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CEDERJ 2016

GEOGRAFIA POLÍTICA

Prof. Ivaldo Lima

Aula 5

Ecos da geopolítica clássica no século XX

Ecos do realismo político

Como vimos na Aula 2, o realismo político é o paradigma que melhor explica a geopolítica e a
geografia política clássicas, uma vez que ambas estavam centradas no protagonismo do Estado
na análise das relações internacionais. Esse paradigma também é denominado clássico ou
tradicional por ser o mais antigo e mais influente entre as concepções sobre os fenômenos
internacionais. A máxima de que “os fins justificam os meios”, atribuída – justa ou injustamente
– a Maquiavel, é o substrato de uma das características do realismo político, qual seja, aquela
que separa a conduta do Estado de qualquer moral. Destarte, o realismo é amoral. Mas, como
esse paradigma influenciou a concepção de novas ideias sobre a geopolítica a partir da Segunda
Guerra mundial?

Esse paradigma repercutirá na geopolítica e na geografia política para além de seu período
clássico. Chamemos a essas repercussões ecos do realismo político que estarão presentes, ao
longo da segunda metade do século XX, nas obras de autores importantes, como Brzezinski,
Luttwak, Huntington e Nye Jr. Para entender quem foram esses autores e o que disseram de
relevante em suas obras, abordaremos um a um, destacando, quando oportuno, a herança da
geopolítica clássica, explícita ou implicitamente contida nessas obras, ou seja, atentando para os
momentos em que se pode notar o diálogo desses autores com o pensamento de geopolíticos tais
como Mahan, Mackinder, Haushofer ou Spykman. O objetivo desta Aula 5 é apresentar
analiticamente um desses autores, as suas teses e os vínculos delas com os princípios do
realismo político. A exclusividade desta aula recairá sobre a obra de Zbigniev Brzezinski devido
ao notório impacto que tal obra causou na geopolítica da Guerra Fria.

A geopolítica mundial como um tabuleiro de xadrez: Zbigniev Brzezinski

De acordo com Florian Louis (2014:115), o pensamento de Zbigniew Brzezinski é uma “forma
de síntese original entre os pensamentos de Mackinder e de Spkyman”. Isso porque, Brzezinski
confere atenção especial à Eurásia, como o fez Mackinder – identificando o heartland, e atenta
para a importância estratégica de suas margens, como o fez Spkyman – identificando o rimland.
Polonês, nascido em 1928, Brzezinski escapa das persecuções nazistas durante a Segunda
Guerra mundial graças à nomeação de seu pai como diplomata no Canadá. Nesse país,
Brzezinski se torna professor de Relações Internacionais e, de 1977 a 1981, foi assessor do
presidente estadunidense Jimmy Carter para Assuntos de Segurança Nacional e diretor do
Conselho de Segurança Nacional. Do mesmo modo como haviam procedido os geopolíticos
clássicos, Brzezinski direcionará sua análise estratégica para a questão nacional, procurando
estabelecer os parâmetros que conduziriam os Estados Unidos à posição de liderança no sistema
internacional. Como se nota, esse interesse centrado no papel do Estado, visando à supremacia
na ordem mundial, segue à frente das ideias geopolíticas no século XX.

Sobre a nova posição dos Estados Unidos no mundo depois guerras mundiais, Costa (1990:231)
nos lembra que:

Derrotados o nazismo, o fascismo e o império japonês, emergia da Segunda Guerra um


mundo dividido sob as esferas de influência das duas superpotências, uma capitalista, a
oeste, e uma socialista, no leste. Nascia, assim, o mundo bipolar. Os EUA tornavam-se
os guardiães do “Ocidente livre”, dos valores do liberalismo e do sistema capitalista
internacional. Sua nova posição estratégica, apenas esboçada na Primeira Guerra,
consolidava-se e passava a definir todos os seus objetivos e ações no plano externo.

O confronto soviético-americano será o eixo em torno do qual o pensamento de Brzezinski se


definirá mais claramente. Portanto, estamos sinalizando o período da Guerra Fria como o plano
de fundo do pensamento desse cientista político, lembrando que no período em que ele atua
como conselheiro do “Príncipe” – isto é, do Estado, em especial a partir de 1979, “a política de
distensão foi sucessivamente golpeada pela intervenção soviética no Afeganistão, pelo trinfo da
revolução islâmica no Irã e pela vitória da revolução sandinista na Nicarágua” (MELLO,
1999:135). Assim, o mundo bipolar, com o enfrentamento das superpotências e os
(des)alinhamentos estratégicos, é o cenário geopolítico que Brzezinski analisa em sua obra. Os
mapas elaborados por Brzezinski representando o poder global centralizado em Moscou e em
Whashington dão o tom de sua geopolítica bipolarizada (Figura 1).
Figura 1. A representação geopolítica do mundo bipolarizado

Fonte: MELLO, L., 1999.

Conforme nos relata Mello (1999:140), essa representação trata de uma confrontação bipolar
por meio de mapas. No mapa com “a visão global de Moscou”, o meridiano central passa pela
então capital soviética, vista como o umbigo do mundo; de modo que, nesse planisfério,
“Moscou assume uma centralidade semelhante à desfrutada no passado por Londres, na secular
projeção cartográfica de Mercator” (Idem, Ibidem). Essa posição de Moscou busca ser a síntese
da posição dominante da União Soviética na Eurásia e, por extensão, no mundo inteiro. O uso
da cartografia com a finalidade estratégica de demonstrar o poderio (ou a debilidade) de um
Estado não é novidade, pois o próprio Haushofer desenhava seus mapas com o propósito de
demonstrar a posição da Alemanha no contexto europeu e mundial. Brzezinski faz o mesmo,
apenas resituando as potências, naquele momento denominadas superpotências. O próprio
Brzezinski, em seu livro EUA X URSS: o grande desafio, afirmava:
Mas um mapa pode enganar tanto quanto iluminar. Ele pode proporcionar um falso
sentido da verdadeira distribuição do poder, distorcendo o tamanho relativo e criando
uma visão enganosa da centralidade geográfica. Já que um mapa pode ter um centro
arbitrário, ele pode ser elaborado de modo a colocar qualquer país no ponto central do
globo, durante muito tempo, por exemplo, os mapas mundiais chineses confirmavam,
muito naturalmente, a significação política da expressão ‘o Reino Central’.

Ao enfatizar a posição central da URSS, nesse mapa da visão global de Moscou, Brzezinski
chama a atenção dos estrategistas – americanos, sobretudo – para a projeção dos soviéticos em
relação às periferias da Eurásia, afirmando sua condição de potência continental. Por outro lado,
ao enfatizar a posição global de Washington, Brzezinski projeta a condição biocenãnica dos
EUA e a possibilidade de sua ação ultramarina, afrimando sua condição marítima. Temos, neste
caso, a retomada do continentalismo versus ocenanismo, tão caro às ideias de Mackinder.
Também, encontramos aqui a retomada das ideias de Spykman em relação ao papel estratégico
do rimland, que é a própria periferia anfíbia da Eurásia. Segundo Mello (1999:144-145):

É importante registrar que a digressão de Brzezinski sobre o papel dos mapas na visão
global, na percepção geopolítica e nas opções geoestratégicas, embora de maior
relevância, não é original. Ela é, na realidade, uma retomada parcial da análise mais
abrangente já realizada por Spykman em The geography of the peace. (...) [O] geógrafo
americano ilustra exaustivamente os diversos tipos de projeção e demonstra as
implicações que a cartografia pode ter no planejamento da segurança nacional e da
política externa das grandes potências. (...) Com efeito, o mapa de Washington é uma
reprodução de mapas anteriores que Spkyman utilizou. (...) Por outro lado, sustenta-se
aqui que o mapa de Moscou constitui uma versão parcialmente modificada do célebre
mapa de Mackinder, reproduzido em The geographical pivot of History. Neste mapa de
1904, o geógrafo britânico procura ilustrar visualmente a centralidade do continente
eurasiático, a posição nuclear da região-pivô, o Crescente Marginal e o Crescente
Insular.

Uma ideia para a nossa reflexão:

A cartografia é um recurso geopolítico? Caso seja, que resultados pode implicar o seu uso?

Essa reflexão se aplica também à obra de Haushofer? De que modo?

Então, nessa luta entre oceanismo e continentalismo, Brzezinski visualizava o confronto entre
dois sistemas imperiais: o norte-americano e o soviético. No primeiro, observa-se uma poderosa
talassocracia que implica a afirmação de um império transoceânico, descontínuo em relação de
seus maiores aliados (Europa Ocidental, Coreia do Sul e Japão), porém, o detentor da maior
frota naval do planeta. No segundo, o núcelo dirigente é um Estado multinacional, de maioria
russa e de dominado por um ethos militarista que se impõe sobre os Estados fronteiriços (da
Europa Oriental, Mongólia e Afeganistão). Para Mello (1999:151), é importante ressaltar a
caráter global do confronto analisado por Brzezinski, uma vez que “[a]o contrário dos conflitos
históricos precedentes, a rivalidade entre a talassocracia ocidental e o império das estepes não
tem dimensões regionais, mas proporções mundiais, ou seja, seu campo de ação abarca todos os
continentes e oceanos do planeta”. Assim, embora a geopolítica seja encarada numa perspectiva
mundial, a luta pelo domínio da Eurásia acaba por guiar as ideias de Brzezinski, ou seja, nessa
parte do globo terrestre reside o foco estratégico das análises que o autor faz sobre o tabuleiro
de xadrez mundial.

Essa metáfora do jogo de xadrez será bastante cara a Brzezinski, sempre atento aos movimentos
que as superpotências deveriam fazer ou evitar que o outro fizesse, como se fossem dois
jogadores que se enfrentam num jogo de inteligência, militarmente amparados. É bom lembrar
que nesse momento da história do século XX a corrida armamentista chega ao seu auge com o
desenvolvimento dos programas nucleares com fins militares. Relembremos a ideia de que,
nesse jogo, aquele que controlar a Eurásia controlará o mundo, tese defendida por Brzezinski e
que, como já estudamos, não pode ser dita original já que tem suas raízes na hipótese
geostratégica de Mackinder.

Figura 2. Os movimentos do jogo: as perspectivas estratégicas de Moscou


O conjunto de imagens da Figura 2 nos permite vislumbrar claramente a interpretação
geoestratégica de Brzezinski. Essas perspectivas estratégicas revelam a preocupação do autor
com o avanço do socialismo defendido e empreendido pela URSS. Para tanto, Brzezinski reflete
sobre as frentes geográficas desse possível avanço, classificando-as em conjuntos de
Estados-pino da primeira, segunda e terceira frentes, como se visualiza, também, na Figura 3.
Fica claro que a URSS teria de se expandir na direção da Europa Ocidental, da Ásia Oriental e
do Sudoeste da Ásia (Oriente Médio). Essas frentes de expansão configurariam os eixos do
domínio soviético, a partir de seu centro eurasiático. Também fica claro que os EUA deveriam
impedir que tais movimentos se concretizassem. AS três frentes são sobretudo, as áreas
estratégicas nas quais os Estados Unidos deveriam se empenhar com mais afinco, com o intuito
de simultaneamente se afirmarem ali e impedirem a presença soviética.

Daí se depreende que as interpretações de Brzezinski influenciaram a política externa dos


Estados Unidos, especialmente no plano macro, por meio da prática do código geopolítico da
contenção, isto é, da diretriz de uma política externa que visa conter ou barrar a expansão
socialista mundo a fora. Esse código da contenção foi reforçado pela Doutrina Truman, no
pós-Segunda Guerra. Os conflitos e embargos localizados fora da Eurásia, envolvendo os
Estados Unidos e países que desenvolveram alguma experiência socialista, como Cuba, Angola,
Moçambique e Madagascar, por exemplo, demonstram como a bipolarização do mundo durante
a Guerra fria configurava uma geografia política nitidamente guiada por ideias de pensadores
geopolíticos relevantes como as de Brzezinski.

Figura 3. As frentes dos movimentos estratégicos

Disponível em: http://photos1.blogger.com/blogger/8126/2644/1600/mapa04.jpg. Acesso em: 10


abr. 2016.

A análise de Brzezinski sobre a “ameaça soviética”, em suma, levava em consideração uma


primeira frente estratégica formada pelo arco que se estende da Noruega, passando pela Europa
Ocidental até a Grécia e a Turquia, formada logo após a Segunda Guerra. A segunda frente
estratégica basilar é formada pela aliança dos Estados Unidos com numerosos países da Ásia
Oriental e teve maior ênfase para a sua formação nos anos 1950, após a Revolução Chinesa
(1949) que implantara o socialismo naquele país e após a Guerra da Coreia que dividira a
península em dois países – um capitalista, no sul e outro socialista, no norte, com forte
intervenção dos Estados Unidos a favor do primeiro. Já a terceira frente estratégica basilar é de
formação datada do final dos anos 1970, a partir da revolução islâmica no Irá e a invasão do
Afeganistão. Essa última frente é a mais crítica por conter as reservas de petróleo cruciais ao
avanço capitalista e pela posição que desempenha nas opções de acesso da URSS às saídas para
o oceano Índico e no domínio soviético sobre o Golfo Pérsico. Quanto à denominação de
estados-pinos geopolíticos, Brzezinski a emprega para designar Estados que ocupam uma
posição geoestratégica decisiva para o controle das frentes. Assim, na primeira frente esses
Estados-pinos são a Polônia e a Alemanha (Federal), na frente oriental, são a Coreia do Sul e as
Filipinas e na terceira frente são o Irã e o conjunto Afeganistão-Paquistão.

Para Mello (1999:163):

Na realidade, os Estados-pinos de Brzezinski são os equivalentes atuais dos países que,


cercando a região-pivô eurasiana, formavam o Crescente Marginal do esquema
geopolítico de Mackinder. Além disso, à exceção das Filipinas, aqueles Estados-pinos
correspondem aos países anfíbios que, na análise estratégica de Spkyman, formavam as
fímbrias marítimas da Eurásia.

Com essas considerações, acreditamos poder refletir sobre

Os ecos do realismo político na obra de estrategistas da segunda metade do século XX, como
Brzezinski.

Vamos, agora, ler o texto a seguir.

Box 1.

Os últimos ruídos de vida da estratégia dos EUA no Oriente Médio

“Queria ter mandado um helicóptero a mais para buscar os reféns” – disse o ex-presidente dos
EUA Jimmy Carter numa de suas aparições de despedida recentemente, em Atlanta. –
“Teríamos resgatado todos eles, e eu teria sido reeleito.”
Comparado aos seus predecessores e sucessores, Carter era intelectualmente superior. Não
padecia de vocação irresistível para a corrupção, como Bill Clinton, nem da incontrolável
compulsão para mentir, de Barack Obama. Mas diferente deles todos, Carter sofria de complexo
de inferioridade. Começou com o mentor de sua carreira, o almirante judeu polonês Hyman
Rickover, e aprofundou-se com seu conselheiro de segurança nacional o católico polonês
Zbigniew Brzezinski. A combinação desses dois levou à destruição das posições dos EUA no
Afeganistão, Irã, Iraque, Líbia, Egito, Iêmen e, hoje, na Síria.
O outro lado do complexo de Carter é um pensamento delirante desejante de Carter e de
Brzezinski. Os erros de julgamento de ambos, dizem eles em voz alta, não teriam sido a causa
daquelas derrotas. De fato, nem foram mesmo derrotas, mas estratégias vitoriosas às quais só
faltou um aumento de força múltipla e que custaram pouco sangue aos EUA, itens que se
poderiam facilmente acrescentar. Mais uma metralhadora no céu, e o triunfo deles teria sido
reconhecido por todos como o triunfo que teria sido. Significa dizer que, no pensamento senil
dos dois, foi.
Brzezinski está dizendo a mesma coisa. Em coluna assinada para o Financial Times, publicada
na 2ª-feira, Brzezinski diz que “as presença naval e aérea da Rússia na Síria são vulneráveis,
geograficamente isoladas das bases originais. Podem ser ‘desarmadas’, se insistirem em
provocar os EUA.” Quando Brzezinski diz que desarmará a força expedicionária russa na Síria,
está falando de aumentar a força múltipla no lado dos EUA até ser tão enorme, que ele supõe
que poderia destruir os russos ou forçá-los a escafeder-se.
Trata-se da 6ª Frota dos EUA, acima e abaixo da superfície do Mediterrâneo; plus a Força Aérea
dos EUA e unidades da OTAN às dúzias distribuídas na Itália, Grécia, Turquia e Golfo Persa.
Para proteger os bunkers de comando-e-controle dos quais comandam a guerra síria, e as linhas
de reabastecimento pelas quais fazem circular homens, dinheiro e munição, terão também de
retomar, dos russos, o controle aéreo que hoje é deles. Com a demonstração essa semana, dos
mísseis cruzadores disparados de território russo, o que Brzezinski prega não é coisa fácil de
fazer.

É disputa que, para superar o recorde de riscos de Carter-Brzezinski, o lado dos EUA teria de
contar com força superior à força russa na proporção de 5 para um, melhor, 6 para um, para
poder considerar-se em posição satisfatoriamente segura.
Mas e quem exatamente, no Pentágono e no quartel-general da OTAN, está confiantemente
calculando qual deve ser o mínimo multiplicador para que o plano de “desarmar” os russos seja
ainda mais bem-sucedido que a vitória militar facílima que Carter e Brzezinski comandaram
contra o Irã, dia 24 de abril de 1980?
Examinem os candidatos à presidência de qualquer dos partidos (e também os sem partido) no
início da campanha eleitoral de 2016: todos eles sabem que guerras no exterior não conquistam
votos em eleições, e uma guerra quente, quase uma guerra mundial contra a Rússia –, ora… é
assunto que nem aparece na escala das pesquisas. Sangue norte-americano não é moeda de troca
em época de eleições – nem a menor gota, nem sangue de “voluntários” ou de “mercenários”,
não das Forças Especiais dos EUA ou dos soldados regulares dos EUA. Lembrem o cálculo
daqueles dias, quando a Guerra do Vietnã ia sendo perdida – mortos em combate + inflação +
desemprego = morte para candidatos à presidência.
Examinem com atenção esse mapa da Síria traçado pela Agência dos EUA para
Desenvolvimento Internacional [US Agency for International Development (USAID)]Clique
para aumentar (Fonte: Síria Crisis Map: http://irevolution.net/2012/03/25/crisis-mapping-syria/).
Sobre esse mapa, trace linhas de 300km de alcance, a partir da base naval russa em Tartus, para
o norte e para o sul pela costa, e para leste, para dentro do continente. Feche todas as linhas que
levam aos bunkers dos quais conselheiros norte-americanos guiam chechenos, árabes e outros
mercenários para seus alvos; interfira pesadamente, boicote e torne inextrincáveis as
comunicações eletrônicas, de modo que eles não possam requisitar o socorro da cobertura aérea
necessária para lutar contra forças do governo sírio; e treine você mesmo para operações na
Ucrânia e no Cáucaso russo, incluindo o Daguestão e a Chechênia.
Trace linhas de 1.500km partindo da Rússia, que atravessem territórios do Irã e do Iraque, no
rumo de cada trilha, caminho ou estrada pelos quais possam andar dólares, armas e homens
norte-americanos. Destrua tudo o que haja ali hoje, e torne irrecuperavelmente precárias e
intransitáveis todas as trilhas, caminhos ou estradas que pudessem vir a substituir as anteriores.
(Mapa em Ministério da Defesa da Rússia,
em http://www.bbc.com/news/world-europe-34471849)
Desenhe raios de voo dos bombardeiros Su-25 que cubram, para leste e para o norte, qualquer
movimento de retirada e reagrupamento do exército dos EUA para desertos não cobertos, onde
curdos, iranianos e iraquianos os esperam para matá-los. Essa não é “guerra híbrida”, do tipo
que transita pelas poltronas de Chatham House, Londres, ou Freedom House, Washington. Essa
é guerra real – e com força múltipla de várias dúzias ou centenas para 1, a favor dos russos, sem
nenhuma dúvida, nesse momento.
Com isso, a questão passa a ser – com quanto tempo se pode contar lá, por enquanto? Quer
dizer, quanto tempo o exército dos coturnos norte-americanos em solo deve esperar pela
chegada do helicóptero extra (que Carter não mandou) plus a cavalaria do “desarme”, de
Brzezinski? Ou, para pôr a questão em termos mais urgentes: quanto tempo ainda terão os
homens em solo, antes de terem de correr para salvar a vida? A pergunta foi respondida na noite
passada por Alexander Goltz, analista militar do Colégio da Defesa da OTAN (tem sede em
Moscou): “A Rússia solicitou [aos EUA] que remova todos os instrutores norte-americanos [que
haja na Síria], e suspeito que assim será feito.” Para conhecer o currículo de Goltz como
observador militar da OTAN em campo, em Moscou, leia o que está aqui.
O reconhecimento, por Goltz, significa que, a menos que os ministros de Defesa da OTAN
decidam hoje à tarde, que entrarão em guerra contra a Rússia, qualquer força expedicionária
aérea, naval ou em terra, suficientemente grande a ponto de poder desafiar os russos, agora, é
impossível.
É o que também foi noticiado quando o New York Times foi convocado para sessão de
atualização “por oficial da Aliança [de Rússia, Síria, Irã, Iraque e Hezbollah], que falou sob a
condição de que seu nome não fosse divulgado, para discutir estratégia militar”. Tendo
dispensado o Financial Times, o Economist e Der Spiegel, torsos falantes de militares que não
existem no Oriente Médio, o objetivo estratégico dos russos agora está sendo informado
diretamente aos EUA: “Nada de perguntas. Nenhuma. Em nenhum nível” – é o que o Times está
noticiando do que ouviu.
A Rússia estabeleceu uma zona aérea de exclusão sobre todas as fronteiras da Síria e montará
uma fortaleza alawita ao longo da planície costeira. Quanto ao que acontece nos desertos do
norte e oeste, todas as decisões competem aos exércitos xiitas do Irã e do Iraque, com ou sem
cobertura aérea russa, mas com absoluta garantia de que ali não haverá cobertura aérea de
norte-americanos, da OTAN, de turcos, de sauditas, de jordanianos ou dos Emirados.
Gennady Nechaev, analista militar em Vzglyad em Moscou, explica: “Há espaço aéreo, mas é
controlado ou pelos EUA ou por nossa Força Aérea. Mas hoje não se trata de controlar espaço
aéreo. Estamos falando de controlar espaço em solo. Aí, as operações podem ser de dois tipos:
destruição direta do ar, e isolamento da área de operações por ar, para impedir movimentos do
inimigo e reservas futuras.
Nesse caso, a tarefa é praticamente irrealizável, porque há uma fronteira aberta com o Iraque,
pelo lado da Turquia. Os limites não são controlados. O problema pode ser resolvido [pela
Rússia], se se atacar ao longo da profundidade total do espaço sob controle do ISIS. No
momento, há em curso uma operação contra a infraestrutura do ISIS. Infraestrutura é modo de
dizer e conceito muito maleável, nesse caso, porque eles não têm infraestrutura civil. Há elos
militares e conexões que [devem] operar para o fornecimento de armas. Agora, a Rússia está
atacando com vistas a esses objetivos.”
À noite, um analista militar alemão disse: “Nada disso jamais se viu na história do Oriente
Médio, desde a derrota do [marechal de campo Erwin] Rommel. O Exército Vermelho “está
empoderado num nível que jamais se viu no mapa do Oriente Médio.” Evgeny Satanovsky,
acadêmico especialista em Oriente Médio, em Moscou, acrescenta: “Moscou não quer dividir os
terroristas em ‘nossos’ e ‘não nossos'”. A emergência da Força Aérea Russa na Síria (…) mudou
radicalmente a situação na região. Esperem coisa totalmente diferente, a partir dos princípios.”
E se os sauditas transferem suas forças, de bombardear o sul e o leste no Iêmen, para
bombardear o oeste, e convidam forças dos EUA para defender as decolagens das bases aéreas
sauditas, ou de porta-aviões no Golfo Persa? Fonte militar egípcia comenta: “O rei [Salman]
sofre do Mal de Alzheimer e seu filho [Mohammad bin Salman], que realmente governa, é
jovem demais; inseguro demais na sucessão do rei; e domesticamente vulnerável demais. Se
qualquer deles der uma piscadela nervosa, que seja, na direção da fronteira síria, o preço do óleo
volta rapidamente ao nível que a Rússia deseja e do qual precisa. E não virá qualquer apoio para
os sauditas contra os russos, do único real fiador árabe: Abdel Fattah el-Sisi, presidente do
Egito.
Há muito tempo, quando Obama instalou a Fraternidade Muçulmana no Cairo, [Sisi] entendeu a
estratégia dos norte-americanos: as promessas de Obama são a mais séria e real ameaça que há,
contra a segurança do Egito e dos países árabes em geral. Isso, porque Obama não consegue
controlar as Amazonas ensandecidas de Washington que manejam a máquina de guerra dos
EUA; nem os jihadistas que o próprio Obama emprega e paga, como mercenários para a guerra.
Sem cobertura aérea, linhas de suprimento e muitos dólares, todos aí estão condenados. Os
xeiques sauditas não se arriscarão em alguma tentativa para salvá-los.”
Para saber mais sobre como Putin administra o relacionamento com os sauditas, leiam minha
coluna de 29/10/2013, nesse blog. (…)
Conforme a versão do New York Times, “um alto oficial da Defesa dos EUA” teria dito que “os
padrões operacionais deles [dos russos, na Síria] permanecem idênticos [ao que fizeram na
Ucrânia].” Segundo o secretário de Defesa dos EUA Ashton Carter, “entendemos que a Rússia
está cometendo um erro em suas ações na Síria.” Esse Carter tem laços sentimentais, mas não é
parente de sangue do outro Carter, o Jimmy ‘Helicóptero’ Carter. Para saber mais sobre a
figura, vejam-no em ação, ao vivo.

John Hellmer, Dances with bears, em 13 out. 2015.

Disponível em:
http://navalbrasil.com/os-ultimos-ruidos-de-vida-da-estrategia-dos-eua-no-oriente-medio/.
Acesso em: 06 abr. 2016.

Algumas ideias para refletirmos sobre esse texto de John Hellmer:

1. Trata-se, majoriatariamente, de uma análise de fatos ou de uma interpretação de ideias?


2. As hipóteses de ação mencionadas são plausíveis ou fantasiosas? Por quê?
3. As ideias de Bzrezinski estão bem situadas no contexto apresentado?
Na próxima aula, daremos prosseguimento aos ecos do realismo político no pensamento
geopolítico da segunda metade do século XX e início do XXI...tratando, é claro, de novos
autores.

Referências e indicações bibliográficas

BRZEZINSKI, B. O grande fracasso. Rio de Janeiro: Bibliex, 1990

______________The Grand Chessboard: American Primacy and Its Geostrategic Imperatives,


New York: Basic Books, 1997

COSTA, W. Geografia política e geopolítica. São Paulo: Hucitec, 1990

LOUIS, F. Les grands théoriciens de la géopolitique. Paris: PUF, 2014

MELLO, L. Quem tem medo da geopolítica? São Paulo: Hucitec, 1999

RAFFESTIN, C. et al. Géopolitique et histoire. Paris: Payot, 1995

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