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O Servo Sofredor dos Manuscritos do Mar Morto

Tradução
Laura Rumchinsky

IMAGO
Título Original: The Messiah before Jesus

The Suffering Servant of the Dead Sea Scrolls

Copyright © 2000 by the Regents of the University of California

Tradução do hebraico para o inglês por David Maisel


Capa: Pedro Gaia

O editor agradece a generosa contribuição


proporcionada a este livro por Jack Miles e
também pela Fundação S. Mark Taper.
Digitalizado por Samek Ocimas. São Paulo, 2019
CIP-Brasil. Catalogação-na fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

K78m Knohl, Israel


O Messias antes de Jesus: o servo sofredor dos
Manuscritos do Mar Morto / Israel Knohl: tradução de

Laura Rumchinsky. Rio de Janeiro: Imago Ed., 2001.
148 pp.

Apêndices
Inclui bibliografia
ISBN 85-312-0779-7

——
1. Manuscritos do Mar Morto Critica, interpretação, etc.
2. Manuscritos do Mar Morto Relações com o Novo Testamento.

3. Jesus Cristo Messianismo. 4. Servo de Javé. 5. Cristianismo

Origem. I. Titulo.

01-1180. CDD
CDU
—— 296.155
296.8

Reservados todos os direitos. Nenhuma


parte desta obra poderá ser reproduzida
por fotocópia, microfilme, processo foto-
mecânico ou eletrónico sem permissão
expressa da Editora.

2001
IMAGO EDITORA
— ——
Tel.: (21) 2502-9092 Fax: (21) 2502-5435


Rua Santos Rodrigues, 201-A Estácio
20250-430 Rio de Janeiro RJ
E-mail: imago@imagoeditora.com.br
www.imagoeditora.com.br

Impresso no Brasil
Printed in Brazil
SUMÁRIO

Lista de Ilustrações 9
Prefácio 11
Introdução 15
1 O Segredo Messiânico 19
2 Depois de Três Dias 41
3 Outro Paracleto 63
Pós-escrito 81
Apêndice A Os Hinos Messiânicos 85
Apêndice B Entre Roma e Jerusalém 91
Abreviações 111
Notas 113
índice 145
FIGURAS

1.O Pergaminho da Guerra entre os Filhos da Luz e os


Filhos das Trevas 22
2. Qumran, caverna 4 24
3. As folhas rasgadas do Pergaminho de Ação de Graças 26
4. O primeiro hino messiânico
frg. 1-2
— versão 1: 4QHe,
29

frg. 11, col. 1



5. O primeiro hino messiânico versão 2: 4Q491,
31

frg. 7, col. 1 e 2

6. O segundo hino messiânico versão 1: 4QHa,
34
7-8. Efígie de Otaviano como Caesar Divifilius, junto à
de Dims Iulius (sestércio de Otaviano, ca. 40 a.C.) 42
9. Capricórnio com a inscrição “Augustus” (denário,
cunhado na Espanha, ca. 17-15 a.C.) 48
10. A serpente de Apoio enroscada no tripé
(camafeu de vidro) 49
11. O texto de Qumran sobre o “filho de Deus”: 4Q246 100
12. Augusto coloca a estrela sobre uma estátua de
Júlio César (denário de L. Lentulo, Roma, 12 a.C.) 102
Para minha, esposa Rivka, e para nossosfilhos,
Shay, Tale Or.
PREFÁCIO

“Knohl é uma figura solitária, nadando contra a maré de um século


de cultura.”1
Foi assim que um erudito se manifestou a respeito de meu
estudo sobre literatura religiosa em meu primeiro livro, The Satictuary
of Silence. Naquele trabalho, eu questionava uma teoria acerca da
composição do Pentateuco que vinha merecendo a aceitação de
estudiosos da Bíblia por mais de um século. Dez anos depois,
vejo-me em situação parecida. Neste livro, desafio o ponto de vista
que dominou os estudos sobre o Novo Testamento por mais de cem
anos. Meus sentimentos pessoais também se assemelham aos de
dez anos atrás: preocupação por um lado e, por outro, uma forte
compulsão para revelar a verdade como a vejo.
A grande diferença neste caso é o grau de interesse público no
tema em questão. Meu primeiro livro tratava de assuntos de inte¬
resse principalmente dos estudiosos e, assim, usei nele um estilo
acadêmico adequado a um trabalho destinado a profissionais. Este,
porém, é sobre a figura messiânica de Jesus, matéria de interesse
para muitas pessoas em todo o mundo.
Por esse motivo decidi escrevê-lo de forma a ser facilmente lido
e compreendido pelo público em geral. Para tanto, o texto teve que
ser simplificado. A elucidação das questões textuais e históricas
mais complexas foi, portanto, transferida para as notas e os apêndi-
12 Prefácio
ces. A fim de permitir que o leitor comum penetre na atmosfera do
período retratado no livro, inicio com uma descrição imaginária de
um dia na vida do Messias. Espero que os estudiosos também con¬
siderem essa descrição de interesse e que não a julguem com seve¬
ridade acadêmica.
Finalmente, gostaria de dizer algumas palavras sobre os Ma¬
nuscritos do Mar Morto, nos quais se baseia o principal argumento
deste livro. Em anos recentes, ouviram-se alegações de que teria
havido um atraso deliberado na publicação dos pergaminhos devido
a pressões do Vaticano e de outras esferas. O argumento é que o
Vaticano desejava retardar a publicação de partes dos manuscritos
por temer que o material ali contido pudesse ser prejudicial à ima¬
gem de Jesus como figura única. À primeira vista, pode parecer que
meu trabalho apresenta provas a favor dessa alegação, pois, com
base em alguns fragmentos publicados em anos recentes, procuro
demonstrar que Jesus era considerado herdeiro e sucessor do Mes¬
sias descrito nos Manuscritos do Mar Morto. Assim, quero deixar
bem claro que acho inaceitável a acusação de um átraso deliberado
na publicação dos manuscritos. Tendo estado pessoalmente envol¬
vido na publicação de vários fragmentos dos pergaminhos, conheço
o esforço necessário para que cada fragmento individual possa ser
publicado de forma responsável.
Tenho na mais alta conta os estudiosos empenhados na publi¬
cação dos fragmentos examinados neste livro, a saber, M. Baillet,
J.J. Collins, D. Dimant, E. Eshel, J. T. Milik, E. Puech e E. Schuller.
Mesmo que por vezes minhas opiniões divirjam das deles, sei que
este livro não poderia ter sido escrito sem a base firme que eles de
modo tão competente me proporcionaram.

Comecei minhas pesquisas para este trabalho em março de 1997.


Meu primeiro artigo sobre o assunto foi publicado em junho do
mesmo ano, no jornal hebraico Ha’aretz. Também proferi uma
palestra sobre “O Messias de Qumran” no Congresso Internacional
sobre os Manuscritos do Mar Morto, realizado em Jerusalém em
meados de 1997. Na ocasião, eu não sabia que outro estudioso,
Prefácio 13

Michael O. Wise, estava trabalhando num tema semelhante. Seu


livro, The First Messiah (O primeiro Messias) , foi publicado em
1999. O leitor logo perceberá, porém, que, apesar da semelhança
externa, minha tese é completamente diferente, pois falamos de
diferentes figuras que viveram em tempos diferentes.
Ao longo de minha busca pelo Messias dos Manuscritos do Mar
Morto, tive encorajamento e ajuda de amigos. Enquanto escrevia,
contei com os conselhos do professor Moshe Idel e do dr. Shlomo
Naeh, meus colegas no Instituto de Estudos Judaicos da Universi¬
dade Hebraica e do Instituto Shalom Hartman.
O professor Emmanuel Tov, meu colega no Departamento
Bíblico na Universidade Hebraica e editor-chefe do Projeto de
Publicações de Qumran, leu cuidadosamente o manuscrito e fez
sugestões detalhadas e valiosas.
O sr. David Maisel traduziu com perícia e fidelidade o original
hebraico para o inglês.
Doug Abrams Arava, Scott Norton e Malcolm Reed, meus edi¬
tores na University of California Press, foram de grande ajuda ao pro¬
duzirem um livro apropriado para o público em geral. Carolyn Bond
fez um excelente trabalho ao organizar meu manuscrito cuidadosa
e habilmente.
O Instituto Shalom Hartman e seu diretor, professor David
Hartman, me proporcionaram excelentes condições de trabalho.
Meus sinceros agradecimentos a todos.
Finalmente, quero agradecer a minha esposa, Rivka. Sem seu
apoio e encorajamento, este livro não poderia ter sido escrito.

IsraelKnohl
Departamento Bíblico
Universidade Hebraica
Jerusalém
INTRODUÇÃO

Para entender o cristianismo e sua relação com o judaísmo, é pre¬


ciso responder a uma questão profunda e difícil: qual foi o contexto
judaico da carreira messiânica de Jesus? Com a descoberta dos
Manuscritos do Mar Morto, ocorreu uma grande expectativa de
que neles pudesse estar a insondável resposta a essa pergunta. No
entanto, essa esperança não se concretizou. Embora tenha sido
observado um paralelismo na linguagem dos Manuscritos do Mar
Morto e do Novo Testamento, não se encontrou uma conexão

direta a Jesus até, agora, creio eu.
A natureza do messiado de Jesus conforme descrita no Novo
Testamento permaneceu como um enigma durante quase dois mil
anos. De acordo com os Evangelhos Sinóticos, ele próprio nunca
declarou ser o Messias.1 Ademais, quando outros o chamavam de
Messias, ele pedia que isso não fosse revelado publicamente.2 Jesus
é apresentado muitas vezes prevendo a rejeição, a morte e a ressur¬
reição do “filho do homem”,3 mas nesse contexto ele nunca falava
na primeira pessoa. No Evangelho de João e nos escritos de Paulo,
Jesus é descrito como um Messias de caráter divino, trazendo a
redenção e a absolvição para o mundo. O Jesus dos Evangelhos
Sinóticos, ao contrário, é uma figura humana que se distinguiu por
seus feitos miraculosos.
16 Introdução

Como podemos resolver o mistério da personalidade e do


autoconceito messiânico de Jesus? Ele próprio se considerava o
Messias? Neste caso, por que não o disse claramente e por que proi¬
biu seus discípulos de tornar pública essa identidade messiânica,
criando assim um “segredo messiânico”? Jesus realmente previu
seu sofrimento, sua morte e ressurreição? Se o fez, por que não se
referia a si mesmo diretamente nesse contexto, mas apenas de
forma indireta, como o “filho do homem”? Jesus se via como um
redentor divino? Então, por que isso não é refletido nos Evangelhos
Sinóticos?
Por mais de cem anos, a principal tendência entre os estudiosos
do Novo Testamento tem sido tentar resolver essas dificuldades
negando a realidade histórica da reivindicação de Jesus ao messia-
do.4 Os estudiosos dessa corrente sustentam que Jesus de modo
algum se considerava um Messias e que assim foi proclamado por
seus discípulos somente após sua morte.5 Jesus, afirmam eles, não
poderia ter previsto sua rejeição, morte e ressurreição, pois “a idéia
de um Messias, ou filho do Homem, sofredor, morrendo e res¬
suscitando era desconhecida no judaísmo.”6 Conclui-se daí que, na
opinião desses estudiosos, todos os relatos de Jesus prevendo sua
rejeição, morte e ressurreição carecem de qualquer base histórica.7
Tudo isso, asseveram, só lhe foi atribuído após a morte.8
Pretendo, neste livro, contestar essas afirmações. Proponho-
me a mostrar que Jesus realmente se considerava o Messias e que
na verdade esperava que este fosse rejeitado, morto e ressuscitado
após três dias, pois isto é exatamente o que se acreditava ter acon¬
tecido com um líder messiânico que viveu uma geração antes de
Jesus.
Em alguns hinos encontrados entre os Manuscritos do Mar
Morto e publicados recentemente, esse Messias anterior descre¬
via-se sentado sobre um trono celestial, cercado de anjos. Conside¬
rava-se o “servo sofredor” que trazia uma nova era, uma era de
redenção e absolvição, na qual não haveria pecado nem culpa. Essas
idéias audaciosas levaram à sua rejeição e excomunhão pelos sábios
fariseus encabeçados por Hilel.
Introdução 17

Esse Messias acabou sendo morto em Jerusalém e seu corpo foi


deixado exposto por três dias. Seus discípulos acreditavam que ele
havia ressuscitado após aquele período e ascendido ao céu. A humi¬
lhação, a rejeição e o assassinato do Messias provocaram uma crise
de fé entre seus seguidores. A fim de controlar a crise, procuraram
na Bíblia passagens que pudessem ser entendidas como profecias
da humilhação e da morte do Messias. Assim, pela primeira vez na
história do judaísmo, surgiu um conceito de messianismo “catas¬
trófico” no qual a humilhação, a rejeição e a morte do Messias eram
consideradas como parte inseparável do processo de redenção.
O herói de nosso livro, esse Messias assassinado, é o elo que fal¬
tava para entendermos como o cristianismo emergiu do judaísmo.
Jesus nasceu perto da época em que esse Messias morreu. A perso¬
nalidade messiânica de Jesus se torna mais clara quando vista com
relação à vida e morte desse Messias. Uma reconstrução da história
deste último nos permite, pela primeira vez, apresentar um pano
de fundo histórico para o relato da consciência messiânica de Jesus
no Novo Testamento.Temos agora condição de entender a luta que
se travou em sua alma, entre seu desejo natural de viver e a vocação
messiânica de rejeição, sofrimento e morte, que ele herdou de seu
predecessor, o “servo sofredor” dos Manuscritos do Mar Morto.
CAPÍTULO UM

O Segredo Messiânico

UM DIA NA VIDA DO MESSIAS

Quando: um dia de janeiro do ano de 18 a.C.


Onde: Jerusalém, palácio de Herodes, na parte ocidental da
Cidade Alta,1 e o bairro essénio da cidade, ao sul do palácio.2
O Messias se levanta de manhã cedo, antes do nascer do sol,3 e
se dirige para a “Casa de Prostração”,4 o local de reunião e oração
dos essênios em Jerusalém. Nessa construção, no alto de uma
colina, todos os membros da comunidade estão reunidos para as
preces da manhã,5 findas as quais o Messias se retira. O sol de
inverno surge no leste sobre o mar Morto e as montanhas de Moab,
visíveis a distância. O Messias caminha na direção norte, passando
pelas casas do setor essênio, e em pouco tempo chega ao palácio do
rei Herodes.
O palácio suntuoso, apenas recentemente concluído,6 é cer¬
cado por um muro alto e protegido, no lado norte, por três enormes
torres. O palácio consiste em dois grandes e esplêndidos edifícios:
um deles é chamado o “Cesarion”, em homenagem ao imperador
romano Augusto, e o outro, o “Agripion”, em honra do genro de
Augusto, Agripa, com quem Herodes mantém relações de amiza-
20 0 Segredo Messiânico

de.7 No pátio do palácio há pórticos e um jardim com árvores, tan¬


ques e fontes de bronze.8 Há também muitos pombais, pois o rei se
dedica à criação de pombos.9
O Messias entra no palácio. Nesta manhã, amigos e parentes
de Herodes estão reunidos com o rei, conduzindo um conselho
legal.10 O tema que lhes foi proposto é extremamente complexo.
O Messias recorda as instruções dadas nos livros de sabedoria de
sua comunidade: “Não fales antes de teres ouvido o que eles têm a
dizer ... e, estando entre príncipes, responde com cautela.”11 Ele
espera até que alguns dos amigos e parentes tenham emitido suas
opiniões, e só então pede permissão para se pronunciar. Ele fala
suavemente e, com sua imensa sabedoria, apresenta a solução para
a complexa questão legal.
Ao meio-dia, o rei, seus filhos, amigos e parentes se acomodam
no grande salão do Cesarion para o almoço. A decoração das paredes
lembra as pinturas murais do palácio de Augusto em Roma.12 O pri¬
meiro prato consiste de peixe com um molho especial, feito com
um tipo de lagosta, que vem de Roma para as cozinhas de Hero¬
des.13 Como prato principal, pombos assados dos pombais do rei.
De sobremesa, há maçãs enviadas de Cumae na Itália, para o palá¬
cio real.14 Durante a refeição, Herodes e os membros de sua corte
bebem um vinho italiano do tipo fíloniano. Uma grande remessa da
bebida, dos vinhedos de Lúcio Lênio, no sul da Itália, chegou
recentemente ao palácio.15 O Messias, que segue escrupulosa¬
mente suas leis dietéticas, não pode tocar a comida servida aos
outros convivas. Ele recebe uma porção especial de frutas e legu¬
mes num prato feito de pedra, resistente a impurezas.15
Após a refeição, o famoso escritor e historiador Nicolau de
Damasco, que faz parte da corte de Herodes,17 se ergue e lê em voz
alta duas cartas que acabaram de chegar de Roma. Uma é dos filhos
de Herodes, Alexandre e Aristóbulo; a outra é do anfitrião deles em
Roma, o político e escritor Asínio Pólio.18 Este escreve sobre o
retorno de Augusto de sua viagem ao Oriente. Também relata um
acontecimento que lhe causou grande tristeza: a morte de seu
amigo, o celebrado poeta Virgílio.
0 Segredo Messiânico 21

Virgílio havia partido da Itália em 19 a.C. para ir a Atenas.


Pretendia ficar três anos na Grécia para concluir sua obra maior, a
Eneida. No entanto, em Atenas ele se encontrou com o imperador
Augusto, que voltava do Oriente para Roma, e este o persuadiu a
acompanhá-lo. No caminho, o poeta caiu doente e não chegou a alcan¬
çar seu destino, pois morreu em Brindisium em 20 de setembro
de 19 a.C. Em sua carta, Pólio acrescentava que, antes de partir de
Roma para a Grécia, Virgílio havia nomeado Vário como seu testador
literário. Sentindo que a Eneida estava incompleta, havia instruído
Vário para queimar a obra se ele não conseguisse voltar a Roma a
salvo. Augusto, porém, ordenou que as instruções do poeta fossem
ignoradas e assim a grande obra escapou de ir para o fogo.19
Finda a leitura da carta de Pólio, o Messias deixa o palácio real e
se dirige ao setor essênio. Entra em um dos muitos banhos rituais lá
existentes,20 se despe e imerge no tanque. Depois de purificado,
veste um traje branco21 trazido por um dos membros de sua comuni¬
dade.
Os membros da seita se reúnem agora para a refeição vesper¬
tina. Aatmosfera e o cardápio são completamente diferentes dos do
palácio de Herodes. Os participantes se sentam em torno de uma
longa mesa, encabeçada por um sacerdote e pelo Messias, que é o
nasi (chefe) da comunidade.22 O padeiro caminha ao longo da mesa
e coloca um pedaço de pão diante de cada um. Atrás dele vem o
cozinheiro, que entrega a cada membro um prato de legumes cozi¬
dos.23 Primeiro, o sacerdote abençoa o pão e o vinho e come uma
porção do pão; a seguir, o Messias abençoa o pão e come do pedaço
que lhe coube. Só então os outros podem fazer sua bênção sobre o
pão e começar a comer.24 Durante a refeição, o silêncio é absoluto.2S
No fim, os membros da comunidade proferem uma última bênção e
agradecem a Deus pelo alimento que acabaram de comer.26
Após a refeição, o sacerdote se levanta e abençoa o Messias,
como nasi da comunidade:

Com teu cetro podes devastar a terra


e pelo sopro de teus lábios podes matar o ímpio ...
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Fig. 1. O Pergaminho da Guerra entre os Filhos da Luz e os Filhos das Trevas.


0 Segredo Messiânico 23

Que ele transforme teus chifres em ferro


e teus cascos em bronze ...
Pois Deus te criou como um bastão para os soberanos ...
e ele te fortalecerá com seu santo nome.27

Para os membros da seita dos essênios, o nasi é o Messias, desti¬


nado a reinar sobre todas as nações. O poder chegaria às suas mãos
após uma guerra em que ele e seus seguidores derrotassem os exér¬

citos das nações e antes de todos o exército de Roma. O “ímpio”
que o Messias haveria de matar com o sopro de seus lábios28 é o “rei
de Kitim”, que era o código para o romano César Augusto.29 Essa
visão não é uma simples abstração. O Messias e seus seguidores
estão reunidos com um pergaminho aberto diante deles. Nesse
pergaminho há um plano detalhado para a próxima “guerra [escato-
lógica] entre os Filhos da Luz e os Filhos das Trevas.”
Todas essas atividades, obviamente, se realizam no mais com¬
pleto segredo. Se o rei Herodes ou um de seus informantes soubes¬
sem das aspirações do Messias e seus seguidores, ou dos preparati¬
vos para a guerra contra os romanos, sem dúvida estes seriam con¬
denados à morte. Seriam levados à fortaleza Hircânia, na parte mais
desolada do deserto da Judéia, submetidos a terríveis torturas e
mortos.30 Todos os membros da seita, contudo, ao entrarem para a
comunidade, se comprometeram mediante juramento a jamais
revelar seus segredos a estranhos, mesmo quando torturados até a
morte.31 Assim sendo, ninguém fora da seita sabe a respeito do
chefe messiânico e dos preparativos para a guerra.
À noite, o Messias vai dormir tarde. Amanhã irá novamente ao
palácio, se sentará na companhia dos filhos do rei e conversará com
Herodes. A conversação se dará no salão que tem o nome do impe¬
rador Augusto. Nenhum dos participantes jamais irá imaginar que,
apenas há algumas horas, aquele respeitável convidado esteve reu¬
nido com os membros de sua comunidade, planejando derrotar
Augusto e seu exército no dia da vingança.32
Essa reconstrução imaginária de um dia na vida do Messias se
baseia em fontes literárias do período e em descobertas arqueológi-
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Fig. 2. Qumran, caverna 4.
0 Segredo Messiânico 25

cas feitas em Qumran,33 no palácio de Herodes em Massada e em


escavações em Jerusalém. Ela mostra a dualidade da vida do Messias:
por um lado, era um conviva respeitado na corte romano-helenista
de Herodes; por outro, junto com seus seguidores, aguardava a hora
da guerra santa contra os romanos. Todavia, essa duplicidade era
apenas parte da complexidade da figura do Messias. Para saber
mais a seu respeito, devemos voltar nossa atenção para os Manus¬
critos do Mar Morto.

OS HINOS MESSIÂNICOS

No início do ano de 1947, um pastor beduíno da tribo Ta’mireh, que


vivia no deserto da Judeia, procurando por uma cabra que se desgar¬
rara de seu rebanho, viu-se diante da entrada de uma caverna na
encosta rochosa sobranceira ao mar Morto, perto do local conhecido
como Hirbat Qumran, e tentou a sorte atirando uma pedra pela
abertura. A pedra atingiu um jarro de cerâmica e o som incitou o
pastor a entrar na caverna. Para sua grande surpresa, encontrou
alguns jarros de barro, um dos quais continha rolos de pergaminho.
Os rolos foram vendidos para um negociante de antiguidades de
Belém.
E. L. Sukenik, professor de arqueologia na Universidade He¬
braica de Jerusalém, comprou dois desses rolos do negociante de
Belém. Pouco tempo depois, conseguiu comprar mais um. Estes e
mais outros rolos e fragmentos de rolos encontrados perto de Hir¬
bat Qumran são conhecidos como os Manuscritos do Mar Morto.
Sukenik deu o nome de “Pergaminho de Ação de Graças” a um
dos rolos que havia adquirido, pois era composto de salmos, a maio¬
ria dos quais começando com as palavras “Eu darei graças ao Se¬
nhor.” Nesses salmos, quem os escreveu expressa a gratidão a Deus
por tê-lo redimido do pecado e levado para perto de Sua presença.
Ele se descreve como o chefe de uma comunidade de crentes e, em
vista disso, muitos estudiosos acreditam que o pergaminho tenha
26 0 Segredo Messiânico

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Fíg. 3. As folhas rasgadas do Pergaminho de Ação de Graças.

sido escrito pelo “mestre da justiça”, o fundador e primeiro líder da


seita de Qumran.
Enquanto os outros pergaminhos encontrados na caverna de
Qumran estavam enrolados de maneira normal, o Pergaminho
de Ação de Graças estava numa condição extraordinária que le¬
vanta algumas perguntas. Estava guardado em duas partes separa-

0 Segredo Messiânico 27

das. A primeira a ser aberta continha três folhas de pergaminho;


estas não estavam enroladas uma dentro da outra, mas cada uma
fora dobrada individualmente. Após serem examinadas, tornou-se
claro que as folhas não haviam sido separadas pelo beduíno ao reti¬
rar os manuscritos dos jarros, mas que as diferentes partes do Perga¬
minho de Ação de Graças haviam sido guardadas daquela maneira
na Antiguidade. A segunda parte do pergaminho era uma massa
comprimida e amarrotada, formada por cerca de setenta fragmen¬
tos, grandes e pequenos, de pergaminho.34
Ao que tudo indica, antes de ser guardado, o pergaminho havia
sido deliberadamente desfigurado. Um dos membros da seita ha¬
via separado as folhas do pergaminho, dobrado três delas e rasgado
as outras em inúmeros fragmentos, comprimindo-os em uma única
massa. Era clara a intenção de desfigurar o pergaminho. No en¬
tanto, ele não foi totalmente destruído. Alguém da seita
mesma pessoa que o havia danificado ou algum outro membro
— ou a

guardou as folhas separadas e os fragmentos amassados na caverna
onde eram colocados os escritos sagrados da seita. Como se pode
entender essa mistura de destruição e preservação?
Parece que essa cópia do Pergaminho de Ação de Graças em
especial despertou sentimentos variados entre os membros da
seita. Pode-se entender o desejo de preservar esse pergaminho
que, afinal de contas, era um dos seus escritos sagrados, mas o que
teria provocado o impulso de rasgá-lo e destruí-lo? Existiria algo
nesse pergaminho em particular que os membros da seita conside¬
rassem material herético que devesse ser suprimido?
Dois hinos incomuns, que, em minha opinião, poderiam real¬
mente ter levantado uma forte oposição de alguns dos membros da
seita, estão incluídos nesse pergaminho. Apenas uns poucos restos
desses hinos estavam preservados entre os fragmentos amarrotados
encontrados na que hoje conhecemos como a caverna 1 de Qumran;
mas, por um golpe de sorte, três outros manuscritos descobertos
mais tarde na caverna 4 contêm versões dos hinos e, com a ajuda
destes, podemos reconstruir o texto dos fragmentos da caverna l.35
28 0 Segredo Messiânico

Esses hinos são diferentes dos outros salmos de ação de graças


tanto em sua linguagem como em suas formas de bênçãos.36 A atmos¬
fera reinante nos mesmos também é essencialmente diferente da
atmosfera geral dos salmos. Os salmos de ação de graças são impreg¬
nados de um forte sentimento de culpa. Eles pressupõem que os
humanos só serão libertados de sua condição culposa e pecaminosa
através da graça de Deus.37 Já nos hinos o sentimento de culpa está
totalmente ausente; pelo contrário, notamos que o pecado e a culpa
desapareceram como se nunca tivessem existido.38 Por todas essas
razões, os estudiosos chegaram à conclusão de que os hinos não
faziam parte da coletânea original de ações de graças, mas foram
inseridos em data posterior.39
O primeiro hino está escrito na primeira pessoa. Com base nos
diferentes manuscritos, podemos reconstruir os hinos conforme
abaixo:40

[Quem] foi desprezado como [eu? E quem]


foi rejeitado [pelos homens] como eu? [E quem] se compara a
m[im na resistência] ao mal?

Quem é igual a mim dentre os anjos?


[Eu] sou o bem-amado do rei, um companheiro dos san[tos],

A figura representada nesse hino é complexa e fascinante. Per¬


cebemos uma dicotomia muito marcada na imagem que o autor faz
de si mesmo. Ele se vê como possuidor de atributos divinos, mas ao
mesmo tempo se reconhece na imagem do “servo sofredor” de
Isaías 53. Sobre esse “servo sofredor” está escrito: “Era desprezado
e abandonado pelos homens, um homem sujeito à dor, familiari¬
zado com a enfermidade (Isaías 53,3). O autor do hino diz:

E quem] foi desprezado como [eu? e quem]


foi rejeitado [pelos homens] como eu?
0 Segredo Messiânico 29

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Fig. 4. O primeiro hino messiânico


— versão 1: 4QHe, frg. 1-2.

Novamente, a respeito do “servo sofredor” temos em Isaías


53,4: “E no entanto, eram as nossas enfermidades que ele levava
sobre si, e as nossas dores que ele carregava”. De modo semelhante,
o autor do hino fala de si mesmo:

[E quem] se compara a m[im na resistência] ao mal?

E atinge o ponto máximo da audácia quando diz:

Quem é igual a mim dentre os anjos (elim )?

A temeridade dessa expressão se torna tanto mais evidente


quando percebemos que ela se baseia num versículo da Bíblia que
se refere a Deus: “Quem é igual a ti, ó Senhor, entre os deuses
(idim)}" (Êxodo 15:11). O autor do hino toma o louvor que se faz a
Deus na Bíblia e o usa para glorificar a si mesmo! O termo elim que
ele emprega se refere aqui aos anjos.41 O autor se vangloria de
que nenhum dos anjos do céu pode se comparar a ele. O emprego
30 0 Segredo Messiânico

tão audacioso de um versículo bíblico certamente poderia ter sido a


causa da posterior desfiguração do Pergaminho de Ação de Graças.
O autor também se auto-intitula o “bem-amado”, ou “amigo”,
do rei. Esta expressão normalmente se refere a um rei de carne e
osso,42 mas no contexto imediato desse hino, o rei em questão é Deus.
O que é confirmado no fim da sentença, onde o autor se descreve
como “companheiro dos santos”, isto é, um amigo dos anjos.43
Esse hino, conhecido entre os estudiosos como o Hino da Auto-
glorificação, existe em outra versão que também possui a marca dessa
personalidade complexa e muiltifacetada. No início da segunda ver¬
são, ficamos sabendo que o autor teve a experiência de sentar-se em
um magnífico trono no céu, em uma assembléia de deuses-anjos:44

um trono de poder na assembléia de anjos. Nenhum rei de


outrora se sentará nele.
Eu estou sentado [ .. . ] no céu.

O autor acrescenta que é considerado como um entre os anjos,


em cuja assembléia vive:

Eu serei contado entre os anjos, minha morada é na santa


assembléia.

Ele afirma ter alcançado uma condição sobre-humana, con¬


forme evidenciado na eliminação de desejos carnais e na capaci¬
dade de suportar o sofrimento físico:

[Meu] dese[jo] não vem da carne,

Quem, como eu, suport[ou todas as] aflições? Quem se


compara a mim [na resist]ência ao mal?

Como na primeira versão do hino, notamos aqui uma forte


dicotomia no caráter do narrador; ele afirma ser simultaneamente o
mais desprezado e o mais dignificado dos homens:
0 Segredo Messiânico 31

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Fig. 5. O primeiro hino messiânico
— versão 2: 4Q491, frg. 11, col. 1.

[QJuem foi considerado desprezível como eu e, no entanto,


quem é igual a mim em minha glória?

O autor também se gaba de seus incomparáveis talentos como


mestre e juiz:

Quem pode se juntar a mim e assim fazer um confronto com


meu julgamento?

E imediatamente antes disso:

nenhum ensinamento se compara


[ao meu ensinamento].4S

Quando ele abre a boca, ninguém o interrompe e ninguém que


o ouve consegue entender o que ele diz:
32 0 Segredo Messiânico

Quem poderia cortar m[inhas palavras]? E quem poderia julgar


a fluência de meu discurso?46

Quem é que fala nos hinos? Serão essas as palavras reais de uma
personalidade extraordinária, ou teriam sido colocadas nos lábios
de uma figura imaginária?
Na opinião de alguns estudiosos, essas palavras deveriam ser as
da figura imaginária do sacerdote-Messias, ou mestre, no “fim dos
dias”,47 mas é difícil aceitar esta idéia. Embora haja descrições de
personagens messiânicos futuros na literatura do mar Morto, não
existe nada nem remotamente parecido com esse hino escrito na
primeira pessoa. Da mesma forma, não existe nada que lembre a
audácia e a auto-exaltação refletidas nesse hino. Eis o que diz J. J.
Collins, um proeminente estudioso dessa literatura:

Em nenhum outro ponto do corpus dos manuscritos


encontramos palavras colocadas nos lábios de qualquer
Messias e, portanto, não existe paralelo para um discurso como
o que temos em 4Q491, feito por uma figura messiânica.
Tampouco existe paralelo para tais afirmações por qualquèr
outra pessoa.48

Além do mais, a combinação de condição divina e sofrimento


que aparece no hino é desconhecida na literatura judaica. Portanto,
é difícil acreditar que alguém pudesse criar uma figura messiânica
imaginária tão incomum. O caráter único do hino nos leva a pensar
que se trata da expressão original de uma personalidade histórica,
atuante na comunidade de Qumran. Em minha opinião, há evidên¬
cias de que a pessoa que fala no hino era um chefe da seita de Qum¬
ran, que' se via como o Messias e assim também era visto por sua
comunidade.49
O primeiro hino, o da Autoglorificação, é seguido, em todos os
seus quatro manuscritos, por um segundo,50 que conclama a comu¬
nidade para agradecer a Deus por sua clemência. Os estudiosos que
pesquisaram a identidade do orador do primeiro hino consideraram
0 Segredo Messiânico 33

a questão sem referência ao segundo hino, porém o fato de os dois


aparecerem sempre em sucessão mostra que deve haver uma estrei¬
ta conexão entre eles. Ademais, no segundo hino, como no primeiro,
há claras indicações, tanto na linguagem como no conteúdo, de que
ele não fazia parte do Pergaminho de Ação de Graças original¬
mente.51 E mais ainda, estes são os únicos salmos no Pergaminho de
Ação de Graças que foram encontrados em duas versões diferentes.
Por todas essas razões, a meu ver, os hinos deveriam ser encarados
como duas partes de uma única composição. Creio que não se pode
considerar a identidade de quem fala no primeiro hino sem consi¬
derar o conteúdo do segundo.
A conexão entre o primeiro e o segundo hinos é evidente no
conteúdo de ambos. Quem fala no primeiro descreve sua experiên¬
cia de sentar-se no céu na companhia de deuses-anjos, na primeira
pessoa:

Eu estou sentado [ ... ] no céu,


Eu serei contado entre os anjos.

No segundo hino encontramos uma descrição dessa mesma


experiência, expressa na terceira pessoa:

Grande é Deus que ag[e prodigiosamente],


pois abate o espírito arrogante ... e eleva o pobre do pó para
[as alturas eternas],
e até as nuvens ele o engrandece em estatura, e [ele está] com
os seres celestiais na assembléia da comunidade.52

Essa descrição nos proporciona informações valiosas sobre


quem fala no primeiro hino, que, em suas próprias palavras, sen-
tou-se no céu cercado por anjos. Aqui ele é descrito como um mise¬
rável que rastejava no pó, mas que Deus elevou “até as nuvens.”
O segundo hino é essencialmente um chamado aos membros
da comunidade, para agradecerem a Deus pela salvação que este
lhes concedeu. O orador começa:
34 0 Segredo Messiânico

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Fig. 6. O segundo hino messiânico — versão 1: 4QHa, frg. 7, col. 1 e 2.

Cantai louvores, ó bem-amados, cantai para o rei da


[glória, alegrai-vos na congrejgação de Deus, proclamai o júbilo
nas tendas da salvação.

Mais adiante no hino, encontramos a descrição de uma mudan¬


ça dramática ocorrida no destino da seita:

[ ... e a maldade perece ... ]


0 Segredo Messiânico 35

a mentira [aca]ba, e não há perversidades insensatas; a luz


aparece,
a dor [desaparece], e o padecimento some; a paz surge, o
terror cessa; uma fonte se abre para [eterna] bên[çãoJ
e [para] cura por todos os tempos ... a iniquidade termina.

A era descrita nesse trecho é um tempo de redenção em que a


maldade, o pecado e o pesar desapareceram, sendo substituídos
pela luz da salvação. A redenção não é descrita aqui como uma visão
profética para o futuro ou como um objeto de prece, como em
outras partes do Pergaminho de Ação de Graças,53 mas como uma
realidade já existente.
O povo de Qumran esperava a vinda de um Messias que lhes
traria a expiação por seus pecados. Em um dos manuscritos de
Qumran, o Documento de Damasco, consta que as leis ali contidas
seriam válidas até o advento do Messias. Este traria para os mem¬
bros da seita uma expiação superior àquela que poderia ser obtida
através de oferendas de alimentos ou oferendas por pecado:

E esta é a explicação das regras pelas quais eles serão


[go]vernados até o surgimento do ungido de Arão e Israel e ele
expiará suas iniquidades melhor do que através de oferendas
de [a!im]entos e oferendas por pecados.54

Enquanto o Documento de Damasco descreve a expiação mes¬


siânica como uma esperança para o futuro, em nosso hino a expiação
e o perdão dos pecados já aconteceram.
A era da redenção messiânica é descrita aqui como uma reali¬
dade contemporânea. Com efeito, na versão dois do segundo hino,
os membros da seita são conclamados a se rejubilarem diante de
Deus e para louvá-lo por ter estabelecido “a trombeta do [seu]
Mess[ias]”:55

[ ... Alegrai-vos,] vós, justos dentre os anjos [ ... ] na santa


morada, entoai [-lhe] hinos
36 0 Segredo Messiânico

[ ... anunjciai o som de um grito vibrante [ ... ] em eterno


júbilo, sem [ ... ]
[ ... ] para estabelecera trombeta do [seu] Mess[ias]%
[ ... ] para tornar conhecida sua força em poderio [ ... ]
Quem era esse Messias cuja “trombeta” foi “estabelecida” por
Deus?
Não estaríamos enganados se identificássemos o Messias aqui

mencionado com o narrador do primeiro hino o Hino daAutoglo-
rificação. A descrição que ele faz de si mesmo, sentado no céu num
trono divino, corresponde às descrições bíblicas da figura do Mes¬
sias.57 O ponto de vista que se encontra no segundo hino que a
redenção e o perdão já chegaram —
aparentemente tem ligação

com o surgimento dessa personalidade.
Como vimos, o narrador do primeiro hino se apresenta em ter¬
mos que lembram o “servo sofredor”:

E quem] foi desprezado como [eu? e quem]


foi rejeitado [pelos homens] como eu?
Quem, como eu, suport[ou todas as] aflições? Quem se
compara a mim [na resist]ência ao mal?58

A descrição, no segundo hino, do herói sendo engrandecido “até


as nuvens” também corresponde à descrição do “servo de Deus” ou
“servo sofredor” em Isaías: “Eis que o meu Servo há de prosperar, ele
se elevará, será exaltado, será posto nas alturas” (Isaías 52,13).
O “servo sofredor” em Isaías carregava os pecados de sua
comunidade e os expiava:

E no entanto, eram as nossas enfermidades que ele levava


sobre si, as nossas dores que ele carregava ...
Mas ele foi trespassado por causa das nossas transgressões,
esmagado em virtude das nossas iniquidades ...
mas na verdade levou sobre si o pecado de muitos e pelos
transgressores fez intercessão. (Isaías 53,4.5.12)
0 Segredo Messiânico 37

Em vista da estreita conexão que encontramos na literatura do


mar Morto entre a vinda do Messias e o perdão dos pecados,59 po¬
de-se supor que o narrador do primeiro hino, que se via em termos
do “servo sofredor” descrito por Isaías, era considerado por sua
comunidade como alguém que através de seus sofrimentos havia
expiado os pecados de todos os membros da seita.

JESUS E O HERÓI DOS HINOS

Jesus nasceu aproximadamente na época da morte do rei Herodes


(4 a.C.) e foi crucificado em Jerusalém por volta de 30 E.C. Quem
foi o Jesus histórico?60 Como ele próprio se via? A proposição domi¬
nante nos estudos sobre o Novo Testamento diz que Jesus não se
considerava o Messias.61 De acordo com esta escola, ele não se iden¬
tificava com as figuras messiânicas do “fiiho do homem”, do livro de
Daniel,62 e do “servo sofredor”, de Isaías 53. Foram seus discípulos
que fizeram essa identificação, após sua morte. R. Bultmann, o
principal representante dessa escola, comenta:

Por certo, existe a tentativa de transferir a noção do sofredor


Filho do Homem para o ponto de vista de Jesus, presumindo
que este se considerava o Servo de Deus do Dêutero-Isaías, que
sofre e morre pelo pecador, e fundindo as duas noções de Filho
do Homem e de Servo de Deus na figura única do Filho do
Homem que sofre, morre e ressuscita. Já de início, as dúvidas
que devem ser levantadas quanto à historicidade das previsões
da paixão depõem contra essa tentativa. Além disso, a tradição
das falas de Jesus não revela qualquer sinal de ele ter tido
consciência de ser o Servo de Deus, de que fala Isaías 53.
A interpretação messiânica deste capítulo foi descoberta na
igreja cristã e, assim mesmo, não imediatamente.63

Eu acredito que os hinos messiânicos de Qumran lançam


dúvidas sobre as conclusões de Bultmann. O herói dos hinos afir-
38 0 Segredo Messiânico

ma sua condição divina. Ele afirma ser superior aos anjos64 e se


descreve tomando assento no céu, rodeado por eles,65 dessa forma
comparando-se claramente ao Deus bíblico.66 Ao mesmo tempo,
ele se descreve como “desprezado e rejeitado pelos homens” e
clama

Quem, como eu, suportjou todas as] aflições? Quem se


compara a mim [na resistjência ao mal?67

Assim, ele se identifica como o “servo sofredor” de Isaías. Essa


combinação de condição divina e sofrimento não aparece, na histó¬
ria da idéia messiânica, antes destes hinos.
Portanto, a interpretação messiânica de Isaías 53 não foi desco¬
berta na igreja cristã. Ela já havia sido desenvolvida pelo Messias de
Qumran. Em vista desses fatos, deveríamos considerar a possibili¬
dade de a descrição de Jesus como uma combinação do “filho do
homem” e do “servo sofredor” não ter sido uma invenção posterior
da igreja. Talvez o Jesus histórico de fato se visse dessa forma, pois
uma fusão do mesmo tipo já havia sido feita por seu predecessor, o
Messias de Qumran.

Qual era a natureza da conexão histórica entre Jesus e o Messias de


Qumran? É possível que Jesus o tivesse conhecido pessoalmente?
Pelos hinos em si, é difícil obtermos claras provas históricas que
indiquem o período de atividade do líder messiânico. Os quatro
manuscritos que chegaram a nós, contendo os hinos messiânicos
em suas duas versões, podem ser atribuídos, pelo tipo de escrita, a
um período entre 50 a.C. e o início da era cristã,68 no tempo do rei¬
nado de Herodes.69 Essa informação nos permite determinar que o
movimento messiânico existia na segunda metade do século I a.C.,
o mais tardar. Porém, a época em que foram escritas as cópias que
possuímos dos hinos não é necessariamente a época da composição
dos mesmos. Não podemos excluir a possibilidade de que tenham
sido compostos anteriormente e que cópias mais antigas tenham se
perdido.
0 Segredo Messiânico 39

Temos que encontrar um ponto de Arquimedes fora dos hinos,


que nos forneça informações sobre a existência de um líder messiâ¬
nico na seita de Qumran, no período que mencionamos. Tal ponto
poderá ser encontrado, em minha opinião, no conjunto de escritos
apocalípticos que discutiremos no próximo capítulo.
CAPÍTULO DOIS

Depois de Três Dias

Começaremos nossa pesquisa sobre a ambientação histórica do


Messias de Qumran com uma análise de duas obras apocalípticas.
A meu ver, esses apocalipses nos relatam a morte violenta do Mes¬
sias de Qumran. Nossa primeira tarefa será estabelecer as datas dos
eventos neles descritos. Numa obra apocalíptica, o autor normal¬
mente descreve os acontecimentos de seu tempo como uma profe¬
cia do futuro. Por esse motivo, tais obras devem ser interpretadas
contra o pano de fundo dos eventos históricos da época em que
foram compostas. Conforme sustento com detalhes, o conteúdo
dessas obras pode ser facilmente entendido à luz da situação polí¬
tica no Império Romano durante a segunda metade do século I a.C.,
pouco antes da vida e do ministério de Jesus.
No ano de 44 a.C., Júlio César foi morto por um grupo de cons¬
piradores encabeçados por Brutus e Cássio. Após o assassinato, foi
examinado o testamento de César, no qual ele declarava haver ado¬
tado Otaviano, filho de sua sobrinhaÁtia, como seu filho. Este rece¬
beu então o nome do César assassinado, passando a chamar-se

César Otaviano. Otaviano que mais tarde receberia o título de

“Augusto” era na época um jovem de dezenove anos. Teve de
42 Depois de Três Dias

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Figs. 7-8. Efígie de Otaviano como Caesar Divi


filius,
junto à de Divus Iulius (sestércio de
Otaviano, ca. 40 a.C.).

lutar pelo poder em Roma contra rivais mais velhos e mais experien¬
tes — especialmente Marco Antônio.
O principal esforço de Otaviano na ocasião se voltou para a con¬
secução de honras divinas para o imperador morto, pois, sendo seu
pai adotivo reconhecido como divino, ele também naturalmente
seria beneficiado com tal condição. Desejando enfatizar que era o
filho do “divino Júlio”, Otaviano deu a si mesmo o título de divi
filius, que significa “filho de Deus” ou “filho do divinizado”, e que
foi estampado em suas moedas.1
Nos anos que se seguiram à morte de César ocorreram guerras
cruéis. No começo, Otaviano e Marco Antônio lutaram juntos con¬
tra os assassinos e seus adeptos. Após derrotarem esses inimigos,
dividiram o império entre si. Otávio tinha sua base em Roma e
governava os países do ocidente, enquanto Marco Antônio se esta¬
beleceu em Alexandria e administrava as províncias orientais.2
O relacionamento íntimo de Marco Antônio com Cleópatra, rainha
do Egito, foi motivo de grandes atritos ente ele e Otaviano, resul¬
tando posteriormente na batalha marítima de Accio em 31 a.C.
A sorte da batalha ainda não estava decidida quando
Depois de Três Dias 43

de repente os sessenta navios de Cleópatra foram vistos içando


velas e se fazendo ao mar, em plena velocidade, bem no meio
...
das embarcações empenhadas em combate. Foi quando
Antônio mostrou ao mundo que não mais era movido pelo
...
raciocínio e pelos motivos de um comandante ou na
verdade nem mesmo por seu próprio julgamento. Pois, ...
como se ele fosse parte dela (isto é, Cleópatra) e tivesse de ir
junto com ela para onde quer que ela fosse, tão logo viu o
navio dela se afastando, abandonou todos os que estavam
...
lutando e dando suas vidas por ele, e a seguiu.3

Assim foram Antônio e Cleópatra derrotados pela frota de Otavia-


no. Os dois fugiram para Alexandria, onde se suicidaram.
Acredito que esses eventos dramáticos são relatados no Apoca¬
lipse como o Oráculo de Histaspes.

O ORÁCULO DE HISTASPES

A profecia de Histaspes aparece mencionada pela primeira vez em


meados do século II E.C., nos escritos de Justino Mártir, que foi
morto pelas autoridades romanas por sua crença cristã. Ele conta
que os governantes romanos decretaram a pena de morte para qual¬
quer um que lesse essa profecia, que previa a queda do Império
Romano, e acrescenta que, a despeito desse cruel decreto, ele e
seus amigos continuaram a lê-la.4 O Padre da Igreja Clemente de
Alexandria, contou que Paulo de Tarso não só recomendava a lei¬
tura da profecia de Histaspes, como tirava citações da mesma.s
O mítico Histaspes, a quem o oráculo foi atribuído, era um rei
da Média que supostamente viveu antes da Guerra de Tróia. Mas a
identidade persa encobre o fato de essa obra apocalíptica ter sido
escrita por um judeu, a respeito do povo judeu e de Jerusalém.6 Pas¬
sagens do Oráculo de Histaspes estão preservadas em um livro do
Padre da Igreja Lactâncio (ca. 300 E.C.), que era conhecido como o
Cícero cristão.
44 Depois de Três Dias

Em sua profecia, Histaspes fala de dois reis. Sobre o primeiro,


que reinaria sobre a Ásia, disse:

Ele atormentará o mundo com seu poder intolerável ... e


planejará novos desígnios em seu íntimo, para poder
estabelecer o governo para si mesmo. ... E fínalmente, mudará
o nome do império e transferirá sua sede.7

Depois desse, viria outro rei,8 mais terrível que o primeiro, e o


destruiria. Histaspes assim fala deste segundo rei: “ [E] le se consti¬
tuirá e se intitulará Deus e ordenará que o adorem como o filho de
Deus.”9
Quem eram esses dois reis?
Segundo Histaspes, o primeiro rei, que governava a Ásia,
mudaria o nome do império e transferiria sua capital. Essas afirma¬
ções correspondem exatamente às acusações que os partidários de
Otaviano-Augusto fizeram contra Marco Antônio, por causa de seu
relacionamento com Cleópatra.
Em 40 a.C., Antônio desposou a irmã de Otaviano-Augusto,
Otávia, cumprindo um acordo entre os dois rivais, firmado em Brin-
disium naquele ano. O acordo e o casamento suscitaram grandes
esperanças entre os romanos, já cansados das intermináveis guer¬
ras, mas essas esperanças ruíram quando Antônio voltou para sua
amante, Cleópatra, e se casou com ela. A rivalidade entre Antônio e
Otaviano-Augusto atingiu seu ápice no ano de 32 a.C., quando ó
primeiro se divorciou de Otávia e a expulsou de sua casa. Como rea¬
ção, Otaviano-Augusto tirou ilegalmente o testamento de Antônio
da custódia das sacerdotisas vestais em Roma e o leu perante o
Senado. No testamento, ele havia estipulado que, mesmo se mor¬
resse em Roma, desejava ser transladado a Alexandria e enterrado
junto a Cleópatra. O documento foi usado como prova das alega¬
ções de que Antônio pretendia transferir a capital do império para
aquela cidade. O Senado determinou a guerra contra a rainha egíp¬
cia, que culminou na batalha de Accio entre a frota de Augusto e a
de Antônio e Cleópatra.10 De acordo com o relato do historiador
Depois de Três Dias 45

romano Cássio Dio,11 em Roma acreditava-se que “se Antônio ven¬


cesse, doaria a cidade a Cleópatra e transferiria a sede do poder para
o Egito.”12
Na visão de Histaspes consta que o primeiro rei “planejará
novos desígnios em seu íntimo, para poder estabelecer o governo
para si mesmo. ... E, finalmente, mudará o nome do império e
transferirá sua sede.” Esse rei poderia, portanto, ser identificado


como Marco Antônio. Ainda de acordo com Histaspes, o primeiro
rei seria destruído pelo segundo este seria Augusto, que derro¬
tou Antônio. Sobre o segundo rei, disse Histaspes: “Ele ... se inti¬
tulará Deus e ordenará que o adorem como o filho de Deus”; com

efeito, Otaviano-Augusto se intitulou divifilius “filho de Deus.”
De acordo com Histaspes, o segundo rei, o “filho de Deus”,
seria um falso profeta que faria o fogo descer do céu:

[E]le também será um profeta de mentiras, e se constituirá e


se intitulará Deus e ordenará que o adorem como o filho de
Deus, e lhe será dado o poder de realizar milagres e prodígios,
com a visão dos quais ele poderá induzir os homens a adorá-lo.
Ele ordenará que o fogo desça do céu.13

Por que Augusto, o “filho de Deus”, foi descrito como um falso


profeta?

O FALSO PROFETA NO LIVRO DO APOCALIPSE

A figura do falso profeta que faz descer o fogo do céu também nos é
familiar pela famosa visão, no capítulo 13 do Apocalipse do Novo
Testamento,14 onde duas bestas são descritas.
A primeira delas, com sete cabeças e dez chifres, surgiu do mar.
Uma de suas cabeças estava seriamente ferida, mas a ferida foi
curada. Todos os habitantes da terra adoravam essa besta. Posterior-
mente, apareceu uma segunda: “Vi depois outra besta sair da terra;
tinha dois chifres como um cordeiro, mas falava como um dragão”
46 Depois de Três Dias

(Apocalipse 13,11). Mediante prodígios e milagres, entre os quais


fazer descer o fogo do céu, essa besta persuadiu os habitantes da
terra a fazerem uma imagem da primeira besta e adorá-la. “Ela
opera grandes maravilhas: até mesmo a de fazer descer fogo do céu
sobre a terra, à vista dos homens” (Ap 13,13).
A segunda besta lembra muito a figura do falso profeta, o “filho
de Deus”, de Histaspes.
Ao longo da história do cristianismo, todos os tipos de interpre¬
tações foram sugeridos para a visão das duas bestas, mas ao que
consta até agora nenhuma explicação realmente convincente foi
dada. Em minha opinião, a chave para o entendimento da visão é
nos conscientizarmos de que João, que parece ter escrito o livro da
Revelação (ou Apocalipse) por volta de 80 E.C.,15 se valeu de uma
composição mais antiga, redigida no início do século I E.C., durante
o reinado de Augusto.
A segunda besta é descrita com dois chifres como os de um cor¬
deiro e com fala de dragão. Essa estranha combinação de dragão
com chifres de cordeiro16 pode ser devidamente explicada pela pro¬


paganda com relação à origem divina de Augusto. A figura de um
cabrito ou um bode com dois chifres o Capricórnio ocupava —
um lugar destacado no mito da divindade de Augusto, pois era o
signo do mês da sua concepção. Suetônio atribui a importância que
Augusto dava ao signo de Capricórnio ao que o astrólogo Teógenes
lhe dissera ainda em sua juventude:

[E]m Apolônia, Augusto subiu com Agripa até o estúdio do


astrólogo Teógenes. Agripa foi o primeiro a tentar sua sorte e,
quando uma grande e quase inacreditável carreira lhe foi
predita, Augusto persistiu em ocultar o tempo de seu
nascimento e em recusar-se a revelá-lo, por desconfiar e temer
que pudesse ser considerado menos eminente. Quando por
fim, a contragosto e hesitante, disse a data, e isso somente
depois de muitos e insistentes pedidos, Teógenes levantou-se
de um pulo e atirou-se a seus pés. Desde então, Augusto tinha
tanta fé em seu destino que tornou público seu horóscopo e
Depois de Três Dias 47

mandou emitir uma moeda de prata estampada com o signo da


constelação de Capricórnio, sob o qual havia nascido.17

O Capricórnio de fato aparece em várias moedas emitidas por


Augusto. Uma moeda cunhada na Espanha apresenta um bode com
dois chifres sustentando um globo, sob o qual aparece a inscrição
“Augustus”. Ele também estampou o signo do Capricórnio em
alguns dos estandartes das legiões romanas. Conforme explicou o
classicista J. R. Fears,18 o Capricórnio significava que Augusto rei¬
nava com o favor dos deuses e que havia sido escolhido por estes
para dominar o mundo.
A descrição da besta com dois chifres de cordeiro diz que ela
falava como um dragão. Este simbolizava a ligação de Augusto com
o deus Apoio.19 Cássio Dio afirmou que Júlio César escolheu Otavia-
no-Augusto como seu sucessor por ter sido influenciado por uma his¬
tória contada porÁtia, mãe de Augusto e sobrinha de Júlio, segundo a
qual ela o havia concebido do deus Apoio:

Ele foi muito influenciado pela enfática declaração deÁtia, de


que o jovem havia sido gerado por Apolò, pois, enquanto
dormia uma vez em seu templo, disse ela, pensou ter mantido
relações com um dragão e isso fez com que, ao fim do devido
tempo, ela desse à luz um filho.2U

Suetônio, que também relatou esse episódio em The Lives of the


Caesars21 (As vidas dos Césares), acrescentou que, após o incidente
no templo, uma mancha em forma de dragão apareceu no corpo de
Átia. O dragão simbolizava o título de Apoio, “Apoio Pítico”, que
recebeu quando matou Píton, o terrível dragão que vivia na caverna
de Delfos.22
A lenda do nascimento miraculoso de Augusto apareceu pela
primeira vez em um epigrama escrito por Domício Marso, poeta e
um dos amigos do soberano.23 Augusto tomou-se ainda mais infi¬
mamente ligado com o deus após sua vitória em Áccio, que ocorreu
perto do templo de Apoio. O contemporâneo poeta Propércio des-
48 Depois de Três Dias

S1P
Fig. 9. Capricórnio com a inscrição
“Augustus” (denário, cunhado na
Espanha, ca. 17-15 a.C.).

creveu o deus Apoio postado no navio de Augusto, arremessando


flechas contra as embarcações de Cleopatra.24 Depois dessa vitória,
Augusto construiu um esplêndido templo a Apoio, próximo à sua
casa na colina Palatina.25 Numa colunata perto desse templo foi eri¬
gida uma estátua de Apoio com as feições de Augusto,26 e em moe¬
das cunhadas na Ásia Menor, após a batalha de Áccio, Augusto era
representado como Apoio.27
A besta com os dois chifres de cordeiro e que falava como um
dragão era Augusto, que se apresentava como Apoio. O deus Apoio
era conhecido por seus dons proféticos, cuja expressão mais notável
era o oráculo de Delfos. Poderes proféticos eram também atribuí¬
dos a Augusto.28 O autor da visão do Apocalipse argumentava contra
a propaganda de Augusto, sustentando que este não era um verda¬
deiro, mas sim um falso profeta, que falava como um dragão. O dra¬
gão que fazia profecias era Píton,29 a monstruosa serpente de Del¬
fos, morta por Apoio. Enquanto Augusto usava o mito de Apoio com
o fim de conferir a divindade deste a si mesmo, o autor da visão usou
o mesmo mito para representá-lo como um terrível dragão.30
Na visão das duas bestas, o falso profeta persuadiu todos os
habitantes da terra a adorar a imagem da primeira (Apocalipse
13,12). Conforme R. H. Charles explica com detalhes,31 a primeira
besta era o Império Romano. Uma de suas cabeças foi mortalmente
ferida, mas a besta se recuperou. O golpe na cabeça foi desferido
pelos conspiradores que assassinaram Júlio César,32 mas o Império
Romano se recuperou e continuou a dominar o mundo. Portanto, a
imagem da primeira besta, que o falso profeta havia convencido
Depois de Três Dias 49

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Fig. 10. A serpente de Apoio enroscada no tripé (camafeu de


vidro).

todos os habitantes da terra a adorar, era a estátua representando o


Império Romano. O fato é explicado por Suetônio,33 que registra a
ordem de Augusto para a colocação de uma estátua da deusa Roma,
símbolo do Império Romano, junto à estátua do imperador nos
templos erigidos em sua honra. Augusto era o falso profeta do culto
imperial à estátua de Roma.
Na visão das duas bestas no capítulo 13 do Apocalipse e no Orá¬
culo de Histaspes, encontramos uma polêmica contra a propaganda
que apresentava Augusto como governante com atributos divinos3'*
e contra o culto imperial que existia em seu tempo.35 Histaspes cri¬
ticava Augusto e o acusava de criar um culto no qual era adorado
50 Depois de Três Dias

como Deus e como o “filho de Deus”, e o Apocalipse atacava o


segundo elemento do culto imperial
símbolo do império.

a adoração à deusa Roma,

O ASSASSINATO DOS MESSIAS


E SUA SUBSEQUENTE RESSURREIÇÃO

O Oráculo de Histaspes descreve a vinda de um grande profeta:

Quando o tempo se aproximar, um grande profeta será enviado


por Deus para converter os homens ao conhecimento de Deus.
E ele receberá o poder de realizar coisas maravilhosas. Toda
vez que os homens não o ouvirem, ele fechará o céu e fará com
que este retenha as chuvas; transformará água em sangue ... e
se alguém tentar feri-lo, de sua boca sairá fogo e queimará
aquele homem. Por esses prodígios e poderes ele converterá
muitos à adoração de Deus.36

O segundo rei, o “filho de Deus”, descrito como um falso pro¬


feta, combaterá o profeta de Deus e o matará:

Ele lutará contra o profeta de Deus e o vencerá e o matará, e


o deixará insepulto; mas depois do terceiro dia ele voltará à
vida; e diante dos olhos e do assombro de todos, será elevado
ao céu.37

O falso profeta, o “filho de Deus”, é Augusto. Histaspes, por¬


tanto, afirma que Augusto, o falso profeta, combateu o verdadeiro,
enviado por Deus, e o matou. E então impediu que o corpo do ver¬
dadeiro profeta fosse sepultado, mas após três dias este ressuscitou
e ascendeu ao céu.
Uma tradição paralela é encontrada na história das duas tes¬
temunhas no capítulo 11 do Apocalipse. Os mesmos milagres
que Histaspes atribui ao profeta de Deus são atribuídos às duas
Depois de Três Dias 51

testemunhas.38 O destino final destas é semelhante ao do pro¬


feta:

E quando terminarem seu testemunho, a besta que sobe do


abismo combaterá contra elas, vencê-las-á e as matará.
Seus cadáveres ficarão expostos na praça da grande cidade que
se chama simbolicamente Sodoma e Egito, onde também o
Senhor delas foi crucificado.
E homens de todos os povos, raças, línguas e nações vêem seus
cadáveres durante três dias e meio, impedindo que sejam
colocados numa sepultura.
Contudo, depois dos três dias e meio, um sopro de vida vindo
de Deus penetrou-os e eles se puseram em pé. E um
grande medo se apoderou dos que os contemplavam.
Ouvi então uma forte voz do céu, que lhes dizia: “Subi para
aqui!” E subiram para o céu na nuvem, e seus inimigos os
contemplavam. (Apocalipse 11,7-9.11-12)

Em seus pontos essenciais, os dois relatos são semelhantes.


A principal diferença é que Histaspes fala de um único profeta, ao
passo que o Apocalipse menciona duas testemunhas que profeti¬
zam,39 descritas como duas oliveiras em pé diante do Senhor de
toda a terra (Ap. 11,4). Temos aqui inequivocamente o uso da ter¬
minologia de Zacarias 4,11.14: “E eu lhe perguntei: ‘Que são estas
duas oliveiras ...?’ Ele disse: ‘Estes são os dois Ungidos que estão
de pé diante do Senhor de toda a terra.’” “Duas oliveiras” e “dois
ungidos” indicam dois Messias que são ungidos com óleo. O pro¬
feta Zacarias estava aludindo aos dois líderes de sua época, o tempo
do retorno a Sião: o Messias régio Zorobabel, filho de Salatiel, e o
Messias sacerdotal Jesua (ou Josué), filho de Josedec. Se for este
o caso, as duas testemunhas do Apocalipse seriam os dois líderes
messiânicos: um Messias régio e um Messias sacerdotal.'’0
Histaspes conta que o profeta de Deus foi morto pelo “filho de
Deus”, que ele identificava com Augusto. No Apocalipse, as(os)
duas(dois) testemunhas-Messias41 foram morta(os) por uma besta
52 Depois de Três Dias

que sobe do abismo (abyssos) (Ap. 11,7). que também vem a ser
uma designação para Augusto e seu exército.42
De acordo com o Apocalipse, as(os) duas(dois) testemunhas-
Messias foram mortos em uma batalha nas ruas de Jerusalém.43 Quan¬
do teria ocorrido esta batalha?
Nos dois primeiros versículos do capítulo 11 do Apocalipse,
antes da história das duas testemunhas, temos:

Deram-me depois um caniço, semelhante a uma vara, dizendo:


“Levanta-te e mede o templo de Deus, o altar e os que
nele adoram.
Quanto ao átrio externo do templo, deixa-o de lado e não
meças, pois ele foi entregue às nações.

Por aí vemos que na batalha na qual as duas testemunhas são mortas


os soldados romanos penetraram no pátio do Templo, mas o Tem¬
plo propriamente dito e o altar permaneceram intocados. Isto nos
dá a chave para descobrir a época exata do evento.
O rei Herodes, que governou a terra de Israel por concessão dos
romanos, morreu em 4 a.C., após o que explodiu uma grande revolta
no país,44 dirigida contra o seu sucessor, Arquelau, e contra o exér¬
cito romano que o apoiava. Durante a revolta, soldados romanos
entraram no pátio do Templo e saquearam seu tesouro. Eles atea¬
ram fogo às câmaras externas do pátio,45 mas não entraram no Tem¬
plo propriamente dito ou nos recintos interiores onde se situava o
altar. Isto corresponde exatamente aos versículos iniciais do capí¬
tulo 11 do Apocalipse, onde se lê que o pátio, mas não o próprio
Templo ou o altar, foi pisado pelas nações.46
A revolta de 4 a;C. foi brutalmente esmagada por Quintílio
Varo, legado de Augusto para a Síria.47 Varo chegou da Síria48 com
duas legiões e outras forças. Os soldados de seu exército semeavam
a destruição por onde passavam e violavam as mulheres;49 Varo cru¬
cificou dois mil dos rebeldes e outros foram feitos prisioneiros e
vendidos como escravos.50 Os judeus consideraram Augusto, o
César romano, responsável pela brutal repressão da revolta e pelo
Depois de Três Dias 53

incêndio do pátio do Templo. Essa acusação está expressa em dois


versículos da obra pseudepigráfica A Assunção de Moisés, que assim
descreve a repressão:

Em suas partes coortes, e um poderoso rei do Ocidente virá, que


as subjugarão: e ele as fará cativas, e queimará uma parte de
seu templo com fogo, (e) crucificará muitos por toda a sua
colónia.51

O poderoso rei que veio do Ocidente era Augusto, aqui represen¬


tado como um cruel carrasco.52 Aos oíhos dos judeus, ele foi o res¬
ponsável pelas ações de seu legado Varo e seus soldados. À luz desse
pano de fundo, podemos entender por que Augusto é pintado com
tanto ódio nas fontes que temos examinado.
O Oráculo de Histaspes fala da morte do “profeta de Deus” e o
Apocalipse relata a morte de dois Messias. Como se explica a dife¬
rença entre as duas fontes? Ao que parece, um dos dois ííderes mes¬
siânicos era mais proeminente do que o outro. Histaspes mencio¬
nou apenas o mais importante, descrito como o “profeta de Deus” a

fim de criar um contraste com o “profeta das mentiras” Augusto.
Em ambas as fontes encontramos motivos que nos são conheci¬
dos a partir da literatura do mar Morto. Histaspes descreveu a der¬
rota fragorosa do falso profeta e seu exército pela espada de Deus,
que desceu do céu. Temos aqui um paralelo à descrição de Herev-El
(a espada de Deus) no Pergaminho da Guerra entre os Filhos da
Luz e os Filhos das Trevas.53 No Apocalipse temos a história das
duas testemunhas messiânicas. Na literatura do mar Morto encon¬
tramos dois Messias
— um Messias sacerdotal e um régio.54
Podemos presumir que a tradição relativa à morte do profeta ou
dos Messias, que encontramos nessas obras, proveio dos membros
da seita de Qumran ou de algum grupo próximo deles. Assim,
parece que os líderes messiânicos cujas mortes foram relatadas nes¬
sas fontes pertenciam à comunidade de Qumran.
Como os dois líderes messiânicos foram mortos em 4 a,C., cer¬
tamente eram atuantes no período anterior àquele ano

isto é,
54 Depois de Três Dias

durante o reinado de Herodes (37-4 a.C.). Como vimos, todas as


quatro cópias dos hinos messiânicos foram escritas exatamente
naquele período. Pode-se, portanto, presumir que um dos dois
Messias mortos em 4 a.C. era o herói dos hinos messiânicos de
Qumran.
Seria o protagonista dos hinos o Messias régio ou o Messias
sacerdotal? Esse herói não possuía quaisquer atribuições sacerdo¬
tais; por outro lado, ele falava em sentar-se em um “trono de poder”
e mencionava uma coroa.55 A partir daí, podemos deduzir que era o
Messias régio. Havia também a outra “oliveira”, um messias sacer¬
dotal.

OLHANDO PARA O MESSIAS TRASPASSADO

Os hinos messiânicos sugerem que, por alguns anos, os mem¬


bros da seita de Qumran pensaram que o tempo da redenção havia
chegado. Eles acreditavam que havia começado uma nova era, na
qual a tristeza havia desaparecido e a luz e a alegria dominavam.
Mas a realidade provou ser diferente. Seu líder messiânico foi
assassinado pelos soldados romanos e seu corpo foi deixado inse¬
pulto na rua durante três dias, como o de um criminoso.56
Não temos fontes históricas que descrevam os sentimentos
dos membros da seita de Qumran ao verem o corpo traspassado do
Messias estirado na rua. Porém, uma analogia histórica pode nos
ajudar aqui. Podemos recorrer às observações de Gershom Scholem
sobre a crise que se abateu sobre os discípulos de Shabetai Zevi, um
líder messiânico judeu do século XVII, quando este abandonou o
judaísmo para se converter ao islamismo. Os sentimentos dos
seguidores do Messias de Qumran antes do ano 4 a.C. sem dúvida
deviam ser parecidos com os dos adeptos de Shabetai Zevi antes da
crise causada por sua mudança de religião:

Eles deviam acreditar com toda simplicidade que uma nova


era da história estava sendo anunciada e que eles próprios já
Depois de Três Dias 55

haviam começado a habitar um mundo novo e redimido. Tal


crença só poderia ter um profundo efeito sobre os que a
sustentavam: seus sentimentos mais íntimos, que lhes davam
a certeza da presença da realidade messiânica, pareciam em
total harmonia com o curso visível dos eventos.

A crise eclodiu para os membros da seita de Qumran quando os


eventos do ano 4 a.C. mostraram estar em total contradição com
seus sentimentos acerca da chegada da redenção. Uma situação
semelhante é descrita por Gershom Scholem:

[P]ela primeira vez, surgiu uma contradição entre os dois


níveis do drama da redenção, o da experiência subjetiva por
um lado e o dos fatos históricos objetivos pelo outro. ... Acima
de tudo, os “crentes”, os que se mantinham fiéis à experiência
interior, se viram compelidos a encontrar uma resposta para a
simples pergunta: qual poderia ser o valor de uma realidade
histórica que se mostrara tão amargamente decepcionante e
como poderia ela ter relação com as esperanças que havia
traído?57

A resposta pode ser encontrada principalmente nas fontes que


descrevem a morte do Messias: o Oráculo de Histaspes e o capítulo
11 do livro do Apocalipse.
Dessas fontes, podemos deduzir que os crentes encontraram
no livro de Daniel uma importante chave para a compreensão da
catástrofe. A visão da quarta besta no capítulo 7 de Daniel foi inter¬
pretada como uma profecia a respeito de Augusto e do Império
Romano: este, sob as rédeas de Augusto, seria aquela besta que
devorou e esmagou o mundo todo.58
Daniel afirma que a quarta besta “movia guerra aos santos e
prevalecia sobre eles” (Dn 7,21).59 Os crentes interpretaram esse
versículo como uma previsão do confronto militar entre o Messias e
seus seguidores e os soldados de Augusto.60 De acordo com essa
56 Depois de Três Dias

interpretação, a derrota dos “santos” (o Messias e seus seguidores)


pelo exército romano havia sido prevista nas Escrituras.61
Outra passagem das Escrituras que serviu como base para a
compreensão do destino trágico do Messias foi um versículo de
Zacarias (12,10): “eles olharão para ele, a quem traspassaram. ”62
Este versículo foi interpretado como referente ao Messias, cujo
corpo traspassado foi deixado na rua durante três dias, para que
todos o vissem.63
No capítulo 1, vimos que o Messias de Qumran apropriou-se da
descrição do “servo sofredor” de Isaías 53,3-4:

Era desprezado e abandonado pelos homens, um homem


sujeito à dor, familiarizado com a enfermidade, como uma
pessoa de quem todos escondem o rosto; desprezado, não
fazíamos caso nenhum dele.
E no entanto, eram as nossas enfermidades que ele levava
sobre si, as nossas dores que ele carregava. Mas nós o
tínhamos como vítima do castigo, ferido por Deus e
humilhado.

Estes versículos sem dúvida ganharam um significado total¬


mente novo após a morte do Messias. O fato de seu corpo ter per¬
manecido insepulto na rua como o de um criminoso poderia então
ser explicado pela seguinte passagem, do mesmo capítulo de Isaías:

Deram-lhe sepultura com os ímpios, o seu túmulo está com os


ricos, se bem que não tivesse praticado violência nem
tivesse havido engano em sua boca.
Eis por que lhe darei um quinhão entre as multidões; com os
fortes repartirá os despojos, visto que entregou a sua alma à
morte e foi contado com os transgressores, mas na verdade
levou sobre si o pecado de muitos e pelos transgressores
fez intercessão. (Is 53,9.12)
Depois de Três Dias 57

Assim, após a morte do Messias, seus adeptos criaram uma ideo¬


logia “catastrófica”.64 Consideraram que sua rejeição, humilhação e
morte haviam sido previstas nas Escrituras e que eram estágios
necessários no processo da redenção. Os discípulos acreditavam
que o Messias humilhado e traspassado havia sido ressuscitado
depois de três dias e que devia retornar à terra como redentor, ven¬
cedor e juiz.
Daniel profetizou que a quarta besta seria destruída e que o
reino seria dado ao “filho do homem”, a quem ele descreveu sen¬
tado sobre um trono celestial e vindo sobre as nuvens do céu.65
Os discípulos e seguidores do Messias de Qumran acreditavam
que ele havia ressuscitado depois de três dias e havia subido ao céu

descrito em sua visão



em uma nuvem.66 E agora se assentava no paraíso, como se havia
sobre um “trono de poder no conselho
angélico.” No devido tempo retornaria, descendo das alturas com
as nuvens do céu, cercado por anjos.67 Seria então chegado o tempo
— —
da destruição da quarta besta Roma e o Messias, dessa forma,
haveria de cumprir a visão do “filho do homem”, de Daniel.

O MESSIAS DE QUMRAN E JESUS

Não se conhece a data exata do nascimento de Jesus. Acredi-


ta-se que ele tenha nascido em 6 a.C.,68 ou seja, perto da época da
morte do Messias de Qumran. Portanto, não se pode supor que
tenha havido qualquer contato pessoal entre esse Messias e
Jesus. Ao mesmo tempo, eu creio que a figura do Messias de
Qumran e a ideologia messiânica a ele ligada tiveram uma pro¬
funda influência sobre Jesus e sobre o desenvolvimento do mes¬
sianismo cristão.
Jesus veio da Galiléia. Certos aspectos de sua personalidade
podem ser explicados pelas características espirituais do ambiente
em que ele foi criado.69 Ao realizar milagres e curar os enfermos, ele
se assemelhava aos hassidim galileus de seu tempo, que também se
58 Depois de Três Dias

entregavam a essas atividades.70 Da mesma forma, a sensibilidade


moral de Jesus tem seu paralelo nos relatos sobre os hassidim gali-
leus e nos ditos de Hilel.71 Suas parábolas também eram de um tipo
usual em seu tempo e lugar.72 No entanto, seu messianismo
mais importante elemento da personalidade de Jesus, conforme
— o


descrição do Novo Testamento não pode ser explicado nos ter¬
mos das tradições galiléias. Os hassidim galileus não eram líderes
messiânicos e não existe uma única tradição que os associe a fenô¬
menos desse tipo.
Se quisermos entender o. messianismo de Jesus, devemos nos
conscientizar de que, além das características religiosas e espirituais
adquiridas em seu lugar de nascimento e pela educação que rece¬
beu em sua juventude, ele também foi influenciado, anos depois,
por outra tradição religiosa, da qual ele recebeu sua doutrina mes¬
siânica. Pretendo demonstrar agora que a imagem messiânica de
Jesus foi formada por um encontro com aqueles que mantinham o
legado do Messias de Qumran.73
Não há razão para nos concentrarmos nos milagres operados
por Jesus, em suas parábolas ou em seus ensinamentos morais.
Estes não têm conexão com o legado de Qumran e já observamos
que sua origem está nas tradições da Galiléia e de Hilel. Devemos
dirigir nossa atenção para a cristologia — isto é, as características
messiânicas de Jesus como foram descritas nos Evangelhos.

O SEGREDO MESSIÂNICO

Depois de ouvir a voz dos céus enquanto era batizado por João, Jesus
guardou para si o conhecimento de sua missão messiânica e não o
revelou a ninguém. A primeira vez em que falou a respeito a seus dis¬
cípulos está registrada no Evangelho de Marcos (8,27, 29-31):74

[Ele] perguntou a seus discípulos: “Quem dizem os homens


que sou?”
Pedro respondeu: “Tu és o Cristo (Messias)!”
Depois de Três Dias 59

Então proibiu-os severamente de falar a alguém a seu respeito.


E começou a ensinar-lhes: “O filho do homem deve sofrer
muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos chefes dos
sacerdotes e pelos escribas, ser morto e, depois de três
dias, ressuscitar.”

Esta passagem levanta uma série de perguntas: Jesus se via


como o “filho do homem”? Neste caso, por que falou dele na tercei¬
ra pessoa? Tinha capacidade de prever sua rejeição, morte e ressur¬
reição?
Como vimos, a tendência dominante nos estudos sobre o Novo
Testamento, por mais de cem anos, tem sido a de negar a autentici¬
dade histórica desse episódio. Jesus, ao que se diz, não se conside¬
rava o Messias e não era reconhecido como tal por seus discípulos.
Ele não tinha condições de prever seu sofrimento, sua morte e res¬
surreição, e essa predição, portanto, lhe foi atribuída em data pos¬
terior. Nas palavras de Bultmann: “A cena da confissão de Pedro não

constitui contraprova ao contrário! Trata-se de uma história de
Páscoa, retrojetada para o tempo da vida de Jesus.”7S Bultmann
argumenta que todas as predições de Jesus sobre sua futura paixão
e ressurreição são fabricações posteriores, pois “a idéia de um Mes¬
sias, ou filho do Homem, sofredor, morrendo e ressuscitando era
desconhecida no judaísmo.”76
Opinião semelhante foi expressa mais recentemente por G. Ver¬
mes, eminente estudioso dos Manuscritos do Mar Morto e do Novo
Testamento, a saber: “Nem o sofrimento do Messias, ou sua morte e
ressurreição, parecem ter feito parte da crença do judaísmo do
século I.”77
Nossos estudos demonstraram que este julgamento é apenas
parcialmente correto. Ele se aplica, de fato, à maioria dos judeus
no início do século 1 E.C., mas não aos discípulos do Messias de
Qumran. Esse grupo reagiu ao trauma do ano 4 a.C., criando um
modelo catastrófico de messianismo baseado em versículos da
Bíblia. Seus componentes acreditavam que o sofrimento, a morte
60 Depois de Três Dias

e a ressurreição do Messias eram uma base necessária para o pro¬


cesso de redenção.
Em seu tempo, o Messias de Qumran descrevia-se como uma
combinação do “filho do homem”, que se senta no céu em um
trono pujante, com o “servo sofredor”, que carrega consigo todas
as aflições. Como já vimos, esse Messias avocava a si as palavras de
Isaías 53: “desprezado e abandonado pelos homens.” Temos aqui
uma clara evidência de que a ideia de um Messias sofredor já exis¬
tia uma geração antes de Jesus.
De acordo com Histaspes, a ressurreição do grande profeta que
ele havia identificado como o Messias de Qumran ocorreu “depois
do terceiro dia.”78 E, como já observamos, a crença na ressurreição
do Messias depois de três dias estava ligada ao fato de os romanos
terem proibido, por aquele período, o sepultamento de seu corpo,
que ficou em praça pública para ser visto por todos.
Jesus acreditava que o destino do “filho do homem” seria
semelhante ao do Messias de Qumran. Ele predisse que o “filho
do homem” seria morto, do mesmo modo que o Messias de Qum¬
ran havia sido morto pelos soldados romanos. E acreditava que o
“filho do homem” ressuscitaria após três dias, assim como se acre¬
ditava que o Messias de Qumran havia ressuscitado “depois do
terceiro dia.”79

A NOITE NO GETSÊMANE

A missão messiânica de Jesus foi, portanto, uma jornada na


direção de um fim já sabido de sofrimento e morte. De acordo com a
noção que ele recebera dos discípulos do Messias de Qumran, o
sofrimento e a morte constituíam parte inseparável do destino
messiânico. Naturalmente, era muito difícil para alguém tomar a si
tal missão e parece que a forma de Jesus falar sobre si mesmo na ter¬
ceira pessoa, como o “filho do homem”, refletia esse fato.
A dificuldade da missão de Jesus é dramaticamente descrita na
história da última noite da sua vida. Após a Última Ceia, ele se diri-
Depois de Três Dias 61

giu ao jardim do Getsêmane com seus discípulos. Ali, caiu em pro¬


funda depressão:

E, levando consigo Pedro, Tiago e João, começou a apavorar-se


e a angustiar-se.
E disse-lhes: “A minha alma está triste até a morte.
Permanecei aqui e vigiai”.
E, indo um pouco adiante, caiu por terra, e orava para que, se
possível, passasse dele a hora.
E dizia: "Abba! Ó Pai! Tudo é possível para ti: afasta de mim
este cálice; porém, não o que eu quero, mas o que tu
queres”. (Mc 14,33-36)80

A luta interior na alma de Jesus chegava então ao seu clímax.


Ele sentia que havia chegado o tempo de cumprir sua missão mes¬
siânica — que certamente significaria sofrimento e morte. Gomo
sua vontade de viver se rebelava contra um destino tão terrível,
pediu a seu Pai todo-poderoso para revogar esse decreto tão severo.
Mas, apesar disso, resignou-se ao que acreditava ser a decisão
divina, abdicando de sua própria vontade em favor da de Deus.
Assim, ele iria seguir o caminho de seu predecessor, o “servo sofre¬
dor” dos Manuscritos do Mar Morto.
CAPÍTULO TRÊS

Outro Paracleto

3retendo sugerir aqui uma identidade histórica para o Messias


tntes de Jesus.
O argumento deste capítulo se baseia numa suposição aceita
)ela maioria dos estudiosos da literatura do mar Morto, embora não
)or todos. Refiro-me à identificação do povo de Qumran com os

:ssênios, dos quais temos conhecimento pelos escritos de Flávio


osefo e do filósofo judeu Fílon de Alexandria.1 A despeito do alto
;rau de probabilidade, a meu ver, de que essa suposição seja cor-
eta, não temos aqui um fato incontestável. A discussão que vem a
teguir, portanto, depende da justeza dessa suposição.
A identidade que proponho para o Messias de Qumran é tam-
Dém apenas uma hipótese. O caráter fragmentário e problemático
ias fontes relativas à personalidade histórica que tento identificar
:omo o Messias de Qumran não permite que sejamos muito categó¬
ricos.
Quero assinalar, contudo, que a validade da principal tese
deste livro não depende da aceitação das suposições subjacentes a
este capítulo. Minha afirmação de que a combinação de divindade
e sofrimento, claramente existente no hino messiânico, influen¬
ciou o surgimento do cristianismo ainda se mantém, mesmo que
64 Outro Parac/eto

não consigamos identificar o herói dos hinos e as exatas razões his¬


tóricas para o aparecimento do movimento messiânico por ele
encabeçado. Os que rejeitam a identificação da seita de Qumran
com os essênios e, assim, poderiam negar a identidade histórica do
Messias baseada naquela suposição, ainda terão que enfrentar a
principal tese aqui exposta.

MANAÉM, O AMADO DO REI

O primeiro dos dois hinos messiânicos inseridos no Pergaminho de


Ação de Graças constitui uma espécie de auto-retrato do herói mes¬
siânico. As vicissitudes do tempo danificaram esse retrato: faltam
partes e suas cores desbotaram. Mas, se quisermos identificar o
herói messiânico, devemos examinar cuidadosamente os fragmen¬
tos do retrato incluído no hino.
Informações significativas sobre o líder podem ser recolhidas
pela maneira como ele descreve sua proximidade de Deus e seu
lugar entre os anjos. Ele fala de si mesmo como “o amado do rei.”2
E acrescenta: “minha glória [será calculada] com os filhos do Rei.”3
Estas, evidentemente, são expressões metafóricas: o rei, nesse
contexto, é Deus,4 e os filhos são os anjos. Contudo, o próprio fato
de tais expressões serem usadas requer uma explicação: o título
“o amado do rei” é uma forma incomum de descrever o relaciona¬
mento de alguém com Deus5 e a descrição dos anjos como filhos do
rei não tem precedentes.6 Por que teria o herói messiânico optado
por usar expressões tão incomuns? Certamente, não é desarrazoado
supormos que tais metáforas refletiam a experiência de vida do pro¬
tagonista dos hinos. Ao que parece, o chefe messiânico pertencia à
corte de um rei terreno. Na corte que ele frequentava havia os que
eram considerados amigos do rei, e o círculo desses amigos incluía
também os filhos do rei.
Informações adicionais são proporcionadas pela declaração jac-
tanciosa do herói: “Quem pode se juntar a mim e assim fazer um
confronto com meu julgamento?”7
Outro Paraclcto 65

Com esses dados podemos construir uma espécie de perfil do


líder messiânico: presumivelmente teria sido amigo de um rei, pri¬
vado da companhia dos filhos deste e teria funções judiciais.
Poderíamos começar nossas investigações sobre a identidade
do líder messiânico examinando sua amizade com o rei. Quem era o
rei em questão?
O rei Herodes imitava os costumes dos governantes helenísti-
cos de seu tempo. Como eles, mantinha em sua corte um grupo de
conselheiros e oficiais superiores conhecidos como “amigos” ou
“amados”,8 alguns dos quais nomeava como mentores de seus
filhos.9 Os amigos também serviam como juízes em tribunais espe¬
ciais instalados por Herodes.10 Assim, a corte real poderia ser a
fonte das metáforas usadas no hino messiânico de Qumran.
Qual era a natureza do relacionamento de Herodes com os
membros da seita de Qumran? Temos conhecimento de algum
membro da seita que pudesse ser contadô entre os frequentadores
de sua corte?
A maioria dos estudiosos dos Manuscritos do Mar Morto admi¬
te que a seita de Qumran pode ser identificada com os essênios.
Josefo, em seus escritos, descreve a simpatia e o respeito que Hero¬
des tinha por estes. O motivo dessa simpatia, diz ele, era o relacio¬
namento especial que Herodes havia desenvolvido com Manaém, o
essênio. Consideremos inicialmente a história como Josefo a conta:

É, no entanto, conveniente explicar que motivo tinha Herodes


para conceder honras aos essênios e para ter deles uma opinião
mais alta do que seria condizente com a natureza meramente
humana dos mesmos. Pois tal explicação não é inoportuna
numa obra de história, já que, ao mesmo tempo, mostrará qual
era a opinião geral a respeito dessa gente.
Havia um certo essênio chamado Manaém, cuja virtude era
atestada por toda sua conduta de vida e especialmente por ter
de Deus uma presciência do futuro. Este homem certa vez
havia observado Herodes, então ainda um menino, indo para a
casa de seu preceptor, e o saudou como “rei dos judeus”.
66 Outro Paracleto

Diante disso, Herodes, que pensava que o homem ou não


sabia quem ele era, ou estava caçoando dele, lembrou-o de que
era apenas um cidadão comum. Manaém, porém, sorriu
gentilmente e lhe deu um tapa nas costas, dizendo: “Não
obstante, serás rei e governarás o reino de modo satisfatório,
pois foste considerado digno disso por Deus. E recordarás os
tapas dados por Manaém, para que estes também possam ser
para ti um símbolo de como a sorte de alguém pode mudar.
Pois a melhor atitude a tomares seria prezar a justiça e a
devoção para com Deus e a brandura para com teus cidadãos.
Mas eu sei que não serás tal pessoa, pois eu compreendo toda
a situação. Então serás escolhido para uma sorte tão boa como
nenhum outro homem já teve e desfrutarás de eterna glória,
mas esquecerás a devoção e a justiça. Isto, porém, não há de
escapar à observação de Deus e, no fim de tua vida, Sua ira
mostrará que Ele está atento a essas coisas.” Naquele
momento, Herodes prestou muito pouca atenção a essas
palavras, pois não acalentava tais esperanças, mas após ter
gradualmente progredido até a realeza e a boa fortuna, quando
estava no auge de seu poder, mandou chamar Manaém e lhe
perguntou por quanto tempo reinaria. Manaém não disse nada.
Diante de seu silêncio, Herodes perguntou de novo se tinha
dez anos ou mais para reinar e o outro respondeu que ele tinha
vinte ou mesmo trinta, mas não fixou um limite para o tempo
determinado. Herodes, no entanto, ficou satisfeito mesmo
com essa resposta e dispensou Manaém com um gesto
amistoso. E desde então continuou a tratar todos os essênios
com honras. Agora achamos conveniente relatar esses fatos aos
nossos leitores, por mais incríveis que possam parecer, e
revelar o que ocorreu entre nós porque a muitos desses
homens foi concedido um conhecimento das coisas divinas,
em vista de sua virtude."

Sem dúvida, esta história tem um pouco de lenda, como as


outras contadas por Josefo acerca da capacidade dos essênios de
predizer o destino dos govenantes.12 Ao mesmo tempo, a profecia
Outro Paracleto 67

de Manaém é usada aqui como prova da escolha de Herodes por


parte de Deus.13 Embora não tenhamos que aceitar o relato em sua
totalidade como verdade literal, histórica, Josefo nos dá a entender
que Herodes respeitava os essênios e os levava para junto de si, e
que mantinha laços especiais de amizade com Manaém, o essênio.
Com base no relato de Josefo, podemos identificar “o amigo do rei”,
o protagonista dos hinos messiânicos, como esse Manaém.
A simpatia que Herodes demonstrava pela seita dos essênios
sob a chefia de Manaém deve ser vista à luz de sua política com rela¬
ção à sociedade judaica de seu tempo. Herodes pertencia a uma
família de ascendência iduméia e, assim, não possuía raízes na
comunidade judaica. Havia sido nomeado rei da Judéia pelo Sena¬
do romano e governava por concessão de Roma. Ele tomou o lugar
dos asmoneus, que haviam reinado em Israel por mais de um
século. Os saduceus
— — a aristocracia sacerdotal que apoiava os
asmoneus eram hostis a Herodes. Assim, ele tinha que se voltar
para outros elementos da sociedade judaica, a fim de conquistar
apoio para si e para seu regime. Encontrou esse apoio no meio dos
fariseus moderados, sob a chefia de Hilel, e nos judeus da diaspo¬
ra.14 Os essênios, o povo da seita de Qumran, haviam sido persegui¬
dos pelos asmoneus e, portanto, eram também possíveis aliados, do
ponto de vista de Herodes.1S
O segundo hino messiânico, como vimos, descreve um período
maravilhoso em que a iniquidade e a opressão haviam desaparecido
da terra e sido substituídas por luz e alegria, paz e conciliação:

[... maldade perece ...]


o opressor cessa sua indignação]
a luz aparece, e a ale[gria] brota];
a dor [desaparece], e o padecimento foge; a paz surge, o terror
cessa.16

Essa descrição parece refletir a profunda mudança que se deu


na posição da seita de Qumran no tempo de Herodes. Sob o ponto
de vista do povo de Qumran, o destino que havia surpreendido seus
68 Outro Paracleto

inimigos asmoneus era um sinal do início da redenção. Os gover¬


nantes asmoneus lhes haviam sido hostis, tiranizando-os e até
mesmo tentando matar seu fundador, o “mestre da justiça”. No pe¬
ríodo dos asmoneus eles haviam sido obrigados a abandonar suas
residências e se fixar na região desértica perto do mar Morto. Hero-
des, que havia afastado os asmoneus do cargo, respeitava os essê-
nios e, em especial, seu líder, Manaém; eram eles que agora desfru¬
tavam de honras e prestígio. Contra esse pano de fundo, pode-se
entender o sentido das seguintes palavras do segundo hino:

levantando os que caem


mas desencorajando as reuniões arrogantes dos eternamente
orgulhosos.

Os orgulhosos desencorajados eram os membros da aristocracia


asmonéia e os caídos que eram levantados, os membros da seita de
Qumran.
O relacionamento de Manaém com Roma e sua cultura era
bifacetado. Por um lado, ele sofria a influência da cultura romana do
período, como discutiremos com mais detalhes no apêndice B.
Ao mesmo tempo, como todos os membros de sua comunidade,
nutria um profundo ódio pelos romanos, que os essênios viam como
conquistadores e opressores. O fato de Manaém ser um dos “ami¬
gos” de Herodes, que governava por concessão dos romanos, fazia
com que vivesse uma existência dupla. No entanto, esse modo de
viver não representava nada de novo para Manaém e seus seguido¬

res. No Manual da Disciplina de Qumran uma descrição das leis
e regulamentos que regiam o comportamento dos componentes da

seita encontramos o seguinte:

Estas são as regras para o instrutor naqueles tempos com


respeito a seu amor e a seu ódio: Ódio eterno pelos homens de
perdição, em espírito de segredo ... e humildade diante
daquele que o domina; ser um homem zeloso pelo
regulamento e seu tempo, pelo dia da vingança.17
Outro Paradeto 69

Estas são instruções para se viver uma existência dupla! Um


membro da seita deveria se comportar com humildade, “como
um servo diante de seu amo”,18 para com os “homens de perdição”
que “o dominam”, mas, no íntimo de seu coração, deveria odiar
esses homens e esperar o dia da vingança, quando faria guerra con¬
tra eles abertamente. O pacifismo dos essênios era apenas tempo¬
rário e terminaria no dia da vingança.19 Contudo, como tentamos
mostrar com a reconstrução imaginária no início deste livro, essa
imposição geral para levar uma vida dupla foi claramente exemplifi¬
cada de forma especial e num grau excepcional na vida do “amigo
do rei”, Manaém.

A EXCOMUNHÃO

A morte do rei Herodes em 4 a.C. e a revolta que explodiu no país na


ocasião permitiu que Manaém deixasse de levar sua vida dupla e
tornasse público seu segredo messiânico.
Sabemos das circunstâncias em que esse segredo foi revelado a
partir de fontes rabínicas. AMishná, a mais antiga coletânea de lite¬
ratura rabínica, menciona20 cinco pares de chefes religiosos que
foram se sucedendo durante o período entre a rebelião dos asmo-
neus (167 a.C.) e o tempo de Herodes.21 Hilel e Manaém foram
mencionados como o par em atividade no tempo de Herodes.
A Mishná acrescenta: “Manaém saiu e Shamai entrou.”
O que têm a dizer as fontes rabínicas a respeito do Manaém
que atuou no tempo de Herodes e por que ele “saiu”? Manaém é,
sem dúvida, uma figura excepcional na literatura rabínica. Em
todos os extensos escritos rabínicos, não existe uma única lei ou
manifestação em seu nome. O tratado Avot inclui uma lista de
sábios, em ordem de gerações, mas o nome de Manaém sequer apa¬
rece.22 Poderia, então, parecer que ele não era um dos sábios fari¬
seus, mas pertencia a uma das seitas rivais.23 Por esse motivo, mui¬
tos estudiosos desde o século XVI até o presente identificaram o
Manaém a quem se referem as fontes rabínicas como o essênio de
70 Outro Parackto

mesmo nome mencionado em Josefo.24 As fontes rabínicas dizem


que ele era membro da corte do rei,25 confirmando o que Josefo nos
conta sobre Manaém, o essênio.
O Talmude de Jerusalém cita a sentença “Manaém saiu” da
Mishná e pergunta: “Aonde foi ele?”. E responde:

Alguns dizem que ele mudou sua forma de conduta


e alguns dizem que ele se virou e saiu;
ele e oitenta pares de estudiosos da Torá vestidos de tirkiíh
[armadura]27 dourada,
cujas faces ficaram negras como tachos
porque lhes disseram,
“Escrevei sobre um chifre de touro que não zelais pelo Deus
de Israel.”28

Essa descrição é uma fotografia verbal de um evento extraordi¬


nário.29 Manaém está rodeado por cento e sessenta discípulos vesti¬

dos com armaduras douradas ou seja, brilhantes.30 Diante deles
há um outro grupo, que os está excomungando. Esse grupo declara
que Manaém e seus discípulos são rejeitados pelo povo judeu, e diz:
“Escrevei sobre um chifre de touro que não zelais pelo Deus de
Israel.”31 Manaém não responde, mas se vira e sai com seus discípu¬
los, em silêncio e desgraça
— com as faces “negras como tachos”.
A descrição dos discípulos de Manaém nesta passagem diz que
eles usavam cotas de armas. À época de sua excomunhão, Manaém
era o chefe de um grupo militar com ambições revolucionárias.32
Em vista da amizade que o unia a Herodes, é difícil acreditar que
Manaém tivesse participado de uma revolta enquanto o rei ainda
vivia. Poderia ser, isto sim, que o evento relatado no Talmude de Je¬
rusalém estivesse ligado à revolta que ocorreu após a morte de
Herodes em 4 a.C.
Por que Manaém foi excomungado na época da revolta?
A única menção a ele na Mishná se encontra no capítulo dois do
tratado Haguigá, que começa com uma famosa proibição de investi-
Outro Paradeto 71

gar— especialmente em público


conhecimento religioso:
— certas regiões secretas do

Os passos proibidos não podem ser expostos diante de três


pessoas,
nem a história da criação diante de duas,
nem o capítulo do carro de guerra diante de uma só,
a menos que seja um sábio que compreenda seu próprio
conhecimento.
Aquele que dedica sua mente a quatro coisas,
melhor fora que ele não tivesse vindo ao mundo
o que está acima,

o que está abaixo,
o que foi antes
e o que será doravante.
E quem quer que não tenha pensamentos pela honra de seu
Criador,
melhor seria para ele que não tivesse vindo ao mundo.

Nesta passagem, há uma proibição total de alguém se interes¬



sar por certas áreas do conhecimento “o que está acima, o que

está abaixo, o que foi antes e o que será doravante” e são impos¬
tas restrições à discussão pública dos segredos da criação ou à tenta¬


tiva de se descrever o lugar de Deus no céu “o capítulo do carro
de guerra.”33 A Mishná termina com uma clara condenação a qual¬
quer um que deixe de considerar a honra a Deus.
Os estudiosos tiveram dificuldade para entender como essa
discussão se encaixa no tratado Haguigá. Cada tratado versa sobre
um determinado tópico. O Haguigá cuida dos assuntos relaciona¬
dos às cerimónias que se realizavam no Templo durante as festas.
A proibição de desrespeitar a honra de Deus pelo fato de alguém
ocupar-se dos segredos da criação ou do lugar de Deus no céu não
têm ligação com este assunto. Eu creio que a solução desse pro¬
blema, que atormentou os comentaristas da Mishná por muitos
séculos,34 está na figura de Manaém.
11 Outro Paracleto

De modo significativo, a única menção a Manaém na Mishná


ocorre imediatamente após as observações sobre a iniquidade de se
desrespeitar a honra de Deus. O protagonista dos hinos messiâni¬
cos, que nós identificamos como Manaém, se autodescreve sen¬
tado no céu sobre um “trono de poder” no meio de um “conselho”
de anjos. E até ousa perguntar: “Quem é como eu dentre os anjos?”.
Não há dúvida de que, sob o ponto de vista dos sábios, a advertên¬
cia: “quem quer que não tenha pensamentos pela honra de seu Cria¬
dor, melhor seria para ele que não tivesse vindo ao mundo” definiti¬
vamente se aplicava a ele. As observações sobre a iniquidade de se
desrespeitar a honra de Deus foram incluídas no tratado Haguigá
justamente para explicar a “saída” de Manaém. Ele “saiu”35 porque
deixou de considerar a honra de seu Criador. Isto também explica a
observação no Talmude, segundo a qual Manaém “enveredou por
maus caminhos.”36
A cena da excomunhão relatada no Talmude de Jerusalém tor¬
na-se então mais clara. Durante o reinado de Herodes, Manaém
não podia declarar publicamente suas aspirações messiânicas, o
que seria considerado como uma rebelião contra o rei, mas após a
morte deste, ele imaginou que havia chegado a hora de proclamar
a todos sua condição de Messias. Ele e seus discípulos acreditavam
que o tempo da “guerra [escatológica] entre os Filhos da Luz e os
Filhos das Trevas”, para a qual vinham se preparando há tantos
anos, havia chegado finalmente. Manaém teria desejado fazer dos
sábios fariseus seus parceiros nessa guerra. Isto estaria de acordo
com o desejo dominante, àquela época na seita, de procurar a cola¬
boração do povo de Israel como um todo.37 Manaém estava à frente
de seus discípulos envergando armaduras, diante dos sábios fari¬
seus, e lhes revelou suas aspirações messiânicas e seus planos mili¬
tares. Talvez, para reforçar sua reivindicação ao messiado, tenha
descrito em público sua experiência mística de sentar-se no céu
sobre um “trono de poder”. O que até então tinha sido um “segredo
messiânico”, preservado no círculo fechado da seita de Qumran,
estava sendo proclamado publicamente. Mas a esperança de Ma¬
naém foi frustrada. Os sábios fariseus o rejeitaram e se recusaram a
Outro Paracleto 73

aceitar suas pretensões messiânicas. Para os sábios, sua alegação de


ter se sentado sobre um “trono de poder” no céu era blasfêmia e,
conseqiientemente, excomungaram-no e a seus discípulos, decla¬
rando que eles “não faziam parte do Deus de Israel”. Vencido pelo
desapontamento, Manaém se calou e não respondeu. Virou-se e
saiu envergonhado com seus discípulos.
No Midrash sobre o Cântico dos Cânticos, a história da saída de
Manaém começa da seguinte forma: “Nos dias de Manaém e Hilel,
quando houve uma disputa entre eles e Manaém saiu.”38 Hilel era o
chefe do grupo de sábios que excomungou Manaém.39
É interessante comparar as figuras de Hilel e de Manaém, que
viveram e atuaram no mesmo período. O primeiro era o chefe dos
fariseus e o segundo, dos essênios. Surpreendentemente, há um
ponto de semelhança entre os dois líderes. Já vimos que Manaém
descreveu sua grande proximidade de Deus e que não temia falar
sobre sua posição privilegiada, parafraseando um versículo da Bí¬
blia: “Quem é como eu dentre os anjos?” Deve-se notar que Hilel
também usou passagens da Bíblia relativas a Deus para descrever
sua posição. Aplicou a si mesmo as palavras do Êxodo 20,24: “Em
todo lugar onde eu fizer celebrar a memória do meu nome, virei a ti
e te abençoarei”,40 bem como uma passagem dos Salmos: “Quem é
como o Senhor nosso Deus, que está sentado no alto, que olha por
sobre os céus e a terra?”41 À primeira vista, a audácia de Hilel não foi
menor do que a de Manaém. Neste caso, por que Hilel e seus cole¬
gas excomungaram Manaém?
Ao lado das semelhanças, havia na verdade uma significativa
diferença entre Manaém e Hilel. Após sua experiência mística,
Manaém via-se como alguém alçado a uma posição acima dos
outros. Não mais se considerava um ser de carne e osso, como
demonstra sua afirmação. “[Meu] dese[jo] não é da carne.” Esta
negação da matéria está de acordo com a descrição que faz de si
mesmo, sentado no céu sobre um “trono de poder” na congregação
dos anjos. Era uma figura messiânica que alegava ser quase divina.
Esta quase divindade o distinguia de todos os outros seres humanos
e constituía a base de suas pretensões messiânicas.
_
74 Outro Paracleto

A figura de Manaém está muito próxima à do líder de seita des¬


crito por Gershom Scholem:

Na história da religião frequentemente encontramos tipos de


indivíduos conhecidos como “pneumáticos” ou “espirituais.”
... Estes termos não se referiam simplesmente a alguém que
pudesse ter tido ocasião, no decurso de sua vida, de ser
“movido pelo espírito”, mas aplicavam-se apenas àqueles
poucos que moravam no “palácio do rei”, isto é, que viviam em
contínua comunhão com a esfera espiritual, cujos portais
haviam atravessado Alguém assim privilegiado já não era,
em certos aspectos, considerado sujeito às leis da realidade
cotidiana, por ter percebido em seu interior o mundo oculto da
luz divina. Naturalmente, estes tipos espirituais sempre
pensaram constituir um grupo à parte, donde o senso especial
de sua própria “superioridade” que os caracteriza. ... Aqui,
portanto, temos todos os pré-requisitos para a disposição
sectária, pois a seita serve aos illuminati não só como um ponto
de reunião para os da mesma espécie, mas também como
refúgio da incompreensão por parte das massas carnais e não
iluminadas.42

Hilel, por sua vez, não tinha pretensões messiânicas. A fonte da


sua ousadia espiritual era sua consciência das implicações religiosas
da criação dos seres humanos à imagem de Deus, como mostra a
seguinte história:

Quando Hilel ia para algum lugar, as pessoas lhe diziam:


Onde vais?
Estou indo cumprir um mandamento.
Que mandamento, Hilel?
Estou indo fazer minhas necessidades físicas.
Mas isto é um mandamento?
Ele respondeu: É, sim, para que o corpo não se deteriore.
Outro Paracleto 75

Ou então:
Onde vais, Hilel?
Estou indo cumprir um mandamento.
Que mandamento, Hilel?
Vou aos banhos.
Mas isto é um mandamento?
Ele respondeu: É, sim, para purificar o corpo.

Sabei, então, que este é um fato, pois se o governo dá um


pagamento anual ao oficial encarregado de polir e Ilustrar as
estátuas existentes nos palácios dos reis e se, além disso, ele é
elevado à categoria dos grandes homens do reino, então tanto
mais para aqueles de nós que foram criados à imagem e
semelhança.43

No entender de Hilel, os seres humanos deviam sua condição


superior ao fato de terem sido criados à imagem de Deus. O Mes¬
sias de Qumran rejeitava sua carnalidade dizendo: “[Meu] dese[jo]
não é da carne.”44 Já Hilel aceitava o corpo e suas necessidade.45 Se
o corpo carnal, como imagem de Deus, era o fundamento da digni¬
dade humana, isto obviamente se aplicava a todos sem exceção.
Assim, Hilel não reivindicava nenhuma posição especial com rela¬
ção aos outros.46
O pano de fundo para as palavras de Hilel era a adoração a ima¬
gens do imperador romano ou, em outras palavras, o culto imperial
que estava surgindo no tempo de Augusto. Tanto Hilel como Ma-
naém viviam sob o reinado de Herodes, que era um dos que apoia¬
vam e disseminavam tal culto.47 Ambos refletiam o espírito de seu
tempo, mas havia uma diferença decisiva na maneira como o
faziam. O Messias, influenciado pela propaganda de Augusto, apro¬
priou-se do conceito de um redentor com atributos divinos. Hilel,
por outro lado, reagiu ao culto imperial enfatizando o princípio dos
seres humanos criados à imagem do divino. Cada pessoa, acreditava
ele, tinha algo de divino, pois era feita à imagem de Deus.48
76 Outro Paracleto

Uma vez entendida a diferença entre os pontos de vista de Hilel


e de Manaém, o cenário para a excomunhão passa a ser compreensí¬
vel. Manaém alegava ter sido elevado acima do resto da humanidade
e que sua natureza física havia sido eliminada. Ele se descrevia sen¬
tado no trono de Deus no céu. Para Hilel e seus colegas, isso era um
insulto à honra de Deus, uma tentativa iníqua de tornar difusa a dis¬
tinção entre o criador e sua criatura. Manaém, diziam, era um daque¬
les que “não tinha pensamentos pela honra de seu Criador”, para
quem “seria melhor ... que não tivesse vindo ao mundo.” Assim,
Hilel e seus colegas não tiveram outra escolha senão excomungar
Manaém e seus discípulos com suas armaduras reluzentes.

A REVOLTA E O ASSASSINATO DE MANAÉM

As fontes talmúdicas não relatam as ações militares de Manaém e


seus cento e sessenta discípulos. Josefo, porém, nos conta que
entre os que tomaram parte na revolta havia pessoas íntimas do rei
Herodes,49 e assim a participação de Manaém, “o amigo do rei”, não
seria inconcebível. O papel de Manaém como líder messiânico cor¬
responde ao que sabemos sobre os chefes da revolta:

A revolta judaica após a morte de Herodes não tinha um chefe


só nem um comando unificado. Ela era essencialmente uma
série de levantes espontâneos, que explodiam independentes
um do outro em vários pontos do país. ... Os chefes desses
levantes ... adotavam títulos reais. Pode-se conjeturar que
esse fenômeno estava ligado a expectativas escatológicas,
como as que faziam figuras messiânicas individuais conseguir
proeminência.50

As sementes da revolta já haviam sido lançadas nos últimos dias


de Herodes. Estando o rei doente e quase à morte, dois estudiosos
fariseus de Jerusalém, Judá e Matatias, exortaram seus discípulos a
remover a águia dourada que Herodes havia colocado sobre o portão
Outro Paracleto 77

do Templo, argumentando que representações de criaturas vivas


eram proibidas de acordo com a lei judaica. Construir a águia fora
uma tentativa de Herodes de agradar aos romanos, para os quais a
ave era um símbolo importante. Assim, a oposição à águia deve ser
vista como uma mistura de zelo político e religioso. Quando correu
o rumor de que Herodes havia morrido, os discípulos de Judá e
Matatias saíram e destruíram a imagem com machados. O rumor,
porém, era falso: Herodes ainda não estava morto e, quando soube
da destruição da águia, ordenou que Matatias e. alguns de seus dis¬
cípulos fossem queimados.51
Herodes veio a morrer pouco tempo depois e seu filho Arque-
lau o sucedeu no trono. Milhares de peregrinos haviam se reunido
em Jerusalém para a festa do Pessach. Os discípulos de Matatias e
Judá instigaram o povo contra Arquelau. O novo rei lançou sua cava¬
laria contra as multidões, e três mil pessoas morreram. Depois do
feriado, Arquelau partiu para Roma e então a revolta explodiu com
força total.52 Os rebeldes se insurgiram contra os partidários de
Arquelau e contra os soldados romanos estacionados na torre de
Fasael, perto do palácio real. Os soldados irromperam da torre e ata¬
caram os rebeldes; estes então subiram para o teto das câmaras do
Templo e de lá atiravam pedras e catapultavam projéteis sobre os
romanos. Em resposta, os soldados romanos atearam fogo às câma¬
ras, que imediatamente foram tomadas pelas chamas, causando a
morte de muitos dos rebeldes. Os romanos, então, entraram no
pátio do Templo e saquearam o seu tesouro.53
Este é o pano de fundo para o que encontramos no início do ca¬
pítulo 11 do livro do Apocalipse: “Quanto ao átrio externo do Tem¬
plo, deixa-o de lado e não meças, pois ele foi entregue às nações.”

E quanto às duas testemunhas as duas “oliveiras” que
aparecem um pouco adiante no mesmo capítulo?

Quando terminarem seu testemunho, a besta que sobe do
abismo combaterá contra elas, vencê-las-á e as matará.
..
Seus cadáveres ficarão expostos na praça da grande cidade .
onde também o Senhor delas foi crucificado. (Ap 11,7-8)
78 Outro Paracleto

— —
Vemos que os corpos das duas testemunhas dois líderes
messiânicos mortos pelos soldados romanos foram deixados nas
ruas de Jerusalém.54 Sobre essas testemunhas messiânicas, temos
nesse mesmo capítulo: “Estas são as duas oliveiras e os dois cande¬
labros que estão diante do Senhor da terra” (Ap 11,4). Manaém
provavelmente era uma das duas testemunhas messiânicas.

O PARACLETO

Vimos que, do início ao fim, a vocação messiânica de Jesus traz a


marca do messianismo de Manaém. Nesta seção, mostro que o
Evangelho de João, em particular, preserva uma tradição que re¬
flete a linha de continuidade de Manaém a Jesus. Esta tradição é o
misterioso conceito do Paracleto (ou Paráclito).
Segundo o Evangelho de João, por ocasião da Última Ceia Jesus
prometeu a seus discípulos que pediria ao Pai
— ou seja, Deus
para enviar-lhes “outro Paracleto.” O Paracleto, que é também des¬

crito como o “Espírito Santo” e o “espírito da verdade”, os conduzi¬
ria para a verdade e lhes anunciaria “coisas futuras”.55 Da mesma
forma, o Paracleto estabeleceria “a culpabilidade do mundo a res¬
peito do pecado, da justiça e do julgamento.”56 Em vista dessas afir¬
mações, o Paracleto poderia ser descrito como um mestre, um pro¬
feta que prevê o futuro e um revelador de verdades. Jesus disse a
seus discípulos que o Paracleto somente viria se e quando ele dei¬
xasse o mundo.57 Pode-se concluir daí que Jesus considerava a
assombrosa figura do Paracleto como alguém que viria substituí-lo.
Duas perguntas se apresentam nesse ponto. A primeira: Por
que essa figura assombrosa era chamada o “Paracleto”? Além do
mais, de acordo com João (14,16), Jesus a descreveu como outro
Paracleto. Assim, parece que ele via a si mesmo como um Paracle¬
to.58 O que nos leva à segunda pergunta: Por que Jesus teria se des¬
crito dessa forma?
Antes de mais nada, devemos examinar o sentido da palavra
paracleto na época em que o evangelho foi escrito. Seu sentido pri-
Outro Paracleto 79

mário estava ligado a tribunais. De acordo com fontes gregas e com


a literatura rabínica, um paracleto era o conselho de defesa em um
julgamento,59 mas na descrição das funções do Paracleto no Evan¬
gelho de João nada sugere um emprego jurídico desse tipo.60 Em
antigas traduções da Bíblia, a palavra paracleto e os verbos cognatos
eram usados para o verbo hebraico nahem (consolar) e para os subs¬
tantivos menahem, menahemim (consolador, consoladores) .61 Por esse
motivo os Padres da Igreja descreveram o Paracleto como alguém
que consola os enlutados.62 Mas esta interpretação também não se
adapta à figura descrita no Evangelho de João, pois o consolo aos
que sofrem não é mencionado entre as funções do Paracleto.63A ten¬
tativa de encontrar analogias gnósticas para a figura do Paracleto64 da
mesma forma não é convincente.65
A descoberta dos Manuscritos do Mar Morto, porém, lançou
uma nova luz sobre o Paracleto. O Evangelho de João o descreve
como o “espírito da verdade” (14,17). Mesmo antes da descoberta
dos manuscritos, os estudiosos já chamavam a atenção para as ori¬
gens judaicas dessa expressão. A partir dos manuscritos, tornou-se
claro que o “espírito da verdade” era um conceito fundamental na
teologia do povo de Qumran. Ele representava o pólo positivo na
visão dualista de Qumran, de luz e trevas, verdade e mentira.67 Co¬
mo consequência, vários estudiosos presumiram que a figura do
Paracleto em João está vinculada à filosofia dos Manuscritos do Mar
Morto.68
À luz de nossas descobertas neste livro, a ligação entre a figura
do Paracleto e os essênios deve ser mais aprofundada. Como disse¬
mos, em traduções antigas da Bíblia a palavra paracleto foi empre¬
gada para o termo hebraico menahem.69 “Paracleto” no Evangelho de
João é, portanto, em minha opinião, uma tradução do nome do mes¬
sias essènio, Manaém.70 Como sabemos, o nome de Júlio César, o pri¬
meiro soberano do Império Romano, passou a ser o título dos gover¬
nantes romanos que o sucederam, todos eles chamados de “César”.
Analogamente, o nome de Manaém, o primeiro dos messias judeus,
veio a representar o próprio Messias.71 A noção de que o nome do
Messias é “Manaém” está documentada na literatura rabínica.72
80 Outro Paracleto

A tradição do Paracleto no Evangelho de João representa uma


manifestação cristã dessa convenção.
Quando Jesus disse que o Pai enviaria “outro Paracleto”, reve¬
lou que ele próprio era um Paracleto.73 Essas palavras refletem a
idéia de que Jesus foi o continuador da tradição de Manaém e seu
sucessor. Jesus disse que quando partisse, Deus enviaria outro

Paracleto ou seja, outro Martaém. Que seria uma cópia de Jesus e
executaria as tarefas que este havia realizado em sua vida.74 A tradi¬
ção do Paracleto no Evangelho de João exprime o conceito singular
de uma série de redentores.75 Essa tradição exprime sucintamente a
principal asserção deste livro, qual seja, a de que Jesus foi o herdei¬
ro e sucessor do Messias de Qumran.75
De acordo com o Evangelho de João, Jesus falou sobre o Para¬
cleto na Última Ceia. A tradição cristã situa o local onde esta se rea¬
lizou no monte Sião em Jerusalém,77 que é onde Manaém, o essê-
nio, viveu e atuou. Parece que a “câmara superior” onde foi reali¬
zada a ceia pertencia a um dos essênios que havia permanecido em
Jerusalém após a morte de seu líder.78 As palavras de Jesus na
Última Ceia também demonstram a ligação íntima que existia
entre ele e Manaém.
Jesus a si mesmo como o Messias. Ele realmente previu seu
via
sofrimento e sua morte. Sua visão de sua futura rejeição, morte e
ressurreição baseou-se na vida e morte de seu predecessor. Por¬
tanto, podemos dizer que Jesus foi na verdade “outro Paracleto”
um segundo Manaém.

PÓS-ESCRITO

Em 70 E.C., cerca de quarenta anos após a morte de Jesus, o Tem¬


plo de Jerusalém foi destruído. No Talmude de Jerusalém, há uma
lenda sobre um episódio ocorrido no dia da destruição:

Um judeu estava arando e sua vaca mugia enquanto ele seguia.


Um árabe que passava ouviu, e disse: “Filho dos judeus, solta
tua vaca e abandona teu arado, pois o Templo foi
destruído.”
A vaca mugiu de novo e o árabe disse: “Filho dos judeus, atrela
tua vaca e toma teu arado, pois o Rei Messias é nascido.”
O judeu perguntou: “Qual é o nome dele?”
O outro respondeu: “Manaém.”
O judeu perguntou: “Qual é o nome do pai dele?”
O outro respondeu: “Ezequias.”
O judeu perguntou: “De onde ele vem?”
O outro respondeu: “Do lugar de morada do Rei, Belém de
Judá.”
O judeu vendeu a vaca e o arado e passou a vender cueiros.
Ele entrou e saiu de cidade em cidade, até chegar àquela
cidade, e todas as mulheres compraram dele, mas a mãe de
Manaém não comprou.
Ele ouviu as mulheres dizerem: “Mãe de Manaém, mãe de
Manaém, vem e compra para teu filho!”
82 Pós-escrito

Ela disse ao vendedor: “Eu gostaria de estrangular meu filho


Manaém,1 pois no dia em que ele nasceu, o Templo foi
destruído.”
E ele disse a ela: “Estamos certos de que assim como ele
marcou sua destruição, assim o construirá novamente.”
Ela disse: “Eu não tenho dinheiro.”
Ele disse: “Não importa, vem e compra, e se não tens dinheiro
hoje, dentro de alguns dias virei e o cobrarei.”
Após alguns dias, ele voltou à cidade e perguntou-lhe: “Como
está o menino?”
Ela disse: “Depois que estiveste comigo, um vento poderoso
veio e o arrebatou de meus braços.”2

Aqui, o Messias é chamado de Manaém, filho de Ezequias.3


A figura de Manaém nessa história combina vários elementos que
conhecemos das tradições relativas ao Messias essênio e a Jesus de
Nazaré. Manaém, o filho de Ezequias, se parece com o Messias
essênio não apenas por seu nome, mas também por seu destino.
Um vento arrebatou esse Manaém dos braços de sua mãe.4 De
forma semelhante, no oráculo de Histaspes está escrito que o
grande profeta, que identificamos como Manaém, foi arrebatado e
levado para o céu.
Um elemento que Jesus e Manaém, filho de Ezequias, têm em
comum é seu lugar de nascimento, Belém.5 Além disso, o Evange¬
lho de Mateus diz que os magos vieram de longe até Belém e ofere¬
ceram presentes à mãe de Jesus.6 De modo semelhante, o judeu da
história do Talmude de Jerusalém vagou por vários lugares até
encontrar a mãe do Messias em Belém e lhe deu cueiros de pre¬
sente.7 Segundo Mateus, Herodes ameaçou a vida do Messias
menino; na história do Talmude de Jerusalém, a própria mãe do
Messias queria matá-lo.B
Em criança, Manaém, filho de Ezequias, foi uma figura despre¬
zada. A mãe o rejeitava e queria sua morte por ele ter nascido no dia
em que o Templo foi destruído. Ao mesmo tempo, esse Messias
rejeitado era o verdadeiro Messias. O vento o arrebatou para o céu,
Pós-cscrito 83

mas com o tempo ele haveria de voltar e ser revelado como o reden¬
tor de Israel. Referindo-se ao Templo destruído, o judeu disse à
mãe de Manaém: “Estamos certos de que assim como ele marcou
sua destruição, assim o construirá novamente.” Deste modo, a
lenda talmúdica adotou a idéia de um messianismo catastrófico
desenvolvida pelos discípulos de Manaém, o essênio: a destruição
era um estágio necessário no processo de redenção. É como se a
lenda do Messias rejeitado, Manaém, filho de Ezequias, expres¬
sasse um desejo, por parte da tradição rabínica, de revogar a exco¬
munhão de Manaém, o Messias essênio, e de reconhecer seu
importante papel no processo de redenção.9 Essa evolução atingiu
seu ápice na tradição midráshica relativa ao Messias, filho de José,
que foi morto na guerra pela redenção e estava destinado a ressusci¬
tar.10 Essa tradição constitui um reflexo da narrativa histórica sobre
Manaém, o Messias essênio.11 A figura de Manaém, o herói de nosso
livro, foi a base do mito messiânico judaico, assim como serviu de
inspiração para o messianismo de Jesus de Nazaré.
APÊNDICE A

Os Hinos Messiânicos

OS MANUSCRITOS

Os hinos messiânicos existem em duas versões paralelas.1 As duas


são similares em caráter, mas ao mesmo tempo, cada uma tem seus
próprios aspectos particulares. A versão 1 dos hinos se encontra em
três diferentes manuscritos: 4QHe, 4QHa frg. 7 e lQHa col. 26,
enquanto a versão 2 aparece em um só manuscrito, 4Q491 frg. 11,
col. 1. Em ambas há um hino escrito na primeira pessoa, no qual o
narrador louva a si mesmo. Este hino, que os estudiosos chamam de
Hino de Autoglorificação, é seguido, em ambas as versões, por um
outro que conclama os membros da comunidade a oferecer louvo¬
res a Deus.

HINO 1, VERSÃO 1

A principal documentação da versão 1 do primeiro hino se encontra


em dois fragmentos de 4QHe. No primeiro fragmento, lemos:2

1 santa [assembléia]. Qu[em


86 Os Hinos Messiânicos

2 foi rejeitado [pelos homens] como eu?


3 se compara ao meu ensinamento.
4 Quem é igual a mim dentre os anjos?
5 quem poderia medir o [fluxo] de meus lábios? Quem
6 sou o bem-amado do rei, um companheiro dos san[
7 ninguém se compara, pois eu [
8 com ouro <eu> coroafrei

E no segundo:

1 quem] foi desprezado como [eu?


2 se compara a m[im na resistência] ao mal?
3 ] eu estou sentado [

Um terceiro fragmento contém apenas parte de uma única


palavra.3
Embora os textos sejam muito fragmentados, podemos procu¬
rar ajuda em outros manuscritos da versão 1, nos quais expressões
paralelas estão às vezes preservadas de modo mais completo.
Expressões paralelas na versão 2 também nos auxiliam em nosso
propósito. Com base em todas essas provas diretas e indiretas,
podemos tentar reconstruir a versão 1 do primeiro hino da seguinte
forma:4

1 [... Eu serei c]onta[do entre os anjos, minha morada é na]


santa5
2 assembléia.] Qu[em ... E quem] foi desprezado como [eu? E
quem]
3 foi rejeitado [pelos homens]6 como eu? [E quem] se compara a
m[im na resistência] ao mal? [Nenhum ensinamento]
4 se compara ao meu ensinamento.7 [Pois] estou sentado [... no
céu]8
5 Quem é igual a mim dentre os anjos? [Quem poderia cortar
minhas palavras? E]9
Os Hinos Messiânicos 87

6 quem poderia medir o [fluxo] de meus lábios? Quem [pode se


juntar a mim e assim fazer um confronto com meu
julgamento?10 Eu]
7 sou o bem-amado do rei, um companheiro dos san[tos e
ninguém pode acompanhar-me. E à minha glória]11
8 ninguém se compara, pois eu [... Nem]
9 com ouro <eu> [me] coroa[rei, nem com ouro refinado]12

HINO 1, VERSÃO 2

A segunda versão desse hino está preservada nas linhas 5-1113 do


documento 4Q491, frg. 11, col. 1:

5 [ ... eterna] mente um trono de poder na assembléia de anjos.


Nenhum rei de outrora se sentará nele, nem o farão seus
nobres.14
[... Quem pode se comparar a]
6 [mim?] Ninguém pode se comparar [aj minha glória, e
ninguém foi exaltado senão eu, e ninguém pode me
acompanhar. Estou sentado
[ ... ] no céu, e ninguém
7 [ ... ] Eu serei contado entre os anjos, minha morada é na
santa assembléia. [Meu] dese[jo] não vem da carne, [pois]
tudo precioso para mim está na glória da santa [hab]itação.
[Qu]em foi considerado desprezível como eu e, no entanto,
quem é igual a mim em minha glória? Quem é [ ... ]
9 [ ... ] Quem, como eu, suport[ou todas as] aflições? Quem se
compara a mim [na resist]ência ao mal? Ninguém é igual a
mim e nenhum ensinamento se compara
10 [ao meu ensinamento]. Quem poderia cortar mi[nhas
palavras]? E quem poderia medir o fluxo de meu discurso?
Quem pode se juntar a mim e assim fazer um confronto com
meu julgamento?
11 [ ... poi]s eu sou contado entre os anjos, e minha glória com os
filhos do rei. Nem ouro nem [ou]ro refinado.
88 Os Hinos Messiânicos

HINO 2, VERSÃO 1

Há duas versões do segundo hino. Examinemos primeiramente a


versão l,15 que está preservada em 4QHa, frg. 7,col. 1, linhas 13-23,
e col. 2, linhas 1-14.

Coluna 1, linhas 13-23

13 Cantai louvores, ó bem-amados, cantai para o rei da


14 [glória, alegrai-vos na congrejgaçâo de Deus, proclamai o júbilo
nas tendas da salvação, louvai na [santa] habitação,
15 [celebrai] juntos entre as hostes eternas, outorgai grandeza a
nosso Deus e glória a nosso rei.
16 San[tificai seu nome com lábios fortes e língua poderosa,
elevai a voz juntos
17 [to]do o tempo, soai alto música jubilosa, alegrai-vos com
felicidade eterna
18 [in]cessan temente, adorai na assembléia de todos. Abençoai
aquele que prodigiosamente realiza feitos majestosos e faz
conhecer sua mão forte,
19 [sejlando mistérios e revelando coisas ocultas, erguendo os
que tropeçam e, dentre estes, os que caem
20 [re]vigorando os passos dos que esperam pelo conhecimento,
mas desencorajando as arrogantes assembléias dos
eternamente orgulhosos,
21 [confírmjando mistérios de esplfendor] e estabelec[endo]
gloriosas [marajvilhas; [abençoai] aquele que julga com ira
destrutiva
22 [/...] em amorosa bondade, justiça, e em abundante
misericórdia, favor
...
23 [ ] misericórdia para os que frustram sua grande bondade, e
uma fonte de
Os Hinos Messiânicos 89

Coluna 2, linhas 1-14

1 [...]
2 1 ... e a maldade perece ... 1
3 [ ... e a op[ressão [cessa; o opressor pára com indignacãol
4 a mentira [aca]ba, e não há perversidades insensatas; a luz
aparece, e a alegfria brotai:
5 a dor [desaparece], e o sofrimento some; a paz surge, o terror
cessa; uma fonte se abre para [eterna] bênfçãol
6 e [para] cura por todos os tempos para sempre; a iniquidade
termina, a aflição cessa para que não haja mais enfermi[dade; a
injustiça é eliminada],
7 lea culpla não existe m[ais. Prfoclamai e dizei; Grande é
Deus que ag[e prodigiosamente],
8 pois abate o espírito arrogante para que não reste nenhum e
eleva o pobre do pó para [as alturas eternas],
9 e até as nuvens ele o faz crescer em estatura, e [ele está] com
os seres celestiais na assembléia da comunidade e rp [ ... ]
10 ira para eterna destruição. E os que tropeçam na terra ele os
ergue sem culpa, e [perpétuo] po[der está com]
11 seus passos, e eterna alegria em suas habitações, perpétua
glória sem cessar [para todo o sempre].
12 Que digam: bendito é Deus que [real]iza prodigiosas
[m]aravilhas, agindo vigorosamente para fazer aparecer seu
poder, fe agindo com iustical
13 [em] sabedoria para todas as suas criaturas e [em] bondade
sobre seus semblantes, para que possam conhecer a
abundância de suas amorosas [bondades, e a quantidade de]
14 sua misericórdia para todos os filhos de sua verdade.16

HINO 2, VERSãO 2

Aversão 2 do segundo hino existe em forma muito fragmentária nas


linhas 13-16 de 4Q491,frg. ll.col. 1:”
90 Os Hinos Messiânicos

13 [ . .. Alegrai-vos,] vós, justos dentre os anjos [ ... ] na santa


morada, entoai [-lhe] hinos
14 ... anun]ciai o som de um grito vibrante [ ... ] em eterno
[
júbilo, sem [ ... ]
15 [ ... ] para estabelecer a trombeta do [seu] Mess[ias]18
16 [ ... ] para tornar conhecida sua força em pujança [ ... ]

A IDENTIDADE DO PROTAGONISTA DOS HINOS

M. Baillet, que publicou a versão dois do primeiro hino em 1982,


julgava que o narrador fosse o arcanjo Miguel,19 porém sua opinião
foi contestada por M. Smith,20 que com razão argumentou que
somente um homem, e não um anjo, poderia se vangloriar de estar
entre os anjos e de eliminar os desejos da carne.21 Ele concluiu que
o narrador devia ser um membro da seita. Essa pessoa, que seria um
mestre, experimentou uma ascensão aos céus e esta experiência
está refletida no hino. J. J. Collins concordou com este ponto de
vista em seus comentários originais sobre a composição,22 mas em
seu livro sobre o messianismo de Qumran, mudou de opinião e
sugeriu que o protagonista do hino não era de fato um mestre na
comunidade, mas a figura visionária do sacerdote-Messias ou o
mestre no “fim dos dias.”23
Em seus comentários mais recentes sobre o assunto, no en¬
tanto, Collins admitiu que essa idéia era problemática. Embora
haja descrições de figuras messiânicas futuras na literatura do mar
Morto, não existe nada remotamente parecido com esse hino
escrito na primeira pessoa. Da mesma forma, não há nada que lem¬
bre a ousadia expressa nesse hino. Conforme diz Collins:

O problema é que em nenhum outro ponto no corpus dos


manuscritos encontramos palavras colocadas na boca de
qualquer Messias, e assim não há paralelo para um discurso de
uma figura messiânica, como o que encontramos em 4Q491.
Os Hinos Messiânicos 91

Tampouco existe qualquer paralelo para tais afirmações por


parte de outra pessoa.24

Collins corretamente descartou25 a possibilidade de o narrador


ser o “mestre da justiça”, o fundador e chefe original da seita,26 pois
o estilo e o conteúdo do hino são totalmente diferentes daqueles
dos salmos atribuídos ao “mestre da justiça”. Ele também afirmou
com razão que a pessoa ali descrita de forma alguma poderia ser
uma personalidade composta.27 O estilo do hino e as asserções que
ele contém mostram que se trata de um único indivíduo e não de
uma figura coletiva.28 Assim, Collins concluiu em sua última análise
do assunto que a identidade do autor do hino continua sendo um
mistério não esclarecido.29
Eshel, seguindo a sugestão dada e subseqúentemente rejei¬
tada por Collins, propôs que o narrador do hino poderia de fato ter
sido o sacerdote do fim dos dias.30 Ela julgou que o hino poderia ser
comparado com a bênção no Manual de Disciplina,31 que em geral
se acredita ser uma bênção sobre o sacerdote no fim dos dias.32

Que sejas como um anjo da Presença na Morada da Santidade


para a glória do Deus de [host ...
Que t]u acompanhes o serviço no Templo do Reino
e decretes o destino junto com os anjos da Presença,
em conselho comum [com os Santos por]
tempos eternos e por todos os períodos perpétuos;
pois [todos] seus julgamentos [são corretos].
Que ele te faça santo entre seu povo
e uma [eterna] luz [para alumiar] o mundo com sabedoria
e para iluminar a face da Congregação [com teus
ensinamentos.
Que ele] te coroe como o Santo dos Santos.33

Eshel assinalou que, tanto no hino como na bênção, o protago¬


nista é descrito como habitando entre os anjos e também como
mestre.34 Assim, ela chegou à conclusão de que as afirmações do
92 Os Hinos Messiânicos

hino se referem à figura imaginária do sacerdote do fim dos dias,


que era a figura descrita na bênção.
Há algum fundamento para essa idéia?
Eu creio que uma comparação cuidadosa das duas composições
mostra que as diferenças entre as mesmas são mais importantes
que as semelhanças.
Na bênção do “Manual da Disciplina” há elementos sacerdo¬
tais definidos. O herói é descrito servindo num templo real, o que
se aplicaria aos sacerdotes da Bíblia descritos como “servos de
Deus.”35 Esse herói é retratado usando a coroa do Santo dos Santos
— descrição condizente com o Sumo Sacerdote Aarão na Bíblia.36
Por outro lado, em nenhuma das versões do hino há qualquer ele¬
mento sacerdotal associado ao personagem principal.
Além do mais, a conexão com os anjos, que Eshel considerou
uma das características comuns às duas obras, existe apenas em
nível superficial. Nas descrições da Bíblia e em outros documentos
do mar Morto, os anjos estão diante de Deus, que está sentado em
seu templo celestial sobre um trono real, e o servem;37 nesse
aspecto, o sacerdote da bênção, que serve a Deus num templo real,
realmente se parece com os anjos. O herói do hino, porém, não está
e nem serve num templo real. Ele se senta no céu sobre um “trono
de poder” no meio de um “conselho” de anjos. Ele não parece um
anjo servidor, mas um rei, ou o próprio Deus. Este é o real signifi¬
cado da pergunta “Quem é igual a mim dentre os anjos?” feita pelo
herói do hino. Ela significa realmente: “Eu sou superior a todos os
anjos”!

— —
A cena descrita no hino um homem sentado sobre um trono
de poder no céu é apropriada não para a figura do Sumo Sacer¬
dote, mas para a do rei-Messias. O herói do hino dá a si mesmo o
título de “o amigo do rei”, ou, em outras palavras, o amigo de Deus.
O rei Salomão era chamado de Jededias (“amigo de Deus”) e foi
descrito como tendo se sentado no “trono de Deus.”38
Na Bíblia encontramos figuras que se sentam em tronosy««/o a
Deus. Em Salmos 110,1, Deus convida um rei a sentar-se junto a
Ele: “Senta-te à minha direita, até que eu ponha teus inimigos
Os Ninos Messiânicos 93

como escabelo de teus pés.” Temos também um motivo seme¬


lhante no livro de Daniel, com relação à figura prodigiosa do “filho
do homem”, que provavelmente se sentava em um trono junto a
Deus (Daniel 7,9-14).
O narrador do hino, como já vimos, se descreve como um perso¬
nagem divino, perguntando: “Quem é igual a mim dentre os an¬
jos?” A idéia de que o Messias ou o rei do fim dos dias é uma figura
com atributos divinos já existia na Bíblia. O profeta Isaías usou a
expressão “Deus forte” a esse respeito (9,5), e Jeremias disse que o
rei do fim dos dias seria chamado de “o Senhor, nossa justiça”
(23,6).
Além do elemento real-messiânico, há um outro elemento
importante nesse hino. O narrador se descreve como alguém que
sofreu. Diz ele:

E quem] foi desprezado como [eu? E quem])


foi rejeitado [pelos homens] como eu?39

Quem, como eu, suport[ou todas as] aflições? Quem se


compara a mim [na resist] ência ao mal?40

Como já vimos, este motivo tem óbvia conexão com o “servo


sofredor” de Isaías 53, que é “desprezado e abandonado pelos
homens, um homem sujeito à dor, familiarizado com a enfermi¬
dade.”
A figura descrita no hino combina características de Deus, do
rei-Messias e do “servo sofredor”. Conforme já mencionado, surgi¬
ram várias propostas dizendo tratar-se de uma imagem coletiva
simbolizando todo o povo de Israel.41 Pelas informações dadas no
segundo hino, contudo, podemos deduzir que o narrador ali não é
uma entidade coletiva, mas sim o chefe da comunidade, pois este
segundo hino faz uma clara distinção entre a elevação do líder, des¬
crita no singular:

e eleva o pobre do pó para [as alturas eternas],


94 Os HinosMessiânicos

e até as nuvens ele o faz crescer em estatura, e {ele está] com


os seres celestiais na assembléia da comunidade

e a elevação de toda a comunidade, descrita no plural:

E os que tropeçam na terra ele os ergue sem culpa.42

É interessante comparar a linguagem da versão 1 do segundo


hino com a de outros salmos do Pergaminho de Ação de Graças.
As linhas abaixo aparecem em um salmo desse pergaminho, encon¬
trado na caverna 1:

gemer os gemidos de dor e os suspiros sobre a lira da


lamentação
em completo sofrimento aflitivo e amargo lamento,
até a destruição da iniquidade, ... e não haverá mais dor ou
aflição para causar enfermidade,
e então eu cantarei com a lira da salvação e a harpa do júbilo.43

A destruição da iniquidade e da aflição é descrita aqui como um


evento futuro que deverá ocorrer após o período presente de angús¬
tia. Só então é que se poderá “cantar com a lira da salvação.” No mo¬
mento, o que existe é apenas “dor e suspiros sobre a lira da lamen¬
tação.”
O nosso hino, ao contrário, fala de um período em que a lamen¬
tação desapareceu e em que todos os sinais da redenção já são evi¬
dentes:

a dor (desaparece], e o sofrimento some; a paz surge, o terror


cessa;
a aflição cessa para que não haja mais enfermi[dade.44

Os membros da comunidade são conclamados a cantar os lou¬


vores da salvação aqui e agora:
Os Hinos Messiânicos 95

Cantai louvores, ó bem-amados,


proclamai o júbilo nas tendas da salvação.45

A impressão é que o autor do hino aproveitou as expressões


de preces pela redenção futura, encontradas nos salmos de ação de
graças originais,46 e as usou para descrever a salvação da comunida¬
de no presente, para exprimir os sentimentos da seita redimida.47
Assim, podemos concluir que os dois hinos inseridos no Perga¬
minho de Ação de Graças constituem o testemunho de um movi¬
mento messiânico que surgiu no seio da comunidade de Qumran.
O messiânico líder desse movimento era o narrador do Hino de
Autoglorifícação.
APÊNDICE B

Entre Roma e Jerusalém

Quando Jesus morreu na cruz, um centurião romano que estava


próximo disse: “Verdadeiramente este homem era filho de Deus.”1
De acordo com o Evangelho de Lucas, o título “filho de Deus” já
havia sido dado a Jesus na anunciação a Maria:

Eis que conceberás no teu seio e darás à luz um filho, e tu o


chamarás com o nome de Jesus.
Ele será grande, será chamado Filho do Altíssimo.
O Espírito Santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo vai te
cobrir com a sua sombra; por isso o Santo que nascer será
chamado Filho de Deus. (Lc 1,31.32.35)

Na opinião de Bultmann, a noção da origem divina de Jesus não


era conhecida dos discípulos de Jesus; surgiu posteriormente na
igreja helenística: “Ela foi inicialmente introduzida na transforma¬
ção para o helenismo, no qual a idéia de um rei ou herói gerado por
uma divindade em uma virgem era muito disseminada.”2
Parece-me que, após a descoberta dos Manuscritos do Mar Mor¬
to, a validade do argumento de Bultmann deveria ser novamente
examinada.
98 Entre Roma e Jerusalém

Um dos mais excitantes documentos descobertos nas cavernas


de Qumran é denominado o texto do “filho de Deus”,3 que fala de
um homem chamado de “filho de Deus e filho do Altíssimo” e
declara que ele seria “grande sobre a terra.” Estes são exatamente
os termos com os quais o arcanjo Gabriel descreveu Jesus na anun¬
ciação a Maria, acima citada.
O documento de Qumran (4Q246, col. 1-2) está escrito em
aramaico e começa com o apelo de um vidente para um rei. O viden¬
te descreve as guerras que haveriam de ocorrer no futuro:4

Coluna 1

4 [ ... Através de] fortes [reis] a opressão cairá sobre a terra


5 [Haverá guerra entre os povos] e grandes matanças nas
províncias.

O rei da Síria e Egito também é mencionado com relação a esse


período de guerras. Depois desse tempo, contudo, um novo rei sur¬
giria e todos os povos fariam a paz com ele e o serviriam. Esse rei
seria chamado “o filho de Deus e filho do Altíssimo”:

7 [Um outro-último rei surgirá e] ele [próprio] será grande sobre


a terra.
8 [Os reis] farão [a paz com ele] e todos [o] servirão.
9 [O filho do gran]de [Senhor], ele será chamado, e por seu
nome será cognominado.5

Coluna 2

1 O filho de Deus ele será chamado e filho do Altíssimo o


chamarão.
Entre Roma e Jerusalém 99

Passando para a forma plural, o documento fala de reis cujos rei¬


nos haveriam de “ser como cometas.” Estes reis dominariam a terra
durante anos e a calcariam sob seus pés.

1 Como cometas
2 que vistes,6 assim será o reino deles. Durante anos eles
reinarão sobre
3 A terra e passarão por cima de tudo: povos pisarão sobre povos
e província sobre província

Na passagem que se segue há uma descrição do surgimento do


povo de Deus, que anunciaria uma era de verdadeira paz e julga¬
mentos justos. Esse povo teria o domínio eterno e todos as nações
se curvariam diante dele:

4 [vacat]7 Até surgir o povo de Deus e fazer todos descansarem


da espada
5 Seu reino é um reino eterno, e todos os seus caminhos estão
na verdade. Ele há de jul [gar]
6 a terra com verdade e todos farão a paz. A espada desaparecerá
da terra,
7 e todas as províncias lhe prestarão homenagem. O próprio
grande Deus será
8 sua força. Ele fará guerra em seu nome; Ele colocará as nações
em suas mãos e todas elas Ele abaterá diante dele. Sua
soberania é eterna soberania.

A intrigante pergunta suscitada por este texto é: quem é esse


personagem chamado de “filho de Deus” com quem todos os povos
fariam a paz e a quem todos serviriam, e qual é sua relação com
Jesus?8
A solução para a misteriosa identidade do “filho de Deus”,
creio, está no entendimento da história do período em que o texto
foi escrito. Costuma-se determinar a data em que os documentos
de Qumran foram escritos através de exames paleográficos ou

100 Entre Roma c Jerusalém

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Fig. 11.0 texto de Qumran sobre o “filho de Deus”: 4Q246.

seja, de acordo com a forma da escrita de um dado documento. Tais


testes mostram que o documento em questão foi escrito por volta
de 25 a.C.9 Mas a época em que o documento foi escrito não é
necessariamente a época em que foi composto. Ele poderia ser uma
cópia de um trabalho redigido anteriormente.10
Eu acredito que a peça apocalíptica deste documento foi
escrita no período romano. Em minha opinião, o teor da obra pode
ser claramente entendido à luz da situação política do Império
Romano na segunda metade do século I a.C.

Examinemos mais uma vez os eventos daquele período, já mencio¬


nados no início do capítulo 2.
Júlio César foi assassinado em 44 a.C. Em seu testamento, ele
havia declarado que havia adotado como seu o filho de sua sobrinha,
Otaviano. O filho adotivo recebeu então o nome do César morto:
César Otaviano. Para homenagear a memória de César, Otaviano
Entre Roma e Jerusalém 101

organizou jogos em sua honra em julho daquele ano. Durante os


jogos, um cometa apareceu no céu por sete noites seguidas, o que
causou uma grande agitação entre o populacho romano. O cometa,
chamado Caesaris astrwn ou sidas Iulium, foi encarado pelos romanos
como a alma de César, que havia ascendido ao céu e se transformado
em um deus. O episódio é descrito nas memórias de Otaviano:

Nos exatos dias de meus jogos um cometa foi visível por sete
dias na parte norte do céu. Surgia cerca de uma hora antes do
pôr-do-sol e era brilhante. ... As pessoas comuns acreditavam
que esse astro representava a alma de César recebida entre os
espíritos dos deuses imemoriais e, em vista disso, o emblema
da estrela foi acrescentado ao busto de César que pouco
tempo depois inauguramos no fórum.11

O cometa foi visto não apenas como um sinal da condição


divina de Júlio César, mas também como um anúncio da aurora de
uma nova era, uma “idade de ouro”.12 Foi também considerado um
indicativo da natureza divina do novo governante, Otaviano.13
Desejando enfatizar que era o Filho do “divino Júlio”, Otaviano deu
a si mesmo o título de dim fi/ius, que significa “filho de Deus” ou
“filho do divino.”14
Os anos que se seguiram à morte de César foram um período de
guerras. A princípio Otaviano e Marco Antônio lutaram juntos con¬
tra os assassinos de César, mas assim que os derrotaram, dividiram o
império entre si. Otávio estabeleceu sua base em Roma e governava
o império ocidental, enquanto Marco Antônio administrava o Egi¬
to, a Síria e outros países orientais, a partir de Alexandria. O relacio¬
namento íntimo deste último com Cleópatra, a rainha do Egito,
causou grande tensão entre os dois e a rivalidade entre eles acabou
por provocar a batalha de Áccio em 31 a.C. Antônio e Cleópatra
foram derrotados pela frota de Otaviano e fugiram para Alexandria,
onde vieram a se suicidar.
Otaviano tornou-se então o único soberano do império. Rece¬
— —
beu o título de “Augusto” o “nobre” e, em muitas províncias,
102 Entre Roma e Jerusalém

lia/Vi.-.

Fig. 12. Augusto coloca a estrela sobre


uma estátua de Júlio César (denário
de L. Lêntulo, Roma, 12 a.C.).

foram erigidos templos e altares onde ele era adorado como um


deus. Após a batalha de Áccio, fez-se a paz no império e iniciou-se
um período de tranquilidade e prosperidade.
Eu acredito que o documento de Qumran sobre o “filho de
Deus” tem ligação com os eventos do período que vai do assassi¬
nato de César em 44 a.C. até a década seguinte à batalha de Áccio.
O início do texto fala de um tempo de guerras e de grande sofri¬
mento, e é nesse contexto que o “rei da Síria e do Egito” é mencio¬
nado. Esse tempo de dificuldades foi o período de guerras cruéis
entre 44 e 31 a.C., e o “rei da Síria e do Egito” não era outro senão
Marco Antônio, que governava esses países. Como vimos, o docu¬
mento então descreve o surgimento do personagem chamado de
“filho de Deus”:

[Um outro/último rei surgirá e] ele [próprio] será grande sobre


a terra.
[Os reis] farão [a paz com ele] e todos [o] servirão.
[O filho do granjde [Senhor] ele será chamado, e por seu
nome será cognominado.
O filho de Deus ele será chamado e filho do Altíssimo o
chamarão.

— —
Augusto o título de Otaviano era o rei “grande sobre a
terra”, a quem todos haveriam de servir. Era o único soberano do
Entre Roma e Jerusalém 103

Império Romano e era adorado como um deus por seus súditos.


Augusto foi descrito como “filho do grande Senhor”, pois havia sido
adotado como filho pelo grande governante Júlio César, receben¬
do seu nome: César Otaviano. Os títulos “filho de Deus” e “filho


do Altíssimo” também se referem a Augusto que, como vimos, era
chamado de divifilius filho de Deus.
O documento prossegue:

Como cometas
que vistes, assim será o reino deles.

A forma plural se refere ao “grande Senhor” e seu filho adotivo, isto


é, Júlio César e Augusto. O autor compara o reinado de César e de
Augusto a cometas. Um cometa apareceu por ocasião dos jogos
organizados por Augusto em homenagem a César e se tornou um
símbolo da divindade de César e do governo de Augusto.
O texto então diz:

Durante anos eles reinarão sobre


A terra e passarão por cima de tudo.

César e Augusto dominaram durante anos. Espezinharam e


oprimiram os habitantes do império e lhes impuseram pesados tri¬
butos. O uso da expressão “passar por cima” reflete a opinião do au¬
tor, que identificava Roma como a quarta besta da visão de Daniel

— a qual, dizia-se, haveria de devorar e pisar sobre toda a terra.15


Mas ele também tinha esperança de que o domínio opressor de
Roma chegaria ao fim e seria substituído pelo reino eterno do povo
de Deus. Esse povo de Deus era para ele o “filho do homem” de
Daniel (Dn 7,13-14.27).
Augusto apresentava-se como o redentor da humanidade e
muitas pessoas de sua geração o viam como um salvador e redentor
que trouxera paz para o mundo. Como consta em Suetônio, o
famoso escritor e retórico Cícero sonhou com Augusto sendo bai¬
xado do céu em correntes de ouro.16 Os judeus da época, que espe-
104 Entre Roma e Jerusalém

ravam o cumprimento da profecia bíblica, poderiam encarar Au¬


gusto como a realização da previsão do “filho do homem vindo nas
nuvens do céu”, a quem seria dado o poder e a realeza e a quem
todos os povos e línguas adorariam como a um deus (Daniel
7,13-14).17 O autor do documento de Qumran, porém, discordava.
Em sua opinião, Augusto era nada mais do que um dominador e
opressor. Sua paz não era uma paz genuína, mas havia sido conse¬
guida oprimindo e calcando sob os pés os povos subjugados pelos
romanos. O reinado de Augusto era um fenômeno passageiro. A paz
e a redenção somente viriam com a chegada do verdadeiro “filho do
homem”, o povo de Deus:

Até surgir o povo de Deus e fazer todos descansarem da


espada.

JESUS COMO FILHO DE DEUS


Os três evangelhos sinóticos começam apresentando Jesus como o
filho de Deus. A idéia da origem divina de Jesus é encontrada no
episódio da anunciação a José: “pois o que nela foi gerado vem do
Espírito Santo” (Mt 1,20).
Voltemos aos comentários de Bultmann sobre o assunto:

A idéia da geração divina em uma virgem não somente é


estranha ao AT e ao judaísmo, como é totalmente impossível.
... A idéia do Parto Virginal do Messias em particular é
estranha ao judaísmo. ... Ela foi inicialmente introduzida na
transformação para o helenismo, no qual a idéia de um rei ou
herói gerado por uma divindade em uma virgem era muito
disseminada.”18

Bultmann argumenta que o título “filho de Deus” se refere


realmente à noção da origem divina de Jesus, mas ele alega que esse
conceito era alheio ao judaísmo daquela época; o título “filho de
Entre Roma e Jerusalém 105

Deus” e as histórias a respeito do nascimento de Jesus devem ser


vistos como elementos posteriores, acrescentados pela igreja hele-
nística, após sua morte.
Nossas descobertas lançam uma nova luz sobre o título “filho
de Deus”. Pelo documento encontrado em Qumran, escrito por
volta do ano 25 a.C., ficamos sabendo que o título havia sido empre¬
gado para o imperador Augusto. Este documento dizia que Augusto
seria chamado “filho do Altíssimo” e que seria “grande sobre a
terra”,19 o que, como vimos, corresponde exatamente ao anúncio
do arcanjo Gabriel a Maria: “Ele será grande, será chamado Filho do
Altíssimo. ... por isso o Santo que nascer será chamado Filho
de Deus” (Lc 1,32.35).
Em vista da grande semelhança de linguagem entre o texto de
Qumran e o Evangelho de Lucas, parece que a descrição de Jesus
como o filho de Deus e a história da anunciação não se originaram na
igreja helenística, mas são adaptações de material de Qumran,
datando do século I a.C. As adaptações foram feitas por alguém que
tinha conhecimento do documento de Qumran e entendia o ara-
maico em que este fora escrito. Donde podemos concluir que a tra¬
dição do anúncio de Gabriel revelando a Maria a origem divina de
seu filho foi formulada na terra de Israel e não na igreja helenística.
E não podemos mais excluir a possibilidade de que Jesus tenha de
fato se considerado o “filho de Deus.”

O MESSIAS DE QUMRAN E A ESCATOLOGIA ROMANA

A idéia da adaptação dos títulos de Augusto a Jesus levanta a


questão da possível influência da ideologia romana e augustana
sobre a formação do messianismo judaico no século I a.C.
É digno de nota o fato de a figura do Messias e a descrição da era
de redenção nos hinos messiânicos de Qumran terem uma surpreen¬
dente semelhança com a figura do redentor e a descrição da “nova
era” no famoso poema de Virgílio, a Quarta Écloga.20
106 Entre Roma e Jerusalém

Virgílio foi contemporâneo do Messias de Qumran. Escreveu


seu poema em 40 a.C. A atmosfera em Roma na década de 40 do
século I a.C. era de anseio de redenção. O colapso da República, as
guerras civis e o assassinato de Júlio César haviam provocado nos
romanos um estado de depressão e um sentimento de que apenas
um redentor milagroso poderia salvá-los. Na Quarta Écloga, Virgílio

se dirige a Asínio Pólio (76 a.C. 4 E.C.), que era cônsul em Roma
em 40 a.C. Pólio, conhecido político, historiador e intelectual, era
um dos patronos de Virgílio. O poeta lhe assegura que no ano em
que ele serviu como cônsul uma grande mudança ocorreria e uma
nova era começaria:

E no teu consulado, Pólio, sim, no teu,


haverá de iniciar-se esta gloriosa era ...
sob tua autoridade,
quaisquer traços que restem de nossa culpa serão anulados,
e libertarão a terra de seu contínuo terror.21

O anúncio de Virgílio de uma nova era na qual a culpa e o temor


haveriam de desaparecer é extraordinariamente semelhante à pro¬
clamação da redenção no hino messiânico de Qumran:

A paz surge, o terror cessa;


a injustiça é eliminada],
[e a culpa] não existe m[ais.22

Na visão de Virgílio, a libertação da culpa e do temor está asso¬


ciada ao aparecimento de uma criança milagrosa. Esse menino é o
filho dos deuses23 e vive entre deuses e heróis:

Ele terá o dom da vida divina


verá heróis junto com deuses e se verá sendo visto por eles.24
Entre Roma e Jerusalém 107

Essa descrição lembra as palavras do Messias de Qumran:

Eu tomei meu assento ... nos céus ... eu serei contado entre
os anjos, e estabelecido na santa congregação.25

Em 40 a.C., ano em que Virgílio escreveu a Quarta Écloga,


Marco Antônio e Augusto firmaram um acordo na cidade de Brindi-
sium, que resultou no casamento político de Antônio com Otávia,
irmã de Augusto. A criança milagrosa descrita por Virgílio parece ter
sido o esperado rebento dessa união.26 Vejamos o comentário de
W Clausen:

Para os leitores daquela época, a pergunta ansiosa, “Quem é o


menino?” não teria ocorrido. Eles sabiam muito bem de quem
se tratava: o esperado filho de Antônio e Otávia ... o filho que
nunca veio; em seu lugar, nasceu uma menina.27

Como já vimos, esse casamento não durou muito. Antônio


abandonou a esposa Otávia e voltou para sua amante Cleópatra, rai¬
nha do Egito. Depois de Otávia ter sido rejeitada e de Antônio ter
se unido a Cleópatra, Augusto entrou em guerra contra os dois. Na
batalha naval de Áccio, a frota de Antônio e Cleópatra foi destro¬
çada pela de Augusto, que passou a ser o único governante do impé¬
rio, tendo sido saudado por Virgílio como aquele que havia realizado
a visão do “filho de Deus” e introduzido a “nova era”:

Este, este é ele, aquele que tantas vezes te foi prometido,


Augusto César, filho de Deus, que mais uma vez estabelecerá
a Idade de Ouro.28

Augusto, por sua vez, também se apresentava como alguém


que havia introduzido uma nova era.29 Era o “filho de Deus” que
havia trazido a paz para o mundo e a salvação para seus habitantes.
Essa imagem sua como redentor da humanidade é claramente
demonstrada numa inscrição de 9 a.C.:
108 Entre Roma e Jerusalém

Tendo a providência, que ordenou divinamente nossas vidas,


criado ... o mais perfeito bem para nossas vidas produzindo
Augusto e impregnando-o de virtude para o bem da
humanidade, enviando-nos ... um salvador que pôs fim à
guerra. ... Quando ele surgiu, ultrapassou as esperanças de
todos que haviam antecipado boas novas. ...30

O caráter divino de Augusto, o redentor, está também clara¬


mente expresso na arte do período.31 Em alguns artefatos, ele é
mostrado sentado sobre um trono magnífico, na companhia dos
deuses.32
O Messias da seita de Qumran se auto-descrevia sentado sobre
um “trono de poder” na congregação dos deuses,33 exatamente
como Augusto era representado. Os hinos messiânicos de Qumran
falam do período de redenção em termos extraordinariamente
semelhantes aos de Virgílio quando este se refere à nova era. Como
a atividade do Messias de Qumran se desenvolveu durante a época
de Augusto, devemos considerar a possibilidade de a atmosfera
política e cultural de Roma, conforme expressa na poesia de Virgílio
e na propaganda de Augusto, ter também influenciado o Messias.
Será que a Quarta Écloga era conhecida na terra de Israel?
O povo de Qumran teria sido alcançado pela propaganda de
Augusto, que o apresentava como um redentor divino, introdutor
de uma nova era?
A resposta à segunda pergunta na verdade já foi dada na primei¬
ra parte deste apêndice. Vimos que o texto de Qumran sobre o
“filho de Deus” toca em certos pontos cardeais da ideologia de
Augusto: sua descrição como o “filho de Deus” e a menção do co¬
meta que prenunciava uma nova era.
Agora, parece que podemos dar também uma resposta positiva
à primeira pergunta:
A Quarta Écloga, como vimos, foi dirigida a Asínio Pólio, que
era cônsul em 40 a.C. e protetor de Virgílio. Sabemos agora que
Herodes mantinha um relacionamento especial com Asínio Pólio.
Os dois se conheceram em 40 a.C., ano em que a Quarta Écloga foi
Entre Roma e Jerusalém 109

escrita. Na época, Matarias Antígono, o último dos governantes


asmoneus, havia assumido o cargo na Judeia com a ajuda dos partos.
Herodes fugiu de Antígono e seus partidários e chegou a Roma,
onde pediu auxílio a Marco Antônio. Por iniciativa deste e com a
concordância de Augusto, o Senado romano se reuniu e proclamou
Herodes rei da Judéia. Terminada a seção do Senado, Antônio e
Augusto se dirigiram ao Capitólio, com Herodes entre os dois.
O cortejo era encabeçado pelos cônsules em exercício naquele ano:
Caio Domício Calvino e Asínio Pólio.34
A ligação entre Pólio e Herodes foi se fortalecendo nos anos
subsequentes. Em 32 a.C., Herodes mandou seus filhos Alexandre
e Aristóbulo estudarem em Roma. Os jovens lá permaneceram por
cerca de cinco anos e viveram na casa de Pólio, que, segundo Josefo,
tinha um relacionamento especial com Herodes.35 Pode-se, por¬
tanto, presumir que Herodes e sua corte por certo tinham conheci¬
mento da Quarta Écloga, que Virgílio havia dedicado a Pólio.
Em vista de tudo isso, sustento ser possível que o Messias de
Qumran foi influenciado pela visão romana de redenção e pela pro¬
paganda de Augusto. Este foi pintado como um soberano com natu¬
reza divina, que fundia a terra com o reino dos céus. É com este
espírito que o Messias de Qumran descreve seu relacionamento
com Deus e sua posição no céu, em termos inspirados em uma corte
real. Ele se apresenta como “o amigo do rei”
— — isto é, amigo de
Deus e se declara igual aos “filhos do rei”, os anjos. No hino mes¬
siânico de Qumran encontramos um retrato sem precedentes na
literatura judaica: o de um Messias de natureza divina, sentado em
um trono majestoso no céu e na companhia dos anjos. Este Messias
anuncia uma nova era na qual a culpa, o pecado e o medo desapare¬
cerão. É possível que esse retrato tenha sido montado sob a influên¬
cia da mensagem de Virgílio de redenção e remissão de culpa, e das
representações artísticas de Augusto sentado sobre um trono e
rodeado por deuses.36
ABREVIAÇÕES

ANRW Aufsteig und Niedergang der Romischen Welt


BBR BuletinulBibliotedi Romane
BICS Bulletin of the Institute of Classical Studies, Universi¬
dade de Londres
CBQMS Catholic Biblical Quarterly, Monograph Series
CQ E. Quimron, org., “The Text of CDC,” em The
Damascus Document Reconsidered, org. M. Broshi,
Jerusalém, 1992, pp. 9-49.
CR Classical Review
DJD Discoveries in the Judean Desert, Oxford, 1955-
DSD Dead Sea Discoveries
Ebib Études Bibliques
HTR Harvard Theological Review
ICC International Critical Commentary
JBL Journal of Biblical Literature
JQR Jewish Quarterly Review
11.2 Abreviações

JRS Journal of Roman Studies


JSOT Journalfor the Study of the Old Testament
JSQ Jewish Studies Quarterly
JTS Journal of Theological Studies
NT Novo Testamento
NTS New Testament Studies
RBPH Revue Beige de Philologie et d'Histoire
RQ Revue de Qumran
TAPA Transactionsand Proceedings of the American Philologi¬
calAssociation
TDNT TheologicalDictionary of the New Testament 1-9, Grand
Rapids, 1964-74
TDOT TheologicalDictionary of the Old Testament 1-, Grand
Rapids, 1974-
ZDPV Zdtschrift des Deutschen Palastina-Vereins
NOTAS

PREFÁCIO

1. R. A. Kugler, “Holiness, Purity, the Body, and Society”, JSOT 76


(1997), p. 5.

INTRODUÇÃO

1. No máximo, ele confirmou seu messiado em resposta a declarações


de outros. Ver Mateus 16,17; 22,64; Marcos 14,62; Lucas 22,70.
2. Mt 16,20; Mc 8,30; Lc 4,35; 9,21.
3. Mt 16,21; 17,12; 20,18-19; Mc 8,31; 9,12.31; 10,33-34; 14,21;
Lc 9,22.44; 18,31-33.
4. Para um levantamento da literatura a respeito dessa questão, ver
J. C. O’Neill, Who Did Jesus Think He Was? (Leiden, 1995), p. 7 e scgs.
5. W Wrede, Das Messiasgeheimnis in den Evange/ien (Gottingen, 1901);
R. Bultmann, Theology of the New Testament, trad. K. Groebel (N. Iorque,
1951) (publicado originalmente como Theo/ogiedes Nenen Testament [Tubin¬
gen 1949)), p. 26 e segs.
6. Bultmann, Theology of the New Testament, p. 31. Ver também as pala¬
vras de Vermes: “Nem o sofrimento do Messias, ou sua morte e ressurrei¬
ção, parecem ter feito parte da crença do judaísmo do século I.” G. Vermes,
Jesus the Jew (Filadélfia, 1981), p. 38.
114 Notas

7. Wrede, Das Messiasgeheimnis, pp. 82-92; Bultmann, Theology of the


New Testament, p. 31; idem, The History of the Synoptic Tradition (Oxford,
1963), p. 152.
8. Ver, no entanto, a crítica ao método de Bultmann e a nova aborda¬
gem de Helmut Koester em seu muito importante estudo “The Memory
of Jesus’ Death and the Worship of the Risen Lord”, #7X91 (1998),
pp. 334-50 e nota 23.

CAPÍTULO 1: O SEGREDO MESSIÂNICO

1. O palácio se localizava na área ao sul da atual porta de Jaffa.


2. Os essênios eram uma seita judaica. A maioria dos estudiosos é de
opinião que eles escreveram os pergaminhos encontrados em Qumran,
conhecidos como os Manuscritos do Mar Morto. O setor essênio ficava na
área hoje denominada monte Sião; sabemos que a comunidade vivia ali
pela localização da porta dos Essênios, cujas ruínas foram descobertas na
encosta sul do monte Sião. Uma escavação arqueológica no local revelou
que a porta fazia parte da muralha da cidade durante o reinado de Hero-
des. Ver B. Pixner, D. Chen e Sh. Margalit, “Mount Zion:‘The Gate of the
Essenes Reexcavated’,” ZDPV 105 (1989), pp. 85-95. Sobre o setor essê¬
nio no monte Sião, ver R. Raisner, “Jesus, the Primitive Community, and
the Essene Quarter of Jerusalem”, em Jesus and the Dead Sea Scrolls, org.
J. H. Charlesworth (N. Iorque, 1992). Também sabemos que havia essê¬
nios residindo em Jerusalém naquela época pelos restos de um cemitério
essênio descoberto por B. Zissu. Ver B. Zissu, ‘“Qumran Type’ Graves in
Jerusalem: Archeological Evidence of an Essene Community?” DSD 5
(1988), pp. 158-71.
3. Ver Josefo, Jewish War (A Guerra dos Judeus) 2.128, Loeb Classical
Library (Cambridge, Mass., 1928).
4. Ver J. M. Baumgarten, “Qumran Cave 4XIH", DJD 18 (Oxford,
1996), p. 181; e A. Steudel, “The Houses of Prostration”, RQ 16 (1993-
95), pp. 49-66.
5. Sobre as preces matinais dos essênios, ver Josefo, A Guerra dos
Judeus 2.128. A respeito de preces matinais na literatura do mar Morto, ver
M. Weinfeld, “The Morning Prayers in Qumran and in Conventional
Jewish Literature”, em Memorial Jean Carmignac, org. E. Puech e E Garcia
Martinez (Paris, 1988), pp. 481-94; idem, “On the Question of Morning
Benedictions at Qumran”, Tarbiz 51 (1982), pp. 495-96; R. Brody, “Mor-
Notas 115

ning Benedictions at Qumran?” Tarbiz 51 (1982), pp. 493-94; e D. Falk,


Daily, Shabbath, and Festival Prayers in the Dead Sea Scrolls (Leiden, 1998) ,
pp. 21-124.
6. Ver Josefo, Jewish Antiquities (Antigiiidades dos Judeus) 15.317, Loeb
Classical Library (Cambridge, Mass., 1930).
7. Josefo, A Guerra dos Judeus 1.401.
8. Ibid., 5.172-83.
9. Sobre os pombais, ver ibid.; sobre os pombos de Herodes, ver
Mishná, Hulin 12:1.
10. Ver Josefo, Antigjiidadesdos Judeus 15.228; idem ,A Guerra dos Judeus
1.538, 571, 620. Com relação aos tribunais legais de Herodes, ver A. M.
Rabello, “Hausgericht (tribunal doméstico) na casa dc Herodes o Grande?”
(em hebraico) em Jerusalem in the Second Temple Period: A. Shalit Memorial
Volume, org. A. Oppenheimer, U. Rappaport e M. Stern (Jerusalém, 1980),
pp. 119-35.
11. 4Q525, col. 4:23-5; E. Puech, “Qumran Grotte 4”, DJD 25
(Oxford, 1998), p. 146.
12. Como nada restou do palácio de Herodes, não podemos saber a
exata natureza dos murais. Aqui, minha descrição foi baseada nas pinturas
descobertas nas paredes do palácio de-Herodes em Massada. Essas pintu¬
ras apresentam desenhos geométricos, notavelmente parecidos aos en¬
contrados no palácio de Augusto. Ver J. Geiger, “Herodes e Roma: Novos
Aspectos”, em Os Judeus no Mundo Greco-Romano: Estudos em Memória de
Menahem Stem, org. I. M. Gafni, A. Oppenheimer e D. R. Schwartz (Jerusa¬
lém, 1996), p. 139 (em hebraico).
13. Para o relato da refeição, segui Geiger, “Herodes e Roma”, p. 145.
A descrição se baseia principalmente nas descobertas de Massada. Sobre o
molho para o peixe, enviado de Roma para Herodes, ver H. M. Cotton e
J. Geiger, Massada II: The Ytgael Yadin Excavations 1963-65. Final Reports. The
Latin and Greek Documents (Jerusalém, 1989), pp. 166-67.
14. Ver Cotton e Geiger, Massada II, pp. 163-64.
15. Quanto à remessa de vinho, ver ibid., pp. 140-49. Os autores pre¬
sumem que o vinho deve ter sido enviado a Herodes em alguma data entre
omêsdejaneiroeodia 12 de outubro de 19 a.C. A viagem marítima da Itá¬
lia a Jerusalém levou entre 55 e 73 dias (ver H. W Hoehner, I/erod Antipas
[Grand Rapids, 1980], p. 35). Mesmo que o embarque tenha partido da
Itália no início de outubro de 19 a.C., pode-se supor que tenha chegado a
Jerusalém em janeiro de 18 a.C.
116 Notas

16. Sobre utensílios de pedra em Jerusalém, ver N. Avigad, A Cidade


Alta de Jerusalém (Jerusalém, 1980), pp. 174-76 (em hebraico).
17. Ver M. Stern, Estudosde História Judaica: O Período do Segundo Tem¬
plo (Jerusalém, 1991), pp. 445-64 (em hebraico).
18. Josefo, Antiguidades dos Judeus 15.343, onde consta que o anfitrião
era “Pólio”. Quanto à identificação desse “Pólio” com Asínio Pólio, ver
L. H. Feldman, “Asinius Pollio and His Jewish Interests”, TAPA 84
(1953), pp. 73-80; idem, “Asinius Pollio and Herod’s Sons”, CQ 35
(1985), pp. 240-43; Stern, Estudos de História Judaica, p. 175.
19. Ver Taylor, The Divinity of the Roman Emperor (Middleton, 1931,
p. 174.
20. Ver Reisner, “Jesus, the Primitive Community and the Essene
Quarter”, p. 213.
21. Ver Josefo, A Guerra dos Judeus 2.123.
22. Ver lQSa 2:11-17.
23. Josefo, A Guerra dos Judeus 2.130.
24. Ibid., 2.131; lQSa 2:18-21.
25. Josefo, A Guerra dos Judeus 2.130.
26. Ibid., 2.131. Ver também M. Weinfeld, “Graças após as Refeições
na Casa dos Enlutados em um Texto de Qumran”, Tarbiz 61 (1991),
pp. 15-24 (em hebraico).
27. Sobre a bênção do nasi, ver O. P. Barthelemy e J. T. Milik, “lQSa
20-28”, DJD 1 (Oxford, 1955), pp. 127-28.
28. Ver Isaías 11,4.
29. “Povo de Kitim” era o termo comumente usado para os romanos
nos escritos do mar Morto. Sobre a expectativa de que o rei de Kitim seria
morto pelo nasi da comunidade, ver D. Flusser, “A Morte do Rei Perverso”,
em Uma Luz para Jacó: Estudossobre a Bíblia e os Manuscritosdo Mar Morto em
Memória de J. S. Licht, org. Y. Hoffmann e J. H. Pollak (Jerusalém, 1997),
pp. 254-62 (em hebraico).
30. Ver Josefo, Antiguidades dos Judeus 15.366.
31. Josefo, A Guerra dos Judeus 2.141.
32. Ver 1QM 15:2.
33. Ver a reconstrução de M. Broshi, que segui em parte: “A Day in the
Life of Hananiah Nothos: a Story”, em A Day in Qumran, org. A. Roitman
(Jerusalém, 1997), pp. 61-70.
34. E. L. Sukenik, Otzar ha-Meguilot ha-genuzoth (Jerusalém, 1954),
pp. 21,32.
Notas 117

35. Para considerações mais detalhadas sobre os diferentes manuscri¬


tos, ver apêndice A.
36. E. Schuller, “A Hymn from a Cave Four Hodayot Manuscript”,
JBL 112 (1993), pp. 605-28.
37. Ver o Pergaminho de Ação de Graças 40:30-31, 12:24-29. Sobre o
contraste marcante entre o sentimento de culpa prevalecente nos salmos
de ações de graças e o sentimento de libertação da culpa nos hinos, ver J.J.
Collins, The Scepter and the Star (N. Iorque, 1995), p. 148.
38. “fM? rÒ3”: ver Schuller, “A Hymn”, p. 609, linhas 6-7.
39. Ibid., pp. 627-28; J. J. Collins, Apocalypticism in the Dead Sea Scrolls
(Londres e N. Iorque, 1997), p. 147.
40. A reconstrução aqui proposta 6, de modo geral, baseada na de
E. Eshel, “The Identification of the ‘Speaker’ of the Self-Glorification
Hymn”, em The Provo International Conference on the Dead Sea Scrolls, org.
D. W Parry e E. Ulrich (Leiden, 1999), pp. 619-35; e idem, “471b: 4Q
Self-Glorification Hymn”, DJD 29 (Oxford, 1999), pp. 427-28. Eu me
afastei dessa reconstrução em alguns pontos, que indicarei nas notas rela¬
tivas à discussão detalhada do texto no apêndice A.
41. 0 uso do termo elim, OÿN, para anjos é muito comum na literatura
do mar Morto.
42. Compare-se com “o amigo do rei” em 1 Crónicas 27,33.
43. Sobre “os santos” como um termo para anjos, ver o Salmo 89,6-8.
Com efeito, creio que o título “o amigo do rei”, “pOil TT, tem aqui um
duplo sentido, incluindo também uma referência ao rei terreno Herodes.
Esse ponto será discutido com mais detalhes no capítulo 3.
44. 4Q491, frg. 11, col. 1:5-6. Acompanho a tradução de Eshel (“The
‘Speaker’”, p. 622). A tradução completa do hino pode ser encontrada no
apêndice A.
45. A primeira frase aparece na linha 10 e a segunda nas linhas 9-10 de
4Q491 , frg. 11, col. 1. Aqui, eu inverti a ordem.
46. Ibid., linha 10.
47. Para um exame detalhado dos estudos sobre esse assunto, ver
apêndice A.
48. J. J. Collins, Apocalypticism in the Dead Sea Scrolls, Londres e N. Ior¬
que, 1997, p. 147.
49. A possibilidade de a figura em questão ter sido um líder messiâ¬
nico foi brevemente considerada, entre outras possibilidades, em E. Puech,
“La croyance des Esséniens en la vie future: Immortalité, résurrection, vic
éternelle?” Ebib 22 (Paris, 1993), pp. 392-95.
118 Notas

SO. Ver Eshel, “The ‘Speaker’”, pp. 620-21.


51. Ver notas 36 e 37, acima.
52. 4Q427, frg. 7, col. 2:8-9. A tradução está de acordo com 4Q427,
frg. na edição de E. Schuller (ver Schuller, “A Hymn”).
7,
53. Ver lQHa 11:22-27. Ver análise mais detalhada no apêndice A.
54. A tradução dada aqui se baseia numa combinação do texto do
CD 14:18-19 e de fragmentos da caverna quatro. Ver J. M. Baumgarten,
“Messianic Forgiveness of Sin in CD 14:19 (4Q266, frg. 10, col. 1:12-13)”,
em The Provo International Conference on the DeadSea Scrolls, org. D. W Perry
e E. Ulrich (Leiden, 1999), pp. 537-44.
55. 4Q491, frg. 11, coi. 1; Eshel (“The ‘Speaker’”, p. 622, linha 15)
traduz “do Mess[ias]”. Minha tradução, porém, é mais exata.
56. 4Q491, frg. 11, col. 1:15. No manuscrito, a formulação é [ ]570
pp. A última letra poderia setshin, t7, ou ain, V. A reconstrução [in’] foi
proposta por D. Dimant em ‘A Synoptic Comparison of Parallel Sections
in 4Q427 7, 4Q491 11 e 4Q471b”, JQR 85 (1994), p. 159.
57. Ver análise detalhada do assunto no apêndice A.
58. Esta é uma combinação das duas versões do primeiro hino.
59. Ver Baumgarten, “Messianic Forgiveness of Sin.”
60. Para um levantamento da literatura a respeito do “Jesus histó¬
rico”, ver B. Chilton e C. A. Evans, orgs., Studying the Historical Jesus (Lei¬
den, 1994).
61. Wrede, Das Messiasgeheimnis\ Bultmann, Theology of the New Testa¬
ment, vol. 1, p. 26 e segs.
62. Daniel 7,9-14.
63. Bultmann, Theology of the New Testament, vol. 1, p. 31.
64. A afirmação de superioridade com relação aos anjos, “Quem é
como eu dentre os anjos?” (4QHe, frg. 1:4), não ocorre em nenhum outro
ponto na literatura de Qumran. Ela é dramaticamente diferente das fór¬
mulas normais sobre comunhão com os anjos encontradas nesses escritos
(ver lQHa 3:22 e outros).
65. Ver 4Q491, frg. 11, col. 1:5-6.
66. Sobre a superioridade com relação aos anjos, ver Salmo 89,7.
67. 4Q491, frg. 11, col. 1:9.
68. A versão 1 dos hinos se encontra em três manuscritos: 4QHa,
4QHe e lQHa. O manuscrito 4QHa, segundo Schuller (em sua edição:
“431:4Q Hodayot”, DJD 29 [Oxford, 1999], p. 202), dataria do período
herodiano inicial (a expressão “período herodiano inicial” nos estudos
paleográficos se refere à segunda metade doséculo I a.C., período que cor-
Notas 119

responde aproximadamente ao reinado de Herodes: 37-4 a.C.) . Para F. M.


Cross, 4QHa data de mais ou menos 25 a.C. (Ver nota 14 da edição de
Schuller: “427 4Q Hodayot”, DJD 29 [Oxford, 1999], p. 85)
O terceiro manuscrito é a cópia do Pergaminho de Ação de Graças da
caverna 1 de Qumran, lQHa, contendo fragmentos dos hinos, e sua data,
segundo F. M. Cross, se situa entre 30 e 1 a.C. Ver E M. Cross, “The Deve¬
lopment of the Jewish Script”, em The BibleandtheAncient NearEast: Essays
in Honor of W. F. Allbright, org. G. W Wright (Garden City, 1961), p. 137.
A versão 2 dos hinos aparece em apenas um manuscrito: 4Q491 11,
datado da segunda metade do século I a.C. Ver DJD 7, org. M. Baillet
(Oxford, 1982), p. 12; M. G. Abegg, “Who Ascended to Heaven? 4Q491,
4Q427, and the Teacher of Righteousness”, em Eschatology, Messianism, and
the Dead Sea Scrolls, org. C. A. Evans e P. W Flint (Grand Rapids, 1997),
p. 65.
69. Herodes reinou entre os anos 37 e 4 a.C.

CAPÍTULO 2. DEPOIS DE TRÊS DIAS

1. Ver Taylor, Divinity of the Roman Emperor, p. 106; e D. Fishwick, The


Imperial Cult in the Latin West (Leiden, 1987), vol. 1, p. 76. Otaviano come¬
çou a usar esse título por volta do ano 40 a.C.
2. A princípio, estabeleceu-se o Segundo Triunvirato, incluindo tam¬
bém Lépido que, após algum tempo, foi afastado por Otaviano.
3. Plutarco, “Anthony”, em The Lives of the Noble Grecians and Romans,
tradução para o inglês de J. Dryden (Chicago, 1952).
4. Justino Mártir, 1 Apology 44, org. P. Mariani (Paris, 1857).
5. Ver Clemente Alexandrino, Strom. 6.5.30, org. N. le Nowry (Paris,
1890); E. Schurer, The History of the Jewish People in the Age of Jesus Christ, rev.
e org. G. Vermes, E Millar eM. Goodman (Londres, 1995), vol. 3, parte 1,
p. 655.
6. D. Flusser, Judaism andthe Origins of Christianity (Jerusalém, 1988),
pp. 392-448. Conforme observado por Hinnells, o Oráculo contém ele¬
mentos genuinamente persas 0- R Hinnells, “The Zoroastrian Doctrine
of Salvation in the Roman World”, em Man and His Salvation: Studies in
Memory of S. G. F. Brandon, org. E. J. Sharp e J. R. Hinnells [Manchester,
1973], pp. 125-48). É possível que o autor judeu tenha realmente usado
um apocalipse persa (ver Flusser), mas mesclou os elementos persas com
os bíblicos.
120 Notas

7. Lactâncio, Divin. Inst. 7.16.4, org. S. Brandt (N. Iorque, 1965), tra¬
dução para o inglês de Flusser, em Judaism, p. 402 e segs.
8. Histaspes dizia que o segundo rei viria da Síria. Para uma explana¬
ção sobre o assunto, ver notas 48 e 52, deste capítulo. Dizia que o primeiro
rei viria do norte. Flusser (Judaism, pp. 65-67) explica que se trata de uma
tentativa de criar uma associação com o “rei do norte” do capítulo lido
livro de Daniel. Há outros elementos tirados do livro de Daniel na descri¬
ção do primeiro rei. Compare-se: “... tendo destruído três daquele núme¬

ro (de reis)” (Lactâncio, Divin.Inst. 7.16.3) “e abaterá três reis” (Daniel
7,24); "... ele mudará as leis” (Lactâncio, Divin. Inst. 7.16.4)”
— “... ele
tentará mudar os tempos e a lei” (Daniel 7,25).
9. Lactâncio, Divin. Inst. 7.17.4.
10. Ver a descrição desses eventos em R. Syme, The Roman Revolution
(Oxford, 1939), pp. 259-93.
11. Cássio Dio, Roman History 50.4.1, Loeb Classical Library (Cam¬
bridge, Mass., 1917).
12. A tentativa de fazer de Alexandria a nova Roma se evidencia nas
moedas daquele período. Ver Taylor, Divinity of the Roman Emperor; p. 127 e
nota 55.
13. Lactâncio, Divin. Inst. 7.17.4-5.
14. A conexão foi feita por D. Flusser (Judaism, p. 433 e segs.).
15. Ver o levantamento de recentes estudos e discussões sobre o
assunto em Thomas B. Slater, “On the Social Setting of the Revelation of
John”, New Testament Studies 44 (1998), pp. 232-56.
16. O texto original talvez falasse dos chifres de um bode e João, o
autor do livro, pode ter trocado o bode por um cordeiro, para mostrar o con¬
traste entre Jesus, descrito como um cordeiro, e o Anticristo, que se parece
com um cordeiro mas fala como um dragão. Ver J. Jeremias, TDNT1:341.
17. Suetônio, “Augustus”, 94, em TheLives of the Caesars, tradução para
o inglês de J. C. Rolfe (Londres, 1913). Suetônio não se mostra coerente
aqui, pois na seção 5 afirma que Augusto nasceu cm setembro. Capricórnio
era o signo de sua concepção, e não de seu nascimento. Ver G. W Bower-
sock, “The Pontificate of Augustus", em Between Republic and Empire, org.
A. Raaflaub e M. Toher (Berkeley, 1990), p. 386.
18. J. R. Fears, The Divine Election of the Emperor as a Political Concept at
Rome (Roma, 1977), pp. 207-10. Para uma análise detalhada das várias
implicações do uso do signo de Capricórnio por parte de Augusto, verT. S.
Barton, Power and Knowledge (Ann Arbor, 1994), pp. 40-44.
Notas 121

19. J. Gage, Apollon romain (Paris, 1955), pp. 583-637; E. Simon, Die
Port/andvase (Mainz, 1957), p. 30 e segs.
20. Cássio Dio, Roman History 45.1.2.
21. Suetônio, “Augustus”, 94.
22. Sobre a luta deApolo com Píton, ver J. Fontenrose, Python:A Study
of Delphic Myth and Its Origins (Berkeley, 1959).
23. Ver S. Weinstock, Dims Julius (Oxford, 1971), p. 14.
24. Propércio, Elegies (E/egias) 4.6.27, Loeb Classical Library (Cam¬
bridge, Mass., 1990).
25. Sobre Augusto e o templo deApolo, ver K. Galinski, Augustan Cul¬
ture (Princeton, 1996), pp. 213-24.
26. Taylor, Divinity of the Roman Emperor; p. 154 e nota 27.
27. Fishwick, Development of the Imperial Cult, vol. 1, p. 81, nota 70.
28. Suetônio, “Augustus”, 96-97.
29. Sobre os poderes proféticos atribuídos a Píton, ver Fontenrose,
Python, p. 374. A mesma obra (p. 375 e segs.) fala da relàção íntima entre
Píton e Dioniso. Como sabemos, Marco Antônio se via como Dioniso. Tal¬
vez o autor da visão pretendesse inverter o mito de Augusto. Este se com¬
parava a Apoio, que derrotou Píton-Dioniso, mas na verdade o Apocalipse
diz que ele próprio era um dragão, como Píton-Dioniso!
30. A. Yarbro Collins, em The Combat Myth in the Book of Revelation (Har¬
vard Dissertations in Religion [Missoula, 1976], p. 64 e segs.), considera
que o episódio do capítulo 12 do Apocalipse, sobre o dragão que perseguiu
a mulher que deu à luz o Messias, se baseou no mito de Píton, que perse¬
guiu Latona, mãe deApolo. Em sua opinião (p. 128), o autor da visão era
um judeu que escreveu a obra naÁsia Menor no século I E.C. Esta história,
afirma Collins (pp. 188-89), refletia uma polêmica contra a propaganda
disseminada por Augusto e pelos Césares que o sucederam. O autor da
visão assevera que o César romano não era, como jactanciosamente ale¬
gava, Apoio, mas o dragão Píton; o verdadeiro Apoio seria o Messias judeu.
As sugestões de Collins são convincentes. Ao que parece, a história da per¬
seguição da mãe do Messias pelo dragão e a visão das duas bestas no capí¬
tulo 13 do Apocalipse seriam originárias do mesmo escritor. Este teria
conhecimento do mito relativo ao deus Apoio e dos relatos ligados ao tem¬
plo de Delfos, e se valeu desse conhecimento para enfrentar a propaganda
de Augusto. Quanto ao período em que escreveu, ver nota 46, deste capí¬
tulo. João, o autor do Apocalipse, incluiu a visão das duas bestas em seu
capítulo 13, introduzindo vários acréscimos à visão original. Um desses
acréscimos deve ser a referência a Jesus no versículo 8 e as insinuações da
122 Notas

imposição do culto a César nos versículos 9 e 15. Se o “número da besta”


em 13,18 se refere a Nero, este versículo também é um dos acréscimos de
João.
31. R. H. Charles, “The Revelation of St. John”, ICC (Edimburgo,
1994), pp. 345-46; WJ. Harrington, “Revelation”, Sacra Pagina 16 (Colle-
geville, 1993), p. 140.
32. Ver as referências em Charles, “Revelation of St. John”, p. 349,
discordando dessa interpretação e dizendo que, conforme o versículo 3, o
ferimento mortal somente afetou uma das cabeças e não toda a besta, mas
essa alegação não é decisiva. Os versículos 12 e 14 dizem especifícamente
que o ferimento colocou em perigo a própria vida da besta.
33. Suetônio, “Augustus”, 52. Ver também G. W Bowersock, Augustus
andthe Greek World (Oxford, 1965), p. 116.
34. Escritos desse tipo aparentemente também existiam entre os gre¬
gos que se opunham ao domínio de Augusto. Ver Bowersock, Augustus and
the Greek World, p. 110.
35. Sobre oculto imperial na Ásia Menor, ver S. E R. Price, Ritualsand
Power: The Roman Imperial Cult in Asia Minor (Cambridge, 1984).
36. Lactâricio, Divin. Inst. 7.17.1-2.
37. Ibid., 7.17.3.
38. Apocalipse 11,3-6.
39. Parece que o oráculo de Histaspes combinou as duas em uma só
figura, o “profeta de Deus”, a fim de aumentar o contraste entre este e o
falso profeta. Por esse motivo o aspecto messiânico também foi omitido.
Dessa forma, deu-se maior ênfase ao confronto entre os dois profetas.
Flusser (Judaism, p. 421) acredita que a formulação em Histaspes era a ori¬
ginal e que João dividiu a figura do profeta em dois. Em minha opinião,

e Elias mostram que existia uma autêntica tradição de dois Messias um



porém, a utilização do livro de Zacarias e as comparações oblíquas a Moisés

régio e um sacerdotal. Os Padres da Igreja, que os viam como figuras tipo-


lógicas, identificaram as duas testemunhas como Elias e Enoc, que subi¬
ram ao céu. Como veremos, o relato no capítulo 11 do Apocalipse está soli-
damente baseado nos eventos históricos do ano 4 a.C. e, portanto, as duas
testemunhas também devem ser identificadas como figuras históricas.
40. Ver W H. Brownlee, “John the Baptist in the New Light of Ancient
Scrolls”, em The New Scrolls and the New Testament, org. K. Stendahl (N. Ior¬
que, 1957), p. 47.
Notas 123

41. No original grego, o termo usado para as testemunhas é mártir.


Sobre a história desse termo, ver G. W Bowersock, Martyrdom and Rome
Cambridge, 1995), pp. 5-21.
42. A palavra abyssos tem vários significados (sobre os diferentes senti¬
dos desta palavra, ver J. Massyngberde-Ford, “Revelation”, Anchor Bible
[Garden City, 1975], p. 152). Ela pode referir-se às profundezas do mar,
como também às da terra. Se nossa interpretação for a de profundezas da
terra, teríamos que identificar a besta elevando-se dessas profundezas
como a segunda besta do capítulo 13 do Apocalipse, a qual é descrita como
saindo da terra (ver Flusser, Judaism, p. 449, nota 192). Ou seja, trata-se da
besta que também é descrita como um falso profeta e, assim, é comparada
a Augusto. Porém, se dermos ao termo a interpretação de fundo do mar,
teríamos que identificar a besta subindo do abismo como a primeira besta
do capítulo 13, que sobe do mar (ver A. Y. Collins, Combat Myth, p. 165).
Sobre esta besta consta que “deram-lhe permissão para guerrear contra os
santos e vencê-los” (Ap. 13,7). Isto lembra a afirmação do capítulo 11 do
Apocalipse sobre a besta que sobe do abismo: “A Besta que sobe do abismo
combaterá contra elas, vencê-las-á e as matará.” Já identificamos a besta
que vem do mar como o Império Romano, que se havia refeito do assassi¬
nato de Júlio César. Portanto, essas duas possibilidades levam à mesma
conclusão: as duas testemunhas foram mortas pelas forças imperiais roma¬
nas, o exército de Augusto. Isso está de acordo com aversão de Histaspes,
— —
segundo a qual o “filho de Deus” Augusto matou o profeta de Deus.
43. As palavras “onde também o Senhor delas foi crucificado”, no
capítulo 11, versículo 8, foram um acréscimo de João à fonte judaica que
ele estava usando.
44. Josefo, Antiguidades Judaicas 17.213-18; idem, A Guerra dos Judeus
3.1.2. A revolta aparentemente foi esmagada em agosto. Ver Hoehner,
Herod Antipas, p. 37. A revolta durou cerca de cinco meses, o que deve ter
servido de fundamento para a referência a um período de cinco meses em
Ap. 9,5.
45. Josefo, Antiguidades Judaicas 17,261-62; idem, A Guerra dos Judeus

— —
2.3.3. Este é o pano de fundo para a afirmação de Histaspes (Lactâncio,
Divin. Inst. 7.17.6) de que o rei malvado o “falso profeta" tentaria des¬
truir o Templo.
46. Na opinião de J. Wellhausen, esses versículos expressavam os pon¬
tos de vista dos zelotas na grande rebelião contra Roma. Mas nesta grande
rebelião o pátio externo, o altar e o Templo foram todos capturados
(Josefo, A Guerra dos Judeus 6.4.6) , portanto a descrição no livro do Apoca-
124 Notas

lipse não corresponde à realidade histórica de 70 E.C. Por outro lado, os


eventos de 4 a.C. estão de pleno acordo com o que está registrado no Apo¬
calipse. Conforme Charles e outros estudiosos julgaram, João, o autor do
livro do Apocalipse, se inspirou em uma fonte judaica anterior. Como indi¬
quei (nota 28 deste capítulo), a visão da perseguição da mãe do Messias no
capítulo 12 e a visão das duas bestas no capítulo 13 e nos versículos 1-13
do capítulo 11, a meu ver, também provêm dessa fonte. É possível que as
passagens tenham sido escritas por alguém cuja língua nativa era o hebrai¬

co ou o aramaico idéia respaldada pelo grande número de formas lin¬
guísticas semitas que ocorrem nesses trechos do livro do Apocalipse. Ver
S. Thompson, The Apocalypse and Semitic Syntax (Cambridge, 1985), p. 107
(sobre os capítulos 11 e 12). Como os eventos da revolta de 4 a.C. estão ali
refletidos, pode-se dizer com segurança que a obra foi escrita após aquela
data, ao que parece, no início do século I E.C. Como já mencionei (nota 30
deste capítulo), A. Yarbro Collins considera que o autor judeu da visão da
perseguição da mãe do Messias escrevia na Ásia Menor e eu me inclino a
concordar com essa opinião. Talvez o autor fosse um judeu que se estabe¬
leceu na Ásia Menor após ter fugido da terra de Israel quando a revolta foi
abafada. Ali, veio a conhecer as várias lendas ligadas a Apoio que circula¬
vam na região (ver Collins, Combat Myth, pp. 245-52) e se valeu delas para
fazer suas críticas a Augusto. Um caso semelhante de judeu que fugiu de
Israel na época da derrota da revolta contra os romanos e se estabeleceu na
Ásia Menor é o de Trifo, conhecido por seu debate com Justino Mártir.
Trifo deixou Israel durante o esmagamento da rebelião de Bar-Kochba e se
fixou em Éfeso.
A idéia segundo a qual João, o autor do Apocalipse, teria usado fontes
judaicas em seu livro foi proposta muitas vezes na literatura especializada;
ver D. E. Aune, “Revelation 1-5”, Word Biblical Commentary (Dallas, 1997),
cx-cxvii. Sob o ponto de vista de João, esse material se harmonizava com
suas críticas ao culto imperial e com sua concepção de liberdade. Ver
E. Schuessler-Fiorenza, The Book of Revelation, Justice, andJudgment (Filadél¬
fia, 1985), pp. 35-84.
47. Na cronografia rabínica, a revolta recebeu o nome de Quintílio
Varo. Ver Ch. J. Milikowski, “Seder Olam, a Rabbinic Chronography” (dis¬
sertação de doutorado, Universidade de Yale, 1981), p. 441. Sobre Quintí¬
lio Varo, ver R. Syme, Augustus Aristocracy (Oxford, 1986), pp. 313 e segs.
48. Este é o pano de fundo da descrição de Histaspes para o rei mal¬
vado como alguém vindo da Síria (ver nota 8 deste capítulo). Seu relato de
Augusto vindo da Síria para a terra de Israel representa uma fusão deste
Notas 125

com a figura de Varo, seu legado naquele país. Um fenômeno semelhante


pode ser encontrado na descrição desses eventos em A assunção de Moisés
6.8-9 (verR. H. Charles, Apocrypha and Pseudepigrapha of the Old Testament in
English [Oxford, 1913], vol. 2,p.419).Ver também nota 52 deste capítulo.
49. Ver Josefo, Antigiiidades Judaicas 17.291-92; idem, Contra Apion 1.7,
Loeb Classical Library (Cambridge, Mass., 1926).
50. Josefo, Antiguidades Judaicas 17.289, 295; idem,/) Guerra dos Judeus
2.5.1-2.
51. A assunção de Moisés 6.8-9.
52. Aqui, como no Oráculo de Histaspes (ver nota 48 deste capítulo),
ocorre uma fusão das figuras de Augusto e de Varo. Em A assunção deMoisés e
também em Histaspes as ações de Varo são atribuídas a Augusto, sendo
que a primeira obra o dá como rei do Ocidente e na segunda ele é descrito
como vindo da Síria.
53. 1QM 19:11. Ver Flusser, Judaism, p. 430.
54. Sobre os dois Messias na literatura de Qumran, ver D. Goodblatt,
The Monarchic Principle (Tubingen, 1994), pp. 65-71; J. J. Collins, Scepter
andthe Star,; pp. 74-101; M. Abegg, “The Messiah at Qumran: Are We Still
Seeing Double?” DSD 2 (1995), pp. 125-44; J. VanderKam, “Messianism
in the Scrolls”, em The Community of the Renewed Covenant: The Notre Dame
Symposium on the Dead Sea Scrolls, org. E. Ulrich e J. VanderKam (Notre-
Dame, 1994), pp. 212-34; E M. Cross, “Notes on the Doctrine of theTwo
Messiahs at Qumran”, em Current Research and Technological Developments on
the Dead Sea Scrolls, org. D. W Parry eS. D. Ricks (Leiden, 1996), pp. 1-4;
W. M. Schniedewind, “Structural Aspects of Qumran Messianism in the
Damascus Document”, em The Provo International Conference on theDeadSea
Scrolls, org. D. W Parry e E. Ulrich (Leiden, 1999), pp. 523-36.
55. Ver Eshel, “The ‘Speaker’”, p. 622, linha 5; p. 620, linha 9.
56. Sobre casos paralelos de recusa de sepultamento durante três
dias, ver S. Lieberman, Texts and Studies (N. Iorque, 1974), p. 258.
57. G. Scholem, The Messianic Idea in Judaism (N. Iorque, 1971),
pp. 87-88.
58. Ver apêndice A.
59. Ver também “[ele] porá à prova os santos do Altíssimo” (Dn7,25)
e “arruinando poderosos e o próprio povo dos santos” (Dn 8,24).
60. “A besta que sobe do abismo combaterá contra elas, vencê-las-á e
as matará” (Ap 11,7) e“Ele lutará contra o profeta de Deus e o dominará”
(Lactâncio, Divin. Inst. 7,17:3). Ver também Flusser, Judaism, p. 62, nota
170.
126 Notas

61. Também é possível encontrar a confirmação do assassinato do


Messias em Daniel: “um Ungido será eliminado, embora ele não tenha
[nada], e a cidade e o santuário serão destruídos” (Dn 9,26). Jerome, em
seu comentário sobre Daniel, diz que os judeus interpretaram este versí¬
culo como referente ao Messias. Como essa interpretação não é encon¬
trada em nenhum dos comentários judaicos de que se tem conhecimento,
é possível que ela tenha se originado com os discípulos do Messias de
Qumran.
62. No texto Massorético está escrito: “Eles olharão para mim, a
quem traspassaram.” A versão “Eles olharão para ele, a quem traspassa¬
ram” é encontrada nas traduções de Áquila, Símaco e Teodósio.
63. “Homens de todos os povos, raças, línguas e nações vêem seus
cadáveres” (Ap 11,9). Um outro motivo é a visão dos Messias ascendendo
ao céu: “E subiram para o céu na nuvem, eseus inimigos os contemplaram”
(Ap 11,12). Uma descrição semelhante é encontrada em Histaspes:
“E enquanto todos olham e se admiram” (Lactâncio 7.17.3).
64. Ver Scholem, Messianic Idea, pp. 8-18.
65. Daniel 7,9-13.
66. Ver Apocalipse 11,12; Lactâncio 7.17.3.
67. A descrição da descida do redentor do céu e da guerra escatológica
pode ser encontrada em Histaspes, citado em Lactâncio 7.19.2-8. Motivos
cristãos foram acrescentados, mas, segundo Flusser (Judaism, pp. 406-42),
pode-se reconhecer claramente os motivos originais da descrição de His¬
taspes. Esses motivos têm paralelos interessantes nos escritos de Qumran
e na literatura midráshica.
68. Esta data se baseia no relato do “massacre dos inocentes” em
Mateus, capítulo 2, de onde podemos deduzir que Herodes ainda vivia
quando Jesus estava em torno dos dois anos de idade. Como vimos, a morte
de Herodes se deu em 4 a.C. Para uma discussão sobre as várias estimativas
da data de nascimento de Jesus, ver G. Ogg, “The Age of Jesus When He
Taught”, ATO 5 (1958-59), pp. 291-98; J. P. Meier, A MarginalJew (N. Ior¬
que, 1987), vol. 1, pp. 375-78 [edição brasileira: Um Judeu Marginal, Imago
Editora].
69. Para uma discussão sobre o ralacionamento de Jesus com o judaís¬
mo de seu tempo, ver. E. P. Sanders, Jesus and Judaism (Filadélfia, 1985);
H. Falk, Jesus the Pharisee: A New Look at the Jewishness of Jesus (N. Iorque,
1985); J. H. Charlesworth, org., Jesus’s Jewishness, Exploring the Place of Jesus
within Early Judaism (N. Iorque, 1990); Vermes, Jesus the Jew.
Notas 127

70. Vermes, Jesus the Jew, p. 58 e segs.; D. Flusser, Jesus (Jerusalém,


1997), p. 113; S. Safrai, “Jesus and the Hassidic Movement”, em The Jews
in the Hellenistic-Roman World:Studies in Memory ofMenahem Stem, org. I. M.
Gafni.A. OppenheimereD. R. Schwartz (Jerusalém, 1996), pp. 413-36.
71. Vermes, Jesus the Jew, pp. 77-78; Flusser, Judaism, pp. 469-89.
72. Sobre as parábolas de Jesus, com relação às dos Sábios, veros estu¬
dos mencionados em D. Stern, Parables in Midrash (Cambridge, Mass.,
1991), p. 323, notall.
73. É razoável supor que Jesus tivesse relação com o legado do Mes¬
sias de Qumran quando entrou em contato com João Batista. O íntimo
relacionamento deste com a comunidade de Qumran em geral não se
enquadra no escopo desta nossa discussão; pretendo tratar do assunto em
outro trabalho. Por ora, ver os seguintes estudos: W H. Brownlee, “John
the Baptist”, pp. 33-53; D. R. Schwartz, “On Quirinus, John the Baptist,
the Benedictus, Melchizedek, Qumran and Ephesus”, RQ 13 (1988),
pp. 635-46; H. Lichtenberger, “The Dead Sea Scrolls and John the Bap¬
tist”, em The Dead Sea Scrolls: Forty Years of Research, ed. D. Dimant e
U. Rappaport (Leiden, 1992), pp. 340-46. Dúvidas acerca da ligação entre
João Batista e a seita de Qumran foram expressas por J. E. Taylor, The
lmmerser:John the Baptist within Second Temple Judaism (Grand Rapids, 1997),
pp. 15-48.
74. Me 8,27-31. Existem tradições paralelas em Mateus 16,13-21 e
Lucas 9,18-22.
75. Bultmann, Theology of the New Testament, vol. 1, p. 26.
76. Ibid., vol. 1, p. 31.
77. Vermes, Jesus the Jew, p. 38.
78. De modo semelhante, está escrito no livro do Apocalipse (11,11)
que os dois profetas-Messias foram ressuscitados depois de três dias e
meio. O número três e meio foi baseado em Daniel 7,25. Por esse motivo, a
fórmula em Histaspes deve ser considerada como a original.
79. Não é necessário entrarmos aqui no debate sobre a diferença
entre a versão em Mc 8,31, “depois de três dias”, e a outra mais usual, “ao
terceiro dia” (Mt 16,21; Lc 9,22). Alguns estudiosos argumentam que
ambas as formas têm essencialmente o mesmo sentido (ver C. H. Turner,
“The Gospel according to St. Mark", em A New Commentary on Holy Scrip¬
ture, org. C. Gore, H. L. Goude e A. Guillaume (Londres, 1928], vol. 1,
pp. 79-80; N. Walker, “After Three Days”,AT4 [1960], pp. 261-62, e muitos
outros). Outros (H. K. McArthur, “On the Third Day”, NTS 18 [1971-72],
pp. 81-86; M. Smith, Clement of Alexandria [Cambridge, Mass., 1973],
128 '
Notas

p. 163, nota 8; H. Koester, Ancient Christian Gospels ([Londres, 1990] , p. 280,


nota 2) tentam encontrar uma explicação para a fórmula em Mc 8,31, que
parece contradizer os relatos da ressurreição de Jesus no terceiro dia
(Mt 28,1-7; Mc 15,42-16,7; Lc 23,54-24,7). À luz de nosso estudo, pode¬
mos sugerir que a redação de Mc 8,31 reflete a fala original de Jesus, que se
baseava na crença da ressurreição do Messias de Qumran “depois do tercei¬
ro dia” (a forma semelhante, “depois de três dias”, também aparece em
Mt 27,63 e, em vários manuscritos, igualmente em Mc 9,31 e 10,34. Ver
C. Williams, Alternations to the Texts of the Synoptic Gospels and Acts [Oxford,
1951 ] , p. 45; B. M. Metzger, A Textual Commentary on the Greek New Testa¬
ment [Londres, 1975], p. 107; idem, The Text of the New Testament [Oxford,
1992], p. 199).
80. Ver também Mt 26,36-44 e Lc 22,41-44.

CAPÍTULO 3. OUTRO PARÀCLETO

1. Quanto às fontes referentes aos essênios e sua conexão com a lite¬


ratura de Qumran, ver A. Dupont Sommer, TheEssene Writingsfrom Qum¬
ran (Cleveland, 1962), pp. 21-67; F. M. Cross, TheAncient Library of Qumran
(Londres, 1958), pp. 52-79. Para um sumário dos paralelos entre o relato
de Josefo sobre as práticas essênias e as instruções na literatura de Qum¬
ran, ver J. Baumgarten, “The Disqualification of Priests in 4Q Fragments
in the Damascus Document”, em TheMadrid Qumran Congress, org. J. Tre-
bolleBarrera e L. Vegas Montaner (Leiden, 1992), pp. 504-5. A identifica¬
ção da seita de Qumran com os essênios é aceita pela maioria dos estudio¬
sos do assunto, mas, ao mesmo tempo, há alguns que discordam. Schiff-
man, por exemplo, considera o povo de Qumran um ramo radical dos
saduceus. Ver L. H. Schiffman, Reclaiming the Dead Sea Scrolls (Filadélfia,
1994), pp. 75-76, 88-89.
2. 4QHe corresponde a 4Q471b. Ver E. Eshel, “The 'Speaker’”,
p. 620, linha 6.
3. 4Q491, frg. 11, col. 1. Ver E. Eshel, “The ‘Speaker’”, pp. 621-22,
linha 11.
4. Ver capítulo 1 , nota 43.
5. Na Bíblia, a sentença se refere a' um rei terreno (1 Crónicas 27,33);
e várias pessoas são descritas como “o amado (ou amigo) de Deus”. Ver
Deuteronômio 33,12; 2 Samuel 12,24-25; Isaías 41,8.
Notas 129

6. Os anjos são por vezes descritos como filhos de Deus (ver, por
exemplo, Génesis 6,2, Salmo 29,1). Em nenhum ponto da Bíblia, contudo,
são descritos como filhos do rei.
7. Ver Eshel, “The ’Speaker’”, p. 621, linha 10.
8. Sobre os “amigos” nas cortes dos governantes helenísticos, ver
Ch. Habicht, “Die herrschende Gesellschaft in den Hellenistischen
Monarchen”, Vterteljahresscliriftfiir SozialundWirtschaftsgeschichte 45 (1958),
p. 1 e segs. Sobre os “amigos” na corte de Herodes, ver A. Schalit, Rei Hero-
des (em hebraico) (Jerusalém, 1960), pp. 208-9.
9. Josefo, A Guerra dos Judetts 1.460.
10. Ver Josefo, Antiguidades Judaicas 15.228; A Guerra dos Judeus 1.538,
571, 620. Sobre os tribunais de Herodes, ver Rabello, “ Hausgericht in the
House of Herod the Great?” pp. 119-35.
11. Josefo, Antigjiidades Judaicas 15.372-79.
12. Ver Josefo, Antigiiidades Judaicas 13.311-13; ibid. 17.345-48; idem,
A Guerra dos Judeus 1.78-80; ibid., 2.111.
13. Ver Schalit, Rei Herodes, pp. 228, 297, 334. Sobre a possível fonte
dessa história, ver Tal Ilan, “King David, King Herod and Nicolaus of
Damascus” JSQ 5 (1998), pp. 225-28.
14. Ver M. Stern, “Herod and the Herodian Dynasty”, em The Jewish
People in the First Century, org. S. Safrai e M. Stern (Assen, 1974),
pp. 270-77; idem, “Social Realignments in Herodian Judea”, em The Jeru¬
salem Cathedra (Jerusalém, 1982), pp. 40-62.
15. VerB. J. Capper, ‘“With the Oldest Monks’ ... Light from Essene
History on the Career of the Beloved Disciple?" JTS 49 (1998), pp. 28-29.
16. Ver E. Schuller, “A Hymn”, pp. 610-11, linhas 1-5.
17. IQS 9:21-23.
18. Ibid.
19. Ver D. Flusser, “Hillel and Jesus: Two Ways of Self-Awarenes”, em
HUMandJesus, org. J. H. Charlesworth e L. L. Johns (Minneapolis; 1997),
pp. 78-82. Sobre o messianismo militante nos escritos dc Qumran no
período herodiano, ver K. Atkinson, “On the Herodian Origin of Militant
Davidic Messianism at Qumran”, JBL 118 (1999), pp. 435-60.
20. Mishná, Haguigá 2:2.
21. Há divergências entre os estudiosos sobre a questão de realmente
ter existido uma liderança em pares naquele período ou se o relato na
Mishná é apenas uma projeção das condições do período tanaíta sobre o
período do Segundo Templo. Ver Good b1a11, Monarchic Principle, pp. 72-73,
afirmando que na época do Segundo Templo não havia uma liderança
130 Notas

dupla e que essa Mishná representa uma tentativa por parte dos rabinos do
século II de pintar um quadro da liderança no período do Segundo Templo
conforme a realidade de seu próprio tempo. Para os objetivos do presente
estudo, porém, não há necessidade de se decidir sobre a historicidade da
dupla liderança. Do nosso ponto de vista, a importância dessa Mishná está
na afirmação de que Manaém “saiu”. Mesmo se aceitarmos a opinião de
Goodblatt, isto não afeta a autenticidade da tradição no que toca à “saída”
de Manaém. Por outro lado, é difícil acreditar que alguém no século II
pudesse inventar tal história. Indubitavelmente, ela reflete um evento
histórico.
22. Mishná, Avot 1:1-12.
23. Ver J. M. Baumgarten, Studies in Qumran Law (Leiden, 1977),
p. 10, nota 18.
24. Ver A. Zacuti, Sefer Yuhasin Sha/em, org. H. Filipowski (Jerusalém,
1962), pp. 17, 73. Entre os estudiosos que sustentaram essa identificação
temos Azariah de Rossi em sua obra Me’or Einayim (ver Robert Bonfils./fcs-
ria de Rossi: Selected Chaptersfrom “Sefer Me'or Einayitn" [Jerusalém, 1991],
p. 241); H. Graetz, Historiados Judeus (em hebraico), trad, para o inglês de
Shaul Pinhas Rabinovitz
— History of the Jews (Jerusalém, 1972), p. 495;
H. Schorr, Hehalutz 7(1864) , p. 60; Joseph Derenbourg, Essaisur/'histoireet
la Géographie de!a Palestine (Paris, 1867), p. 464, e Ch. Albeck, Mishna Seder
Mo'ed (em hebraico) (Jerusalém, 1951), p. 11.
25. No Talmude da Babilónia, Haguigá 16b, está escrito que Manaém
“partiu para tratar dos negócios do rei”. Esta afirmação deve ser comparada
com Daniel 8,27: “para ocupar-me dos negócios do rei.” De acordo com a
história na Bíblia, Daniel era membro da corte do rei da Babilónia.
26. Esta é a formulação no manuscrito de Leiden doTalmude de Jeru¬
salém e na edição de Veneza. As formas confusas pltn, líTHn aparecem
em citações que o Rabi Nissim Gaon faz dessa passagem (ver Nissim
Gaon, Liblli Quinque, org. S. Abramson [Jerusalém, 1965] , p. 70, e o comen¬
tário sobre a Mishná do Rabi Nathan {Kirjat Sepher\Q,ox%. S. Assaf [1935],
p. 541). Por outro lado, nos extratos do livro do Rabi Nissim Gaon publica¬
dos por N. J. Epstein, em Studies in TalmudicLiteratureand Semitic Languages
(Jerusalém, 1988), vol. 2, p. 268, a formulação é ’Ciri. Esta forma parece
ser uma correção erudita feita por alguém que sabia que a rara palavra
"pTri —
comum ,D,-in
——
tirki significava “armadura” em grego e a substituiu pela mais
“escudos”. No Talmude da Babilónia, porém, ’pTTI
—-
tirki, foi mudada para J’p’TO, “vestes de seda”, de acordo com a descrição
de Manaém no Talmude da Babilónia, como alguém que “saiu para tratar
Notas 131

dos negócios do rei.” Sobre as versões no Midrash para o Cântico dos Cân¬
ticos Zuta, ver S. Lieberman, Greek in Jewish Palestine (N. Iorque, 1965),
p. 181, nota 187. Conforme constataram Lieberman eAlon (G. Alon, /otí,
Judaism andthe Classical World [Jerusaiém, 1977], pp. 332-33), uma compa¬
ração das várias versões revela que a forma original era 'pTTI —
As mudanças e confusões se deveram ao fato de a palavra ’pTTl ser rara na
tirki.

literatura dos sábios e de, por esse motivo, não ter sido corretamente
entendida.
27. Sobre ’pTPI
— —
tirki , “cota de armadura”, ver Alon, Jews, Ju¬
daism and the Classical World; Lieberman, Greek in Jewish Palestine, e A. Tal,
“iTpTn”, em Estudossobre Literatura Rabínica, Bíblia e História Judaica (em
hebraico), org. Y. D. Gilat, Ch. Levine e Z. M. Rabinowitz (Ramat Gan,
1982), pp. 256-60.
28. Talmude de Jerusalém, Haguigá 2:2 (77b).
29. Esta tradição data no máximo do século II E.C. Isso é demons¬

trado pelo fato de que no Talmude daBabilônia-Beraka ’pTTI tirki já
mudou para a J’p’TO. Beraita é uma fonte ranaíta datada da primeira

metade do século III. Segue-se, portanto, que a data da tradição no Tal¬
mude de Jerusalém não pode ser posterior ao século II.
30. Sobre a exibição de armas reluzentes como símbolo de sucesso na
guerra, ver D. Gera, “A Batalha de Beth Zacharia e Literatura Grega”, em
Os Judeus no Mundo Greco-Romano: Estudos em Memória de Menahem Stem
(em hebraico), org. I. M. Gafni, A. OppenheimereD. R. Schwartz (Jerusa¬
lém, 1996), pp. 27-31.
31. “Escrever sobre os chifres de um touro” é a fórmula atribuída no
Midrash a um decreto de Antíoco Epífanes (ver Midrash, Bereshit Rabba
2:4, org. J. Theodor e Ch. Albeck, p. 11 e paralelos). A expressão talvez
pretendesse ser um comentário irónico à outra dos seguidores de Ma-
naém, “erguer o chifre do Messias”, referente ao seu líder.
32. A expressão “oitenta pares” corresponde ao tamanho de uma uni¬
dade militar e é provavelmente figurativa. Ver B. Z. Luria, “Quem é
Manaém?” (em hebraico) Sinai 55 (1964), pp. 300-301. Lieberman (Greek
in Jewish Palestine), na nota 186, declara-se de acordo com a opinião de
J. Derenbourg (Essai sur 1’Histoire et la Géographie de ta Palestine, p. 464),
segundo a qual o Manaém que “saiu” com seus discípulos envergando

— —
armaduras reluzentes era Manaém, o galileu, chefe dos sicaríi os zelotas
ao tempo da Revolta Judaica, e não o parceiro de Hilel. Porém, embora o
Midrash para o Cântico dos Cânticos Zwtojunte essas duas personalidades,
não há indício de nenhuma combinação desse tipo no Talmude de Jerusa-
132 Notas

lém. Não há razão para se supor que a tradição no Talmude de Jerusalém


não se refira unicamente ao Manaém contemporâneo de Hilel. As men¬
ções a Manaém em ambos os Talmudes
— “Ele partiu para tratar dos
negócios do rei”, “Ele enveredou por maus caminhos”, “Ele mudou sua

forma de conduta” se enquadram muito bem com o que sabemos sobre o
Manaém contemporâneo de Hilel, mas não servem para Manaém, o sicário.
33. Ver G. Scholem, Jewish Gnosticism, Merkaba Mysticism, and Talmudic
Tradition (N. Iorque, 1960).
34. Ver a tentativa de solução desse problema no comentário de Mai-
mônides sobre a Mishná. A conexão associativa entre a palavra mi? na
Mishná, no fim do capítulo 1 de Haguigá e no início do capítulo 2, não é
razão suficiente para se inserir uma discussão sobre essa proibição nesse
tratado.
35. Sobre o uso do verbo X25’, “sair”, como termo para tornar-se heré¬
tico, ver S. Lieberman, Estudos sobre a Literatura Talmúdica Palestina (em
hebraico) (Jerusalém, 1991), p. 281, nota 1.
36. Talmude da Babilónia, Haguigá 16b. Conforme notou Ch. Albeck,
esta seção do tratado Haguigá contém outras referências a cair em heresia.
Ver, de sua autoria, Um Comentáriosobrea Mishná (em hebraico) (Jerusalém,
1952), vol. 2, p. 393. A mesma expressão “Ele enveredou por maus cami¬
nhos” é usada no Talmude da Babilónia, Haguigá 15a com relação a Eliseu
— aher. Parece-me que a heresia de Eliseu estava ligada à figura de
Manaém. O título de Eliseu, aher, deve ser explicado em conexão com a
expressão derech aheret (literalmente: caminho diferente, heterodoxia),
que é o título que se dá à seita de Qumran na literatura rabínica; ver S. Lie¬
berman, Texts and Studies (N. Iorque, 1974), pp. 190-99.
37. Ver Baumgarten, Studies in Qumran Law, pp. 68, 73; E. e H. Eshel,
“4Q471 Fragment 1 and Ma’amadot in the War Scroll”, em The Madrid
Qumran Congress, org. J. Trebolle Barrera e L. Vegas Montaner (Leiden,
1992), pp. 611-20.
38. Midrash, Cântico dos Cânticos, Zuta 8:14, edição de S. Buber
(Vilna, 1925), p. 38. A referência à disputa entre Manaém e Hilel está em
contradição com a afirmação no tratado Haguigá da Mishná, segundo a
qual “Hilel e Manaém não estavam em desacordo.” Nesse caso, os dois não
divergiam quanto à imposição das mãos nos sacrifícios, mas estavam em
desacordo acerca das pretensões messiânicas de Manaém.
39. A despeito da confusão histórica que aparece na continuação do
Midrash ao Cântico dos Cânticos, Zuta (ver nota 32 deste capítulo) , não há
Notas 133

razão para se duvidar da autenticidade da afirmação sobre a disputa entre


Manaém e Hilel.
40. Tosefta, Suká 4,3; ver também os comentários e a interpretação
em Flusser, Judaism , pp. 511-12.
41. Levítico Rabba 1,5, org. M. Margulies (Jerusalém, 1958),
pp. 17-18. Ver os comentários de Flusser em Judaism , pp. 512-13.
42. Scholem, Messianic Idea, pp. 89-90.
43. Avot de Rabbi Nathan, versão b, capítulo 30, org. S. Z. Schechter
(Viena, 1847), p. 66; e Levítico Rabba 34:3 (org. Margulies, p. 777).
44. 4Q491 frg. ll.col. 1:7.
45. Ver I. Knohl, “Uma parashá falando da aceitação do Reino dos
Céus” (em hebraico), Tarbiz 53 (Í983), pp.. 23-24.
46. Ver Flusser, Judaism, p. 513.
47. Ver M. Stern, “Herod and the Herodian Dynasty,” em The Jewish
People in the First Century, org. S. Safrai e M. Stern (Assen, 1974),
pp. 240-41.
48. O ponto de vista de Hilel teve uma influência decisiva sobre o
pensamento e as leis das gerações que se seguiram. Ver Y. Lorberbaum,
Imago Dei: Rabbinic Literature, Maimonides and Nachmanides (tese de douto¬
rado, Universidade Hebraica, Jerusalém, 1997).
49. Ver Josefo, Antiguidades Judaicas 17.298, assim como a declaração
em 17.339 sobre a acusação feita contra o Sumo Sacerdote Joezer, filho de
Boetus, de que ele teria favorecido os rebeldes.
50. Stern, “Herod and the Herodian Dynasty”, p. 280. 0 fato de Ma¬
naém não ser mencionado por Josefo como um dos chefes da revolta não
invalida as informações de fontes rabínicas sobre suas atividades militares.
Ademais, o próprio Josefo disse que havia outros líderes além dos que
mencionara {Antiguidades Judaicas 7:285). Talvez a omissão do nome de
Manaém tenha sido motivada pelo desejo de Josefo de não estragar o retra¬
to que estava tentando pintar dos essênios como um grupo amante da paz.
51. Josefo, Antiguidades Judaicas 17.149-67.
52. Para um relato detalhado da revolta, ver E. Schiirer, The History of
the Jewish People in the Age of Jesus Christ, rev. e org. G. Vermes e F. Millar
(Edimburgo, 1973), vol. 1, pp. 330-35; E. M. Smallwood, The Jews under
Roman Rule (Leiden, 1976), pp. 105-10; e E. Paltiel, “War in Judea after
Herod’s Death”, RBPII 59 (1981), pp. 107-36.
53. Josefo, Antiguidades Judaicas 17. 254-64; idem, A Guerra dos Judeus
2.42-50.
134 Notas

54. Não há como saber exatamente em que estágio da revolta foram


mortos os chefes messiânicos.
55. João 14,16-17, 26; 15,26; 16,13.
56. João 16,8-11.
57. João 16,7.
58. Ver R. Bultmann, The GospelofJohn (Oxford, 1971), p. 567 e nota 1;
Behm, s.v. “7taeáxXr|TOç,” TD0T5, 1967, p. 800, nota 1; R. E. Brown,
“The Paraclete in the Fourth Gospel,” NTS 13(1966-67) , p. 114, nota 1.
59. Ver P. J. Kobelski, “Melchizedek and Melchiresa”, CBQMS 10
(Washington, 1981), pp. 100-103; eaanálise em Behm, s.v. “7iaQáxA.Tyuoç,”
pp. 800-803.
60. Bultmann, Gospel of John, p. 570.
61. Ver Behm, pp. 801-2, e J. G. Davis, “The Primary Meaning of
‘IIAPAKAHTOE”\ JTS n.s. 4 (1953), pp. 35-38.
62. 0. Betz, DerParaclet (Leiden, 1963), p. 140; Kobelski, “Melchize¬
dek and Melchiresa”, p. 104; Behm, p. 805.
63. Bultmann, Gospel of John, pp. 569-70.
64. Ibid., pp. 570-72.
65. Ver as críticas de Behm, s.v. “nagdxA.'n'roq,” pp. 807-9, e Brown,
“Paraclete in the Fourth Gospel”, p. 119.
66. Ver o levantamento dos estudos sobre o assunto em Kobelski,
“Melchizedek and Melchiresa”, pp. 105-7.
67. Ver 1QS 3:13-4:14.
68.VerCross , Ancient Library of Qumran, pp. 157-61; Betz, Der Paraclet,
pp. 64-69, 137-75; Brown, “Paraclete in the Fourth Gospel", p. 118;
Kobelski, “Melchizedek and Melchiresa”, pp. 106-14; A. R. C. Leaney,
“The Johannine Paraclete and the Qumran Scrolls”, em John and Qumran,
org. J. H. Charlesworth (Londres, 1972), pp. 38 e segs.
69. Ver nota 63 deste capítulo.
70. A idéia de que “Paracleto” é uma tradução do nome próprio hebrai¬
co Manaém já havia sido sugerida por A. Geiger e H. Gressmann. No entan¬
to, eles se referiam a Manaém, o chefe dos essênios em 66 E.C. Ver
H. Gressmann, Der Messias (Gottingen, 1929), pp. 460-61.
71. O significado simbólico do nome, exprimindo a consolação que
viria com a vinda do Messias, sem dúvida também teve seu papel aqui.
72. Ver o Talmude da Babilónia, Sanhedrin 98b; Talmude de Jerusa¬
lém, Brachot 2:5, 5:1; Rabba Lamentações 1:16, edição de S. Buber (Vilna,
1899), p. 73; L. Grúnhut, Yalkut of R. Machir Bar Abba Mari on Proverbs
(Jerusalém, 1967), p. 103.
Notas 135

73. João 14,16; ver nota 60 deste capítulo.


74. Bultmann, Gospel of John , pp. 566-67; Brown, “Paraclete in the
Fourth Gospel”, pp. 126-27; e Kobelski, “Melchizedek and Melchiresa,”
p. 105.
75. Bultmann, Gospel of John, p. 567.
76. A esse respeito, deve-se notar a recente sugestão de que o Evan¬
gelho de João pode ter sido escrito sob a influência de círculos essênios de
Jerusalém. Ver B.J. Capper, “With the Oldest Monks JTS 49 (1998),
pp.1-55.
77. Ver a recente discussão sobre o assunto em Capper (ibid.,
pp. 36-42).
78. Capper sugere que a sala superior era de propriedade do “discí¬
pulo amado”, que pertencia à comunidade essênia de Jerusalém.

PÓS-ESCRITO

1. Na versão original, a mãe usa a expressão “inimigo de Israel” para se


referir ao filho, como forma de evitar dizer diretamente: “Eu gostaria de
estrangular meu filho.”
2. A história como é apresentada aqui foi traduzida do aramaico do
Talmude de Jerusalém, Brachot 2:4, 5a. Existe uma tradição paralela em
Rabba Lamentações 1:16, edição de S. Buber (Vilna, 1899) , p. 89. Ver tam¬
bém as versões em Zuta Lamentações, edição de S. Buber, p. 73, e no
suplemento a Yalkutof R. Machir Bar Abba Mari on Proverbs, ed. L. Grunhut,
103b.
3. O nome pode conter uma referência à família de defensores da
liberdade da Galiléia, que encabeçou a rebelião contra os romanos. Sobre
essa família, ver M. Stern, Studies in Jewish History. Sobre a semelhança
entre Manaém, filho de Ezequias, na história e na família de defensores,
ver L. Ginzberg, Um comentário sobre o Talmude Palestino (em hebraico),
vol. 1 (N. Iorque), p. 339.
4. Ao descrever esse evento, o Talmude usa a rara palavra para
denotar o vento que arrebatou Manaém. Frenkel observa que essa palavra
é usada na tradução aramaica de 2 Reis 11 para descrever a ascensão de
Elias (J. Frenkel, Estudos sobre o Mundo Espiritual da História Agádica, em
hebraico (Tel-Aviv, 1981], p. 163, nota 19).
5. G. Hasan-Rokem, A Teia da Vida (em hebraico) (Tel-Aviv, 1996),
pp. 165-66.
136 Notas

6. Mt 2,1-10; ver a discussão em R. E. Brown, The Birth of the Messiah


(N. Iorque, 1977).
7. Conforme salientado por Hasan-Rokem em A Teia da Vida,
pp. 165-67.
8. Ibid.
9. A esse respeito, é preciso assinalar as tradições que dão “Manaém”
como o nome do Messias. Ver Talmude da Babilónia, Sanhedrin 98b; Tal-
mude de Jerusalém 2:4, 5a; Rabba Lamentações 1:16.
10. Beraita, Talmude da Babilónia, Suká 52a. Ver a coletânea de fon¬
tes talmúdicas posteriores e as traduções no artigo de Y. Heinemann,
“O Messias filho de Efraim e o êxodo do Egito dos filhos de Efraim antes
do fim” (em hebraico), Tarbiz 40 (1971), p. 450. Às informações bibliográ¬
ficas ali fornecidas (nota 1), deve-se acrescentar C. C. Torrey, “The Mes¬
siah, Son of Ephraim”, JBL 66 (1947), pp. 268-72; e Y. Liebes, “Yonah Ben
Amitai como Messias, filho de José”, Estudossobrea Cabala efilosofia ofered-
dosaL. Ttshbiem seu septuagésimo quinto aniversário (em hebraico) (Jerusalém,
1986), pp. 269-311.
11. Ver, com atenção, I. Knohl, “Sobre o ‘Filho de Deus’, Armilus e o
Messias, filho de José” (em hebraico), Tarbiz 68 (1998), pp. 13-38.

APÊNDICE A: OS HINOS MESSIÂNICOS

1. A principal avaliação da relação entre as duas versões do primeiro


hino pode ser encontrada em J. J. Collins e D. Dimant, “A Thrice-Told
Hymn”, em JQR 85 (1994), pp. 151-55; e em D. Dimant, “A Synoptic
Comparison of Parallel Sections in 4Q427 7, 4Q491 11 e 4Q471b”, em
JQR 85 (1994), pp. 157-161. Outra análise sobre o assunto encontra-se
em E. Eshel, “4Q471b: A Self-Glorification Hymn”, RQ 17 (1996),
pp. 175-203.
2. A versão dos fragmentos que apresentamos é de Eshel, “The ‘Spea¬
ker’”; e idem, “471b: 4Q Self-Glorification Hymn”, pp. 427-28. Eshe! pu¬
blicou esse manuscrito como 4Q471 b, apesar de concordar que todos esses
fragmentos pertencem ao manuscrito que contém o fragmento conhecido
como 4QHe. Eu prefiro considerar que todos esses fragmentos fazem
parte de 4QHe, conforme Eileen Schuller em sua edição dos salmos de
ação de graças da caverna 4, publicada em DJD 29 (“431: 4Q Hodayot”).
3. Eshel completou as letras tUfin como 3]ttfnn[R.
Notas 137

4. De modo geral, a reconstrução aqui proposta se baseia na apresen¬


tada no artigo de Eshel (“The ‘Speaker’”). Divergi dessa reconstrução em
alguns pontos, que serão indicados nestas notas.
5. Reconstrução feita de acordo com 4Q491, frg. 11, col. 1:7.
6. A leitura e reconstrução f ‘TUl foram sugeridas por Eshel
em seu artigo (“The ‘Speaker’”). E. Schuller (“431: 4Q Hodayot”,
pp. 203-5) considera que os dois fragmentos são consecutivos e reconstrói
a frase como 171[H] blITI. A reconstrução de Eshel me parece preferível à
de Schuller, pois o uso da expressão HDJ TDD pelo autor faz parecer pro¬
vável que ele tenha sido influenciado nesse ponto por Isaías 53,3:
*?ini HTDl. A sugestão de Schuller, segundo a qual a expressão
deve ser traduzida como “carente de” ou “sem companheiro” não é con¬
vincente. Schuller também sugere duas outras possíveis traduções para a
expressão: (1) “o mal cessa” e (2) “ele cessou do mal”, porém estas não se
enquadram no caráter do hino, que é escrito na primeira pessoa. Além do
mais, não há provas suficientes de que esses dois fragmentos devam ser
considerados consecutivos, portanto, deve-se admitir um espaço textual
entre os mesmos, como faz Eshel. Schuller afirma que uma comparação
com os fragmentos do hino em 4QHa, frg. 7, col. 1:6-8, mostra que os frag¬
mentos devem ser considerados consecutivos, mas o fato de estes não
estarem completos e as diferenças existentes nos vários manuscritos do
hino e dentro da mesma versão enfraquecem seu argumento.
7. A frase foi reconstruída de conformidade com a linha 9 de 4Q491,
frg. 11, col. 1.
8. Ibid., linha 6.
9. Ibid., linha 10.
10. Ibid.
11. A reconstrução “o bem-amado do rei, um companheiro dos
san[tos. E ninguém pode ... eà minha glória]” está de acordo com 4QHa,
frg. 7, col. 1:10, na tradução de Schuller em DJD 29 (“427: 4Q Hodayot”,
p. 96).
12. Ver4QHa, frg. 7, col. 1:12-13; 4Q491, frg. 11, col. 1:18.
13. As linhas precedentes contêm o resto de outro hino, cm louvor a
Deus e escrito na terceira pessoa.
14. A reconstrução do texto é a feita por Eshel em seu artigo “4Q471 b:
A Self-Glorification Hymn”, p. 184.
15. A tradução que damos está de acordo com a de E. Schuller em
“427: 4Q Hodayot”, pp. 99-100. Em sua reconstrução do texto, Schuller se
138 Notas

baseia em parte nas formulações paralelas em 4QHe e lQHa. As recons¬


truções baseadas nesses paralelos estão sublinhadas.
16. Depois da conclusão: “Que digam: bendito é Deus ... para todos
os filhos de sua verdade” (linhas 12-14), segue-se um outro hino, come¬
çando com: “Nós te conhecemos, ó Deus de justiça.” (Em lQHa, frg. 7,
este hino aparece imediatamente após o segundo hino.) Poderia parecer
que este hino não faz parte de nossa composição, mas pertence ao texto
original do Pergaminho de Ação de Graças. Nele encontramos a usual visão
do mundo das Ações de Graças, ressaltando a culpa existencial dos seres
humanos por serem meramente criaturas de carne e osso: “O que é a carne
com relação a essas coisas e como será avaliada?” Esta culpa é reparada pela
“abundante misericórdia e maravilhosa remissão” de Deus. Ao contrário,
conforme assinala corretamente J.J. Collins (Scepter andthe Star, p. 148), o
sentido de culpa existencial está totalmente ausente dos hinos messiâni¬
cos. Há, isto sim, um sentido de total libertação do pecado (“ J11J? ”),
um sentimento apropriado à atmosfera escatológica ali descrita. A seme¬
lhança linguística entre a conclusão do segundo hino messiânico (“para
que possam conhecer a abundância de suas amorosas bondades”) e o início
do que se segue (“Nós te conhecemos, ó Deus de justiça”) pode ser um
expediente literário para fazer os hinos messiânicos se 'fundirem mais
facilmente com o texto original do Pergaminho de Ação de Graças. Esse
expediente se destinava, sem dúvida, a conferir aos hinos messiânicos algo
da autoridade das Ações de Graças, e pode também ter tido consequências
litúrgicas.
17. A reconstrução é a de Eshel, “4Q471b: A Self-Glorification
Hymn”, p. 184. Sobre a tradução da linha 15, ver nota 55 do capítulo 1.
18. 4Q491, frg. 11, col. 1:15. No manuscrito, a formulação é [ ]t0O.
A última letra poderia ser Iff (shin) ou V (ain). A reconstrução [HTjttfft foi
proposta por Dimant (“A Synoptic Comparison”, p. 159).
19. Baillet, DJD 7, pp. 26-29.
20. M. Smith, “Ascent to the Heavens and Deification in 4QMa”, em

1990), pp. 186-88; idem, “Two Ascended to Heaven



Archaeology and History in the Dead Sea Scrolls, org. L, Schiffman (Sheffield,
Jesus and the
Author of 4Q491”, em JesusandtheDeadSea Scrolls, org. J. H. Charlesworth
(N. Iorque, 1992), pp. 290-301.
21. Ver também Dimant, ‘A Synoptic Comparison”, p. 161.
22. J. J. Collins, “A Throne in the Heavens: Apotheosis in Pre-
Christian Judaism”, em Death, Ecstasy, and Other-Worldly Journeys, org. J. J.
Collins e M. Fishbane (N. Iorque, 1995), p. 55.
Notas 139

23. Collins, Scepter and the Star, p. 148.


24. Collins, Apocalypticism, p. 147.
25. Ibid., p. 146.
26. Essa possibilidade foi sugerida por M. G. Abegg, “Who Ascended
to Heaven? 4Q491, 4Q427 and the Teacher of Righteousness.”
27. Esta idéia foi proposta por Stegemann e Steudel. Ver A. Steudel,
“The Eternal Reign of the People of God”,/?0 17 (1966), p. 525, nota93;
H. Stegemann, “Some Remarks to lQSa, to lQSb, and to Qumran Messia-
nism”, RQ 17 (1966), pp. 497-505.
28. Collins, Apocalypticism, p. 147.
29. Ibid.
30. Eshel, “4Q471b: A Self-Glorification Hymn”, pp. 191-98; idem,
“The ‘Speaker’”, pp. 631-33.
31. lQSb, col. 4:24-28.
32. Para uma análise das várias sugestões relativas à identidade do
destinatário da bênção, ver Eshel, “The ‘Speaker’”, pp. 631-33.
33. lQSb, col. 4:24-28.
34. Ver “Nenhum ensinamento se compara ao meu ensinamento” no
hino.
35. Ver, por exemplo, Êxodo 28,35 e 43; 29,30; 30,20; Deuteronômio
10,8; 18,7; 21,5; Ezequiel 44,15 etc.
36. Ver Êxodo 39:30; Levítico 8,9.
37. Para descrições dos anjos diante de Deus, que está sentado sobre
seu trono, ver 1 Reis 22,19 e Isaías 6,1-2. Ver também Zacarias 3,7; Jó 1,6.
38. Ver 2 Samuel 12,25; 1 Crónicas 29,23.
39. 4QHe, frg. 1-2.
40. 4Q491, frg. 11, col. 1:9.
41. Conforme sugeriram Stegemann e Steudel (ver nota 27 deste
capítulo).
42. 4QHa, frg. 7, col. 2:8-10.
43. lQHa 11:22-23.
44. 4QHa, frg. 7, col. 2:5, 6.
45. 4QHa, frg. 7, col. 1:13, 14.
46. Ver também lQHa 12:14-18; J. Licht, The Thanksgiving Scroll
(Jerusalém, 1957), p. 175.
47. O caráter geral do hino messiânico como uma descrição do pre¬
sente mostra que não se está falando aqui do passado profético.
140 Notas

APÊNDICE B: ENTRE ROMA E JERUSALÉM

1. Marcos 15,30; Mateus 27,54. Ver T. H. Kim, “The Anarthrous uiòÇ


GEOU in Mark 15:39 and the Roman Imperial Cult”, Biblica 79 (1998),
pp. 221-41.
2. Bultmann, History of the Synoptic Tradition, p. 291 e nota 4.
3. O documento é conhecido como 4Q246, oficialmente publicado
por E. Puech, “4Q apocryphe de Daniel ar”, DJD 17 (Oxford, 1996),
pp. 165-84. Ver também a lista bibliográfica em Puech, nota 1; e E Garcia
Martinez, “The Messianic Figures in the Qumran Texts” * em Current Re¬
search and Technological Developments in the Study of the Dead Sea Scrolls, org.
D.W Parry eS. R. Ricks (Leiden, 1996), p. 25, nota 16. Na mesma coletâ¬
nea de artigos, ver E M. Cross, “Notes on the Doctrine of the Two Messiahs
at Qumran.” Deve-se também registrar alguns outros artigos publicados
recentemente: E. M. Cook, “4Q246”, BBR 5 (1995), pp. 43-66; J. J. Col¬
lins, “The Background of the ‘Son of God ’Text”, BBR 7 (1997), pp. 51-61;
E. Puech, “Some Remarks on 4Q246 e 4Q521 and Qumran Messianism”,
em The Provo Conference on the Dead Sea Scrolls, org. D. W Parry e E. Ulrich
(Leiden, 1999), pp. 545-65; A Steudel, “The Eternal Reign of the People
of God”, RQ 17 (1996), pp. 514-16; e J. Zimmerman, “Observations on

4Q246 The ‘Son of God’”, em Qumran Messianism, org. J. A. Charles-
worth et al (Tubingen, 1998), pp. 175-90.
4. Salvo observação em contrário, a tradução dos textos e a reconstru¬
ção são extraídas de Puech, “4Q apocryphe de Daniel ar”, p. 547.
5. Aqui segui a tradução de Cross (“Notes on the Doctrine of the Two
Messiahs”, p. 7). Puech traduz aqui: “e por esse nome será designado.”
6. Cross traduz da seguinte forma: “como cometas que vistes (em
vossa visão)”; a tradução de Puech é: “como os meteoros da visão.”
7. Vacat significa uma linha ou meia linha em branco no texto original.
Esta é uma forma de assinalar o início de um novo assunto.
8. Em vista da semelhança estrutural entre este documento e o capí¬
tulo 7 de Daniel, Milik chegou à conclusão que o “filho de Deus” era o rei
perverso que seria sucedido pelo “povo de Deus”. Ver J. T. Milik, “Les
modeles arameens du livre d’Esther dans la Grotte 4 de Qumran”, RQ 15
(1992), pp. 383-84. E. Puech, que divulgou o documento como parte da
publicação oficial da literatura de Qumran, recentemente declarou-se de
acordo com esta opinião (ver Puech, “Some Remarks”). Milik e Puech
consideraram que a figura descrita aqui era um personagem histórico.
Milik sugeriu que se tratava do monarca selêucida Alexandre Balas (150-
Notas 141

145 a.C.), que chamava a si mesmo de “filho de Deus”. A meu ver, essa
sugestão é problemática: o “filho de Deus” é descrito no texto como um rei
que será grande sobre a terra; todos os reis farão a paz com ele e o servirão.
Esta descrição não se enquadra com a figura histórica de Alexandre Balas,
que não foi um grande rei governando a terra e não foi servido por todos.
Puech e Steudel (ver nota 3, desta seção) sugeriram a identificação do “filho
de Deus” como Antíoco IV. Este no entanto, não era chamado de “filho de
Deus”. Outros estudiosos contestam a identificação do “filho de Deus”
como um rei perverso. Será possível, questionam eles, que títulos dignifi-
cantes como “filho de Deus” e “filho do Altíssimo” se aplicassem a um rei
perverso e, neste caso, como tais títulos são usados no Evangelho de Lucas
para designar a figura de Jesus? Por conseguinte, esses estudiosos con¬
cluem que o “filho de Deus” no documento de Qumran deve ser uma
figura messiânica positiva (ver os artigos de Cross e Collins mencionados
na nota 3, acima). O problema desse ponto de vista foi corretamente apon¬
tado por Puech e Steudel: o entendimento da figura do “filho de Deus”
como uma figura messiânica positiva está ligado à divisão do texto em qua¬
tro unidades: I 4-6, 17
— II la, II lb-3, II 4-9. No entanto, o texto está
dividido pelo vacat (espaço) em duas unidades apenas, e não há evidência
de divisão adicional em II 1.
9. Puech, ‘4Q apocryphe de Daniel ar”, p. 166.
10. Esta foi a opinião de Milik, por exemplo, que identificou o “filho
de Deus” como um dos monarcas selêucidas.
11. Plínio, História Natural, trad, inglesa de H. Rackham (Cambridge:
Harvard University Press, 1958). Ver Suetônio, “Iulius”, 88, em Os Doze
Césares-, Cássio Dio, História Romana 45.7.1; Sérvio sobre Virgílio, Éclogas
9.46.
12. Sobre a “idade de ouro” e Augusto, ver K. Galinski, Augustan Cul¬
ture (Princeton, 1996), p. 91 e segs.
13. Sobre o cometa e seu significado, ver Taylor, Divinity of the Roman
Emperor, pp. 90-92, 112-14; Weinstock, Divus Julius, pp. 370-84; Fishwick,
The Imperial Cult, p. 74; e P. Zanker, The Power of Images in the Age of Augustus
(Ann Arbor, 1988), pp. 34-35.
14. Ver Taylor, Divinity of the Roman Emperor, p. 106; c Fishwick, The
Imperial Cult, p. 76. Otaviano começou a usar esse título por volta de
40 a.C.
15. Ver Daniel 7,23. Essa visão de Roma, como a quarta besta que
passa por cima de toda a terra, está de acordo com a descrição dos romanos
no Pesher Habacuc encontrado em Qumran:
142 Notas

[Q]ue pisam sobre a terra com seus cavalos e com suas bestas.
E de longe eles vêm, das ilhas do mar, para devorar todos os
povos como uma águia, e não conhecem a saciedade. ...

eles distribuem seu jugo e seu trabalho forçado seu alimento
sobre todos os povos ano após ano para devastar muitas terras.
( Pesher Habacuc 3:9-12, 6:6-8)

16. Suetônio, “Augustus”, 94.
17. Ver a descrição de Augusto como redentor da humanidade em
De Legatione ad Gaium, de Fíion, 143-47.
18. Bultmann, History of the Synoptic Tradition, p. 291 e nota 4.
19. De acordo com Brown, Augusto foi mencionado em Lucas (2,1)
para asseverar que Jesus, e não o imperador romano, era o verdadeiro
redentor que traria a paz para o mundo. Ver Brown, Birth of the Messiah,
pp. 415-16.
20. Para uma bibliografia sobre a “Quarta Écloga”, ver W W Briggs,
“A Bibliography of Virgil’s Eclogues", ANRW11 31.2 (1981), 1311-25.
21. Virgílio, Quarta Écloga 1-14, trad, inglesa por H. Rushton Fair-
clough (Cambridge, Mass., 1942). A forma como Virgílio descreve a “nova
era” recorda a visão do “fim dos dias” em Isaías 11,6-8:

Por sua vontade, as cabras virão para casa com seus odres
intumescidos de leite
e rebanhos não temerão os enormes leões. ... E a serpente
os
perecerá.

Sobre a possibilidade de influência de fontes judaicas sobre Virgílio,


ver R. G. M. Nisbet, “Virgil’s Fourth Eclogue: Easterners and Wester¬
ners”, BIOS 25 (1978), pp. 59-78. Ver, porém, igualmente as reservas de
J. J. Collins em Seers, Sybils and Sages in Hellenistic-Roman Judaism (Leiden,
1997), pp. 194-97.
22. De acordo com a reconstrução de Schuller, pelo menos.
23. Ver Virgílio, Quarta Écloga 48; ver também a análise do assunto
em T. Frank, Classical Philology 11 (1916), pp. 334-36; e W Tarn, “Helios
and the Golden Age”, JRS 22 (1932), p. 155.
24. Virgílio, Quarta Écloga 15-17, edição Rushton, p. 31.
25. 4Q491, frg. 11, col. 1:6-7; Eshel, “4Q471b: A Self-Glorification
Hymn”, p. 185.
Notas 143

Marriage of Octavia to Mark Anthony?


(1912), p. 114-19. —
26. D. A. Slater, “Was the Fourth Eclogue Written to Celebrate the
A Literary Parallel”, CR 26

27. Ver W Clausen, A Commentary on Virgil’s Eclogues (Oxford, 1994),


pp. 121-22.
28. Virgílio, Eneida 6.791-93.
29. Ver Taylor, Divinity of the Roman Emperor ; K. Galinski, Augustan Cul¬
ture, p. 115.
30. Decisão da Assembléia da Província da Ásia, tradução adaptada de
N. Lewis e M. Reinolds, orgs., Roman Civilization (1955), vol. 2, p. 64.
31. P. Zanker, Power of Images in the Age of Augustus.
32. Augusto está representado sentado na companhia da deusa Roma
em Gema Augusta. Uma cena semelhante aparece num camafeu ptolemai-
co de aproximadamente 30-28 a.C. Ver Galinski, Augustan Culture, p. 115.
Em taças de prata de Boscoreale, Augusto é mostrado sentado sobre um
trono real, rodeado por deuses. Ver Ann L. Kuttmer, Dynasty and Empire in
the Age of Augustus (Berkeley, 1995), p. 56 e segs.
33. 4Q491, frg. 11, col. 1:5; Eshel, “4Q471b: A Self-Glorification
Hymn”, p. 185.
34. Josefo, Antiguidades Judaicas 14:388.
35. Ibid., 15:343. Ver nota 18, do capítulo 1.
36. Quanto à possibilidade de influência do Culto Imperial no tempo
de Augusto sobre os judeus do reino de Herodes, ver A. Yarbro Collins,
“The Worship of Jesus and the Imperial Cult”, org. C. Newman et al., em
The Jewish Roots of Christological Monotheism, Supplement to the Journalfor the
Study of Judaism 63 (1999), pp. 254-57.
ÍNDICE

A Assunção de Moisés, 52 Cântico dos Cânticos, Midrásh do,


abyssos (abismos), 123n42 73; “filho de Deus”, texto do
Alexandre Balas, 140n8 (4Q246), 98-99, 101-104; 140-
anjos, no primeiro hino messiânico, 141n8
29-30,57,90, 92, 118n64 Capricórnio, 46-47, 48
Cássio Dio, 44, 47
Antíoco iy 141n8
Cleópatra, 42-44, 101
Apocalipse, livro do, 77; fontes e cometa, 101
data do, 1 24n46; história das duas
testemunhas no, 50, 52-53, 78,
Daniel, livro de: a quarta besta
126n63, 127n78; visão das duas
em, 55; a morte do Messias em,
bestas no, 45-48, 1 21 n30, 1 23n42
126n61; Oráculo de Histaspes e
Apoio, 47, 121n30 o, 120n8; “filho do homem” em,
Arquelau, 52, 77 37,57,93, 103
Asínio Pólio, 106, 109 Dioniso, 121n29
Asmoneus, 67-68 Documento de Damasco, 35
Augusto (Otaviano), 19, 41, 43; o dragão, 47-48
Capricórnio e, 46-47, 1 20n 1 7;
afirmação da divindade de, 101- Essênios, seita dos, 19;comoauto-
102; ligação com Apoio, 47; como res dos documentos de Qum-
falso profeta, 48-50; no Oráculo ran, 63, 114n2, 128nl; Herodes
de Histapes, 45, 49-50, 124n48; e, 65-68; relacionamento com
como Píton, 121 n30; como “filho Roma, 68
de Deus”, 42, 45, 50, 102-105,
107 Fariseus, 67, 72-73
146 índice

Haguigá, tratado, 70-72 38, 57-58; sobre o Paracleto, 78-


Hassidim da Galiléia, 57-58 80; ressurreição de, 128n79; co¬
Herodes, 19; Asínio Pólio e, 108- mo filho de Deus, 97, 104-105
109; corte de, 65; últimos dias João, Evangelho de, 15, 78-80
de, 76; palácio de, 115nl2; re¬ João Batista, 127n73
volta após a morte de, 52, 76-77; Josefo, 65-67, 133n50
sua simpatia pelos essênios, 65- Júlio César, 42, 100-101, 102, 103
68 Justino Mártir, 43
Hilel, 57; sobre a criação do ho¬
mem à imagem de Deus, 74-75; Lucas, Evangelho de, 97, 105
Manaém e, 73, 75-76; 132n38
Hino da Autoglorificação Manaém: como autor dos hinos
Ver hinos messiânicos: primeiro messiânicos, 65-68; messianis¬
hinos messiânicos: data dos, 38, mo catastrófico de, 83; vida du¬
118n68; primeiro (Autoglorifica¬ pla de, 68-69; excomunhão de,
ção), 27-30, 29,31, 32-33, 36-38, 69-70, 72, 76; Hilel e, 73, 75-76,
64-65, 67, 85-87, 90, 92-93, 106; 132n38; Josefo, sobre, 65-66,
identidade do protagonista do 133n50; Paracleto e, 79; como
primeiro, 90-95, 105, 138nl6; se¬ filho de Ezequias na lenda tal-
gundo, 33-36, 34, 67-68, 88-90, múdica, 81-83
106, 138nl6; semelhança com a Manaém, o galileu, 131-132n32
Quarta Écloga de Virgílio, 105- Manual da Disciplina, 68, 91-92
107 Manuscritos do Mar Morto, 12-13,
Histaspes, Oráculo de, 43; Augusto 25; Ver também Manual da Disci¬
no, 45, 49-50, 124n48; o livro de plina; hinos messiânicos; Perga¬
Daniel e o, 120n8; o grande pro¬ minho da Guerra entre os Filhos
feta no, 50-51, 53, 60, 122n39; da Luz e os Filhos das Trevas;
dois reis no, 43-45 texto sobre o “filho de Deus”;
Pergaminho de Ação de Graças
Isaías, livro de: comparado com Vir¬ Marco Antônio, 41-42, 44-45, 101-
gílio, 1 42n2 1; o “servo sofredor" 102, 107, 109
em, 29, 36-38, 56, 93 Marcos, Evangelho de, 58, 60-61,
1 27-1 28n79
Jeremias, livro de, 35, 93 Mateus, Evangelho de, 104
Jesus: ano do nascimento de, 57, Messias de Qumran: um dia na vi¬
126n68; ligação com o Messias da do, 19-21, 23; morte do, 17,
de Qumran, 17, 58-61, 80, 83; 51-54, 56; descrito no Oráculo
Manaém, filho de Ezequias, e, de Histaspcs e no Apocalipse,
82-83; messianismo de, 15, 37- 49-53, 60; identificação do, 64-
índice 147

65, 67; Jesus e o, 17, 59-61, 80, Quintílio Varo, 52, 125nn48, 52
83; influência romana sobre o, Qumran, 24, 25, 27
105-109. Ver também Manaém
Milik, J. T, 140n8 Revolta de 4 a.C., 52, 76-77
Mishná, 69-72
Saduceus, 67
Salmos, livro dos, 92
Otávia, 44, 107 Sinóticos, Evangelhos, 15-16. Ver
Otaviano. Ver Augusto também Lucas, Evangelho de;
Marcos, Evangelho de; Mateus,
Evangelho, de
Paracleto, 78-80, 134n70 Suetônio, 46-48, 120nl7. Ver"ser¬
Paulo, 15, 43 vo sofredor”. Ver sob Isaías, livro
Pergaminho da Guerra enre os Fi¬ de
lhos da Luz e os Filhos das Tre-
vas, 22, 23, 53 Talmude, 72; de Jerusalém, 70, 81-
Pergaminho de Ação de Graças, 25- 82, 130n26, 131n32
27, 26, 30, 64, 94-95, 138nl6. Ver
também hinos messiânicos Virgílio, 20, 105-109
Pesher de Habacuc, 141nl5
Píton, 47-48, 49, 121nn29, 30 Zacarias, livro de, 51, 56, 122n39

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