Luís Miguel Faria Fernandes da Cunha

Os conceitos de Política
Desportiva e de Factores
de Desenvolvimento
Cadernos de Gestão do Desporto nº

Universidade Técnica de Lisboa

Faculdade de Motricidade Humana
2002
Disciplina de Gestão do Desporto

1

1. A Política Desportiva
A política desportiva é o principal instrumento de desenvolvimento
do desporto. A ela cabem-lhe a identificação das necessidades dos
cidadãos em matéria de desporto e a definição, decisão e
operacionalização das medidas para a sua resolução, como
responsabilidades. É a forma das administrações darem corpo ao direito ao
desporto, de o porem em prática, de fazerem dos sonhos das populações
ou aspirações à sua prática, meios de acederem, através delas, à
comunidade desportiva.
Vários autores, como veremos de seguida, têm definido este
conceito de modo a esclarecer melhor a sua utilidade e aplicação. Benito
Castejón Paz (1973), foi talvez aquele que inicialmente a definiu melhor:
“Uma política digna desse nome é o somatório, e (...) a síntese dos
objectivos parciais (ou sub-objectivos se se quiser) agrupados, segundo um
hierarquia lógica, à volta de um objectivo global. (...) é essencialmente um
2
exercício lógico, isto é: trata-se de estabelecer relações lógicas e hierárquicas
num conjunto de objectivos e de meios.”1.
2. As Políticas de Desenvolvimento Desportivo
As políticas desportivas têm como objectivo fundamental, aumentar
o número de praticantes desportivos (Paz, Castejón; 1973) e devem elevar
o nível de acessibilidade dos cidadãos às práticas desportivas e aos seus
benefícios. As políticas desportivas e as instituições responsáveis pela sua
aplicação, devem tender para que as intenções manifestadas nas cartas e
acordos internacionais, sejam progressivamente aplicadas, levando a que,
mais cidadãos acedam ao desporto e às suas actividades.
Neste domínio destacamos Gustavo Pires (1989), na continuidade
de Castejón Paz (1973), relativamente aos processos de análise da
situação desportiva, ao quadro condicionante do desporto português e ao
estabelecimento dos filtros de acesso ao desporto (Rodgers, B.; 1977), bem
como as alusões de Noronha Feio (1985)2, aos aspectos físicos e culturais
do território na modulação das características do desporto e da sua
manifestação no espaço.
As políticas de desenvolvimento desportivo, podem ser
diferenciadas na sua aplicação, localizando-as num espectro com várias
soluções alternativas, em cujos pólos se identificam dois tipos básicos
1 Paz, B. Castejón; (1973), A Racionalização das Escolhas em matéria de Política
Desportiva - os instrumentos conceptuais, col. Antologia Desportiva, nº 6,
Lisboa, MEIC/SEJD/DGD/CDI, (1977), p. 4.
2 Noronha Feio, J.M., (1985), Portugal Desporto e Sociedade, Terra Livre, D.G.C.S.,
Lisboa.
perfeitamente distintos: De um deles, as políticas desportivas direccionadas
para as élites (desportivas). Do outro, aquelas que se dirigem ao desporto
para todos, também chamadas políticas desportivas de base. Não
esqueçamos que o objectivo final da política desportiva é, como referimos,
aumentar o número de praticantes e consequentemente o nível desportivo.
Dado o carácter dinâmico do fenómeno desportivo, verifica-se que, quando
iniciamos os processos de desenvolvimento com qualquer desses dois
tipos, o objectivo final é conseguido mais tarde ou mais cedo, pela própria
evolução natural, que tende no sentido do equilíbrio entre elas. De facto,
uma política desportiva direccionada para a formação de élites e para a
obtenção de resultados, vai originar obviamente o aparecimento de
inúmeros praticantes que aderem à prática desportiva e pretendem
compartilhar as vivências e emoções do atleta de alto nível. Através da
reprodução do seu gesto e da sua prática, revêm-se e identificam-se com
ele. Quer dizer então que uma política vocacionada para as élites evolui
para resultados visíveis ao nível do número dos praticantes de base. Do
outro modo, o grande número de pessoas que são chamadas a praticar
desporto através da promoção das políticas desportivas de base, originam,
com a continuidade, uma diferenciação progressiva entre elas,
relativamente à sua prestação desportiva e provocam o aparecimento de
melhores praticantes e de resultados de alto nível. Mas, se os objectivos da
política desportiva não estiverem inseridos numa óptica de
desenvolvimento, de continuidade, de sustentabilidade, rapidamente são
postos em causa, desvirtuados e os seus propósitos abandonados. Não se
pode por isso ter uma visão redutora e localizada apenas no número de
praticantes desportivos, mas tem de olhar-se para o tipo de práticas, para a
qualidade da sua prestação, para os benefícios que elas trazem ao
praticante, ao cidadão e à sua qualidade de vida.
3
As políticas desportivas podem ter um âmbito nacional, regional e
local. Cada uma delas tem características, objectivos e intervenientes
diferentes. As políticas desportivas nacionais têm sido avaliadas em
comparação internacional através de quatro índices: de participação, de
penetração, de fidelidade e de intensidade (Conselho da Europa, 1978)3.
O objectivo fundamental destas avaliações, tem sido o de perceber se os
níveis nacionais de preferências desportivas têm um efeito sobre os níveis
gerais de participação no desporto. Com estes índices pretende saber-se
respectivamente, a participação dos cidadãos na prática desportiva, o grau
de implantação das actividades desportivas, o nível de manutenção dos
cidadãos em torno da prática desportiva e determinar a frequência de
prática desportiva que estes despendem no desporto. A construção destes
indicadores é feita com base em extrapolações de inquéritos, pelo que têm
algumas limitações, as quais aqui não faremos referência.
As avaliações feitas a nível regional em Portugal, com esse
objectivo específico, não existem. Os estudos têm sido efectuados a nível
nacional, tomando os distritos por base de agregação da informação, dada
a não institucionalização das regiões administrativas e a ordenação do país
3 Conséil de L’Europe, (1978), Rationalisation de Choix en Matière de Politique
Sportive - Le Sport dans son Contexte Social - comparaisons internationales,
Strasbourg, CDDS, - suplément technique, Ière partie.
Conséil de L’Europe, (1982), Rationalisation de Choix en Matière de Politique Sportive
- Le Sport dans La Société Européenne - Enquête Transnational sur la
Participation et la Motivation, Strasbourg, CDDS, - suplément technique, 2ème
partie:
Índices:
1) de participação= nº particantes ; 2) de penetração= nº praticantes ocasionais de um desporto ;
Popul.Total Popul.Total
nº praticantes do presente ano nºde horas de pratica
3) de fidelidade= ; 4) de intensidade= .
nº de praticantes do ano anterior nº de praticantes x 52 semanas
para fins estatísticos (NUT’s) em Comissões de Coordenação Regional
(CCR’s) ser recente e não ser assim apresentada.
A nível municipal, destacamos, alguns trabalhos produzidos
embora não publicados, por estudantes de Licenciatura e Mestrado da
Faculdade de Motricidade Humana de Lisboa, no âmbito do grupo de
trabalho a que pertencemos e que também enquadrámos. Têm vindo assim
a ensaiar-se no âmbito deste grupo, algumas técnicas incluídas em
processos de análise da situação do sistema desportivo local, aplicadas em
vários concelhos4, com vista a apoiarem o processo de tomada de decisão.
A vocação das políticas a nível local, dirige-se mais para a
recreação e para as práticas desportivas de apoio às comunidades
residenciais. A sustentabilidade das políticas com perfil de élite a nível
local, é menor, dadas as dimensões de escala. Contudo, não é argumento
para que a qualidade da oferta ao nível dos equipamentos e outros factores
de desenvolvimento desportivo diminua.
3. O Processo de Tomada de Decisão
O processo de tomada de decisão é uma sequência de tarefas que
preparam as deliberações em matéria de política desportiva. Ele utiliza as
informações da análise da situação desportiva, que são posteriormente
organizadas com vista a desencadear políticas transformadoras dessa
situação. A aplicação das políticas de desenvolvimento desportivo é feita
através de um conjunto de instrumentos denominados “Factores de
4 Albufeira, Almada, Amadora, Benavente, Borba, Cascais, Grândola, Leiria, Moita,
Setúbal, Sintra, Vila Franca de Xira, Regiões autónomas de Açores e Madeira, etc.
4
Desenvolvimento do Desporto” e inscreve-se num determinado espaço
geográfico ou instituição.
“Poderíamos definir os factores de desenvolvimento como o conjunto
das actividades que, combinadas em programas, tendem a desenvolver os
diversos elementos da situação e a melhorar assim, directa ou indirectamente, o
nível desportivo existente” (Paz, 1973) 5. “Factores de desenvolvimento do
desporto são o conjunto dos agentes, dos meios e dos instrumentos que
possibilitam o processo de desenvolvimento desportivo. (...) Os diferentes
factores devem combinar-se entre si (...) de modo a complementar-se e, deste
modo, (...)” produzirem (...)“um efeito sinergístico” (Pires, G., 1990)6.
Eles são operadores que articulados conjuntamente produzem
alterações na situação desportiva. Partem da sua análise e, através dos
quantitativos dos seus elementos, modificam-nos, criando uma nova
situação. São, por isso, conjuntos de acções que operacionalizam
intenções de desenvolvimento desportivo e constituem-se como os
instrumentos fundamentais das políticas desportivas, que por eles devem
ser definidas, desenvolvidas e avaliadas, de modo a possibilitar a
intervenção no mundo do desporto.
Os factores de desenvolvimento do desporto são doze (12):
1. As Actividades
2. As Instalações
3. O Apetrechamento
5 Paz, B. Castejón; (1973), A Racionalização das Escolhas em matéria de Política
Desportiva - os instrumentos conceptuais, col. Antologia Desportiva, nº 6,
MEIC/SEJD/DGD/CDI, Lisboa, (1977), p. 35.
6 Pires, G.; (1990), Relatório sobre a Disciplina de Desenvolvimento do Desporto,
UTL/FMH, Lisboa, Março de 1990, p. 35.
 4. O Financiamento
5. A Promoção/Marketing
6. A Formação
7. Os Quadros Humanos
8. A Orgânica
9. A Documentação
10. A Informação
11. A Legislação
12. A Gestão
“Cada factor exige um programa de acção e de desenvolvimento que
se relacione com os elementos puramente desportivos, mas que tenha em conta
circunstâncias específicas do quadro condicionante, que fixe o tempo de
execução e que avalie o custo das diversas operações”7.
Os factores de desenvolvimento manifestam os seus efeitos a
vários níveis, conforme as repercussões que a utilização de cada um
origina. A própria utilização de um deles verifica uma actuação combinada
com outros ou com efeitos colaterais, produtores de sinergias, no que
respeita aos seus resultados. Senão vejamos:
1. Actividades - manifestam-se através da realização de competições ou
da promoção organizada de práticas desportivas. Repercutem os seus
efeitos no desporto pelo aumento do número de praticantes que se
mobilizam para elas e solicitam a intervenção de todos os outros
factores de desenvolvimento. É em direcção ao factor actividades
7 Paz, B. Castejón; (1973), A Racionalização das Escolhas em matéria de Política
Desportiva - os instrumentos conceptuais, col. Antologia Desportiva, nº 6,
Lisboa, MEIC/SEJD/DGD/CDI, (1977), p. 40.
5
(organização, promoção, etc.) que todo o processo de decisão e
desenvolvimento desportivo se deve orientar.
2. Instalações - são espaços codificados onde se realizam as práticas
desportivas. A sua existência permite a realização de mais actividades e
de uma prática desportiva mais qualificada a nível prestativo, na
segurança, no resguardo das incertezas climáticas e ainda na
continuidade.
3. Apetrechamento - é o conjunto de aparelhos e instrumentos que
auxiliam o desempenho das práticas desportivas. As decisões,
relativamente a este factor, repercutem-se no mesmo sentido das
instalações desportivas.
4. Financiamento - são as verbas que estão envolvidas no desporto. As
decisões ao nível do financiamento condicionam toda a aplicação das
políticas de desenvolvimento desportivo. O financiamento combinado
com a aplicação dos demais factores identifica a estrutura da dinâmica e
das políticas desportivas. A sua configuração, relativamente a cada um
dos factores, trará a identificação do respectivo perfil.
5. Promoção/Marketing - é o conjunto de acções promotoras do desporto.
Resultam no aumento dos praticantes ou na criação de uma imagem
favorável ao desporto.
6. Formação - é o conjunto de acções organizadas de leccionação de
conhecimentos tendentes a elevarem a qualidade de intervenção dos
agentes desportivos. Associam-se por vezes às acções de
promoção/marketing. Resultam no aumento do número de praticantes e
de quadros humanos envolvidos no desporto, bem como numa
intervenção de ambos com melhores níveis qualitativos e quantitativos.
7. Quadros humanos - é o conjunto de agentes que gerem e promovem
as práticas e os processos desportivos. O investimento neste factor que
se associa à formação, reverte num melhor nível de enquadramento e
 organização das práticas e dos processos de desenvolvimento do
desporto.
8. Orgânica - é o acto de criar órgãos ou instituições que enquadram as
práticas e os processos desportivos. A sua constituição permite atribuir
competências específicas do processo desportivo e uma maior
visibilidade na intervenção dos agentes desportivos pela identificação do
seu estatuto e papel no interior de cada estrutura.
9. Documentação - é o conjunto de suportes organizadores de conteúdos
informativos sobre desporto. Têm utilidade para as acções de formação
e reúnem o respectivo conhecimento; originam uma intervenção
qualitativamente superior dos agentes desportivos.
10. Informação - é o conjunto de dados sobre o fenómeno desportivo e as
suas ocorrências, bem como os canais de comunicação que os
veiculam. Permitem que os agentes desportivos conheçam os efeitos
das acções, onde intervieram e as acções dos demais.
11. Legislação - é o conjunto de leis que regulam as actuações, os direitos
e deveres dos principais agentes desportivos colectivos e individuais. A
articulação e a regulação entre agentes desportivos individuais e
colectivos entre si é institucionalizada, diminuindo a instabilidade no
sistema desportivo.
12. Gestão - é o conjunto de procedimentos necessários à direcção dos
processos de desenvolvimento do desporto e respectivas instituições.
Repercutem-se numa melhor eficácia e racionalidade nos processos
respectivos.
Estruturar as políticas desportivas sem ser pela utilização dos
factores de desenvolvimento, é enveredar por políticas voluntaristas (no
mau sentido) que conduzem inevitavelmente à perversão dos objectivos a
que os próprios agentes dessas políticas se propõem cumprir. Eles
articulam-se uns com os outros na medida em que o investimento sobre
uns se reflecte em alterações sobre os demais.
Fim
Sobre o desenvolvimento este tema consultar a bibliografia abaixo indicada:
Cunha, L. M. (1997); O Espaço e o Acesso ao Desporto – dissertação com vista à
obtenção do grau de doutor, UTL/FMH, Lisboa, ed. Própria,
Noronha Feio, J.M., (1985), Portugal Desporto e Sociedade, Terra Livre, D.G.C.S.,
Lisboa.
Paz, B. Castejón; (1973), A Racionalização das Escolhas em matéria de Política
Desportiva - os instrumentos conceptuais, col. Antologia Desportiva, nº 6,
Lisboa, MEIC/SEJD/DGD/CDI, (1977).
Paz, B. Castejón; (1973), Conséil de L’Europe, (1978), Rationalisation de Choix en
Matière de Politique Sportive - Le Sport dans son Contexte Social -
comparaisons internationales, Strasbourg, CDDS, - suplément technique, Ière
partie et suplément technique, 2ème partie:
Pires, G.; (1990), Relatório sobre a Disciplina de Desenvolvimento do Desporto,
UTL/FMH, Lisboa, Março de 1990, p. 35.
Pires, G.; (1996) , Desporto e Política – Paradoxos e Realidades, ed. “O Desporto”,
Madeira, Funchal, 1996.