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Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes


Curso de Licenciatura em Artes Visuais

Larissa Cristina Braz da Cruz

Natal
2018
1

LARISSA CRISTINA BRAZ DA CRUZ

MULHERES QUE SE ARRISCAM POR UM RISCO:


uma cartografia da pixação e graffiti feminino na cidade de Natal-RN.

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao curso de Licenciatura em
Artes Visuais da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte como requisito para
obtenção do título de Licenciada em Artes
Visuais.

Orientadorx: Prof. Me. Artur Luiz de Souza Maciel

Natal
2018
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LARISSA CRISTINA BRAZ DA CRUZ

MULHERES QUE SE ARRISCAM POR UM RISCO:


uma cartografia da pixação e graffiti feminino na cidade do Natal-RN.

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao curso de Licenciatura em
Artes Visuais da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte como requisito para
obtenção do título de Licenciada em Artes
Visuais.

Banca Avaliadora:

Prof. Me. Artur Luiz de Souza Maciel


DEART/UFRN

Prof. Dr. Alessandro Dozena


DGE/UFRN

Profa. Dra. Bettina Rupp


DEART/UFRN

Beatriz Rocha(Sheep)
Artista Visual e Urbana
Natal, ___ de julho de 2018
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a todxs pixadorxs e graffiteirxs, que


estão na resistência, subvertendo e
intervindo.
4

AGRADECIMENTOS

O percurso percorrido para efetuar esse trabalho, contei com ajuda de pessoas que
me deram força para poder construí-lo:

Agradeço a mainha, Maria Lélia, na qual foi uma das minhas maiores torcidas para a
conclusão deste trabalho. As minhas outras mães, irmãs e amigas, Verônica e
Luciana;

As meninas Carlaxs, Dévthy, Paulo e Michel que fazemos parte da ​Coletiva


Monstruosxs e continuamos nossa batalha diária pela desconstrução e igualdade
gênero;

As mulheres que fizeram essa pesquisa possível, compartilhando suas vivências,


Aira, Aisha, Amar elo cura, Doce, Elafantxe, Flor, Sheep, Preta catão e V de vagina;

A todas as manas que conheci durante meu percurso, que estão nas ruas, se
arriscando e riscando, mostrando que a rua é nossa também;

Agradeço as dissidentes de gênero por entender nossa sensibilidade e


compartilhamos vivências, que não apareceram nesse trabalho mas que também
existem e estão nas ruas;

Agradeço ao meu companheiro e parceiro, Bruno, por aguentar e me ajudar nesse


processo;

Agradeço aos mexs manxs de vida, Jumos eToni, que fazem parte da Odé Crew, no
qual fiz parte e compartilhamos muitas vivências!Salve;

Agradeço as manas Júlia Monteiro, Nene Surreal e Sheep, por serem grandes
parceiras e referência eterna. Salve;

Como também a Preta Catão, que me ajudou e me apoiou em momentos difíceis,


mostrando o empoderamento da minha voz e cor;
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E agradeço ao amigo da secretaria, Ycaro Dantas, por me ajudar nas burocracias


burrocráticas.

E agradeço aos orixás e todas as energias que nos envolve, que nos ensinam, nos
protege e nos faz crescer;

Homenageio também esse trabalho a minha bisavó Maria e minha vó Cicinha, e


todxs indígenas, caboclxs e nativos, que existiu/existe e resiste. Salve a nossa
ancestralidade, salve os tapuia!;

Agradeço também a todxs que encontrei com o pixo e o graffiti nesse percurso de
resistência de vida, que só cresce. Salve a rua;
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RESUMO

Mulheres que se Arriscam por um Risco: uma cartografia da pixação e do graffiti na


cidade do Natal-RN, pesquisa sobre arte, tem como metodologia a documentação e
coleta fotográfica de trabalhos de artistas mulheres e entrevistas não estruturadas a
fim de construir uma cartografia feminina das marcas encontradas na cidade de
Natal. Colocando as mulheres como protagonistas, uma vez que a rua é marcada
como um território que não pertence a elas. Partindo de pesquisa bibliográfica,
abordo a pixação e o graffiti que geram marcas visíveis na cidade na
contemporaneidade, sob a luz de Yi-Fu Tuan observando seus desdobramentos
entre espaço e lugar, junto com Bouro e Downs. Partindo desses dados, dou início a
construção de um mapa, focando em 9 mulheres, mostrando seus processos na rua,
tags, trabalhos e vivências.

Palavras-chave:
mulheres; pixação; graffiti; cartografia; tags.
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RESUMEN

Las mujeres que se arriesgan por un riesgo: una cartografía de la pixación y del
graffiti en la ciudad de Natal-RN, investigación sobre arte, tiene como metodología la
documentación y recolección fotográfica de trabajos de artistas mujeres y entrevistas
no estructuradas a fin de construir una cartografía femenina de las marcas
encontradas en la ciudad de Natal. Colocando a las mujeres como protagonistas,
una vez que la calle está marcada como un territorio que no pertenece a ellas. A
partir de la investigación bibliográfica, abordo la pixación y el graffiti que generan
marcas visibles en la ciudad en la contemporaneidad, bajo la luz de Yi-Fu Tuan
observando sus desdoblamientos entre espacio y lugar, junto con Bouro y Downs. A
partir de esos datos, doy inicio la construcción de un mapa, enfocándose en 9
mujeres, mostrando sus procesos en la calle, tags, trabajos y vivencias.

palabras clave:
las mujeres; pixaçao; el graffiti; cartografía; las etiquetas.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 01:​Graffiti de Doce (um dos mais conhecidos dela, não existe mais, foi
apagado)
Figura 02: Mutirão para pintar o viaduto de Potilândia, (sem nenhum tipo de
autorização).
Figura 03: ​Doce sendo abordada por policiais.
Figura 04:​ Graffiti em lugar não localizado, 2012. Foto: Doce
Figura 05: ​“Tag” de Flor Lugar não localizado em Natal, 2007.
Figura 06: Foto de um evento de graffiti em Salvador-BA, no qual Flor e Doce
representaram o Rio Grande do norte, em 2007.
Figura 07:​Flor pintando em 2007. Foto: Acervo Flor
Figura 08:​ ​Tag Sheep, 2015. Foto: Larissa Cristina
Figura 09: ​Graffiti no bairro de Mirassol, 2015. Foto:Larissa Cristina
Figura 10: ​Graffiti no bairro do Satélite, 2013. Foto: Arquivo Pessoal
Figura 11:​ Graffiti em Felipe Camarão, 2015.Foto: Acervo Sheep
Figura 12:​Pixação em lugar não localizado em Natal, 2015.Foto: Acervo pessoal
Figura 13: Uma das perguntas da prova para professor de artes/visuais da prefeitura
do Natal em 2015. Retirada do site da Comperve.
Figura 14:​ Lugar não localizado. Foto: Acervo Amar Elo Cura
Figura 15:​Pixação no Alecrim. Foto: Acervo Amar Elo Cura
Figura 16:​ Tag de frente, 2014, Vila de ponta Negra. Foto: Acervo Pessoal
Figura 17:​ Tag Elafantxe, txoma! Foto: Acervo Pessoal
Figura 18:​Pela via costeira, 2015. Foto: Larissa Cristina
​Figura 19:​Pixação em lugar não localizado em Natal, 2016. Foto: Elafantxe

Figura 20:​Tag da Elafantxe no procon,Ribeira,2014. Foto: Portal no ar.


Figura 21:​ Manada próximo a Sam´ś Club para Mainha. Foto: Acervo Elafantxe
Figura 22:​Pixo na Via Costeira, 2016. Foto: Larissa Cristina
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Figura 23:​Pixação na BR 101. Foto: Acervo Pessoal


Figura 24:​Tag V de vagina, próximo a UFRN. Foto: Larissa Cristina
Figura 25:​: ​Tag AISHA. Foto:Larissa Cristina
Figura 26:​ ​Tag Aira. Foto:Arquivo Pessoal
Figura 27:​Tag NPS. Foto:Arquivo Pessoal
Figura 28: ​Letreiro Aira.Foto: Arquivo Pessoal
Figura 29:​Letreiro estudos Aira. Fonte: Arquivo Pessoal
Figura 30:​ Dedos tag, de Preta Catão. Foto: Acervo pessoal
Figura 31:​Do lado esquerdo Sheep e do lado direito Preta Catão. FOTO: Acervo
Pessoal
Figura 32:​estudos dos robôs com seus dedos, em praia de Santa Rita. Foto: Acervo
Pessoal
Figura 33:​FIGURA 33:Estudos de dedos, Tag. Foto: Acervo Pessoal
Figura 34:​senhora na BR 101, 2016. Foto: Arquivo pessoal
Figura 35:​ Lambe- lambe no viaduto da UFRN. 2013.
Figura 36:​ Lambe - lambe masturbe-se, duravam menos de 24h.2013.
Figura 37:​ Lambe - lambe na Av. Salgado Filho. 2014.
Figura 38: ​Graffiti meu, na FEME em Vitória - ES. Em 2016. Foto: Larissa Cristina
Figura 39: ​ Graffiti no galpão abandonado na Roberto Freire. Foto: Sun
Figura 40: ​Graffiti censurado, 2016. Foto: Larissa Cristina
Figura 41: ​Corpos espalhados.Foto: Larissa Cristina
Figura 42: ​Chega de feminicídio, praia dos artistas, 2018. Foto: Neurose
Figura 43:​Trabalho censurado 2 meses depois. Foto: Acervo pessoal
Figura 44:​ Corpo na estrada da Redinha Velha, 2017. Foto: Neurose
Figura 45: Corpos partilhadxs no mesmo local depois de censura de censura
publicitária. Foto: Acervo Pessoal
Figura 46: ​Momento que uma ​mulher Pajé pinta meu rosto com os desenhos do
“rabo de jacaré” na mediação da boca. Foto: Sheep
Figura 47:​Corpo com inscrições indígenas da tribo Huni - Kui, referente ao rabo de
jacaré. Foto: Isma Stencil
Figura 48: ​Senhora do Atabaque, com pinturas referente ao olho da curica nos
braços e rosto. Foto: Larissa Cristina
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SUMÁRIO

Introdução …………………………………………………………..10
1. As manas no mapa ……………………………………………..11
2. estamos na rua ………………………………………………….14
2.1. arte como crime, crime como arte e as legitimações
arte como crime crime como arte………………………………...16
3. quem são elas, onde elas andam? …………………………...20
3.1. as manas: “a rua também é nossa!” ………………………..21
3.1.1. Doce ………………………………………………………....21
3.1.2. Flor ………………………………………………………......25
3.1.3. Sheep ………………………………………………………..29
3.1.4. Amar Elo Cura ………………………………………………32
3.1.5. Elafantxe …………………………………………………….36
3.1.6. V de Vagina …………………………………………………42
3.1.7. Aisha ………………………………………………………...45
3.1.8. Aira …………………………………………………………..48
3.1.9. Preta Catão ………………………………………………….52
4.Eu,Consuelo Oleusnoc - C.O ………………………………….56
5. Espaço e visibilidade feminina na cidade de Natal ………….67
6. Projeto Pedagógico No Acre - Haux Haux …………………...71
7.Referências Bibliográficas ……………………………………....74
11

INTRODUÇÃO

Escolhi falar da rua e de mulheres que se arriscam por um risco, por ser
mulher e ser da rua. Intervenho, sinto a situação e as diferenças. Tanto no fazer,
como os transeuntes (que observam), dos quais escutamos várias coisas, desde
xingamentos a assédios. No meio do graffiti, não temos reconhecimento e,
consequentemente, respeito. Já perdi as contas de quantos trabalhos meus já foram
boicotados1. Como Louzada fala em sua monografia “(...) apesar de se mostrar como
movimento de subversão, questionando valores e problematizando questões
sociopolíticas, o graffiti não se isenta da reprodução de opressões e hierarquias de
gênero (LOUZADA, 2016, p.26.)”.

Há muitas mulheres intervindo nos espaços públicos e privados, elas estão na


rua e nem as percebemos. Muitas vezes pensamos que são homens, como
“Elafantxe” descreve a conversa que escutou no ônibus, onde falaram sobre sua tag,
“esse bixo ai se garante, tá em todo lugar!”. Pelo fato de “se garantir” e estar em
vários lugares, não poderia ser uma mulher, tem que ser um cara, um bixo2? Com

1
Boicotado: ​Gíria utilizada para referenciar uma forma de p​unir alguém ou alguma coisa simplesmente
repudiando o mesmo.
2
Bixo: Gíria para se referir a uma pessoa do sexo masculino.
12

esse trabalho, espero visibilizá-las e protagonizar seus passos na cidade, seja pela
pixação, como pelo graffiti.

Portanto, esse trabalho é muito importante para mim, como interventora de


rua, como para as manas, que estão lá também na resistência. Principalmente, para
o meio acadêmico conhecer e compreender o lado de quem está fazendo
intervenções nas ruas, quebrando paradigmas e preconceitos.

No primeiro capítulo falo da presença feminina nas ruas, do porque deste trabalho.
As metodologias que utilizo para poder executá-lo, assim como algumas das teorias
como de Tuan, Downs,Seemann e Bouro. No segundo capítulo falo da questão
histórica das intervenções nas paredes, levantando uma breve historiografia, com
base em Gitahy, Souza, Lassala e algumas leis que incriminam a venda de spray
para menores e ações de pixos. Logo depois falo um pouco da cena feminina e as
mulheres que foco neste trabalho, no qual começou por ordem de entrevistas,
falando como elas começaram, suas tags, seus silenciamentos e preconceitos por
serem mulheres na cena, que ainda é muito dominada pelos homens. Termino com
minha fala, de eu como mulher e interventora , mostrando um pouco do meu
percurso e mapeamento de trampos pela cidade do Natal-RN.

.1
as manas no mapa

Como sou interventora de rua, para alguns grafiteira, resolvi fazer esse
levantamento. Sou uma das poucas mulheres (em relação ao número de homens) e
sempre tentava saber como, quando e quem começou a intervir nas paredes.
Parece que as mulheres são logo esquecidas na nossa história, não só no graffiti,
mas como em tudo, já que vivemos ainda numa sociedade em que o machismo é
enraizado.
13

A metodologia que utilizo neste trabalho, é vivenciada por meio de uma


construção poética e sensível que é partilhada diariamente com todxs, pois é um
trabalho que visa a visibilidade das intervenções urbanas. Um dos meios de
concretizar e registro dessa efemeridade, foi por meio da fotografia e entrevistas
com algumas das interventoras, que vêm os muros, como cadernos abertos.

Com o objetivo de colocar a mulher como protagonista em um cenário que


invisibiliza e silencia, retrato vivências relatadas em depoimento, como forma de
mostrar e afirmar a existência e resistência delas nas ruas. Eu, como mulher e
interventora urbana, sinto a falta de documentos, notícias e representatividade
feminina nos espaços, só que não há pelo fato de não falarem, e é como se não
existisse. Esse trabalho é para mostrar a representatividade feminina que existe há
um tempo e que pouco se sabe e se fala.

Com isso resolvi fazer uma cartografia dos meus graffitis pela cidade do
Natal, mapeando e destacando os bairros onde se encontram-se. E mostrando o
quanto essas intervenções dos graffitis e pixos pela cidade é importante não só
como uma expressão, como também, uma forma de localização e deslocamento
pela mesma.

A Cartografia, sem dúvida, representa uma linguagem importante


para a Geografia, mas não deve ser vista com o rigor de uma
gramática da língua portuguesa. No sentido convencional da
Cartografia, tratamos os mapas como analogias, ou melhor, como
meios de explanação, enquanto o mapa, quando visto como
metáfora, pode representar um meio de expressão (DOWNS apud.
SEEMANN, 2003,p.51)

São imagens que não vemos a olho nu, como observa Tuan (1979, p. 417),
essas imagens são meros indicadores de uma realidade subjacente que não é
diretamente acessível ao olho. É interessante a relação das intervenções nas
paredes das ruas com o mapa, pois ambas são imagens que são difíceis de serem
lidas e interpretadas.
14

Bouro fala das expressões “olhar pensante” e “consciência visual”, e fala da


dificuldade que temos de ler imagens, e que estamos perdendo a capacidade de ler ,
pensar por imagem e produzir imagem ligado ao contato direto com aquilo que é
visto.

Por isso, é preciso saber observar, porque “saber produzir imagens


verbais e visuais plenas de significação, descrições reveladoras de
um envolvimento direto e concreto com a realidade [são] relatos que
jamais poderiam ser produzidos por leitores de olhares rápidos e
descompromissados” (BOURO, 2002, p. 49).

Com isso é perceptível na sociedade contemporânea, em que movimentar-se


rápido a não percepção da cidade e seus elementos em sua totalidade. Para um
pixo se destacar tem que repetir e repetir até ser visto, além do posicionamento
geográfico que vai influenciar fundamentalmente em que ela vai estar, “levando-se
em conta que os mapas diretamente servem para o desejo ou até a necessidade de
visualizar processos do pensamento humano (MUEHRCKE, 1978, p.254)”.

O mapeamento da cidade está visualizado no pensamento imagético da


pixadora, que já traça o percurso antes para poder concretizá-lo, normalmente as
avenidas de grande movimento são visadas.
15

.2
estamos na rua

As pinturas em paredes marcam nossa existência, desde os primatas. N​a Pré


- História, com pinturas nas pedras narrando combates e estratégias, como Celso
Gitahy fala

a manifestação mais antiga, com certeza, foram os desenhos feitos


nas paredes das cavernas. Aquela pinturas rupestres são os
primeiros exemplos de graffiti que encontramos na história da arte
(GITAHY, 1999, p.11).

Na antiguidade, na cidade de Pompéia por exemplo, o ato de intervir nas


paredes era muito forte, com poesias e insatisfações políticas, de acordo com o
historiador Holanda, 2009 , que foram catalogados mais de 15.000 graffitis e pixos. E
que entre essas pixações, já havia a presença feminina nas intervenções, pois o
período era de emancipação das mulheres.

A Idade Média também se destaca não só grandes murais, mas também pela
presença da pixação, como Souza, 2007, que os padres pixavam os conventos
rivais.

na época em que os inquisidores queimavam as bruxas cobrindo-as


de piche, os padres pichavam as paredes dos conventos que eram
rivais, ajudando a expor suas ideologias e criticar doutrinas
contrárias, governantes , ditadores e todo tipo de pessoa ou
instituição a quem se queria difamar (SOUZA, 2007, p. 10).
Depois da II Guerra Mundial, começaram as produções de materiais em
aerosol. Entre os anos 60 e 70, percebe-se a presença de tinta spray, como na
França, no muro de Berlim, destacando-se nos Estados Unidos, nos bairros
periféricos de Nova York. O hip-hop, se espalhou, junto com a pixação em metrôs e
16

3 4
muros da cidade, seja por ​tags com suas ​Crews chegando a um desenho mais
trabalhado. No começo o graffiti e a pixação, não se distinguia, essa distinção é
brasileira

O graffiti inicialmente não se distinguia da pixação, pois sua origem


tem base no que hoje consideramos pixação. O graffiti rico em cores,
formas e desenhos é um processo posterior da evolução histórica
desta arte. Na verdade, essa distinção entre graffiti e pixação é bem
brasileira (SOUZA, 2015, p.23).
Segundo Souza, 2007, no Brasil, a pixação vem com a indignação diante a
Ditadura Militar, de uma forma subversiva, pois a liberdade de expressão estava
sendo censurada de todas maneiras:

durante os anos da ditadura militar, a prática fora utilizada como


veículo de contestação do regime e era absolutamente intolerada,
pois o direito à liberdade de expressão civil fora, de todas as formas,
censurado (SOUZA, 2007, p.10).
Hoje, o graffiti tem espaço no mercado de arte e a pixação continua
marginalizada e ilegal, pelo fato de ser transgressora, da sua subversão de estar nos
espaços urbanos, sem precisar de autorização, nem aceitação de alguém. Com isso
cria uma divisão entre graffiti e pixação, entre ​arte e vandalismo. As pixações de
grandes cidades brasileiras​ ​atraem

Uma arte de rua, caracterizada por uma escrita estilizada do nome


do pixador e do grupo que participa ( se participa de algum grupo),
monocromática, quase sempre feita com spray preto.(...) o que
constitui uma forma de apropriação da cidade. Para David Souza, a
pixação é: “caracterizada pela veiculação através da paisagem
urbana, por sua vocação clandestina e por seu aspecto estético com
traços rápidos e apressados em tinta spray, cuja premissa é a
divulgação através da repetição. (...) A pixação é usualmente
associada a um discurso norteado pelas noções de vandalismo,
delinquência, e poluição visual (SOUZA, 2007 p.19)”

3
Tag - Assinatura de rua, utilizada por pixadores e grafiteiros
4
​Crew - Grupo de interventores, que assinam a mesma Tag
17

Já o graffiti, ele também na essência não é autorizado, é a pintura de um


mural sem autorização, mas como requer mais tempo do que a pixação, muitas
vezes mais de um dia, dependendo do que será feito. Por isso, que os grafiteiros
costumam pedir autorização para pintar, principalmente em lugares que tem muito
5
movimento. Assim como tem variações entre o graffiti e a pixação, como o ​xarpi ,
6
bomb . Vale salientar que utilizo o termo “pixação” e não “pichação”, como Gustavo
Lassala, diz que

justamente por concorrer com a comunicação de muitas, a pixação


faz uso de processos de percepção e estimulação, diferencial e não
tradicional, ela possui uma gramática própria.(LASSALA, 2010, p.
34).

.2.1

arte como crime, crime como arte e as legitimações

O graffiti em Natal, segundo Raniere e Dozena (2013) teve seu primeiro


registro no começo dos anos 80, com Marcelus Bob. E a pixação, nos anos 90, com
a formação das torcidas organizadas a Máfia Vermelha (América de Natal Futebol
Clube) e Gang Alvinegra (ABC Futebol Clube). Já a presença feminina veio só no
começo dos anos 2000, tanto no graffiti como na pixação.

A prática da pixação e do graffiti sem autorização como crime ambiental


levando a detenção e multa, enquadradas na Lei n​° 12.408, de 25 de maio de 2011,
alterando o art. 65 da Lei n° 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, no qual retira a
prática do graffiti como crime e proíbe a venda de tintas do tipo aerossol para
menores de 18 (dezoito) anos. Havendo uma maior fiscalização e controle nas
vendas das tintas aerossol.

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA ​Faço saber que o Congresso


Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1​o Esta Lei altera o ​art. 65 da Lei n​o 9.605, de 12 de fevereiro de
1998​, dispondo sobre a proibição de comercialização de tintas em

5
Xarpi - Quando algumas assinaturas tem alguma letra invertida
6
Bomb - Graffiti rápido e ilegal, muitas vezes com letras arredondadas
18

embalagens do tipo aerossol a menores de 18 (dezoito) anos, e dá


outras providências.
Art. 2​o Fica proibida a comercialização de tintas em embalagens do
tipo aerossol em todo o território nacional a menores de 18 (dezoito)
anos.
Art. 3​o O material citado no art. 2​o desta Lei só poderá ser vendido a
maiores de 18 (dezoito) anos, mediante apresentação de documento
de identidade. Parágrafo único. Toda nota fiscal lançada sobre a
venda desse produto deve possuir identificação do comprador.
Art. 4​o As embalagens dos produtos citados no art. 2​o desta Lei
deverão conter, de forma legível e destacada, as expressões
“PICHAÇÃO É CRIME ​(ART. 65 DA LEI Nº 9.605/98)​. PROIBIDA A
VENDA A MENORES DE 18 ANOS.”
Art.5​o independentemente de outras cominações legais, o
descumprimento do disposto nesta Lei sujeita o infrator às sanções
previstas no ​art. 72 da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998.
Art. 6​o O art. 65 da Lei n​o 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, passa a
vigorar com a seguinte redação:
“Art. 65. ​Pichar ou por outro meio conspurcar edificação ou
monumento urbano:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
§ 1​o Se o ato for realizado em monumento ou coisa tombada em
virtude do seu valor artístico, arqueológico ou histórico, a pena é de
6 (seis) meses a 1 (um) ano de detenção e multa.
§ 2​o Não constitui crime a prática de grafite realizada com o objetivo
de valorizar o patrimônio público ou privado mediante manifestação
artística, desde que consentida pelo proprietário e, quando couber,
pelo locatário ou arrendatário do bem privado e, no caso de bem
público, com a autorização do órgão competente e a observância
das posturas municipais e das normas editadas pelos órgãos
governamentais responsáveis pela preservação e conservação do
patrimônio histórico e artístico nacional.” (NR)
Art. 7​o Os fabricantes, importadores ou distribuidores dos produtos
terão um prazo de 180 (cento e oitenta) dias, após a regulamentação
desta Lei, para fazer as alterações nas embalagens mencionadas no
art. 2​o​ desta Lei.
Art. 8​o Os produtos envasados dentro do prazo constante no art. 7​o
desta Lei poderão permanecer com seus rótulos sem as
modificações aqui estabelecidas, podendo ser comercializados até o
final do prazo de sua validade.
Art. 9​o​ Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 25 de maio de 2011; 190o da Independência e 123o da


República.

A tipificação das ações como crime, ocorrem no flagrante, pelos policiais. O


graffiti e a pixação, tem como essência a rua, a marginalidade, considero que a
19

polícia, em seu exercício de poder estabelece critérios de classificação e análise


para produção do grafitti a partir de seu ponto de vista, a maior parte das vezes,
arbitrário. Normalmente seus critérios são desconhecidos, pois muitas vezes há
abuso de poder, humilhação e agressão. Banhos de tinta, comer a espuma dos
rolinhos, só pelo prazer de ver a dor do outro, fazem parte de alguma práticas cruéis
dos policiais. Ao mesmo tempo que para alguns grafiteiros/pixadores, pedir
autorização como muitos dizem faz "perder a graça de tudo".

O tema é bastante controverso ​tendo em vista ​que graffiti é caracterizado


como arte e pixação é caracterizado como crime, mesmo entre os praticantes da
arte na rua existem posicionamentos diversos sobre esta questão. Em minha
experiência enquanto grafiteira, na rua verifico que os próprios interventores de rua
criam barreiras classificatórias (de modo similar a polícia) muitas vezes condenando
a pixação e defendendo só como "artista de rua", mas observo ​que a maioria
começou com a pixação, ou, continua praticando pixação​ ​e não assume​.

Como na invasão na Bienal Internacional de Arte de São Paulo em 2008, os


pixadores invadiram e pixaram, pelo fato de serem silenciados (mesmo gritando nos
muros das ruas) e marginalizados. Como forma de protesto, fizeram suas
intervenções, já que a curadoria do evento tinha como proposta a abertura as
intervenções urbanas. Questionaram e continuam a questionar arte de consumo de
massas, que muitas perderam sua política para dar espaço apenas ao estético, ao
discurso. Dois anos depois, em 2010, 3 dos 40 pixadores que subverteram pixando a
21ª Bienal, foram convidados para participar legalmente da 29ª ​Bienal Internacional
de Arte de São Paulo. Expuseram suas caligrafias, não pixadas (aos moldes das
ruas), mas em papel como fazem ao se encontrar e na troca assinaturas.

Em Natal, existe uma delegacia especializada em receber os casos de


pixação. Havendo uma perseguição maior aos interventorxs. Muitas vezes ignorando
chamados mais importantes, como assaltos, violência contra mulher dentre outros,
para cuidar de paredes. A Delegacia de Polícia de Candelária, tem se
responsabilizado por todos atos de "vandalismo", na Zona Sul, Oeste, Leste, menos
20

a Zona Norte. Soube de um caso ​com uma mana7, que foi pega pixando, no centro
da cidade, no qual ela nem terminou de fazer a ação, foi abordada e levada para
esse comando, humilhada, espancada, além da pressão psicológica e o direito de
imagem não respeitado.

7
Mana: Gíria para se referenciar a uma amiga
21

.3
quem são elas, onde elas andam?

“respeita tio, que as mina tão no corre”


Sara Donato e Issa Paz

Nos estudo de intervenções urbanas, onde estou ​há cinco anos, me


reconhecendo como integrante desse meio, da rua, vou conhecendo e
reconhecendo as protagonistas das tags e graffitis, aos poucos vão saindo do
anonimato e passo a reconhecê-las como mulheres, manas que se arriscam.Não
tive contato com todas mulheres que fazem intervenções na cidade do Natal, pois
não consegui conhecer todas, mas as reconheço nas paredes.

Flor, Bia Rocha, Amar Elo Cura, Elafantxe, V de Vagina, Aisha, Aira e Dani
Catão. Mulheres que estão nos corre8 e elas foram escolhidas pelo fato de terem
vários trabalhos e tags espalhadas pela cidade, muitas não só na Zona Sul, mas por
toda cidade.

A precursora do graffiti em Natal, Doce, quando comecei as entrevistas,


morava na África do Sul, mas em 2016 ela voltou para Natal e consegui entrevistá-la
via e-mail. A ex-grafiteira, Flor, que desde 2012 não pinta e hoje mora em São
Paulo, pela internet. Flor relata que no começo do graffiti feminino em Natal, pintava
com Doce, em meados dos nos anos 2000. Eram as únicas mulheres que pintavam.
Depois, antes de Flor ir para São Paulo-SP, Bia Rocha começa a espalhar seus
trabalhos em 2010. Em seguida, mais mulheres começam a intervir na cidade em
2013/2014: Amar Elo Cura e Elafantxe, Aira, em 2015 Aisha e em 2017 com V de
Vagina. Todas as informações foram obtidas a partir de entrevistas realizadas ​por

8
Corres: Termo utilizado para falar quando alguém está correndo atrás, na correria.
22

redes sociais, em chats do Facebook, do Whatsapp, por conversas escritas e


áudios, assim como por e-mail.

Os registros fotográficos foram realizados ​por mim ou por elas mesmas​, que
me enviaram e concordaram com a apresentação destes registros. Algumas fotos
estão sem localização, já que foram apagadas e elas não recordam o lugar
específico. Também nesse trabalho, não irei expor o nome de todas, apenas seu
nome de rua, a tag. Muitas pediram para não revelar o nome verdadeiro, para muitas
delas estar no anonimato é uma garantia de segurança e de “se boicotar”, como elas
dizem.

Nas entrevistas - não estruturadas - elas falam dos percursos e percalços na


rua, do que as motivaram a começar, quando elas começaram, qual a assinatura
delas e quais dificuldades elas enfrentaram. tanto no movimento como na rua, e
deixando-as mais abertas para conversarem o que quisessem e falarem de
experiências que passaram pelo fato de serem mulheres e estarem na rua.

.3.1
as manas: “a rua também é nossa!”
Pelas pesquisas e entrevistas realizadas constatei que as mulheres na
pixação, começaram a atuar em meados dos anos 2000, na cidade de Natal.
Segundo as entrevistadas, a pioneira nas intervenções de paredes da cidade, é a
artista "Doce", que começou a pintar com 14 anos, aprendendo e desenvolvendo
suas técnicas, num espaço que é dominado por homens. Doce permanece na
cidade até 2008, seguindo para África do Sul no qual seguiu suas atividades como
pintora e ganhando seu espaço com seu traço.

.3.1.1
DOCE
Doce, segundo as entrevistadas e até mesmo o movimento feminino do
graffiti, fala que foi a primeira mulher a grafitar na nossa cidade, por volta de 2005.
23

Foi uma das últimas a serem entrevistada, devido ter morado um bom tempo na
África do Sul. Só consegui entrar em contato depois que ela voltou, entrevistei com
algumas perguntas feitas pessoalmente e via e-mail.

Doce pintava com Flor, elas eram as únicas mulheres na cena local, por volta
de 2005, ela afirma que não sofreu nenhum tipo de sexismo.

FIGURA 01: Graffiti de Doce (um dos mais conhecidos dela, não existe mais, foi apagado)

Foto: Arquivo Pessoal

Eu nunca senti tanta diferença por ser mulher, comecei a pintar com
a Flor, e na época éramos as únicas mulheres da cena local; mesmo
assim não consigo lembrar tão fácil de alguma situação em que ser
menina tenha causado algum preconceito ou desaprovação pelo
resto do pessoal (DOCE, 13/10/16).
Ela diz também que antes era tudo “vandal”, escolhia o muro e já pintava sem
nenhum tipo de autorização, que muitas vezes havia abordagem policial e até
mesmo ficavam detidos na delegacia. E que antes não havia treta entre pixador e
24

grafiteiro, muito pelo contrário, eram todos juntos e muitas vezes o pixador grafitava
e vice e versa.

Eu comecei a fazer graffiti porque já adorava desenhar e pintar


desde criança, então a ideia de pintar paredes nas ruas era perfeita;
no começo era tudo ilegal, então era “vandal” mesmo, pegar umas
tintas, escolher um muro e pintar sem qualquer autorização – o que
muitas vezes acabava em simples abordagem policial ou horas na
delegacia. Também tinha muitos amigos pixadores, e na época não
tinha briga entre grafiteiros e pixadores. Também porque vários
faziam ambas as coisas, então era muito bom sair com o grupo de
amigos para pixar ou pintar (DOCE, 13/10/16).

FIGURA 02: Mutirão para pintar o viaduto de Potilândia, (sem nenhum tipo de autorização).

Foto : Acervo Flor


25

FIGURA 03: Doce sendo abordada por policiais.

Foto: Acervo Flor

FIGURA 04: Graffiti em lugar não localizado, 2012.

Foto: Acervo Doce


26

E afirma que a convivência com os meninos do graffiti/pixo, era muito boa de


início. Só depois que houve uma separação, não pelo fato de sexismo, mas sim pelo
fato de conduta e caráter das pessoas.

Então de início tive um ótimo relacionamento com os grafiteiros, mas


depois sempre surgem algumas diferenças de estilo ou conduta que
acaba separando um pouco os lados, mas isso independe do sexo, e
sim do caráter das pessoas.

.3.1.2
FLOR
Flor mora em São Paulo a seis anos. Começou a pintar em 2006, com Doce.
Era menor de idade quando começou a pintar e já fazia vários ​trampos9 espalhados
pela cidade. No início fazia uma bonequinha (a da foto abaixo), perguntei se seria a
sua marca e ela fala que no começo sim, como se fosse um tipo de tag.

No começo era eu e Doce, eu fazia uma personagem, uma


bonequinha. A gente demorava um ou dois dias inteiros para pintar,
não dava pra fazer sem autorização. Então íamos em escolas falar
com a diretora, batíamos na porta do povo para pedir para pintar,
levava pasta com desenhos para tentar convencer, enfim… (Flor,
12/05/16).
Desde que saiu de Natal, não pintou mais, não deu mais vontade. E que havia
várias dificuldades, que além de lugares autorizados, já que demoravam muito, as
vezes nem acabava no mesmo dia, precisava de um lugar autorizado. A tinta era
uma das dificuldades:

As dificuldades, era a falta de material, usávamos restos de tinta


látex, sintética e nem sempre tinha spray, porque era caro e só tinha
a Colorgin que era a melhor que tinha, pois não vendia tinta para
graffiti mesmo, nem muito menos cap. Outra dificuldade era a falta
de lugar autorizado, era difícil encontrar lugar com visibilidade e
autorização. Quando pintávamos em escolas, a gente tinha que ter
uma autorização por escrito, pintar no final de semana, porque os
vizinhos chamavam a polícia, então tinha que ter prova.”
(Flor,12/05/16).

9
Trampos: Trabalhos
27

FIGURA 05: “Tag” de Flor Lugar não localizado em Natal, 2007.

Foto: Acervo Pessoal

Na entrevista ela relata como pensava quando pintava e de como parou de


pintar. E diz que não teve problemas com as pessoas do movimento (pessoas que
fazem parte do cena do graffiti) , e que muito pelo contrário, era respeitada. E que no
máximo o que havia era uma rivalidade:

pensava que ia ser grafiteira, ir para Amsterdam. Não sei direito


porque parei de pintar, simplesmente não quis mais.. Mas, aí parei,
não acompanho faz tempo o graffiti em Natal. Não sofri preconceito
por ser mulher, pelo menos no hip hop, nos roles era de boa, porque
quando a gente começou, tinha muita gente fazendo. Rolava meio
que uma rivalidade talvez, tipo, as meninas fizeram a gente tem que
fazer também, mas acho que éramos respeitadas, mas na rua por
estranhos quando a gente pintava, acho que não. As pessoas
achavam estranho, porque a gente, às vezes, lixava a parede,
passava um mão toda de tinta, era um trabalho cansativo
(Flor,12/05/16).
Flor foi uma das primeiras mulheres a pintar, na cidade do Natal, junto com
Doce. Depois de conhecer Doce, ela começou a pintar e depois disso só pintavam
juntas. Eram as únicas mulheres no movimento. E fala que foi Doce quem tomou a
iniciativa de pintarem o viaduto em frente ao Arena das Dunas.
28

Figura 06: Foto de um evento de graffiti em Salvador-BA, no qual ela e Doce representaram o Rio
Grande do norte, em 2007.

Foto: Acervo Pessoal


29

FIGURA 07: Flor pintando em 2007.

Foto: Acervo Flor.


30

.3.1.3
SHEEP

FIGURA 08: tag Sheep, 2015. FIGURA 09: Graffiti no bairro de Mirassol,
2015.
Foto: Larissa Cristina
Foto: Larissa Cristina

Grafiteira reconhecida na cidade, devido ao seu tempo de rua. Começou em


2010, não havia muitas mulheres na cena. As referências dela, na cidade, eram
Doce, Flor e Sinhá, e destacando-se 2012 (pela quantidade de pixações que podiam
ser vistas pela cidade)

A gente começa muito antes, neh quando criança neh na escola


você já faz, mais assim mas assiduamente assim, foi em 2012 e
comecei principalmente porque eu via outras expressões,
principalmente na UFRN, porque foi exatamente nessa época então
eu via muitos stencils neh que são desenhos rápidos. E isso foi o
que influenciou mais, de você ver outras expressões e você de certo
modo ver o que é que sai da pessoa, de mim e o que sairia de mim e
foi assim que comecei (Sheep, 10/05/16).
31

Ver as intervenções, a instigou mais, pois via ​no ato de intervir uma necessidade do
ser humano e o graffiti como forma de mudar, questionar e desconstruir os espaços
e possíveis ideias.

o motivo mesmo foi ver outras expressões e também desejar fazer


próprio porque é uma necessidade essencial do ser humano, além
de outros motivo é o que não falta, motivação não tem muito
não(risos) (Sheep, 10/05/16).
Afirma que a falta de mulheres no movimento a incentivou​, já que eram
poucas, mas o número não a importava, o que levava em conta era a soma para o
movimento feminino, criando diferença.

ah.. De homem tinha vários(risos), mas isso é o que dá mais vontade


para a pessoa, porque você vê que só tinha três, que a pessoa pode
contar em uma mão só, dá mais instiga, porque é uma coisa que pra
mim eu me identifiquei logo (Sheep, 10/05/16).

FIGURA 10: Graffiti no bairro do Satélite, 2013.

Foto: Arquivo Pessoal


32

As dificuldades, exatamente assim de ser mulher eu acho que é


somente a descrença do geral, assim de você ser capaz talvez de
você fazer algo que também influencia, mas isso ae pra mim foi
tranquilo, porque eu dava muito role mais com homens, mulheres
mais hoje, porque eu só sacava a Doce! (Sheep,10/05/16).

FIGURA 11: Graffiti em Felipe Camarão, 2015.

Foto: Acervo Sheep


33

.3.1.4
AMAR ELO CURA

FIGURA 12: Pixação em lugar não localizado em Natal, 2015.

Foto: Acervo pessoal

"Amar elo cura", mana do pixo, a entrevistei via Whatsapp, que começou a
aparecer mais nas paredes e muros da cidade em 2013. Começou suas
intervenções nas ruas e desde 2011 começou a estudar os graffitis e pixos de sua
cidade onde residia, em Salvador – BA, aproximando-se do movimento e
interagindo. E só quando foi apresentar um trabalho sobre arte de rua na Costa Rica,
que fez seu primeiro pixo.

No começo pixava várias coisas, mandando salve aos mestres de


capoeira, mestre de música. Essas foram minhas primeiras
pixações, pixava também pixo de protesto, como a legalização da
ganja10 que participava de um coletivo chamado Ganja Livre e
Outros (amar elo cura, 20/05/16).

10
Ganja: Um dos termos utilizado para se referir a maconha
34

Logo em seguida, depois de ter feito já uma familiarização do movimento em


Salvador, mudou-se para Natal – RN, no qual espalhou muito sua antiga tag, que era
uma mulher gorda, com seios e vagina exposta com o nome livre ao lado. E foi
assim que começou seu processo criativo com o amar elo cura;

A formação da tag, foi em conjunto, inicialmente eu só pixava amar


elo, só que um dia eu tava com Brisa11 e estávamos subindo a rua
da Lagosta, de tanto eu contar a história do porque tinha surgido o
amar elo, que tava relacionado a um carro, um fusca amarelo, que
tinha um paquera, que nunca aconteceu nada entre a gente, foi só
uma paquera platônica, e a partir disso que a gente se viu e ficamos
na paquera só em olhares. E aí comecei a fazer terrorismo poético
pesado na cidade inteira para esse boy. Aí ela ficou falando "ah
amarelo cura, amarelo loucura", ai ela adicionou este cura que tem
isso de loucura, do cura e ai depois disso começamos a viajar
neh?!Amar elo cura,a o mar elo cura, a maré, daí várias ondas,
várias deri variações... desde então, eu puuu.. terrorismo pesado
mesmo na cidade inteira, foi uma boa ação. Fiquei um tempão
pixando essa ideia aí, e tipo assim, ganhou bastante visibilidade na
cidade porque, diferentemente da pixação, essa pixação ela, o leigo
sobre a pixação ela consegue identificar, e como é uma frase
poética, muita gente se identifica... (amar elo cura, 20/05/16).
Devido ao "terrorismo poético" na cidade inteira, ela fala que viu a
repercussão boa, o amar elo cura apareceu até mesmo na prova da prefeitura do
Natal, para professores de Artes Visuais de 2015.

FIGURA 13: Uma das perguntas da prova para professor de artes/visuais da prefeitura do Natal em
2015. Retirada do site da Comperve.

Depois dessa série de ​amar elo cura, que foi pixado em vários estados do
Brasil, que rendeu mais de dois anos, e segundo a autora, fala que rende até hoje,
ela começa com a série de mulheres negras, depois de um curso sobre
protagonismo negro na História do Brasil, onde tinha várias histórias de mulheres
negras, e aí que surge a "Adelina Charuteira", que foi uma informante no movimento

11
Brisa: Nome fictício para dado para amiga da Amar Elo Cura
35

de revolta, em prol da Abolição. E fala que a intenção era ficar um tempo com uma
série como ela diz:

... porque realmente a onda da pixação, pelo menos a linguagem


que to seguindo na pixação, que é de comunicação com o público da
pixação e público leigo também, na sociedade no geral. Você tem
que repetir mesmo, você só consegue ser vista, como as pessoa não
tem olhar atento aos pixos, você só consegue ser vista se você tem
uma repetição muito grande, que é a questão de que por você tá
muitas vezes no ambiente que a pessoa em algum momento
identifica, porque muitas vezes tem gente que nem identifica e vê
apenas como um rabisco” (Amar elo cura, 20/05/16)
Amar elo cura afirma ter pixado muito sozinha, as vezes quando se reunia
com outrxs pixadorxs é que acontecia de estar acompanhada. Mas era raras esses
acontecimentos, já que na maioria das vezes ela faz suas missões de bicicleta. E
fala em dois pontos muito importantes nas suas dificuldades.

Um era o fato de eu pixar, isso é algo que me identifica como uma


população de rua, por ser um bagulho criminal né, de vandalismo,
isso então a certo ponto eu me sentia mais segura por tá pixando,
porque nos olhos de quem mora na rua, há uma certa identificação,
diferente dos olhos de segurança, pêpa.. Andar na rua de noite, já
um bagulho que dá medo assim, as vezes ta ligado?! mas é uma
coisa que eu sempre enfrentei, porque sempre gostei de sair então
tipo assim, por mais que a rua possa dar medo e a própria
construção da mulher é uma construção que se diz que não pode sai
de noite, não pode sair sozinha, tem que tá sempre acompanhada
por um homem e blábláblá.. Isso pra mim nunca foi um empecilho..
(Amar elo cura, 20/05/16)

Por muito tempo ela permaneceu no anonimato, de ficar até mesmo o


questionamento entre os pixadores, de "quem é que faz o Amar elo cura?!", e muitas
pessoas pensavam que era crew.
36

FIGURA 14: Lugar não localizado.

Foto: Acervo Amar Elo Cura

FIGURA 15: Pixação no alecrim. 2015.

Foto: Acervo Amar Elo Cura


37

.3.1.5

ELAFANTXE

FIGURA 16: Tag de frente, 2014, Vila de FIGURA 17:Tag Elafantxe, txoma!.
ponta Negra.
Foto: Acervo Pessoal
Foto: Acervo Pessoal

Com o famoso elefante que foi espalhado por todos os lugares pelas diversas
ruas da nossa cidade, ela começou a pixar no final de 2012 e explodiu com manadas
de elefantes em 2013, podendo ser visto pela cidade até hoje. No início, quando saía
nas missões12, intervinha com lambe-lambes e depois com a pixação. Teve várias
tags, para poder chegar no elefante e escolheu o elefante porque é o animal que
mais gostava, muitas vezes se via como um. Mas, passou a fazer mais elefantes

12
Missões: Quando saem para pixar.
38

quando sua amiga "Amua", que também pixava, falou da lembrança que o elefante a
causava, se lembrava dela, foi quando percebeu que estava fazendo mais elefantes
do que qualquer outra coisa.

Quando saia para pixar se não estivesse só, estava acompanhada


com amigas que nem pixavam e afirma que era bem distante dos
pixadores no geral, pois se sente mais à vontade no anonimato, que
seu contato sempre foi mais com as meninas da cena (Elafantxe,
22/04/16).
As suas dificuldades, além da tinta spray, que é a mais utilizada devido a
rapidez no risco (e ser muito cara), é o fato de ser mulher na rua (e na madruga).
Outra barreiras era a polícia

adoro sair na madruga para pixar, principalmente quando é parede


que eu já tinha sacado, estudado. Não tinha medo da rua a noite,
tinha mais medo dos taxistas e da polícia sebosa, que sempre chega
que nem uns bixos, e sempre falavam a mesma coisa "o que faz
uma mulher essa hora na rua?! boa coisa não é!" além de tudo, da
humilhação, ainda escutamos umas coisas bem sexistas e
machistas, e foi aí que comecei a pixar também de dia, não tem hora
ruim (Elafantxe, 22/04/16).

Ela fala também que não é só a polícia, são os taxistas que são os "espiões
13
dos pêpa , os assédios que passa por ser mulher e tá só, mas fala:

podem até achar que ando só, mas Exu tá comigo, até porque estou
no território dele, e é por isso que pixo muito Exu parede, Exu reina
ou até mesmo Exu te ama(risos) (Elafantxe, 22/04/16).
14
Fala ainda que as tretas entre os interventores da cena, é uma das
15
dificuldades, que as dificuldades geram greia e instiga mais,

é muito doido esse lance que os macho pixador falam de "a rua é de
todos", é isso mesmo de todos no masculino porque quando chega
uma guel, colocam banca. Como um cara que chegou em mim e
falou que tava de saco cheio dos meus elefantes..(gargalhadas),
falou que fui pixar nas área dele, daí pô.. a única coisa que pude
dizer a ele foi, "meu irmão, se não tá gostando!, passe por cima,
deixe sua tag ou sei lá passe latex, porque enquanto eu não tiver

13
Espiões dos pêpa - Espiões da polícia
14
treta - confusão
15
Greia - tiração, momento engraçado
39

abusada dos meus elefantes, vai rolar ainda muuuuuuitas manadas!


(Elafantxe, 22/04/16).

Perguntei para ela se tem alguma referência querer estar ​nas ruas. Ela falou
que sempre gostou de pixar, desde criança. E que sempre observou as paredes, e
uma das referências mais fortes para ela é Sheep. Ela falou que todos os dias
passava na cidade observando muros, entre 2010 e 2011, e via que havia uma
ovelha bem grande nela. No qual se interessou e começou a perceber que tinha em
outros lugares junto com desenhos

poxaa... pra mim Sheep foi o ponto, porque sempre passava por uma
parede que tinha uma ovelha bem grande, e foi ai que comecei a
perceber que não precisava ser só nomes ou letras para ser tag,
poderia ser qualquer coisa até mesmo um desenho. E o mais legal de
tudo que foi quando eu conheci ela, que eu já conhecia Bia, mas não
como Sheep, e ai quando soube que era ela, poo...(gargalhadas), foi
muito engraçado, e acho ela bem importante na história das
intervenções feita por mulheres na nossa cidade, como na criação da
minha tag (Elefante, 22/04/16).
40

FIGURA 18: Pela via costeira, 2015. FIGURA 19:Pixação em lugar não localizado
em Natal, 2016.
Foto: Larissa Cristina
Foto: Elafantxe

Por onde passava deixava, pelo menos, um elefante. Ela falou que além do
Rio Grande do Norte há intervenções no Maranhão, percurso que fez numa viagem
de carona. “Por onde eu passo deixo pelo menos um elefante, que é tipo um.. 'Olha,
passei por aqui', já deixei elefante no Rio de Janeiro, Vitória, Jampa (João Pessoa),
em várias cidades de Pernambuco, e no percurso saindo do Rio Grande do Norte a
Maranhão. Tá rolandoo..!"

Durante a entrevista, ela pediu para continuar no anonimato, que seu nome
não fosse exposto, pois aí perderia a graça, se fosse revelado quem era. Ela fala
também da pixadora Gatinho, e fala que ela também é uma de suas referências, e
na visão da pixação a Gatinho foi fundamental no cenário feminino, "ela tirou muita
41

onda, tinha muitos e eu adorava, principalmente porque era uma mulher, e mesmo
buxuda tava nas ruas, quem fecha é ela!".

Terminamos nossa conversa, ela me deixou uma frase muito bela: "o que não
fazemos por um risco de vida!". Achei fantástico, essa frase com a ambiguidade
presente, e que ela falou que já havia pixado "risco de vida", e sempre que chega
em casa fala para si mesma "poxaa...mas um risco de vida vivo".

Quando entrevistei a pixadora, há mais de um ano, percebi que ela mudou


sua tag. Para ela a tag está sempre em processo de evolução e agora ela tá
assinando “Elafantxe”, se assumindo como “ela”, já para não ter a dúvida de ser um
“bixo”, e que é uma mulher intervindo.

FIGURA 20:Tag da Elafantxe no procon,Ribeira,2014.

Foto: Portal no ar.

Essa pixação rendeu um artigo no Portal no Ar, em 4 de dezembro de 2015,


no qual falava: “ As pichações são as mais diversas. Vão desde letras e códigos
indecifráveis até mesmo desenhos, frases de autoajuda ou poemas e figuras, sendo
42

a mais curiosa, a representação de um elefante pintada na fachada do prédio do


Procon, no bairro da Ribeira.”

Outra pixação que ficou bastante conhecida foi, o “para mainha”, que ficou por
quase um ano, na BR, próximo ao Sam’s Club.

FIGURA 21: Manada próximo a Sam´ś Club para Mainha.


43

Foto: Acervo Elafantxe

FIGURA 22: Pixo na Via Costeira, 2016.

Foto: Larissa Cristina

.2.1.6
V DE VAGINA

FIGURA 23: Pixação na BR 101.

Foto: Acervo Pessoal

Com aparição notória no final de 2016 e dominando as ruas em 2017, “V” fala
que a tag “V de Vagina”, não é dela, que outras meninas já assinaram e que é uma
tag mundial. Ela coloca muito em foco a cor vermelha. Todas as suas tags são em
tinta vermelha, tanto de spray como de canetão16, no qual ela mesma faz.

não digo que é minha tag porque tenho amigas que também já
assinaram e vejo constantemente essa tag em vários outros lugares.
Também não poderia dizer que é minha tag porque ✓agina é mais
um símbolo de subversão dessa sociedade machista e misógina, é
uma demarcação de que uma mulher está ali ocupando esse
espaço. Nesse processo de assinar ✓agina, decido fazer
predominantemente em vermelho levando também pra outras
interpretações do nome ✓agina, onde também é aparece como
✓aginas Sangram. O que remete essa dualidade de morte e vida do
sangue O sangue da mulher que escorre entre suas pernas

16
Canetão - caneta de ponta grossa, podendo assinar em qualquer superfície
44

lindamente renovando seu ciclo e a sociedade tenta higienizar; o


sangue da mulher que é derramado pela violência institucionalizada
quando tira o direito dela de abortar e de ter escolhas sobre seu
corpo e sua vida; quando a mulher tem seu corpo invadido por outro
sem permissão, esse outro que tem a certeza de ter posse sobre o
corpo da mulher; quando as chantagens, as agressões, os estupros
dentro de um relacionamento é considerado romanticamente parte
do que dizem ser Amor; quando ao dar a luz, a mãe perde a sua vida
ou a do filho por uma falha médica, por desumanização em um
procedimento mecânico e invasivo; quando a mulher é violada,
julgada e silenciada por ser simplesmente mulher.” (V DE VAGINA,
21/05/2017)

FIGURA 24: Tag V de vagina, próximo a UFRN.

Foto: Larissa Cristina


45

Ela coloca em foco nossa sensibilidade, quando enuncia que “vaginas


sangram”, no qual é censurada por todos os meios sociais e até por nós mulheres
mesmo. Além da autonomia dela de afirmação feminina.

Na questão da opressão nas ruas, ela diz não ter sofrido tanto, acha que
devido ter pouco tempo de rua. E afirma que na maioria de seus riscos, são feitos
sozinhas ou com outras mulheres que pixam também. Ainda salienta que quando os
pixadores chamam para riscar17, é porque quer algo em troca.

Percebemos que o lance na rua pra nós mulheres ou é ir sozinha ou


com as outras, porque nas raras vezes que pixador chama uma
mina pra fazer os riscos é com intenção de ficar/trepar com ela, e
nisso demonstra que eles não consideram seu risco e sim sua
buceta.( VAGINA 21/05/2017)
Devido ter passado por muitos assédios e opressões, pelo fato de ser mulher
e andar só na madrugada, a instigou a pixar e foi através da pixação que ela achou
uma forma de subverter e dividir suas dores com outras mulheres. E que não existe
hora para ocupar os espaços, seja pela manhã, tarde, noite e madrugada, vamos
estar transitando pelos espaços.

Por gostar de andar á noite e na maioria das vezes sozinha, já passei por
alguns perrengues que não envolviam ainda a pixação, fui percebendo o
que, na visão dos homens, uma mulher na rua nas madrugadas não é
mulher de respeito. Várias situações nas ruas e em festas fui assediada e
abusada por isso. A partir disso, tudo foi me instigando a subverter tais
situações através da pixação e foi com a pixação que percebi que eu não
estava só, que outras mulheres também compartilham desse incômodo,
dessa dor, desse medo e silêncio. Através da pixação fui reafirmando a
força que temos e que enfrentamos todos os dias, nas ruas, no trabalho,
nas universidades, em casa e nos relacionamentos. ✓agina está em
muitas paredes, placas e ônibus na cidade de Natal, é uma pequena
intervenção que contribui nessa imensa luta e resistência da mulher
nessa babilônia, vamos ocupando de dia, de madrugada e em qualquer
lugar com o nosso direito de estar no mundo!! (VAGINA 21/05/2017).

17
Riscar - é usado para se referir a pixar
46

.3.1.7
AISHA

Umas das manas que destacou-se na cena do pixo, estando em vários


lugares da cidade. Teve seu primeiro contato em 2015 com sua tag “TFAN”, que foi
o seu contato inicial na rua, mas que logo deixou a tag, para “Aisha”, nome de
origem Árabe, que significa “estar viva” ou “está vivendo”, se identificando com o
nome,vendo sentido para o que ela estava passando por momentos difíceis com a
depressão.

A pixação veio para ela como uma terapia, já que ela absorveu o valor do
nome, fazendo ela superar a depressão, e querer sair, e se ver nas ruas. Seu
contato nas ruas veio devido seu companheiro que também pixa, e que sempre a
incentivou.
47

FIGURA 25: Tag AISHA

Foto:Larissa Cristina

Entrevistei ela pessoalmente, uma conversa, “troca de ideia”, ela fala de como
foi a vivência de mulher na rua acompanhada por outros homens.

“eu sempre saia com o meu companheiro, e muitas vezes


estávamos acompanhados pelos amigos dele, e assim nunca
aconteceu nada de eu ser agredida, nem de tirarem onda, não
acontecia...era até meio perceptivo , porque você já deve ter
passado por isso, também de “há que legal uma mina pixando”,
tem esse role sabe?!.....no momento que ta acontecendo eu
sempre me sentia isso, no momento que tava acontecendo eu me
sentia muito silenciada, ou muito deslocada, porque eu tava num
rolê que eu não conhecia, fazendo um role que eu sabia que
podia rodá e com vários outros homens, que embora que tivesse
esse role de “ai que legal e tal..”mas tem essa coisa do
silenciamento, como se eu tivesse fazendo uma coisa que não era
minha, não ficava à vontade naquele ambiente. E também que a
relação entre eles, era com o meu companheiro, que eles já se
conheciam, então não havia esse diálogo deles para mim e nem
de mim para eles.” (AISHA,13/04/2018)
48

Como a mesma fala que pixava mais com os caras, e que quando pixava com as
meninas era diferente, de sentir-se segura, em seu lugar e confortável de esta
correndo um risco de vida.

“Eu ficava acanhada também porque eu tinha uma ideia de


porque eu tava começando, não queria pegar espaço de ninguém
e tal, tenho que ficar na minha e esperar, e enfim, acho que é
também porque a gente é mulher e aprende a falar baixinho a ta
no nosso canto, e eu não me colocava muito nos momentos,
pixava, mas ficava com essa tensão dentro de mim.”
(AISHA,13/04/2018)
Ela pixou até o final de 2017, e fala que parou pois já não via mas sentindo dela na
rua, dos traumas, medos que veio com o pixo, mas que ficaram nela.

“ae fui parando, fui parando por causa disso, pois já não me fazia
bem o role, sabe?!já não me completava. Acho muito massa,
muito instigante, é muito foda, mas tava me adoecendo já, e ae to
vivendo os estudos hoje, tentando ficar bem,!”(AISHA,13/04/2018)
49

.3.1.8
AIRA

FIGURA 26: Tag Aira

Foto:Arquivo Pessoal

Pixadora, atuante desde 2014 sem parar até hoje. Ultimamente é a pixadora que é
encontrada em todas as zonas de Natal. Assina “Aira”, devido seunome ser Maria, e
estava procurando uma tag, e resolver escrever ao contrário, ficando ​Airam, tirou o
“​m” e ficou Aira.
“ Eu tava procurando saber como ia ser meu risco, então assinei
meu nome de trás para, ae eu gostei do segundo nome, Maria, de
trás para frente, que ficou “Airam”, ae resolvi tirar o “M”, ae ficou
Aira, ae eu dei valor ao nome e desde então é Aira!” (Aira, 10/06/18)
Começou nas ruas juntamente com uma crew, o “Crikas”, um grupo de mulheres que
atuava na rua, justamente para mostrar que tem mulher na rua.
“Eu fazia parte do Crikas, que era um grupo só de meninas, e o
Crikas surgiu para mostrar que a mulher tá na rua sim, pixando
também. porque crikas, porque muitas mulheres são considerada
50

crianças, inocentes na pixação, de não desenvolver na pixação. que


não tem capacidade neh?! é o que muitos homens pensam, só que
aí nóis veio para mostrar que a mulher tá na rua e tá pixando
também. Eu segui em frente com o grupo e continuei pixando ​CKS18
até 2016, dois anos, ae o grupo acabou e eu continuei pixando.
Pixando Aira e pixando cks, o Crikas, ae depois de um tempo
conheci o Naipes, e me chamaram para fazer parte, aé agora sou
NPS19 , ae to desde 2014, sem parar. (Aira, 10/06/18)
Fala do preconceito que ela passa pelo fato de ser mulher e tá na rua, de que muitas
vezes é cobrada em dobro por isso, pois não basta ter nomes em vários lugares, tem
que ter no alto também.

FIGURA 27: Tag NPS

Foto: Arquivo Pessoal

“Sobre preconceito na pixação por ser mulher, entre os que eu


andei, não sofri tanto, mas entre os que não andei, já ouvi muitos
comentários, de porque sou mulher, porque não tenho capacidade,
porque uma mulher não sobe numa marquise só pixa em baixo,
porque ela não pega predio só pega em baixo. Então essas coisas
eu quis mostrar que a mulher ela tá na rua e ela pode fazer sim, ela
pode fazer seu corre, pode pegar uma marquise, um beiral onde for,
seja em baixo ou no alto, se ela tá na rua se ela ta mostrando que
ela tá na rua, mostrando que é pixadora, ela pode pegar o pico onde
ela quiser independente de comentários. Agora silenciada, eu nunca
fui, nunca tentaram calar minha voz porque eu não dei brecha para
que isso aconteça, sempre tive voz ativa, sempre questionei, e
sempre coloquei os peito mesmo,para não deixar que isso
aconteça”(Aira,10/06/18)

18
CRS - Crikas, crew que Aira asia parte.
19
NPS - Naipes, crew que Aira faz parte
51

Atua nas ruas muitas vezes com os homens, e fala que se sente mais segura
em andar com outras pessoas do que pixar só, pois sente-se vulnerável. Ela fala até
que já teve que correr, pois estava sendo perseguida por um carro.

“A mulher quando tá na rua sofre muitos assédios, eu já fui


perseguida por um carro, eu tava indo pixar e entrei numa rua escura
e apareceu um carro e parou e tirou onda e colocou o carro para
cima de mim e tive que correr e eu tava sozinha. Então quando a
mulher é vista na madrugada ela é denominada neh?!puta num sei o
que, já tem essa característica, porque é uma mulher sozinha na
madrugada. E quando eu comecei eu andava sozinha, tinha um
grupo de mulher, mas andava só também. É muito diferente quando
a mulher sai para pixar com um grupo de homens de quando tá
sozinha, a gente sofre menos assédio.”(Aira, 10/06/18)

FIGURA 28:Letreiro Aira

Foto: Arquivo Pessoal


52

​FIGURA 29: Letreiro estudos Aira


Fonte: Arquivo Pessoal
53

.3.1.9
PRETA CATÃO

FIGURA 30: Dedos tag, de Preta Catão

FOTO: Acervo pessoal

Interventora de rua desde 2012, nos estudo e experimentos nas ruas, tem sua tag
dedos, vários dedos no qual ela explica o porquê dos dedos e o Catão.

“minha tag é um dedo, são os dedos, eu faço os dedos. eu gosto de


dedos desde criança assim, ficava olhando meus próprios dedos
assim, ficava viajando, queria fotografar, queria guardar, só que não
tinha como guardar, ae eu desenhava para lembrar daquilo depois.
ae fiquei pintando os dedos,uma vez achei de juntar vários pés mas
nunca desenhei, mas desenhei só os dedos, parecia um pé,mas era
só de dedos. E eu gosto, eu acho que dedo representa um bucado
de coisa para mim, porque é com as mãos que eu faço as coisas,
tudo que eu queria desde que criança, eu tinha que fazer, produzir
com minhas próprias mãos, eu pirava nas mãos e os dedos
surgiram.(Catão,11/06/18)
54

E fala que em seu percurso nas ruas, não recorda de preconceito, mas da questão
de espaço. Que os meninos sempre ficavam com os maiores espaços, e muitas
vezes até delimitavam onde ia pintar.

“No graffiti, na rua, lembro da questão de espaço,de ser espremida,


tipo, “ah vamos pintar, eu fico com essa parte e você fica com essa
parte ai” e sempre ficava com um lugar péssimo. E desde 2012 que
assino Dani Catão e atualmente assino Preta
Catão”(Catão,11/06/18)

Preta catão coloca nas paredes muito a questão do mundo robótico, e fala que já
que ela não vai viver essa era, ela desenha e coloca nas paredes.

FIGURA 31:

FIGURA 31: Do lado esquerdo Sheep e do lado direito Preta Catão

FOTO: Acervo Pessoal


55

FIGURA 32:

​ FIGURA 32: estudos dos robôs com seus dedos, em praia de Santa Rita

Foto: Acervo Pessoal


56

FIGURA 33:

FIGURA 33:Estudos de dedos, Tag.

Foto: Acervo Pessoal


57

.4
Eu, Consuelo Oleusnoc - C.O

​ ​ FIGURA 34: senhora na BR 101, 2016.


FOTO: Arquivo pessoal

Estou nas ruas como falei inicialmente, há cinco anos. Comecei com
intervenção de lambe-lambe, em seguida comecei a riscar várias coisas. Só há um
pouco de mais de três anos que comecei a pintar, grafitar. Abrindo uma porta que
pra mim, foi e é fundamental no meu estilo de vida hoje, pois compreendo o que é
você sair do seu local e enfrentar vários quilômetros, por uma paixão, pelo graffiti.

A Consuelo Oleusnoc surgiu de uma montação, uma personagem, na qual


surgiu em 2015, e como tive bastante dificuldade com a questão de assinatura, já
que tinha muitas e escolher uma era bem difícil. Então a Consuelo veio para me
salvar, e ficou o “C.O”, sendo que o “O” é um símbolo, para muitos de ouro, mas na
verdade é só um “o” mesmo, no qual retirei de um dos alfabetos da pixação.

Fiz vários contatos, principalmente de mulheres grafiteiras, já que a maioria


dos encontro que fui de graffiti, eram femininos. Meu primeiro encontro foi no Cores
58

Femininas Encontro Internacional de Graffiti e Hip Hop Feminino de Recife - PE, que
aconteceu em outubro de 2015 e foi fundamental para mim, já que foi lá que assinei
pela primeira vez como “C.O”. E foi lá, também, que me fortaleci e entendi o motivo
destes encontro só de mulheres, pois precisamos destes momentos, de ouvir a
outra, de fortalecer a outra e de incentivar a amiga. Agradeço as alianças que fiz
desde esse encontro que são para a vida, como a ​Erê,20 que também trabalha com a
21
questão da velhice, de senhoras sereias. Como também ​Nene Surreal , Mulher,
negra, grafiteira e vovó, que coloca o empoderamento da mulher negra em seus
graffitis, tendo mais ou menos 20 anos de estrada.

2016, tive o prazer de ir até vitória- ES para “FEME - Festival de Mulheres no


Graffiti e no Hip Hop”, que também foi maravilhoso, pois já estava precisando dessa
união. Fiz várias alianças, que também é para a vida toda, como as meninas da
“Libre”, que foi quem organizou o evento.

Uma das maiores incentivadoras para mim grafitar, foi a ​Bia Rocha, a
“Sheep”, que sempre me chamou para pintar, que muitas vezes até me deu material,
então é uma das pessoas mais importantes para meu desenvolvimento de traços na
rua, de querer me ver também.

Comecei a fazer intervenções de lambe-lambe, com a temática de


desconstrução de gênero, com travestis e colocando a questão da mulher trans em
destaque. Além do empoderamento do gozo feminino, foi uma das bandeiras que
levanto até hoje, o “masturbe-se”, foi bastante importante até mesmo para o
empoderamento do meu próprio corpo.

20
Erê - Graffiteira de São Paulo-SP, residente em Manaus-AM
21
Nene Surreal - Uma das mais antigas graffiteiras, de Diadema - SP
59

FIGURA 35: Lambe- lambe no viaduto da UFRN. 2013.

FIGURA 36: Lambe - lambe masturbe-se, duravam menos de 24h.


60

FIGURA 37: Lambe - lambe na Av. Salgado Filho, 2014.

Em seguida comecei a fazer algumas pixações, com frases de apoio à mulher


e referências a orixás, como “Salubá” que é uma saudação a orixá Nanã. E logo em
seguida, comecei a pintar, fazendo meus desenhos próprios só que não assinava
nada. E só quando eu achei minha assinatura, a minha tag em 2015, que comecei a
assinar C.O.
61

FIGURA 38: Graffiti meu, na FEME em Vitória - ES. Em 2016.

Foto: Larissa Cristina

A rua me trouxe várias vivências, muitas boas, mas também ruins, pois já
corri muito de homens, pelo fato de estar só e na madrugada, sendo uma desculpa
para eles poderem me violar, no qual já até consegui me sair de um estupro. Como
também passagens com a polícia, pelo fato de intervir em muros abandonados.
Enfim, não é tudo bom e nem é tudo ruim, é apenas a sobrevivência nas ruas de
mulheres que se arriscam por um risco.

Acredito na resistência dos nossos graffitis e pixos, pois é muito fácil falar,
mas quero ver você ir lá e fazer. Ser mulher e pintar mulheres com suas genitálias é
bastante complicado, pois além do que a gente escuta de tudo até mesmo assédios
durante a pintura, rola a censura nos nossos trabalhos. Como por exemplo um
trampo meu, que fiz num galpão abandonado no começo da Av. Roberto Freire, no
qual fala do estupro, sofreu censura na genitália da minha personagem.
62

FIGURA 39: Graffiti no galpão abandonado na Roberto Freire, 2016.

Foto: Sun

FIGURA 40: Graffiti censurado, 2016.

Foto: Larissa Cristina


63

Mas não é meu primeiro trampo censurado, já tive outros, como no Encontro
Cores Femininas em 2015, no paredão principal no Totó em Recife(PE), que
infelizmente não tenho foto da censura, só dele antes. Essa imagem, está numa
exposição itinerante pela I​NTERJEIÇÕES SUR // GEOGRAFIAS DAS VIOLÊNCIAS
22
, passando por Buenos Aires(ARG), São Paulo(SP) e Barcelona(ESP).

Atualmente estou fazendo intervenções de corpos femininos, com alguma


“anomalia”, fugindo dos padrões estéticos. Seja pela perda de uma das mamas, ou
as duas, colocando sempre uma cicatriz, cada corpo com uma cicatriz diferente. E
nessas últimas intervenções, ouvi de uma pessoa que passava, que meus graffitis
incomodava assim como um pixo e fiquei bem surpresa em ouvir isso. Foi aí que
percebi que quando a gente tá na rua pintando/grafitando, as pessoas esperam que
você coloque algo esteticamente “bonito”, e o bonito para o outro é não ver a dor
nem a realidade delas mesmas. Falar do que nos atormenta, e reconhecer a sua dor
e a dor da outra, como falar do estupro, do aborto e até mesmo do câncer de mama.

O câncer de mama, uma doença que marca muito a mulher, não só


fisicamente, mas psicologicamente, sentimentalmente e consequentemente na
autoestima da mulher, no qual é cobrada todos os dias por uma estética distorcida e
forjada de uma mulher padronizada. Com isso minha senhora perdeu uma mama,
levando para as ruas essa discussão e também a normatização desse corpo que a
sociedade rejeita e não quer ver.

Depois que comecei a colocar os corpos sem mamas nas paredes, me


interessei cada ​vez mais por cicatrizes, que aliás, temos muitas, desde as visíveis,
como as que não são visíveis, e como sempre silenciadas. Há dois anos comecei a
espalhar corpos em vários locais da cidade de Natal, e do Brasil, para onde eu vou,
deixo um corpo, que carrega cicatrizes, desde mama, como de mudança de gênero,
apêndice e outras cicatrizes que escondemos. Com isso fiz um mapeamento da
cidade, e localizando nos bairros onde as deixei, tem lugares que deixou até mais de
um, como por exemplo, na Redinha, onde moro.

IN​TERJEIÇÕES SUR // GEOGRAFIAS DAS VIOLÊNCIAS - ​É um projeto artístico transdisciplinar que pretende reconhecer
22

as ações sociais, culturais que trabalham contra as violências de gênero no SUR do mundo.
64

FIGURA 41: Corpos espalhados

Foto: Larissa Cristina

E o que percebo dos meus trampos é que por mais que eu espalhe, eles irão
sumir, não só pela efemeridade das ruas, mas pela censura e pudor social. Quando
não é censura das genitálias, é censura das publicidades que muitas vezes marcam
o trampo e persegue pela cidade, atropelando trampos que fazemos com muito
carinho.
65

FIGURA 42: Chega de feminicídio, praia dos artistas, 2018.

FOTO 42: Neurose

FIGURA 43: Trabalho censurado 2 meses depois

Foto 43: Acervo pessoal


66

FIGURA 44:

FIGURA 44: Corpo na estrada da Redinha Velha, 2017.

Foto 44: Neurose

FIGURA 45: Corpos partilhadxs no mesmo local depois de censura de censura publicitária

Foto 45: Acervo Pessoal


67

Sendo assim, vejo a representatividade feminina nas ruas ganhando mais


importância , desde 2012 a presença feminina nas ruas só cresce, está muito forte e
quem mais se destaca são as mulheres na rua, quem mais questiona e se impõem.
Eu Consuelo, C.O, faço das ruas meu livro, e minhas intervenções como minha voz,
de que a imagem fala, grita, só que muitos não tem paciência de interpretar e sentir.
Com isso, faço de minha presença resistência diária, de cada trampo que ainda
resiste, de tudo que meu corpo passa para poder “parir” esse trampo pra rua, para
todxs.
68

.5
espaço e visibilidade feminina na cidade de Natal

O espaço é muito abrangente e ambíguo, como o geógrafo ​Yi Fu Tuan fala,


que quando nos referimos a ele, logo associamos a lugar. Mas que o espaço ainda é
mais desconhecido, pois o mesmo pode ser qualquer coisa e em qualquer lugar.
Assim como o lugar, que para chegar nela, precisamos ter mais conhecimento e
simpatia pela a mesma.

Na experiência, o significado de espaço frequentemente se funde


com o de lugar. “Espaço” é mais abstrato do que “lugar”. O que
começa como espaço indiferenciado transforma-se em lugar a
medida que o conhecemos melhor e o dotamos de
valor.”(TUAN,1983,p.6)

Podemos citar um pixo ou graffiti para referir-se a um lugar que você quer ir
ou mostrar como referência para chegar a esse lugar. Me localizo na minha cidade
por essas intervenções nas paredes, e percebo que vai além de quem está no
movimento, mas para quem percebe as paredes, e referem-se graffiti e até mesmo
uma pixação. Como em Espaço e Lugar de Tuan, “...se pensamos no espaço como
algo que permite movimento, então lugar é pausa..”, sendo assim, um pixo/graffiti
que está resistindo e existindo na parede, está no espaço da rua, no lugar que a
parede está localizada. Com isso, podemos utilizar essas intervenções como uma
forma de localização geográfica.

E percebemos que essas tags, que se repetem como forma de atrair nossa
atenção e assim podendo reconhecer o traço em diferente lugares, por uma
visibilidade repetida e espalhada. Nas ruas, o pixo principalmente, quer visibilidade,
ser visto, e como somos rodeadas de imagens de consumo, como os outdoors que
incentivam o nosso consumo e os lambes de festas caras23, são colocadas

23
Cara - Valores altos, que muitas vezes está fora de sua opção de consumo
69

estrategicamente nos lugares para ganhar nossa atenção, só que de uma forma
muito mais invasiva e capitalista, só que aceita e perante leia, liberada.

Como potenciais consumidores de imagens, nosso olhar, nossa


atenção e nosso interesse são solicitados permanentemente nesse
desfile ininterrupto de formas, cores e significados. Há uma imensa
competição dessas imagens pela captura atenta dos olhares. Não
apenas dos olhares: algumas imagens deliberadamente procuram,
sobretudo, atrair nossa atenção (GOMES,2013, p.06).
A repetição da tag, vem de uma forma muito maior do que a publicitária, só
que autônoma e vândala, no qual há uma competição não só com o comercial, mas
também com outros pixadorxs. Pois para conseguir essa atenção que não é fácil,
Gomes diz que “vemos somente aquilo que retiramos do fluxo contínuo do olhar”,
dessa maneira socialmente um pixo é visto apenas como um vandalismo, uma
sujeira, o social não o vê, mas apenas olha.

A diferença entre olhar e ver consiste, portanto no fato de que olhar


dirige o foco e os ângulos de visão, constrói um campo visual; ver
significa conferir atenção,notar,perceber,individualizar coisas dentro
desse grande campo visual construído pelo olhar (GOMES, 1983,
p.33).
E acaba não percebendo o estudo de letras que todxs pixadorxs e grafiteiros
possuem, vendo apenas um pixo, não interessando-se nem em saber o que tá
escrito.

O lugar da pixação na sociedade está atrelado à marginalidade ou até


criminalidade, fazendo com que esses atores, autores de obras artísticas e ou
intervenções públicas, sejam comumente associados ao ato de vandalismo, termo
inclusive interiorizado e difundindo entre as pessoas que pixam. Este lugar de
marginalizado acaba não sendo apenas difundido pelos setores que criticam este
fazer, mas também pelxs próprixs praticantes. É muito forte o apelo daqueles que
criticam os riscos nas paredes, onde não se ver ofensa numa super propaganda de
hiperconsumo de outdoors, por exemplo, se enxerga o mais alto grau de ofensa à
sociedade quando se ver um simples risco pouco decifrável aos olhos pouco
treinados ou mesmo uma arte que não seja comercial.
70

O fato é que as linguagens do graffiti e da pixação provocam emoções, sejam


nxs que as praticam, nxs que a exageram e nxs que não desejam ver e que por si
só, provocam sensações impactantes em todxs que se tornam público. Aliás, a caça
aos pixadores e gaffiteirxs não autorizadxs pode está atrelada ao consumo ou ao
não consumo, pois algumas de suas intenções comunicativas estão procurando
promover o pensamento crítico e ou uma publicidade gratuita. Está num lugar de fala
não autorizado pela sociedade traz imensos riscos a este fazer, sobretudo quando
se pensa o lugar da mulher na sociedade, e é sobre esse olhar que venho trazendo
essa cartografia, fazendo um retrato dos trampos que as minas fazem em Natal-RN,
seu poder de exercer uma prática diversas vezes não autoriza. Não autorizada pelas
leis sociais e não autorizada pelas leis do patriarcado, sejam essas leis exercidas
pelos parceiros e pares do seu convívio ou seja pelo sistema policialesco que em
sua maioria está guarnecido por homens carregados de preconceitos e de poder
simbólico sobre o corpo feminino.

As intervenções no muros, não dialogam diretamente com os transeuntes que


ali se passam, mas sim minuciosamente para quem o ver. Tive a oportunidade de
dialogar com uma senhora no ônibus que estava sentada ao meu lado, quando
passamos por um dos corpos que fiz e ela falou

-“como é que a pessoa faz uma coisa dessa?! Tanta coisa bonita para se fazer, num
é minha filha?!” e respondi como uma transeunte que apenas olha,

- “E é?! pois eu gostei, a senhora percebeu que ela tá sem uma das mamas?! Acho
que ela quis retratar algo sobre o câncer de mama. E a senhora percebeu também
como o corpo dela é normal?! É tão normal que nem vemos na televisão neh?!”.

Foi uma vivência muito importante para mim, eu como uma pessoa que
observa a paisagem urbana, como eu que faço intervenções e na qual ela estava
falando de uma das intervenções que fiz. Ela já olhou com outro olhar, e falou que
não tinha “percebido” que ela estava sem um dos seios e que realmente o corpo
dela não se parece com as mulheres que ela está acostumada a ver nas fotos. Foi
uma oportunidade de conversar com uma pessoa que não estava afim de saber o
71

que era , nem quem fez, foi algo muito natural e fluido. É com essa fluidez que
termino este trabalho, mas que continuará minhas resistência e existência nas ruas.
72

.6
Projeto Pedagógico No Acre - Haux Haux

O mês de maio e Junho, foram/são meses de muita correria, pois ser artista não
reconhecida, autônoma, morar em zona marginalizada e ser estudante acadêmica,
requer muito de sí. No mês de maio, recebi uma notícia fantástica, de que fui
selecionada para o 2​º RB Graffiti, em Rio Branco, Acre. E foi um ​corre para poder
conseguir, e consegue. Sendo assim minha Ação Pedagógica, não é de uma norma
padronizada e normativa, pois foi estudos na rua e partilhada com todxs. Um evento
que foi do dia 7 de junho ao dia 10, e minhas ações ocorreram todos os dias de
minha presença lá.

Uma troca de conhecimento com a tribo ​Huni - Kui, uma tribo das fronteiras e
interiores Acreanas, também conhecida como ​Kaxinawá. Os estudos das pinturas
corporais do corpo da jibóia, quais pinturas vão para os olhos, boca, braços,
pescoço, quem pode usá-las. Foi uma troca muito rica, no qual com esses estudo
coloquei em prática nos meus trabalhos nos muros de Rio Branco.

Com eles aprendi as figuras, linguagens, que utilizam como escrita corporais, com
tinta extraída do ​jenipapo24 e ​Urucum25, ambas tintas naturais que são encontrada
facilmente na vegetação tropical da região. Tinturas estas que duram cerca de 10 a
15 dias, tendo que renovar.

24
Jenipapo - Fruto do Jenipapeiro, nativa da América Tropical

25
Urucum - Fruto do Urucuzeiro ou Urucueiro , nativa da América Tropical
73

FIGURA 46:

Figura 46: Momento que uma ​mulher Pajé pinta meu rosto com os desenhos do “rabo de jacaré” na
mediação da boca. Foto: Sheep

FIGURA 47:
74

Figura 47: Corpo com inscrições indígenas da tribo Huni - Kui, referente ao rabo de jacaré. Foto: Isma
Stencil

FIGURA 48:

Figura 48: Senhora do Atabaque, com pinturas referente ao olho da curica nos braços e rosto.

Foto: Larissa Cristina


75

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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arte. São Paulo: EDUC/ FAPESP/Cortez, 2002.

DOWNS. Maps and metaphors. The Professional Geographer, v. 33, n. 3, p.


287-293, 1981.

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GOMES, Paulo Cesar da Costa. O lugar do olhar: elementos para uma geografia da
visibilidade/ Paulo Cesar da Costa Gomes. - Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013.

SEEMANN, Jörn . Mapas, mapeamentos e a cartografia da realidade. Departamento


de Geociências, Universidade Regional do Cariri (URCA),2003.

LASSALA, Gustavo. Pichação não é Pixação.​ 1 ed. São Paulo: Altamira, 2010.

LOUZADA, Bárbara Eulalio. Por uma Geografia Feminista: Olhares sobre Gênero,
Paisagem e Graffiti, ​2016.

RANIERE MEDEIROS DA COSTA, P., DOZENA, A.. Paredes Que Falam:


Simbolismo e Transgressão Espacial Na Cidade de Natal-RN,​ 2014.

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pixação​,2015

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entendimento​.Rio de Janeiro: Dissertação de mestrado - UFRJ / PPGSA / Programa
de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, 2007.

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tradução de Lívia de Oliveira. São Paulo: DIFEL, 1983

TUAN, Yi-Fu. Sight and pictures. Geographical Review, v. 69, p. 413-422, 1979.
76

NASCIMENTO, Luiz Henrique Pereira. Pixação, a arte em cima do muro​. Monstro


dos Mares,2015.

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