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Caderno de resolução de problemas 2012

Escola de Artes, Ciências e Humanidades


São Paulo
2013

Caderno de Resolução de Problemas 2012 1


UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Escola de Artes, Ciências e Humanidades
Diretor: Prof. Dr. José Jorge Boueri Filho
Vice-Diretor: Prof. Dr. Edson Roberto Leite

Comissão de Coordenação de Curso - Ciclo Básico (CoC-CB) – 2011-2013


Graziela Serroni Perosa (coordenação)
Diego Antonio Falceta Gonçalves (suplente de coordenação)
Viviane Abreu Nunes
Norton Trevisan Roman
André Cavalcanti Rocha Martins
Daria Gorete Jaremtchuk
Maurício De Campos Araujo
Maria Elisa Mattosinho Bernardes
Juliana Pedreschi Rodrigues
Luis Américo Conti

Realização : Comissão de Coordenação de Curso - Ciclo Básico 2011-2013


Projeto gráfico : Tatiana de Oliveira Rodrigues
Revisão de texto : Maria Salete Magnoni
Revisão técnica : Maria Fátima dos Santos

2 Caderno de Resolução de Problemas 2012


Autores

Alex de Jesus Ferreira


Beatriz Aparecida Burin
Danilo Leão
Débora Hara
Deborah Borges Viana
Edson Franco Okuda
Filipe Santana Silva
Gabriel Sá e Farias
Gabriel Sezefredo
Isabela Andrade
Isabela Bastelli Pagnan
Isadora Ortegosa
Jéssica Lopes Bruno
Jordan Calatroia da Rocha
Letícia Gomes Vieira
Liz Watanabe
Lucas Luan Braga
Marcelle Aparecida Tsuruda
Marcelo Cordeiro de Oliveira
Rafael Bragato Santos

Tutores

Prof. Marcelo Lauretto


Prof. Fernando Carbayo
Profa. Regina Maura de Miranda

Caderno de Resolução de Problemas 2012 3


4 Caderno de Resolução de Problemas 2012
Sumário

Análise das consequências econômicas da Usina Hidroelétrica de Belo


Monte sobre sua região de influência ................................................... 11

A visão dos ricos sobre a desigualdade social no Brasil: extratos do


reality-show Mulheres Ricas ................................................................ 43

A Copa do Mundo de 2014 e a questão da moradia na região do Polo


Institucional Itaquera .......................................................................... 73

Caderno de Resolução de Problemas 2012 5


6 Caderno de Resolução de Problemas 2012
Apresentação

Os trabalhos a seguir foram realizados por estudantes


e tutores do primeiro semestre de 2012, da disciplina de
Resolução de Problemas I. Os três estudos apresentados
aqui foram escolhidos para a publicação, dentre muitos
outros bons trabalhos, com a finalidade de oferecer
parâmetros mais claros sobre o que se espera para um
trabalho final de Resolução de Problemas I e II, tal como
elas funcionam desde 2005. No ciclo básico da EACH,
tais disciplinas oferecem uma iniciação viva à prática da
pesquisa científica, marcada pelo convívio de estudantes
de dez cursos de graduação e tutores das mais diferentes
origens disciplinares. Trata-se de uma iniciação à prática
da pesquisa, em ambiente multidisciplinar, em grupos
inicialmente com 15 alunos e atualmente, com 30 alunos
por professor e mais um monitor. A partir de diversas
formas de problematização de fenômenos das sociedades
contemporâneas, estudantes e professores elaboram e
desenvolvem um projeto de pesquisa, a partir de temas
maiores propostos para todos os grupos.

Os critérios para a escolha destes temas são sua


atualidade na sociedade contemporânea, o interesse social
que mobilizam na sociedade civil e também o potencial de
abordagem multidisciplinar e interdisciplinar que oferecem.
Não raro, estes temas possuem certa visibilidade midiática
(desigualdade social, saúde e qualidade de vida, Rio +

Caderno de Resolução de Problemas 2012 7


20, Copa do Mundo, etc), com toda a precaução que
isso requer à prática da pesquisa científica. No primeiro
semestre de 2012, período em que os presentes trabalhos
foram desenvolvidos, os temas definidos foram: Crescimento
econômico, Conferência Rio+20 e Direitos Humanos.
Onde as condições pedagógicas contribuiriam para uma
apreensão rápida e fácil da realidade, o que se reconhece,
com a leitura destes textos, é o trabalho cuidadoso e
árduo de focalização e reconstrução de um problema da
realidade, de observação e registro sistemático de dados
coletados e organizados pelos estudantes.

Parabenizamos os estudantes pela dedicação e a


seriedade em todas as etapas de realização destes
trabalhos. Agradecemos aos colegas Fernando Carbayo,
Marcelo Lauretto e Regina Maura de Miranda que souberam
aliar disposição ao diálogo e rigor metodológico. Sabemos
que as disciplinas de Resolução de Problemas constituem-se
em um verdadeiro trabalho de base, paciente e constante,
para oferecer iniciação à pesquisa de excelência, de
maneira essencialmente prática, aos egressos do ensino
médio brasileiro que ingressam em nossa unidade.

Muitas pessoas contribuíram para que este projeto se


concretizasse. Agradecemos à direção da EACH, Prof.
José Jorge Boueri Filho e prof. Edson Roberto Leite que
apoiaram e autorizaram a publicação deste fascículo.
Somos gratos à Maria Salete Magnoni responsável pela
revisão dos textos e à Tatiana Rodrigues pela diagramação.
A equipe da Biblioteca da EACH, em especial, Rosa Tereza
Tierno Plaza e Maria de Fátima dos Santos pelo auxílio nos
trâmites para a obtenção do ISBN. A Rosana Marcelino
pela recepção dos trabalhos dos estudantes e a obtenção
de suas autorizações para a publicação. A cada um deles
e delas, nosso muito obrigado.

8 Caderno de Resolução de Problemas 2012


Esta publicação é uma forma de registro, de homenagem
e de agradecimento ao trabalho de estudantes e tutores
que buscaram extrair o melhor de si e desta experiência.

Comissão do Ciclo Básico

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10 Caderno de Resolução de Problemas 2012
Análise das consequências econômicas da
Usina Hidroelétrica de Belo Monte sobre
sua região de influência

Alex de Jesus Ferreira


Danilo Leão
Filipe Santana Silva
Gabriel Sá e Farias
Liz Watanabe
Lucas Luan Braga
Marcelo Cordeiro de Oliveira

Tutor: Prof. Marcelo Lauretto

Caderno de Resolução de Problemas 2012 11


12 Caderno de Resolução de Problemas 2012
Sumário

1 Introdução ............................................................................... 14

1.1 Justificativa .............................................................................. 15

1.3 Objetivos ................................................................................. 15

2 O Projeto de Belo Monte ......................................................... 16

3 Metodologia ............................................................................. 18

4 Resultados ................................................................................ 20

4.1 Seleção de usinas, microrregiões e indicadores ................. 20

4.2 Análise por indicador ............................................................. 24

4.3 Análise por usina ..................................................................... 28

4.4 Cenários ................................................................................... 32

5 Discussão .................................................................................. 34

6 Conclusão ................................................................................. 37

Referências .............................................................................. 39

Caderno de Resolução de Problemas 2012 13


1 Introdução

Ao longo da história dos países nos séculos XX e XXI, o


crescimento industrial exigiu picos de aumento na demanda da
produção de energia para atender às necessidades fundamentais
das sociedades. Segundo o Relatório Anual da Eletrobrás do
ano de 2010, o recente crescimento econômico no Brasil
exige um aumento relativamente alto da demanda energética.

Segundo dados do Centro de Pesquisa


Econômica e de Negócios (CEBR, na sigla
em inglês) divulgados por jornais britânicos
nesta segunda-feira (26/12/2011), pela
primeira vez na história a economia do Brasil
superou a do Reino Unido, um avanço que
coloca o Brasil como sexta maior potência
econômica, atrás de Estados Unidos, China,
Japão, Alemanha e França. (LIMA, 2011).

Um exemplo da relação entre o crescimento econômi-


co e o aumento da necessidade da produção de energia é
que, no ano de 2010, o aumento do PIB do Brasil foi de
7,5%, e o crescimento do consumo energético foi de 7,8%.

Porém, a pergunta crucial que se coloca é: como suprir esse


aumento de demanda energética no Brasil? Há mais de 30

14 Caderno de Resolução de Problemas 2012


anos, está em discussão a construção de uma usina hidrelétrica
que promete ser a terceira maior do mundo, com potência
instalada superior a 11.000 MW, suficiente para abastecer
mais de 25 milhões de residências brasileiras. Com a construção
dessa usina, chamada Hidroelétrica de Belo Monte, espera-se
atingir um novo patamar de produção de energia no Brasil.

Localizada no rio Xingu, nos arredores da cidade de


Altamira, Pará, a usina envolve todo um contexto ambiental
e social, uma vez que o empreendimento localiza-se próximo
a áreas indígenas, e sua construção resultará no alagamento
de áreas de florestas.

1.1 Justificativa
A dependência da energia elétrica pelo sistema econômico
nas grandes metrópoles é inegável. O grande crescimento
da necessidade de energia leva os governos a apostarem no
sistema hídrico brasileiro como meio necessário e indispensável
de geração. De acordo com a Agência Nacional de Energia
Elétrica (2010), a Usina Hidrelétrica de Belo Monte é
o empreendimento que promete suprir as necessidades
energéticas do país, tendo em vista a sua grandiosidade. Ao
mesmo tempo, trata-se de um projeto polêmico, especialmente
pelos potenciais impactos ambientais e sociais envolvidos. Por
outro lado, uma questão menos explorada, e que é objeto deste
trabalho, refere-se aos possíveis impactos econômicos sobre
a microrregião na qual o empreendimento está localizado.

1.2 Objetivos

O objetivo deste trabalho é analisar se usinas hidrelétricas de


grande porte são fatores de desenvolvimento socioeconômico
para suas microrregiões de influência e, em caso afirmativo,
quantificar essa influência. A partir dessa análise, apresentar
estimativas e projeções do crescimento econômico que a

Caderno de Resolução de Problemas 2012 15


instalação da Usina de Belo Monte trará para a microrregião
na qual se localiza.

2 O Projeto de Belo Monte

No final dos anos 1980, consolidou-se toda a estrutura


para que principal fonte de geração de energia elétrica no
Brasil fosse de origem hidráulica, com projetos de grandes
barramentos e com a construção de extensas linhas de
transmissão. Nesse planejamento, a Amazônia já despontava
como o próximo destino dos novos grandes projetos, visando
o aproveitamento do potencial hidráulico daquela região para
geração de eletricidade. Assim, principalmente na primeira
metade anos 1990, diversos projetos de aproveitamentos
hidrelétricos para a região foram surgindo, especialmente em
afluentes da margem direita do rio Amazonas.

Os projetos de aproveitamento do potencial


hidrelétrico do rio Xingu, no Pará, geram
polêmica desde 1980, quando a Eletronorte
divulgou o relatório ‘Estudos Xingu’, com
um levantamento sobre as possibilidades
de geração de energia naquele rio. Esse
relatório defendia a construção no Xingu de
um conjunto de aproveitamentos hidrelétricos,
composto por cinco usinas, em diferentes
pontos do rio: Jarina, que geraria 559
megawatts de energia (MW), Kokraimoro
(1.940 MW), Ipixuna (2.312 MW), Babaquara
(6.274 MW) e Kararaô (8.381 MW). No total,
seriam 19.466 MW. Em uma versão posterior
do projeto, a Eletrobrás elevou a potência

16 Caderno de Resolução de Problemas 2012


instalada de Kararaô (que depois passaria a
se chamar Belo Monte) para 11.181,30 MW.
(LEITÃO; SOUZA, 2006, p. 21).

Dentre os principais afluentes da margem direita está a


sub-bacia do rio Xingu, que deságua próximo à foz do rio
Amazonas, abrangendo uma área de 509.000 km². Para dar
noção de dimensão da área, estima-se que essa sub-bacia
concentra 14% do potencial de água doce do país.

O rio Xingu, com mais de 1.800 quilômetros de extensão,


abriga hoje o Parque Indígena do rio Xingu, localizado na
floresta Amazônica, ao norte do Estado do Mato Grosso. A
iniciativa do projeto de criação do parque nacional partiu
principalmente do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) na
década de 1960, com a aprovação do presidente Jânio
Quadros, e é considerado o maior e uma das mais famosas
reservas do gênero no mundo. Além disso, é indispensável
citar os irmãos Villas Boas, que idealizaram o projeto e ficaram
conhecidos por fazerem parte da vanguarda da “Marcha para
o Oeste”, projeto militar que teve inicio em 1943 e terminou
com um caráter pacífico e de conhecimento mais profundo
dos povos indígenas do Brasil. Um dos resultados desse
esforço foi a criação do então Parque Nacional Indígena do
Xingu, atualmente denominado Parque Indígena do Rio Xingu.

O projeto prevê a construção de uma barragem principal no


rio Xingu, localizada a 40 km abaixo da cidade de Altamira,
formando o Reservatório do Xingu. A partir deste reservatório,
parte da água será desviada por um canal de derivação de
20 km de comprimento para um reservatório intermediário,
localizado na região cercada pela Grande Volta do
Xingu. Em virtude do local envolver populações indígenas
e áreas de preservação permanente, diversas mudanças

Caderno de Resolução de Problemas 2012 17


foram incorporadas ao projeto original. Como exemplo,
o hidrograma estabelecido para a operação da barragem
principal da Belo Monte garante uma vazão mínima durante
todo o ano, com o objetivo de assegurar a navegabilidade
do rio e condições satisfatórias para a vida aquática mais
próxima. Outra alteração em relação ao projeto original
foi a redução da área total dos reservatórios, originalmente
prevista em 1.225 km², para 440 km², graças à mudança de
concepção da barragem (LEITÃO; SOUZA, 2006).

Apesar de toda a discussão acerca de tal empreendimento,


incluindo protestos em todo o Brasil e de organizações não
governamentais como o Greenpeace, sem a construção de
Belo Monte e sua capacidade de geração elétrica o Brasil
teria que investir em outras 19 usinas (CHAGAS, 2012).
Sendo assim, o projeto segue prometendo ser um dos maiores
empreendimentos da história brasileira, com previsão de
inauguração para 2015 (ELETROBRAS, 2011a).

3 Metodologia

Inicialmente foi feita uma revisão e uma metanálise de


artigos, que tem como foco principal as análises econômicas
sobre Belo Monte (LEITÃO; SOUZA, 2006; CASTRO; LEITE;
DANTAS, 2011).

Após isso foi feito a escolha de 5 usinas hidrelétricas


brasileiras com capacidade de geração semelhante
à capacidade projetada para a Usina de Belo Monte
e, se possível, localizadas em regiões com as mesmas
características da Usina de Belo Monte ou as usinas com as
maiores gerações de energia elétrica.

Em seguida optamos pela escolha dos seguintes dados

18 Caderno de Resolução de Problemas 2012


sobre as usinas: ano de instalação, capacidade geradora
de energia elétrica, principal microrregião de influência e
microrregião do local não afetada pela usina.
Foram levantados, no Ipeadata (2012), indicadores
relacionados com o crescimento socioeconômico: população,
pessoal ocupado total, pessoal ocupado rural, pessoal
ocupado urbano, valor da renda total, valor da renda
rural, valor da renda urbana, número de estabelecimentos
comerciais, número de estabelecimentos de serviços e número
de estabelecimentos indústriais.

Para cada usina, foram levantados os indicadores


socioeconômicos, de duas microrregiões:

a) da principal microrregião de influência da usina;


b) de uma microrregião menos próxima da usina
(considerada fora de sua influência) com população
aproximadamente igual à da microrregião de influência.

Para a análise da evolução do crescimento econômico,


para cada microrregião foram levantados os indicadores
econômicos de dez anos antes e dez anos depois do ano de
instalação da usina. Adotamos esse intervalo de tempo para
evitar que os possíveis aumentos na atividade econômica de
curto prazo durante a fase de construção pudessem interferir
nos indicadores.

Dessa forma, através da comparação dos indicadores


econômicos antes e após a construção da usina, foi possível
comparar a variação dos indicadores socioeconômicos da
microrregião de influência e da microrregião fora da área
de influência.

A partir das variações médias dos indicadores nas


microrregiões de influência das usinas, foram estimadas

Caderno de Resolução de Problemas 2012 19


possíveis consequências socioeconômicas da instalação
da Usina de Belo Monte sobre a microrregião de Altamira,
considerando três cenários.

4 Resultados

4.1 Seleção de usinas, microrregiões e indicadores

Para que pudéssemos estimar um possível crescimento


econômico da Usina Hidroelétrica de Belo Monte, optamos por
pesquisar usinas que estivessem localizadas em microrregiões
que possuíssem características semelhantes. Como a região
Norte não possui outras usinas de mesmo porte, direcionamos
nossa pesquisa para as dez maiores usinas hidroelétricas do
Brasil, filtrando, dessa forma, a escolha de acordo com o
porte dos empreendimentos.

Nessa pesquisa, foram levantados indicadores de 5 a 10


anos, antes e depois da inauguração das usinas, porque com
esse intervalo de tempo é possível constatar uma variação
considerável dos indicadores.

A tabela 1 mostra os dados coletados (capacidade


geradora de energia elétrica, ano de inauguração, unidade
federal), as microrregiões de influência e fora da influência
escolhidas e os anos pesquisados para as Usinas de Itaipu,
Foz do Areia, Tucuruí, Xingó e Luiz Gonzaga.

As tabelas 2 a 6 apresentam valores absolutos dos


indicadores socioeconômicos mais relevantes, na microrregião

20 Caderno de Resolução de Problemas 2012


de influência e na microrregião fora da influência, nos anos
anteriores e posteriores ao ano de inauguração da usina.

Tabela 1- Dados da capacidade geradora de energia elétrica, ano de inauguração, unidade


federal, microrregião de influência e fora da influência e os anos anteriores e
posteriores pesquisados para as usinas

Ano Ano
Ano de Microrregião Microrregião
Potência anterior posterior
Usina Inaugura- UF de fora da
(MW) (pesqui- (pesqui-
ção influência influência
sado) sado)

1991 e
Itaipu 14000 1982 PR Foz do Iguaçu Pitanga 1970
1995
Foz do União da 1991 e
2500 1980 PR Pitanga 1970
Areia Vitória 1995
1975,
1991 e
Tucuruí 8370 1985 PA Tucuruí Paragominas 1980 e
1995
1985
Sergipana do
1985 e 1995 e
Xingó 3162 1994 SE Sertão do São Carira
1991 1996
Francisco
Luiz 1995 e
1479 1988 PE Itaparica Pajeú 1980
Gonzaga 2000

Caderno de Resolução de Problemas 2012 21


Tabela 2 - Valores dos indicadores socioeconômicos na microrregião de influência e na
microrregião fora da influência, antes e depois para a Usina de Itaipu

Valor na Mi- Valor na Microrre- Valor na Micror- Valor na Micror-


Indicador crorregião de gião de Influência região fora de região fora de
Influência antes depois Influência antes Influência depois

Número total de
Estabelecimen-
1162 8765 649 918
tos ou Unidades
Locais
População
138130 371315 93434 88831
(pessoas)
Valor total dos
rendimentos 7813,16 59156,43 3333,48 6585,56
recebidos (R$)

Renda per capi-


0,056563817 0,159316025 0,035677377 0,074135831
ta (R$ / pessoa)

% ocupação co-
mércio, indústria 0,032158112 0,099834372 0,021362673 0,026477243
e Serviços

Tabela 3 - Valores dos indicadores socioeconômicos na microrregião de influência e na


microrregião fora da influência antes e depois para a Usina de Foz do Areia

Valor na Mi- Valor na Microrre- Valor na Micror- Valor na Micror-


Indicador crorregião de gião de Influência região fora de região fora de
Influência antes depois Influência antes Influência depois

Número total de
Estabelecimen-
974 2476 649 918
tos ou Unidades
Locais
População
72335 99710 93434 88831
(pessoas)
Renda per capi-
0,05763199 0,108215024 0,035677377 0,074135831
ta (R$ / pessoa)
% ocupação co-
mércio, indústria 0,07696136 0,126857888 0,021362673 0,026477243
e Serviços

22 Caderno de Resolução de Problemas 2012


Tabela 4 - Valores dos indicadores socioeconômicos na microrregião de influência e na
microrregião fora da influência antes e depois para a Usina de Tucuruí

Valor na Mi- Valor na Microrre- Valor na Micror- Valor na Micror-


Indicador crorregião de gião de Influência região fora de região fora de
Influência antes depois Influência antes Influência depois

Número total de
Estabelecimen-
302 851 327 1332
tos ou Unidades
Locais
População
91634 161646 48112 148268
(pessoas)
Renda per capi-
0,220501997 0,078563342 0,194927045 0,097049127
ta (R$ / pessoa)
% ocupação co-
mércio, indústria 0,007289871 0,023805105 0,019953442 0,094059406
e Serviços

Tabela 5 - Valores dos indicadores socioeconômicos na microrregião de influência e na


microrregião fora da influência antes e depois para a Usina de Xingó

Valor na Mi- Valor na Microrre- Valor na Micror- Valor na Micror-


Indicador crorregião de gião de Influência região fora de região fora de
Influência antes depois Influência antes Influência depois

Número total de
Estabelecimen-
488 445 310 269
tos ou Unidades
Locais
População
133063 135061 54.886 61.335
(pessoas)
Renda per capi-
189,1768807 369,2514659 0,057861932 0,098443955
ta (R$ / pessoa)
% ocupação co-
mércio, indústria 0,013963311 0,007781669 0,016251868 0,007988913
e Serviços

Caderno de Resolução de Problemas 2012 23


Tabela 6 - Valores dos indicadores socioeconômicos na microrregião de influência e na
microrregião fora da influência antes e depois para a Usina de Luiz Gonzaga.

Valor na Mi- Valor na Microrre- Valor na Micror- Valor na Micror-


Indicador crorregião de gião de Influência região fora de região fora de
Influência antes depois Influência antes Influência depois

Número total de
Estabelecimen-
481 766 1551 2399
tos ou Unidades
Locais
População
99043 116574 277976 297494
(pessoas)
Renda per capi-
0,077587815 0,099687838 0,052540615 0,09824746
ta (R$ / pessoa)
% ocupação co-
mércio, indústria 0,013953535 0,011692144 0,018494402 0,008403531
e Serviços

4.2 Análise por indicador

Para verificar a questão da geração de empregos e por


consequência a movimentação econômica, foram utilizados
indicadores como o número total de estabelecimentos e o total
de pessoas ocupadas, ambos nos três setores da economia
(comércio, indústria e prestação de serviços).

Com relação a porcentagem de pessoas ocupadas no


comércio, indústria e serviços, podemos notar que em todas
as usinas, com exceção de Tucuruí, houve um aumento desse
indicador nas microrregiões de influência em comparação
com as microrregiões fora da influência (Figura 1).

Com relação ao número total de estabelecimentos ou


unidade locais, podemos notar que em todas as usinas, com

24 Caderno de Resolução de Problemas 2012


exceção de Tucuruí, houve um aumento nas microrregiões
de influência em comparação com as microrregiões fora da
influência (Figura 2).

A população foi outro indicador estudado, pois através da


análise do aumento da população é possível verificar se ela
se desenvolveu devido à implantação da usina. Com relação
à população, nota-se que em todas as usinas, com exceção
de Tucuruí e Xingó, houve um aumento nas microrregiões
de influência em comparação com as microrregiões fora
da influência (Figura 3). Todas as microrregiões da área de
influência das usinas apresentaram um aumento da população
no período analisado.

Com relação a renda per capita, podemos observar que


em 2 microrregiões influenciadas pelas usinas houve aumento
(Usinas de Itaipu e Xingó) (Figura 4). As microrregiões
influenciadas pelas Usinas de Foz do Areia, Tucuruí e Luiz
Gonzaga não obtiveram aumento da renda per capita
durante o período analisado.

Na microrregião de Paragominas, PA, observou-se um


crescimento demográfico acentuado, e um aumento do número
de estabelecimentos e do número de pessoas ocupadas. Isso
poderia ser explicado pela presença da mineradora Vale
na cidade de Paragominas, que trabalha na extração de
bauxita, e de outras empresas de grande porte que foram
atraídas para a região.

Caderno de Resolução de Problemas 2012 25


Figura 1 - Média de variação na microrregião de influência e na microrregião fora da influência
das usinas para o indicador “porcentagem de pessoas ocupadas no comércio,
indústria e serviços” para o período analisado

Figura 2 - Média de variação na microrregião de influência e na microrregião fora da influência


das usinas para o indicador número total de estabelecimentos ou unidades locais
para o período analisado

26 Caderno de Resolução de Problemas 2012


Figura 3 - Média de variação na microrregião de influência e na microrregião fora da influência
das usinas para o indicador população para o período analisado

Figura 4 - Média de variação na microrregião de influência e na microrregião fora da influência


das usinas para o indicador renda per capta para o período analisado

Caderno de Resolução de Problemas 2012 27


4.3 Análise por usina

Procurando analisar de outro ponto de vista os dados


coletados, construímos gráficos em relação a cada usina
separadamente e um com a média de variação com todas as
usinas (Figuras 5 a 10).

A figura 5 mostra que para esses indicadores


socioeconômicos e em todas as usinas pesquisadas a média
de variação na microrregião de influência é maior do que
na microrregião fora da influência. Esse resultado sugere que
essas regiões tiveram maior crescimento econômico por causa
da instalação das usinas.

Para as Usinas Foz do Areia e Luiz Gonzaga, nota-se o


aumento da média de variação na microrregião de influência
para todos os indicadores, com exceção da renda per capta
(Figuras 6 e 7). Isso pode ser explicado pela capacidade
geradora de energia elétrica, que é relativamente baixa nessas
usinas se comparada com as das Usinas de Itaipu e Tucuruí.

Para as Usinas de Itaipu e Xingó, todos os indicadores


mostram aumento na microrregião de influência em
comparação com a microrregião fora da influência. Esses
dados indicam que as usinas trouxeram crescimento
econômico para essas microrregiões (Figuras 8 e 9).

A análise da Usina de Tucuruí mostrou que a microrregião


fora de influência (microrregião de Paragominas) obteve,
no geral, um crescimento econômico maior do que a
microrregião de influência da usina (Figura 10). Esses dados
podem ser explicados pela escolha de Paragominas para a
análise comparativa. Essa região recebeu, durante o período
analisado, muitas empresas de grande porte, o que poderia
explicar seu bom desenvolvimento econômico.

28 Caderno de Resolução de Problemas 2012


Figura 5 - Média de variação dos indicadores nas microrregiões de influência e nas microrregiões
fora da influência considerando todas as usinas

Figura 6 - Média de variação dos indicadores na microrregião de influência e na microrregião


fora da influência na Usina de Foz do Areia

Caderno de Resolução de Problemas 2012 29


Figura 7 - Média de variação dos indicadores na microrregião de influência e na microrregião
fora da influência na Usina de Luiz Gonzaga

Figura 8 - Média de variação dos indicadores na microrregião de influência e na microrregião


fora da influência na Usina de Itaipu

30 Caderno de Resolução de Problemas 2012


Figura 9 - Média de variação dos indicadores na microrregião de influência e na microrregião
fora da influência na Usina de Xingó

Figura 10 - Média de variação dos indicadores na microrregião de influência e na microrregião


fora da influência na Usina de Tucuruí

Caderno de Resolução de Problemas 2012 31


4.4 Cenários

Organizando e interpretando as tabelas e gráficos,


gerados através dos dados retirados do Ipeadata, foi possível
estimar um possível crescimento econômico na microrregião
de Altamira, considerando três cenários. O cenário 1 foi
obtido através da média de variação dos indicadores de
todas as usinas hidroelétricas pesquisadas, os cenários 2 e 3
foram obtidos através média de variação dos indicadores das
usinas hidrelétricas com maior potencia geradora de energia,
considerando apenas Itaipu e Tucuruí, no cenário 2, e Itaipu
e Xingó no cenário 3.

Na figura 11 são apresentados os percentuais estimados


de crescimento nos quatro indicadores, considerando os
três cenários. Notam-se, em todos os cenários, elevados
crescimentos nos indicadores.

Na tabela 7 temos os valores mais atuais dos indicadores


socioeconômicos da microrregião de Altamira (anos 1995 e
2000), tais valores podem ser utilizados juntamente com os
aumentos percentuais expressos na (Figura 11), para se obter
as estimativas e projeções em valores reais.

32 Caderno de Resolução de Problemas 2012


Tabela 7- Valores dos indicadores socioeconômicos da microrregião de Altamira
(Usina de Belo Monte)

Indicadores Valor na microrregião Ano

Número total de Estabelecimentos ou


1740 1995
Unidades Locais

População (pessoas) 226370 2000

Valor total dos rendimentos recebidos (R$) 40658,44 2000

Renda per capita (R$ / pessoa) 0,179610549

% ocupação comércio, indústria e serviços 0,011088042 1995

Ocupação comércio, indústria e serviços 2510

Caderno de Resolução de Problemas 2012 33


Figura 11 - Média de variação dentro da microrregião de influência, referente a três diferentes
cenários, dos indicadores porcentagem de pessoas ocupadas no comércio, indústria
e serviços, número total de estabelecimentos, população e renda per capta para o
período analisado na Usina de Belo Monte

Na figura 11 pode-se notar que os cenários 2 e 3 são


os que apresentam os maiores aumentos percentuais, visto
que os elementos analisados nesses dois cenários são
empreendimentos de grande porte. Pode-se perceber uma
relação entre o tamanho do empreendimento e o impacto que
o mesmo trás para a economia e sociedade local. No caso
da microrregião de Paragominas, essa relação entre tamanho
de empreendimento com o crescimento econômico também
fica evidente, mesmo esse empreendimento não sendo uma
usina hidroelétrica.

5 Discussão

Analisando os resultados obtidos, notamos que existem


algumas variáveis que influenciam a variação dos indicadores,

34 Caderno de Resolução de Problemas 2012


tais como o desenvolvimento e a infraestrutura da região, as
necessidades momentâneas de mão de obra e de matéria-
prima durante a construção e o tamanho do empreendimento.

As Usinas Itaipu e Foz do Areia, localizadas na região


Sul do Brasil, apresentaram resultados mais significativos
em relação às Usinas de Xingó, Tucuruí e Luiz Gonzaga,
localizadas na região Norte e Nordeste. Isso decorre tanto
das diferenças de desenvolvimento cultural, econômico,
político e principalmente social entre as regiões quanto da
infraestrutura local, pois as usinas localizadas nas regiões
subdesenvolvidas seriam um foco de desenvolvimento isolado
e não possuiriam a infraestrutura necessária para manter essa
dinamização momentânea. Já em relação às regiões mais
desenvolvidas, que já detêm a infraestrutura necessária, as
usinas seriam apenas mais um empreendimento, dentre muitos
outros, que auxiliaria na questão econômica.

Algumas divergências nos indicadores podem ser


explicadas pela necessidade momentânea de mão de obra e
matérias-primas para construção das usinas em questão. Para
exemplificar essa tendência, selecionamos os valores obtidos
em número de pessoas ocupadas e número de estabelecimento
para as Usinas de Xingó e Luiz Gonzaga (Figuras 1 e 2).

Na escolha da microrregião fora da área de influência da


Usina Tucuruí, acabamos nos deparando com a microrregião
de Paragominas. Os indicadores dessa microrregião se
mostraram contrários às nossas expectativas. Depois de
pesquisar mais a fundo, foi constatado que a região recebeu
um empreendimento de grande porte (Companhia Vale), o
que contribuiu mais ativamente para o crescimento econômico
da microrregião fora de influência (Paragominas) do que a
construção da usina para a microrregião de Tucuruí.

Caderno de Resolução de Problemas 2012 35


Analisando os três cenários obtidos para a projeção de
crescimento econômico promovido pela instalação das
usinas hidrelétricas, podemos inferir, para a microrregião de
Altamira, um aumento significativo de todos os indicadores
socioeconômicos, principalmente, o número de estabelecimentos
e total de rendimentos recebidos (Figura 11).

Albuquerque, Monçores e Moraes (2011), desenvolveram


uma pesquisa semelhante ao nosso trabalho. Esses autores
analisaram o empreendimento da Usina Tucuruí e fizeram
comparações com empreendimento de Belo Monte com
o intuito de estimar não só o crescimento econômico, mas
também o desenvolvimento econômico, que inclui saneamento
básico, energia elétrica, água canalizada, desemprego,
educação, Produto Interno Bruto (PIB), população, Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) e desigualdade de renda.
Como a pesquisa ocorreu num âmbito menor, considerando
apenas as Usinas Tucuruí e Belo Monte, os autores puderam
esmiuçar mais os dados, definindo intervalos de tempo
maiores de pesquisa e levantando até a possibilidade do
desenvolvimento econômico ter sido gerado pela Rodovia
Transamazônica e não apenas pela Usina de Tucuruí.

Na questão do crescimento econômico, os autores


constataram resultados semelhantes aos nossos, concluindo
que o empreendimento de Belo Monte trará um crescimento
econômico para a microrregião de influência (Altamira).
O mesmo não pode ser dito para o desenvolvimento
econômico, pois:

é preciso ter mais cuidado com a questão


socioambiental, preocupando-se com todos
os tipos de impacto que o projeto possa
gerar, e, realizando investimentos paralelos
para evitá-los ou, pelo menos, minimizá-los.

36 Caderno de Resolução de Problemas 2012


É necessário que haja políticas públicas para
preparar o território para um investimento
deste porte, investindo paralelamente em
questões fundamentais, como saneamento,
educação (aumento do número de escolas),
serviços, habitação. Caso não haja este tipo
de investimento paralelo, os ganhos obtidos
não serão suficientemente importantes para
justificar o montante de capital investido e o
esforço empregado na obra. Provavelmente,
os ganhos serão concentrados em poucas
atividades econômicas e / ou poucos
municípios. Desta forma, tudo aquilo que
for caracterizado como positivo, não será
suficiente para dinamizar a economia,
multiplicando os benefícios para todos os
setores econômicos, como seria o desejado.
Ao contrário, o projeto acabará por gerar
concentração de renda e desigualdade,
contribuindo para agravar os problemas
já existentes no Brasil (ALBUQUERQUE;
MONÇORES; MORAES, 2011, p. 24-25).

6 Conclusão

Com o desenvolvimento do trabalho, foi possível realizar


uma previsão bastante incipiente do impacto econômico
que a construção da Usina Hidroelétrica de Belo Monte irá
proporcionar para a microrregião onde será implantada.

No decorrer da pesquisa foram encontradas diversas


barreiras que dificultaram um resultado mais preciso, como
o fato de ser difícil encontrar uma região com características
similares a de Belo Monte. Outro fator relevante foi a questão
de que a região onde se localizará o empreendimento não
possui nenhuma usina do mesmo porte, o que atrapalha
significativamente a comparação.

Encontramos também dificuldades relacionadas à pesquisa


dos dados, pois estes possuem diferenças entre períodos.

Caderno de Resolução de Problemas 2012 37


Isso ocorreu devido ao fato da inauguração das usinas e dos
dados disponíveis não se enquadrarem quanto às datas.

A delimitação de um espaço geográfico também deve


ser levada em conta, considerando que se não for definida
corretamente, os dados serão imprecisos e contraditórios. No
decorrer da pesquisa nos deparamos com certas dificuldades
dessa ordem. Em relação a região analisada tínhamos três
opções; entre elas a mesorregião, que é muito abrangente;
o município, no entanto esse dado é muito específico; e a
pela qual optamos, chamada microrregião, ideal para
analisar como o empreendimento em vista poderá influenciar
economicamente uma determinada região.

Como alternativa para um próximo trabalho, poderia ser


desenvolvida uma pesquisa mais voltada para a questão do
desenvolvimento econômico da microrregião, uma vez que a
presente pesquisa é voltada apenas para a análise do possível
crescimento econômico que Belo Monte irá proporcionar.

38 Caderno de Resolução de Problemas 2012


Referências

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ANEEL 2010. Brasília, DF, 2011. Disponível em : <http://
www.aneel.gov.br/biblioteca/downloads/livros/Relatorio_
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ALBUQUERQUE, Debora Duque Estrada de; MONÇORES,


Elisa Alonso; MORAES, Luiz Antonio Pazos de. De Tucuruí
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ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E
PESQUISA EM PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL.
Encontro Nacional, 14., 2011, Rio de Janeiro. [Anais...].
Disponível em : <http://www.anpur.org.br/inicio/
images/anais/ena14/ARQUIVOS/GT9-1158-806-
20110106201948.pdf>. Acesso em : 14 jun. 2012.

CASTRO, Nivalde José de; LEITE, André Luis da Silva;


DANTAS, Guilherme. Análise comparativa entre Belo
Monte e empreendimentos alternativos: impactos
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Janeiro: GESEL/UFRJ, 2011. (Texto de discussão do setor
elétrico, n. 35). Disponível em : <http://www.nuca.ie.ufrj.
br/gesel/TDSE35.pdf>. Acesso em : 9 abr. 2012.

Caderno de Resolução de Problemas 2012 39


CHAGAS, Marcos. Diretor do ONS diz que sem Belo Monte
sociedade terá que arcar com custo ambiental de térmicas.
Amazônia, São Paulo, 24 maio 2012. Disponível em :
<http://amazonia.org.br/2012/05/dire tor-do-ons-diz-que-
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%3D%7B8F6BF073-6E00-4890-8CBD-8615FF315CA1
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ELETROBRAS. Relatório de sustentabilidade


2010 Eletrobrás. Rio de Janeiro, RJ, 2011b.
Disponível em : <http://www.eletrobras.com/elb/main.
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Eletrobrás Eletronorte 2009. São Paulo, SP, 2010.
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IPEADATA. Disponível em: <http://www.ipeadata.gov.br>.


Acesso em : 7 maio 2012.

40 Caderno de Resolução de Problemas 2012


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de. Belo Monte: energia e polêmica na Amazônia. Revista
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LIMA, José Antonio. Economia do Brasil supera a do Reino


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mundo/>. Acesso em : 15 abr. 2012.

SOUZA, Wilson Cabral de; REID, John; LEITÃO, Neidja


Cristine Silvestre. Custos e benefícios do complexo
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econômico-ambiental. Arcata, CA: Conservations Strategy
Fund, 2006. (Conservação estratégica. Série técnica,
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pt/publication/custos-e-benef%C3%ADcios-do-complexo-
hidrel%C3%A9trico-belo-monte-uma-abordagem-
econ%C3%B4mico-ambienta>. Acesso em : 9 abr. 2012.

Caderno de Resolução de Problemas 2012 41


42 Caderno de Resolução de Problemas 2012
A visão dos ricos sobre a
desigualdade social no Brasil:
extratos do reality-show Mulheres Ricas

Edson Franco Okuda


Gabriel Sezefredo
Jéssica Lopes Bruno
Jordan Calatroia da Rocha
Letícia Gomes Vieira
Marcelle Aparecida Tsuruda

Tutor: Prof. Fernando Carbayo

Caderno de Resolução de Problemas 2012 43


44 Caderno de Resolução de Problemas 2012
Sumário

1 Introdução ............................................................................... 46

2 Objetivo .................................................................................... 48

3 Justificativa do estudo .......................................................... 48

4 Material e métodos ....................................................................49

5 Resultados e discussão .............................................................. 50

5.1 Justificativas para o consumo ............................................... 50

5.2 Relações com os empregados ............................................... 51

5.3 Narcisismo ............................................................................... 53

5.4 Luxo e ostentação ...................................................................... 59

5.5 Consciência social ................................................................... 62

5.6 O fator origem .......................................................................... 64

5.7 Discussão geral e considerações finais .................................. 66

Referências ............................................................................... 70

Caderno de Resolução de Problemas 2012 45


1 Introdução

Relatos históricos mostram que discussões sobre a


desigualdade entre os homens ocorrem há bastante tempo,
estando presentes como temas importantes desde a Era
Clássica Grega, incluindo-se debates filosóficos sobre
princípios de justiça distributiva.

Na Era Moderna, alguns dos primeiros pensadores


que se debruçaram sobre o problema das desigualdades
entre os homens foram Rousseau e Adam Smith que, junto
com pensadores como Karl Marx, Max Weber, Thorstein
Veblen, Vilfredo Pareto, Émile Durkheim e Pierre Bourdieu
estabeleceram as bases sobre os quais as origens das
diferenças entre os homens e suas consequências foram
analisadas nos últimos séculos (MEDEIROS, 2005b).

No Brasil, pensadores como Gilberto Freyre, Florestan


Fernandes, Caio Prado Júnior, Sergio Buarque de Holanda
e Darcy Ribeiro dentre tantos, dedicaram grande parte de
suas vidas para a busca do entendimento da complexidade
da realidade social brasileira, retratando em obras
importantíssimas as virtudes e mazelas vividas pelo povo
brasileiro.

Segundo Medeiros (2005b), uma das principais


características do Brasil é a continuidade de elevados níveis
de desigualdade social ao longo de sua história recente. A

46 Caderno de Resolução de Problemas 2012


desigualdade se apresenta de diversas maneiras e dá forma
às relações sociais, expondo uma sociedade hierarquizada
que coloca o país atualmente em décimo-segundo lugar no
ranking de maior nível de desigualdade do mundo, apesar
das controvérsias manifestadas por importantes analistas da
cena brasileira quanto à extensão e continuidade do atual
processo de melhorias.

Como escreveu Villaça (2005, p. 2), “a distribuição das


riquezas e sua representação, aí incluído o luxo, sempre
constituiu um fundamento da organização social, bem como
da possibilidade da diferenciação individual, ou seja, uma
moeda comunicacional.” De acordo com a mesma autora,
a dinâmica da necessidade e do desejo tem orientado a
conceituação do luxo e sua interpretação ético-política nas
sociedades modernas.

Apesar da aparência de um consenso informal, mesmo entre


os ricos, de que as injustiças ocasionadas pela desigualdade
social devam ser equacionadas de alguma forma, ações
concretas por parte das elites para eliminá-las praticamente
inexistem e as responsabilidades acabam sendo simplesmente
transferidas para o Estado (MEDEIROS, 2005b).

De acordo com Reis (2000), um estudo clássico realizado


por De Swaan (19881 apud REIS, 2000) sobre a origem de
políticas de bem-estar social na Europa mostrou que a visão
das elites sobre os problemas sociais é importante. Segundo
De Swaan, somente no momento em que as elites perceberam
os benefícios que poderiam resultar da solução de problemas
sociais é que o poder público realmente assumiu seu papel
como agente natural na provisão daquilo que define a
cidadania, ou seja, educação, saúde e previdência.

1 DE SWAAN, Abram. In care of the state: health care, education and welfare in Europe and the USA in the
modern era. Cambridge: Polity Press, 1988.  

Caderno de Resolução de Problemas 2012 47


2 Objetivo

Inferir do reality show Mulheres Ricas a visão das


protagonistas sobre a desigualdade social no Brasil.

3 Justificativa do Estudo

O estudo dos ricos não é justificado somente porque eles


têm, proporcionalmente, um grande volume de bens, mas
pelo fato de que também detêm poder.

Riqueza e poder estão associados no Brasil, assim


como em outros países do mundo. O fato é que as elites
econômicas, políticas e sociais são agentes imprescindíveis na
transformação social, seja na diminuição ou na manutenção
das desigualdades (MEDEIROS, 2005a).

Portanto, para melhor compreender a sociedade brasileira


precisamos estudar o comportamento desses agentes e
em que medida seus interesses vão ao encontro das reais
necessidades da sociedade.

48 Caderno de Resolução de Problemas 2012


4 Material e Métodos

No período de aproximadamente dois meses (de


02/01/2012 a 05/03/2012) a Rede Bandeirantes
de Televisão levou ao ar um total de dez episódios, às
segundas-feiras, do programa Mulheres Ricas expondo
o cotidiano vivido por cinco milionárias – Brunete
Fraccarolli, Débora Rodrigues, Lydia Sayeg, Narcisa
Tamborindeguy e Val Marchiori.

Brunete Fraccaroli é uma famosa arquiteta paulistana,


nascida nos Jardins e herdeira de família milionária e que
está constantemente acompanhada de sua cadela Cissi e diz
não poder ficar sem a água mineral Perrier.

Débora Rodrigues é no programa a única a ter uma origem


humilde, sendo filha de um caminhoneiro e uma dona de casa.
Tornou-se famosa ao deixar o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) e posar nua para uma famosa revista
masculina. Foi apresentadora no Sistema Brasileiro de Televisão
(SBT) e atualmente atua como piloto de automobilismo.

Lydia Sayeg é especialista em joias e proprietária da


Joalheria Leão, tendo nascido literalmente em berço de
ouro. Dentre suas extravagâncias figuram gostar de tomar
banho com água mineral, o gosto por armas de fogo e uma
verdadeira obsessão por segurança.

Narcisa Cláudia Saldanha Tamborindeguy gosta de se


dizer descendente da família Saldanha, da alta aristocracia
portuguesa e é advogada e jornalista. Figura presente em
revistas e programas de televisão sobre celebridades, gosta

Caderno de Resolução de Problemas 2012 49


de celebrar a vida e frequentar as festas mais badaladas da
sociedade carioca.

Val Marchiori se define como linda, loira, alta e magra, é


apresentadora e empresária, estando entre suas características
o gosto por beber champanhe a qualquer hora do dia e
utilizar o bordão “Hello” praticamente como marca registrada
(LADEIRA, 2012).

Para produzir os resultados e discussões do presente projeto,


assistimos a todos os episódios, que extraímos do site de vídeos
online YouTube (http://www.youtube.com.br). Acompanhamos
as declarações e atitudes das cinco protagonistas ao longo
dos episódios sendo essa a principal metodologia empregada
para tentar compreender seus pensamentos, comportamentos
e intuir sobre sua visão de mundo.

Pela especificidade do tema e suas características,


apresentamos os extratos do programa com a transcrição ipsis
litteris dos depoimentos das cinco mulheres em seu cotidiano,
interpretados à luz de textos de diversos pensadores atuais e
clássicos encontrados em monografias, revistas, livros e artigos.

5 Resultados e discussão

5.1 Justificativas para o Consumo

“O rico tem obrigação de gastar… e muito!”, Lydia Sayeg


em cena do 1o episódio (26’55” a 27’00”).

“…e se o dinheiro não girar, o pobre, o menos favorecido,


a pessoa que depende do emprego não ganha!” Lydia
Sayeg em cena do 1o episódio (27’29” a 27’36”).

50 Caderno de Resolução de Problemas 2012


“O dinheiro é uma coisa que vai e vem, sabe? O dinheiro
vem pra gente de um público, das pessoas. Você tem que, de
alguma forma, devolver para o ser humano e a obrigação
do rico é devolver, de alguma forma”, Lydia Sayeg em cena
do 8o episódio (01h06’58” a 01h07’12”)

A ideia de que rico precisa gastar para que a economia


aqueça e com isso haja distribuição econômica, vem desde
o século XVI, estando relacionada com a reforma protestante.
Segundo Calvino, que deu sequência e modificou a reforma
protestante iniciada por Lutero, a origem das riquezas provém
da graça de Deus e seu uso destina-se à distribuição abundante
entre todas as pessoas (BIÉLER, 1990). A condenação da
igreja católica à usura levou a burguesia capitalista a adotar
essa nova ética religiosa.

Calvino ressaltava também que os mais humildes deveriam


ter paciência e que os afortunados não deveriam dedicar
tanta atenção aos bens materiais. “A função do pobre é
ser o recebedor de Deus, pois é o veículo através do qual
Deus possibilita que os ricos deem testemunho de sua fé”,
asseverava o Reformador e a ordem divina é que os bens
devem circular e deve haver fraterna distribuição de riquezas.

Observamos nas cenas citadas com a protagonista Lydia,


que sua justificativa para o consumo exagerado se apropria
dos conceitos defendidos por Calvino (sem citá-lo, entretanto)
e faz coro com posições defendidas pela elite nacional
durante muito tempo a respeito da função social de seu
consumo desmesurado.

5.2 Relações com os empregados

“O Ronaldo é um dos meus braços-direitos (sic). Ele me


acompanha nas produções, ele me dá segurança… Tudo

Caderno de Resolução de Problemas 2012 51


que é difícil eu peço pro Ronaldo que eu sei que ele vai
realizar!”, Brunete Fracarolli, cena do 1o episódio (40’48”
a 40’56”).

“Tenho duas empregadas, tenho a Antonia que é a


governanta da minha casa. “Tata” (referindo-se a Antonia)
é uma pessoa maravilhosa que conhece a minha vida inteira
e organiza ela pra mim, dentro da minha casa”, Brunete
Fracarolli, cena do 1o episódio (22’36” a 22’51”).

Acreditamos que a ordem pós-moderna configura relações


de trabalho em que a repressão é mais sutil, mais apoiada
em discursos e em situações contraditórias (ENRIQUEZ, 20072
apud SOUSA; COELHO, 2011; BOLTANSKI; CHIAPELLO,
20093 apud SOUSA; COELHO, 2011).

Considerando que a própria ideia de civilização está ligada


às tensões entre os polos do narcisismo e da alteridade. “O
eu sempre encontrará a sombra do outro, sem o qual não se
reconhece, revelando sua fragilidade, que produz mal-estar
na relação consigo e com os outros” (SOUSA; COELHO,
2011, p. 200).

É possível ao longo dos episódios do programa verificar


a fragilidade da protagonista Brunete e a dependência que
tem de seus colaboradores e assistentes pessoais. Brunete age
de maneira exigente em alguns momentos, ao mesmo tempo
em que demonstra sua confiança nos empregados para
desempenharem suas funções.

“Ela é muito perfeccionista, então ela quer tudo muito


perfeito e acaba que às vezes a gente dá uma relaxada um
pouco e a gente acha que ela até não vai fazer questão
daquilo. Mas o olho dela vê umas coisas que a gente não
2 ENRIQUEZ, Eugène. As figuras do poder. São Paulo: Via Lettera, 2007.
3 BOLTANSKI, Luc; CHIAPPELLO, Eve. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009 .

52 Caderno de Resolução de Problemas 2012


vê…”, Ronaldo, assistente pessoal de Brunete, 1o episódio
(41’13” a 41’30”).

É importante perceber que a renúncia também pode trazer


satisfação. Desse modo, nas relações sociais existe uma
supervalorização do superego que se torna a razão de ser
da repressão na cultura. Repressão que ocasiona, como efeito
colateral, uma valorização excessiva do superego (FREUD,
19764 apud SOUSA; COELHO, 2011, p. 200)

É necessário admitir que o poder produz conhecimento e


que ambos estão diretamente ligados, significando que não
há relação de poder sem um conhecimento específico, nem
conhecimento que não dependa de ou gere relações de poder
(FOUCAULT, 19795 apud SOUSA; COELHO, 2011, p. 195).

Os subordinados de Brunete e das outras mulheres vão


mostrando, ao longo dos episódios, compreender claramente o
funcionamento das relações de poder e demonstram maestria
em lidar com situações estressantes e de pura teimosia,
condizentes com a necessidade de imposição da norma
totalizante que o saber veicula (SOUSA; COELHO, 2011).

5.3 Narcisismo

“Eu sempre fui muito vaidosa, assim. Então, ter um


cabeleireiro pra mim é um sonho conquistado, digamos
assim…” cena do 1o episódio (34’15” a 34’20”).

“Nada melhor do que você cuidar da sua beleza, do seu


espírito, do seu corpo, da sua saúde… Então quando eu tô
com algum problema eu vou no Dr. Paulo Miller e ele me
dá um pontinho aqui, um pontinho ali, vê o meu peito se tá
legal, se não tá, quer dizer… e levanta o astral de qualquer
4 FREUD, Sigmund. O mal-estar na cultura. Standard edition. Rio de Janeiro: Imago, 1976. (Obras
completas, 21).
5 FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.  

Caderno de Resolução de Problemas 2012 53


mulher! Quem não levanta o astral? “

A cena segue com Narcisa tentando convencer o médico de


que ele “precisa” realizar algum tipo de procedimento nela
e ele insiste que não, que basta a ela fazer manutenção. Por
pura insistência, o médico concorda em realizar uma injeção
de botox em sua testa, para que ela possa se sentir melhor.

“Desculpem as feias, mas beleza é fundamental!” declara


Narcisa, parafraseando Vinicius de Moraes e, antes que
o médico faça a aplicação de botox, declara: “Pode fazer
tudo, pode tirar tudo que eu tenho. Eu não quero ficar velha
nunca, Paulinho! Me ajuda, por favor… Ah! Eu quero ser
linda…”, Narcisa Tamborindeguy em cenas do 5o episódio
(15’00” a 16’15”).

“Eu sou advogada, formada, jornalista, me comunico


muito bem com as pessoas, gosto de falar, eu tenho isso com
o povo, o povo gosta de mim. Tá aí os meus dois livros, “Ai,
que loucura!”, “Ai, que absurdo!”, Narcisa Tamborindeguy
em cena do 1o episódio (05’00” a 05’15”)

O narcisismo é uma condição patológica em que há um


desvio da identidade do self para a imagem. Assim, enquanto
o normal seria uma preocupação saudável com a aparência,
o narcísico apresentaria uma obsessão com a imagem que
apresenta aos outros, pois a satisfação do sujeito provém
do olhar dos outros (LOWEN6, 1983 apud AZEVEDO,
20077apud VENTURA; PEDRO, 2010, p. 5)

Assim, seja pelas falhas dos objetos na satisfação das


necessidades narcísicas, seja pela excessiva satisfação, o
sujeito elabora defesas para lidar com a angústia de perda
da identidade sentida no contato com o real (FUKS, 20038
6 LOWEN, A. Narcisismo : negação do verdadeiro “self”. São Paulo : Círculo do Livro, 1983. p. 36.
7 AZEVEDO, S. Em busca do corpo perfeito : um estudo do narcisismo. Curitiba : Centro Reichiano, 2007.
8 FUKS, C. Transtornos narcísicos : considerações sobre a violência. In: ENCONTRO MUNDIAL DOS ESTADOS
GERAIS DA PSICANÁLISE, 2., 2003, Rio de Janeiro. [Anais...]. Rio de Janeiro, 2003.  

54 Caderno de Resolução de Problemas 2012


apud VENTURA; PEDRO, 2010)

Reproduzimos abaixo, ipsis literis, parte da Diagnostic


and Statistical Manual of Mental Disorders – Manual
estatístico e diagnóstico de doenças mentais (DSM-IV-
TR-2000) (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2000)
onde os nove critérios clínicos da perturbação narcísica da
personalidade podem ser identificados, sendo que cinco são
necessários para o diagnóstico positivo:

1.sentimentos grandiosos de auto-importância,


hipervalorização de suas capacidades e crença de que os
outros lhe atribuem o mesmo valor;

2. ruminação e preocupação com admiração, êxito, poder,


beleza, amor ideal ou privilégios que julgam merecer;

3. crença de que se é especial e único e que só os mais


inteligentes com cargos importantes ou estatuto elevado
conseguem compreendê-lo, por isso procuram unir-se e
manter contato com pessoas desse nível, evitando contato
com sujeitos comuns;

4. necessidade de admiração excessiva devido à fraca


autoestima, preocupando-se muito com o julgamento e opinião
dos outros (esperam ser recebidos com grande aparato e ser
alvo de inveja e, caso não o sejam, ficam surpreendidos);

5. sentimentos de ser reverenciado e tratamento especial


(por exemplo: assumem que não precisam de esperar numa
fila porque as suas prioridades são as mais importantes;
assumem que o seu trabalho é sempre o mais importante;
6. esperam grande dedicação dos outros e utilizam-
nas como meio para atingir os seus fins (por exemplo:
sobrecarregam os outros de trabalho sem pensar nos efeitos

Caderno de Resolução de Problemas 2012 55


que isso possa causar; iniciam relações amorosas apenas se
o outro estiver disposto a alimentar a sua autoestima e aceitar
as suas condições);

7. ausência de empatia e incapacidade de reconhecer


os pontos de vista dos outros (visível em comentários
desagradáveis e inapropriados), uma vez que assume que
os outros se preocupam e se concentram nele e apenas
reconhecem sentimentos e necessidades nos outros para os
rebaixar ou tornar visíveis as suas vulnerabilidades;

8. invejam os êxitos e posses dos outros e acreditam que os


outros também invejam a ele;

9. comportamentos arrogantes e atitudes altivas.

O comportamento das protagonistas com relação a


todos que a rodeiam, exemplifica ao longo dos vários
episódios situações em que as definições acima adequam-se
perfeitamente para descrevê-las. A possível exceção ficou por
conta de Débora Rodrigues, que mostrou mais comedimento
em suas atitudes, possivelmente por sua origem humilde,
embora isso não possa ser afirmado categoricamente.

Em cenas do 1o. episódio que retratam as preparações


para uma viagem a Angra dos Reis que duas participantes
irão fazer, é retratada a dependência de Val e Brunete em
relação aos empregados, onde, até mesmo arrumar as malas
é feito por eles com total vistoria das duas participantes,
demonstrando a total dependência, e ao mesmo tempo, o
poder explícito entre empregador e empregado.

Pode-se destacar a fala de Brunete em cena similar do


episódio 1, onde ela, ou melhor, seu empregado “precisa”
achar a sua boneca perdida, e diante da dificuldade do

56 Caderno de Resolução de Problemas 2012


empregado em encontrar a boneca, Brunete profere frases
como: “ Eu não quero saber”, “... você não vai pra faculdade
hoje enquanto você não achar minha Barbie”.

Há então uma relação narcísica nas duas cenas, onde


é usado o outro como meio para atingir seus fins egoístas,
demonstrando total ausência de empatia. Sobre o caso é
importante destacar:

Deste modo, um sujeito com personalidade


narcísica ou com traços narcísicos fortes constrói
relações na base do que delas pode obter, e crê que
o outro lhe dará grande dedicação e por isso tende
a sobrecarregá-lo de trabalho sem considerar o
peso que isso poderá causar. A única razão porque
o narcisista se volta para os outros é para utilizar
os seus defeitos e pontos fracos para conseguir se
sobressair e superiorizar. É muito comum, para esse
efeito, o sujeito narcísico projetar os defeitos que
não tolera como sendo seus, lançando-os para fora
de si como pertencendo aos outros (KERNBERG,
19759 apud SILVA, 200310 apud VENTURA;
PEDRO, 2010, p. 7).

A fala de Silva (2003), nos leva ainda a um pensamento


de Glenn Gabbord (apud HOLMES, 2001, p. 7), de que há
dois tipos de narcisistas, sendo um deles, os negligentes, que
são os que melhor se encaixam na demonstração de Brunete.
O narcisista negligente não compreende os sentimentos
dos outros, passa por cima deles com a sua egocêntrica
arrogância, é exibicionista e alimenta ideias de grandeza,
colocando o seu problema a frente dos demais, sem se
importar com o esforço que irá gerar ao outro para resolvê-
los, o que é comum nas cenas analisadas.

As protagonistas também demonstram um prazer muito grande


9 KERNBERG, O. F. La personnalite narcissique. In: KERNBERG, O. F. Borderline condition and pathological
narcissism. Paris: [s.n.], 1975.  
10 SILVA, S. O cristão e o narcisismo : “espelho, espelho meu : há alguém mais belo do que eu?”. Revista
Teologia Hoje, v. 1, n. 1, 2003.  

Caderno de Resolução de Problemas 2012 57


no consumo de itens de alto luxo e no exibicionismo exagerado:

Em cena do 1o episódio (07’49” a 12’23”) que retrata


a compra de um avião pela participante Val Marchiori, é
possível observar que a compra do avião é tratada de maneira
comum, como a própria participante diz: “Para mim é como
comprar uma roupa”. Porém esta normalidade é claramente
mascarada pela ostentação do luxo, onde a normalidade de
aquisição do produto vira uma particularidade e diferenciação
de classe social.

Como afirmam Arnold e Reynolds (200311 apud


MALDONADO; SALES; ALBUQUERQUE, 2010, p. 13)
existem motivações centrais na compra de um produto, que
vão além da serventia do objeto adquirido. Esta afirmação
remete ao status conferido à pessoa que adquire o produto
em relação com a sociedade que se apresenta.

De acordo com D’Angelo (200412 apud MALDONADO;


SALES; ALBUQUERQUE, 2010, p. 14) o consumo
“inadequado” é justamente uma série de comportamentos
como pouca cultura e exibicionismo. Veblen (197413 apud
MALDONADO; SALES; ALBUQUERQUE, 2010) citado no
mesmo texto chamaria isso de consumo conspícuo onde se
intenciona a exibição da riqueza e consome-se menos o objeto
em si do que o status social que ele confere ao proprietário.

Na referida cena é possível perceber que Val Marchiori


já possui um avião, porém o que possui não a agrada “por
não ir até Paris sem escalas”, um luxo, que teve um custo de
35 milhões de dólares, pagos sem qualquer preocupação,
o que se relaciona completamente à ostentação de bens
11 ARNOLD, Mark J.; REYNOLDS, Kristy E. Hedonic shopping motivations. Journal of Retailing, Greenwich, v.
79, n. 2, p. 77-95, 2003. 
12 D’ANGELO, André. Valores e significados do consumo de produtos de luxo. 2004. 209 p. Dissertação
(Mestrado em Administração) - PPGA/EA/UFRGS, Porto Alegre, 2004.
13 VEBLEN, T. H. Teoria de la clase. Ociosa. Mexico: FCE, 1974.

58 Caderno de Resolução de Problemas 2012


não necessários, direcionados apenas à satisfação de seu
hedonismo e desejos extravagantes.

Outro importante aspecto que influencia a compra


de produtos de luxo é a distinção social conferida pelo
seu uso (HETZEL, 200214 apud MALDONADO; SALES;
ALBUQUERQUE, 2010, p. 15) , neste contexto pode-se
observar: Qual parcela da população brasileira tem a
possibilidade de possuir um avião particular? Certamente
mínima, e por isso o poder de aquisição e, até mesmo, de
manutenção do que é adquirido, se torna algo distinto das
demais pessoas, que só a parcela mais rica da sociedade
tem, gerando assim o luxo e o status social.

5.4 Luxo e ostentação

“Luxo é tudo aquilo que o seu dinheiro pode te dar, da


melhor classe possível”, Lydia Leão Sayeg, em cena do 1o
episódio (26’33” a 26’43”).

“Luxo para mim é você poder comprar sem perguntar o


preço”, Val Marchiori, em cena do 1o episódio (00’50” a
00’55”).

“Mulheres assim como eu, eu acho que a gente perde


um pouco da noção do que é extravagância e do que não é
mais, não é? Eu tomo banho com rosas, eu tomo banho com
água mineral, como comida japonesa de roupa de gueisha
com meu marido na cama...”, Lydia Leão Sayeg, em cena do
1o episódio (14’18” a 14’32”).

“Eu aluguei uma Ferrari pra ele dar uma voltinha, sei
lá... Isso é extravagância? Não sei, isso é o nosso dia-a-
14 HETZEL, Patrick. La mise en scène de l´identité d´une marque de luxe sur son lieu de vente: l´approche expérientielle
dês magasins Ralph Laurent. Revue Française du Marketing, n. 187, p. 61-71, fev.  

Caderno de Resolução de Problemas 2012 59


dia...”, Lydia Leão Sayeg, em cena do 1o episódio (14’40”
a 14’50”).

“É claro que dá uma satisfação pessoal muito grande, é


muito bom você poder comprar, você poder ter o prazer de
escolher uma coisa e você poder comprar aquilo e usar aquilo.
Mas você vem me falar assim, o que isso vai mudar isso em sua
vida? Nada! Nada! Só vou andar no vermelho, só isso…”, Val
Marchiori, em cena do 5o episódio (23’43” a 23’58”, referindo-
se à cor do carro Bentley que acabou de comprar.

“Amo pedras, amo dinheiro, amo luxo, amo cores. Eu amo


tudo o que é bom, tudo que brilha!”, Lydia Leão Sayeg em
cena do 9o episódio (10’19” – 10’30”).

O comportamento humano é determinado, essencialmente,


pelo desejo que o impulsiona incansavelmente e sem qualquer
controle interno. A característica essencial do desejo humano
é sua imoderação e desmesura. O homem é insaciável e seus
desejos dirigem a tudo e sem qualquer controle. “Sendo os
apetites humanos insaciáveis, porque tendo por natureza o
poder e a vontade de desejar qualquer coisa e por fortuna
o poder de conseguir delas pouco, resulta continuamente em
um descontentamento no espírito humano, e um tédio das
coisas que se possuem” (MAQUIAVEL, 199615 apud AMES,
2008, p. 140) .

O desejo é a força que conduz as ações humanas e


desejamos tudo porque não somos completos como Deus.
Algo sempre nos falta. O desejo é particular e é exatamente
isso que coloca os homens uns contra os outros. O desejo
de um se coloca contra o desejo do outro, e os homens
disputam entre si não por serem maus, mas por serem rivais
na consumação de seus desejos (MAQUIAVEL, 199616 apud
15 MACHIAVELLI, Niccolò. Opere di Niccolò Machiavelli. Torino: UTET, 1996. v. 1, 2, 4.  
16 MACHIAVELLI, Niccolò. Opere di Niccolò Machiavelli. Torino: UTET, 1996. v. 1, 2, 4.  

60 Caderno de Resolução de Problemas 2012


AMES, 2008, p. 140) .

O consumo de artigos de luxo (do latim, lux = luz) pode ser


visto como necessário para um determinado grupo de pessoas,
assim como algo que agrada aos sentidos sem constituir-se
numa necessidade ou até mesmo supérfluo, um capricho.

O luxo está ligado ao que é raro, exclusivo e mais caro.


“Se estiver acessível à maioria das pessoas, deixa de ser
luxo” (GALHANONE, 200517 apud CAMPANHOLO;
BEVILACQUA, 2011, p. 2).

Aqueles que consomem luxo podem ser caracterizados


conforme critérios econômicos, sociológicos e psicológicos
(GALHANONE, 200518 apud CAMPANHOLO; BEVILACQUA,
2011, p.3). Segundo ele, dentre as motivações para o
consumo de bens de luxo estão:

• o desejo de ser único, exclusivo e diferenciado;

• o desejo de melhorar o autoconceito, projetando sucesso


e poder;

• o desejo de exteriorizar a própria personalidade;

• a necessidade de marcar a filiação a um grupo social


almejado;

• o hedonismo, desejo de estímulos aos sentimentos e


estados afetivos;

• prazer, excitação positiva dos órgãos dos sentidos;

17 GALHANONE, R. F. O mercado do luxo: aspectos de marketing. Rege: Revista de Gestão, São Paulo, p.
1-12, 2005.  
18 GALHANONE, R. F. O mercado do luxo: aspectos de marketing. Rege: Revista de Gestão, São Paulo, p.
1-12, 2005.  

Caderno de Resolução de Problemas 2012 61


• perfeccionismo, busca da qualidade e de desempenho
superior;

• motivação emocional ou de uma experiência excepcional


como compensação ou autoindulgência;

• desejo de marcar-se como elite.

O consumidor faz uso dos conteúdos culturais para encontrar


sua definição social e o indivíduo percebe sua própria vida
através dos objetos e produtos, já que seu uso ou exibição
contribui para a construção da personalidade.

É primordial reconhecer que a ascensão da sociedade


moderna se deu através da ideologia liberal, cuja marca é a
soberania do indivíduo e, consequentemente, do consumidor.
Os desejos, opções ou crenças são o que originam e dão
legitimidade social e direito irrevogável e intransferível do
consumidor, não sendo cabível qualquer tipo de julgamento
social sobre eles (SLATER, 2002).

Fica claro, portanto, que se a discussão do consumo exige


uma compreensão do ambiente sociocultural em que se
forma, torna-se, imperiosa, da mesma forma, uma análise do
sistema ideológico que a alimenta (D’ANGELO, 200419 apud
MALDONADO; SALES; ALBUQUERQUE, 2010) .

5.5 Consciência social

“Gente, o mundo tá muito louco, hein? Uns não têm nada


e outros com diamante no cabelo...”, Narcisa Tamborindeguy
em cena do 9o episódio (12’53” a 12’59”) ao visitar a
Joalheria Leão, de Lydia Leão Sayeg.

19 D’ANGELO, André. Valores e significados do consumo de produtos de luxo. 2004. 209 p. Dissertação
(Mestrado em Administração) - PPGA/EA/UFRGS, Porto Alegre, 2004.

62 Caderno de Resolução de Problemas 2012


“É muito difícil eu poder ter tudo e nem todo mundo poder
ter tudo e eu não lido muito bem com as injustiças sociais”,
Lydia Leão Sayeg em cena do 8o episódio (52’22” a 52’34”)
ao visitar a Casa Hope.

“A Cissi é um cachorro feliz que recebe todo o amor do


mundo, tem uma vida super confortável, ela é super cuidada
(...) vive melhor que muita gente, infelizmente...”, Brunete
Fraccarolli, em cena do 1o episódio (23’58” a 24’13”).

É notório que há um descaso de muitas pessoas da elite a


respeito da desigualdade social, porém essa atitude não pode
ser observada apenas como uma mera “despreocupação”,
pois se pode ver que existe um conhecimento da existência da
injustiça social, mas com seus desdobramentos e não com a
parte sistemática do problema, existindo muitos que atribuem
a desigualdade ao destino ou acaso.

Dejours (2006), contudo, afirma que a participação


consciente do sujeito em atos injustos é resultado de uma
atitude calculista em muitos casos. Buscando conservar seu
lugar, cargo, posição, salário e vantagens e não se prejudicar,
o sujeito precisa “colaborar”.

Também aponta a participação de pessoas que normalmente


não compactuam com esse tipo de conduta. Segundo o autor,
mais interessante é saber a razão dessas participações no
processo da injustiça social e não como isso ocorre.

Percebe-se em alguns poucos episódios que algumas


protagonistas demonstram não se sentir à vontade para
analisar sua própria situação comparada com a da imensa
maioria da população brasileira.

Caderno de Resolução de Problemas 2012 63


Para muitos, o luxo é questionável, pois
ao lado da imensa miséria humana está a
exibição do luxo que “ofende e escandaliza”.
A primeira impressão que se tem sobre o luxo
é: será que ele é necessário? (CASTARÉDE,
200520 apud MALDONADO; SALES;
ALBUQUERQUE, 2010).

Segundo Castaréde (200521 apud MALDONADO; SALES;


ALBUQUERQUE, 2010) “existem necessidades objetivas
(necessidade real) e necessidades subjetivas (desejo) e, no ato
da compra, tais noções se unem e desenvolvem a motivação
que impulsiona o processo.”

No mundo do consumo o sofrimento nem sempre é causado


pelo desejo, mas funciona como maneira de gerar superação,
auto-recompensa, felicidade e realização. A necessidade, por
outro lado, está presente no desejo, inclusive precedendo-o.
Não é fácil definir limites morais para a necessidade em
um mundo com tantas oportunidades e objetos, mas mesmo
pessoas de classes sociais menos favorecidas estão sujeitas
a se perguntar sobre quais são suas reais necessidades
(MALDONADO; SALES; ALBUQUERQUE, 2010).

Segundo Lipovetsky (200522 apud PORTUGAL, 2007, p.


53-54) o luxo é mais que um modo de ser, de viver, de fazer
ou mandar fazer. O luxo remete ao prazer, refinamento,
perfeição, da mesma maneira que à raridade e à apreciação
do que não é necessário.

5.6 O fator origem

“Meu avô, Olavo Saldanha, tinha uma bacia em Campos


e descobriu petróleo na fazenda dele. Foi o primeiro homem
que descobriu petróleo na sua própria fazenda. Meu pai foi
20 CASTARÈDE, J. O Luxo: os segredos dos produtos mais desejados do mundo. São Paulo: Barcarolla, 2005. p. 4.
21 CASTARÈDE, J. O Luxo: os segredos dos produtos mais desejados do mundo. São Paulo: Barcarolla, 2005. p. 4.
22 LIPOVETSKY, G.; ROUX, E. O luxo eterno: da idade do sagrado ao tempo das marcas. São Paulo: Companhia
das Letras, 2005.  

64 Caderno de Resolução de Problemas 2012


um grande senhor, foi engenheiro, foi deputado federal, fez
as estradas Rio-São Paulo... Morro de saudades dele porque
ele morreu eu tinha doze anos...”, Narcisa Tamborindeguy,
em cena do 1o episódio (05’40” a 06’00”).

“Minha família é uma família de origem muito boa, muito


digna, muito rafinada (sic)”, Narcisa Tamborindeguy, em
cena do 1o episódio (06’12” a 06’15”).

“Eu nasci num berço de ouro, literalmente! Ser rico é


maravilhoso, gente! Ser rico é uma delícia, é uma benção!
Eu acho que todo mundo tem que almejar ser rico...”, Lydia
Leão Sayeg, em cena do 1o episódio (13’11” a 13’24”).

“Eu nasci nos Jardins, numa família muito rica. Meu


apartamento é uma delícia. Comecei com ele quase sem
móveis porque eu dançava só tango e gafieira. Eu só coloco
peças que eu gosto e eu modifico meu apartamento toda
semana”, Brunete Fraccarolli, em cena do 1o episódio
(22’06” a 22’20”).

Segundo Ariès (1975) a ideia de linhagem surgiu no século


X com a aproximação das pessoas com laços de sangue,
uma vez que o Estado havia se dissolvido. Foi uma ideia
primeiramente de proteção individual através da família.

Ariès afirma ainda que os nobres tinham a ideia de linhagem


como resposta para a dissolução do Estado, enquanto os
camponeses tinham a ideia de aldeia, ou seja, de união com
vizinhos ou amigos.

Esse sentimento de fazer parte de um grupo específico vem


desde o século X e é essencial no conjunto de ideias daqueles
que se veem como diferentes e buscam, na distinção,

Caderno de Resolução de Problemas 2012 65


reafirmarem-se como especiais.

De acordo com esse modo de ver, a aquisição de produtos


de moda e artigos de luxo auxiliam o sujeito a criar uma
identidade própria, diferenciando-se dos que não fazem
parte de seu grupo social e a inserir-se no grupo social
do qual pretende fazer parte (MALDONADO; SALES;
ALBUQUERQUE, 2010)

5.7 Discussão Geral e Considerações Finais

O presente projeto restringe-se ao campo das cinco mulheres


participantes do programa e não pode ser considerado como
representativo das visões de mundo do resto das mulheres
ricas brasileiras.

Ao longo dos episódios do programa assistimos a


demonstrações de extravagância, ostentação e narcisismo
apimentadas por todo tipo de comentários maliciosos, de
gosto duvidoso e ficamos impressionados com a grande
quantidade de futilidades e a estreiteza de raciocínio e visão
apresentadas.

Num país em que as desigualdades sociais estão colocadas


de maneira escancarada, a falta de sensibilidade às mesmas
demonstrada pelas protagonistas do programa é sintomática e
parece explicar de maneira sintética a cruel realidade observada.
Apesar de utilizar explicações clássicas para justificar o
consumo exagerado, a protagonista Lydia Leão Sayeg não
consegue nos convencer de sua sinceridade de propósitos,
mesmo quando denota mal estar diante da desigualdade social.

Da mesma forma, ao nos depararmos com situações


como a compra do avião pela protagonista Val Marchiori,

66 Caderno de Resolução de Problemas 2012


fica difícil estabelecer como esse ato se relaciona à ideia de
circulação de capital com propósitos sociais, demonstrando -
de forma alarmante – a irrelevância de valores monetários, em
contraponto à representação simbólica contida nos objetos e
na própria possibilidade do consumo de artefatos de altíssimo
luxo exibida de maneira explícita pela protagonista.

A necessidade de exibicionismo, ostentação, hedonismo,


parece ser uma característica tipicamente presente em
indivíduos da classe rica emergente que têm de sentirem-se
pertencentes a uma classe privilegiada e para demonstrar
sua capacidade para tal, precisa consumir artigos de luxo
sem limites e sem qualquer preocupação com a realidade do
restante da sociedade brasileira, da qual faz parte.

Narcisa Claudia Saldanha Tamborindeguy procurou


enfatizar de modo bastante claro sua origem nobre, como
descendente direta dos Saldanha, tradicional família da
alta aristocracia portuguesa, apresentando um tipo de
necessidade narcísica diferente da evidenciada pela classe
rica emergente.

Esse outro tipo de narcisismo foi visto nas cenas em que


a protagonista Narcisa demonstra apreciar sobremaneira o
tratamento diferenciado que afirma que os outros devem a ela
conceder: ao chegar em qualquer lugar, ela tem a necessidade
de sentir-se reverenciada e como foco das atenções, além de
ser tratada como uma rainha.
Outras demonstrações de comportamento narcísico
explícito foram feitas pela protagonista Brunete Fraccarolli
que, ao longo dos episódios, apresentou atitudes autoritárias
perante seus subordinados, ao mesmo tempo em que deixou
patente sua extrema dependência.

Ao projetar seu desejo de juventude em uma boneca

Caderno de Resolução de Problemas 2012 67


Barbie feita em sua homenagem, juntamente com posições
arrogantes, obsessão por um amor ideal e outras, evidenciou
outros traços distintivos do diagnóstico de narcisismo.

De todas as participantes do programa, acreditamos que


a que menos apresentou comportamentos exagerados ou
extravagantes ao extremo, tenha sido Débora Rodrigues.
Ao longo dos episódios ela demonstrou entender a situação
privilegiada em que vive, mas isso não impediu que tivesse
algumas demonstrações eventuais de exageros, tais como na
compra de uma moto de noventa mil reais que a participante
definiu como o “preço de um carro popular”.

Apesar de deslizes como esse, ficou evidenciado que sua


origem humilde foi explorada pelas outras participantes de
maneira discriminatória, gerando um estigma que a marca
como “indigna” de pertencer à alta classe e, de certa forma,
sua participação em eventos sociais e situações envolvendo as
outras protagonistas sempre foi acompanhada de comentários
preconceituosos.

Embora todos nós possamos, em um momento ou outro


assumir algumas posições que se adequariam às definições
de narcisismo apresentadas, geralmente não preenchemos
os requisitos mínimos de 5 características necessárias para o
diagnóstico positivo. É impressionante, contudo, como é fácil
notar a adequação do diagnóstico para definir 4 dentre as 5
mulheres do programa (exceção da Débora Rodrigues).

A falta de empatia, entretanto, mostrou-se como uma


característica comum a todas as protagonistas, demonstrando
sua dissociação da realidade brasileira. Uma situação
mostrada no programa que ilustra claramente esse fato foi o
leilão beneficiente promovido pela Casa Hope, mostrado no
episódio 9, em que uma jóia que tinha lance inicial em oitenta

68 Caderno de Resolução de Problemas 2012


mil reais foi arrematada ao valor mínimo pelo apresentador
do leilão, Roberto Justus, importante empresário do ramo
publicitário. Nenhuma das mulheres presentes ao leilão
apresentou qualquer oferta maior pela peça.

Brunete Fraccarolli argumentou que a joia teve lance


inicial “muito alto” e, por isso não houve outras ofertas.
Contrapondo opiniões diferentes apresentadas ao longo dos
episódios, como a de Val Marchiori ao dizer que os trinta e
cinco milhões de reais colocados como preço pelo avião que
pretendia comprar “não eram nada”, fica bastante evidente
a real importância que as ações sociais representam para
aquelas mulheres.

De uma forma simbólica e sem o uso de interpretações


ou argumentações mais profundas, as atitudes e opiniões
apresentadas pelas cinco mulheres ilustraram de forma
bastante explícita a realidade das relações entre algumas
pessoas que têm o poder econômico perante a realidade
daquelas que participam de seu cotidiano.

Esperamos que esse trabalho sirva como base para estudos


e discussões complementares que melhorem e aprofundem
o conhecimento sobre a desigualdade social brasileira,
suscitando nas pessoas uma postura mais crítica, mesmo no
simples ato de assistir a um programa de TV como o retratado.

Caderno de Resolução de Problemas 2012 69


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72 Caderno de Resolução de Problemas 2012


A Copa do Mundo de 2014 e a questão da
moradia na região do Polo
Institucional Itaquera

Beatriz Aparecida Burin


Débora Hara
Deborah Borges Viana
Isabela Andrade
Isabela Bastelli Pagnan
Isadora Ortegosa
Rafael Bragato Santos

Tutora: Profa. Regina Maura de Miranda

Caderno de Resolução de Problemas 2012 73


Agradecimentos

Agradecemos primeiramente a nossa orientadora Profa.


Dra. Regina Maura de Miranda por nos ter guiado durante
toda a realização do trabalho. Ao Prof. Dr. Fernando de
Souza Coelho, Prof. Dr. Reinaldo Tadeu Boscolo Pacheco e
a Profa. Dra. Ariane Machado Lima por nos terem avaliado
e aconselhado para que pudéssemos dar continuidade ao
trabalho de uma maneira melhor. A Bárbara Fernandes
Pereira - assessora de imprensa da Prefeitura de São Paulo -
assim como Lisandro Frigério - técnico de obras da Prefeitura
de São Paulo - por nos terem cedido materiais que foram
muito úteis para a composição deste. E a Verônica Gonçalves
e Carla Santiago - assessoras de imprensa da Secretaria
de Habitação - Juliana Machado – integrante do Comitê
Popular da Copa/Comunidades Unidas e ao Movimento
Comunidades Unidas por terem gentilmente nos concedido
informações relevantes para a realização de nosso trabalho.

74 Caderno de Resolução de Problemas 2012


Resumo

O presente trabalho visa analisar o direito à moradia e a


questão das possíveis desapropriações na região da Zona
Leste da cidade de São Paulo, onde será construído o Polo
Institucional Itaquera, que conterá o estádio que sediará a
abertura da Copa do Mundo de 2014. Para uma análise
mais profunda e uma maior compreensão dos fatos, foram
realizadas entrevistas com membros da Prefeitura e de
movimentos populares e coletadas informações relevantes
para o desenvolvimento do trabalho.

Com o estudo dos dados obtidos, observou-se que estão


ocorrendo desapropriações nas regiões que circundam o Polo
Institucional Itaquera, porém, devido a grande parcialidade
das fontes, não se pode afirmar ao certo a real quantidade
de famílias afetadas e também a forma como será feita a sua
realocação.

Palavras-chave: Polo Institucional Itaquera, Copa do Mundo,


moradia, desapropriações.

Caderno de Resolução de Problemas 2012 75


Lista de Figuras

Figura 1 - Polo Institucional Itaquera: obras previstas no


projeto

Figura 2 - Comunidades que estão próximas ao Polo


Institucional Itaquera e que correm risco de
remoção

Figura 3 - Percurso negativo percorrido pela maioria dos


moradores da Zona Leste quando precisam utilizar
as rodoviárias da cidade

Figura 4 - Imagem aérea da região do Polo Institucional


Itaquera (Google Earth)

76 Caderno de Resolução de Problemas 2012


Sumário
1 Introdução ............................................................................... 78
2 Justificativa .............................................................................. 82
3 Objetivos ................................................................................. 83
4 Revisão bibliográfica .............................................................. 83
5 Metodologia ............................................................................ 88
6 Resultados e discussão ......................................................... 90
7 Considerações finais ................................................................ 92
Referências .............................................................................. 94
Glossário ................................................................................. 98

Apêndice A – Entrevista com Lisandro Frigério, técnico da


Prefeitura de São Paulo, responsável pelo Projeto
do Polo Institucional Itaquera .......................... 99

Apêndice B – Transcrição de entrevista – Entrevista com o Comitê


Popular da Copa ................................................. 103

Apêndice C – Entrevista com a Secretaria de Habitação do


Estado de São Paulo ....................................... 107

Apêndice D – Ata da reunião ordinária do Movimento


Comunidades Unidas ........................................ 114

Anexo A – Imagem aérea do Polo Institucional Itaquera ....... 116

Caderno de Resolução de Problemas 2012 77


1 Introdução

A Copa do Mundo de Futebol da Fédération Internacionale


de Football Association (FIFA) iniciou-se em 1928 e foi
criada pelo francês Jules Rimet, após ter assumido um cargo
na instituição, sendo seu principal objetivo criar um evento
internacional de futebol. A realização do primeiro evento foi
em 1930, no Uruguai, onde três equipes foram convocadas.

O número de equipes e formato final de cada campeonato


varia conforme o passar dos anos, hoje são necessárias 200
equipes. A proposta é a ocorrência do evento de quatro
em quatro anos, porém, após a Copa de 1938, houve uma
paralisação de 12 anos devido à Segunda Guerra Mundial,
sendo retomada em 1950 não sofreu mais interrupções. A de
2014 será realizada no Brasil.

Em 2009, com a escolha do Brasil como sede da Copa do


Mundo de 2014 houve uma grande euforia em todo o país,
pois, além do futebol ser “uma paixão nacional”, envolve
projetos de desenvolvimento econômico e social. Entretanto
é necessário todo um planejamento da sociedade civil e dos
setores público e privado para acolher e realizar o evento
mediante as exigências da FIFA. O torneio possibilita a
melhoria de bens públicos como a ampliação dos aeroportos,
investimentos em segurança, melhoria nas estradas e

78 Caderno de Resolução de Problemas 2012


transportes públicos e investimentos na rede hoteleira, além da
geração de empregos e crescimento da economia brasileira
devido ao fluxo de turistas e movimentações de pessoas no
país durante o evento. Acredita-se também que a melhoria em
infraestrutura será utilizada pela população no pós-evento,
melhorando a qualidade de vida dos moradores e usuários
dos bens públicos.

Existe uma forte preocupação a respeito da corrupção e


o mau uso do dinheiro público para investimentos em obras
de infraestrutura, além do possível atraso das obras, o risco
de permanecerem inacabadas e também as desapropriações
e desocupações das moradias em regiões que receberão as
novas obras. O tema a ser discutido no trabalho é a questão
dos direitos humanos relacionados ao direito à moradia e às
desapropriações na região do Polo Institucional de Itaquera,
que foi desenvolvido no ano de 2006 pela Prefeitura da
Cidade de São Paulo. No local está sendo construído o estádio
do Corinthians que sediará a abertura da Copa do Mundo de
2014 e tem a possível finalidade de desenvolver a região da
Zona Leste de São Paulo por meio de construções voltadas
para a educação, qualificação profissional, lazer, transporte,
segurança e bem-estar da população. Além da construção
do estádio-sede estão inclusos no projeto: Fórum, Rodoviária,
Faculdade de Tecnologia (Fatec), Escola Técnica (Etec), Serviço
Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) , Centro de
Convenções e Eventos, Batalhão da Polícia Militar, Obra
Social Dom Bosco, Incubadora e Laboratórios para o Parque
Tecnológico da Zona Leste (Prefeitura de São Paulo) (Figura 1).
A imagem aérea da região encontra-se no anexo A.

Caderno de Resolução de Problemas 2012 79


(Fonte: http://rumoaitaquera.blogspot.com.br/2011/05/conheca-o-projeto-itaquera-2014.html)

Figua 1 - Polo Institucional Itaquera: obras previstas no projeto

80 Caderno de Resolução de Problemas 2012


Uma pesquisa sobre o histórico dos Megaeventos revelará
uma relação bastante próxima entre estes e as questões
acerca do direito à moradia. De acordo com Broudehoux
(2010), professora na Universidade de Quebec, Montreal,
que estuda os temas dos grandes eventos internacionais,
mais especificamente, as estratégias de um novo tipo
de planejamento das cidades que foram eleitas para a
competição - “um dos meios mais eficazes para intensificar
a imagem mundial de uma cidade é sediar eventos globais
(...). Ser palco de eventos (...) aumenta a visibilidade global
(...) permitindo aos governos locais alterar prioridades na
agenda urbana sem o escrutínio público a que normalmente
estão sujeitos.”.

A região Leste da cidade é considerada a mais precária


de todas, muito populosa, com aproximadamente 4 milhões
de habitantes e cerca de 524 mil na sub-região Itaquera
com uma área de 55km², conhecida como um bairro-
dormitório. Há um déficit de transporte, serviços na área da
saúde, educação, segurança e mobilidade social e por este
motivo, seus moradores migram todos os dias para a região
Central para trabalhar e em busca de serviços públicos. Essa
é a principal razão pela qual a Zona Leste foi escolhida
para ser a região que sediará alguns dos jogos da Copa
do Mundo. Em suma, acredita-se que com isso haverá um
maior desenvolvimento da região e melhorias de setores já
deficientes e pelos próximos três anos o mundo voltará seus
olhos para este local carente em vários serviços e facilidades
públicas essenciais para todo ser humano.

Como dito acima, o escopo da pesquisa é a análise das


possíveis desapropriações e desocupações que poderão
ocorrer nos arredores do novo estádio do Corinthians - e
que faz parte do Polo Institucional de Itaquera – e quais as
políticas de moradia que serão implementadas.

Caderno de Resolução de Problemas 2012 81


2 Justificativa

Muito além da paixão nacional pelo futebol e do despertar


do sentimento patriótico, a importância de se estudar um
grande evento, como a Copa do Mundo de 2014, se explica
pela grande mobilização da economia; por ser um evento em
escala mundial, no qual ocorrem investimentos na infraestrutura
do país sede que resulta em supostas melhorias à população
(geração de empregos, construção de grandes via de acesso,
aprimoramento dos meios de transporte públicos, reforço na
segurança). Juntamente com todas essas mudanças trazidas
pelo evento para o país, existem, “nos bastidores”, alguns
problemas, entre eles, a questão da moradia e habitação. A
mídia tende a mostrar, com mais enfoque, a parte ligada ao
entretenimento e diversão em detrimento às questões sociais e
a população que pode ser prejudicada pelo evento.

82 Caderno de Resolução de Problemas 2012


3 Objetivos

O objetivo principal deste trabalho foi estudar a região da


Zona Leste de São Paulo onde está sendo construído o Polo
Institucional Itaquera, obra relacionada ao evento da Copa do
Mundo de 2014, a fim de averiguar se estavam acontecendo
desapropriações e, em caso positivo, se ocorreram de forma
adequada respeitando os Direitos Humanos e as leis referentes
às questões habitacionais.

4 Revisão Bibliográfica

Os megaeventos esportivos, até aproximadamente 1930,


não alteravam a paisagem urbana. Depois da segunda
Guerra Mundial, o movimento esportivo ganhou uma força
sem precedentes, atraindo o apoio dos governos no marco
do esporte como meta social, incluída a construção de
infraestrutura pública para os esportes e a promoção das
atividades esportivas (MASCARENHAS, 2008). Em 1980,
o Comitê Olímpico Internacional adotou uma filosofia de
incorporar progressivamente o setor privado na promoção
dos jogos. Nos anos 1990, tornou-se hegemônica a prática
de organização de megaeventos como componentes do
planejamento urbano estratégico, com vistas a melhorar
a posição destas cidades na economia globalizada. A

Caderno de Resolução de Problemas 2012 83


realização de jogos internacionais como estratégia de
desenvolvimento econômico, que inclui a renovação da
infraestrutura urbana e o investimento imobiliário, se converteu
no enfoque contemporâneo dos megaeventos por parte das
cidades e dos Estados (OLIVEIRA, 2009).

Os megaeventos podem ser uma oportunidade para


consolidar o direito à moradia adequada. Os processos
de reabilitação que se põem em marcha para preparar os
megaeventos podem promover melhoras infraestruturais
e ambientais nas cidades anfitriãs. Porém, uma vasta
experiência demonstrou que os projetos de reabilitação
adotados para os jogos frequentemente dão lugar a violações
generalizadas dos direitos humanos, particularmente do
direito à moradia adequada. Nas cidades que organizam os
eventos, são frequentes as denúncias de expulsões e despejos
forçados massivos para ceder espaço ao desenvolvimento da
infraestrutura e a renovação urbana (ROLNIK, 2010).

As expulsões e despejos forçados são características


comuns dos preparativos dos megaeventos. O aumento
da demanda por espaço para construir locais esportivos,
alojamento e vias públicas se canaliza mediante projetos de
reabilitação urbana que frequentemente tornam necessária a
demolição de moradias existentes e a abertura de espaços
para novas obras. Em muitas oportunidades, os despejos são
acompanhados de violência, ameaças e agressões contra os
moradores. Geralmente se argumenta com a urgência dos
prazos para justificar os despejos perturbadores e violentos
e a inobservância dos direitos das comunidades afetadas
(ROLNIK, 2010).

Muitas pessoas já foram afetadas devido às obras


esportivas: em Seul, 15% da população sofreu despejos
forçados e se demoliram 48 mil edifícios antes dos Jogos

84 Caderno de Resolução de Problemas 2012


Olímpicos de 1988 (GREENE, 2003). Em Barcelona,
desalojaram-se 200 famílias com a finalidade de dar lugar à
construção de novos anéis viários antes dos Jogos Olímpicos
de 1992; em Beijing, nove projetos relativos a construção do
local exigiram o reassentamento dos moradores, realizados
às vezes por homens não identificados no meio da noite e
sem aviso prévio (BEIJING, 2008). Em Nova Delhi, 35 mil
famílias foram desalojadas de terras públicas para preparar
os Jogos da Commonwealth de 2010; em Londres, a ordem
de expropriação emitida para a organização dos Jogos
Olímpicos de 2012 obrigou os residentes a abandonar os
distritos olímpicos (CENTRE ON HOUSING RIGHTS AND
EVICTIONS, 2007). Na África do Sul, houve a remoção de
mais de 20 mil moradores do assentamento informal de Joe
Slovo, que se realocaram em áreas pobres nos limites da cidade
(NEWTON, 2009). Ainda citando o que ocorreu na África do
Sul, Juca Kfouri, jornalista esportivo brasileiro, comenta:

“Uma das situações mais angustiantes


que eu vi na vida foi a tal cidade de
lata. Era o local para onde foram
levadas aproximadamente 4 mil famílias
desalojadas para a construção de um dos
estádios mais lindos que existe no mundo
que é o Green Point. O governo africano
prometeu que seriam casas provisórias,
mas até hoje eles estão lá vivendo em
condições deploráveis”.

Caderno de Resolução de Problemas 2012 85


Ermínia Maricato, professora da Faculdade de Arquitetura
e Urbanismo da USP, afirma:

“Infelizmente, temos de admitir que


a elite brasileira não quer que os
trabalhadores fiquem na cidade. Durante
o dia, os trabalhadores podem ficar
na cidade oferecendo sua mão-de-
obra, mas depois a elite quer que eles
desapareçam, porque eles não querem
cuidar da habitação e educação dos
trabalhadores, nem do transporte que
é uma situação de calamidade para
qualquer cidade brasileira” (OBSERVATÓRIO
DAS METRÓPOLES, 2011).

De acordo com ela, o país está em uma situação positiva


frente à economia mundial, pois possui o sexto maior PIB
do mundo, e, contraditoriamente, enfrenta condições
sociais deploráveis.

O direito a moradia adequada está presente na Declaração


Universal dos Direitos do Homem de 1948 (ratificada pelo
Brasil em 10.12.1948), in verbis:

Artigo XXV: I) Todo o homem tem direito a um padrão de


vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem
estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados
médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à
segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez,
velhice ou outros casos de perda de meios de subsistência em
circunstâncias fora de seu controle.

86 Caderno de Resolução de Problemas 2012


A mesma característica pode ser encontrada no Pacto
Internacional de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais
(ratificado pelo Brasil em 24.04.1992 - Decreto Federal n.
591, de 06 de julho de 1992):

Artigo 11 (1): “Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem


o direito de toda pessoa a nível de vida adequado para si
próprio e sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e
moradia adequadas, assim como a uma melhoria contínua de
suas condições de vida. Os Estados Partes tomarão medidas
apropriadas para assegurar a consecução desse direito,
reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da
cooperação internacional fundada no livre consentimento.”

O Comitê das Nações Unidas de Direitos Econômicos,


Sociais e Culturais, que se tornou o principal instrumento
de interpretação do direito à moradia adequada,
expressamente afirma que “o procedimento utilizado
em litígios relativos à moradia não pode deixar os
desalojados na condição de sem-teto, ou em situação
de vulnerabilidade com relação aos direitos humanos,
devendo os Estados signatários providenciar todas
as medidas necessárias para ofertar uma moradia
alternativa, o reassentamento ou o acesso à terra
produtiva”(item 16) (BRITTO; MENDES, 2011).

A literatura e a experiência jurídica nacional e internacional


indicam de maneira inequívoca que a principal garantia do
pleno exercício dos direitos humanos está na presença de uma
sólida organização da sociedade civil, informada e vigilante.
(...) O Brasil é signatário da Convenção Americana de Direitos
Humanos (Pacto de San José da costa Rica) que garante em seu
art. 23.1, o direito à participação de todo e qualquer cidadão
nos negócios públicos, em qualquer situação. Especificamente
no contexto de realização de megaeventos esportivos, a

Caderno de Resolução de Problemas 2012 87


Resolução n. 13/2010 do Conselho de Direitos Humanos da
Organização das Nações Unidas, conclama igualmente seus
Estados- parte a “c) garantir total transparência nos processos
de planejamento e implementação e a efetiva participação
das comunidades locais afetadas em tais processos”.
(ARTICULAÇÃO NACIONAL DOS COMITES POPULARES DA
COPA, 2011).

Em suma, os megaeventos são percebidos como


uma estratégia deliberada de crescimento econômico e
social, calcada num arcabouço teórico que sustenta que
a concentração de investimentos nas cidades produzirá
efeitos de transbordamento para o restante do País. Posto
desta forma, o desdobramento natural é verificar, na
experiência internacional, os resultados obtidos com políticas
governamentais dessa natureza.

5 Metodologia

O presente trabalho trata-se de uma pesquisa qualitativa, que


normalmente prevê a coleta dos dados a partir de interações
sociais do pesquisador com o fenômeno pesquisado, e uma
pesquisa descritiva, pois busca descrever uma realidade sem
nenhuma intervenção (APPOLINÀRIO, 2006).

A população em estudo é composta pelos moradores da


região da Zona Leste de São Paulo afetadas pela construção
do Polo Institucional Itaquera. A amostra selecionada para a
elaboração do trabalho foi obtida através de amostragem não-
probabilística, que não é ligada à teoria das probabilidades,
sendo utilizados os métodos por conveniência, onde os
sujeitos são escolhidos para compor a amostra de acordo com
a conveniência e a facilidade do pesquisador, e método de
bola de neve (snowball), no qual os sujeitos são selecionados

88 Caderno de Resolução de Problemas 2012


de forma intencional ou de acordo com a conveniência do
pesquisador, indicando outros para integrar a amostra.
(APPOLINÀRIO, 2006).
Foram utilizados roteiros de entrevista com questões abertas
e materiais como gravador, imagens e mapas. Os contatos
com os entrevistados foram realizados, inicialmente, via e-mail
e, posteriormente, entrevista por áudio por meio da Internet
e presenciais. O trabalho foi baseado em três entrevistas, a
participação em reunião com grupos envolvidos na questão e
em documentos que abordaram o problema, além de artigos
jornalísticos, que foram utilizados devido à escassez de
informações a respeito do tema.

A primeira entrevista foi realizada com o assessor técnico


de Operação Urbana da Prefeitura de São Paulo, Lisandro
Frigério, realizada na sede do órgão. A entrevista foi feita com
questões abertas e os materiais utilizados foram um gravador
de áudio e o mapa do projeto do Polo Institucional Itaquera.
A segunda entrevistada, Juliana Machado, integrante do
Comitê Popular de São Paulo, foi questionada por meio de
entrevista audiovisual via Internet com questões abertas no dia
16 de maio de 2012. A terceira entrevista foi realizada com
Verônica Gonçalves, assessora de imprensa da Secretaria
de Habitação da Cidade de São Paulo, com questionário
baseado em perguntas abertas via e-mail.

Foi realizada uma reunião presencial com membros do


movimento Comunidades Unidas, que é composto por
moradores da região afetada pelas obras do Polo Institucional
Itaquera e pesquisadores que estudam o assunto, onde
explicaram seus objetivos e forneceram um informativo a
respeito dos fatos decorrentes até o mês de junho de 2012.

Como forma de evitar o mau uso das informações na realização


das pesquisas os envolvidos e entrevistados foram previamente

Caderno de Resolução de Problemas 2012 89


informados que elas possuíam apenas fins acadêmicos.

Para a elaboração deste trabalho foram realizadas reuniões


presenciais semanais todas às quartas-feiras e contato virtual
entre os membros do projeto.

6 Resultados e Discussão

De acordo com a entrevista feita com Lisandro Frigério,


técnico responsável pelo Projeto, a execução da obra tem
por objetivo a construção do Polo Institucional Itaquera em
glebas ociosas e estrategicamente bem localizadas na região
da Zona Leste de São Paulo, ou seja, na região de construção
do Polo não haverá desapropriações, convergindo com as
informações cedidas por Juliana Machado, integrante do
Comitê Popular da Copa. Porém, mesmo que não esteja
havendo desapropriações por causa da construção do Polo
em si, vias de acesso estão sendo construídas para um
melhor fluxo de veículos e estas, segundo Lisandro, apenas
desalojariam “três casinhas”. Por outro lado, o Comitê
estima que o número de desapropriações seja superior. A
imagem abaixo mostra que muitas regiões próximas ao
Polo Institucional Itaquera correm risco de remoção devido a
construção dessas vias de acesso (Figura 2).

90 Caderno de Resolução de Problemas 2012


(Fonte: http://rumoaitaquera.blogspot.com.br/2012/04/obras-no-bairro-de-itaquera-para-copa.html)

Figura 2 - Comunidades que estão próximas ao Polo Institucional Itaquera e que correm risco
de remoção

A primeira violação ocorrida no projeto, segundo o


Comitê Popular da Copa, é o descumprimento do Tratado
Internacional, que garante o direito à informação e à
participação da população na definição desses projetos,
relacionado ao direito de moradia digna, no qual o Brasil
é signatário. A falta de acesso à informação sobre possíveis
desapropriações é usada como tática do Estado para conter
possíveis movimentações populares, sendo ratificado tanto
pelo Movimento Comunidades Unidas quanto pelo Comitê
Popular da Copa.

Caderno de Resolução de Problemas 2012 91


Segundo a Secretaria Municipal de Habitação, as políticas
de realocações buscam respeitar os laços sociais e de
trabalho que as pessoas estabelecem com o lugar onde vivem,
tentando assim mantê-las próximas ao seu local de origem. Em
contrapartida, o Comitê Popular da Copa afirma que uma das
políticas habitacionais em São Paulo é de levar as pessoas
para locais distantes e periféricos, nas quais não existem
condições mínimas de infraestrutura como transporte, saúde
e educação, quebrando os vínculos sociais dessas famílias.

No discurso do Comitê Popular da Copa destaca-se a


informação de que o valor da indenização oferecida pela
prefeitura para as famílias que seriam desalojadas varia
de 3 a 5 mil reais, sendo esse o único ressarcimento que
essas famílias terão por deixarem suas casas. Afirmam ainda
que as famílias não têm a opção de recusar a solicitação
do governo, uma vez que existem suposições de opressões
e ameaças feitas por pessoas contratadas por terceiros,
denominados jagunços, que usam da força para impedir que
as famílias manifestem reações contrárias à imposição, como
uma possível recusa de deixarem o local.

7 Considerações finais

De acordo com as informações apresentadas no presente


trabalho, é possível perceber que há uma divergência de
versões dadas pelos funcionários da Prefeitura de São Paulo
e moradores da região próxima ao local onde está sendo
construído o Polo Institucional Itaquera.

A dificuldade de obtenção de informações por parte dos


órgãos públicos, como a custosa busca por representantes da
Prefeitura além de inúmeras tentativas fracassadas de contato
com a Secretaria de Habitação, fornece indícios de que existe

92 Caderno de Resolução de Problemas 2012


uma omissão de informações acerca do assunto.

Devido a divergência de versões e a dificuldade de acesso


às informações, subentende-se que ações irregulares estejam
realmente acontecendo, como, por exemplo, a remoção
indevida de moradores da região em foco.

A continuidade dessa pesquisa se daria a partir da obtenção


de uma posição mais sólida da Secretaria de Habitação,
verificação da credibilidade das informações coletadas
devido aos dados obtidos serem extremamente parciais, e
investigação dos possíveis legados sociais e/ou econômicos
das obras para a população local.

Caderno de Resolução de Problemas 2012 93


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Caderno de Resolução de Problemas 2012 97


Glossário

Gleba: sf (lat gleba)1 Terreno de cultura, torrão.2 Qualquer


porção de terra.3 Terreno feudal a que os servos
estavam adstritos.4 Terreno que contém mineral.

Solapamento: sm (solapar+mento2) 1 Ação ou efeito de solapar;


2 escavação.

98 Caderno de Resolução de Problemas 2012


Apêndice A - Entrevista com Lisandro Frigério,
técnico da Prefeitura de São Paulo,
responsável pelo Projeto do Polo
Institucional Itaquera

Data: 09 de Abril de 2012


Local: Prefeitura da Cidade de São Paulo, Rua São Bento,
405, 22º andar, sala da imprensa 223A

De acordo com Lisandro Frigério, a construção do


Polo Institucional Itaquera visa a urbanização de glebas
bem localizadas da Prefeitura e que estavam ociosas na
região da Zona Leste de São Paulo. Essa região possui
como características uma alta concentração de moradias –
aproximadamente 4 milhões de habitantes -, baixa oferta de
empregos e presença de muitas famílias de imigrantes.

Lisandro citou que as construções previstas pelo Projeto são:


Estádio de futebol do Corinthians, Centro de Convenções e
Eventos, Obra Social Dom Bosco, Parque Tecnológico, Fatec,
Etec, Fórum, Rodoviária, Batalhão da Polícia Militar e Senai.

A construção das unidades da Fatec, Etec e Senai visam


a formação e a capacitação profissional dos moradores da
região. Essa iniciativa almeja aumentar o número de empregos
oferecidos na Zona Leste, evitando, assim, o deslocamento
diário dos habitantes dessa para outras regiões da cidade.

Caderno de Resolução de Problemas 2012 99


Sobre a Rodoviária, Lisandro explicou que, além de facilitar
o deslocamento das pessoas por estar próxima das linhas
do Metrô e da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos
(CPTM), evitará o percurso negativo (Figura 3) das pessoas
que moram na região, mas, principalmente, dos imigrantes.
Como essa parte do projeto não é de responsabilidade da
Prefeitura, Lisandro não soube informar se a Rodoviária ficará
pronta até 2014.

Figura 3 - Percurso negativo percorrido pela maioria dos moradores da Zona Leste quando
precisam utilizar as rodoviárias da cidade.

Com relação ao Estádio de futebol do Corinthians, o técnico


citou que a área já havia sido doada ao clube nos anos 1980
e, para que a obra se realizasse, o Governo e a Prefeitura

100 Caderno de Resolução de Problemas 2012


concederam incentivos fiscais ao clube. Lisandro confirmou
que esse projeto será entregue antes da Copa.

Com relação ao andamento das obras do Polo, Lisandro


explicou que a maior parte do projeto só poderá ser realizada
após o evento da Copa do Mundo, pois uma das regras que a
FIFA impõe aos países-sede é que não haja obras inacabadas
próximas aos Estádios. Lisandro afirmou que o Senai, o
Parque tecnológico, a Obra Social Dom Bosco e o Batalhão
da Polícia Militar não serão concluídos até 2014, e as obras
do Fórum e do Centro de Convenções e Eventos já foram
adiadas. Apenas o Estádio do Corinthians, o sistema viário e
parte da Fatec ficarão prontos até 2014.

Lisandro explicou que nenhuma família precisará ser


desapropriada devido às obras do Polo, pois o terreno estava
completamente ocioso. Por outro lado, para a construção
de um dos anéis viários de acesso ao Polo, será necessário
desapropriar “três casinhas” que estão no local previsto para
as obras. Ele não soube informar como essas desapropriações
irão ocorrer.

Em um dos mapas do projeto está demarcada uma grande


área, incluindo regiões de alta concentração habitacional,
para a construção de um Parque que ficará ao lado do Polo,
o Parque Linear Rio Verde. Apesar de o técnico enfatizar que
este é apenas um esboço do projeto, se aprovado, muitas
famílias deverão ser realocadas. Lisandro explicou que a
maior parte dessas famílias está vivendo em locais de risco
e que a Secretaria de Habitação possuía mais informações
sobre esse assunto.

Para concluir, Lisandro acredita que, em São Paulo, o novo


Estádio não será um “elefante-branco” para a cidade, pois
certamente será utilizado após a Copa do Mundo. Porém,

Caderno de Resolução de Problemas 2012 101


em cidades como Manaus e Brasília, Lisandro se disse mais
pessimista, pois há grandes chances dos novos Estádios
ficarem completamente abandonados após o evento.

102 Caderno de Resolução de Problemas 2012


Apêndice B - Transcrição de entrevista –
Entrevista com o Comitê Popular
da Copa

Data: 10/05/2012 - Via eletrônica (Skype).


Entrevistada: Juliana Machado – integrante do comitê.
Sobre o Comitê: O comitê é composto por várias
organizações e indivíduos, como por exemplo, o Movimento
pela União da Moradia em São Paulo, Centro de Estudos
da Metrópole da PUC, Jubileu Sul (trabalham com a questão
de dívida pública), Centro Gaspar Garcia (trabalham com a
questão do trabalho informal) entre outros.

Objetivos: Monitorar os impactos e as violações dos


direitos humanos que vêm acontecendo e continuarão a
acontecer por conta da realização da copa do mundo no
Brasil. Além da questão das possíveis remoções na região
de Itaquera existem outros problemas que são afetados
indiretamente pela realização da copa como especulação
imobiliária, perseguição aos camelôs (trabalho informal), a
questão da prostituição e exploração sexual de crianças e
adolescentes que também é analisado pelo comitê para poder
articular resistência a esses impactos.

Comunicação entre o comitê e o governo: O


governo municipal e o estadual se recusam a oferecer
informações. Eles não disponibilizam os projetos que afetarão
a população local e não fornecem as informações básicas
necessárias de quais famílias e em quais comunidades terão

Caderno de Resolução de Problemas 2012 103


que ser removidas, quando, para onde, de que maneira, e
se ocorrerá uma indenização adequada fazendo com que
não haja alguma clareza/transparência entre governo-
comitê-comunidades. A primeira violação ocorrida, de
acordo com os tratados internacionais com relação ao direito
de moradia digna que o Brasil é signatário, é o direito a
informação e a participação da população na definição
desses projetos. O governo dificulta os esclarecimentos
sobre quem será de fato afetado. No entanto, analisando
os projetos viários da prefeitura de São Paulo obtidos pelo
comitê pode-se verificar qual via passaria por cima de quais
comunidades e assentamentos informais podendo mobilizar
algumas comunidades diretamente afetadas. É importante
ressaltar que, como não se obtém clareza o suficiente, essas
informações não são definitivas. A lei de acesso à informação
que entrou em vigor dia 16 de maio deste ano fez com que
seja obrigatório dar acesso às informações sobre as obras da
cidade através de solicitações da população, assim ela pode
vir ajudar a obter mais clareza na questão da moradia na
região do Polo.

Local das remoções: As remoções previstas não serão


na área em que o Polo Institucional Itaquera está sendo
construído, pois esta é uma área de glebas vazias, as
remoções serão nos locais de construção das vias de acesso
para o Polo.

Nível de conscientização da população local:


O nível de conscientização depende da quantidade de
informação que não é fornecida pelo Estado, entendendo-
se essa atitude como uma tática do Estado para impedir as
movimentações populares. Como a informação sobre quais
serão de fato as comunidades afetadas é muito subjetiva,
conscientizar a população para movimentá-las é uma tarefa
que o comitê realiza com muita delicadeza, exatamente por
não saber quem eles devem mobilizar. È necessário muita

104 Caderno de Resolução de Problemas 2012


responsabilidade ao passar qualquer tipo de informação,
principalmente as que causam um grande impacto na vida
dos moradores e, portanto, a população local tem pouca
consciência do que de fato está acontecendo. Entretanto
existe um comitê chamado Comunidades unidas (junção de
duas mobilizações “Copa para quem?” e “Nossa Itaquera”)
que se organizaram na região e fazem reuniões mensais
de representantes de vários bairros para combater esses
impactos, mobilizar a população e obter informações.

Desapropriações já ocorridas: Uma parte da Vila


Progresso (comunidade que faz parte das comunidades
unidas) já teve desapropriações baseadas em razões de
suposto risco, os critérios não são objetivos, podendo ser
risco de desabamentos, enchentes, desmoronamentos por
causa das condições físicas da moradia e de onde ela se
encontra. Os moradores que permanecem no local convivem
com os escombros da demolição e suas consequências, como
ratos e pragas, geradas pela remoção mal feita. E quanto
às pessoas desapropriadas não se sabe o que aconteceu
com elas, o que se sabe é que existem dois tipos de políticas
“habitacionais” em São Paulo, uma delas é levar as pessoas
para locais distantes, periféricos e construir uma nova moradia
no local, porém a região costuma não ter infraestrutura, como
por exemplo, transportes e educação, para fazer com que as
famílias possam ter acesso ao antigo estilo de vida. A outra
é chamada de cheque de despejo, em que a família recebe
uma indenização, normalmente de R$3.000 ou R$5.000
que é a única contrapartida que essas pessoas recebem do
Estado para deixar sua casa. Essas famílias têm o direito de
resistir e recusar-se a mudar, porém o governo utiliza-se da
pressão para alcançar seus objetivos, já houve até casos,
não propriamente na Vila Progresso, de pressão de jagunços,
homens armados que sem uma ordem judicial expulsam,
ilegalmente, famílias de suas casas.

Caderno de Resolução de Problemas 2012 105


Comunidades afetadas: Não há absoluta certeza
sobre quais comunidades serão realmente afetadas, porém há
grandes chances de que sejam as comunidades Pacarama/
Zorrilho, Caititu Três Cocos e Comunidade da Paz, não
esquecendo também Vila Progresso que já foi afetada. Há
uma estimativa de que mais de 4500 famílias da região
serão prejudicadas diretamente pelas obras da Copa e que
indiretamente, por conta da especulação imobiliária, alta nos
preços dos aluguéis, muitas outras também serão. Isso mostra
o descuido da Prefeitura e do Governo de São Paulo com a
questão habitacional.

106 Caderno de Resolução de Problemas 2012


Apêndice C - Entrevista com a Secretaria de
Habitação do Estado de São Paulo

Data: 25/05/2012 - Via eletrônica (e-mail).

Perguntas:
1) Recebemos informações de um técnico de obras da
prefeitura, que devido as obras do Projeto (Polo Institucional
+ vias de acesso ao Polo), algumas famílias serão realocadas.
Quais os procedimentos adotados pela Secretaria de
Habitação para o remanejamento dessas famílias?
2) Quantas famílias são estimadas para serem realocadas
e em quais bairros elas residem? E onde será a nova moradia
deles?
3) Existe algum tipo de auxílio (financeiro, ou de modo
geral) para com essas famílias?
4) Essas realocações já começaram? Qual é a previsão de
tempo até que todas as realocações sejam feitas para que as
obras possam começar?

Resposta:
A Secretaria Municipal de Habitação (Sehab) só
realiza realocação de famílias em áreas em que fará
obras de urbanização. E, embora para as Favelas da
Paz, Agreste de Itabaiana, Boa Esperança, Zorrilho e
Vila Progresso, situadas em região próxima a área do
referido estádio, haja planos de urbanização previstos
pelo Plano Municipal de Habitação (PMH), não existe
qualquer intervenção programada para o momento.

Caderno de Resolução de Problemas 2012 107


Dez famílias foram transferidas da favela Agreste de
Itabaiana. Porém, a realocação ocorreu porque moravam
em áreas de ricos alto e muito alto – ameaça iminente de
deslizamento, solapamento etc. Todas elas já estão recebendo
auxílio social.

PMH
Na maior cidade da América Latina, os problemas são
gigantes e exigem musculatura do poder público para
solucioná-los. Em São Paulo, onde o tecido urbano se
formou à revelia de planejamento, estima-se que 28% da
população, ou três milhões de pessoas, vivam atualmente
em assentamentos precários (base 2005). Ou seja, o desafio
para prover moradia digna a camada menos favorecida da
pirâmide social é grande.

Para a satisfação dos especialistas, o Programa de


Urbanização de Favelas paulistano, desenvolvido pela
Prefeitura, por meio da Secretaria Municipal de Habitação
(Sehab), vem mudando esse cenário desde 2005. Com cerca
de 140 frentes de obras, que está beneficiando 170 mil
famílias, é, sem dúvida, o maior programa do gênero no País.

A política é manter as famílias no próprio local de origem,


em respeito aos laços sociais e de trabalho que as pessoas
estabelecem com o lugar onde vivem.

O sucesso do Programa de Urbanização de Favelas é


fruto de um conhecimento profundo da realidade da cidade
informal. Para isso, a Sehab, em parceria com o Banco
Mundial e a Cities Alliance (organização formada pela
coalisão de várias cidades e entidades do mundo), mobilizou
técnicos, que saíram a campo e mapearam todas favelas,
cortiços, loteamentos irregulares e conjuntos habitacionais
degradados da cidade. Ao mesmo tempo, também em

108 Caderno de Resolução de Problemas 2012


parceria com a Aliança de Cidades, desenvolveu um inédito
sistema de armazenamento dessas informações, o Habisp
(www.habisp.inf.br).

Lançado na web em março de 2008 contém dados


geográficos, socioeconômicos, geológicos e estruturais. Essa
ferramenta foi fundamental para a elaboração do Plano
Municipal de Habitação (PMH), atualmente para aprovação
na Câmara Municipal, um minucioso trabalho sobre a real
situação habitacional do município, que norteará as ações da
Sehab para zerar o déficit de moradia até 2024.

O PMH estabelece critérios de prioridade para intervenção,


baseados em indicadores de risco de escorregamento e
solapamento; de vulnerabilidade social (de acordo com
índices da Secretaria de Assistência Social – SMADS); de
índices de saúde, e de precariedade de infraestrurura. A
esses indicadores são atribuídos pesos - quanto mais pontos,
mais prioritária a intervenção.

Em números macros, o estudo revelou que em 2005 havia


cerca de 800 mil famílias paulistanas vivendo de forma
precária, outras de posse ilegal dos seus imóveis ou pagando
aluguel excessivo em relação a sua renda. Porém, a maioria
depende apenas de obras de infraestrutura e do processo de
regularização fundiária para se integrar à cidade.

O quadro resumo do Plano Municipal de Habitação


abaixo mostra como foi prevista a demanda habitacional
até 2024 e quanto de recurso público será necessário em
cada programa habitacional:

Caderno de Resolução de Problemas 2012 109


1. Programa de Urbanização de Favelas
Entende-se que, hoje, existem aproximadamente 645 mil
famílias vivendo em favelas e assentamentos precários e que
serão atendidas por esse programa. Destas, 108 mil famílias
estão em situação de risco (áreas com instabilidade de solo
/ regiões inundáveis) ou em áreas onde está prevista alguma
obra de infraestrutura (esgoto / viário) e serão atendidas
com novas unidades habitacionais, construídas na área
urbanizada. O subsídio necessário estimado para o programa
é de 16,1 bilhões de reais.

2. Programa Mananciais
Este programa muito se aproxima ao de urbanização de
favelas. A diferença é que trata de áreas específicas de
proteção ambiental de São Paulo, os mananciais. Como no
programa anterior, obras de urbanização serão feitas e ao

110 Caderno de Resolução de Problemas 2012


todo 172 mil famílias serão beneficiadas. Porém, 21 mil terão
de ser realocadas para novas unidades habitacionais. O
subsídio estimado será de 3,53 bilhões de reais.

3. Revitalização de Cortiços
Esse programa busca, conforme a Lei Moura, revitalizar os
cortiços, concentrados no centro da cidade, tornando esses
ambientes locais salubres para que sirvam de moradia as
famílias. Cerca de 80 mil famílias serão beneficiadas pelo
programa, porém, considerando que muitas vezes para
atingir tais padrões de salubridade é necessário desadensar
os imóveis, aproximadamente 12 mil dessas famílias terão
de ser alocadas em novas unidades produzidas pela
prefeitura. O subsídio necessário estimado do programa é
de 1,1 bilhão de reais.

4. Os programas Locação Social e Aluguel Social são


programas de subsídio à habitação. No primeiro, pessoas
moram em edifícios da prefeitura pagando um valor
subsidiado. O segundo programa atende famílias que por
alguma razão serão realocadas e esperam a conclusão das
obras de sua nova unidade habitacional. Durante o tempo da
obra, recebem um Auxílio Aluguel para pagar a locação de
uma moradia provisória, do mercado privado. O custo dos
programas é de 4,9 bilhões de reais.

5. Programa de melhoria das unidades


Esse programa busca qualificar as unidades habitacionais
por meio de reformas que garantam a salubridade dos
ambientes. Como todas as famílias atingidas pelo programa
(160 mil) possuem um local de moradia, não há um novo
déficit habitacional a ser criado. O custo do programa é de
320 milhões de reais.

Para calcular o déficit habitacional de São Paulo o PMH

Caderno de Resolução de Problemas 2012 111


ainda considera que, independentemente da renda familiar,
há uma demanda gerada por coabitações (pessoas que moram
com familiares, porém, gostariam de mudar de situação).
Com isso, cerca de 94 mil novas famílias precisariam de uma
unidade habitacional atualmente.

Assim, o total do déficit físico é de 236 mil unidades.


Além disso, o PMH ainda faz uma previsão de novas
habitações considerando o crescimento da população,
independentemente da renda, até 2024. Estima-se que serão
necessárias 772 mil novas unidades habitacionais para essa
população. Nessa previsão o PMH considera que todo desafio
dos programas de urbanização de favelas, mananciais,
cortiços e subsídio para locação será sanado. O subsídio
estimado para provisão de habitação para as famílias que
vivem em coabitação e as novas famílias que irão se formar
até 2024 é de aproximadamente 30,7 bilhões de reais.

O PMH considerou também famílias com mais de 6 salários


mínimos, pois estarão competindo por um espaço na cidade.
Sabe-se hoje que o estoque de terras livres é escasso e
foi preciso estimar o quanto de terra será necessário para
acomodar toda essa população dentro da cidade de São
Paulo. Serão necessárias aproximadamente 1milhão de novas
unidades habitacionais até 2024 (necessidade de verticalizar
já que não há mais terreno livre) e gasto de 56,5 bilhões de
reais de recursos públicos.

Alia-se aos programas acima, o Renova Centro, criado em


fevereiro de 2010, por meio da Companhia de Habitação
(Cohab), elaborado a partir de um estudo encomendado
à Fundação para a Pesquisa Ambiental (Fupam), ligada
à Universidade de São Paulo (USP), em janeiro de 2009,
para identificar edifícios vazios na região central. O estudo
identificou 50 prédios viáveis para serem transformados em

112 Caderno de Resolução de Problemas 2012


moradia, destinados à população que recebe de 1 a 10 salários.

O Programa prevê cerca de 2.500 unidades habitacionais


nesses 50 imóveis, com investimento de aproximadamente
R$ 400 milhões. Todos os imóveis estão em processo de
desapropriação e dez estão viabilizados – dos quais oito já
foram desapropriados. Três estão em obras: o antigo Hotel
Cineasta, que dará lugar ao futuro Palacete dos Artistas, cujas
50 unidades serão destinadas a artistas da terceira idade,
por meio do programa Locação Social; o prédio da Av. Celso
Garcia, que será transformado em moradia para idosos e o
Asdrúbal do Nascimento. As primeiras unidades devem ser
entregues ainda em 2012.

Caderno de Resolução de Problemas 2012 113


Apêndice D - Ata da reunião ordinária do
Movimento Comunidades Unidas

Data: 02/06/2012
Local: Subsede do Sindicato dos Professores do Ensino
Oficial de São Paulo (APEOESP). Endereço: Rua Colonial das
Missões, 204 - Itaquera

A reunião realizada na subsede de Itaquera da APOESP


teve uma pauta organizativa, na qual houve uma espécie
de reorganização do Movimento, uma vez que esse seria o
primeiro encontro após um seminário que aconteceu em Abril.
Foi entregue um informativo impresso acerca dos recentes
acontecimentos sobre o assunto. Este arquivo encontra-se no
anexo B.

Antônio Carlos (Tonhão), um integrante das


Comunidades Unidas e do movimento sindical,
iniciou a reunião informando os demais presentes
(alguns moradores e estudantes/pesquisadores) sobre
os últimos acontecimentos relativos ao Movimento.
Primeiramente mencionou que no ano passado havia
ocorrido uma reunião sobre o desenvolvimento da Zona
Leste com alguns políticos e que a população foi impedida
de participar. Essas pessoas (grande parte sindicalistas) se
uniram fundando o Movimento “Comunidades Unidas”.

Logo após, foi dito que no ano de 2011 começou a se


articular um grupo contra o Movimento “Comunidades

114 Caderno de Resolução de Problemas 2012


Unidas”. Esse grupo era composto por pessoas remuneradas
pelas subprefeituras para ameaçarem membros do
Movimento e desarticular a ação dos moradores. Mais tarde,
o Ministério Público se envolveu com os moradores do local e
se comprometeu a dar alguns encaminhamentos.

Em relação às desapropriações, foi afirmado que o


governo está utilizando como estratégia a desinformação da
população, pois, dessa forma, evita uma mobilização popular.
Portanto, ninguém sabe certamente quais comunidades
ainda serão atingidas. Uma das comunidades já atingidas
pelas obras foi a Vila Progresso, onde as desapropriações
ocorreram rapidamente e com a justificativa de que os
moradores estariam habitando áreas de risco.

Em seguida, foi colocado em pauta que um dos episódios


do programa “A Liga” da Rede Bandeirantes teve como tema
a Comunidade da Paz e a situação dos moradores. Porém, no
dia em que o programa foi ao ar a Eletropaulo cortou a energia
da região sem justificativa. Os moradores suspeitam que essa
ação tenha ocorrido por exigência da Prefeitura. Ainda sobre
a Comunidade da Paz, existem fortes especulações de que ela
será removida para Carapicuíba (que não terá capacidade
para comportar todos os moradores).

A reunião se encerrou com a divulgação da data da


próxima reunião do Movimento e com um acordo sobre a
data e o local em que irá ocorrer a próxima “panfletagem”
na região a fim de comunicar os moradores sobre os
recentes acontecimentos.

Caderno de Resolução de Problemas 2012 115


ANEXO A - Imagem aérea do Polo Institucional
Itaquera

Fonte : GOOGLE EARTH

116 Caderno de Resolução de Problemas 2012

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