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Plano analítico da exposição (Aula de 01/02/1984 do curso A coragem da verdade)

1. Contexto teórico: investigação sobre as relações entre sujeito e verdade a partir da


perspectiva do discurso de verdade que alguém diz sobre si mesmo—diferente do discurso
que estabelece as condições para que, em geral, se diga e se reconheça a verdade. O que entra
em jogo, principalmente, é o ato de dizer a verdade, a veridicção.
2. Tema: o estudo da fala franca, da parresía, como modalidade do dizer a verdade. Ou: o
estudo da estrutura dos discursos propostos e recebidos como verdadeiros.
3. Justificativa: a importância, desde a antiguidade clássica, do princípio “é preciso dizer a
verdade sobre si mesmo”.
4. Desenvolvimentos:
A) De saída, alargamento do escopo da pesquisa: seu eixo não é o conhecimento de si, mas as
práticas do cuidado de si, que definem uma forma de vida e que demandam a presença da
escuta do outro. Mas: quem é este outro? Entre os antigos, em princípio, qualquer um (p. 7),
sob a condição de que se estabeleça entre ambos a fala franca, cujo antípoda é a lisonja.
B) Questão: qual é a origem dessa relação entre aquele que pretende dizer a verdade sobre si
e seu interlocutor qualificado? Sua proveniência é política, ligada à vida na democracia, e seu
desdobramento incide sobre a definição de uma ética pessoal—tendo a ver, assim, com o
governo dos outros e de si, com o poder (p. 9, extrato nas últimas linhas). A pesquisa, então,
reúne o exame dos saberes, das relações de poder e dos modos de constituição do sujeito
através das práticas de si.
C) Questão: o que é, pois, a parresía? Um “dizer tudo”, expor o pensamento sem nada
dissimular, com dupla manifestação: a fala tagarela e inconsequente— “pronto, falei!”—e a
fala reta, indexada racionalmente, que exige que se diga “as coisas verdadeiras” como
realmente são.
Cláusulas: não cabe falar por falar, mas falar o que realmente se pensa e, principalmente, que
isso implique algum risco para a relação de interlocução em que se está envolvido. Donde:
parresía como “coragem da verdade”, num ambiente instalado em função da amizade. No
limite, não só a filia, mas a própria existência daquele que fala corre perigo. Seja como for, a
parresía pode se organizar como um jogo, em que o desafio é dar e receber a verdade custe o
que custar (p. 13).
Consequências: oposição completa entre parresía e retórica, na medida em que esta última
ensina como tratar qualquer assunto de forma eloquente, sem compromisso pessoal, salvo a
vantagem.
D) Quadro das modalidades do dizer a verdade, da veridicção (personagens ou papéis sociais,
modos e domínios diferentes), ou ainda dos “regimes de verdade”.
— Profética: a verdade “vem de outro lugar”, demanda interpretação e diz o que será.
— Sapiencial: a verdade é dita em nome próprio a propósito do que é.
— Técnica (de quem ensina): a verdade depende de um saber tradicional, que é professado e
transmitido por dever de ofício e cuja enunciação não implica riscos.
— Parresiástica: nem sobre o destino, nem sobre o ser, nem sobre algum saber técnico, mas a
verdade do que é, “na forma singular dos indivíduos e das situações”, isto é, a verdade do
ethos.
O caso de Sócrates, embora sua prática discursiva exiba características das demais, é
tipicamente este último (pp. 26-27). Por extensão, o caso da filosofia vincula-se a este modo,
combinando-o com a veridicção sapiencial. Trata-se de dizer o ser ou a natureza das coisas na
medida em que isso se articule a um dizer a verdade sobre o ethos, sobre a vida que alguém
leva.
E) Adendo: em relação ao cristianismo medieval, que por longo tempo presidiu
institucionalmente o dizer a verdade, cabe considerar que houve duas combinações
principais: entre os discursos profético e parresiástico, de um lado (o dos pregadores), entre o
discurso sapiencial e técnico, de outro (o dos universitários).
Já em relação à época moderna, sugere-se que a veridicção profética subsiste no discurso
político revolucionário, a veridicção sapiencial resiste na filosofia e a técnica na ciência,
enquanto o dizer a verdade parresiástico perde autonomia, apoiando-se em algum dos
precedentes (p. 29).

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