo Reino Social de
Nosso Senhor Jesus Cristo. Neste combate n„o estamos sÛs; temos
conosco todos os papas atÈ Pio XII inclusive. Todos combateram o
liberalismo para salvaguardar a Igreja. Deus n„o permitiu que
lograssem, mas isto n„o È raz„o para abaixar armas! … necess·rio
resistir, È necess·rio construir enquanto outros destroem. … Pai nosso, venha a nós o Vosso Reino!
necess·rio reconstruir as cidades destruÌdas, reconstruir os baluartes Viva Cristo Rei!
da fÈ. Primeiro o Santo SacrifÌcio da Missa de sempre, forjada de Espírito Santo enchei o coração de vossos fiéis.
santos. Depois nossas capelas que s„o na verdade nossas parÛquias, Imaculado Coração de Maria, seja a nossa salvação.
mosteiros, as famÌlias numerosas, os empreendimentos fiÈis ‡
doutrina social da Igreja, nossos homens polÌticos decididos a fazer a
polÌtica de Jesus Cristo. Devemos restaurar um conjunto de
costumes, vida social e reflexos crist„os, com a amplitude e a
duraÁ„o que Deus queira. Unicamente o que sei e que a fÈ nos
ensina, È que Nosso Senhor Jesus Cristo deve reinar neste mundo
agora e n„o somente no fim do mundo268, como quiseram os liberais!

Enquanto eles destroem, nÛs temos a felicidade de construir.


Felicidade ainda maior porque geraÁıes jovens de sacerdotes
participam com zelo desta tarefa de reconstruÁ„o da Igreja, para a
salvaÁ„o das almas.

268
O que faz supor a liturgia conciliar, quando postergou simbolicamente a festa
de Cristo Rei para o ˙ltimo domingo do ciclo lit˙rgico.
ANEXO ainda o fato de que o ConcÌlio teria podido acrescentar a este
trabalho, todas as explicaÁıes e melhoras que achasse conveniente.
Comiss„o central pontifÌcia preparatÛria do ConcÌlio Vaticano II.
Esquema de uma ConstituiÁ„o para a Igreja, proposta pela Comiss„o 1 ñ PrincÌpio: DistinÁ„o entre a Igreja e a Sociedade Civil, e
TeolÛgica. SubordinaÁ„o do Fim da Cidade ao Fim da Igreja.

SEGUNDA PARTE ñ CAPÕTULO IX O homem destinado por Deus a um fim sobrenatural tem
necessidade da Igreja e da sociedade civil para alcanÁar sua plena
ESQUEMA SOBRE AS RELA«’ES ENTRE A IGREJA E O ESTADO perfeiÁ„o. A sociedade civil, ‡ qual o homem pertence por seu
car·ter social, deve velar pelos bens terrestres e fazer com que os
Exmo. E Revmo. Senhor cidad„os possam levar na terra uma ìvida tranq¸ila e aprazÌvelî (Cf.
Cardeal ALFREDI OTTAVIANI 1 Tm 2, 2); a Igreja, ‡ qual o homem deve se incorporar pela sua
vocaÁ„o sobrenatural, foi fundada por Deus para que, estendendo-se
Relator sempre mais e mais, conduza os fiÈis a seu fim eterno por sua
doutrina, seus sacramentos, sua oraÁ„o e suas leis.
NOTA ñ O esquema doutrinal apresentado pelo Cardeal Ottaviani,
em sua vers„o original latina, contava com sete p·ginas de texto e Cada uma destas sociedades conta com as faculdades necess·rias
dezesseis p·ginas de referÍncias, desde Pio VI (1790) atÈ Jo„o XXIII para cumprir devidamente sua prÛpria miss„o; e tambÈm cada uma È
(1959). Foi deixado de lado desde a primeira sess„o do ConcÌlio e perfeita, ou seja, soberana em sua organizaÁ„o e portanto
substituÌdo pelo esquema preparado no Secretariado para a Unidade independente da outra, com seu prÛprio poder legislativo, judicial e
dos Crist„os, sob direÁ„o do Cardeal Bea. Este segundo esquema, executivo. Esta distinÁ„o das duas cidades, como ensina uma
que pretendia ser pastoral, contava com quatorze p·ginas, sem constante tradiÁ„o, repousa nas palavras do Senhor: ìDaÌ a CÈsar o
nenhuma referÍncia ao magistÈrio precedente. que È de CÈsar e a Deus o que È de Deusî (Mt 22, 2).

O esquema Ottaviani n„o conta com uma autoridade de magistÈrio, Entretanto como estas duas sociedades exercem seu poder sobre as
mas representa o estado da doutrina catÛlica sobre a quest„o na mesmas pessoas e freq¸entemente a propÛsito de um mesmo objeto,
vÈspera do Vaticano II e expressa substancialmente a doutrina que o n„o se podem ignorar uma ‡ outra. Inclusive devem proceder em
ConcÌlio deveria ter exposto se n„o houvesse sido desviado de sua perfeita harmonia para poderem prosperar juntas com seus membros.
finalidade pelo golpe de Estado daqueles que fizeram dele o
ìEstados Gerais do povo de Deusî, um segundo 1789! Notemos
O Santo ConcÌlio, com a intenÁ„o de ensinar quais as relaÁıes que como a Igreja n„o renuncia ‡ sua prÛpria liberdade, tambÈm n„o
devem existir entre estes dois poderes segundo a natureza de cada impede o poder civil de usar suas leis e seus direitos.
um declara que em primeiro lugar deve-se ter como verdadeiro que
tanto a Igreja como a sociedade civil foram instituÌdas para utilidade Como s„o grandes os bens que a Igreja proporciona ‡ sociedade
do homem; que a felicidade temporal confiada ao cuidado do poder civil, cumprindo sua miss„o. Os dirigentes das naÁıes deveriam
civil, n„o vale nada para o homem se ele perde a sua alma (Cf. Mt reconhecÍ-lo. Com efeito a prÛpria Igreja coopera para que os
26, 26; Mc 8, 36; Lc 9, 25). E portanto, o fim da sociedade civil cidad„os se tornem bons por sua virtude e piedade crist„, conforme o
nunca deve ser procurado com a exclus„o ou prejuÌzo do fim ˙ltimo testemunho de Santo Agostinho (Epist. ad Marcellinum, 138, 15),
do homem, a saber, sua salvaÁ„o eterna. grande ser· o bem p˙blico, sem d˙vida alguma. TambÈm aos
cidad„os a Igreja impıe a obrigaÁ„o de obedecer ‡s ordens legÌtimas
2 ñ O Poder da Igreja e seus Limites: Os Deveres da Igreja com o ìn„o apenas por medo do castigo, mas por motivo de consciÍnciaî
Poder Civil (Rm 13, 15). Quanto aqueles a quem foi confiado o governo do paÌs,
Ela lhes lembra a obrigaÁ„o de exercer sua funÁ„o, n„o pela ambiÁ„o
Como o Poder da Igreja se estende a tudo o que conduz os homens do poder mas para o bem dos cidad„os, pois ter„o que prestar contas
para a salvaÁ„o eterna, como o que sÛ se refere ‡ felicidade temporal a Deus (Cf. Heb 13, 17) do poder que Ele lhes confiou. Finalmente a
est· sob autoridade civil, segue-se que a Igreja n„o se ocupa das Igreja recomenda o respeito ‡s leis naturais e sobrenaturais, em
realidades temporais a n„o ser quando est„o ordenadas ao fim virtude das quais toda ordem civil entre os cidad„os e entre as
sobrenatural. Quanto aos atos ordenados tanto ao fim da Igreja naÁıes pode se realizar em paz e justiÁa.
quanto ‡ vida da sociedade civil (como casamento, educaÁ„o dos
filhos e outros semelhantes), os direitos do poder civil devem ser 3 ñ Deveres Religiosos do Poder Civil
exercidos de tal modo que, segundo o juÌzo da Igreja, os bens
superiores da ordem sobrenatural n„o sofram nenhum dano. Nas O poder civil n„o pode ser indiferente a respeito de religi„o.
outras atividades temporais que, respeitada a lei divina, podem ser InstituÌdo por Deus para ajudar os homens e adquirir uma perfeiÁ„o
consideradas de diversas maneiras, a Igreja n„o se intromete de verdadeiramente humana, deve n„o somente dar a seus s˙ditos a
nenhuma maneira. Guardi„ de seu direito, perfeitamente respeitosa possibilidade de procurar os bens temporais (materiais e
do direito do outro, a Igreja julga que n„o lhe cabe opinar na escolha intelectuais), mas tambÈm ìfavorecer a afluÍncia dos bens espirituais
da forma de governo, nas instituiÁıes prÛprias do ‚mbito civil das que lhes permita levar uma vida humana de maneira religiosaî.
naÁıes crist„s; das diversas formas de governo, Ela n„o despreza Entre estes bens, nada mais importante do que conhecer e
nenhuma desde que a religi„o e a moral estejam a salvo. Assim reconhecer a Deus, e posteriormente cumprir seus deveres para com
Ele; aÌ est· o fundamento de toda a virtude privada e ainda mais, da Conseq¸entemente, de maneira muito particular o poder civil deve
p˙blica. proteger a plena liberdade da Igreja e n„o impedir de modo algum
que ela leve a cabo integralmente sua miss„o, seja no exercÌcio de
Estes deveres para com Deus, para com a Majestade divina, obrigam seu magistÈrio sagrado, seja na ordem e cumprimento do culto, seja
n„o somente a cada um dos cidad„os mas tambÈm o poder civil que na administraÁ„o dos sacramentos e no cuidado pastoral dos fiÈis. A
nos atos p˙blicos representa a sociedade civil. Deus È o autor da liberdade da Igreja deve ser reconhecida pelo poder civil em tudo o
sociedade civil e a fonte de todos os bens que por meio dela chegam que concerne a sua miss„o. Particularmente na escolha e formaÁ„o
a todos os seus membros. A sociedade civil deve portanto honrar e dos aspirantes ao sacerdÛcio, na escolha dos bispos, na livre e m˙tua
servir a Deus. Quanto ‡ maneira de servi-Lo no momento presente, comunicaÁ„o entre o Romano PontÌfice e os bispos e os fiÈis, na
n„o h· outra sen„o a que Ele mesmo determinou como obrigatÛria, fundaÁ„o e direÁ„o dos institutos de vida religiosa, na publicaÁ„o e
na verdadeira Igreja de Cristo, n„o somente para os cidad„os mas difus„o de notÌcias, na posse e administraÁ„o de bens temporais,
igualmente para as autoridades que representam a sociedade civil. como tambÈm de um modo geral em todas as atividades em que a
Igreja, sem discutir os direitos civis, se considera apta para dirigir os
O poder civil tem a faculdade de reconhecer a verdadeira Igreja de homens para o seu fim ˙ltimo, sem excetuar a instruÁ„o profana, as
Cristo pelos sinais que manifestam a sua instituiÁ„o e a sua miss„o obras sociais e muitos outros meios.
divina, sinais dados ‡ Igreja por seu divino fundador. AlÈm disto, o
poder civil, e n„o somente cada um dos cidad„os, tem o dever de Finalmente, o poder civil tem a grave incumbÍncia de excluir da
aceitar a RevelaÁ„o proposta pela prÛpria Igreja. Da mesma maneira, legislaÁ„o, do governo, e da atividade p˙blica tudo que possa
sua legislaÁ„o deve estar de acordo com os preceitos da lei natural e impedir a Igreja de alcanÁar seu fim eterno; mais ainda deve aplicar-
ter estritamente em conta as leis positivas tanto divinas como se a facilitar a vida fundada sobre os princÌpios crist„os e
eclesi·sticas, destinadas a conduzir os homens ‡ bem-aventuranÁa absolutamente de acordo com este fim sublime para o qual Deus
sobrenatural. criou o homem.

Assim como nenhum homem pode servir a Deus do modo 4 ñ PrincÌpio Geral de AplicaÁ„o da Doutrina Exposta
estabelecido por Cristo se n„o sabe claramente que Deus falou por
Jesus Cristo, da mesma maneira a sociedade civil (enquanto poder Eis o que a Igreja sempre reconhecer: que o poder eclesi·stico e o
civil que representa o povo) n„o pode fazÍ-lo se primeiro os poder civil mantenham relaÁıes e que o poder civil, representando o
cidad„os n„o tÍm um conhecimento certo do fato da RevelaÁ„o. povo, reconheÁa a Cristo e a Igreja fundada por Ele.
5 ñ AplicaÁ„o em uma Cidade CatÛlica 6 ñ Toler‚ncia Religiosa em uma Cidade CatÛlica

A doutrina completa exposta pelo Santo ConcÌlio, sÛ pode ser Na defesa da verdadeira fÈ, deve-se proceder de acordo com as
aplicada em uma sociedade na qual os cidad„os n„o apenas s„o exigÍncias da caridade crist„ e da prudÍncia, para que os dissidentes
batizados, mas professam a fÈ catÛlica. Neste caso s„o os prÛprios n„o sejam afastados da Igreja por temor, mas atraÌdos para Ela, e que
cidad„os que decidem livremente que a vida civil seja adequada aos nem a sociedade nem a Igreja sofram algum prejuÌzo. Ent„o È
princÌpios catÛlicos e que assim como diz S„o GregÛrio o Grande: necess·rio considerar sempre o bem comum da Igreja e o bem
ìO caminho do cÈu seja mais amplamente abertoî (Ep. 65, ad comum do Estado, em virtude dos quais uma justa toler‚ncia
Mauricium). inclusive sancionada pelas leis, conforme as circunst‚ncias, pode ser
imposta ao poder civil; isto por um lado, para evitar maiores males
Entretanto, inclusive nestas felizes condiÁıes, de nenhuma maneira È como o esc‚ndalo ou a guerra civil, o obst·culo para convers„o ‡
permitido ao poder civil constranger as consciÍncias a aceitar a fÈ verdadeira fÈ ou outras coisas parecidas; por outra parte, para
revelada por Deus. Com efeito, a fÈ È essencialmente livre e n„o procurar o bem maior, como a cooperaÁ„o civil e a coexistÍncia
pode ser objeto de nenhuma coaÁ„o, como ensina a Igreja: ìQue pacÌfica dos cidad„os de religiıes diferentes, uma maior liberdade
ninguÈm seja constrangido a abraÁar a fÈ catÛlica contra seus para a Igreja e um cumprimento mais eficaz de sua miss„o
desejosî (C.I.C. can. 1351). sobrenatural e outros bens semelhantes. Nesta quest„o deve se levar
em conta n„o somente o bem de ordem nacional, mas tambÈm o bem
Entretanto, isto n„o impede que o poder civil procure as condiÁıes da Igreja universal (e o bem civil internacional). Com esta toler‚ncia
intelectuais, sociais e morais requeridas para que os fiÈis, mesmo os o poder civil catÛlico imita o exemplo da divina ProvidÍncia, que
menos instruÌdos, perseverem com mais facilidade na fÈ recebida. permite males dos quais tira maiores bens. Esta toler‚ncia deve ser
Ent„o, da mesma maneira que o poder civil se considera com o observada principalmente nos paÌses onde, depois de sÈculos,
direito de proteger a moralidade p˙blica, assim tambÈm para existem comunidades n„o catÛlicas.
proteger os cidad„os do erro e guardar a Cidade na unidade da fÈ,
que È o bem supremo e fonte de in˙meros benefÌcios atÈ temporais, 7 ñ AplicaÁ„o em uma Cidade n„o CatÛlica
o poder civil pode regulamentar e moderar as manifestaÁıes p˙blicas
de outros cultos e defender os cidad„os contra a difus„o de falsas Nas cidades em que grande parte dos cidad„os n„o professam a fÈ
doutrinas que, a juÌzo da Igreja, pıem em perigo a salvaÁ„o eterna. catÛlica ou n„o conhecem o fato da RevelaÁ„o, o poder civil n„o
catÛlico deve, em matÈria religiosa, ao menos se adaptar aos
preceitos da lei natural. Nestas condiÁıes, este poder n„o catÛlico
deve conceder a liberdade civil a todos os cultos que n„o se opıem ‡
religi„o natural. Esta liberdade n„o se opıe aos princÌpios catÛlicos, sociedade civil, n„o obstante a diversidade dos regimes polÌticos e a
pois convÈm tanto ao bem da Igreja como ao do Estado. Nestas outras vicissitudes da histÛria.
sociedades onde o poder n„o professa a religi„o catÛlica, os cidad„os
catÛlicos tÍm sobretudo o dever de obter, por suas virtudes e aÁıes NOTA: Foram omitidas numerosas notas que constavam deste
cÌvicas ñ graÁas ‡s quais, unidos a seus concidad„os, promovem o documento. Aqueles que quiserem consult·-las, devem reporta-se ao
bem comum do Estado ñ que seja concedida ‡ Igreja plena liberdade texto original em latim.
de cumprir sua miss„o divina. Com efeito, a sociedade n„o catÛlica
n„o sobre nenhum dano pela livre aÁ„o da Igreja, mas inclusive
obtÈm numerosos e insignes benefÌcios. Assim os cidad„os catÛlicos
devem se esforÁar para que a Igreja e o poder civil, embora
separados juridicamente, se dÍem uma benÈvola ajuda m˙tua.

Para n„o comprometer, por indolÍncia ou por zelo imprudente, a


Igreja ou o Estado os cidad„os catÛlicos devem se submeter ao juÌzo
da autoridade eclesi·stica; a ela pertence o julgamento do melhor
para a Igreja, conforme as circunst‚ncias e dirigir os cidad„os
catÛlicos nas aÁıes civis destinadas a defender o altar.

8 ñ Conclus„o

O santo ConcÌlio reconhece que os princÌpios das relaÁıes m˙tuas


entre o poder eclesi·stico e o poder civil n„o devem ser aplicados de
modo diferente ‡s regras de procedimento expostas anteriormente.
Entretanto, n„o pode permitir que estes princÌpios sejam
obscurecidos por algum falso laicismo, inclusive sobre pretexto de
bem comum. Realmente, estes princÌpios se apÛiam nos direitos
inexor·veis de Deus, sobre a constituiÁ„o e miss„o permanente da
Igreja sobre a natureza social do homem, que permanecendo sempre
a mesma atravÈs dos sÈculos, determina o fim essencial da mesma
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Este livro terminou de ser impresso na Gráfica Editora do Livro Ltda. Para a
Editora Permanência, no dia 28 de julho de 1991, por ocasião da Sagração
Episcopal de Dom Licínio Rangel realizada em São Fidélis, RJ, pelos bispos
sagrados por Dom Lefebvre em 1988, em defesa da Tradição Católica.

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