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Brazilian Journal of Development 101219

ISSN: 2525-8761

Direito à educação infantil: análise constitucional da realidade


brasileira

Right to early childhood education: constitutional analysis of the


brazilian reality
DOI:10.34117/bjdv7n10-438

Recebimento dos originais: 07/09/2021


Aceitação para publicação: 04/10/2021

Regina Marieta Teixeira Chagas


Doutoranda no Programa de Pós graduação em Educação da Universidade Federal do
Amazona; Possui Bacharelado em Filosofia pelo Centro de Estudos do Comportamento
Humano; Licenciatura em Pedagogia pela Universidade Federal do Amazonas;
Especialização em Gestão de Sistemas Educacionais pela Faculdade de Educação da
Universidade Federal do Amazonas; e Mestrado em Educação pela Faculdade de
Educação da Universidade Federal do Amazonas; Atua como Pedagoga na Secretaria de
Estado da Educação e Desporto. Atuou como diretora do Centro de Formação
Profissional Pe. Anchieta - CEPAN da SEDUC/AM. Atuou como Conselheira do
Conselho Estadual de Educação - CEE/AM - Câmara de Educação Superior.
Desempenhou papel de professora formadora e pesquisadora nos programas Federais de
Formação dos profissionais da educação como: Escola de Gestores, Educação
Ambiental e Educação, Pobreza e Desigualdades Sociais desenvolvidos pela
Universidade Federal do Amazonas/FACED/CEFORT. Atuou como Assessora Técnica
na Câmara de Educação Superior - CEE/AM. E-mail: reginamarieta16@gmail.com

Fernanda Pinto de Aragão Quintino


Doutoranda no Programa de Pós graduação em Educação da Universidade Federal do
Amazonas (UFAM). Licenciada e Bacharel em História (UFCG); Licenciada em
Pedagogia (Facel); Possui Especialização em Ensino de História do Brasil e da Paraíba
(FIP); Especialização em Educação para os Direitos Humanos (UFPB); Especialização
em Educação para as Relações Étnico-raciais (UFCG); Especialização em Gestão
Educacional: Direção, Coordenação e Supervisão (IBF); e Mestrado em
Desenvolvimento Regional pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). É
professora Formadora da Secretaria de Estado de Educação e Desporto do Estado do
Amazonas (SEDUC-AM) e professora colaboradora do PARFOR pela Universidade do
Amazonas (UEA). É redatora chefe da Revista Diálogos Formativos, da SEDUC-AM.
Pesquisadora integrante do projeto de pesquisa “A contradição em processo: políticas
para Educação Básica, Modalidades e os Movimentos Sociais''.
E-mail: fernanda@seduc.net

Arminda Rachel Botelho Mourão


Doutora em Educação: História, Política, Sociedade pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. Mestre em Educação pela Universidade Federal do Amazonas.
Professora Titular da Universidade Federal do Amazonas. Coordenou o Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Amazonas. Exerceu a função
de Pró-Reitora de Assuntos Comunitários da UFAM. Foi diretora da Faculdade de
Educação, presidente da Associação de Professores do Estado do Amazonas e da
Associação dos Servidores da Universidade do Amazonas. Coordenou o Programa de

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Pós-Graduação em Educação/FACED/UFAM. Pesquisadora responsável pelo projeto


de pesquisa “A contradição em processo: políticas para Educação Básica, Modalidades
e os Movimentos Sociais''.
E-mail: armindamourao@ufam.edu.br

RESUMO
Nosso objetivo foi realizar uma análise sobre o direito à educação infantil voltado para as
crianças de zero a seis anos de idade nos termos do art. 205 da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), que o institui como direito à personalidade,
corolário do direito à dignidade da pessoa humana. Previsto no texto constitucional entre
os direitos sociais, tem o Estado como garantista, a quem incumbe o dever de promover
o acesso aos serviços públicos e particulares que o envolve, seguindo as regras contidas
no Estatuto da Criança e do Adolescente, com especificações da Lei de Diretrizes
Escolares e Declarações Universais. Em virtude da notória precariedade da prestação do
serviço público, por meio da metodologia científica, da revisão teórica doutrinária, traça-
se um panorama sobre as políticas públicas, a possibilidade de escolha na consecução e
efetivação deste direito fundamental, que não compete, apenas, ao ente público, sua
influência na formação humana como instrumento de transformação da sociedade,
sobretudo, abordando aspectos favoráveis ou não, a fim de analisar se a realidade
brasileira atende à demanda e se há efetividade desta garantia fundamental.

Palavras-chaves: Direito. Educação infantil. Escola. Atendimento à Criança.

ABSTRACT
The theme proposes an analysis of the right to early childhood education for children
from zero to six years old, under the terms of art. 205, of the 1988 Constitution of the
Federative Republic of Brazil (CRFB/88), which establishes it as a right to personality,
corollary to the right to human dignity. Provided for in the constitutional text among
social rights, the State is the guarantor, who is responsible for promoting access to the
public and private services that surround it, following the rules contained in the Statute
of Children and Adolescents, with specifications of the Law of School Guidelines and
Universal Declarations. Due to the notorious precariousness of public service provision,
through scientific methodology, theoretical doctrinal revision, an overview of public
policies is outlined, the possibility of choosing to achieve and implement this fundamental
right, which is not only a competence, to the public entity, its influence on human
formation as an instrument for transforming society, above all, addressing favorable
aspects or not, in order to know if the Brazilian reality meets the demand and if this
fundamental guarantee is effective.

Keywords: Right. Child education; School; Child Care.

1 INTRODUÇÃO
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) estabelece
o direito à educação no rol de direitos fundamentais da pessoa humana, garantido a todo
brasileiro em desenvolvimento, ou seja, constitui direito subjetivo em favor das crianças,

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como condição de ensino obrigatório, público e gratuito. É um dos direitos sociais da


Carta Cidadã do país, constitui um avanço para minimizar as distorções sociais, visando
à melhoria das condições de vida, um ideal do Estado Democrático de Direito.
Nos termos dos arts. 205 e 227, da CRFB/88, a educação é dever do Estado, como
gestor e fomentador, que deve desenvolver as políticas públicas necessárias para
efetivação e gozo desta garantia constitucional, compreendendo a família como
instrumento nuclear, tendo o processo educativo como segundo plano, sem o qual não há
perspectivas de uma verdadeira transformação do homem, agregando, ainda, a
colaboração da sociedade que sofrerá todas as consequências da ausência de um sistema
educacional perfeito e acabado. Para tanto, a previsão de dotação orçamentária, a teor dos
arts. 212 e 213, da CRFB/88, afasta qualquer argumento de que o acesso à educação é
norma de cunho programático, dependente da vontade do gestor.
Apesar de todas as proteções constitucionais, a educação vem sofrendo mudanças,
que refletem, não apenas a quebra dos modelos sócios educacionais e administrativos,
mas, principalmente, as transformações socioeconômicas de um mundo que se encontra
sob a égide da globalização e do neoliberalismo, com reflexos no espaço escolar, onde se
percebem as estreitas relações entre educação e Estado, que tem sido, ao longo dos
tempos, um lugar legítimo para atender aos interesses das classes dominantes, que
tencionam não apenas por ensinar para o mercado de trabalho, mas construir uma
memória que silencia e oculta o papel das classes populares, das minorias no
desenvolvimento da sociedade – sofismando a ideia de que existe uma sociedade
homogênea, igualitária e justa.
No entanto é no interior desse processo que as tensões e os conflitos se
evidenciam, tornando as contradições ainda mais nítidas, por meio de políticas públicas
educacionais direcionadas, em larga medida, por organismos internacionais, tais como o
Banco Mundial e o FMI (Fundo Monetário Internacional), os quais fazem o papel de
agências de regulação desse processo, que há muito tempo vem minimizando o direito à
educação para as crianças de zero a cinco anos de idade - inobstante seja uma obrigação
estatal, por se tratar de direito social, igualmente, direito da personalidade, que compõe,
indubitavelmente, o princípio magno da dignidade da pessoa humana.
No intuito de facilitar a exposição, desenvolve-se um estudo à partir da legislação
sobre o direito à educação infantil, trazendo uma breve abordagem histórica e conceitual,
com fundamentos legais, teóricos, bem como sobre aspectos relevantes no tocante às
políticas públicas, essenciais para a análise e conclusão sobre efetividade, ou não, deste

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direito fundamental na formação basilar para crianças de zero a seis anos de idade em
conformidade com a realidade brasileira.

2 ABORDAGEM HISTÓRICA, CONCEITO E O DILEMA DA GARANTIA AO


DIREITO À EDUCAÇÃO INFANTIL
Desde a vigência da Constituição do Império, datada de 1824, no artigo 179,
XXXII, já havia previsão no sentido de garantir o direito à educação, ao dispor que “A
instrução primária é gratuita a todos os cidadãos”. A CRFB/88 afirma este direito na
dicção do art. 208, I e IV, e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei
9.394/96, no art. 4º, IV, reafirma a garantia como dever do Estado, incluindo, o
atendimento às crianças em creche e pré-escola, assim como o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/90, reprisa, nos ditames dos arts. 53 e 54, acrescentando
que as crianças são sujeitos de direitos.
O vocábulo educação é proveniente do latim, do vocábulo educatio, educationis,
e sua tradução, lato sensu, significa o ato de criar. Segundo Meksenas (2002), a educação
nasce quando o conhecimento de crenças, técnicas de sobrevivência, hábitos, costumes e
experiências próprias são passados a outras pessoas de determinado grupo social e se
assegura a continuidade por gerações. Esta gama de habilidades e possibilidades, capaz
de garantir e, principalmente, transformar potencialidades em realidade é a educação, que
se torna instrumento de desenvolvimento da personalidade humana e, consequentemente,
fundamental para o exercício da cidadania, edificação do Estado Democrático de Direito,
o qual exige cidadãos capazes, críticos e prontos para desempenharem seus papéis sociais
plenamente.
É pacífico que um dos objetivos da educação se atrela ao preparo para a cidadania
e que a proteção dos direitos humanos depende de um processo educacional sério, eficaz
e capaz de despertar nas gerações presentes e futuras a consciência de participação na
sociedade, o que, infelizmente, não ocorre nos dias de hoje diante da precariedade dos
sistemas de ensino atuais e, também, da promoção de políticas públicas por parte do ente
estatal. No Brasil, a educação deveria ser tratada como uma política social, que tem como
compromisso fundamental à garantia dos direitos do cidadão, em que a escola deve ser
protagonista de um novo papel frente à sociedade, que é o de propiciar ações para a
efetivação dos direitos sociais.
Nesse sentido, a garantia do acesso à educação para as crianças não pode
compactuar com a exclusão da universalização do ensino para as demais faixas etárias,

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inclusive para os adultos, como ocorre nos dias de hoje, em que o próprio sistema
educacional é desigual. A formação intelectual, social e cidadã, função primordial da
educação, deve voltar-se, sem nenhuma forma de exclusão. Somente assim poderemos
iniciar a busca por um efetivo Estado Democrático de Direito. Como dito anteriormente,
a educação é dever do Estado, que se faz presente em “inúmeros tratados, cartas de
princípios e acordos internacionais que buscam estabelecer a pauta de direitos
consagradores da dignidade da pessoa humana” (GARCIA, 2006, p.89).
A garantia de acesso à educação infantil pode ser exigida em decorrência do
insculpido em nossa Carta Magna, Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei de Diretrizes
Escolares e Declarações Universais. Sob o aspecto do Estado social e democrático de
direito, a positivação jurídica de valores sociais passou a servir tanto à interpretação da
constituição, quanto à criação, direção e regulação de intervenções por meio de políticas
públicas (DUARTE, 2007, p. 694). Em conformidade com o art. 205, da CF88:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e


incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho (BRASIL, CF.88, art. 205, p. 109).

Entre outros dispositivos constitucionais, previstos entre os arts. 205 a 214, em


várias passagens, exemplificando, os arts. 6º e o 227, todos, da CRFB/88, o direito à
educação está sujeito às especificações da LDB, dos atos normativos do Conselho
Nacional de Educação (CNE), do Programa de Legislação Educacional Integrada (PLEI)
e o Plano Nacional de Educação (PNE), que possibilitam o acesso ao Poder Judiciário,
para exigir o cumprimento deste direito, como chancela o art. 5º, da CRFB/88:

Art. 5º. O acesso ao ensino fundamental é direito público subjetivo, podendo


qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária,
organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída,
e, ainda, o Ministério público, acionar o Poder público para exigi-lo. (g.n.)
(BRASIL, CF 88, ART. 5º, p. 11).

Silva (2009, p. 313) classifica o direito à educação infantil como “plenamente


eficaz e de aplicabilidade imediata, ou seja, exigível judicialmente, caso não seja prestado
espontaneamente”. Contudo, a exigibilidade encontra limites para a efetivação, visto que
o Estado deve administrar os parcos recursos provenientes de tributos para prover os
serviços primordiais, cuja ideia de mínimo “demanda a existência de um aparato estatal
de prestação, incluindo estrutura física, logística e pessoal, a gerar gastos que devem ser

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cobertos” (AMARAL, 2004, p. 111). Esta é uma escolha sujeita ao princípio da reserva
do possível, que legitima a escolha do Estado por optar por um determinado serviço e
considerar outros como menos importantes, de acordo com as possibilidades de momento.
Amaral (2004, p. 118) também mostra esse paradoxo constitucional, pois este
mesmo Estado está obrigado a cumprir prestações positivas: “mas pode escusar-se por
impossibilidades fáticas que deve demonstrar cabalmente”. Logo, o princípio da reserva
do possível não pode servir para mitigar o direito à educação, que é primordial, nem
chancelar o comodismo dos governos, impeditivos da realização de direitos inerentes à
dignidade humana, visto que é direito fundamental.
Entretanto, em descompasso desse ideal, a LDB corroborou a reserva do possível,
ao ressalvar que a educação é obrigatória, observando-se a seguinte escala: ensino
fundamental, infantil, médio e superior (art. 5º, § 2º)1. Significa que, diante da
impossibilidade de prover totalmente o serviço, privilegiar-se-á o ensino fundamental,
por força do art. 322, a partir de seis anos de idade, excluindo os de menos idade, inclusive
jovens e adultos, sem justificativa, em contrariedade às finalidades previstas nos arts. 29
e 30, I e II3, prejudicando o desenvolvimento pedagógico satisfatório da capacidade de
aprendizado, importantes na etapa básica da educação.
Não se pode esquecer que o direito à educação infantil é inalienável, pois a
matrícula é obrigatória, por previsão legal e a disponibilidade de vagas é obrigação do
Estado, que deve ser compelido, pelas vias administrativas e jurídicas, a garantir a todos
quanto delas necessitarem, porque faz parte do mínimo existencial, segundo a máxima,
já citada, do art. 205, da CRFB/88, Em reforço, o art. 4º, do ECA4, determina que seja

1
Art.5º, § 2º. Em todas as esferas administrativas, o Poder Público assegurará em primeiro lugar o
acesso ao ensino obrigatório, nos termos deste artigo, contemplando em seguida os demais níveis e
modalidades de ensino, conforme as prioridades constitucionais e legais. (g.n.).
2
Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública,
iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante: (g.n.).
3
Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento
integral da criança de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social,
complementando a ação da família e da comunidade
Art. 30. A educação infantil será oferecida em:
I - creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade;
II - pré-escolas, para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade.
4
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com
absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;

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assegurada como primazia das políticas públicas, a todos os infantes de zero a cinco anos.
Para tanto, é crucial promover políticas públicas destinadas à aplicação de receitas anuais,
para manter e desenvolver o ensino, para cumprimento do art. 2125 da Lei Augusta de
1988. Sarlet (2007) esclarece que a ordem jurídica brasileira consagrou o princípio da
proibição de retrocesso, ainda que sem nominar, nas garantias aos direitos adquiridos e a
ato jurídico perfeito, que se compreende como limitação de atuação do poder constituinte
derivado, do legislador infraconstitucional ou dos governantes, de deixar de priorizar a
educação, com espeque na reserva do possível.

3 FATORES QUE INFLUENCIARAM A EFETIVAÇÃO DA EDUCAÇÃO


INFANTIL BÁSICA
A década de 1990 foi considerada a Década da Educação, cujo ideário se
sustentava pelo conhecimento epistemológico extraído do relatório Delors (1998, p. 39 e
ss.), que definiu quatro pilares para a Educação: aprender a ser, aprender a fazer,
aprender a conviver e aprender a conhecer, que representa um marco no pensamento
dessas políticas neoliberais promovidas pelo Banco Mundial.
No Brasil, esse processo estimulou o governo federal a fomentar políticas
públicas voltadas para contemplar esses pilares, entre as quais se destacam: a Elaboração
dos Parâmetros Curriculares Nacionais para 1ª a 8ª séries; o Referencial Curricular para
a Educação Infantil, Jovens e Adultos; Indígena e Especial; o Referencial para Formação
de Professores, dentre outros os programas da TV Escola; Merenda Escolar e o Programa
Bolsa Escola, hoje o Bolsa Família.
De acordo com Lombardi (2003, p. 72) “é sob a orientação do Banco Mundial que
se estabelece a política de educação dos países em desenvolvimento” e a relação entre a
educação e a economia possibilita a educação pública, gratuita e de qualidade, cuja meta
prioritária visa à redução do índice de pobreza, oportuniza a qualificação ou pelo menos
a inserção em atividades da economia informal.
As políticas buscaram assegurar o acesso universal à educação, todavia, se
depararam com as contradições e diferentes tensões que permeiam a relação entre estado

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;


d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à
juventude.
5
Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a
proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.

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e sociedade civil, em que a dimensão econômica, efetivamente, interfere no


direcionamento desse processo, como se evidencia pelos registros de altos índices de
exclusão, reprovação e evasão das escolas públicas. Como observa Lombardi,

Torna-se cada vez mais evidente a relação entre a situação econômica, social
e educacional que distingue a situação dos diferentes municípios nos estados
das regiões mais desenvolvidas e daqueles que estão em regiões menos
desenvolvidas (2003, p. 67).

Logo, o acesso à escola não representa necessariamente melhoria educacional,


pois é preciso criar outros instrumentos de garantia de sustentabilidade desse processo,
em que se incluem fatores de emprego, renda, saúde e cultura. É um contexto desafiador
à medida em que se põem em relevo as questões do atendimento com qualidade para
crianças de zero a seis anos de idade, oriundas das classes populares. A expansão desta
área da educação foi motivada pelo reconhecimento da sociedade acerca da importância
das experiências da infância para o desenvolvimento e as conquistas sociais dos
movimentos por direitos de acesso à educação nos primeiros anos de vida, reconhecido
no Estatuto da Criança e do Adolescente,

A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno


desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e
qualificação para o trabalho, assegurando-lhes dentre outras: I – igualdade de
condições para o acesso e permanência na escola; II – direito de ser respeitado
por seus educadores; III – acesso à escola pública e gratuita (BRASIL, ECA.
1991. Art. 53, p. 35).

A inclusão da Educação Infantil no conceito da educação básica foi um avanço


importante das responsabilidades públicas, que não havia merecido tal zelo por
legislações anteriores. O ECA estabeleceu, consoante o art. 30, que a educação infantil
seja oferecida em: “Creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de
idade pré-escolas, para as crianças de quatro a seis anos de idade”.
Acrescentou, igualmente, que todas as instituições deveriam facilitar o acesso a
todas as crianças, frequentadoras, aos elementos da cultura, e à inserção social, cumprindo
um papel socializador, que favoreça o desenvolvimento da identidade, do infante, por
meio de aprendizagens diversificadas, realizadas em situação de interação. A distinção
entre creches e pré-escolas é feita, exclusivamente, pelo critério da faixa etária.
A par da divulgação destes diplomas legais, a conscientização de parte da
sociedade, motivou uma procura intensa por instituições que pudessem atender à
demanda de crianças de zero a seis anos, como observa Cury (2002, p.110),

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O campo da educação infantil tem sido farto em pressões sociais com vistas à
ampliação da rede física por parte das famílias de classes populares. Isso faz
supor também o aumento da consciência da importância dessa etapa de ensino
não só como direito dos pais ao trabalho como também um direito da própria
infância como um momento significativo de construção da personalidade.

Atribui-se, também, a essa procura, o fato de que a criança não dispõe mais de
tempo para vivenciar suas brincadeiras e fantasias, tão benéficas ao desenvolvimento
mental e emocional. Por outro lado, a respeito de serem os pais os agentes socializadores
e os educadores mais importantes para seus filhos (na teoria), grande parte deles - os pais
- não exercem suas funções por diversos fatores (sociais, econômicos, culturais, e etc.),
muitos até desconhecem que sua criança deve realizar atividades dentro do que lhe é
próprio para o desenvolvimento numa certa idade. Desconhecem, simultaneamente, que
o brincar é importante na construção do desenvolvimento e aprendizado infantil. À
exemplo, destaca-se o texto, em parte, do Plano Nacional de Educação, aprovado pela Lei
de nº 10.172/2001 – que em suas diretrizes explica a importância da educação infantil
como primeira etapa básica,

Ela estabelece as bases da personalidade humana, da inteligência, da vida


emocional, da socialização. As primeiras experiências da vida são as que
marcam mais profundamente a pessoa. Quando positivas, tendem a reforçar,
ao longo da vida, as atitudes de autoconfiança, de cooperação, solidariedade e
responsabilidade (BRASIL, Lei de nº 10.172 / 2001, p. 260).

A LDB define, também, quem são os outros responsáveis pelo desenvolvimento


da criança, em conformidade com o art. 89, em suas disposições transitórias: “as Creches
e pré-escolas existentes ou que venham a ser criadas deverão, no prazo de três anos, a
contar da publicação desta lei, integrar-se ao respectivo sistema de ensino”. Via de
consequência, todos os sistemas educacionais seguem essas determinações e as
instituições de educação infantil devem integrar o Sistema Municipal de Ensino, o
Sistema Estadual ou o Sistema Único de Educação Básica. Consoante o art. 30, IV, da
CRFB/88: “Compete ao município: manter, com a cooperação técnica e financeira da
União e do Estado, programas de educação pré-escolar e do ensino fundamental”. Desse
modo, o art. 11, inciso V, da LDB, pontua o campo de atuação dos municípios, que se
incumbirá de:

Oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade o


ensino fundamental, permitida à atuação em outros níveis de ensino somente
quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de

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competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela


Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino (BRASIL.
LDB 9.394/96).

Embora a CRFB/88 e a LDB atribuam a responsabilidade pela oferta da educação


infantil, principalmente, aos municípios, ambos os códices externam que a União e os
Estados também têm obrigações. Destarte, o firmamento do direito da criança à educação,
desde os primeiros anos de vida, possui desafios impostos para o efetivo atendimento
desse direito, que podem ser – a do acesso e a da qualidade do atendimento.
O setor educacional deve oferecer alternativas para que as pessoas excluídas do
sistema possam ter oportunidade de se reintegrar através da participação e lutar pela
universalidade de direitos sociais e do resgate da cidadania. Neste prisma, discutem-se
diferentes formas de substituir o modelo burocrático-tecnicista de gerenciamento da
educação por um modelo descentralizado-participativo, alicerçado não apenas no
conceito de instâncias permeáveis de decisão, mas, congruente aos conceitos substantivos
de formulação de políticas educacionais, incluindo as bases materiais do processo e o
contexto socioeconômico em que este processo se desenvolve.
Observa-se que crianças de família com renda baixa têm menos oportunidades que
as crianças que possuem nível socioeconômico mais elevado. Por isso, é mister ampliar
o acesso às creches e pré-escolas, porque enriquece o mundo social da criança,
proporcionando benefícios educacionais, sociais e culturais para as mais pobres e
oferecendo um atendimento educativo profissional qualificado. Segundo Oliveira (1992,
p. 45), “Crianças que não pertencem às famílias nucleares ou têm condições inadequadas,
ou possuem poucas oportunidades de interações e de situações estimuladoras, frequentar
uma instituição de qualidade é extremamente necessária e benéfica”. De um modo geral,
as pesquisas que abordam o impacto do atendimento em creches e pré-escolas têm
mostrado que os programas em escala de melhor qualidade apresentam um impacto
duradouro sobre a criança.
O atendimento às crianças de zero a seis anos de idade em instituições específicas
no Brasil, devido à forma como se expandiu, sem os investimentos técnicos e financeiros
necessários, apresenta padrões bastantes aquém dos desejados, sobretudo, nas creches,
que historicamente se caracterizou como um atendimento de guarda para crianças de
famílias de renda baixa, devido à necessidade dos pais, em especial as mães
(culturalmente a categoria que é atribuída o cuidar dos filhos), precisarem trabalhar para
o sustento da família, bem como nas pré-escolas destinadas a essa faixa etária. Um exame

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mais recente sobre a Lei nº 10.172/2001, que aprova o Plano Nacional de Educação e dá
outras providências, chama atenção para estes espaços, acima citados e enfatiza que “A
maioria dos ambientes não conta com profissionais qualificados, não desenvolve
programa educacional, não dispõe de mobiliário, brinquedos e outros materiais
pedagógicos adequados”. Por isso, o maior desafio, hoje, para garantir um atendimento
voltado para essa especificidade de ensino, a educação infantil, está no da formação dos
sujeitos que a ela estarão diretamente envolvidos.
Kramer (2001, p.109) afirma que “[...] o grande desafio que enfrentamos no que
diz respeito à educação das crianças de 0 a 6 anos, se constitui no desafio de construir –
hoje - a cidadania”. Esse desafio rompe com os modelos estereotipados de criança e a
define como pessoa, gente, cidadã, dotada de direitos e capacidades que a legitime como
um sujeito histórico, em detrimento da visão de séculos atrás, em que a criança era sujeito
de direitos. Ela era, simplesmente, um sujeito à margem da família, considerada como um
vir a ser. Só era considerado sujeito de direitos quando chegava à idade da razão.
Faria (2000, p.74) afirma que “a organização do espaço físico das instituições de
educação infantil deve levar em consideração todas as dimensões humanas
potencializadas nas crianças: o imaginário, o lúdico, o artístico, o afetivo e o cognitivo”.
A insuficiência e inadequação de espaços físicos, equipamentos e materiais pedagógicos
(especialmente brinquedos e livros); a não incorporação da dimensão educativa nos
objetivos da creche; a separação entre as funções de cuidar e educar, a inexistência de
currículos ou propostas pedagógicas voltadas para infância e sua cultura, ou o seu não
cumprimento e/ou pouca efetividade na orientação do cotidiano das instituições de
educação infantil são alguns dos desafios a serem enfrentados pelas políticas educacionais
para garantir qualidade no atendimento à demanda da educação infantil.
A LDB estabelece os objetivos de cada nível e modalidade de ensino a se adequar
às diferentes características do desenvolvimento do educando. Portanto, admitir-se-á
apenas, como exigência mínima, profissional formado em nível médio, modalidade
normal, caracterizada como formação inicial. Assim é definido:

A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível


superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidade e
instituição superiores de educação, admitida, como formação mínima para o
exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do
ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade normal
(BRASIL, LDB 9.394/96 – art. 62).

Infere-se que a formação caracterizada como inicial, abordará, em sua estrutura

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curricular, as áreas do conhecimento humano, as diferentes formas deste conhecimento


se evidenciar no cotidiano do espaço da instituição infantil, caracterizando-a como um
espaço de aprendizagens múltiplas, contextualizadas de modo que a criança se desenvolva
em todos os seus aspectos: físico, cognitivo, afetivo e perceptivo motor.
A formação acontecerá em instituições de ensino superior e/ou em institutos
superiores de educação, segundo Saviani (1997, p.218). Esta é uma “[...] inovação da
LDB, 9.394/96 que manterão: cursos para a formação de profissionais da educação básica,
incluindo o curso normal superior, para formar docentes para a educação infantil e para
as primeiras séries do ensino fundamental (inciso I)”. Destacam-se os referenciais para
formação de professores: “A formação inicial em nível superior é fundamental, uma vez
que possibilita que a profissionalização se inicie após uma formação em nível médio,
considerados básica e direitos de todos” (BRASIL, R.F.B, p. 17).
Quanto à formação continuada, esta deverá ocorrer com o professor em serviço,
prioritariamente no espaço da instituição, onde terá a oportunidade de teorizar a prática e
vivenciar a teoria de forma crítica e reflexiva acerca dos saberes que se constituem em
fazeres neste espaço privilegiado de construção de identidades. Por isto, se a formação
continuada não tiver o condão de estreitamento entre teoria e prática, ela não pode assim
ser caracterizada, como esclarece Freire (1996, p. 29):

Por isso é que, na formação permanente dos professores, o momento


fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a
prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática. Os
próprios discursos teóricos, necessários à reflexão crítica, têm de ser de tal
modo concreto que quase se confunda com a prática. O seu “distanciamento
epistemológico” da prática enquanto objeto de sua análise, deve dela
“aproxima-lo” ao máximo.

Entendida como um processo permanente de reflexão-ação-reflexão da prática


pedagógica, e como um espaço privilegiado de construção, a formação do professor
precisa evidenciar o processo de desenvolvimento de competências, no sentido de
perceber em que medida essas competências contribuem para a profissionalização
docente, com vistas às melhorias do sujeito – eu pessoa; eu professor. Na educação
infantil, este “eu pessoa” e o “eu professor” não se separam, pois, neste segmento de
ensino, este profissional trabalha com a finalidade de contribuir para o desenvolvimento
pleno da criança com a qual está atuando.
Esse desenvolvimento pleno implica na construção da identidade e da autonomia
desta criança. Requer, portanto, deste profissional, saberes necessários à sua prática no

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cotidiano da sala de aula. Neste passo, legitimar a educação infantil enquanto segmento
de ensino exige, das políticas públicas educacionais, investimentos no atendimento à
criança até seis anos, e na redefinição dos objetivos para desenvolvê-la sem deixar de
evidenciar a concepção de infância e que tipo de criança se pretende formar.
A problemática da promoção de políticas públicas pelo poder estatal é que as
ideias são válidas, mas não são eficazes em razão da ineficácia, seja na elaboração, dos
procedimentos ou na fiscalização. Meninos e meninas em situação de rua e jovens à deriva
são o resultado também da pobreza em que vivem os pais e, em especial, as mães, do
abandono, da violência doméstica e do descaso do Estado. Nesta toada, imprescindível
colacionar o entendimento de Fachin (2003, p. 3) ao dispor que “em todo campo do saber
(daí a pertinência quiçá especial com a instância jurídica), há o desafio de conhecer para
transformar, pois a educação que tão-só reproduz não liberta”. Para Chauí (2004, 74),

As leis, porque exprimem os privilégios dos poderosos ou a vontade pessoal


dos governantes, não são vistas como expressão de direitos nem de vontades e
decisões públicas coletivas. O poder Judiciário aparece como misterioso,
envolto num saber incompreensível e numa autoridade quase mística. Por isso
mesmo, aceita-se que a legalidade seja, por um lado, incompreensível e, por
outro, ineficiente (a impunidade não reina livre e solta?) e que a única relação
possível com ela seja a da transgressão (o famoso “jeitinho”).

A teoria de Freire (1999, p.42) elucida: “a educação é um ato de amor, por isso,
um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à
discussão criadora, sob pena de ser uma farsa”. Assim tem decidido o Poder Judiciário,
quando provocado a dizer o direito, exemplo do tratamento jurisprudencial tangente à
hipótese do direito em questão:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À EDUCAÇÃO


INFANTIL PREVISTO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
CONTROVÉRSIA SOLVIDA PELA CORTE DE ORIGEM COM AMPARO
EM FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL. FALTA DE
PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF. DISPONIBILIZAÇÃO DE
VAGA PARA CRIANÇAS EM CRECHE. 1. Hipótese em que o Tribunal
local consignou (fl. 256, e-STJ, grifei): "(..._) a Constituição Federal dispôs
expressamente que o acesso ao ensino é direito público subjetivo que "é o
direito exigível, é o direito integrado ao patrimônio do titular, que lhe dá o
poder de exigir sua prestação - se necessário, na via judicial (...) oponível
ao Poder Público, direito que cabe ao Estado satisfazer" (AFONSO DA
SILVA, José. Comentário Contextua à Constituição. 5 ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 2007, p. 794/795). A educação infantil é direito social
fundamental e não mera norma programática. Por isso, impõe uma atuação
positiva e prioritária do Estado para a sua efetivação, independentemente da
idade da criança".
2. Verifica-se que o Tribunal de origem dirimiu a controvérsia utilizando-se de
fundamentos eminentemente constitucionais. Tem-se, assim, que refoge à

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competência do STJ a apreciação da matéria aludida, pois de cunho


eminentemente constitucional, cabendo tão somente ao STF o exame de
eventual ofensa... 4. O direito de ingresso e permanência de crianças com até
seis anos em creches e pré-escolas encontra respaldo no art. 208 da
Constituição Federal. Por seu turno, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação,
em seu art. 11, V, bem como o ECA, em seu art. 54, IV, atribui ao Ente
Público o dever de assegurar o atendimento de crianças de zero a seis anos
de idade em creches e pré-escolas. Precedentes do STJ e do STF.
5. No campo dos direitos individuais e sociais de absoluta prioridade, o juiz
não deve se impressionar nem se sensibilizar com alegações de conveniência
e oportunidade trazidas pelo administrador relapso. A ser diferente, estaria o
Judiciário a fazer juízo de valor ou político em esfera na qual o legislador não
lhe deixou outra possibilidade de decidir que não seja a de exigir o
imediato e cabal cumprimento dos deveres, completamente vinculados, da
Administração Pública. 6. Se um direito é qualificado pelo legislador como
absoluta prioridade, deixa de integrar o universo de incidência da reserva
do possível, já que a sua possibilidade é, preambular e obrigatoriamente,
fixada pela Constituição ou pela lei... 8. Recurso Especial parcialmente
conhecido e, nessa parte, não provido. (REsp 1771912/PR, 2ª T., rel. Ministro
Herman Benjamin, DJe de 08/02/2019).

Enfim, questionadas as dúvidas sobre o direito inarredável ao atendimento de


crianças de zero a cinco anos, diante da interpretação do Superior Tribunal de Justiça,
para quem o direito é certo, exigível e de absoluta prioridade, em harmonia com o art.
208, IV, da CRFB/88, e art. 54, IV, do ECA, cujo acesso às vagas em instituições que
atuam neste setor educacional é obrigação do Estado, por meio dos municípios, que não
podem se eximir da obrigação, sob a alegação de incidência da reserva do possível.

4 CONCLUSÃO
O direito à educação infantil com ênfase ao atendimento da criança de zero a seis
anos de idade é uma realidade jurídica viável, exigível, constitui o rol de direitos
fundamentais que compõem o mínimo existencial que o Estado deve garantir, como
corolário do direito à dignidade humana. Portanto, o Estado, assim como, mais
especificamente, os municípios devem arcar com os meios necessários para
perfectibilizar o acesso de infantes, menores de cinco anos, ao início da formação
educacional formal, sem olvidar do dever colaborativo e conjunto, da família.
Todavia, o que se deseja é um espaço ideal, sadio, com as possibilidades de
influenciar positivamente no desenvolvimento físico e mental do menor, a fim de
contribuir na formação de um cidadão e não apenas prédios inóspitos de profissionais
capacitados e falta de estrutura para acolhimento desses pequenos seres humanos. Esta é
a realidade brasileira atual, a qual está aquém do ideal do Estado de Direito Democrático,
em virtude das circunstâncias que emperram a elaboração de políticas econômicas sérias

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e viáveis, pedagogicamente inclusivas, que valorizem os princípios de igualdade.


É um direito em evolução, cujo desafio consiste na universalização do direito à
educação infantil de qualidade para as crianças iniciarem um bom aprendizado, que pode
surtir efeitos positivos ao longo da vida escolar das crianças. É essencial o empenho da
sociedade para juntar os preceitos constitucionais à realidade da Constituição que sai do
papel para ser cumprida, a fim de assegurar a educação infantil para todas as crianças e,
quem sabe, encurtar o alcance do dia em que todas terão direito à educação de qualidade.

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