Você está na página 1de 51

CIÊNCIAS FORENSES I

Teóricas – Professor Diogo Pinto da Costa

3º ANO – 2º SEMESTRE
Ano letivo 2018/2019

Realizada por: Margarida Oliveira e Tânia Soares


Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

ESTRUTURA DO EXAME

• 1ª Parte: matéria do professor Pinto da costa (perguntas de escolha múltipla e perguntas


de resposta curta) – 10 valores
• 2ª Parte: professores FCUP (perguntas de escolha múltipla) – 10 valores.

CIÊNCIAS FORENSES

As ciências forenses aplicam-se a tudo o que tem a ver com o esclarecimento de alguma questão
que seja preciso esclarecer em que esteja em causa a aplicação do direito. Assim, as ciências
forenses estão relacionadas com o crime, enquanto objeto da criminologia e, por isso, interessa-
nos as ciências direcionadas para factos que estão relacionados com a prática de crimes.

É de referir que o crime é uma ação humana tipificada na lei, ou seja, é um comportamento
praticado por um indivíduo que tem as suas consequências previstas na lei penal e, por isso
partimos do crime e de um comportamento criminal.

Podemos assim distinguir diferentes tipos de abordagens partindo deste objeto que é o crime:

1. Biopsicologia criminal

Esta é uma perspetiva que visa perceber quem é que pratica crimes e como é que os pratica tendo
em conta uma abordagem essencialmente pessoal. Assim, sendo esta uma abordagem direcionada
a quem pratica crimes estão aqui inerentes os fatores pessoais como a idade, sexo, antecedentes
patológicos, hábitos de consumo de álcool e outras drogas, comportamentos desviantes, etc.

2. Criminologia ambiental

Podemos também perceber o crime através do estudo das condições em que as pessoas vivem,
das relações que estabelecem entre si, da sua interação entre o meio, etc. Nesta abordagem são
estudados diversos fatores do meio, como o espaço/área de residência, situação profissional,
situação económica, contextos relacionais e inserção social, sendo estes fatores tanto do ambiente
físico como relacional.

Estas abordagens permitem explicar o indivíduo e o seu comportamento.

3. Abordagens que se dirigem aos comportamentos que os indivíduos praticam, como,


quando, em que lugar, em que tempo

4. Considerações de política criminal – lei penal e lei processual penal

1
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

O crime é o comportamento que está previsto na lei penal e processual penal. Deste modo, uma
das abordagens da criminologia é o estudo da descriminalização e criminalização das condutas
que procura perceber porque certos comportamentos são crimes e outros não, porque
consideramos um determinado comportamento como crime num momento e depois já não e vice-
versa.

5. Resposta da sociedade ao crime

Esta é uma abordagem que se debruça sobre a forma como os serviços, as entidades e os órgãos
respondem ao crime, sendo que estas instâncias, na prática, levam a acabo as nossas escolhas
sociais de resposta ao crime. Deste modo, esta abordagem pretende perceber como essas
instâncias formais de controlo do crime reagem perante o mesmo, de que recursos dispõem, que
trabalho realizam, como abordam o fenómeno criminal e qual o resultado da sua ação.

Assim, vemos que é objeto da criminologia o funcionamento desse tipo de serviços, como os
tribunais e as prisões.

6. Vitimologia

Com o estudo da evolução do crime, como este aumenta, diminui, como se desenvolve ao longo
do tempo, surgiu dentro dos efeitos do crime uma preocupação muito grande com a vítima
emergindo assim a vitimologia.

É de notar que as instâncias informais, como a comunicação social, influenciam todas as


abordagens anteriores.

Tendo em conta estas abordagens, percebemos que estes são então os objetos da criminologia,
verificando-se o estudo das interações entre os diversos sujeitos e contextos.

Por um lado, as ciências forenses, em termos de disciplina científica, vão dever parte da sua
importância a questões que dizem respeito ao estudo de fatores biológicos, psicológicos, psíquicos
e a qualquer outra circunstância que possa indiciar a prática de um facto que é crime. Por outro
lado, na sua outra vertente, as ciências forenses dirigem-se ao conjunto de instâncias,
procedimentos e regras que é preciso observar para apurar estes factos criminais através daquilo
que se designa por perícias e exames médico-legais e forenses que fazem parte destas ciências.

As ciências forenses são assim um instrumento de investigação criminal e estão relacionadas com
a produção de prova pericial, sendo que quando falamos de ciências forenses fala-se
essencialmente da questão da prova na administração da justiça penal.

2
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

A PROVA NA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA

As ciências forenses existem porque são úteis, necessárias e imprescindíveis para afirmar que
algo efetivamente aconteceu.

Segundo o art. 341º CC, provar algo é demonstrar a realidade dos factos. Isto é, provar/demonstrar
que as coisas se passaram de determinada forma. Deste modo, provar significa formar a convicção
de quem tem de decidir, nomeadamente o juiz e os órgãos criminais.

No entanto, este objetivo de convencer uma autoridade que atribui essas consequências legais não
é uma ideia e concretização do novo, mas sim algo muito antigo. Já em 1700 A.C existia um
código – código de Hamurabi – que estava inscrito numa pedra que era um código de conduta e
procedimentos da justiça.

Também na bíblia sagrada – Antigo Testamento (1300 A.C – 0) – verifica-se esta situação da
prova, na seguinte passagem:

“Rei Salomão, julgando a causa de duas mulheres prostitutas que moravam juntas e que tinham
dado à luz recentemente.

− Então vieram duas mulheres prostitutas ao rei, e se puseram perante ele.


− E disse-lhe uma das mulheres: Ah, meu senhor! eu e esta mulher moramos na mesma
casa; e tive um filho, estando com ela naquela casa.
− E sucedeu que, no terceiro dia depois do meu parto, também esta mulher teve um filho.
Estávamos juntas; nenhum estranho estava connosco na casa; somente nós duas
estávamos ali.
− Ora durante a noite morreu o filho desta mulher, porquanto se deitara sobre ele.
− E ela se levantou no decorrer da noite, tirou do meu lado o meu filho, enquanto dormia a
tua serva, e o deitou no seu seio; e a seu filho morto deitou-o no meu seio.
− E, levantando-me eu pela manhã, para dar de mamar a meu filho, eis que estava morto;
mas, atentando eu para ele à luz do dia, eis que não era o filho que me nascera.
− Então disse a outra mulher: Não, mas o vivo é meu filho, e teu filho o morto. Replicou a
primeira: não; o morto é teu filho, e meu filho o vivo.

Assim falaram perante o rei.

− Então disse o rei: Esta diz: Este que vive é meu filho, e teu filho o morto; e esta outra diz:
Não, o morto é teu filho e meu filho o vivo.

3
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

− Disse mais o rei: Trazei-me uma espada. E trouxeram uma espada diante do rei.
− E disse o rei: Dividi em duas partes o menino vivo; e dai metade a uma, e metade a outra.
− Mas a mulher, cujo filho era o vivo, falou ao rei (porque as suas entranhas se lhe
enterneceram por seu filho), e disse: Ah, senhor meu! dai-lhe o menino vivo, e de modo
nenhum o mateis. Porém a outra disse: Nem será meu, nem teu; dividi-o.
− Respondeu, então, o rei: Dai à primeira o menino vivo, e de modo nenhum o mateis; ela
é sua mãe.
− E todo o Israel ouviu a sentença que o rei proferira, e temeu ao rei; porque viu que havia
nele a sabedoria de Deus, para fazer justiça”.

Este é um caso onde era necessário meio de prova, uma vez que tínhamos a palavra de uma
contra a outra.

A preocupação e a dificuldade da prova consiste no facto de que demonstrar a realidade dos factos
é importante porque não queremos imputar ao indivíduo factos mais gravosos do que os que
praticou ou factos que não praticou ou factos menos graves do que aqueles que praticou, isto
porque a reação social ao crime implica um constrangimento dos direitos fundamentais do ofensor
(e.g. pena de prisão → constrangimento do direito à liberdade) e, por isso, é necessário ter especial
cuidado neste âmbito da prova.

MEIOS DE PROVA

Os meios de prova consistem na apreciação de evidências de crime e na produção de prova sobre


determinado facto, ou seja, na forma como se demonstram a realidade dos factos, como se
consegue convencer o juiz de que as coisas ocorreram de determinada maneira.

Processo civil Processo penal


Prova por documentação Prova testemunhal: declarações de pessoas
que viram ou conhecem algo sobre os factos.
Prova por confissão das partes Prova por declaração do arguido, do assistente
e das partes civis
Prova por declaração de parte Prova por acareação: confrontação das
versões distintas das testemunhas.

4
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

Prova pericial Prova por reconhecimento de tudo o que esteja


relacionado com o crime, como pessoas ou
objetos.
Inspeção judicial Reconstituição do facto: ocorre quando em
determinado momento da investigação
coloca-se todos os intervenientes dos factos
no lugar em que estes ocorreram e reconstitui-
se as ocorrências que estão em apreciação.
Prova testemunhal Prova pericial serve para convencer a
autoridade judiciária de que as coisas
ocorreram de determinada forma. A prova
pericial consiste no conjunto de
conhecimentos técnicos científicos que damos
à autoridade judiciária para que decida dos
factos.
Prova documental serve para o juiz se
convencer de determinado facto a partir da
mera observação de determinado documento.

PROVA PERICIAL (MÉDICO-LEGAL E FORENSE)

A prova pericial tem lugar quando a apreciação dos factos exigir especiais conhecimentos
técnicos, científicos ou artísticos (art. 151º CPP).

A obtenção da prova pericial médico-legal está condicionada pela organização dos serviços
especializados que realizam as perícias médico-legais e, sobretudo no domínio penal, pela
articulação com as restantes instâncias formais de controlo (atendendo à especificidade dos atos
cautelares urgentes para deteção e recolha dos vestígios do crime). Mas, independentemente das
vicissitudes inerentes às formas da sua concreta obtenção, a prova pericial assume fundamental
importância enquanto meio de materialização da prova e de lhe conferir credibilidade.

No âmbito civil (no processo civil), a força probatória das respostas dos peritos é fixada
livremente pelo tribunal (cf. art. 389º do Código Civil) – vigora aqui, sem exceções, o princípio
da prova livre. Por igual, é afirmado no processo civil, a propósito do valor das perícias, o
princípio da livre apreciação da prova pelo tribunal (artigo 591º do Código de Processo Civil).

Assim, segundo o princípio da livre apreciação da prova, salvo quando a lei dispuser
diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da

5
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

entidade competente (art. 127º CPP). Contudo, no domínio penal, o juízo técnico, científico ou
artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador e quando
este divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência (art.
163º CPP). Pode ainda, eventualmente, a posição dos peritos ser questionável pela sua falta de
clareza, tornando inútil o seu testemunho.

No entanto, “a regra da livre apreciação da prova em processo penal (…) não se confunde com
apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova, de todo em todo imotivável”. Assim,
“o julgador, ao apreciar livremente a prova, ao procurar através dela atingir a verdade material,
deve observância às regras da experiência comum utilizando como método de avaliação e
aquisição do conhecimento critérios objetivos, genericamente suscetíveis de motivação e
controlo”.

Deste modo, “a livre convicção não significa liberdade não motivada de valoração, mas constitui
antes um modo não estritamente vinculado de valoração da prova e de descoberta da verdade
processualmente relevante, isto é, uma conclusão subordinada à lógica e à razão e não limitada
por prescrições formais exteriores” (Ac. STJ de 9/2/2005).

O juízo pericial não tem, pois, um valor probatório pleno, mas um valor presuntivamente pleno –
presunção que pode ceder perante uma contraprova. Ora, sendo a contribuição da perícia médico-
legal, no domínio penal, fornecer à autoridade judiciária indicações quanto ao caminho a seguir
em termos de investigação criminal e de fundamentação da decisão, tais indicações revelam-se
preciosas, atento o valor conferido à prova pericial.

Graças à referida presunção de subtração da prova pericial à livre apreciação do julgador, pode a
perícia médico-legal, atendendo à sua natureza técnica e científica e à sua grande especialização,
superar outros meios de prova recolhidos durante a investigação, dos quais se destaca a «prova
testemunhal» (declarações da vítima, do arguido e os depoimentos das testemunhas). Ou seja,
uma eficaz intervenção dos serviços médico-legais pode (obviamente salvaguardada a
especificidade de cada caso), depender sobretudo das declarações da vítima e do exame da vítima,
bem como do exame do arguido, devido à inexistência de outros meios de prova ou à sua diminuta
fiabilidade.

Os meios de prova em processo penal valem o mesmo: a entidade competente (MP, juiz de
instrução e o tribunal de julgamento) aprecia-as segundo as regras da experiência e a sua livre
convicção, salvo quando a lei disponha diferentemente (art. 127º CPP).

O juiz pode ter uma interpretação dos factos muito diferente daquela que é descrita no relatório
pericial. Por exemplo, temos uma infeliz vítima (homicídio, agressão…) e sobre esse
acontecimento temos a testemunha que nos diz que essa ação foi efetuada em determinado

6
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

contexto por determinada pessoa. E temos uma outra testemunha que nos diz que essa ação foi
praticada por outra pessoa em outras circunstâncias. A partir desta explicação como é que o
julgador forma a sua convicção?

A lei diz-nos que o legislador aprecia a prova segundo a sua livre convicção.

Neste caso temos dois meios de prova – pericial e testemunhal. A apreciação da prova faz-se
sempre através de um conjunto de meios de prova possíveis que provêm de diferentes fontes. A
apreciação do conjunto dos meios de prova é feita segundo a convicção do julgador, contudo o
juízo científico inerente à perícia encontra-se subtraído aquela livre convicção.

A valoração da perícia médico-legal/forense na apreciação dos factos

7
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

Deste modo, quando a apreciação de determinado facto, no âmbito do esclarecimento de uma


questão jurídica, envolve especiais conhecimentos de natureza médica ou biológica, há lugar a
perícia médico-legal, obrigatória nos termos do art. 151º do Código do Processo Penal – Ac. Do
STJ de 9-5-1990.

Assim, quando é necessário resolver uma questão, que nem os tribunais nem os polícias têm
conhecimento especializado, é necessário recorrer a estes conhecimentos especializados →
Ciências ≠ Direito.

Todos os momentos, instrumentos e vias adequadas para convencer o juiz de determinado facto
estão previstas na lei de acordo com o princípio da legalidade. No entanto, para além das perícias
estarem previstas na lei, estas são obrigatórias quando o juiz carece de informação especializada
e, por isso, tem o dever de se dirigir ao instituto de medicina legal e ciências forenses, ou seja,
aos peritos. Assim, as perícias, embora existam como meio privilegiado, são obrigatórias no
sentido em que o juiz não pode substituir essa informação por outra em determinados casos.

Deste modo, quando temos um facto, como uma morte, vestígios de sangue em virtude de um
assalto, questões de saúde mental do arguido ou da vítima, ou seja, quando é preciso apreciar
factos que requeiram especiais conhecimentos técnicos e científicos, designadamente médicos e
biológicos ou de outras ciências recorre-se a perícias que são realizadas por peritos, sendo que há
um conjunto de normas que estão no CPP que dizem que os serviços médico-legais e forenses e
o laboratório de polícia científica da polícia judiciária e criminalística da PSP e da GNR são
obrigados a intervir nestes casos – princípio da legalidade.

Esta prova pericial diz-se médico-legal (ou/e forense) porque, precisamente, assenta na aplicação
de um conjunto de conhecimentos médicos e biológicos através da qual se visa apreciar
determinado facto, auxiliando o julgador no esclarecimento de determinados pressupostos para a
aplicação do Direito no caso concreto.

Esses peritos dominam um conjunto de saberes que constituem as ciências forenses, saberes que
visam explicar factos para os quais os tribunais não são especializados tendo por isso que recorrer
a parceiros. Alguns exemplos desses saberes das ciências forenses são:

• Genética e biologia forenses


• Clínica forense (avaliação do dano corporal e psiquiatria e psicologia forense)
• Patologia forense
• Exame da cena do crime
Medicina Legal
• Entomologia e palinologia forenses

8
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

• Criminalística e outras
• Toxicologia forense
• Antropologia e odontologia forenses

Assim, todo o conjunto de saberes científicos que vão produzir conhecimento para terceiros pode
ser entendida como uma ciência forense.

A ORGANIZAÇÃO MÉDICO-LEGAL PORTUGUESA

MEDICINA LEGAL PORTUGUESA

Em 1836, foi criada, na faculdade de medicina de Coimbra, a cadeira de medicina forense,


Hygiene Publica e Policia Medica que se focava no estudo do cadáver para averiguar a causa da
morte.

Posteriormente, em 1863, foi criada nas Escolas Médicas de Lisboa e Porto a Cadeira de Hygiene
Publica e Policia Legal.

A contribuição das perícias médico-legais para os tribunais começa a surgir com as recém-criadas
faculdades de medicina. Só mais tarde em 1899 foram criadas as morgues, o local onde se
depositavam os cadáveres e onde se realizavam também os exames aos mesmos.

Já em 1918 foram criados institutos de medicina legal que eram autónomos, ainda que
dependentes das faculdades de medicina, mas que se dirigiam a um conjunto mais amplo e
diversificado de disciplinas científicas. Estes permaneceram assim até 1998, passando a realizar-
se um conjunto de exames e perícias mais complexos com um conjunto de novas tecnologias.

Por sua vez, em 2000, foi criado um único instituto nacional de medicina legal, sendo que em
2014, houve um reforço das competências forenses, balística, criminalística, que eram apenas
competências da PJ. Este instituto passou assim a assumir a designação de Instituto Nacional de
Medicina Legal e Ciências Forenses.

INSTITUTO NACIONAL DE MEDICINA LEGAL E CIÊNCIAS FORENSES

Em Portugal, relativamente às áreas afins da biologia ou das ciências naturais em geral temos uma
instituição, o Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, que tem quase o
monopólio legal da realização dos exames e perícias sobre determinados factos e pessoas.
Contudo, este instituto não tem o completo monopólio legal, tendo associado o laboratório

9
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

científico da PJ e diversos órgãos de polícia criminal que realizam também exames e perícias,
como por exemplo a análise a pegadas e os rastreios a substâncias proibidas.

Assim, o regime de monopólio legal não significa que é esta instituição a fazer todas as perícias
e exames, significa sim que o juiz e o MP têm obrigatoriamente de pedir a esta instituição a sua
intervenção. Isto porque, em concreto, o instituto não tem a capacidade ou competência para fazer
todas as perícias que o tribunal solicita e, por isso, o instituto ou contrata pessoas ou máquinas ou
indica ao tribunal qual é a instituição que está melhor vocacionada para realizar o tipo de perícias
e exames que são solicitados, mas é obrigatório passar sempre pelo instituto.

Os momentos e as formas das perícias legais estão previstos em normas processuais, ou seja, na
lei. A intervenção das ciências forenses conduz e influencia o desfecho processual de cada caso.
Assim, a importância da intervenção das ciências forenses na apreciação dos factos coloca-se
desde logo na prestação de informação ao MP, na apreciação dos factos do MP e dos tribunais.

As competências e as obrigações dos serviços médico-legais encontram-se reguladas na sua lei


orgânica, aprovada pelo Decreto-lei n.º 166/2012, de 31 de julho, nos Estatutos do INMLCF,
aprovados pela Portaria n.º 19/2013, de 21 de janeiro, e pelo conjunto de normas que
regulamentam a realização de perícias médico-legais e forenses, inscritas na Lei n.º 45/2004, de
19 de agosto.

Da estrutura organizativa do INMLCF, destacam-se os seguintes órgãos:

a) Conselho Diretivo;
b) Conselho Médico-Legal.
c) Fiscal único.

Para efeito de intervenção dos serviços médico-legais ao nível da prova pericial, o território
nacional encontra-se dividido em três zonas geográficas – que constituem as áreas territoriais das
três delegações do INMLCF, – com sede em Lisboa, Porto e Coimbra – e que correspondem,
genericamente, às áreas dos correspondentes Distritos Judiciais. De entre os diversos órgãos e
serviços do INMLCF, assumem especial destaque, precisamente, as Delegações do INMLCF, que
são as instituições de suporte da atividade pericial médico-legal no nosso país, cabendo-lhes, pois,
proceder aos exames e perícias de medicina legal tendo em vista coadjuvar os tribunais na
administração da justiça. Nessa função de apoio pericial, e de acordo com as regras de
competência territorial e material dos serviços técnicos das delegações, compete a cada uma das
delegações realizar:

a) autópsias médico-legais, tendo como objetivo esclarecer a causa da morte e as


circunstâncias em que esta ocorreu, nos casos de morte violenta ou de causa ignorada,

10
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

estabelecendo-se o designado diagnóstico diferencial entre morte natural, suicídio,


homicídio e acidente (e ainda outros exames cadavéricos, por ex. de antropologia forense,
seja para fins de diagnóstico diferencial da causa da morte, seja para fins de
identificação);
b) exames e perícias em pessoas para descrição e avaliação dos danos provocados na
integridade psicofísica, nos diversos domínios do direito, designadamente no âmbito do
direito penal, civil e do trabalho;
c) perícias e exames laboratoriais químicos e toxicológicos;
d) perícias e exames laboratoriais bacteriológicos de hematologia forense e dos demais
vestígios orgânicos, nomeadamente os exames de investigação biológica da filiação e de
criminalística biológica;
e) perícias e exames psiquiátricos e psicológicos;
f) perícias e exames de anatomia patológica forense.

No âmbito de cada delegação e nas zonas fora da respetiva competência territorial exclusiva
funcionam Gabinetes Médico-Legais, que são serviços periféricos das respetivas delegações –
diretamente dependentes destas – nas localidades de maior movimento pericial, aos quais compete
a realização, nas comarcas integradas na sua área de atuação, das perícias de tanatologia forense
e dos exames e perícias em pessoas, para descrição e avaliação dos danos provocados no corpo
ou na saúde, no âmbito do direito penal, civil e do trabalho.

As Delegações compreendem vários Serviços Técnicos, aos quais competem as seguintes


atividades:

1. Serviço (unidade) de Patologia Forense

A este serviço cabe a:

• Realização de autópsias médico-legais respeitantes aos óbitos verificados nas comarcas


do âmbito territorial de atuação da delegação em questão.
• Identificação de cadáveres e de restos humanos, estudo de peças anatómicas e
embalsamamentos.
• Realização de perícias e exames de anatomia patológica forense no âmbito das atividades
da delegação e dos gabinetes médico-legais que se encontrem na sua dependência, bem
como a solicitação dos tribunais, da Polícia Judiciária, da Polícia de Segurança Pública,
da Guarda Nacional Republicana da respetiva área, e do presidente do conselho diretivo.

2. Serviço (unidade) de Clínica Médico-legal

11
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

A este serviço cabe a realização de exames e perícias em pessoas:

• Para descrição e avaliação dos danos provocados na integridade psicofísica, nos diversos
domínios do Direito, designadamente no âmbito do Direito Penal, Civil e do Trabalho,
nas comarcas do âmbito territorial de atuação da delegação.
• De natureza psiquiátrica e psicológica forenses.
• Outros atos neste domínio, designadamente avaliações de natureza social.

Relativamente à área de psiquiatria forense, a esta cabe:

• Realização de perícias e exames psiquiátricos e psicológicos solicitados à delegação.


• Sem prejuízo da competência territorial das delegações nesta matéria, os exames e
serviços solicitados poderão ser distribuídos pelos diversos serviços de saúde que, de
acordo com a lei em vigor, possuam competência para a sua realização.

3. Serviço de Toxicologia Forense

Assegurar a realização de perícias e exames laboratoriais químicos e toxicológicos no âmbito das


atividades da delegação e dos gabinetes médico-legais que se encontrem na sua dependência, bem
como a solicitação dos tribunais, da Polícia Judiciária, da Guarda Nacional Republicana da
respetiva área, e do Presidente do Conselho Diretivo.

4. Serviço de Genética e Biologia Forense

A este serviço cabe a realização de perícias e exames laboratoriais de hematologia forense e dos
demais vestígios orgânicos, nomeadamente os exames de investigação biológica de paternidade
ou outros, no âmbito das atividades da delegação e dos gabinetes médico-legais que se encontrem
na sua dependência, bem como a solicitação dos tribunais, da Polícia Judiciária, da Guarda
Nacional Republicana da respetiva área, e do Presidente do Conselho Diretivo.

5. Serviço de Tecnologias Forenses e Criminalística

A este serviço cabe assegurar, a nível nacional, no âmbito dos diversos domínios do direito, e das
atividades das delegações e dos gabinetes médico-legais, bem como a solicitação das autoridades
para o efeito competentes, a pesquisa, registo, colheita e tratamento de vestígios, e a realização
de perícias nas diferentes áreas das ciências forenses não enquadráveis nas competências dos

12
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

restantes serviços técnicos, designadamente e entre outras, no âmbito da análise de escrita e


documentos, balística e física.

Assim, as principais áreas disciplinares que se realizam neste instituto e que se dirigem ao maior
número de ocorrências de criminalidade dirigida contra pessoas são:

1. Patologia Forense ou Tanatologia Forense

A Patologia forense é a área que estuda a causa da morte. As suas perícias principais são as
autópsias médico-legais, a identificação de cadáveres e restos humanos, o estudo de peças
anatómicas e os embalsamamentos que servem, no fundo, para dar informações aos tribunais.

Contudo, os embalsamamentos não são uma perícia, mas sim um conjunto de técnicas que visam
a conservação do cadáver, eliminando os fenómenos de decomposição do mesmo, sendo que isto
faz-se, muitas vezes, para efeito de transporte dos cadáveres após a autópsia. Assim, não é uma
perícia forense porque não tem como objetivo esclarecer o tribunal de nenhum facto.

A finalidade da patologia forense passa por:

• Identificar, caracterizar, descrever e interpretar lesões e vestígios.


• Colher e preservar vestígios. Por exemplo, num caso de esfaqueamento temos um corte
que é a lesão e os vestígios são restos de sangue que ressaltam para outra parte do corpo.
Poderá ainda verificar-se pedaços de tecidos.
• Determinar a data da morte.
• Determinar circunstâncias, mecanismo e causa da morte, sendo que podemos referir
quatro grandes contextos da morte, isto é, a morte pode ocorrer por causas naturais,
homicídio, suicídio ou acidente.

Assim, tendo em conta as finalidades da patologia forense é visível que o objetivo da autópsia
não é apenas esclarecer a causa da morte. Por exemplo, imaginando que alguém é baleado e morre.
Neste caso, um polícia experiente conclui que a causa da morte é uma hemorragia causada pela
bala. Assim, aqui a causa da morte pode ser facilmente determinada, mas para a investigação
criminal, mais importante do que saber do que a pessoa morreu, neste caso a hemorragia causada
pela bala, é saber e apurar as circunstâncias e o contexto em que o facto foi produzido e quem o
praticou. Deste modo, pode apurar-se, por exemplo, a que distância foi cometido o disparo, se só
ocorreu um disparou ou mais, em que posição estava o corpo quando baleado, etc. A autópsia
serve assim para explicar o contexto em que a agressão se produziu, sendo que tudo o que
alegamos tem de ser demonstrado e comprovado em tribunal.

13
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

Inclui-se ainda no âmbito da patologia forense perícias e exames de anatomia patológica forense,
nomeadamente o estudo microscópio de tecidos do cadáver.

2. Investigação da cena do crime

Esta é uma área disciplinar nas ciências forenses que pela sua importância tem vindo a ter cada
vez mais relevância. Esta permite a identificação e o estudo de vestígios da cena/local do crime.
Assim, esta área visa identificar, descrever, interpretar, colher e preservar vestígios.

Um exemplo do trabalho nesta área é a fotografia do local do crime que é feita para perceber o
cenário do crime, uma vez que quando são recolhidos os vestígios do local do crime estes são
removidos do local e, por isso, a fotografia ajuda a ter uma ideia e perspetiva do que aconteceu
na cena de crime.

Artigo 16º, nº1 da lei 45/2004, de 19-8 – Óbito ocorrido fora de instituições de saúde (em
situações e morte violenta ou de causa ignorada)

Cabe à autoridade policial:

a) inspecionar e preservar o local;


b) comunicar o facto, no mais curto prazo, à autoridade judiciária competente, relatando-lhe os
dados relevantes para averiguação da causa e das circunstâncias da morte que tiver apurado;
c) providenciar, nos casos de crime doloso ou de suspeita de crime doloso, pela comparência de
perito médico em serviço de escala, o qual procede à verificação do óbito e ao exame dos
vestígios.

3. Clínica Forense

A clínica forense é a área que explica factos de natureza psíquica e psicológica e estuda o estado
de saúde das pessoas. Esta é uma área direcionada ao auxílio da autoridade judicial e, por isso se
denomina de clínica forense.

A clínica forense partilha alguns aspetos com a patologia forense, sendo as suas principais perícias
as perícias em pessoas para descrição e avaliação dos danos na integridade psicofísica, no âmbito
do direito penal, civil e do trabalho e as perícias para avaliação do estado de toxicodependência,
avaliação psiquiátrica, psicológica, etc.

Por sua vez, a finalidade da clínica forense passa por:

14
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

• Avaliar os efeitos do crime na pessoa, isto é, os danos temporários e permanentes que


resultaram do crime, para permitir que o MP ou o juiz tenham conhecimento que estamos
perante determinado tipo de crime e que determinado indivíduo é o seu autor, sendo que
na área da clínica forense podemos ter casos em que se verifica que o autor é inimputável.
• Estabelecer o nexo de causalidade entre traumatismo e danos, isto é, explicar as lesões e
os danos que resultaram do crime através de determinados mecanismos que o permitam.
• Colher e preservar vestígios. Um método de recolha de vestígios é a zaragatoa através da
qual se podem recolher vestígios de saliva ou sangue, por exemplo. Associado a este
método de recolha de vestígios, assim como a todos os exames, está a cadeia de custódia
que consiste em assegurar que o produto que é colhido e acondicionado é o produto que
chega às instalações, em boas condições, para ser examinado. Esta cadeia aplica-se assim
a todos os exames e inicia-se com a recolha dos vestígios.

Na clínica forense incluem-se duas áreas:

1. Psiquiatria
• Diagnóstico de doença ou anomalia
• Imputabilidade
• Perigosidade
• Dano pós-traumático

2. Psicologia
• Estudo e apoio às vítimas
• Perícias à personalidade
• Avaliação psicológica
• Avaliações psicométricas (uso de testes estandardizados, quando se justifica)
• Avaliações neuropsicológicas
• Avaliação da capacidade de custódia parental
• Autópsia psicológica
• Psicologia do testemunho

4. Toxicologia Forense

A toxicologia forense é a ciência ou área disciplinar que trata do estudo, pesquisa, identificação
e análise de tóxicos e da sua ação no organismo. O grosso das suas competências de intervenção

15
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

dirige-se à pesquisa e doseamento de tóxicos, como o álcool, drogas de abuso, medicamentos,


pesticidas ou outros tóxicos.

Por sua vez, a toxicologia forense:

• Aplica-se no contexto de fiscalização da condução rodoviária, sendo que esta segue


procedimentos formais e específicos que dizem como se devem fazer as análises dos
produtos biológicos.
• É uma área disciplinar de apoio à patologia forense, uma vez que para esclarecer a causa
da morte precisamos da informação sobre a existência de tóxicos no organismo, dado
que, por exemplo, a pessoa pode ter sido envenenada.
• É uma ciência coadjuvante da clínica forense na avaliação do estado de
toxicodependência, nos quais se usam procedimentos analíticos relativos aos exames de
triagem.

5. Genética Forense

Esta área disciplinar divide-se:

• Na criminalística biológica que consiste, por exemplo, em identificar um determinado


produto, como o sangue, que está num determinado objeto e depois comprar os perfis de
ADN no sangue para ver se é compatível com o do suspeito.
Nesta área, os produtos biológicos mais utilizados são o sangue, a saliva e cabelos, sendo
que estes são muito utilizados em investigação de filiação, ou seja, investigação de
maternidade ou de paternidade com o objetivo de determinar a existência de parentesco.
Por sua vez, em cenários de confusão ou de sobreposição de produtos biológicos é
necessário conseguir separar, recolher e analisar os diferentes produtos biológicos e
diferenciá-los entre si.

• Na identificação genética individual à qual se socorre quando queremos identificar um


cadáver que não se sabe quem é. Assim, a genética forense pretende a identificação
individual através de amostras biológicas como restos de cadáveres, suspeitos e amostras
de toxicologia ou antropologia forense.

6. Intervenções Multidisciplinares

16
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

Na maior parte dos casos, as intervenções periciais são multidisciplinares, ou seja, requerem a
intervenção de mais do que uma ciência forense, sendo esta uma intervenção completa e
complexa. Por exemplo, a investigação de uma causa de morte ou um exame a uma vítima de
violação implicam uma intervenção multidisciplinar, uma vez que nestes casos há mais vestígios
e, por isso, mais disciplinas são chamadas a intervir no caso.

O modus operandi, isto é, as regras de realização e elaboração dos exames e as perícias, como
por exemplo uma zaragatoa, e as técnicas analíticas de como se devem utilizar determinados
exames e perícias decorrem da realização científica que se vai fazendo através da PJ, do Instituto
de Medicina Legal e Ciências Forenses e de institutos internacionais sobre estas áreas. Assim,
decorrendo desta permanente atualização e acompanhamento do que é decidido pelas instâncias
nacionais e internacionais, as instituições nacionais aprovam recomendações para a realização
correta dos exames e das periciais.

Algumas das normas procedimentais em vigor no Instituto Nacional de Medicina Legal e


Ciências Forenses para realizar os exames e as perícias são:

• Recomendações gerais para a realização de relatórios periciais de clínica forense relativos


ao dano pós-traumático.
• Recomendações para a realização de relatórios periciais de clínica forense no âmbito do
direito do trabalho.
• Recomendações para a realização de relatórios periciais de clínica forense no âmbito do
direito civil.
• Recomendações para a realização de relatórios periciais de clínica forense no âmbito do
direito penal.
• Recomendações gerais para a realização de exame em casos de suspeita de violência
doméstica, maus tratos ou crimes sexuais contra crianças.
• Recomendações quanto aos procedimentos gerais de realização de autópsia.
• Recomendações para colheita e acondicionamento de amostras em toxicologia forense.
• Recomendações gerais sobre fotografia forense.
• Recomendações para a gestão de vestígios forenses.
• Recomendações gerais para a realização do exame do corpo no local.
• Recomendações gerais sobre questões éticas e legais no caso de perícias de natureza
sexual penais.
• Recomendações sobre as instalações, equipamento e material para a realização de exame
médico forense em casos de alegada agressão sexual.

17
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

• Recomendações para a recolha da história médica forense em casos de alegada agressão


sexual.
• Recomendações para a realização de exame físico e recolha de vestígios em vítimas de
alegada agressão sexual.
• Normas específicas de recolha de amostras no âmbito da base de dados de perfis de ADN.

Competências dos Serviços Médico-legais e da Polícia Judiciária em matéria de perícias em


produtos biológicos (Lei nº45/2004, de 19 de agosto)

Os exames de genética no âmbito da biologia e toxicologia forenses são obrigatoriamente


solicitados à delegação do instituto da área territorial do tribunal ou da autoridade policial que os
requer, exceto os exames de genética no âmbito da criminalística biológica que podem ser também
solicitados ao Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária.

Assim, a criminalística é o conjunto de áreas disciplinares e científicas e técnicas que se dedicam


e se dirigem à identificação da atividade humana ou da presença humana em determinado local.
Um exemplo da criminalística biológica é a análise de uma mancha de sangue identificada no
local do crime.

• Artigo 2º – Realização de perícias

1- As perícias médico-legais são realzaidas, obrigatoriamente, nas delegações e nos gabinetes


médico-legais do Instituo Nacional de Medicina Legal, adiante designado por Instituto, nos
termos dos respetivos estatutos.

Excecionalmente, ou face à especificidade das perícias, o Instituto de Medicina Legal e Ciências


Forenses contrata entidades terceiras, públicas ou privadas, ou indica-as ao tribunal. Em

18
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

circunstâncias equivalentes será dada preferência a serviços públicos ou integrados no Serviço


Nacional de Saúde. Assim, esta competência determina que as perícias que são pedidas pela
polícia, MP ou tribunais são feitas no instituto, mas se esta entidade não o puder fazer por qualquer
motivo (por exemplo, não tem especialistas na área ou técnicos) o que o instituto faz é contratar
pessoas para desempenhar aquela função.

Os exames em pessoas e/ou para o estado de saúde são perícias da clínica forense que só podem
ser elaboradas por médicos.

• Artigo 5º, nº 5 – Sujeição às orientações técnicas do INMLCF

Os peritos do Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses e as entidades às quais este defira
os exames médico-legais encontram-se obrigados a respeitar as normas, modelos e metodologias
periciais em vigor no Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses, bem como as
recomendaçoes decorrentes da supervisao técnico científica dos serviços.

FUNDAMENTOS PROCESSUAIS DA INTERVENÇAO PERICIAL MÉDICO-LEGAL


E FORENSE

Os atos que legitimam a intervenção pericial e quem pode pedir a realização dos exames e perícias
são os seguintes:

1. Mediante despacho da autoridade judiciária competente

O primeiro ato legitimador dos exames e perícias é a existência de um despacho da autoridade


judiciária competente, ou seja, do MP. Esta intervenção pode ser oficiosa, ou seja, pela sua livre
iniciativa ou a requerimento, por exemplo da vítima ou do arguido, nos termos da lei de processo
(cf. o art. 3º, nº1, da Lei nº45/2004, de 19 de agosto).

Se não existir um despacho corremos o risco de, ao realizar a perícia, estarmos a praticar um
crime. A intervenção dos peritos recai sempre sobre cadáveres, pessoas, coisas, objetos ou
vestígios biológicos. No entanto, se essa intervenção não tiver enquadramento processual
constitui uma violação do direito fundamental e uma ofensa ao direito da pessoa.

2. Mediante solicitação dos órgãos de polícia criminal

19
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

Os Órgãos de Polícia Criminal podem pedir todas as perícias na prossecução das suas atribuições
legais e nos termos de competências próprias ou delegadas pela autoridade judiciária competente
(cf. Art.2º da Lei de Investigação Criminal – Lei nº49/2008, de 27 de agosto, e circular da PGR
nº6/2002, de 8 de março), exceto a perícia que envolva a realização de autópsia médico-legal,
bem como a prestação de esclarecimentos e realização de nova perícia nos termos do art. 158º do
CPP (art. 270º, nº2, do CPP).

3. Prática de atos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova

No âmbito do art. 4º da Lei nº45/2004, de 19 de agosto, os serviços médico-legais podem receber


denúncias de crimes, no âmbito da atividade pericial que desenvolvam, devendo remetê-las no
mais curto prazo ao Ministério Público.

Para além disso, sempre que tal se mostre necessário para a boa execução das perícias médico-
legais, os serviços médico-legais podem praticar atos cautelares necessários e urgentes para
assegurar meios de prova, procedendo, nomeadamente, ao exame, colheita e preservação dos
vestígios, sem prejuízo das competências legais da autoridade policial à qual competir a
investigação.

Assim, verifica-se que existem três conjuntos de atos que legitimam a intervenção dos serviços
médico legais, nomeadamente haver um despacho da autoridade judiciária competente, uma
solicitação de órgão de polícia criminal e/ou atos periciais urgentes. É, deste modo, necessária a
presunção de legalidade dos atos processuais que determinaram a presença do examinado nos
serviços médico-legais para exame pericial.

Contudo, verifica-se ainda um quarto ato que é o consentimento do examinando, ou seja, da


vítima, sendo que este é necessário, devendo, por isso, verificar-se sempre. Este consentimento
deve ser expresso, isto é, deve ser dado por escrito. Assim, há um dever de cooperação das pessoas
(examinandas) na descoberta da verdade.

Declaração de consentimento para a realização de exame médico forenses em caso de suspeita


de agressão sexual

Declaro que me foi prestada informação detalhada quanto ao exame a ter lugar, bem como ao
objetivo do mesmo.

20
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

O exame inclui observação física (designadamente da região anogenital), obtenção de fotografias,


e colheita de vestígios/peças de vestuário e/ou de amostras biológicas para exames laboratoriais;

Declaro que me foi prestada informação detalhada quanto ao exame a ter lugar, bem como ao
objetivo do mesmo. Compreendo que:

• O exame inclui observação física (designadamente da região anogenital), obtenção de


fotografias, e colheita de vestígios/peças de vestuário e/ou de amostras biológicas para
exames laboratoriais;
• Posso retirar o consentimento em qualquer altura da realização do exame ou consentir
apenas em partes da sua realização;
• A partir do exame será elaborado um relatório a enviar ao Ministério Público, a ser usado
como meio de prova;
• Nesse relatório podem constar dados pessoais e dados relativos à agressão (desde que
relevantes para a perícia), e que a recolha desses dados pode ser realizada no momento
do exame ou posteriormente a este;
• Se não autorizar a realização do exame, a prova da agressão pode ficar comprometida.

Critério para determinação da idade para prestação do consentimento pela própria vítima: 16
anos (e possuir o discernimento necessário para avaliar o seu sentido e alcance no momento em
que o presta) – artigo 38.º do Código Penal.

A ATIVIDADE PERICIAL FORENSE

EXAMES E PERÍCIAS DE MEDICINA LEGAL/FORENSE

A intervenção pericial médico-legal enquanto atividade probatória engloba dois momentos que
se podem autonomizar e que correspondem à realização de exames e de perícias.

Por um lado, o exame é um meio de obtenção da prova que consiste no ato de observação e
descrição de vestígios da prática de determinado facto, incluindo a respetiva recolha. O exame
permite um conjunto de constatações e subsequente formulação de conclusões que constituem a
perícia. Por exemplo, se recolher sangue de uma pessoa e o colocar num tubo que guardo estou a
fazer um exame, uma vez que há a recolha de informação que vai ser alvo posterior de análise e
discussão. Em termos metodológicos e cronológicos, o exame trata-se de uma fase inicial do
processo.

21
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

Por outro lado, a perícia é a aplicação de um conjunto de conhecimentos técnicos e científicos


que versa sobre aquilo que foi registado no exame. É assim a aplicação de métodos técnico
científicos na análise dos vestígios recolhidos através do exame, traduzindo um juízo, uma
elaboração mental mediante a qual o perito descobre ou aprecia os factos probandos.

No âmbito das perícias podemos distinguir as perícias médico-legais das perícias forenses. As
perícias médico-legais são as que se dirigem à apreciação de factos que são obrigatoriamente
apreciados pela medicina, ou seja, só podem ser realizadas por médicos, e têm como objetivo
servir como meio de convencimento dos juízes e de demonstração da verdade de factos. São
exemplos destas perícias as autópsias e exames de psiquiatria. Já as perícias forenses são todas
as outras perícias, ou seja, as que visam interpretar e dar informação sobre factos e conhecimentos
que fogem ao conhecimento que os juízes e os tribunais têm que não a medicina.

Por exemplo, no caso de uma morte que se suspeita que se deveu a um ato que constitui homicídio,
a principal perícia diz respeito ao estudo do cadáver para se perceber qual foi a causa da morte,
ou seja, quais foram as lesões que levaram a morte, sendo que a ciência forense que tem como
objeto o estudo do cadáver para compreensão da causa da morte é a patologia forense que é uma
ciência forense principal na investigação de homicídio. No entanto, há outras ciências forenses
que intervêm para ajudar a verificar a causa da morte, como a balística, no caso de haver uma
arma de fogo envolvida ou balas no corpo. Deste modo, a balística é auxiliar da perícia principal
que é a patologia forense.

Outro exemplo poderá estar relacionado com uma questão de perícia de violação em que temos
uma perícia principal que averigua o dano que resultou no corpo, mas depois pode haver uma
perícia para saber se a vítima estaria ou não alcoolizada e aí recorre-se a uma perícia de outra área
disciplinar que é a toxicologia. A toxicologia surge aqui como coadjuvante da perícia principal
que é uma perícia corporal.

Assim, verifica-se que as ciências forenses podem surgir como perícia principal ou articulando-
se com outras, sendo coadjuvantes.

Deste modo, o exame pericial é a expressão que visa qualificar a natureza do exame, distinguindo
a finalidade do mesmo de outros, como o exame clínico. Assim, quando falamos de exame
pericial ou de exame médico-legal, falamos da recolha e análise dos vestígios materiais de
determinado facto, civil ou criminal, momento indispensável para o surgimento da perícia; esta é
uma elaboração mental, um juízo científico que exige um exame (chamemos-lhe pericial ou
médico-legal) que lhe é anterior, do ponto de vista cronológico e metodológico. Ou seja, em geral,
quando falamos em perícia médico-legal estamos já a incluir nesta o respetivo exame; por seu

22
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

turno, quando falamos em exame, estamos a considerá-lo como uma fase ou parte integrante da
perícia, sem a qual o sentido útil daquele não existe.

ESPECIFICIDADES DA INTERVENÇÃO PERICIAL MÉDICO-LEGAL E


FORENSE

Enquanto serviços de apoio técnico aos tribunais e ao Ministério Público, na área da medicina
legal e de outras ciências forenses, os serviços médico-legais têm as sua regras de intervenção
fixadas nos Estatutos do INMLCF e na lei regulamentadora das perícias médico-legais, devendo
ainda considerar-se as diferentes disposições processuais aplicáveis à área do Direito em questão.

No domínio processual penal determina o artigo 159º do CPP (na redação que lhe foi dada pela
Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto), sob a epígrafe “Perícias médico-legais e forenses”:

1. As perícias médico-legais e forenses que se insiram nas atribuições do INML são


realizadas pelas delegações deste e pelos gabinetes médico-legais.
2. Excecionalmente, perante manifesta impossibilidade dos serviços, as perícias referidas
no número anterior podem ser realizadas por entidades terceiras, públicas ou privadas,
contratadas ou indicadas para o efeito pelo Instituto.
3. Nas comarcas não compreendidas na área de atuação das delegações e dos gabinetes
médico-legais em funcionamento, as perícias médico-legais e forenses podem ser
realizadas por médicos a contratar pelo Instituto.
4. As perícias médico-legais e forenses solicitadas ao Instituto em que se verifique a
necessidade de formação médica especializada noutros domínios e que não possam ser
realizadas pelas delegações do Instituto ou pelos gabinetes médico-legais, por aí não
existirem peritos com a formação requerida ou condições materiais para a sua realização,
podem ser efetuadas, por indicação do Instituto, por serviço universitário ou de saúde
público ou privado.
5. Sempre que necessário, as perícias médico-legais e forenses de natureza laboratorial
podem ser realizadas por entidades terceiras, públicas ou privadas, contratadas ou
indicadas pelo Instituto.
6. O disposto nos números anteriores é correspondente aplicável à perícia relativa a questões
psiquiátricas, na qual podem participar também especialistas em psicologia e
criminologia.
7. A perícia psiquiátrica pode ser efetuada a requerimento do representante legal do arguido,
do cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens ou da pessoa, de outro ou do
mesmo sexo, que com o arguido viva em condições análogas às dos cônjuges, dos

23
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

descendentes e adotados, ascendentes e adotantes, ou, na falta deles, dos irmãos e seus
descendentes.

Esta regulação específica da prova pericial encontra-se também na área do Direito Civil: o
respetivo Código de Processo Civil, no seu artigo 467.º, n.º 3, dispõe que “as perícias médico-
legais são realizadas pelos serviços médico-legais ou pelos peritos médicos contratados, nos
termos previstos no diploma que as regulamenta”. Ou seja, remete para a lei própria dos serviços
médico-legais a definição dos peritos e dos serviços competentes e das regras de realização das
perícias. Por igual, em matéria do Direito do Trabalho, no que respeita ao Código de Processo do
Trabalho (Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de outubro), valem as diversas disposições que aí
expressamente referem a competência dos serviços médico-legais para a realização de exames e
perícias no âmbito laboral.

REGRAS TÉCNICAS E DE COMPETÊNCIA MATERIAL E TERRITORIAL DOS


SERVIÇOS MÉDICO LEGAIS – LEI Nº45/2004, DE 19 DE AGOSTO

I. REGRAS DE REALIZAÇÃO DOS EXAMES

Estas regras referem que tipo de exames podem ser realizados, por quem e em que circunstâncias.
Alguns exemplos são:

• Art. 19.º – Realização das autópsias médico-legais

1 - As autópsias médico-legais são realizadas por um médico perito coadjuvado por um auxiliar
de perícias tanatológicas.

2 - Havendo fundadas suspeitas de crime doloso, as autópsias médico-legais realizadas em


comarca não compreendida na área de atuação de delegação do Instituto ou de gabinete médico-
legal em funcionamento são obrigatoriamente executadas por dois médicos peritos, coadjuvados
por um auxiliar de perícias tanatológicas.

3 - Excecionalmente, perante particular complexidade da autópsia ou impossibilidade de


coadjuvação por auxiliar de perícias tanatológicas pode, também, a autópsia ser realizada por dois
médicos peritos.

• Artigo 20.º – Local de realização das perícias de tanatologia forense

24
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

Os exames periciais de tanatologia forense solicitados pelas autoridades judiciárias de comarca


compreendida na área de atuação de delegação do Instituto ou de gabinete médico-legal em
funcionamento são obrigatoriamente realizados nestes serviços médico-legais, exceto se o
presidente do conselho diretivo do Instituto, o diretor da delegação ou o coordenador do gabinete
médico-legal decidir a sua execução em local diferente.

• Artigo 21.º – Realização das perícias de clínica médico-legal e forense

1 - Os exames e perícias de clínica médico-legal e forense são realizados por um médico perito.

2 - Os exames de vítimas de agressão sexual podem ser realizados, sempre que necessário, por
dois médicos peritos ou por um médico perito auxiliado por um profissional de enfermagem.

3 - O disposto no n.º 1 não se aplica aos exames em que outros normativos legais determinem
disposição diferente.

4 - Dado o grau de especialização dos médicos peritos e a organização das delegações e gabinetes
médico-legais do Instituto, deverá ser dada primazia, nestes serviços, aos exames singulares,
ficando as perícias colegiais previstas no Código de Processo Civil reservadas para os casos em
que o juiz, na falta de alternativa, o determine de forma fundamentada.

• Artigo 22.º – Local de realização das perícias de clínica médico-legal e forense

1 - Os exames e perícias singulares de clínica médico-legal e forense solicitados pelas autoridades


judiciárias de comarca compreendida na área de atuação de delegação do Instituto ou de gabinete
médico-legal em funcionamento são obrigatoriamente realizados por estes serviços médico-
legais, nas suas instalações, exceto se o presidente do Instituto, o diretor da delegação ou o
coordenador do gabinete médico-legal decidir a sua execução em local diferente.

2 - As juntas médicas que devam ser presididas por juiz podem realizar-se em instalações do
tribunal quando as delegações do Instituto ou os gabinetes médico-legais em funcionamento não
disponham de condições para tal, ou mediante acordo previamente estabelecido com o diretor da
delegação ou coordenador do gabinete médico-legal.

• Artigo 23.º – Realização das perícias

25
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

1 - Os exames de genética, biologia e toxicologia forenses são obrigatoriamente solicitados à


delegação do Instituto da área territorial do tribunal ou da autoridade policial que os requer.

2 - O disposto no número anterior não se aplica aos exames de genética no âmbito da


criminalística biológica que podem ser também solicitados ao Laboratório de Polícia Científica
da Polícia Judiciária.

3 - Estes exames podem também ser diretamente solicitados pelos tribunais às entidades terceiras
referidas no n.º 5 do artigo 2º.

• Artigo 24.º – Realização das perícias no âmbito da psiquiatria e psicologia forenses

1 - Os exames e perícias de psiquiatria e psicologia forense são solicitados pela entidade


competente à delegação do Instituto da área territorial do tribunal que os requer.

2 - Sempre que a delegação não disponha de especialistas nestas áreas em número suficiente para
assegurar a resposta às solicitações, pode deferir os exames e perícias a serviços especializados
do Serviço Nacional de Saúde.

3 - A distribuição dos exames e perícias nos termos do número anterior deverá ter em conta as
possibilidades de resposta desses serviços e, sempre que possível, a sua área assistencial e o local
de residência habitual dos examinandos.

• Artigo 6º, nº4 – Quanto à presença da autoridade judiciária competente

A autoridade judiciária competente pode assistir à realização dos exames periciais.

• Artigo 6º, nº3 – Quanto à presença de terceiras pessoas

O examinado pode fazer-se acompanhar, durante o exame, de pessoa da sua confiança (art. 6º,
nº3 da Lei nº45/2004, de 19 de agosto), inclusivamente pelo seu advogado (art. 20º. nº2 da CRP),
mas também pode excluir a presença de qualquer outra pessoa para além do perito, a não ser que
a presença dessa ou dessas pessoas seja imprescindível para a realização do exame.

Assim, o advogado pode estar presente na realização do exame e estar lá na qualidade de


advogado (se o examinando tiver passado procuração para o advogado estar no exame na
qualidade do advogado), sucedendo que a presença do advogado significa que ele está lá para ver

26
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

se não é preterido qualquer direito fundamental (promoção da garantia da legalidade). Contudo,


o advogado não pode fazer comentários, não pode intervir ou perturbar a realização da perícia.

Segundo o artigo 172º, nº3 do CPP, os exames suscetíveis de ofender o pudor das pessoas devem
respeitar a dignidade e, na medida do possível, o pudor de quem a eles se submeter. Ao exame só
assistem quem a ele proceder e a autoridade judiciária competente, podendo o examinando fazer-
se acompanhar de pessoa da sua confiança, se não houver perigo na demora, e devendo ser
informado de que possui essa faculdade.

II. DEVER DE COLABORAÇÃO DE OUTRAS ENTIDADES COM OS SERVIÇOS


MÉDICO-LEGAIS

Acesso à informação

O instituto pode solicitar diretamente aos diversos serviços e organismos públicos, nomeadamente
ao Ministério da Saúde, bem como a entidades privadas, as informações e os elementos
necessários ao desempenho das suas funções, no âmbito de processos judiciais em curso (art. 15º,
da Lei orgânica do INMLCF).

Por razões de celeridade processual, a requisição dos exames periciais deve ser acompanhada das
informações clínicas disponíveis ou que possam vir a ser obtidas pela entidade requisitante até à
data da sua realização (art. 3º, nº2, da Lei nº 25/2004, de 19 de agosto).

• Artigo 10º – Acesso à informação

1 - No exercício das suas funções periciais, os médicos e outros técnicos têm acesso à informação
relevante, nomeadamente à constante dos autos, a qual lhes deve ser facultada em tempo útil pelas
entidades competentes por forma a permitir a indispensável compreensão dos factos e uma mais
exaustiva e rigorosa investigação pericial.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o presidente do Instituto, os diretores das


delegações, os diretores dos serviços técnicos ou os coordenadores dos gabinetes médico-legais
podem, observado o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 156.º do Código de Processo Penal, solicitar
informações clínicas referentes aos examinados em processos médico-legais, diretamente aos
serviços clínicos hospitalares, serviços clínicos de companhias seguradoras ou outras entidades
públicas ou privadas, que as devem prestar no prazo máximo de 30 dias.

27
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

Efetivamente, em sede de realização das perícias médico-legais, sejam perícias de tanatologia


forense, ou, sobretudo, de clínica médico-legal (para avaliação dos danos provocados na
integridade psicofísica nos diversos domínios do Direito, designadamente no âmbito do direito
penal, civil e do trabalho), impõe-se, amiúde, conhecer os registos clínicos resultantes da
assistência médica prestada às vítimas que, para aqueles fins, importa examinar.

Interessa aqui destacar que em qualquer caso, tanto as autoridades policiais, judiciárias, judiciais,
como os serviços médico-legais, «devem velar por que os elementos clínicos sejam solicitados,
fornecidos e utilizados sem desvio do fim a que se destinam e com o máximo de preservação do
sigilo». Se o documento é requisitado para resolver determinada questão jurídica ou para provar
determinado facto, não poderá ser utilizado para outra finalidade, devendo, quanto possível, serem
apenas fornecidos, pelos serviços de saúde, os elementos que importam para a elucidação da
questão médico-legal a esclarecer através da perícia. Nos casos em que essa destrinça não é
possível devem os peritos médicos (bem como os serviços) cumprir o dever de guardar sigilo
sobre tudo aquilo que não importe para a avaliação pericial e para o processo. Essa garantia de
confidencialidade ficará plasmada no Termo de Consentimento, atrás referido, a utilizar pelas
delegações e pelos gabinetes médico-legais.

III. DEVER DE COOPERAÇÃO DAS PESSOAS (EXAMINANDAS) NA DESCOBERTA DA


VERDADE

A realização de perícias médico-legais visam a descoberta da verdade, a demonstração da


realidade dos factos.

Assim, segundo o artigo 6.º – Obrigatoriedade de sujeição a exames:

1 - Ninguém pode eximir-se a ser submetido a qualquer exame médico-legal quando este se
mostrar necessário ao inquérito ou à instrução de qualquer processo e desde que ordenado pela
autoridade judiciária competente, nos termos da lei. Esta norma é geral e dirige-se a qualquer
norma do direito (penal, civil, trabalho) → Esta é uma orientação genérica das perícias médico-
legais que faz recair sobre o examinando o dever de colaboração com o tribunal. Assim, se a
pessoa não colaborar pode ser condenada em multa por parte do tribunal. Por exemplo, se a pessoa
foi ordenada pelo tribunal para a verificação de um exame e o tribunal entende que é necessário,
então o agente pode ser condenado em multa se não comparecer.

2 - Qualquer pessoa devidamente notificada ou convocada pelo diretor de delegação do Instituto


ou pelo coordenador de gabinete médico-legal para a realização de uma perícia deve comparecer
no dia, hora e local designados, sendo a falta comunicada, para os devidos efeitos, à autoridade

28
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

judiciária competente → este número diz respeito à comparência das pessoas a examinar → Esta
é uma consequência do dever de colaboração das pessoas, há assim uma consequência caso
faltem.

No processo civil, “todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua
colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado,
submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos
que forem determinados. Assim, aqueles que recusem a colaboração devida serão condenados
em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis” (art. 519º, nº2 do Código de
Processo Civil).

Assim, podemos concluir que os examinandos devem colaboração às autoridades judiciárias, às


autoridades policiais e aos serviços médico-legais e forenses.

Dever de colaboração dos examinandos

Sobre a sujeição de pessoas vivas a exame médico-legal, é no domínio processual penal que
encontramos a respetiva referência legislativa na lei dos serviços médico-legais (cfr. o art. 6º da
Lei n.º 45/2004, de 19 de agosto).

Porém, pela sua natureza (sobretudo em sede de clínica forense e especialmente no âmbito das
perícias de natureza sexual), os exames podem ser suscetíveis de ofender o pudor das pessoas, ou
atentar contra a sua dignidade, daí que devam ser realizados em condições que respeitem aquele
sentimento e valor (cf. o art. 172º, n.ºs 2 e 3, do CPP), podendo a vítima fazer-se acompanhar de
pessoa da sua confiança, se não houver perigo em eventual demora, e devendo ser informado de
que possui essa faculdade (cf. o disposto no art. 6º, n.º 3, da Lei n.º 45/2004, de 19 de agosto). A
autoridade judiciária competente pode assistir à realização dos exames periciais (cf. o n.º 4 do art.
6º da Lei n.º 45/2004, de 19 de agosto).

Prevenindo eventual questionamento da legitimidade ou da licitude da sujeição das próprias


vítimas a exame médico-legal, os peritos médico-legais podem e devem solicitar a estas a
prestação, por documento escrito, do consentimento para a realização do exame. Mas, a falta da
prestação do consentimento escrito não será impedimento para a realização do exame, o qual pode
ser realizado mediante consentimento oral → consentimento formalmente expresso (por escrito),
consentimento implícito/tácito; consentimento presumido.

29
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

Questão de grande atualidade é a do reflexo da intervenção das ciências forenses na descoberta


da verdade material (especialmente dos ilícitos criminais e, sobretudo, dos seus autores), tendo o
progresso das ciências e das técnicas operado a multiplicação e a interferência recíproca de
saberes especializados, os quais assumem já uma importância fulcral para a decisão judiciária e
judicial e, com mais notoriedade, no desenrolar da investigação e do processo penal.

Deve discutir-se se a recolha das amostras de material biológico (por exemplo, sangue, cabelos,
pelos, saliva, tecido epitelial) porque esta poderá implicar, na pessoa a que pertencem e da qual
são colhidas, uma perturbação da integridade corporal morfológica podendo mesmo constituir, se
não consentida – e ainda que não provoque «lesão, dor ou incapacidade para o trabalho» – uma
ofensa à integridade física na sua dimensão «ético-social», para isso bastando uma afetação da
saúde, tomada esta como o «estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a
ausência de doença ou enfermidade» (Preâmbulo da Constituição da Organização Mundial de
Saúde).

Levanta-se então a questão de saber em que medida é que a prossecução do objetivo da descoberta
da verdade material pode comprimir os direitos individuais das pessoas que se entende deverem
ser submetidas a exame, designadamente em caso de recusa injustificada de sujeição a exame.
Poderemos reconduzir as situações em que se coloca a necessidade da intervenção pericial
médico-legal à formulação da seguinte questão: a sujeição forçada à recolha de material biológico
mediante, por exemplo, colheita de sangue, ou extração de cabelos, ou colheita de saliva na
cavidade bucal, constituirão atentados à dignidade e integridade física de um indivíduo enquanto
direitos indisponíveis para o próprio titular e absolutamente inatacáveis?

Sobre o tema há a considerar a indicação que a propósito nos fornece quer o CPP, no seu art. 172º,
n.º 1, quer a Lei n.º 45/2004, de 19 de agosto, no seu art. 6º, n.º 1: ambos estabelecem a
obrigatoriedade de sujeição a exame, sendo que o primeiro daqueles artigos se refere aos exames
em geral e o segundo aos exames médico-legais.

Nos termos do nº 1 do art. 172º do CPP, «se alguém pretender eximir-se ou obstar a qualquer
exame devido ou a facultar qualquer coisa que deva ser examinada, pode ser compelido por
decisão da autoridade judiciária competente», sendo correspondentemente aplicável o disposto
no n.º 2 do artigo 154.º e nos n.ºs 5 e 6 do artigo 156.º (n.º 2 do art. 172 do CPP).

Por seu turno, o art. 6.º, n.º 1, da Lei n.º 45/2004, de 19 de agosto, estabelece: «1 - Ninguém pode
eximir-se a ser submetido a qualquer exame médico-legal quando este se mostrar necessário ao
inquérito ou à instrução de qualquer processo e desde que ordenado pela autoridade judiciária
competente, nos termos da lei.».

30
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

Se a perícia disser respeito a caraterísticas físicas ou psíquicas de pessoa (por exemplo,


determinação do perfil genético) e essa pessoa não haja prestado consentimento, tem aplicação o
disposto no n.º 2 do art. 154.º do CPP: «2 - Quando se tratar de perícia sobre caraterísticas físicas
ou psíquicas de pessoa que não haja prestado consentimento, o despacho previsto no número
anterior é da competência do juiz, que pondera a necessidade da sua realização, tendo em conta
o direito à integridade pessoal e à reserva da intimidade do visado».

Assim, em caso de recusa de submissão a exame médico-legal, parece poder defender-se que a
invasão na esfera corporal da pessoa, eventualmente cometida para permitir a colheita de material
biológico, ou dela resultantes (e que nos exemplos referidos são insignificantes do ponto de vista
médico-legal) não deverão ser consideradas ofensas à integridade física, desde que a força ou a
coação física eventualmente para tanto empregues o sejam na medida do estritamente necessário
à realização do exame, devidamente avaliada que seja, também, a imprescindibilidade da perícia,
e ponderando sempre a importância da respetiva finalidade, atenta a natureza do bem jurídico
violado pela conduta criminosa contra a qual se pretende reagir.

Reconhecendo embora a complexidade das questões que podem ser levantadas pela imposição, a
uma pessoa, de «tolerar que o próprio corpo seja utilizado como meio de prova», poderá admitir-
se a validade processual das provas assim obtidas sempre que a lei expressamente preveja esse
meio de prova e as condições do seu exercício – em tais situações, como sejam as dos exemplos
enunciados no âmbito médico-legal, estar-se-á porventura ainda longe de «invadir o campo da
inadmissível autoincriminação coerciva» do examinando.

É este também o entendimento do Tribunal Constitucional, o qual, através dos Acórdãos n.ºs
155/07, de 2-3-2007, e 228/07, de 28-3-2007, veio esclarecer que é constitucionalmente
admissível a colheita coativa de vestígios biológicos de um arguido, ao abrigo do art. 172, n.º 1
do CPP, ordenada por um juiz, para determinação de perfil genético.

Nos casos em que se prescinde do consentimento do arguido para a colheita de produto biológico,
a correspondente perícia só será validamente realizada consequentemente podendo assumir
eficácia probatória no processo penal se estiverem reunidos no Despacho judicial (que determina
a colheita) os elementos que espelham a ponderação da medida e dos termos da compressão do
direito à autodeterminação corporal do arguido. Assim, tal Despacho deverá conter:

a) A identificação do produto biológico a colher;


b) A identificação do meio, ou da forma, de colheita do produto biológico;
c) A expressa referência à possibilidade do uso da força, se tal se revelar necessário. Assim,
o juiz tem de referir expressamente a possibilidade do uso da força, caso seja necessário,
assim como o despacho deve prever qual o ator que poderá exercer essa força física.

31
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

Além destes requisitos essenciais, deve também constar do referido Despacho a designação do
órgão de polícia criminal, ou autoridade policial, ou força de segurança, à qual incumbirá, quer o
acompanhamento do arguido ao, e no, local da colheita, quer a eventual execução da coação física
sobre o examinando, em caso de recusa de colaboração no exame (na colheita).

IV. CONSULTORES TÉCNICOS (Artigos 154º e 155º do Código de Processo Penal)

O consultor técnico é uma pessoa que é um profissional da área disciplinar à qual se refere o
exame ou a perícia que vai ser realizada. Assim, quando é realizada uma perícia, um dos sujeitos
processuais pode determinar uma pessoa da área científica para estar presente no momento da
perícia. Assim, o consultor técnico é uma figura que pode estar presente no momento da realização
de uma perícia para acompanhar a regular realização da perícia para possibilidades de inspeção.
É um profissional da área do perito (médico, por ex.) para acompanhar a realização da perícia
(para ver o que se fez; como se fez; pode tecer comentários; tirar notas; oferecer sugestões).

Segundo o artigo 3.º – Requisição de perícias:

1 - As perícias médico-legais solicitadas por autoridade judiciária ou judicial são ordenadas por
despacho da mesma, nos termos da lei de processo, não sendo, todavia, aplicáveis às efetuadas
nas delegações do Instituto ou nos gabinetes médico-legais as disposições contidas nos artigos
154.º e 155.º do Código de Processo Penal.

Por sua vez, segundo o acórdão do Tribunal Constitucional nº133/2007, a proibição de consultores
técnicos nos exames realizados pelo INML não ofende as garantias previstas nos n.os 1 e 2 do art.
35º da Constituição ou qualquer outra norma constitucional.

Estamos perante uma das manifestações do princípio da especialidade do regime das perícias
médico-legais face ao regime da restante prova pericial, ou seja, no caso apontado, da
especialidade da Lei n.º 45/2004, de 19 de agosto, face às disposições processuais penais relativas
à prova pericial, como de resto transparece da redação do artigo 159º do CPP, em consonância
com o regime da Lei n.º 45/2004, de 19 de agosto.

Importa sublinhar, a propósito, que da nova redação do artigo 159º do CPP (dada pela Lei n.º
48/2007, de 29 de agosto) resulta que se encontra reservada ao sistema médico-legal a gestão
exclusiva do reconhecimento da qualificação dos peritos médico-legais e da escolha dos peritos
para a realização das diversas perícias. Consequentemente, não mais se vislumbram situações em
que, devendo em princípio cometer-se a realização de perícia médico-legal a um serviço médico-
legal – ou a um perito ou entidade contratado(a) ou indicado(a) pelo INML – se revele impossível
ou inconveniente deferir-lhes a realização dessa perícia. É que por motivo de carência de recursos

32
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

humanos, técnicos, ou logísticos, os exames e as perícias médico-legais são realizadas por


entidades terceiras, públicas ou privadas (cf. os n.ºs 2, 4, 5 e 6, do art. 2º da Lei n.º 45/2004, de
19 de agosto); e por motivo de inconveniência ou de impossibilidade da realização da perícia, ou
por impedimento de perito, a perícia poderá e deverá ser realizada por perito médico-legal
diferente daquele que deveria realizar, ou realizou, o exame pericial, todavia pertencente ao
mesmo serviço médico-legal, ou pertencente a diferente serviço médico-legal, mas sempre
integrado no sistema médico-legal, ou seja, no âmbito do INML.

V. NATUREZA JURÍDICA DA INFORMAÇÃO PERICIAL

Outra informação pericial com relevância processual (para objeto da perícia). Assim, a
informação pericial tem como destinatária a autoridade judiciária (Juiz ou MP consoante a fase
do processo). A informação pericial pertence ao processo e não à pessoa que é sujeita aos testes.

Para aceder ao relatório pericial é necessário observar-se as regras que estão dispostas no código
de processo penal, nomeadamente os arts. 89º, 90º, e 86º, n.os 7 a 12 do CPP. Podemos através
destes artigos concluir que só a autoridade judiciária titular do processo é que pode dizer quem,
quando e se pode aceder ao relatório pericial.

CONCLUSÃO

A realização das perícias médico-legais obedece obrigatoriamente ao disposto na lei 45/2004, de


19 de agosto, que estabeleceu o regime jurídico da realização das perícias médico-legais e
forenses (DR I Série, nº195, de 19 de agosto).

As normas desta lei têm natureza processual e são em si mesmas imediatamente exequíveis,
constituindo um regime especial face ao da demais prova pericial, derrogando as normas do
processo civil, laboral, e penal que disponham diferentemente sobre o mesmo objeto normativo.

PATOLOGIA FORENSE

INVESTIGAÇÃO DA CAUSA DA MORTE – VERIFICAÇÃO E CERTIFICAÇÃO


DE ÓBITOS

“A vida humana é inviolável”

33
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

Proteção jurídico-penal do bem da vida

A vida é um direito e bem jurídico fundamental e essencial. Assim, existem diferentes níveis de
proteção deste bem jurídico:

1. 1º Nível
Este direito está plasmado na Constituição da República Portuguesa.

2. 2º Nível
Este direito está protegido nas leis ordinárias, como no artigo 131º do CP (crime de
homicídio) e demais tipos legais de crimes que prevejam como resultado a produção da
morte. Assim, há aqui uma responsabilidade penal, uma vez que se prevê uma
consequência que é a privação da liberdade para quem atente contra esse bem jurídico
fundamental que é a vida.

3. 3º Nível
Normas que responsabilizam os indivíduos em termos cíveis nos termos dos artigos 483º
do CC e artigos 129º e 130º do CP.

A morte é um facto que determina a cessação da personalidade jurídica (art. 68, nº1 CC). De notar
que a personalidade jurídica é a suscetibilidade que cada pessoa tem, a partir do nascimento
completo e com vida, de ser titular de um conjunto de direitos que visam garantir os seus direitos
essenciais. Por outro lado, a existência desta personalidade jurídica permite à pessoa estabelecer
relações com outros membros da sociedade, tidas como válidas pelas outras pessoas e pelo Estado.

Neste sentido, a morte é a cessação dessa personalidade, no sentido em que quando uma pessoa
morre deixa de existir o titular de um conjunto de direitos e relações que existia enquanto pessoa.

Segundo a lei nº141/99, de 28 de agosto, art. 2º, a morte é a cessação irreversível das funções do
tronco cerebral, formalmente atestada por um médico, em documento oficial especialmente
destinado a tal fim.

VERIFICAÇÃO E CERTIFICAÇÃO DOS ÓBITOS

A verificação dos óbitos é da competência dos médicos, nos termos da lei (art. 14º, lei 45/2003,
de 19 de agosto).

34
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

Compete ao médico a quem, no momento, está cometida a responsabilidade do doente ou que em


primeiro lugar compareça (médico de equipa de emergência médica ou qualquer outro médico)
(art. 14º, lei 45/2003, de 19 de agosto).

Verificar o óbito é apenas dizer que perante um corpo estamos perante uma pessoa sem vida e,
por isso, aquele corpo é um cadáver. Isto pode ocorrer na via pública, na casa das pessoas, nos
centros de saúde e hospitais, entre outros. Para além disso, na verificação do óbito não se pode
dizer qual é a causa da morte, ou seja, não se pode dar como certa a causa da morte.

Quando ocorre um óbito é preciso um registo oficial denominado registo do óbito.

Por sua vez, o certificado de óbito é uma declaração médica onde, para além de se certificar o
óbito, o médico especifica a causa da morte. Contudo, há casos excecionais em que pode haver o
suprimento do certificado de óbito (art. 195º do CRC).

Assim, a morte deve ser prontamente declarada na Conservatória do Registo Civil (art. 192º, nº1
do Código do Registo Civil), e confirmada através da apresentação do documento legal que
certifica o óbito (art, 194º do CRC).

INVESTIGAÇÃO DA CAUSA DA MORTE

As mortes podem ocorrer em quatro contextos distintos:

1. Causa natural
2. Acidente
3. Homicídio
4. Suicídio

Para se saber de que é que a pessoa morreu e como morreu é necessário recorrer-se ao estudo do
cadáver, sendo que isto implica a realização de uma perícia médico-legal que é a autópsia médico-
legal.

AUTÓPSIA MÉDICO-LEGAL

A autópsia médico-legal tem lugar em situações de morte violenta ou de causa ignorada, salvo se
existirem informações clínicas suficientes que associadas aos demais elementos permitam
concluir, com segurança, pela existência de suspeita de crime, admitindo-se, neste caso, a

35
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

dispensa de autópsia (artigo 18º, nº1 da Lei 45/2004, de 19 de agosto). Por exemplo, em caso de
suicídio não é preciso autópsia médico-legal.

A dispensa de autópsia médico-legal nunca se poderá verificar em situações de morte violenta


atribuível a acidente de trabalho ou acidente de viação dos quais tenha resultado morte imediata
(artigo 18º, nº2 da Lei 45/2004, de 19 de agosto).

A autópsia médico-legal pode ser realizada após a constatação de sinais de certeza de morte,
competindo à autoridade judiciária ordenar aos serviços médico-legais a realização de autópsia
médico-legal (artigo 18º, nº5 da Lei 45/2004, de 19 de agosto).

Compete à autoridade judiciária autorizar a remoção do corpo com vista à realização da autópsia
médico-legal e assegurar a sua preservação até à remoção (artigo 18º, nº6 da Lei 45/2004, de 19
de agosto).

Assim, quem determina a realização da autópsia médico-legal e quem dispensa a realização da


autópsia médico-legal é o MP porque a investigação criminal desenvolve-se sobre a sua direção
coadjuvado pelos órgãos de polícia criminal.

A autópsia não é um ato, nem um momento de apreciação da prova, mas é antes um processo que
é composto por diversas fases de recolha e apreciação da informação sobre o cadáver e das
circunstâncias do facto. São as informações que vão permitir determinar as conclusões e as causas
da morte.

Os principais objetivos da autópsia médico-legal são:

• Colher e preservar vestígios


• Identificar, caracterizar e interpretar lesões
• Determinar a data da morte
• Determinar as circunstâncias, mecanismo e causa da morte

A autópsia médico-legal é constituída por:

1. EXAME DO LOCAL

Este exame costuma ocorrer em primeiro lugar, mas não é obrigatório e permite obter informações
fundamentais sobre o que aconteceu e o que provocou a morte, sendo por isso muito importante
compatibilizar as lesões com os objetos que poderão ter provocado as lesões.

Para além disso, é necessária uma identificação correta dos vestígios e correto manuseamento das
coisas, dos objetos e dos cadáveres que sejam encontrados de modo a não alterar os vestígios,
pois caso contrário vamos ter informação errada. Por essa razão é também importante fotografar

36
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

o local do crime para que quando se analisar em laboratório os objetos que se encontravam no
local se saber como é que estes se encontravam no mesmo para ser mais fácil recriar o
acontecimento e se perceber o que aconteceu.

Por sua vez, é importante que o cadáver seja remetido a exame tal e qual como se encontra no
local para se perceber o contexto da causa da morte e para se saber aquilo que é premente
investigar na autópsia médico-legal.

Assim, a investigação da causa da morte é feita pelo MP, pelos órgãos de polícia criminal e pelos
serviços médico-legais.

Presença da autoridade judiciária competente no exame do local

A autoridade judiciária competente pode assistir à realização dos exames periciais (art. 6º, nº4, da
Lei 45/2004, de 19 de agosto).

2. RECOLHA DE INFORMAÇÃO

A recolha de informação consiste não na observação direita do cadáver nem do exame do local,
mas decorre da recolha de informação através de outras fontes que não o cadáver e o local do
crime, como da informação recolhida pela polícia, informação dada pelos familiares, documentos,
jornais, etc.

3. AUTÓPSIA

A autópsia consiste nos exames realizados sobre o cadáver, como a observação e análise de
produtos biológicos.

37
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

O primeiro local onde as ações externas são realizadas é na roupa, o que pode permitir saber que
lesões foram causadas e pelo quê. A roupa é também um elemento importante para a identificação
do indivíduo quando não há documentos para identificar o corpo.

Por sua vez, o exame do hábito externo é o exame do cadáver sem roupa para identificação de
lesões, sinais e marcas que possam indiciar doenças, traumatismos ou informações que nos digam
algo sobre a posição do cadáver. É, no fundo, o exame do cadáver tal e qual como este aparece,
ou seja, sem remover, por exemplo, objetos espetados no corpo.

Já o exame do hábito interno consiste em encontrar a falência do organismo que levou a morte.
Por exemplo, numa agressão com um corte de uma garrafa é preciso examinar o hábito interno
para saber se foi a lesão com a garrafa que provocou a hemorragia ou foi outro problema qualquer.
É preciso estabelecer uma relação causal entre o objeto externo e a parte interna do organismo.

Para além disso, para ajudar a confirmar os achados objetivos constatados com os nossos olhos
pode ser necessário realizar exames laboratoriais e analíticos a produtos biológicos para deteção
de tóxicos, por exemplo. Alguns desses exames são de genética forense que é realizada quando
tentamos identificar produtos biológicos de terceiras pessoas no cadáver, como por exemplo
esperma ou saliva; a toxicologia forense que é realizada quando queremos saber se o indivíduo
possui álcool ou outras substâncias no organismo; e a entomologia forense à qual se recorre
quando o corpo apresenta insetos.

Relatório pericial

O relatório pericial é o documento no qual se verte a informação recolhida nestas diferentes fases,
ou seja, do exame do local, das informações recolhidas através de diferentes fontes e da autópsia.
Assim, este é um documento informativo que é entregue ao MP.

A autópsia no serviço de tanatologia/patologia forense

A autópsia é realizada por uma equipa multidisciplinar constituída por um perito médico
coadjuvado por um técnico de diagnóstico e terapêutica e/ou um técnico ajudante de medicina
legal.

No primeiro momento de aproximação ao cadáver é preciso evitar a contaminação do próprio e


do cadáver. Assim, não se deve colocar no cadáver coisas que não tinha e não devemos receber
do cadáver coisas indesejadas.

38
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

O primeiro lugar onde o cadáver é observado é numa mesa própria para a autópsia. No final da
autópsia, se o destino do cadáver for a cremação, este só pode ser cremado com a autorização do
MP e com a confirmação dos serviços médico-legais, isto porque podem não ter sido efetuadas
todas as ações necessárias sobre o cadáver.

Qualquer intervenção no cadáver deve ter em atenção, que, se possível, não se deve desfigurar a
forma externa do mesmo, particularmente as partes que ficam a descoberto depois de vestido
(cabeça, mãos e punhos). Depois do cadáver ser vestido e entregue à família o trabalho ainda não
acabou porque só foi realizada a autópsia, é ainda necessário interpretar os elementos que se
apuraram na autópsia e fazer exames complementares se necessário.

ÓBITOS SEM CAUSA CLÍNICA DE MORTE DETERMINADA/ATRIBUÍDA

Procedimentos decorrentes da ocorrência do óbito, consoante este ocorra:

1. Em instituições de saúde (públicas ou privadas) em situações de morte violenta ou


suspeita de morte violenta, ou de causa ignorada

1. Nas situações de morte violenta ou de suspeita de morte violenta, bem como nas mortes de
causa ignorada e quando o óbito for verificado em instituições públicas de saúde ou em
instituições privadas de saúde, deve o seu diretor ou diretor clínico:

a) Comunicar o facto, no mais curto prazo, à autoridade judiciária competente, remetendo-lhe,


devidamente preenchido, o boletim de informação clínica aprovado por portaria conjunta dos
Ministros da Justiça e da Saúde, bem como qualquer outra informação relevante para a
averiguação da causa e das circunstâncias da morte;

b) Assegurar a permanência do corpo em local apropriado e providenciar pela preservação dos


vestígios que importe examinar.

(artigo 15º da Lei 45/2004, de 19 de agosto)

2. Fora de instituições de saúde (domicílio da vítima, via pública, estabelecimentos


públicos ou privados, etc.) em situações de morte violenta ou suspeita de morte violenta,
ou de causa ignorada

1. Em situações de morte violenta ou de causa ignorada, e quando o óbito for verificado fora de
instituições de saúde, deve a autoridade policial:

39
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

a) Inspecionar e preservar o local;

b) Comunicar o facto, no mais curto prazo, à autoridade judiciária competente, relatando-lhe os


dados relevantes para averiguação da causa e das circunstâncias da morte que tiver apurado;

c) Providenciar, nos casos de crime doloso ou em que haja suspeita de tal, pela comparência do
perito médico da delegação do Instituto ou do gabinete médico-legal que se encontre em serviço
de escala para as perícias médico-legais urgentes, o qual procede à verificação do óbito, se
nenhum outro médico tiver comparecido previamente, bem assim como ao exame do local, sem
prejuízo das competências legais da autoridade policial à qual competir a investigação.

7. (…) Compete às autoridades policiais promover a remoção dos cadáveres, consoante o local
em que se tiver verificado o óbito, para a casa mortuária do serviço médico-legal da área ou, na
sua inexistência, para a do hospital ou do cemitério mais próximos:

a) Após a verificação do óbito e a realização do exame de vestígios nos casos referidos na alínea
c) do n.º 1; ou

b) Por determinação da autoridade judiciária competente.

Para a remoção e transporte dos cadáveres, as entidades policiais podem requisitar a colaboração
dos bombeiros, dos serviços médico-legais, dos serviços de saúde ou de agências funerárias

(artigo 16º da Lei 45/2004, de 19 de agosto)

3. Óbito ocorrido fora de instituições de saúde em situações de suspeita de crime doloso

Cabe ao perito médico dos serviços médico-legais:

a) Disponibilizar-se a ir ao local;

B) Efetuar o exame do local;

c) Verificar o óbito;

d) Elaborar informação a enviar à autoridade judiciária.

SICO – SISTEMA DE INFORMAÇÃO DE CERTIFICADOS DE ÓBITO

40
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

O SICO é um portal eletrónico onde é colocada a causa da morte, as circunstâncias que ocorreu e
as consequências que daí derivaram, como as perícias médico-legais. Assim, todas as informações
relacionadas com o óbito passam pelo SICO.

1. Óbito ocorrido em instituições de saúde em situações de morte violenta ou suspeita de


morte violenta, ou de causa ignorada

Verificação do óbito por preenchimento do boletim de informação clínica e/ou circunstancial e


posterior comunicação ao MP, podendo a decisão do MP no SICO ser distinta:

1) Dispensa de autópsia. Na dispensa de autópsia o processo tem de voltar ao médico


assistente, produzindo-se aqui um certificado de óbito sem causa da morte.
2) Realização de autópsia. Quando se realiza uma autópsia médico-legal, o médico que a
realiza produz um certificado de óbito, no qual consta a causa da morte.

2. Óbito ocorrido fora de instituições de saúde em situações de morte violenta ou suspeita


de morte violenta, ou de causa ignorada

Verificação do óbito por médicos do INEM, autoridade de Saúde Pública e Médico Legista
(excecionalmente). Estes não podem certificar o óbito, podendo fazer apenas a sua verificação.
Por sua vez, a verificação do óbito deve ser feita por preenchimento do boletim de informação
clínica e/ou circunstancial e posteriormente deve ser comunicada ao MP, sendo que é este que vai
tomar uma decisão no SICO.

A decisão do MP no SICO pode ser distinta:

1) Dispensa de autópsia. Na dispensa de autópsia o processo tem de voltar ao médico


assistente, produzindo-se aqui um certificado de óbito sem causa da morte.
2) Realização de autópsia. Quando se realiza uma autópsia médico-legal, o médico que a
realiza produz um certificado de óbito, no qual consta a causa da morte.

3. Óbito ocorrido em instituições de saúde em situações de morte natural

A certificação do óbito é feita por preenchimento do certificado de óbito.

41
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

É também no SICO que se faz o registo dos dados da autópsia que depois podem ser exportados
para o certificado de óbito. Assim, o MP só tem conhecimento das ocorrências sobre o óbito
quando estas lhe são transmitidas.

ACESSO À INFORMAÇÃO SOBRE A CAUSA DA MORTE

Toda a informação que foi produzida e que resultou da realização de perícias e exames médico-
legais e informação relativa ao estado clínico do doente é informação pericial e processual,
podendo aceder-lhe quem o MP autorizar. Deste modo, o acesso ao certificado de óbito, acesso à
informação sobre a causa da morte, acesso à informação pericial e acesso a informação processual
vai depender da autorização do MP.

A LEI PREVÊ INTERVENÇÕES NO CADÁVER NAS SEGUINTES SITUAÇÕES

• Inumação, embalsamamento e cremação do cadáver


• Colheita de órgãos para fins terapêuticos e de transplante
• Utilização do cadáver para o ensino e investigação científica
• Autópsia clínica (nos casos em que não há lugar a autópsia médico-legal e mediante
consentimento prestado pelos sucessíveis do de cujus)
• Realização de autópsia médico-legal (incluindo autonomizados, o exame preliminar do
hábito externo e o exame do local)

A utilização do cadáver fora das situações e para fins legalmente previstos é suscetível de
constituir a conduta prevista no artigo 254º CP – profanação de cadáver.

CRIMES CONTRA A INTEGRIDADE FÍSICA

INTERVENÇÃO PERICIAL MÉDICO-LEGAL E FORENSE

No direito penal, a parte do ordenamento jurídico que estabelece quais são os comportamentos
humanos qualificados como crimes e os estados de perigosidade criminal, define os agentes dos
crimes e os sujeitos dos estados de perigosidade e fixa as penas e as medidas de segurança a
serem-lhes aplicadas.

42
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

Por sua vez, o direito penal deve ser tomado no sentido amplo de toda a legislação penal e
processual penal incluindo a legislação codificada e a legislação avulsa e ainda a jurisprudência
relevante do domínio em causa.

A legislação penal aplicável diz respeito ao código penal, tanto a parte geral (teoria geral da
infração criminal) como a parte especial que diz respeito ao catálogo dos tipos de crime:

• Princípios da legalidade: só a lei é competente para definir crimes e estabelecer os


pressupostos das medidas de segurança, assim como enuncia as respetivas sanções.
• Princípio da tipicidade: cabe à lei e só a ela especificar quais os factos ou condutas que
constituem crime e quais os pressupostos que justificam a aplicação de uma medida de
segurança, optando o legislador por o fazer através de modelos ou tipos que têm como
função aferir se determinados comportamentos humanos se amoldam ao desenho
arquitetado. Assim, só são puníveis os comportamentos que correspondam à exata
descrição feita nos tipos legais de crimes, sendo proibida assim a analogia (artigo 1º do
CP). Os elementos que compõem o tipo legal de crime são:
o Conduta e meio utilizado
o Resultado da conduta
o Contexto específico (relacional ou outro)
o Características do agente/ofensor
o Características da vítima
o Moldura penal

Exemplo: artigo 148º, nº2, al. a) do CP

1 - Quem, por negligência, sendo médico (característica do agressor) e no exercício da sua


profissão (contexto específico – relacional ou outro) ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa
(conduta e meio utilizado), é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120
dias (moldura penal).

2 - No caso previsto no número anterior, o tribunal pode dispensar de pena quando:

a) O agente for médico no exercício da sua profissão e do ato médico não resultar doença ou
incapacidade para o trabalho (resultado específico da conduta) por mais de 8 dias; ou

b) Da ofensa não resultar doença ou incapacidade para o trabalho por mais de 3 dias.

3 - Se do facto resultar ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão
até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.

43
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

4 - O procedimento criminal depende de queixa.

Existem diversos tipos legais de crime que têm em comum a ofensa do bem jurídico que é a saúde.
Contudo, espalhados pelo código existem outros tipos legais que visam proteger este bem jurídico.

DANO

O dano é o resultado de uma conduta típica e consiste na alteração física ou psíquica da pessoa.

Existem diferentes tipos de dano (de acordo com o bem jurídico lesionado): dano da morte, dano
corporal e dano no património.

O dano corporal consiste num conjunto das sequelas lesionais, funcionais e situacionais nas
quais se refletem os danos morais, que um indivíduo apresenta em consequência de uma doença,
traumatismo ou estado fisiológico, influenciadas por fatores da pessoa e do meio e que foram
causadas através de uma conduta prevista num tipo legal de crime.

Para além disso, constitui uma ofensa à saúde, tomada esta como “o estado de completo bem-
estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade” (Preâmbulo da
Constituição da Organização Mundial de Saúde).

A lei pune no artigo 142º CP a mera ofensa no corpo e esta tem lugar quando uma agressão
voluntária é praticada no corpo de alguém, designadamente cometida por meio de bofetada sobre
uma pessoa, ainda que esta não sofra, por via disso, lesão, dor ou incapacidade para o trabalho.

Lesões e sequelas do crime:

• Efeitos físicos: traumatismos, lesões corporais.


• Efeitos psíquicos: medo, fobias, angústias, depressões, doenças de foro psiquiátrico,
efeitos psicossomáticos.
• Efeitos patrimoniais: danos emergentes e lucros cessantes. Danos em objetos, despesas
com a sua substituição ou reparação, despesas de saúde (intervenções cirúrgicas,
tratamentos, consultas, medicamentos, deslocações ao hospital, etc.).

O dano enquanto resultado de uma conduta típica

• Vontade – intenção de cometer o delito.

44
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

• Atividade – movimento humano dirigido à prática do crime (ou abstenção – atividade


negativa – no caso das condutas por omissão).
• Ilicitude – antijuricidade e ilegalidade, ou seja, desconformidade com as normas jurídicas.
• Culpabilidade – relação subjetiva entre o facto típico e o seu autor, que permite
responsabilizar este pelo cometimento daquele.
• Resultado – consequência material da conduta, previsto na lei, e inerente à maioria dos
crimes (crimes de resultado). Ex: morte, no tipo legal de crime de homicídio; a perda de
um órgão importante, no tipo legal de ofensas à integridade física graves; lesões corporais
na violência doméstica).
• Nexo causal – ligação da conduta ao resultado sem o qual não pode a este imputar-se
aquela conduta.

Principais classificações jurídico-penais

• Ofensa à integridade física simples (art. 143º CP)


• Ofensa à integridade física grave (art. 144º CP)
• Ofensa à integridade física qualificada (art. 146º CP)
• Ofensa à integridade física por negligencia (art. 148º CP)
• Maus tratos – físicos e psíquicos (arts. 152º e 152º-A CP)
• Tentativa de homicídio (arts. 131º, 22º e 23º CP).

Destes crimes podem resultar:

• Lesões graves do corpo como:


− Privação de importante órgão ou membro
− Desfiguração grave e permanente

• Lesões graves funcionais


− Capacidade para o trabalho
− Capacidades intelectuais
− Capacidade de procriação ou de fruição sexual
− Utilização do corpo, dos sentidos ou da linguagem

• Lesões graves da saúde


− Doença particularmente dolorosa ou permanente

45
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

− Outra enfermidade ou anomalia psíquica grave ou incurável


− Ofensa que ponha em perigo a vida

Crimes contra a vida e integridade física e liberdade pessoal

Morte, pessoa particularmente indefesa em razão da deficiência, doença ou gravidez, sofrimento


da vítima, colocar em perigo a vida de outra pessoa, ofensa à integridade física grave, ofender o
corpo ou a saúde, privação de órgão importante ou membro, desfiguração, afeção grave da
capacidade e trabalho, capacidades intelectuais ou de procriação, doença particularmente dolorosa
ou permanente, anomalia psíquica grave ou incurável, perigo de vida, lesão corporal, fadiga
corporal, perturbação mental, maus tratos físicos ou psíquicos, tratamento cruel, sobrecarga com
trabalhos excessivos, medo, inquietação, perigo para a vida ou para a saúde.

AVALIAÇÃO PERICIAL MÉDICO-LEGAL

Quando se verifica um facto considerado crime por queixa do ofendido ou iniciativa do MP inicia-
se o processo penal. Assim, ocorre a subsunção da conduta no tipo legal de crime através da
verificação dos pressupostos da punição criminal. Deste modo, verifica-se o resultado (ofensa no
corpo ou na saúde; perigo para a vida; perigo para o corpo ou para a saúde), assim como o nexo
causal entre a conduta e o resultado. É necessário então realizar-se uma perícia médico-legal para
se avaliar o dano corporal (natureza e extensão) e efeitos para a saúde do ofendido.

AVALIAÇÃO DO DANO CORPORAL

A avaliação do dano corporal vai permitir obter informação sobre as consequências da ação, sobre
o dano, colaborando com o tribunal na determinação do tipo legal que em concreto foi cometido,
pelo preenchimento ou não das realidades que os termos médico-legais sintetizam.

A função da perícia médico-legal é permitir dar informação ao MP sobre o dano.

Relatório pericial

O relatório pericial deverá conter:

• Descrição das lesões.


• Enunciação dos factos dos quais se possa concluir a gravidade da ofensa para efeito da
qualificação de acordo com o artigo 144º CP.

46
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

• Factos dos quais se possa concluir a perigosidade da ofensa: a adequação da agressão


para a produção de grave risco para a vida ou para a produção da morte.
• Referência à particular perigosidade do meio empregue (a sua aptidão objetiva a provocar
ferimentos ou lesões graves).

A acusação do MP

O despacho acusatório deve conter a indicação da prova pericial que serve de suporte à acusação
e às descrições ou conclusões médico-legais que fundamentam a acusação.

OS PERITOS MÉDICO-LEGAIS E FORENSES

Lei nº45/2004, de 19 de agosto

1. Artigo 5º – Responsabilidade pelas perícias

As perícias e pareceres solicitados aos serviços médico-legais são realizados pelos peritos
designados pelas entidades médico-legais para o efeito competentes.

No exercício das suas funções técnicas os peritos gozam de independência e autonomia técnica e
científica, sendo responsáveis pelas perícias, relatórios e pareceres por si efetuados.

2. Artigo 5º, nº5 – sujeição às orientações técnicas do INMLCF

Os peritos do INMLFC e as entidades às quais este defira os exames médico-legais encontram-se


obrigados a respeitar as normas, modelos e metodologias periciais em vigor no Instituto, bem
como as recomendações decorrentes da supervisão técnico-científica dos serviços.

Para o exercício da função de perito no âmbito dos serviços médico-legais há que considerar dois
tipos de requisitos habilitacionais:

1) Habilitação académica e técnico-científica consoante a área científica. A formação


académica do perito e as crescentes exigências quanto à especialização em determinada
área científica determinam a sua competência para a realização de determinadas perícias,
importando, as mais das vezes, a sua incompetência técnica para a realização de outro
tipo de perícias (exemplos: um médico perito habilitado para realizar uma autópsia

47
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

médico-legal já não estará, por via de regra, habilitado a realizar uma perícia de
toxicologia forense; um bioquímico habilitado para realizar uma perícia de criminalística
biológica já não estará, por via de regra, habilitado a realizar uma perícia de clínica
médico-legal para avaliação do dano corporal, etc.).

2) Habilitação legal e processual caso o exercício da profissão dependa da inscrição numa


ordem profissional.

Do código deontológico da ordem dos médicos são de salientar os seguintes artigos acerca do
médico perito:

• Art. 118º – Médico perito


• Art. 119º – Independência
• Art. 120º – Incompatibilidades
• Art- 121º – Limites
• Art. 122º – Deveres
• Art. 123º – Consulta de processo clínico
• Art. 124º – Atuação
• Art. 125º – Perícias colegiais
• Art. 126º – Proibição

DIREITOS E DEVERES

Sobre os peritos médico-legais, no exercício das respetivas funções periciais, impende um


conjunto de deveres e de direitos que visam garantir a independência, a isenção e a eficácia do
desempenho da função pericial.

São deveres do perito:

a) Dever de desempenhar a função para que tiver sido nomeado (cf. art. 469º, n.º 1 do CPC;
art. 153º, n.1 do CPP);
b) Dever de prestar compromisso de honra (cf. art. 479º, n.º 1 do CPC; art.s 156, n.º 1 e 91º,
n.ºs 2, e 6, b), do CPP – os funcionários públicos no exercício das suas funções não
prestam compromisso);
c) Dever de resposta a quesitos (cf. art. 156º, n.º 1 do CPP; art. 475º e 476º do CPC);

48
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

d) Dever de elaborar relatório (cf; art. 483, n.º 1 e 484º, n.º1 e 3 do CPC; art. 157º, n.ºs 1 e
5 do CPP);
e) Dever de prestar esclarecimentos (cf. art. 485º, n.ºs 3 e 4 do CPC; art. 158, n.º 1, a) do
CPP);
f) Dever de solicitar autorização para destruição de objetos, para a realização da perícia (cf.
art.s 481º, n.º 2 e 3 do CPC; art. 161º do CPP);
g) Dever de comparecer aos atos para que é nomeado (cf. art.s 417º, n.º1, 469º, n.º 1 e 486º,
do CPC; art.s 350.º, n.º3, 353º, n.º 1, e 354.º do CPP);
h) Dever de respeitar o segredo de justiça. O segredo de justiça impõe-se a todos os
intervenientes processuais, de acordo com o estabelecido no art. 86º, n.º 8 do CPP.

São direitos do perito:

a) Direito de requerer formulação de quesitos (cf. art. 156º, n.º1 do CPP);


b) Direito de requerer a prática de quaisquer diligências ou o fornecimento de
esclarecimentos indispensáveis ao cabal desempenho da função (cf. art. 481º, n.º 1 do
CPC; art. 156º, n.º 3 do CPP);
c) Direito de pedir escusa (cf. art. 470º, n.º 3 do CPC; art. 153º, n.º 2 do CPP);
d) Direito a ser remunerado - os peritos do quadro de pessoal do INMLCF recebem uma
remuneração certa mensal de acordo com a sua categoria profissional; a remuneração dos
restantes peritos médico-legais é determinada de acordo com os montantes que constam
de Portaria Ministerial que estabelece o preço das perícias médico-legais.

CAUSAS DE CESSAÇÃO DO EXERCÍCIO DO CARGO DE PERITO

Podem ser causas de cessação do exercício do cargo de perito, as seguintes:

a) Casos de impedimentos (cf. art. 470, n.º 1 do CPC ; art. 47º do CPP; art. 115º CPC);
b) Casos de recusa (cf. art.s 43º, n.º 1 e 153, n.º1 do CPP; art. 120º CPC);
c) Casos de escusa (cf. art. 470º, n.º 3 do CPC; art. 153, n.º 2 do CPP);
d) Casos de dispensa legal do exercício da função (cf. art. 470º, n.º 2 do CPC; art. 571º, n.º
2 do CPC, por força do art. 4º do CPP).

A substituição do perito ocorrerá em virtude da verificação de uma das causas de cessação já


referidas, sendo de referir ainda as situações de desempenho negligente do cargo, incluindo a não
apresentação (ou a não apresentação atempada) do relatório pericial.

49
Ciências Forenses I | Margarida Oliveira e Tânia Soare

SINALIZAÇÃO E DENÚNCIA DA VIOLÊNCIA E ABUSOS

Hoje, os principais contextos de sinalização e denúncia da violência e abusos, reportam-se a


violência e abuso contra menores, violência e abusos contra idosos, violência de género.

Assim, os médicos e peritos médicos têm obrigação de denunciar o crime ou receber a denúncia
do crime e transmiti-la de imediato ao MP.

ESTRUTURA DO EXAME

• 1ª Parte: matéria do professor Pinto da costa (perguntas de escolha múltipla e perguntas


de resposta curta) – 10 valores
• 2ª Parte: professores FCUP (perguntas de escolha múltipla) – 10 valores.

50

Você também pode gostar