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Revista 777

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Revista 777

EDITORIAL

“Llega el invierno. Espléndido dictado


me dan las lentas hojas
vestidas de silencio y amarillo.” (Jardim de Inverno - Pablo Neruda )

A Revista 777 é uma iniciativa multi linhagens brasileiras da Santa Ordem da A.’.A.’.
onde a produção e exposição de pesquisas, artigos e notícias mostram uma comunidade
viva e pulsante. E nesta edição o volume 23/VI do nosso sétimo ano (começamos com
ano 0) temos nesse inverno, o silêncio que precede o amor e seus múltiplos elos, assim,
seguindo a tradição colocamos o bloco na praça e pedimos passagem! Cheguem juntes e
tenham um ótimo Solstício de Inverno.

Equipe 777

Sorore Adler, Ayin Achad, Ignis


Frati Alhudhud, Amaranthus, Arach777 e Hoor418.

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Revista 777

SUMÁRIO

4 Arte - Guilherme Cruz

5 Thelemagick - Militância Thelêmica - Fr. Amaranthus

8 Deslumbramento - Soror Ignis

12 Sobre o Juramento do Probacionista - Fr.QVIF

14 Imagem - Oath Probationer

15 O que você vai cê quando crescer - Danilo Nobrega

16 Uma Compreensão da A.’.A.’. - Fr. P.A.A.A

19 O Tolo - Fr. Yod

20 Iniciática #1 - Fr. Hoor

21 Shekinah - Soror Ignis

23 A Grande Mãe e Amante - Gabriel Araújo

24 Pequeno Estudo Sobre o Resh - Fr. Noctua

29 Filhos de Hoor - Fr. Prometheo Ignis

30 Kabbalah - Sorer Rudrana

31 Imagem - Árvore da Vida

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Revista 777

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MILITÂNCIA THELÊMICA - UMA NECESSIDADE

Não há dúvidas de que Aleister Crowley seja uma figura proeminente no ocultismo
desde o Século XIX. Suas crenças (por exemplo, Thelema, em que cada pessoa teria “um
propósito” e deveria romper com as limitações e expectativas sociais a fim de cumprir
esse propósito), práticas (misturando diversas linhas, com ênfase para a magia cerimo-
nial e Yoga), e escritos não convencionais desafiaram as normas, moldando não só o cam-
po da espiritualidade mas também da cultura (vide quantos grupos teatrais e musicais
criaram obras com base na obra de Aleister Crowley). Além dessa influência, Crowley
propôs desafios que continuam em voga, como a proposição de praticar Magick sob uma
perspectiva metodológica científica. Há, de certa forma, uma tensão entre a natureza
metafísica e espiritualista da Magia e a abordagem empírica baseada em evidências da
ciência, tensão que ele tentou contornar mas deixou grandes pontos de interrogação que
perduram.

Não se limitando à sociedade mágica e cultural, Crowley teve um papel significativo


em popularizar (com as próprias economias e heranças, diga-se) as ideias e práticas ocul-
tistas, como a magia cerimonial e a divinação, atraindo centenas de seguidores. Atraía
também pessoas curiosas, e levantou para si um mar de admiradores e críticos. Sua abor-
dagem não ortodoxa da espiritualidade desafiou a moral e religiosidade de época, sendo
uma figura emblemática de seu tempo e dividindo opiniões.

Crowley teve particularmente influência na comunidade LGBT da época e também


na contemporaneidade. Suas visões únicas em relação ao gênero (vide as visões em “The
Vision and the Voice”), à sexualidade, à libertação sexual ajudou, ainda que inicialmente
apenas no mundo ocultista, a abrir portas para a exploração, expressão, aceitação no
ocultismo da diversidade sexual e identidade de gênero. Ele advogou para a liberdade
individual e rejeição de restrições sociais. Via o gênero e a sexualidade como fluidos,
encorajava a exploração e expressão do ser autêntico e original. Livros como o “Liber Al”
e o “Liber of Lies” contém diversos elementos que ressoam com os ideais promulgados
pela comunidade LGBT.

No entanto, apesar de sua influência em tantas linhagens, o machismo, a homofobia


e a transfobia persistem em diversos segmentos ocultistas. Mesmo com a visão progres-
sista de Crowley acerca do gênero e da sexualidade, talvez devido à estrutura patriarcal
e aos vieses sociais, grupos ocultistas ainda minam a aceitação e inclusão de indivíduos
LGBT em suas filas. Essas atitudes hostis servem apenas para marginalizar praticantes
LGBTs e destruir princípios thelêmicos de liberdade pessoal, exploração espiritual e o
senso de comunidade thelemita.

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Revista 777 - Militância Thelêmica - Uma Necessidade

Educação e conscientização parecem ser alternativas para tentar diminuir esses pro-
blemas (e outros, como o machismo) na comunidade mágicka. Por exemplo, ações como
a Revista 777 promovem magistas e engajam o público. Workshop, cursos, conferências,
colocam participantes em contato com um público diverso e de várias localidades, unin-
do a comunidade. O problema do “método da ciência e objetivo da religião” pode ser tra-
tado através da reunião interdisciplinar de acadêmicos e praticantes com o público geral,
facilitando o diálogo e desmistificando as práticas ocultas. Contribui, por exemplo, para
diminuição do preconceito.

Em relação à comunidade LGBT, o que se notou por anos é a construção marginal de


grupos dedicados, o que é interessante e desejável. No entanto, cabe à ampla comuni-
dade criar iniciativas educacionais sobre a história e a contribuição de indivíduos LGBTs
na magia, por exemplo. E ações de celebração da diversidade, criando ambientes inclu-
sivos e de aceitação. Outra ação que cabe à grande massa ocultista é tomar iniciativas de
reexaminar textos ocultistas de uma visão mais crítica, debatendo por exemplo textos
e trechos que promovam ideologias discriminatórias, encorajando o senso crítico e en-
fatizando as perspectivas alternativas positivas. Outro ponto é a promoção de lideranças
diversas, encorajando a representatividade.

O mesmo problema ocorre com o “método da ciência e objetivo da religião”: a comu-


nidade mágica fala pouco com a comunidade acadêmica, esta que está se debruçando
longamente em diversos textos de impacto para a comunidade mágica. Poucos são os
exemplos de pesquisadores que são trazidos às comunidades mágicas para debater a
metodologia científica aplicada à prática espiritual. É necessário um encorajamento da
análise crítica dos fenômenos mágicos, pensar em metodologias rigorosas, desenvolvi-
mento da observação sistemática, estudo empírico dos experimentos, e muita análise de
dados para examinar os efeitos e mecanismos da prática mágica. Isso impacta direta-
mente no alcance da Grande Obra, já que se pretende que a Iluminação seja uma busca
reprodutível.

Exemplos dessa abertura seriam uma aproximação das perspectivas psicológicas e


neurocientíficas, a fim de entender processos cognitivos e neurais envolvidos às práticas
mágicas; também a avaliação de técnicas de hipnose, sugestão e formação de crenças e
seu impacto na magia; e também da colaboração interdisciplinar que permitisse a co-
laboração de psicólogos, psiquiatras, neurocientistas, filósofos, antropólogos para uma
exploração multidimensional dos fenômenos mágicos.

Concluindo, Aleister Crowley teve impacto social e mágico significativo. Sua influên-
cia é notável entre os magistas ao tentar aplicar o método científico ao desenvolvimento
mágico, na sociedade ao propor um sistema novo de crenças e práticas espiritualistas
inovadoras e individuais, e na comunidade LGBT ao propor uma visão mais voltada à
diversidade sexual e de identidade de gênero. No entanto, parece que esses pontos se

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Revista 777 - Militância Thelêmica - Uma Necessidade

desenvolvem a passos lentos desde tio A.C. O impacto social de magistas parece cada vez
mais restrito à comunidade mágica. Os grupos LGBTs mágicos têm pouca visibilidade
nos veículos controlados por grupos mais “tradicionais”, e mesmo grupos mágicos intei-
ros não comparecem à Revolta da Lâmpada, à Marcha da Maconha, à Parada do Orgulho
LGBTQIA+, a festas como a Mamba Negra, repletas de praticantes da mesma Thelema.
Pouco esforço é colocado para fazer conversar os cientistas de áreas afins e praticantes
de Magick, a fim de realmente avançar na metodologia científica aplicada à magia. Neste
mês do Orgulho LGBTQIA+, trago esses três pontos para discussões. Sigamos Aleister
Crowley, mas tenhamos empenho também em atuar como ele, transgredir as barreiras,
inovar, e assim trilhar efetivamente o Método da Ciência, buscando o Objetivo da Religião.

Fr. Amaranthus

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DESLUMBRAMENTO: UM AGENTE CONTRA-INICIAÇÃO

Escrevo mais uma vez aos probacionistas e àqueles que estão com o propósito de
iniciar seu percurso na Santa Ordem. A maioria dos meus textos endereçados a esse pú-
blico, parte de observações que faço de instruídos e instruídas, irmãos e irmãs de linha-
gem, e também do que vejo publicado nas redes sociais. Não são à toa e nem por mera
especulação.

Quem me conhece sabe o quanto bato na tecla sobre as armadilhas do deslumbra-


mento no trabalho espiritual na A.A. Posso afirmar que não há ninguém, ninguém mes-
mo, que em algum momento, não tenha se esbarrado com o deslumbre, portanto, o obje-
tivo deste ensaio é destruir os castelinhos de areia construídos sobre o deslumbramento.

“Meus adeptos se mantêm erguidos; suas cabeças acima dos céus, seus pés abaixo dos
infernos.” (Liber Tzaddi, v:40)

Sempre pego no pé dos meus instruídos e instruídas sobre focar nas tarefas e práticas
do próprio grau. Não é uma tentativa de restrição, longe disso, mas por ausência de uma
aplicação adequada ao momento em questão. Entretanto, se ater às práticas ou assuntos
que nada acrescentam ao propósito do grau, se torna perda de tempo, pura dispersão, e
ainda faz com que o(a) Aspirante deixe de executar e estudar, o que realmente importa. E
é o que geralmente acontece.

Por exemplo, canso de ver probacionistas realizando o Liber Samekh, citando conse-
cuções aleatórias do Crowley no diário mágicko como se fossem suas, crentes que es-
tão “abafando”; e ainda se sentem afrontados quando dizemos não ter serventia alguma,
senão para matar a curiosidade. Me deixa ainda mais intrigada observar “simpatizantes”,
estudantes e probacionistas falando com tanta propriedade sobre o Sagrado Anjo Guar-
dião e a Verdadeira Vontade, sem sequer saberem qual a Natureza e o Poderes do seu
Próprio Ser, muito menos, qual a “ Visão do SAG (ops, boa provocação, né? ‘risos’), “a Vi-
são da Maquinaria do Universo”, “a Visão do Esplendor”, “a Visão da Beleza Triunfante” (…)
resumindo: sem de fato terem iniciado o trabalho iniciático.

Confesso que não consigo entender tamanha ânsia de resultado, isto é, tanta neces-
sidade de querer burlar um Sistema Mágicko, que foi delineado de modo que o(a) Aspi-
rante galgue seu (auto)conhecimento ao ajustar o seu nível de consciência ao trabalho
iniciático proposto em cada grau. Veja bem, se fosse tão fácil assim, o Sistema poderia ser
otimizado em apenas dois graus: probacionato e neofitado. Afinal, os restantes seriam

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Revista 777 - Deslumbramento: um agente contra-iniciação

para quê? “Hobby”? É só, parar, e raciocinar!!! Consegue perceber a armadilha chamada
“deslumbramento”?

Infelizmente, esse perfil comportamental é bastante recorrente: se der “corda”, o ego


infla, sai atropelando, cheio das razões, e por fim, se perder na ilusão do “sei tudo”, do
“posso tudo”, e se enforca antes de chegar em seu objetivo. Logicamente, isso evidencia
a defesa do clichê “eu faço o que eu quero”; ou mesmo “por que não posso saber mais
do que o(a) meu(minha) instrutor(a)? Ou ainda rola aquela “carteirada”: “sou grau 33 da
Maçonaria”; “Sacerdote do Círculo Mágico sei lá das quantas”; “Babalorixa do Ilê não sei
o quê”. Care Aspirante, saiba que o Papa iria começar como Probacionista, quiçá como
Estudante dos Mistérios, e iria passar pelas mesmas dificuldades e desafios que todos
nós passamos, ele é humano. Claro, cada caso é um caso, mas aproveito para deixar uma
reflexão: o seu objetivo seria o trabalho espiritual ou saciar a carência do ego?

Como muitos não sabem, graus não são hierarquias, mas diferentes tipos de trabalho,
cada qual atuando em uma camada de consciência, e possuindo um currículo básico, bi-
bliográfico e de práticas, associado às atribuições do referido grau. O probacionato é um
grau no qual o candidato será testado quanto a sua aptidão em se tornar neófito, isto é,
iniciar a sua jornada iniciática. O ordálio central do(a) probacionista é a dispersão, e ele(a)
terá o tempo todo que provar a sua persistência. O objetivo deste grau não é realizar um
trabalho iniciático que possa aflorar determinados padrões da personalidade que per-
manecem latentes. Em virtude disso, o(s) probacionista ainda não conseguirá acessar o
seu “ponto fraco” de maneira mais apurada. Sendo assim, por que e para quê, atuar com
práticas de graus mais avançados, para amenizar, quebrar ou transformar algum padrão
que nem se conhece? Ou mesmo, para obter consecuções, que seu nível de consciência
não está pronto para alcançar?

Quer ver mais um exemplo: como “pegadinha”, gosto de perguntar ao probacionista


em fase final do grau, se ele(a) já adquiriu todas as armas mágickas para realizar o Ritual
do Pyramidos. Nem um pouco é raro escutar: “ainda não, Soror, você pode me dar dicas
de onde conseguir?” Não deixo de expressar uma boa risada e questionar logo em segui-
da: “se o ritual será realizado em viagem em visão do espírito, você precisaria realmente
dessas armas? O que seriam essas armas?”

Dentro deste contexto, sem saber o real significado de cada arma e como isso reflete
em você, na sua psiquê e no seu corpo, elas não passarão de uma bela decoração. Se você
ainda não leu o Liber ABA, parte II, corre lá que vale a pena!

Veja, que mais uma vez, fica nítido que o intelecto, que inúmeras vezes se mostra sa-
gaz (principalmente nas redes sociais), peca, quando há a necessidade de abaixar a bola

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Revista 777 - Deslumbramento: um agente contra-iniciação

para poder apreender coisas extremamente simples. O intelecto é um complemento es-


sencial, mas não é o que direciona o desenvolvimento mágicko-espiritual. Já a percep-
ção, sim, sobretudo, das coisas mais singelas e corriqueiras. Dela se originam os “links”
necessários para alcançar as consecuções.

No decorrer da jornada, mesmo no Probacionato, as consecuções podem aconte-


cer de diversas formas, seja como consequência de um simples trabalho de percepção
aplicado ao treinamento, seja através de um processo de gnose proveniente de alguma
prática ou ritual mágicko. Ou mesmo, de uma mudança de chave inesperada, que pode
acontecer, de repente, num metrô lotado, no horário de pico, quando, ao reparar em
coisas inusitadas, surge um insight que te faz entender, por milésimos de segundos, o
que Te conecta ao objetivo do seu grau, ao ordálio que precisa superar, ou, te traz a tão
ansiada resposta que te fez perder várias noites de sono queimando a “mufa”. Por outro
lado, sabe aquele objeto que você perdeu e só foi encontrar quando procurava por outro?
Tipo isso! Perceba que estou tentando colocar em palavras onde o intelecto não alcança.
E as consecuções que nos levam as iniciações, são bem assim, sem descrições plausíveis.

Esse Sistema de tão simples se torna extremamente confuso e desesperador aos que
não estão dispostos a quebrar as ideias fixas, e desapegar das ilusões que o ego produz
sobre a própria “persona”. Tudo, neste plano de discos, está em constante mutação e nin-
guém pode controlar isso! Sem ceder às desconstruções (sim, no plural) do ego, não há
trabalho espiritual e nem porquê realizá-lo. Seu maior adversário é você! Só você!

Diante disso, reitero, que o deslumbramento quando descontrolado, cega, e portanto,


se torna um agente contra-iniciação, que cria uma ilusão de grandeza, status ou poder,
muitas vezes sem volta, sabotando todo o processo vivenciado, isso se, realmente existiu
algum processo, senão o egoico. É da natureza humana se encantar com novidades, e
com tudo que gera a esperança de obter boas recompensas. O mesmo acontece com o(a)
Aspirante em relação às consecuções que alcança, ademais, se torna sabedoria perceber
quando recolocar o pé no chão e seguir. Além disso, o tempo é o fator mais precioso que
temos na vida: ninguém quer perdê-lo, e por que perdê-lo logo por deslumbre e capri-
cho?

Em síntese, a filosofia de Thelema é muito sedutora quanto a sua promessa de liber-


dade, de poder ser e expressar quem se é, ou deseja ser. Contudo, essa proposta incen-
tiva propagandas imediatistas que ao distorcerem o conceito de “Vontade”, encobrem
e/ou camuflam a veracidade do processo mágicko-espiritual: uma jornada para a vida
toda, nenhum um pouco fácil e aventuresca, que ao contrário do que pareça, exige muita
dedicação, responsabilidade e, principalmente, sobriedade. Romantizar este processo é
um subterfúgio dos que temem encarar a realidade dos fatos, de encarar a Si mesmo, de

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Revista 777 - Deslumbramento: um agente contra-iniciação

encarar as próprias restrições. O que seria a liberdade, sem conhecer e experenciar a sua
própria carceragem?

Por fim, fica uma dica: “Faze o que tu queres”, é um produto que vende bem, e tenho
visto muita oferta na “Shopee”. Se eu fosse você, pensaria duas vezes antes de adquirir,
viu?!?

Soror Ignis

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Revista 777

SOBRE O JURAMENTO DO PROBACIONISTA

Olá a todos, 93.

Muitos que ingressam na Santa Ordem da A.·.A.·., em seu afã de começarem logo o seu
trabalho, cujo fogo de palha tende a terminar cerca de no máximo duas semanas depois,
talvez pudessem evitar isso, por uma leitura atenta do juramento e da Tarefa do Grau de
Probacionista.

Comecemos pelo Juramento do Probacionista. A maioria lê e o assina, sem refletir


sobre o que está à volta do Juramento, aquelas 12 palavras dispostas nos quatro cantos
do documento dispostas em trio, que, quando traduzidas, não nos permite uma reflexão
mais profunda.

Note-se que no original temos Liberty (Liberdade), Life (Vida), Light (Luz) e Love
(Amor). Continuando temos Power (Poder), Putrefaction (Putrefação), Perception (Per-
cepção) e Passion (Paixão). Finalmente temos Destiny (Destino), Death (Morte), Darkness
(Escuridão) e Debauch (Devassidão, Orgia, Deboche).

Intrigado com isso em seu período de probacionista, Euclydes Lacerda de Almeida


buscou a orientação de Motta a respeito, que lhe disse que essas palavras representavam
a evolução do probacionista, partindo do Guph/Nefesh (Destiny (Destino), Death (Mor-
te), Darkness (Escuridão) e Debauch (Devassidão, Orgia, Deboche), passando pelo Ruach
- Power (Poder), Putrefaction (Putrefação), Perception (Percepção) e Passion (Paixão), até
o Neshamah - Liberty (Liberdade), Life (Vida), Light (Vida) e Love (Amor).

Por outro lado, Motta explicou ao Euclydes que são doze palavras, que podem ser as-
sociadas às 12 cartas zodiacais do Tarot, mandando que ele fosse analisar cada uma das
cartas, associando a palavra chave, dada com uma interpretação reservada da mesma.
Obviamente, uma outra tarefa logo foi imposta pelo instrutor ao seu probacionista sobre
a natureza dessas três letras muito além de pisar sobre os lírios, uma alusão àquilo que o
próprio Motta nomearia como “Mudança de paradigma fundamental”.

Ainda no Juramento há um profundo compromisso:

Primeiro uma resolução : “obter um conhecimento científico da natureza e dos pode-


res do meu próprio ser”. Que é o trabalho iniciado no grau de probacionista sobre o qual
o mesmo se debruça e dedica todos os seus esforços, com aquele desejo e aspiração para
no momento correto encontrar sua Gnose.

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Revista 777 - Sobre o Juramento do Probacionista

Uma petição: “Que a A.·.A.·. coroe a obra, me conceda a Sua sabedoria na obra, me
permita compreender a obra!” De maneira ainda muito rudimentar o candidato passa a
explorar em sua natureza a aproximação da egrégora Thelemita, e de como esses novos
compromissos e práticas irão reverberar interiormente dentro dele. Sempre importante
frisar que Thelema não é o único caminho, entretanto, para se compreender e receber a
sabedoria da A.·.A.·. é necessário uma capacidade exercitada de silêncio, confiança em
seu instrutor, aquele mais velho que irá testemunhar dores e alegrias, e obviamente es-
vaziar a taça de pensamentos prévios.

Finalmente, o compromisso: “Reverência, dever, simpatia, devoção, assiduidade, con-


fiança eu trago à A.·.A.·. e que em um ano a partir desta data eu possa ser admitido ao
conhecimento e conversação da A.·.A.·.!” Esse compromisso é importante porque uma
vez assinado o juramento, certas naturezas irão se excitar no candidato, geralmente:
descaso, escusas, antipatia, indiferença, ausência e desconfiança. Por isso todo e qual-
quer juramento é uma ato diário.

Note que o Juramento está falando de “conhecimento e conversação da A.·.A.·., não de


Visão e Conversação com o Sagrado Anjo Guardião. Perceba que é distinta a diferença: na
primeira sentença fica claro que a A.·.A.·. é representada pelo seu instrutor ou superior,
aquele que por já ter tido uma prévia experiência pode lhe evitar falsos caminhos. Muitos
Probacionistas logo que entram, não se conformam em ater-se ao seu grau (não é ques-
tão de restrição, mas de necessidade, não adianta construir a laje, se nem foram feitas as
fundações) e buscar as entrelinhas. Há muita informação, assim que passa despercebida.
Toda Grande Obra é feita de preparo, de alicerces, de detalhes que são também em outra
medida “Pequenas Obras”. Não se engane o probacionista ou qualquer um na ilusão de
obter a Visão e Conversação do Sagrado Anjo Guardião, sem antes conseguir por exem-
plo responder em poucas palavras, Qual a natureza e os poderes do seu próprio ser?

Forte abraço

93,93/93

Frater QVIF 196

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UMA COMPREENSÃO DA A.A.

Este texto é uma resposta para uma parte do teste de Neófito proposto no Liber Zelotes

A A.A. é mais de uma coisa, tudo depende da posição da pessoa que olha para ela. Para
quem está fora da A.A., isto é, não é nem sequer estudante, a ordem é uma organização,
um grupo de pessoas que estão trabalhando um sistema mágico. A A.A. é o veículo para
algo ser alcançado. Este pode ser a iluminação, ou o domínio da natureza interna do ser
humano, ou o conhecimento do Sagrado Anjo Guardião, ou a aproximação com o divino.
A A.A. é um sistema.

Para quem está em um dos dois primeiros estágios de trabalho na ordem, como um
probacionista, por exemplo, a Astrum Argentum é algo a ser alcançado. Ela já não é mais
um meio para se alcançar algo, mas, sim, o próprio objetivo. Ao probacionista é avisado
que ele ainda não é parte da ordem, ainda não é um iniciado. Então, a ordem se torna o
objetivo.

Para quem já passou o probacionato, a A.A. é não é uma coisa específica ou um veículo
para se alcançar algo. A A.A. não é mais um sistema, mas ela oferece um sistema. A ordem
é como água, que se espalha por todos os cantos e fica presente em tudo. A Astrum Ar-
gentum é tudo que concerne à vida do membro da fraternidade, pois o processo mágico
e iniciático é um estado, e não um ato.

Falando mais abstratamente, sem olhar para os casos concretos, pode-se dizer que
a experiência nessa fraternidade centenária e atemporal é uma experiência de conexão
de uma consciência com algo que está para além dela. Esse algo pode estar dentro da
psiquê, lá no inconsciente, ou pode estar fora do ser humano, pensando em termos de
contato com o “sobrenatural”, e em estágios mais avançados, com o divino.

Uma das explicações etimológicas da palavra “religião” é a sua origem latina “religare”,
que significa “religar”, “reconectar”. A compreensão é que a experiência religiosa reco-
nectaria o ser humano ao divino. Para que isso seja verdadeiro, é necessário entender de
qual tipo de conexão que é falado. A maioria das religiões, em sua parte exotérica, isto é,
para as massas, promovem uma conexão no sentido de viver de acordo com os preceitos
que estariam de acordo com a divindade adorada. A conexão, então, não é no sentido de
estar em contato, em união, mas, sim, em estar ligado a.

Um sistema iniciático, que, em muitos casos, é a parte esotéria de uma religião, pre-
tende promover o “religare” real: entrar em contato com o transcendente. Não necessa-

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Revista 777 - Uma Compreensão da A.A.

riamente esse transcendente é o Ser máximo, mas qualquer coisa que não seja o próprio
ser humano, aquilo que é sobrenatural: algo que está além da natureza (aquilo que é ma-
terial e com o qual o ser humano tem contato corrente).

Surge um problema e uma questão: se religião vem de religare, que significa “religar”,
então houve, em algum momento, uma primeira conexão, que foi perdida. Como esta foi
perdida e por que devemos nos reconectar?

A palavra religião, que tem suas traduções em outras línguas, tem sua origem no latim,
provavelmente de uma Roma já cristã. O cristianismo e as outras religiões abrâamicas fa-
zem parte de um grupo de advogados da queda do ser humano, isto é, de um afastamento
deste de suas concepções de Deus. Para crenças que não tem uma filosofia da história
baseada em uma “queda”, não faz sentido a denominação de religião em seu sentido eti-
mológico.

Nos termos apresentados, a Astrum Argentum oferece um sistema iniciático que pre-
tende elevar o ser humano além da parte da natureza com a qual este tem mais contato:
o Si mesmo racional. Em termos de além-da-natureza, há uma primeira conexão, que é a
com o Sagrado Anjo Guardião. Então, a A.A. não faz religare, mas ligare. Ela liga. Mas, por
um outro lado, ela faz o religare. Tendo em mente que o conhecimento e conversação
com o SAG nos traz a nossa verdadeira vontade, nós nos reconectamos a nós mesmos.
Havia uma vontade verdadeira, que foi perdida, e, agora, vamos em direção a ela, volta-
mos a ela.

Primeiro, a A.A. liga o ser humano a si mesmo. O processo iniciático é um processo de


tomada de consciência de si mesmo, em várias dimensões, e do mundo ao redor, isto é,
como a pessoa se enxerga neste mundo, o que determina como ela vê as outras pessoas,
a sua relação com as outras pessoas etc.

Segundo, a A.A. liga o ser humano a uma ideia de algo que não é ele mesmo: o anjo. E
mais do que oferecer a imagem de algo sobrenatural (nos termos aqui expostos), ela ofe-
rece a oportunidade desse algo transcendente ser alcançado, ser tocado. O sobrenatural
não é algo a ser contemplado, mas, sim, almejado, pois ele está disponível.

Terceiro, a A.A. faz o ser humano voltar a si mesmo superando-se. O Si, o Eu, é o ego, é
a razão. A experiência espiritual vai além deles. A verdadeira vontade está além da razão.
É justamente a construção da consciência, que é um processo cultural, um progresso de
meio, de ambiente, que nos afasta daquilo que nós realmente somos e queremos, pois
passamos a responder a valores, objetivos e interesses externos a nós.

A ordem não é apenas a plataforma que oferece esses processos: ela é os processos. O
primeiro nome deles é Astrum Argentum. Iniciação, conversação e conhecimento, ilumi-
nação etc, são apenas nomes dados para partes de um grande todo que é a A.A..

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Revista 777 - Uma Compreensão da A.A.

Como o Frater 273 uma vez escreveu em um texto, “a A.A. é um vírus”. Um vírus se
espalha e promove algo no corpo no qual ele se hospeda. O local de hospedagem da A.A.
é a mente, espírito e, consequentemente, a vida do ser humano. O que ela promove é
iniciação, desenvolvimento, iluminação, ascensão etc.

Os dois tipos de percepção da Astrum Argentum (o do estudante/probacionista e o do


neófito em diante) se mesclam em uma única coisa: a A.A. é algo a ser (constantemente)
alcançado e a ser vivenciado. Estas percepções aparentam ser contrastantes apenas se
olhadas singularmente, isto é, do ponto de vista de cada um em seu processo. A ligação
é algo que se consegue, mantém-se, e busca-se firmar cada vez mais. A ligação é a expe-
riência em movimento. Uma corrente elétrica ocorre a todo momento. Ela não cessa por
alguns minutos e volta, ela não começa em um ponto e “anda” até o outro ponto. Ela é em
toda parte, onde esteja acontecendo. Pode-se imaginar um fio: em qualquer parte dele é
possível tomar choque. A eletricidade está em todo o corpo.

A experiência da A.A. é como eletricidade: enquanto houver corrente, ela é em todo


o corpo no qual toca. Nos juramentos a partir do Zelator, é advertido que uma vez no
caminho, sempre no caminho. Não é possível sair dele sem ainda permanecer sob seus
efeitos. O membro da A.A. é ligado a esta por um cordão umbilical: o magista é gestado
no sistema, mas nunca é parido deste: permanecerá dentro da barriga.

Por Frater P.A.A.A.

Contato: fraterpaaa@outlook.com

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Revista 777

O TOLO

Eu sou o Tolo:

Aquele que aprendeu as mentiras do mago


E que a sacerdotisa beijou os lábios.
Ela, como uma imperatriz portou o segredo.
Ele, um imperador, portando chifres de carneiro.

O Hierofante observava esse matrimônio


Onde os Enamorados, almas gêmeas
Seguiram com o seu carro, com o seu sonho:
o ajustamento do coração e da pena.

Longe dali, um eremita consultava o oráculo


Buscando ali a sua fortuna.
Que respondeu com a carta do Pendurado.
Então veio a Morte.

Com temperança ela e o Diabo derrubaram a Torre.


Sob a luz da estrela e da lua eles seguiram.
Esperando o despertar do sol.
Passamos de um velho a um novo Aeon.

Olhe para dentro e esqueça o externo!


Você é o centro do seu próprio universo!
Chegando ao fim só falta começar de novo:
Eu sou o Tolo.

Frater Yod

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Revista 777

INICIATICA #1

Asana
A sana
Sana!
Prana que amo
Quem amas?
Pranayama
Pra ti? Pra mim?
Patada
Pratyahara
Da Estrela
Da Lua
Da caça
Dhyana
Senta, Respira
Concentra e Foca
Toca com o corpo
Com as mãos
Roça a teto do céu
Rasga de prata o véu
Beija o que sobrou de ti.
Na comunhão do Samadhi.

Hoor (2023)

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Revista 777

SHEKHINAH

Filha de Rei não aceita migalhas,


Filha de Rei não se contenta com migalhas,
Porque é o Tudo e o Todo,
A estabilidade da mudança,
O clarão da mutabilidade,
Senão o Nada.

Filha de Rei abomina a pobreza de espírito,


Abomina a fraqueza de caráter,
Abomina a injustiça, a mentira, a avareza,
Todo tipo de escassez,
De submissão.
Não foge de qualquer duelo,
Tampouco a mais sangrenta de todas,
Entre ela e Ela mesma.

A Filha do Rei é arrebatadora,


Se regozija com a vida.
Ela é a própria vida e capataz da morte,
Morte de tudo que não merece o seu deleite,
De tudo que facilmente se intimida com o seu brilho,
Porque ela é fogo,
O fogo que aquece a alma e o coração dos eleitos,
Só os corajosos se deixam acariciar pelo ardor de suas chamas.
Os que não temem as cinzas,
São cingidos por sua luz incandescente,
Que tanto ofusca quando hipnotiza os fracos e os vulneráveis.
Ela abomina os fracos, os covardes, os fúteis,
Os que não ousam a desafiar a Si mesmos,
E nem à Ela.

A Filha do Rei é admirável,


Como uma linda montanha no vale,
Encoberta pela bruma da manhã,
Ao emoldurar o raiar do Sol.
Numa presunçosa calmaria,
Esconde as lavas que borbulham em seu ventre,

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Revista 777 - Shekinah

Prestes a eruptar a qualquer momento,


No sublime ato de dar a luz.

Cheia de Glória é a Filha do Rei!


Sua herança é a Sabedoria de seu Pai;
Sua riqueza é a retidão de sua Mãe;
Sua nobreza reflete a sinceridade de uma criança.
Seu Reino é a morada
De sua essência inapreensível.
Ela é Princesa, Rainha e o próprio Rei.
Ela é o paradoxo da criação:
O Heh.

A Filha do Rei é instável e imprevisível,


Seu olhar é como um raio riscando o horizonte em alto mar.
Sua fúria estremece o céu e a terra como um estrondo de um trovão,
Com igual intensidade com que seu sorriso propõe um extasiante bailado,
E que seus beijos aquecem do frio do desamor.

Filha de Rei tem horror à migalhas,


Filha de Rei não aceita menos do que ela tem a oferecer,
Porque Ela é inteira como a síntese dos elementos,
Fugaz e dúbia como o fogo,
E não hesita em dispersá-lo como uma faísca,
Que se alastra incendiando os campos.
Ela só se divide pela expansão.
E migalhas, Ela desfaz com apenas um sopro:
Nephesh.

Soror Ignis

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Revista 777

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Revista 777

UM PEQUENO ESTUDO SOBRE O RESH

No livro “confissões”, encontramos uma definição do resh em 3 objetivos; “ ...em pri-


meiro lugar, lembrar o aspirante a intervalos regulares da Grande Obra; em segundo lugar,
levá-lo a uma relação pessoal consciente com o centro de nosso sistema; e em terceiro lugar,
para alunos avançados, para fazer contato mágico real com a energia espiritual do sol e,
assim, extrair força real dele.”

No primeiro ponto a parte mais essencial e religiosa da prática é destacada, e sem


levar em conta se religião é ou não um aspecto relevante de thelema, é fato histórico que
a maioria das religiões coincidem neste ponto; a regularidade de suas práticas, sejam
de dias ou mesmo horas onde o ritual mnemônico é executado. A questão aqui se torna
simples e talvez pouco confiável já que não exige muita abstração filosófica e no fim a
materialidade dos fatos falam por si. Lévi em seu dogma diz “A preguiça e o esquecimento
são os inimigos da vontade, e é por isso que todas as religiões multiplicaram as práticas
e tornaram minucioso e difícil o seu culto. Quanto mais a pessoa se preocupa por uma
ideia, tanto mais adquire força no sentido dessa ideia.”, e mais a frente “As práticas mais
insignificantes em aparência e mais estranhas em si mesmas, ao fim que nos propomos,
levam, não obstante, a esse fim pela educação e o exercício da vontade. Um camponês
que se levantasse todas as manhãs, às duas ou três horas, e que fosse bem longe colher,
todos os dias, um ramo da mesma erva, antes do levantar do sol, poderia, levando consigo
a erva, operar um grande número de prodígios. Esta erva seria o sinal da sua vontade e
tornar-se-ia, para esta própria vontade, tudo o que ele quisesse que se tornasse no in-
teresse dos seus desejos.” Evitando a fenomenologia romântica do autor, esses exemplos
enfatizam a consequência de uma disciplina devocional, a bhakti yoga, que já é bem fami-
liarizado pelos estudantes thelemitas por sua extensa necessidade na obra, em especial
no momento em que o aspirante busca seu anjo nas noites de núpcias da sua carreira,
e seu único baluarte é “Inflame-te em oração e invoque com frequência”. Não é difícil
notar que uma disciplina diária, arbitrária e intensa à uma prática devocional, conduz
a mente de novo e de novo para contemplação disso que chamamos de grande obra, e
que mais frequentemente nem mesmo suspeitemos o que seja, não no nível pessoal, mas
afirmamos com autoridade esse objetivo na esperança de que pretendendo que se saiba
chegue-se a saber de fato. Mas o que ocorre de fato é que estamos conduzindo a mente
para o foco da nossa aspiração, cujo problema para o probacionista é a solução da fór-
mula; qual a natureza científica dos poderes do ser? Uma questão que demanda atenção,
observação e ponto de vista. E essa atenção é uma consecução direta da regularidade no
qual se executa o resh. A pura, simples e ingratificável atenção, sem busca de resultado,
é a mais segura maneira de sustentar o resh na regularidade que ele demanda.

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Revista 777 - Um Pequeno Estudo Sobre o Resh

O segundo ponto é trazer para dentro da consciência uma relação pessoal com o cen-
tro do nosso sistema. Essa fórmula foi extensamente demonstrada no texto “Passando
do velho ao Novo Aeon” - Achad. Podemos nos perguntar, ao ler esse texto, porque não
é dado ênfase ao processo de atenção regular e o fenômeno começa diretamente na
mudança do ponto de vista. Talvez seja porque a necessidade da regularidade é muitas
vezes omitida por não exigir abstração da mente para entendê-la, é de novo, a realidade
dos fatos que falam por si e não tem caminho curto por meio de elaborações mentais. É
em todo caso melhor desafiar o estudante a fazê-lo que tentar lhe explicar com muitas
palavras o que decorre de tê-lo feito, muitas vezes desviando o estudante dessa disci-
plina pela gratificação mental do entendimento. Passando para o segundo nível, temos a
atenção voltada para o nosso centro a partir de uma nova referência, o sol. A ideia é que
estejamos cônscios de que o sol sempre brilha, é aquilo que permanece, mas as sombras
existem como projetadas pelo ego, assim que a passagem pela noite não significa a perda
do sol de maneira nenhuma, é apenas sua ausência na tela da mente consciente. Essa
percepção deveria conduzir a algum certo tipo de indiferença de nossos próprios pensa-
mentos sobre as coisas. A ilusão da ótica mental sempre entorpece nosso entendimento
e nesse aspecto nenhuma das miragens é mais válida que outra, nenhum evento mais
sólido ou nenhum hábito mais digno. Tudo é uma dança do ponto de vista com uma pos-
sibilidade e a indiferença que não é passiva, mas ativa, fixa-se na certeza da estrela que
nunca se apaga. É talvez o fenômeno da fé dos místicos, a pistis, que se traduz melhor
como convicção do que fidelidade¹. Isso demonstra um pouco da conquista da inocência
solar, da ascensão da criança coroada e conquistadora, que não é inocente por ser in-
gênua, mas por não ter restrições morais em ser ela mesma, fazendo sua vontade. Ainda
que essa consecução seja incompleta, pois não é a consecução de um Magi, mas de al-
guém iniciando na ordem, logo sua observação é relativa ao seu lugar na árvore, e sua ex-
periência é sobre seu comportamento mais externo, mesmo assim ela tem a pistis, como
a certeza de um juramento que a guiou até ali. É importante notar que a visão da ilusão
a partir do sol não indica que vamos destruí-la, nem mesmo que seja possível evitá-la de
qualquer modo. Há certos momentos que é muito radical a mudança de um detalhe, e
acredito ser o caso. Enquanto a mudança do ponto de vista levou o antigo ritual rejeitar
a matéria como ilusão inútil, (como a única exceção certa a alquimia, já que baseou sua
operação na matéria rejeitada), em nossa ciência recebemos tudo, aceitamos tudo e não
rejeitamos nada que se refere a nós, somos os que buscam aperfeiçoar a totalidade do
nosso ser sem a infeliz necessidade de criar um inferno para tudo que não conseguimos
lidar. Riso solto e langor delicioso, força e fogo são de nós.

Em terceiro lugar existe o ritual em si e por si, e seu propósito é dado na canção do
senhor de Tebas; “A luz é minha, seus raios me consomem. Farei uma porta para a casa
de Rá e Tum, de Kephra e Ahatoor. Eu sou seu Tebano ó Mentus, o profeta de Ank Af Na
Khonsu.” Esses “portais” nos colocam na terceira exposição do Crowley, o contato espi-
ritual real com o sol e, assim, extrair força real dele. Poderíamos explorar esses poderes
com correspondências aos quatro quadrantes, mas além de extrapolar o propósito do
texto, não acho que seja frutífera essa pesquisa para mais que especulações teóricas, e

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Revista 777 - Um Pequeno Estudo Sobre o Resh

isso eu falo por experiência do caso. Eu gosto de imaginar que esses portais são “agredi-
dos” a cada resh executado e que eles guardam fontes secretas de energia espiritual. O
aspirante capitaliza certa medida de energia solar em sua própria estrutura ao abrir esses
portais. Gosto de comparar esse processo com a abertura dos Nadhis que provocam o
despertar da serpente Kundalini-Hadit.

O mais importante, em todo caso, é notar a mudança que ocorreu. Agora nosso pon-
to de vista pode perceber o sol como um continuum e isso faz analogia com a natureza
científica da obra que buscamos compreender. Diz o livro da lei, “As sombras passam,
mas existe o que fica”. E para perceber que algo de fato “fica” enquanto outro algo “passa”
temos que estar no centro, que no mundo natural é o Sol, mas e no mundo pessoal é nos-
sa verdadeira vontade. Adoramos o sol físico (no resh) por sua excelente analogia, porém
mais que isso, estamos reconstruindo (a partir dos escombros) uma herança histórica do
velho Aeon que atribuiu a natureza desse fenômeno o medo e a morte (pela perda das
graças do sol, a entrada na noite, Isis lamenta a morte de osíris), entretanto, em nossa
ciência é o núcleo de nossa estrela, Hadit, que arde em nosso coração e sua verdadeira
identidade é a própria identidade do vidente e que por isso na canção é seu profeta, o
profeta de Ank Af NaKhonsu.

O conhecimento e conversação com o Sag é a única operação que satisfaz todas as


necessidades, todo o mais é treinamento e preparo. E que melhor preparo que perder o
medo da morte através da compreensão do continuum? Da substância “disciplina” como
yoga da mente? Da percepção equalizada dos fenômenos do universo do ponto de vista
centrado? O resh é simples, direto, metódico, odioso e resistente. Ele desafia o candida-
to, ele humilha seu pretenso orgulho sobre seus feitos. E por isso é tão interessante em
vários aspectos e inesgotável nos seus significados.

Esse texto deveria acabar aqui mas quero ir mais longe, até agora fiz pouco mais que
romantizar o resh nos melhores pensamentos que me surgiram, mas não abordei suas
contradições, nem tornei pessoal de maneira nenhuma seu conteúdo. Tudo é genérico,
palatável, lindo e florido como no dito popular. Vamos agora arranhar um pouco esse
tema e deixar mais obscuro o que pretendeu ficar às claras, pois não é do homem que se
tenha nada às claras senão que tudo na escuridão, obscurum per obscurius². Como não
fazer do resh uma simples repetição mecânica? Existe garantia dessa sombra mecanicista
ser passageira ou seria possível permanecer ad eternum nesse lugar árido da disciplina
sem nenhum oásis de experiência?

Não tenho resposta para isso, mas sei a que mais me desagrada. E tendo agora um
pouco de Sêneca em nossas almas, vamos partir do pior cenário. Alguém faz o resh in-
tensamente e torna isso uma experiência tão ordinária quanto tomar café ou aliviar seu
intestino num trono de porcelana. Onde foi seu erro? Quais forças estariam ao seu al-
cance para mudar esse cenário e até onde foi inevitável? Extrapolamos um pouco, já não
estamos falando do resh, mas de toda e qualquer prática onde o aspirante antecede sua

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Revista 777 - Um Pequeno Estudo Sobre o Resh

disposição com um “tenho que”, “o instrutor mandou”, “a linhagem prescreve”, etc. Nessa
situação uma força de resistência se levanta poderosamente e grita tão alto quanto nosso
desejo de sufocar esse grito. A atitude mecânica ao ritual também foi uma das heran-
ças desastrosas do velho e carcomido Aeon. A expressão “católico de domingo” é uma
imagem nítida desse lugar; você faz por alguma força externa que exige fazê-lo e busca
desesperadamente pelo reconhecimento dos seus esforços. A consecução do ato já nem
mesmo é um horizonte, no pior dos casos, é a simples repetição baseada numa supersti-
ção e insuficiência, é a ideia de que cada prática enche um pote que oferecemos ao nosso
superior como apelo ao seu apreço. Como se a única avaliação fosse a quantitativa e não
qualitativa; são acúmulo, avareza, capitalismo espiritual.

Esquecimentos são imperdoáveis, deslizes omitidos ou justificados, deixar de fazer o


que se devia ter feito é o pior pecado merecedor das garras de choronzon, nosso satanás
atualizado. É lógico que há exagero no meu argumento, meu intuito é evocar da consci-
ência coletiva essa parte do ego escamoso que oferece uma aderência infernal e impede
o deslize harmonioso do estudante no seu processo natural de crescimento. É a censura,
a opressão autofágica que se apresenta como uma imagem idealizada do que queríamos
ser, na demonstração de certas maneiras e omissão de outras, um ser incompleto que
satisfaz o desejo estéticos e morais do ego. Um personagem de imagem, um ser cujo qual
as redes sociais tiveram seu grande sucesso.

Não existe lei além de “faz o que tu queres”.

Voltando ao problema original, como evitar esse desperdício desnecessário de ener-


gia contra uma imagem criada por nós mesmos sobre o que é a obra e cujas característi-
cas tentamos imitar fazendo de nosso sucesso ou fracasso um simulacro de nossas vidas?

Faz o que queres há de ser tudo da lei.

Entende onde quero chegar? Se faz ou deixa de fazê-lo é por vontade, por necessida-
de, por você e para você. Tudo é sua vontade e assim tudo é válido no seu registro má-
gico. E não se preocupe com sucesso, pois mesmo na terrível hipótese do sucesso o ego
que o busca não estará lá para experimentá-lo. Esse ego perece antes mesmo da primeira
luz do alvorecer, e o sucesso é experimentado de um novo ponto de vista “centrado” (na
posição do sol) e equilibrada pela percepção ilusória dos eventos; é um sucesso, não é a
passagem para o paraíso que você achava que fosse. Se pudéssemos avaliar os motivos
do fracasso, talvez o mais algoz inimigo tenha sido a busca de recompensa, essa é a porta
de entrada da mecânica espiritual e da práxis puramente estética. Não há profundidade
nesse lago, e vemos que um pouco abaixo da superfície há um lodo, esse é o lodo da vida
pessoal que se tenta disfarçar para não borrar a “carreira do adepto”. Vamos voltar ao
resh e ao contexto original desse ensaio. O resh é maravilhoso? Sim. Devo fazê-lo? Ape-
nas se quiser, na vontade que sua natureza impor, no ritmo de sua particularidade e na
completa indiferença dos seus resultados.

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Revista 777 - Um Pequeno Estudo Sobre o Resh

¹Desenvolimento da personalidade, (Jung) - Em lugar de fidelidade gostaria de em-


pregar aqui a palavra grega pístis. Ela costuma ser traduzida erroneamente por “fé”,
mas o sentido específico é confiança, lealdade repleta de confiança. A fidelidade à sua
própria lei significa confiar nessa lei, perseverar com lealdade e esperar com confiança;
enfim, é a mesma atitude que uma pessoa religiosa deve ter para com Deus. E aqui se
torna então evidente como é desmesuradamente cheio de consequência o dilema que
emerge do fundo obscuro deste problema: a personalidade jamais poderá desenvolver-
-se se a pessoa não escolher seu próprio caminho, de maneira consciente e por uma
decisão consciente e moral.

²Psicologia e Alquimia (Jung) Ironizando-se a si mesmos, os alquimistas cunharam


a expressão: “obscurum per obscurius” (o obscuro pelo mais obscuro).... Na tentativa de
explicar o mistério da matéria, projetava outro mistério, isto é, projetava seu próprio fun-
do psíquico desconhecido no que pretendia explicar: “obscurum per obscurius, ignotimi
per ignotius” (o obscuro pelo mais obscuro, o ignorado pelo mais ingorado!)

Frater Noctua

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Revista 777

FILHOS DE HOOR

Lastima!
Afastem-se de meus filhos,
Malditos escravos prostrados,
Pois há em suas almas
Apenas a servidão.
A aurora banha o destino
Das crianças da Lux aeterna.
Vinde até mim
Oh filhos do pecado
Que nada há de primordial.
Neófitos, sigam o caminho!
Teus pés vos pertencem.
Não balbuciem,
Pois há a estrela
E ela os guiará.
Ternura há em teu rastejar,
Leões-serpentes,
São o brilho da noite.
Vós sois um e dois,
Um viajante e sua sombra.
Olhem em teus olhos
Pois vislumbrarão o gozo do inascido
E tornar-se-ão uno,
O próprio Brilho da estrela.

Frater Prometheo Ignis

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Revista 777

QABBALAH

O estudo da Qabbalah envolve o entendimento das forças que compõem a consciência e o


universo. Por mais que se pense que ela é um símbolo com dez círculos e vinte e dois pares de
linhas e uns nomes em hebraico nada a ver, ela é muito vasta.

Ela se estende por completo em cada um de seus ciclos de manifestação e transbordando a


união entre a semente e o solo, participa da manifestação de outro e de outro e de outro mundo.
Sendo quatro, os mundos que ainda sim, não fazem da árvore algo reto e linear. Eu a vejo simbo-
licamente em sua singularidade, mais como um jarro que enche e transborda pra tudo qué lado.
Ela é um hieróglifo da percepção e fé humana frente às causas da mente e do universo, que pode
nos ajudar a conhecer caminhos da grande obra que é estar vivendo.

Ao longo da breve caminhada que venho levando até agora, tenho visto ela cada vez mais nos
caminhos do Tarot e da fé nórdica. Entendendo que a grande força que fundamenta o universo
é formar devagarinho quem somos, recepcionando tudo que existe em nós e fora de nós. Com
Amor e Vontade.

- Sorer Rudrana

93! Força e Fogo são de nós!


Louvada seja Babalon

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Revista 777

Em março de 2020, começo de ano (que costuma começar, para alguns, só depois do
carnaval), eu andava bastante desinformado, comemorando algumas conquistas profis-
sionais e mágicas. De repente um e-mail de lembrete chega à minha caixa de entrada: era
o lembrete de um cruzeiro chamado “Energia na Véia” - sim! É um cruzeiro para pessoas
de meia-idade - e que eu, desatento, li “Energia na Veia”. O MSC View, navio gigante e
bonito, seria o último cruzeiro a sair da costa brasileira pelos próximos meses. Ao de-
sembarcar no porto de Santos na volta de viagem, alguns dias depois, todas as medidas
sanitárias estavam rigorosamente em vigor no estado de SP, bem como testagem rápida
de temperatura e um mundaréu de funcionários de máscara. A pandemia havia chegado
para ficar.

O que era comemoração, logo virou apreensão: aulas canceladas, acesso interditado
ao ambiente de trabalho, um aluguel recém-acordado e que cobraria multa alta diante
da quebra de contrato, numa região universitária que em poucos dias ficaria deserta.
Implantaram-se de imediato as atividades remotas educacionais. A pandemia que mui-

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