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Brasil/Moçambique - 2023
Andréa Martini1
Nicoll Andrea Gonzalez Escobar2
Aline Kieling3
Introdução
Investigando e residindo na Amazônia, professoras-pesquisadoras, de Áreas
aparentemente pouco afins, como Botânica, Linguística Aplicada e Antropologia, procuram
distinguir ferramentas metodológicas e conceituais transdisciplinares que possam trazer maior
proximidade, ao que se convenciona chamar, na Ciência formal e na Filosofia, de “Sujeito” e
“Objeto”. No caso, tratamos de dois projetos de pesquisa de doutorado em andamento.
Descreveremos metodologias que promovem a transdisciplinaridade e, assim, uma visão menos
limítrofe entre pesquisadoras e seus “objetos de pesquisa”. Em outras palavras, experiências de
pesquisa que nos potencializam a sentir ritmos outros. Ritmos em alteridades que fluem aos
tempos da vida, antes que à instantaneidade das redes e da produção acadêmica.
Desenvolvimento
Os respectivos projetos de doutorado em andamento, tratam de estudar a classificação
(etno)botânica (ESCOBAR) e as políticas linguísticas (KIELING), entre e na família linguística
indígena Pano, no estado do Acre, Brasil. Escobar acerca-se do povo indígena residente na Terra
Indígena Nukini; vizinhos ao Parque Nacional da Serra do Divisor e à Terra Indígena Nawa
1 MARTINI, Andréa. PhD em Etnologia e Etno História (UFSC). Doutora em Ciências Sociais, Bacharel e Mestre
em Antropologia Social (UNICAMP). Professora Associada 4. Licenciatura Indígena, Área Humanidades, Centro de
Educação e Letras, Universidade Federal do Acre, Campus Floresta. E-mail: andrea.martini@ufac.br
2 ESCOBAR, Nicoll Andrea Gonzales. Mestra e doutoranda em Biologia Vegetal, Programa de Pós-Graduação em
Biologia Vegetal, Universidade Estadual de Campinas (IB/UNICAMP). Professora substituta da Universidade Fede-
ral do Acre (UFAC), campus Floresta, Cruzeiro do Sul, Acre. E-mail: nicoll.andrea@hotmail.com
3 KIELING, Aline. Mestra em Letras: Linguagem e Identidade e Doutoranda pelo PPGLI - UFAC. Licenciada em
Letras Inglês (UFAC, campus Floresta). Bacharela em administração (IEVAL). Docente do Instituto Federal do
Acre, campus Tarauacá. E-mail: aline.kieling@sou.ufac.br.
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ainda não homologada, em Mâncio Lima – Acre. Já Kieling, aborda os Trabalhos de Conclusão
de Curso do curso Licenciatura em Educação Escolar Indígena da Universidade Federal do Acre
Campus Floresta, em Cruzeiro do Sul – Acre.
Tentar compreender relações tão peculiares, exige uma forma de olhar ainda pouco
ensinada na escola, tanto como, na academia (MARTINI, 2019 e 2020). As mudanças de
paradigma (VIVEIROS DE CASTRO, 2018) não são, ainda, de todo perceptíveis nas ciências
acadêmicas, visto derivarem de uma mudança de postura gradual. De cada
pesquisadora/pesquisador, da comunidade científica e da sociedade, tidos aqui como possível
totalidade. Além da maior interação entre as demandas científicas, as demandas globais e locais
em seus contextos próprios.
Isso é particularmente importante quando se estudam conhecimentos ditos tradicionais
(CARNEIRO DA CUNHA, 2019). Em nosso caso, conhecimentos indígenas, especializados,
técnicos e/ou específicos, como são, as línguas indígenas, (etno)história e (etno)taxonomia.
Cosmologia, mitologia e história.
A metodologia utilizada nos doutoramentos em questão, procura alinhar meios,
materiais, técnicas e métodos próprios à Botânica taxonômica e à Linguística Aplicada,
somando-os aos variados recursos de pesquisa antropológica, como observação participante e
narrativa descritiva etnográfica. Em suma, procura-se considerar primeiramente, a percepção
cultural dos próprios “objetos de pesquisa”, sem jogos de linguagem. Procura-se aferir as
relações que já estão previamente constituídas, sociologicamente falando, com nossos objetos de
pesquisa, ou no caso, aprofundar nossa relação e interação com os ‘conhecimentos pesquisados’,
num dado contexto sociopolítico, ambiental e espacial. Mas, não só. Trata-se de conhecimentos
que estão sob um determinado domínio, seja de um especialista local, de um grupo ou grupos
sociais específicos com suas peculiaridades.
Essa é uma tarefa arriscada e ‘limítrofe’. Que vai além da simples torção de um ponto-
de-vista. Significa tentar pensar com os olhos dos outros.... Ousado, pretencioso? Percebamos
que tais regiões limítrofes [do pensamento] nos cercam, enquanto pesquisadoras, professoras e
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pessoas. Tênues fios são conduzidos ao redor do “objeto científico” à título de delimitação de um
escopo ou de um corpus de dados.
Tais limites que são as regras metodológicas, os conceitos usuais, as bibliografias que
merecem bis e bis, os colegas de disciplina e cátedra que se repetem e se aplaudem mutuamente,
antes, regridem e autuam/policiam esse encontro cognitivo pleno de significações transbordantes
que poderia ser um raro encontro.
Desenformar essas limitações técnico-teóricas impostas pela objetivação pretendida pela
ciência, pelos métodos próprios às Áreas do Conhecimento, através de sucessivas cátedras que
disciplinam é o sustentáculo da academia como a conhecemos hoje. Libertarmo-nos delas é o
intuito dessa discussão. Com vistas à transdisciplinaridade. Infelizmente, isso não é ensinado e
muitas vezes, é plenamente desconsiderado. Seja na escola, ou na Universidade.
Nos espaços de pesquisa e ensino das Universidades públicas brasileiras, tanto nas
Áreas de Ciências da Natureza, como nas Áreas de Ciências Sociais, Letras e Linguística,
culmina uma longuíssima formação. No entanto, as disciplinas, os componentes curriculares,
dispostos em ‘percursos formativos’, pouco dialogam com a realidade e o contexto social,
econômico, político e cultural de seu público, que contempla, discentes, docentes, técnicos,
comunidade acadêmica e a sociedade envolvente.
No Ensino de Botânica, por exemplo, sistematiza-se, de forma padronizável e
comparável, a morfologia, a anatomia e a fisiologia das plantas. É raro perceber, e talvez demore
certo tempo, para que o Ensino da Botânica, e da Biologia também, acerque-se de que há
interações complexas entre todos os níveis de vida e entre todos os seres vivos, visíveis e
invisíveis, em um dado ambiente. O que inclui as plantas em sua morfologia-anatomia-fisiologia.
E, por que não, inclui as pessoas.
Por isso, ao estudarmos as plantas, do ponto-de-vista botânico, poderíamos prestar mais
atenção às interrelações existentes entre tais plantas e as pessoas e paisagens/ambientes que, num
dado recorte de espaço e tempo, coexistem e são notáveis à pesquisa e às pesquisadoras. Seria,
como se, ao estudarmos as plantas, pensássemos também, em seu “contexto”. Nos solos,
paisagens onde as plantas coabitam com seres humanos, animais, dentre outros entes
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4 Terreiro é um terreno limpo cuidadosamente, no entorno das casas. Faz-se com enxada, foice, terçado ou facão até
chegar na terra nua e lisa. Assim, protegem-se as pessoas e animais domésticos que por ali trafegam, de animais pe-
çonhentos, insetos, animais da mata, em nosso caso, raízes e tocos que possam dificultar a caminhada ou provocar
acidentes.
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colaborador, um grupo sociocultural e até mesmo, o que se poderia desenvolver como o “ponto-
de-vista” da planta ou da língua e de seus detentores.
Veja-se, pois, que as plantas [como as letras, os desenhos e as línguas] se relacionam,
pois, e diretamente à uma sociedade, pessoa ou grupo sociocultural específico. Percebe-se uma
complexidade decorrente dessa estratégia, e não apenas do aprofundamento deste sentido
observatório investigativo, sobre o comportamento de um vegetal ou mesmo, de uma língua.
Mas sim, de todo o contexto [ambiental e/ou socioespacial] que envolve as plantas, enquanto
entes viventes, em seus respectivos ambientes; numa interrelação com os grupos, pessoas,
animais que ali convivem e se criam. Através da língua, dos processos e da convivência. Ao
longo do tempo;
Essa forma de olhar transdisciplinar, – e oxalá, complementar – pode sim, renovar
perspectivas científicas norteadoras. Tanto na Botânica, como na Linguística Aplicada, e em
outras Áreas do Conhecimento, nem sempre correlacionáveis de imediato; numa feliz e
necessária aproximação entre as Ciências em geral e as Ciências Sociais, mais especificamente, a
Antropologia.
O mesmo sentido perceptivo e interpretativo, pode ser aplicado, como dito, às palavras e
sua articulação em cadeias de sentidos, como prevê a Linguística Aplicada. As línguas, e, em
nosso caso, especialmente, as línguas indígenas, os léxicos, as linguagens e as artes, são
manifestações políticas de seres vivos, no caso, pessoas, e suas interrelações com os ambientes,
as paisagens, os contextos e os outros seres e entes com os quais as pessoas convivem e
aprendem num dado local ou espaço.
As línguas expressam sentidos próprios, culturalmente distinguíveis entre grupos
sociais, indivíduos e pessoas. Sentidos, ao que consideramos, por exemplo, uma ideia plena de
posição territorial, identitária, afirmativa de pertença. Sentidos ao que configuramos, por
exemplo, através de pronomes como “nós” e “eles”. Ou melhor dizendo, ao que consideramos
“nós” e, ao que consideramos “eles”. Assim, nota-se que as plantas, assim como as línguas, e
sobretudo, as línguas indígenas do Brasil, requerem uma compreensão mais ampla que se
desdobra; na capacidade de se rever o próprio léxico e/ou mesmo o que se convenciona
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Conclusões
Partindo, pois, de experiências pessoais de pesquisa, gostaríamos de oferecer dois
exemplos, de como o pensamento científico tradicional, pode e deve mudar, pelo menos, para
atender as formas de perceber, olhar e dimensionar oriundas de outros grupos sociais. E assim,
propor a ideia de que investigar cientificamente, hoje, na contemporaneidade, em qualquer Área
do conhecimento, significa, não só repensar os próprios objetivos, as convenções e os percursos
convencionais de investigação, método, teoria e ação. Significa refazer as nossas práticas,
procedimentos e pensamentos. Somos, não apenas cidadãos pensantes e realizadores no mundo
de hoje. Somos nosso mundo idealizado, inventado, sonhado e realizado. Alhures e ao longo do
tempo, enquanto experiência.
Referências bibliográficas
ALMEIDA, Mauro de. Caipora e Outros Conflitos Ontológicos. São Paulo: Ubu Editora,
2021.
MARTINI, Andréa. Tecendo Limites no Alto Rio Juruá. Curitiba Brazil Publishing,
2019.