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Natal
2018
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Natal
2018
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Banca Avaliadora:
Beatriz Rocha(Sheep)
Artista Visual e Urbana
Natal, ___ de julho de 2018
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AGRADECIMENTOS
O percurso percorrido para efetuar esse trabalho, contei com ajuda de pessoas que
me deram força para poder construí-lo:
Agradeço a mainha, Maria Lélia, na qual foi uma das minhas maiores torcidas para a
conclusão deste trabalho. As minhas outras mães, irmãs e amigas, Verônica e
Luciana;
A todas as manas que conheci durante meu percurso, que estão nas ruas, se
arriscando e riscando, mostrando que a rua é nossa também;
Agradeço aos mexs manxs de vida, Jumos eToni, que fazem parte da Odé Crew, no
qual fiz parte e compartilhamos muitas vivências!Salve;
Agradeço as manas Júlia Monteiro, Nene Surreal e Sheep, por serem grandes
parceiras e referência eterna. Salve;
E agradeço aos orixás e todas as energias que nos envolve, que nos ensinam, nos
protege e nos faz crescer;
Agradeço também a todxs que encontrei com o pixo e o graffiti nesse percurso de
resistência de vida, que só cresce. Salve a rua;
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RESUMO
Palavras-chave:
mulheres; pixação; graffiti; cartografia; tags.
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RESUMEN
Las mujeres que se arriesgan por un riesgo: una cartografía de la pixación y del
graffiti en la ciudad de Natal-RN, investigación sobre arte, tiene como metodología la
documentación y recolección fotográfica de trabajos de artistas mujeres y entrevistas
no estructuradas a fin de construir una cartografía femenina de las marcas
encontradas en la ciudad de Natal. Colocando a las mujeres como protagonistas,
una vez que la calle está marcada como un territorio que no pertenece a ellas. A
partir de la investigación bibliográfica, abordo la pixación y el graffiti que generan
marcas visibles en la ciudad en la contemporaneidad, bajo la luz de Yi-Fu Tuan
observando sus desdoblamientos entre espacio y lugar, junto con Bouro y Downs. A
partir de esos datos, doy inicio la construcción de un mapa, enfocándose en 9
mujeres, mostrando sus procesos en la calle, tags, trabajos y vivencias.
palabras clave:
las mujeres; pixaçao; el graffiti; cartografía; las etiquetas.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 01:Graffiti de Doce (um dos mais conhecidos dela, não existe mais, foi
apagado)
Figura 02: Mutirão para pintar o viaduto de Potilândia, (sem nenhum tipo de
autorização).
Figura 03: Doce sendo abordada por policiais.
Figura 04: Graffiti em lugar não localizado, 2012. Foto: Doce
Figura 05: “Tag” de Flor Lugar não localizado em Natal, 2007.
Figura 06: Foto de um evento de graffiti em Salvador-BA, no qual Flor e Doce
representaram o Rio Grande do norte, em 2007.
Figura 07:Flor pintando em 2007. Foto: Acervo Flor
Figura 08: Tag Sheep, 2015. Foto: Larissa Cristina
Figura 09: Graffiti no bairro de Mirassol, 2015. Foto:Larissa Cristina
Figura 10: Graffiti no bairro do Satélite, 2013. Foto: Arquivo Pessoal
Figura 11: Graffiti em Felipe Camarão, 2015.Foto: Acervo Sheep
Figura 12:Pixação em lugar não localizado em Natal, 2015.Foto: Acervo pessoal
Figura 13: Uma das perguntas da prova para professor de artes/visuais da prefeitura
do Natal em 2015. Retirada do site da Comperve.
Figura 14: Lugar não localizado. Foto: Acervo Amar Elo Cura
Figura 15:Pixação no Alecrim. Foto: Acervo Amar Elo Cura
Figura 16: Tag de frente, 2014, Vila de ponta Negra. Foto: Acervo Pessoal
Figura 17: Tag Elafantxe, txoma! Foto: Acervo Pessoal
Figura 18:Pela via costeira, 2015. Foto: Larissa Cristina
Figura 19:Pixação em lugar não localizado em Natal, 2016. Foto: Elafantxe
SUMÁRIO
Introdução …………………………………………………………..10
1. As manas no mapa ……………………………………………..11
2. estamos na rua ………………………………………………….14
2.1. arte como crime, crime como arte e as legitimações
arte como crime crime como arte………………………………...16
3. quem são elas, onde elas andam? …………………………...20
3.1. as manas: “a rua também é nossa!” ………………………..21
3.1.1. Doce ………………………………………………………....21
3.1.2. Flor ………………………………………………………......25
3.1.3. Sheep ………………………………………………………..29
3.1.4. Amar Elo Cura ………………………………………………32
3.1.5. Elafantxe …………………………………………………….36
3.1.6. V de Vagina …………………………………………………42
3.1.7. Aisha ………………………………………………………...45
3.1.8. Aira …………………………………………………………..48
3.1.9. Preta Catão ………………………………………………….52
4.Eu,Consuelo Oleusnoc - C.O ………………………………….56
5. Espaço e visibilidade feminina na cidade de Natal ………….67
6. Projeto Pedagógico No Acre - Haux Haux …………………...71
7.Referências Bibliográficas ……………………………………....74
11
INTRODUÇÃO
Escolhi falar da rua e de mulheres que se arriscam por um risco, por ser
mulher e ser da rua. Intervenho, sinto a situação e as diferenças. Tanto no fazer,
como os transeuntes (que observam), dos quais escutamos várias coisas, desde
xingamentos a assédios. No meio do graffiti, não temos reconhecimento e,
consequentemente, respeito. Já perdi as contas de quantos trabalhos meus já foram
boicotados1. Como Louzada fala em sua monografia “(...) apesar de se mostrar como
movimento de subversão, questionando valores e problematizando questões
sociopolíticas, o graffiti não se isenta da reprodução de opressões e hierarquias de
gênero (LOUZADA, 2016, p.26.)”.
1
Boicotado: Gíria utilizada para referenciar uma forma de punir alguém ou alguma coisa simplesmente
repudiando o mesmo.
2
Bixo: Gíria para se referir a uma pessoa do sexo masculino.
12
esse trabalho, espero visibilizá-las e protagonizar seus passos na cidade, seja pela
pixação, como pelo graffiti.
No primeiro capítulo falo da presença feminina nas ruas, do porque deste trabalho.
As metodologias que utilizo para poder executá-lo, assim como algumas das teorias
como de Tuan, Downs,Seemann e Bouro. No segundo capítulo falo da questão
histórica das intervenções nas paredes, levantando uma breve historiografia, com
base em Gitahy, Souza, Lassala e algumas leis que incriminam a venda de spray
para menores e ações de pixos. Logo depois falo um pouco da cena feminina e as
mulheres que foco neste trabalho, no qual começou por ordem de entrevistas,
falando como elas começaram, suas tags, seus silenciamentos e preconceitos por
serem mulheres na cena, que ainda é muito dominada pelos homens. Termino com
minha fala, de eu como mulher e interventora , mostrando um pouco do meu
percurso e mapeamento de trampos pela cidade do Natal-RN.
.1
as manas no mapa
Como sou interventora de rua, para alguns grafiteira, resolvi fazer esse
levantamento. Sou uma das poucas mulheres (em relação ao número de homens) e
sempre tentava saber como, quando e quem começou a intervir nas paredes.
Parece que as mulheres são logo esquecidas na nossa história, não só no graffiti,
mas como em tudo, já que vivemos ainda numa sociedade em que o machismo é
enraizado.
13
Com isso resolvi fazer uma cartografia dos meus graffitis pela cidade do
Natal, mapeando e destacando os bairros onde se encontram-se. E mostrando o
quanto essas intervenções dos graffitis e pixos pela cidade é importante não só
como uma expressão, como também, uma forma de localização e deslocamento
pela mesma.
São imagens que não vemos a olho nu, como observa Tuan (1979, p. 417),
essas imagens são meros indicadores de uma realidade subjacente que não é
diretamente acessível ao olho. É interessante a relação das intervenções nas
paredes das ruas com o mapa, pois ambas são imagens que são difíceis de serem
lidas e interpretadas.
14
.2
estamos na rua
A Idade Média também se destaca não só grandes murais, mas também pela
presença da pixação, como Souza, 2007, que os padres pixavam os conventos
rivais.
3 4
muros da cidade, seja por tags com suas Crews chegando a um desenho mais
trabalhado. No começo o graffiti e a pixação, não se distinguia, essa distinção é
brasileira
3
Tag - Assinatura de rua, utilizada por pixadores e grafiteiros
4
Crew - Grupo de interventores, que assinam a mesma Tag
17
.2.1
5
Xarpi - Quando algumas assinaturas tem alguma letra invertida
6
Bomb - Graffiti rápido e ilegal, muitas vezes com letras arredondadas
18
a Zona Norte. Soube de um caso com uma mana7, que foi pega pixando, no centro
da cidade, no qual ela nem terminou de fazer a ação, foi abordada e levada para
esse comando, humilhada, espancada, além da pressão psicológica e o direito de
imagem não respeitado.
7
Mana: Gíria para se referenciar a uma amiga
21
.3
quem são elas, onde elas andam?
Flor, Bia Rocha, Amar Elo Cura, Elafantxe, V de Vagina, Aisha, Aira e Dani
Catão. Mulheres que estão nos corre8 e elas foram escolhidas pelo fato de terem
vários trabalhos e tags espalhadas pela cidade, muitas não só na Zona Sul, mas por
toda cidade.
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Corres: Termo utilizado para falar quando alguém está correndo atrás, na correria.
22
Os registros fotográficos foram realizados por mim ou por elas mesmas, que
me enviaram e concordaram com a apresentação destes registros. Algumas fotos
estão sem localização, já que foram apagadas e elas não recordam o lugar
específico. Também nesse trabalho, não irei expor o nome de todas, apenas seu
nome de rua, a tag. Muitas pediram para não revelar o nome verdadeiro, para muitas
delas estar no anonimato é uma garantia de segurança e de “se boicotar”, como elas
dizem.
.3.1
as manas: “a rua também é nossa!”
Pelas pesquisas e entrevistas realizadas constatei que as mulheres na
pixação, começaram a atuar em meados dos anos 2000, na cidade de Natal.
Segundo as entrevistadas, a pioneira nas intervenções de paredes da cidade, é a
artista "Doce", que começou a pintar com 14 anos, aprendendo e desenvolvendo
suas técnicas, num espaço que é dominado por homens. Doce permanece na
cidade até 2008, seguindo para África do Sul no qual seguiu suas atividades como
pintora e ganhando seu espaço com seu traço.
.3.1.1
DOCE
Doce, segundo as entrevistadas e até mesmo o movimento feminino do
graffiti, fala que foi a primeira mulher a grafitar na nossa cidade, por volta de 2005.
23
Foi uma das últimas a serem entrevistada, devido ter morado um bom tempo na
África do Sul. Só consegui entrar em contato depois que ela voltou, entrevistei com
algumas perguntas feitas pessoalmente e via e-mail.
Doce pintava com Flor, elas eram as únicas mulheres na cena local, por volta
de 2005, ela afirma que não sofreu nenhum tipo de sexismo.
FIGURA 01: Graffiti de Doce (um dos mais conhecidos dela, não existe mais, foi apagado)
Eu nunca senti tanta diferença por ser mulher, comecei a pintar com
a Flor, e na época éramos as únicas mulheres da cena local; mesmo
assim não consigo lembrar tão fácil de alguma situação em que ser
menina tenha causado algum preconceito ou desaprovação pelo
resto do pessoal (DOCE, 13/10/16).
Ela diz também que antes era tudo “vandal”, escolhia o muro e já pintava sem
nenhum tipo de autorização, que muitas vezes havia abordagem policial e até
mesmo ficavam detidos na delegacia. E que antes não havia treta entre pixador e
24
grafiteiro, muito pelo contrário, eram todos juntos e muitas vezes o pixador grafitava
e vice e versa.
FIGURA 02: Mutirão para pintar o viaduto de Potilândia, (sem nenhum tipo de autorização).
.3.1.2
FLOR
Flor mora em São Paulo a seis anos. Começou a pintar em 2006, com Doce.
Era menor de idade quando começou a pintar e já fazia vários trampos9 espalhados
pela cidade. No início fazia uma bonequinha (a da foto abaixo), perguntei se seria a
sua marca e ela fala que no começo sim, como se fosse um tipo de tag.
9
Trampos: Trabalhos
27
Figura 06: Foto de um evento de graffiti em Salvador-BA, no qual ela e Doce representaram o Rio
Grande do norte, em 2007.
.3.1.3
SHEEP
FIGURA 08: tag Sheep, 2015. FIGURA 09: Graffiti no bairro de Mirassol,
2015.
Foto: Larissa Cristina
Foto: Larissa Cristina
Ver as intervenções, a instigou mais, pois via no ato de intervir uma necessidade do
ser humano e o graffiti como forma de mudar, questionar e desconstruir os espaços
e possíveis ideias.
.3.1.4
AMAR ELO CURA
"Amar elo cura", mana do pixo, a entrevistei via Whatsapp, que começou a
aparecer mais nas paredes e muros da cidade em 2013. Começou suas
intervenções nas ruas e desde 2011 começou a estudar os graffitis e pixos de sua
cidade onde residia, em Salvador – BA, aproximando-se do movimento e
interagindo. E só quando foi apresentar um trabalho sobre arte de rua na Costa Rica,
que fez seu primeiro pixo.
10
Ganja: Um dos termos utilizado para se referir a maconha
34
FIGURA 13: Uma das perguntas da prova para professor de artes/visuais da prefeitura do Natal em
2015. Retirada do site da Comperve.
Depois dessa série de amar elo cura, que foi pixado em vários estados do
Brasil, que rendeu mais de dois anos, e segundo a autora, fala que rende até hoje,
ela começa com a série de mulheres negras, depois de um curso sobre
protagonismo negro na História do Brasil, onde tinha várias histórias de mulheres
negras, e aí que surge a "Adelina Charuteira", que foi uma informante no movimento
11
Brisa: Nome fictício para dado para amiga da Amar Elo Cura
35
de revolta, em prol da Abolição. E fala que a intenção era ficar um tempo com uma
série como ela diz:
.3.1.5
ELAFANTXE
FIGURA 16: Tag de frente, 2014, Vila de FIGURA 17:Tag Elafantxe, txoma!.
ponta Negra.
Foto: Acervo Pessoal
Foto: Acervo Pessoal
Com o famoso elefante que foi espalhado por todos os lugares pelas diversas
ruas da nossa cidade, ela começou a pixar no final de 2012 e explodiu com manadas
de elefantes em 2013, podendo ser visto pela cidade até hoje. No início, quando saía
nas missões12, intervinha com lambe-lambes e depois com a pixação. Teve várias
tags, para poder chegar no elefante e escolheu o elefante porque é o animal que
mais gostava, muitas vezes se via como um. Mas, passou a fazer mais elefantes
12
Missões: Quando saem para pixar.
38
quando sua amiga "Amua", que também pixava, falou da lembrança que o elefante a
causava, se lembrava dela, foi quando percebeu que estava fazendo mais elefantes
do que qualquer outra coisa.
Ela fala também que não é só a polícia, são os taxistas que são os "espiões
13
dos pêpa , os assédios que passa por ser mulher e tá só, mas fala:
podem até achar que ando só, mas Exu tá comigo, até porque estou
no território dele, e é por isso que pixo muito Exu parede, Exu reina
ou até mesmo Exu te ama(risos) (Elafantxe, 22/04/16).
14
Fala ainda que as tretas entre os interventores da cena, é uma das
15
dificuldades, que as dificuldades geram greia e instiga mais,
é muito doido esse lance que os macho pixador falam de "a rua é de
todos", é isso mesmo de todos no masculino porque quando chega
uma guel, colocam banca. Como um cara que chegou em mim e
falou que tava de saco cheio dos meus elefantes..(gargalhadas),
falou que fui pixar nas área dele, daí pô.. a única coisa que pude
dizer a ele foi, "meu irmão, se não tá gostando!, passe por cima,
deixe sua tag ou sei lá passe latex, porque enquanto eu não tiver
13
Espiões dos pêpa - Espiões da polícia
14
treta - confusão
15
Greia - tiração, momento engraçado
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Perguntei para ela se tem alguma referência querer estar nas ruas. Ela falou
que sempre gostou de pixar, desde criança. E que sempre observou as paredes, e
uma das referências mais fortes para ela é Sheep. Ela falou que todos os dias
passava na cidade observando muros, entre 2010 e 2011, e via que havia uma
ovelha bem grande nela. No qual se interessou e começou a perceber que tinha em
outros lugares junto com desenhos
poxaa... pra mim Sheep foi o ponto, porque sempre passava por uma
parede que tinha uma ovelha bem grande, e foi ai que comecei a
perceber que não precisava ser só nomes ou letras para ser tag,
poderia ser qualquer coisa até mesmo um desenho. E o mais legal de
tudo que foi quando eu conheci ela, que eu já conhecia Bia, mas não
como Sheep, e ai quando soube que era ela, poo...(gargalhadas), foi
muito engraçado, e acho ela bem importante na história das
intervenções feita por mulheres na nossa cidade, como na criação da
minha tag (Elefante, 22/04/16).
40
FIGURA 18: Pela via costeira, 2015. FIGURA 19:Pixação em lugar não localizado
em Natal, 2016.
Foto: Larissa Cristina
Foto: Elafantxe
Por onde passava deixava, pelo menos, um elefante. Ela falou que além do
Rio Grande do Norte há intervenções no Maranhão, percurso que fez numa viagem
de carona. “Por onde eu passo deixo pelo menos um elefante, que é tipo um.. 'Olha,
passei por aqui', já deixei elefante no Rio de Janeiro, Vitória, Jampa (João Pessoa),
em várias cidades de Pernambuco, e no percurso saindo do Rio Grande do Norte a
Maranhão. Tá rolandoo..!"
Durante a entrevista, ela pediu para continuar no anonimato, que seu nome
não fosse exposto, pois aí perderia a graça, se fosse revelado quem era. Ela fala
também da pixadora Gatinho, e fala que ela também é uma de suas referências, e
na visão da pixação a Gatinho foi fundamental no cenário feminino, "ela tirou muita
41
onda, tinha muitos e eu adorava, principalmente porque era uma mulher, e mesmo
buxuda tava nas ruas, quem fecha é ela!".
Terminamos nossa conversa, ela me deixou uma frase muito bela: "o que não
fazemos por um risco de vida!". Achei fantástico, essa frase com a ambiguidade
presente, e que ela falou que já havia pixado "risco de vida", e sempre que chega
em casa fala para si mesma "poxaa...mas um risco de vida vivo".
Outra pixação que ficou bastante conhecida foi, o “para mainha”, que ficou por
quase um ano, na BR, próximo ao Sam’s Club.
.2.1.6
V DE VAGINA
Com aparição notória no final de 2016 e dominando as ruas em 2017, “V” fala
que a tag “V de Vagina”, não é dela, que outras meninas já assinaram e que é uma
tag mundial. Ela coloca muito em foco a cor vermelha. Todas as suas tags são em
tinta vermelha, tanto de spray como de canetão16, no qual ela mesma faz.
não digo que é minha tag porque tenho amigas que também já
assinaram e vejo constantemente essa tag em vários outros lugares.
Também não poderia dizer que é minha tag porque ✓agina é mais
um símbolo de subversão dessa sociedade machista e misógina, é
uma demarcação de que uma mulher está ali ocupando esse
espaço. Nesse processo de assinar ✓agina, decido fazer
predominantemente em vermelho levando também pra outras
interpretações do nome ✓agina, onde também é aparece como
✓aginas Sangram. O que remete essa dualidade de morte e vida do
sangue O sangue da mulher que escorre entre suas pernas
16
Canetão - caneta de ponta grossa, podendo assinar em qualquer superfície
44
Na questão da opressão nas ruas, ela diz não ter sofrido tanto, acha que
devido ter pouco tempo de rua. E afirma que na maioria de seus riscos, são feitos
sozinhas ou com outras mulheres que pixam também. Ainda salienta que quando os
pixadores chamam para riscar17, é porque quer algo em troca.
Por gostar de andar á noite e na maioria das vezes sozinha, já passei por
alguns perrengues que não envolviam ainda a pixação, fui percebendo o
que, na visão dos homens, uma mulher na rua nas madrugadas não é
mulher de respeito. Várias situações nas ruas e em festas fui assediada e
abusada por isso. A partir disso, tudo foi me instigando a subverter tais
situações através da pixação e foi com a pixação que percebi que eu não
estava só, que outras mulheres também compartilham desse incômodo,
dessa dor, desse medo e silêncio. Através da pixação fui reafirmando a
força que temos e que enfrentamos todos os dias, nas ruas, no trabalho,
nas universidades, em casa e nos relacionamentos. ✓agina está em
muitas paredes, placas e ônibus na cidade de Natal, é uma pequena
intervenção que contribui nessa imensa luta e resistência da mulher
nessa babilônia, vamos ocupando de dia, de madrugada e em qualquer
lugar com o nosso direito de estar no mundo!! (VAGINA 21/05/2017).
17
Riscar - é usado para se referir a pixar
46
.3.1.7
AISHA
A pixação veio para ela como uma terapia, já que ela absorveu o valor do
nome, fazendo ela superar a depressão, e querer sair, e se ver nas ruas. Seu
contato nas ruas veio devido seu companheiro que também pixa, e que sempre a
incentivou.
47
Foto:Larissa Cristina
Entrevistei ela pessoalmente, uma conversa, “troca de ideia”, ela fala de como
foi a vivência de mulher na rua acompanhada por outros homens.
Como a mesma fala que pixava mais com os caras, e que quando pixava com as
meninas era diferente, de sentir-se segura, em seu lugar e confortável de esta
correndo um risco de vida.
“ae fui parando, fui parando por causa disso, pois já não me fazia
bem o role, sabe?!já não me completava. Acho muito massa,
muito instigante, é muito foda, mas tava me adoecendo já, e ae to
vivendo os estudos hoje, tentando ficar bem,!”(AISHA,13/04/2018)
49
.3.1.8
AIRA
Foto:Arquivo Pessoal
Pixadora, atuante desde 2014 sem parar até hoje. Ultimamente é a pixadora que é
encontrada em todas as zonas de Natal. Assina “Aira”, devido seunome ser Maria, e
estava procurando uma tag, e resolver escrever ao contrário, ficando Airam, tirou o
“m” e ficou Aira.
“ Eu tava procurando saber como ia ser meu risco, então assinei
meu nome de trás para, ae eu gostei do segundo nome, Maria, de
trás para frente, que ficou “Airam”, ae resolvi tirar o “M”, ae ficou
Aira, ae eu dei valor ao nome e desde então é Aira!” (Aira, 10/06/18)
Começou nas ruas juntamente com uma crew, o “Crikas”, um grupo de mulheres que
atuava na rua, justamente para mostrar que tem mulher na rua.
“Eu fazia parte do Crikas, que era um grupo só de meninas, e o
Crikas surgiu para mostrar que a mulher tá na rua sim, pixando
também. porque crikas, porque muitas mulheres são considerada
50
18
CRS - Crikas, crew que Aira asia parte.
19
NPS - Naipes, crew que Aira faz parte
51
Atua nas ruas muitas vezes com os homens, e fala que se sente mais segura
em andar com outras pessoas do que pixar só, pois sente-se vulnerável. Ela fala até
que já teve que correr, pois estava sendo perseguida por um carro.
.3.1.9
PRETA CATÃO
Interventora de rua desde 2012, nos estudo e experimentos nas ruas, tem sua tag
dedos, vários dedos no qual ela explica o porquê dos dedos e o Catão.
E fala que em seu percurso nas ruas, não recorda de preconceito, mas da questão
de espaço. Que os meninos sempre ficavam com os maiores espaços, e muitas
vezes até delimitavam onde ia pintar.
Preta catão coloca nas paredes muito a questão do mundo robótico, e fala que já
que ela não vai viver essa era, ela desenha e coloca nas paredes.
FIGURA 31:
FIGURA 32:
FIGURA 32: estudos dos robôs com seus dedos, em praia de Santa Rita
FIGURA 33:
.4
Eu, Consuelo Oleusnoc - C.O
Estou nas ruas como falei inicialmente, há cinco anos. Comecei com
intervenção de lambe-lambe, em seguida comecei a riscar várias coisas. Só há um
pouco de mais de três anos que comecei a pintar, grafitar. Abrindo uma porta que
pra mim, foi e é fundamental no meu estilo de vida hoje, pois compreendo o que é
você sair do seu local e enfrentar vários quilômetros, por uma paixão, pelo graffiti.
Femininas Encontro Internacional de Graffiti e Hip Hop Feminino de Recife - PE, que
aconteceu em outubro de 2015 e foi fundamental para mim, já que foi lá que assinei
pela primeira vez como “C.O”. E foi lá, também, que me fortaleci e entendi o motivo
destes encontro só de mulheres, pois precisamos destes momentos, de ouvir a
outra, de fortalecer a outra e de incentivar a amiga. Agradeço as alianças que fiz
desde esse encontro que são para a vida, como a Erê,20 que também trabalha com a
21
questão da velhice, de senhoras sereias. Como também Nene Surreal , Mulher,
negra, grafiteira e vovó, que coloca o empoderamento da mulher negra em seus
graffitis, tendo mais ou menos 20 anos de estrada.
Uma das maiores incentivadoras para mim grafitar, foi a Bia Rocha, a
“Sheep”, que sempre me chamou para pintar, que muitas vezes até me deu material,
então é uma das pessoas mais importantes para meu desenvolvimento de traços na
rua, de querer me ver também.
20
Erê - Graffiteira de São Paulo-SP, residente em Manaus-AM
21
Nene Surreal - Uma das mais antigas graffiteiras, de Diadema - SP
59
A rua me trouxe várias vivências, muitas boas, mas também ruins, pois já
corri muito de homens, pelo fato de estar só e na madrugada, sendo uma desculpa
para eles poderem me violar, no qual já até consegui me sair de um estupro. Como
também passagens com a polícia, pelo fato de intervir em muros abandonados.
Enfim, não é tudo bom e nem é tudo ruim, é apenas a sobrevivência nas ruas de
mulheres que se arriscam por um risco.
Acredito na resistência dos nossos graffitis e pixos, pois é muito fácil falar,
mas quero ver você ir lá e fazer. Ser mulher e pintar mulheres com suas genitálias é
bastante complicado, pois além do que a gente escuta de tudo até mesmo assédios
durante a pintura, rola a censura nos nossos trabalhos. Como por exemplo um
trampo meu, que fiz num galpão abandonado no começo da Av. Roberto Freire, no
qual fala do estupro, sofreu censura na genitália da minha personagem.
62
Foto: Sun
Mas não é meu primeiro trampo censurado, já tive outros, como no Encontro
Cores Femininas em 2015, no paredão principal no Totó em Recife(PE), que
infelizmente não tenho foto da censura, só dele antes. Essa imagem, está numa
exposição itinerante pela INTERJEIÇÕES SUR // GEOGRAFIAS DAS VIOLÊNCIAS
22
, passando por Buenos Aires(ARG), São Paulo(SP) e Barcelona(ESP).
INTERJEIÇÕES SUR // GEOGRAFIAS DAS VIOLÊNCIAS - É um projeto artístico transdisciplinar que pretende reconhecer
22
as ações sociais, culturais que trabalham contra as violências de gênero no SUR do mundo.
64
E o que percebo dos meus trampos é que por mais que eu espalhe, eles irão
sumir, não só pela efemeridade das ruas, mas pela censura e pudor social. Quando
não é censura das genitálias, é censura das publicidades que muitas vezes marcam
o trampo e persegue pela cidade, atropelando trampos que fazemos com muito
carinho.
65
FIGURA 44:
FIGURA 45: Corpos partilhadxs no mesmo local depois de censura de censura publicitária
.5
espaço e visibilidade feminina na cidade de Natal
Podemos citar um pixo ou graffiti para referir-se a um lugar que você quer ir
ou mostrar como referência para chegar a esse lugar. Me localizo na minha cidade
por essas intervenções nas paredes, e percebo que vai além de quem está no
movimento, mas para quem percebe as paredes, e referem-se graffiti e até mesmo
uma pixação. Como em Espaço e Lugar de Tuan, “...se pensamos no espaço como
algo que permite movimento, então lugar é pausa..”, sendo assim, um pixo/graffiti
que está resistindo e existindo na parede, está no espaço da rua, no lugar que a
parede está localizada. Com isso, podemos utilizar essas intervenções como uma
forma de localização geográfica.
E percebemos que essas tags, que se repetem como forma de atrair nossa
atenção e assim podendo reconhecer o traço em diferente lugares, por uma
visibilidade repetida e espalhada. Nas ruas, o pixo principalmente, quer visibilidade,
ser visto, e como somos rodeadas de imagens de consumo, como os outdoors que
incentivam o nosso consumo e os lambes de festas caras23, são colocadas
23
Cara - Valores altos, que muitas vezes está fora de sua opção de consumo
69
estrategicamente nos lugares para ganhar nossa atenção, só que de uma forma
muito mais invasiva e capitalista, só que aceita e perante leia, liberada.
-“como é que a pessoa faz uma coisa dessa?! Tanta coisa bonita para se fazer, num
é minha filha?!” e respondi como uma transeunte que apenas olha,
- “E é?! pois eu gostei, a senhora percebeu que ela tá sem uma das mamas?! Acho
que ela quis retratar algo sobre o câncer de mama. E a senhora percebeu também
como o corpo dela é normal?! É tão normal que nem vemos na televisão neh?!”.
Foi uma vivência muito importante para mim, eu como uma pessoa que
observa a paisagem urbana, como eu que faço intervenções e na qual ela estava
falando de uma das intervenções que fiz. Ela já olhou com outro olhar, e falou que
não tinha “percebido” que ela estava sem um dos seios e que realmente o corpo
dela não se parece com as mulheres que ela está acostumada a ver nas fotos. Foi
uma oportunidade de conversar com uma pessoa que não estava afim de saber o
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que era , nem quem fez, foi algo muito natural e fluido. É com essa fluidez que
termino este trabalho, mas que continuará minhas resistência e existência nas ruas.
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.6
Projeto Pedagógico No Acre - Haux Haux
O mês de maio e Junho, foram/são meses de muita correria, pois ser artista não
reconhecida, autônoma, morar em zona marginalizada e ser estudante acadêmica,
requer muito de sí. No mês de maio, recebi uma notícia fantástica, de que fui
selecionada para o 2º RB Graffiti, em Rio Branco, Acre. E foi um corre para poder
conseguir, e consegue. Sendo assim minha Ação Pedagógica, não é de uma norma
padronizada e normativa, pois foi estudos na rua e partilhada com todxs. Um evento
que foi do dia 7 de junho ao dia 10, e minhas ações ocorreram todos os dias de
minha presença lá.
Uma troca de conhecimento com a tribo Huni - Kui, uma tribo das fronteiras e
interiores Acreanas, também conhecida como Kaxinawá. Os estudos das pinturas
corporais do corpo da jibóia, quais pinturas vão para os olhos, boca, braços,
pescoço, quem pode usá-las. Foi uma troca muito rica, no qual com esses estudo
coloquei em prática nos meus trabalhos nos muros de Rio Branco.
Com eles aprendi as figuras, linguagens, que utilizam como escrita corporais, com
tinta extraída do jenipapo24 e Urucum25, ambas tintas naturais que são encontrada
facilmente na vegetação tropical da região. Tinturas estas que duram cerca de 10 a
15 dias, tendo que renovar.
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Jenipapo - Fruto do Jenipapeiro, nativa da América Tropical
25
Urucum - Fruto do Urucuzeiro ou Urucueiro , nativa da América Tropical
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FIGURA 46:
Figura 46: Momento que uma mulher Pajé pinta meu rosto com os desenhos do “rabo de jacaré” na
mediação da boca. Foto: Sheep
FIGURA 47:
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Figura 47: Corpo com inscrições indígenas da tribo Huni - Kui, referente ao rabo de jacaré. Foto: Isma
Stencil
FIGURA 48:
Figura 48: Senhora do Atabaque, com pinturas referente ao olho da curica nos braços e rosto.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GOMES, Paulo Cesar da Costa. O lugar do olhar: elementos para uma geografia da
visibilidade/ Paulo Cesar da Costa Gomes. - Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013.
LASSALA, Gustavo. Pichação não é Pixação. 1 ed. São Paulo: Altamira, 2010.
LOUZADA, Bárbara Eulalio. Por uma Geografia Feminista: Olhares sobre Gênero,
Paisagem e Graffiti, 2016.
TUAN, Yi-Fu. Sight and pictures. Geographical Review, v. 69, p. 413-422, 1979.
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