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Sergio Capparelli e Zélia Gattai: confluências e divergências na literatura

de imigração italiana

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Camila dos Passos Araujo Capparelli (IC)* camila.capparelli@hotmail.com, Ana Beatriz
Demarchi Barel (PQ)

UEG-Câmpus Cora Coralina - Av. Dr. Deusdeth Ferreira de Moura, Centro, CEP: 76600-000, Goiás –
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Resumo: Essa pesquisa visa mostrar como se manifesta, através da Literatura, a imigração italiana
em duas diferentes regiões do Brasil, sendo elas sul e sudeste. Para isso, estabelecemos uma
relação de contraste entre as obras Gaspar e a Linha Dnieperpetrovski, de Sergio Capparelli, e
Anarquistas, graças a Deus, de Zélia Gattai, uma vez que ambos os autores tematizam, de formas
distintas, o cenário de formação e propagação de colônias italianas em território brasileiro. No que diz
respeito ao referencial teórico, nos apoiamos, principalmente, em trabalhos que interpelam questões
tanto na área dos estudos literários quanto das pesquisas sociológicas e nos trabalhos sobre a
História do Brasil e suas relações com a Europa (ALVIN, 1992; BAREL, 2001; CÂNDIDO, 1985;
FAUSTO, 2002; HALL, 2014; SCHWARZ, 2014; TRUZZI, 2016), entre outros. Os resultados obtidos
até o presente momento permitem ampliar a compreensão acerca da influencia da imigração na
formação da identidade brasileira no campo político, social e literário, cuja problemática faz-se
extremamente atual na sociedade pós-moderna, num momento em que o Brasil volta a ser terra de
acolhida de um enorme contingente de imigrantes e de refugiados, em particular dos sírios e dos
haitianos.

Palavras-chave: Literatura. Imigração Italiana. Identidade Brasileira.

Introdução

O Brasil é um país de raiz multicultural que teve contribuições de diversas


culturas e etnias em sua formação. Juntamente com os indígenas, nossos primeiros
habitantes, e os africanos aqui trazidos durante o processo colonizador, os
imigrantes europeus que aqui chegaram entre a segunda metade do século XIX e a
primeira metade do século XX contribuíram intrinsecamente em todas as esferas da
sociedade, alterando a cultura brasileira, seja nas artes, nas relações sociais, nas

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Graduanda do curso de Letras (Português/Inglês), UEG-Cora Coralina. Bolsista de
Iniciação Científica.
discussões políticas e em uma nova forma de compreensão do mundo. Estes
aspectos foram e ainda são temas de debates entre os mais representativos
intelectuais brasileiros, em diferentes campos de estudos, tais como: Literatura,
Sociologia, História, entre outros.
No que diz respeito ao referencial teórico, nos apoiamos, principalmente,
em trabalhos que interpelam questões tanto na área dos estudos literários quanto
das pesquisas sociológicas e nos trabalhos sobre a História do Brasil e suas
relações com a Europa (ALVIN, 1992; BAREL, 2001; CÂNDIDO, 1985; FAUSTO,
2002; SCHWARZ, 2014; HALL, 2014; TRUZZI, 2016), entre outros. Nos trabalhos
destes estudiosos, destacam-se influências decisivas na formação da sociedade de
imigrantes europeus que chegaram ao Brasil a partir dos anos 50 do século XIX. No
campo da produção cultural, que envolve também o debate literário e as
manifestações artísticas, a atuação desses imigrantes é de importância capital, visto
que a contribuição desta população chegada ao Brasil injeta um repertório novo,
proveniente de sua vivência nos países europeus.
Considerando o contexto geral do projeto da orientadora, que busca
compreender a memória afetiva e representação familiar na Literatura sobre
imigração, esse estudo visa levantar aspectos importantes para a compreensão
desse processo nas obras de Sérgio Capparelli e Zélia Gattai, ambos autores filhos
de colonos italianos que, por sua vez, acrescentam à Literatura nuances do
processo migratório.

Resultados e Discussão

Durante o período de 01 de Agosto de 2016 até a presente data, conforme


previa o cronograma ao qual vincula-se esta pesquisa, foram realizadas leituras de
textos ficcionais e teóricos, entre eles, Anarquistas, graças a Deus, de Zelia Gattai e
Gaspar e linha Dnieperpetrovski, de Sergio Capparelli, que, por sua vez, são as
obras literárias escolhidas para serem comparadas a fim de levantar elementos
importantes sobre a imigração italiana no Brasil nas regiões sul e sudeste. Essas
leituras designaram algumas reflexões, cuja síntese, dos principais pontos
levantados, segue abaixo:
Inicialmente, buscamos levantar características geográficas referentes às
obras. Constatamos que, embora as famílias encontradas nos livros pertençam ao
mesmo país de origem, trata-se de duas regiões diferentes. A família de Gaspar veio
de Sperzzano Albanesse, sul da Itália, por volta do ano 1915 e instalaram-se em
uma colônia isolada no Rio Grande do Sul, chamada, no livro, de Conzenza. Os
Gattai – lado paterno - são naturais da Toscana, região localizada no centro do
país, e os do lado materno, são originários do Vêneto, região que enviou ao Brasil o
maior contigente de italianos para o trabalho na lavoura de café. Chegaram ao Brasil
e se instalaram na cidade de São Paulo em 1890. Vale ressaltar que, diferente do
livro de Zélia Gattai (livro de memórias), a história de Sergio Capparelli é fictícia e
não sabemos ao certo se existem elementos autobiográficos, uma vez que o escritor
é, também, filho de imigrante italiano.
Nos objetivos do projeto que norteiam essa pesquisa, havíamos considerado
encontrar e relacionar, nestas obras, questões políticas, sobretudo ligadas ao
movimento anarquista, o que, por sinal, foi comprovado através das leituras. No livro
de Capparelli, um dos personagens mantém uma gráfica clandestina que imprime
jornais com teor anarquista e, por esse motivo, é preso e tem os materiais
confiscados. Isso se deve, dentre outras coisas, ao momento histórico em que se
passa a história - durante a Segunda Guerra Mundial – visto que os imigrantes
italianos são perseguidos e ameaçados, pelos chamados “getulistas”, em razão
de suas “tendências ideológicas”. Na narrativa de Gattai, os jornais de resistência
também aparecem, por exemplo, na descrição dos domingos em que os italianos se
reuniam na Aliança Nacional Libertadora, lugar onde Zélia vendia o La Plebe, que, a
propósito, é um jornal anarquista.
A leitura da trilogia biográfica Getúlio (2012), escrita pelo jornalista Lira Neto,
ampliou a compreensão sobre a conjuntura política do Brasil na era Vargas –
momento em que se passa a história de Capparelli. Assim, dentre outras coisas,
pudemos constatar que tal governo, assim como retrata o livro, não era favorável às
políticas de imigração e perseguiu duramente ciganos, homossexuais, intelectuais
de tendência esquerdista de proa como Rubem Braga e Graciliano Ramos. A
ditadura de Vargas exilou, deportou e torturou, colaborando com o regime nazista e
enviando à Gestapo judeus residentes no Brasil.
Outro elemento que se destacou, ainda que não determinado nos objetivos do
projeto, diz respeito a relação do imigrante com o trabalho que, em ambas obras,
aparece de forma significativa. Por exemplo, em Anarquistas, graças a Deus, o
patriarca da história, Ernesto Gattai, possui uma significativa relação com o trabalho
em sua oficina mecânica. Em Gaspar e a Linha Dnieperpetrovski, a colheita do trigo
é vista como prioridade, quase um ritual. Não por acaso, o livro é divido em três
capítulos, cujos títulos remetem ao trabalho rural, sendo eles: Plantio, Crescimento e
Colheita, respectivamente.
Essas relações, a nosso ver, são condizentes com a noção de ética do
trabalho estabelecida por (TRUZZI, 2016), que foi originalmente constituída pelos
imigrantes alojados no interior de São Paulo e corresponde à visão do trabalho como
algo a ser valorizado. Outro ponto de destaque na obra de Capparelli, que também
coaduna com as reflexões de (TRUZZI, 2016), refere-se à reafirmação da
colonização italiana no Rio Grande do Sul que retrata a dura realidade sofrida pelo
imigrante italiano no ambiente rural.
Vale ressaltar a importância da leitura de outras obras literárias, cujo pano de
fundo é, também, a imigração no Brasil (ARANHA, 2005; HATOUM, 2013; NASSAR
1998).

Considerações Finais

Este estudo, através da comparação das referidas obras literárias, instigou


importantes reflexões acerca do período da imigração no Brasil, que, além de
possuir grande relevância histórica, alterou diversas áreas da sociedade brasileira,
contribuindo para evidenciar a matriz multicultural constituída no nosso país. Assim,
a leitura das obras literárias, bem como dos textos teóricos, permitiram entender um
pouco mais da história do Brasil, que, por sua vez, foi fortemente marcada pela
cultura italiana, o que pode ser percebido na nossa Literatura.

Agradecimentos

Agradecemos a UEG que tem fomentado, através do seu programa de bolsas, a pesquisa no
período da graduação.
Referências

ALCÂNTARA MACHADO, Antonio. Brás, Bexiga e Barra Funda. São Paulo. Editora:
Globo, s/d.
ALVIM, Zuleika. ‘Imigrantes: A Vida Privada dos Pobres no Campo’ in História da Vida
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BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 1990.
CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. São Paulo: CEN, 1985.
CAPPARELLI, Sérgio. Gaspar e a linha Dnieperpetrovski. L&PM Editores, 1995.
DEMARCHI BAREL, Ana Beatriz. Um Romantismo a Oeste: Modelo Francês,
Identidade Nacional. São Paulo: Annablume/FAPESP, 2001.
FAUSTO, Boris.’Imigrantes: Cortes e Continuidades’ in História da Vida Privada. São
Paulo: Companhia das Letras, 2002, v. 4, p.13-62.
GATTAI, Zélia. Anarquistas, Graças a Deus. Rio de Janeiro: Record, 1984.
HATOUM, Milton. Relato de um Certo Oriente. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
________________. Dois Irmãos. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
________________. Um Solitário à Espreita. São Paulo: Companhia de Bolso, 2013.
KULCSÁR, João. Retratos Imigrantes. São Paulo: SESI-SP Editora, 2015.
MACHADO DE ASSIS. ‘Instinto de Nacionalidade’ in Obras Completas. São Paulo:
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MOREIRA LEITE, Dante. O Caráter Nacional Brasileiro. São Paulo: Pioneira Editora,
1969.
NASSAR, Raduan. Lavoura Arcaica. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
ORTIZ, Renato. Cultura Brasileira e Identidade Nacional. São Paulo: Editora Brasiliense,
1985.
SCHWARZ, Roberto. As Ideias Fora do Lugar. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.
STUART, Hall. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Lamparina,
2015.
TRUZZI, Oswaldo. Italianidade no interior paulista: percursos e descaminhos de uma
identidade étnica (1880-1950). São Paulo: Editora Unesp, 2016.

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