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# 3
JOÃO DI SOUZA
GUILHERME CORREA
Alair Gomes
O Homem Nu é imoral?
FALO© é uma publicação bimestral.
Sumário
julho 2018.
ISSN 2675-018X
versão 13.04.20
F
Guilherme Correa que, num papo infor- Em domínio público
capa: As três graças, acrílica em lona de João di Souza
azer uma REVISTA é di- mal sobre Alair Gomes – cuja obra está
Direitos e Comprometimento:
les que se beneficiam com esse trabalho
demonstram alguma vontade, fico me
vo da Biblioteca e um texto incrível onde
ele descreve o falo como sua “perene ter- FALO EM FOCO
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Esta revista está comprometida com artistas que perguntando se não estou dando murro
possuem direitos autorais de seu próprio trabalho. nura”). Minha Falorragia discorre sobre
Todos os direitos estão reservados e, portanto, em ponta de faca. a nossa nudez nativa, a nudez do povo
nenhuma parte desta revista pode ser reproduzida de
forma mecânica ou digital sem autorização.
Caso você tenha alguma dificuldade de
verdadeiramente brasileiro. Esse texto
faz eco com o texto do Papo de Homem,
ESPECIAL 50
Temos o cuidado de garantir que as imagens usadas entender esse desabafo, na Apresenta- que questiona a sexualidade da nudez. O Homem Nu é imoral?
nesta publicação tenham sido fornecidas pelos ção, narro os acontecimentos de 2017 Por fim, retorno à coluna moNUmento,
criadores com permissão de direitos autorais ou
sejam livres de direitos autorais ou sejam usadas no
protocolo de “uso justo” compartilhado pela internet
que levaram à criação dessa revista.
Tenho certeza que ficará bem ilustrado
em uma referência direta ao ocorrido
com Wagner Schwarz no ano passado.
PAPO DE HOMEM 54
(imagens em baixa resolução, atribuída a seu criador, na sua cabeça. A nudez não precisa ser sexual
sem fins lucrativos e usada apenas para ilustrar um
artigo ou história relevante). Espero que você, leitor, artista ou anun-
Se, no entanto, houve uso injusto e/ou direitos
autorais violados, entre em contato através do e-mail
É por isso que quero agradecer às pes-
soas que (sem saber) mantiveram a luz
ciante, tenha entendido agora esse esfor-
ço. Que a partir de agora você compar-
FALORRAGIA 60
falonart@gmail.com e procederemos da melhor forma no fim do túnel acesa: Vilmar Ledesma tilhe esse material caso tenha achado
A nudez natural do Brasil
possível. e Allan Lucena, pela vontade de parti- importante. Se não for do seu gosto, ao
cipar da revista; o pessoal do Papo de
Homem sempre solicito; Adão Iturrus-
menos reconheça o valor informacional
moNUmento
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Submissões: desse periódico. Aproveite esse veículo
Caso haja o interesse de participar da revista seja garai, que, sem piscar, autoriza o uso de como uma oportunidade de usar a Arte
como artista, modelo ou jornalista, entre em contato suas incríveis charges; e, a Lorrane Sezi-
através do e-mail falonart@gmail.com. para transformar o mundo.
nando, pela paciência e gentileza.
Filipe Chagas, editor
FC Design
R. Mario Portela 161/1603 C, Laranjeiras
Rio de Janeiro – RJ 22241-000
APRESENTAÇÃO que coloca em risco não apenas a liberdade Após, sua soltura, Maikon declarou:
de expressão, assegurada pela Constituição
“O fato de vocês quatro estarem juntos em cena já é O modo como reagimos à arte diz muito sobre nós.
algo tão importante, vocês nem precisam fazer nada”, O modo como fazemos arte diz muito do que se es-
diz alguém. “Vai ser histórico”, lê-se num comentário. pera de nós.
12 13
João di
Souza A
té os 15 anos João di Souza
tinha dificuldade em todas
as disciplinas da escola, em
Teixeira do Progresso, Bahia.
Menos em Educação Artística:
Dança, circo, teatro… teve uma trajetória que o fez encontrar a be-
leza do movimento corporal para se dedicar à pintura de forma au-
todidata. Sob influência de artistas figurativos da América Latina –
principalmente o muralista Diego Rivera e a surrealista Frida Kahlo
–, uniu o sensual e festivo em imagens de cores quentes e vibrantes
como sua natureza baiana.
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Cirurgia
Pop Art sem fugir da antropofagia mo-
derna brasileira, como em suas séries
“Paisagens Inventadas”, “Círculo ínti-
mo de amizade” e “Quimeras”.
plástica
Pietá, óleo sobre tela.
João sabe das adversidades que seu trabalho enfrenta em uma socie-
dade que ele crê estar num processo de regressão moralista:
para
de corpos masculinos sexualizados, pois carregam uma nar-
rativa que elas não querem para elas.
você!
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Roseiral, óleo sobre tela.
CRM 5246681-1
G
uilherme Correa é carioca, nascido literalmente na
estreia da Geração Y, janeiro de 1980. Viveu até os
18 anos no Rio de Janeiro, mas seu primeiro em-
prego foi em São Paulo, onde permaneceu 15 anos,
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viajando o mundo inteiro como comissário de voo.
Guilherme
Correa
por Filipe Chagas
Aos 30 anos sentiu que sua veia artís- Procura saber o mínimo possível do
tica e uma sensação indistinta de incô- modelo e o que ele traz para acrescen-
modo o empurrava para fora da zona tar na linha de trabalho, como, por
de conforto. Acabou decidindo largar exemplo, se ele dança, pratica algum
tudo para se dedicar exclusivamente esporte etc. Entretanto, sabendo o
às artes cênicas. Nessa época, a expe- quanto é delicado trabalhar com o
riência que mais o marcou foi a parti- ego e a expectativa das pessoas, é bem
cipação, no Theatro Municipal de São exigente e, ao clicar, presta atenção
Paulo, na ópera Carmen de Bizet. em tudo que possa fazer a diferença.
Ensaio Demônios. Modelo: Andrés Vallejos. Ensaio Mascote. Modelo: Luke Bigatti.
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Ensaio Namorado. Modelo: Maurício de Quieroz. Ensaio Feather. Modelo: José Pennafort.
Sua maior barreira ainda é o nu frontal, pois
90% das pessoas não querem fazer. Acredita
na importância dessa quebra de paradigma
de algo natural e, então, age normalmen-
te, como se estivesse fotografando a pessoa
de roupa: olho no olho o tempo todo. Caso
aconteça uma ereção e algum constrangi-
mento, prontamente deixa o modelo à von-
tade e segue, pois o foco são as expressões
faciais e corporais.
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30 31
NY SIGHTSEEING
unir nossas frentes de trabalho, um gran-
Acima: Autorretrato
de tratamento de choque. Creio que disse-
minar a arte seja o antídoto do ódio. 8=D Abaixo: ensaio fotográ-
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fico para modelo co-
mercial e de passarela
(Thiago Medeiros).
TRANSFER 33
PHOTOGRAPHY
VIDEO
We truly LOVE what WE do and WE want to serve YOU whenever YOU want.
w w w. t o u r g o r d o n . c o m
tourgordon212@gmail.com +1 551 221-0341 Mehmet
Falo de História
por Filipe Chagas
Alair
Gomes
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1921 - 1992
Sinfonia de Ícones Eróticos [From Opus Three].Acervo da Fundação Biblioteca Nacional - Brasil.
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Sinfonia de Ícones Eróticos: From Book of Erotic Icons.Acervo da Fundação Biblioteca Nacional - Brasil. Sinfonia de Ícones Eróticos: Fragment n.10 e/ou adoremus n.10, from Opus Three. Acervo da Fundação Biblioteca Nacional - Brasil.
Sítio Burle Marx,Vargem
Grande, Rio de Janeiro, 1968.
Acervo Fundação Biblioteca
Nacional - Brasil.
Perene ternura
agosto de 198-. Acervo Fundação Biblioteca
Nacional - Brasil (revisão e grifos do editor)
Ereto ou ainda pendente, já túmido ou não, atinge sua validade. Ser felizmente sensível
revelando ou deixando de revelar feições que e livre bastante para perceber e proclamar o
suscitam assombro, ao mesmo tempo pro- que agora proclamo não significa que minha
porcionando, ou não, justa ocasião para o proclamação seja válida apenas para mim,
riso, ou mostrando-se completamente fami- ou que em última análise eu afirme apenas
liar, natural e muito simples, o membro mas- uma peculiaridade de minha personalidade.
culino atrai ternura avassaladora – em seus A tomada de consciência do membro mascu-
múltiplos modos afirmando a generalização, lino é, para qualquer pessoa, uma experiên-
num sentido básico e existencial, do amor cia sui generis e transcendental – não impor-
mais paradisíaco que o ser humano conhece, ta quão simples e natural possa também ser
quando criança – e depois. Estupendamente – ou quão sórdida e corrupta a atmosfera em
particular e concreto, inerente a indivíduos, que se dá. E a rejeição, com ou sem expres-
ao projetar-se do corpo do homem como car- são de escândalo, do fascínio que inevitavel-
ne, torna-se também impessoal, supra-indi- mente suscita, não é, afinal, muito menos
vidual, proto-individual, incarnando traços afirmativa de seu único poder que a plena e
muitos gerais e significativos da realidade; franca devoção a ele. De fato, a tomada de
faz-se suma e resolução feliz de contradições consciência do membro masculino afeta o
inquietantes – afirma-se como certeza ou cerne de qualquer pessoa – imediatamente
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garantia amorosa – de modo tão misterioso projetando nova luz sobre a realidade em
quanto adorável, sempre surpreendente, fi- geral, transladando-a para um estado mais
gura e realidade oculta e exibida, acessível e verdadeiro e revigorante, transfigurador de
inatingível, inocente e ardilosa – corpo, elu- uma inquietação que nele também reside.
cidação, fonte e amor de liberdade, veículo
e finalidade, caminho e consumação, subja- A eleição, por minha parte, da indução de
cente e transcendente – foco de fascínio de ternura como o efeito preponderante do fas-
âmbito universal – impregnando e transfigu- cínio exercido pelo falo pode parecer o traço
rando o mundo com sua presença e realidade mais pessoal das declarações que agora fiz
– supremo indício! – a seu respeito e não apenas um traço muito
– milagre perene, como o próprio ser! – pessoal, mas talvez também bastante cômi-
– Platão devia tê-lo sublinhado em sua teo- co. Entretanto, essa eleição é a consequência
ria da recordação das coisas do céu nas coi- mais justa e expontânea – em um sentido
sas aqui percebidas – essencial, também a mais lógica – da toma-
– os sentidos não revelam coisa alguma de da de consciência da concentração de tantos
caráter mais crucial – atributos felizes e fantasticamente afiança-
– nada mais fascinante, apenas e simples- dores no falo. E, diria ainda, não apenas con-
mente por ser o que é. sequência, mas também algo absolutamente
livre e original – fundamental. O riso que
Obviamente o elemento pessoal ou subjeti- pode provocar é riso feliz e saudável – diante
vo de minhas afirmações é enorme; mas não de evidência de liberdade feliz e total.
Nu masculino sentado com bastão, óleo sobre tela de Eliseu Visconti, 1891.
Fernando Sabino
ESPECIAL Deus criou o homem nu. A folha de parreira apareceu depois. A nudez é, pois,
natural; e imoral, se imoralidade existisse, seria a vestimenta – inclusive o ato
de tirá-la. Mas tudo depende da finalidade a que ela se destina – não só a de preservar o
O Homem Nu é imoral? recato também natural do homem, como o de protegê-lo devidamente dos chamados rigores
da natureza e adequá-lo ao meio em que exerce a sua convivência com outros homens em so-
ciedade. Existindo tal adequação, a nudez ou a vestimenta serão necessariamente estéticas,
na medida em que buscam aprimorar aquilo que já é necessariamente belo. E o que é belo
jamais é imoral, se integrado em seu verdadeiro contexto. Tanto é imoral um homem nu
dentro de uma igreja ou em plena rua, como um homem de terno e gravata dentro de uma
A pergunta, quem diria, volta a ecoar em pleno século 21. Aqui,
piscina ou de uma sauna. A nudez de um homem ou de uma mulher é mais do que natural
ela é título de uma matéria de capa da revista O Cruzeiro, de
e bela, em si – é sagrada. Ainda mais quando perfazem o ato do amor, que é o ato da cria-
março, de 1968. É em cima da proibição da peça Cordélia Bra-
ção. A imoralidade está nos que conspurcam a nudez com seus próprios olhos
sil, de Antonio Bivar, e abre com a nudez em página inteira do
ou com a imaginação, projetando em tudo a sua secreta incapacidade de amar
pintor e ator Luiz Jasmim, que morreu em 2013, aos 72 anos.
o homem tal como ele é, tal como nasceu: pobre, sozinho e nu, frágil criatura
Ele atuava na peça com Norma Bengell. Só que o “homem nu”
de Deus, matéria de salvação.
não era o motivo da censura: “A verdade é que no meu texto
não havia a indicação de homem nu. E Luiz Jasmim nem apa-
recia nu em cena. Mas continuava genial na autopromoção”,
conta Bivar, em seu livro de memórias Mundo Adentro Vida Nelson Rodrigues
Afora, no capítulo “Vaidade, teu nome é Jasmim”. O último carnaval desmoralizou completamente a nudez. Tirou da nudez o seu suspense e
todo o seu patético. Só escandalizou quem não se despiu. Aliás, é preciso estabelecer uma
Golpe de autopromoção à parte, a matéria é interessante. Lem- cronologia da culpa. A primeira culpada foi a praia. Não há nudez pior do que a do bi-
bra que no ano anterior a revista francesa Lui trouxe pela pri- quini. O biquini é algo semelhante ao barbante que a índia enrola em cima do umbigo. Sei
50 meira vez uma publicidade com um homem nu e entrevista os que no caso presente o problema é a nudez masculina. Será imoral a nudez masculina e a 51
principais artistas e intelectuais da época: Nelson Rodrigues, feminina não? Eis uma pergunta imbecil que só poderá ter respostas igualmente imbecis.
Oscar Niemeyer, Fernando Sabino (O filme O Homem Nu es- Eu diria que a nudez masculina é ignóbil para o homem, mas duvido muito que a mulher
tava em cartaz) e a jovem Maria Bethânia, entre eles. É a opi- tenha uma ideia pouco lisonjeira do nu másculo. Seja como for, acho de um cinismo
nião deles que interessa aqui quando a nudez masculina está de gigantesco que se proíba a nudez no palco e se permita a nudez carnavalesca e
volta (também de volta ou alguma vez não estiveram?) e causa praiana. É só. Estou exausto.
polêmica entre conservadores.
Maria Bethânia
Não há imoralidade alguma num homem nu como também numa mulher nua. Acho que
depende de cada um. De seu modo de ver, de encarar a situação. Cada um tem um pensa-
mento diferente quando vê um homem nu e cada um o concebe a sua maneira. O imoral
vê imoralidade. Além disso, acredito que a mulher carioca vá aceitar bem a inovação, e
os homens, logicamente, farão muitas piadas. O negócio é esse mesmo: o autor tem que ter
liberdade de botar para fora tudo o que vem à sua cabeça. E se um homem nu fica bem em
certa situação na cena, que venha o homem nu.
Continuando a colaboração
da edição passada com Allan
Lucena sobre O Homem Nu
de Fernando Sabino, pedi ao
poeta que também desse sua
opinião, assim como os inte-
lectuais fizeram há 50 anos.
Allan Lucena
É sim, somos todos imorais. Enquanto o ser humano se ver
como imoral, sujo, proibido, pecador, a nudez também será.
60 61
O
sem nenhuma cobertura, nem estimam
s nativos encontrados pe- cobrir nenhuma coisa, nem mostrar suas
los portugueses em virtu- vergonhas: acerca disso, estão em tanta
de do “descobrimento” da inocência como tem em mostrar o rosto”.
Ilha de Vera Cruz (o Bra- – Pero Vaz de Caminha
sil), em 1500, estavam nus.
Desconheciam o pudor do homem branco e a “vergonha” descrita
por Caminha. Vieram nus a este mundo e assim deveriam perma-
necer como todos os outros seres da floresta. Identificados com a
natureza, o homem e a mulher nativos viviam em sã exibição da
forma em que foram moldados, sem que o estado de nudez provocas-
se qualquer “vergonha”. O aventureiro alemão Hans Staden julgou
natural a nudez ao ser escravo por nove meses da tribo Tupinambá,
dita canibal:
Índios Apiacás, parte de ilustração de Taunay (séc. XVI)
“Os homens andam nus. Na parte
da terra que fica entre os trópicos
[...] São pessoas bonitas de cor-
po e estatura, tanto homens quanto
mulheres, da mesma forma que as
pessoas daqui, exceto que são bron-
zeados pelo sol, pois andam todos
nus, jovens e velhos, e também não
trazem nada nas partes pubianas”.
ISSN 2675-018X
falonart@gmail.com