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Os albúns de fotografias do jardim de infância modelo de Natal:

memórias das infâncias escolares

Model kindergarden’s photo albums in Natal/RN:


school children memories
volume 14 número 27 jun/dez 2020

Sarah de Lima Mendes¹


saraheduca@gmail.com

Cultura Material:
objetos, imagens e representações - 1/2
Resumo Abstract 1
Doutora em Edu-
cação pela Univer-
sidade Federal do
Esse artigo tem como objeti- This article aims to analyze the Rio Grande do Nor-
vo analisar a visualidade registrada visuality registered by the model kin- te. E-mail: sarahedu-
ca@gmail.com
pelo Jardim de Infância Modelo de dergarten of Natal/RN in the middle
Natal em meados da segunda me- of the second half of the 20th century
tade do século XX em seus álbuns in its school photo albums. From the
de fotografias escolares. A partir da perception of this memory object,
percepção desse objeto de memó- reflections on imagery representa-
ria, aponta-se reflexões sobre repre- tions of childhood in school contexts
sentações imagéticas da infância are pointed out. The document of
em contextos escolares. Esse docu- school material culture elaborates
mento da cultura material escolar a narrative about the classes of the
elabora uma narrativa acerca das graduates of early childhood edu-
turmas dos concluintes do ensino cation, as well as the practices that
infantil, assim como das práticas make up the graduation ritual. Thus,
que compõem o ritual de formatu- such a discussion is proposed in the
ra. Dessa forma, tal discussão é pro- light of the concepts of Represen-
posta à luz dos conceitos de Repre- tation and Memory, proposed by
sentação e Memória, apresentados Chartier (2002) and Le Goff (1996),
por Chartier (2002) e Le Goff (1996), respectively. Between the opening
respectivamente. Entre o abrir e o and closing of photo albums there
fechar dos álbuns de fotografias há is a narrative that tells stories media-
uma narrativa que conta histórias ted by photos, texts and images,
mediada pelas fotos, textos e ima- evoking a look at school culture. Fi-
gens, evocando um olhar sobre a nally, it is noticed that there is an or-
cultura escolar. Por fim, percebe-se ganizational pattern in the composi-
que há um padrão organizacional tion of the albums that assumes the
na composição dos álbuns que as- function of preserving the memory.
sume a função de preservar da me-
mória. Keywords: Photography Albums;
Representation; Memory; Culture
Palavras-chave: Álbuns de Fotogra- School Supplies; Kindergarten.
fia; Representação; Memória; Cultu-
ra Escolar; Jardim de Infância.

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CULTURA MATERIAL: OBJETOS, IMAGENS E REPRESENTAÇÕES
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O Instituto de 1 Abrindo o álbum de de fotografias dos concluintes do
Educação Superior
Presidente Kenne- fotografias... Jardim de Infância Modelo de Na-
dy (antiga Escola tal/RN entre os anos de 1950 e 1970.
Normal) fica locali- Entre diferentes documentos,
zado na cidade de Ressaltamos, em conformida-
Natal – Rio Grande estavam elas, as fotos amarelecidas de a Aróstegui (2006, p. 481), que
do Norte e tem uma
importante partici- armazenadas em caixas e armários “uma fonte histórica é fonte ‘para’
pação na história no Instituto de Educação Superior alguma história; mas a mesma fon-
da educação do
estado. Sua trajetó- Presidente Kennedy2. As imagens te, indubitavelmente, pode conter
ria histórica é mar-
cada por diferentes
guardam as memórias coletivas e informações para vários problemas
percursos e espaços individuais dos professores, direto- ou pode ser interpretada de diver-
ocupados desde
suas primeiras ten- res, crianças e pais que fizeram par- sas formas”. Logo, o documento é a
tativas de abertura te da história do Jardim de infância
no final do século pedra fundante de um pensamen-
XIX até a materia- Modelo de Natal-RN. Os registros to historiográfico; ele não fala por si
lização do Instituto
de Educação, na misturam sentimentos e lembran- só, mas se constitui pelas interroga-
segunda metade ças, constroem narrativas que “tes- tivas provocadas pelo pesquisador
do século XX. A ins-
tituição citada é re- temunham” o passado dessa unida- na escrita histórica. Dessa maneira,
ferência na área de de escolar pública do município de
formação de pro- as evidências históricas são transfor-
fissionais de educa- Natal, no Rio Grande do Norte, cujo madas em fontes mediante o olhar
ção que atuam em
espaços escolares atendimento era ofertado às crian- do pesquisador, contrariando a fra-
e não escolares do ças em idade pré-escolar. se célebre de Kurt Tucholsky: “Uma
estado.
O Jardim de Infância Modelo imagem vale mais do que mil pala-
3
A pesquisa sobre
a história do Jardim
de Natal deixa sua marca na histó- vras” (cf. BURKE, 2017, p. 17), citada
de Infância Modelo ria da educação infantil natalense por Peter Burke na obra Testemunha
de Natal foi desen-
volvida e publicada com a produção iconográfica de Ocular.
por meio da disser- mais de duzentas fotografias e oito
tação de Mestrado Assim, compondo o referencial
intitulada O modelo álbuns de formatura. Esse acervo documental, debruçamo-nos às se-
de educação do
Jardim de Infância fotográfico corresponde ao cultivo guintes fontes coletadas no Instituto
Natalense (1908- que compreende três décadas. O Histórico e Geográfico do Rio Gran-
1953), pela Universi-
dade Federal do Rio rico material preserva a memória de do Norte (IHGO/RN), Arquivo Pú-
Grande do Norte da escola, configurando-se como
(MENDES, 2015). Na blico de Natal e no acervo icono-
dissertação, é pos- um importante patrimônio da cul- gráfico do Instituto de Educação
sível acompanhar
como ocorreu o tura material e visual do Jardim de Superior Presidente Kennedy (IESP):
processo de implan- Infância Modelo. as Mensagens Governamentais, a
tação do jardim de
infância em Natal/ Ao perguntar para as pessoas: Legislação (Leis e Decretos), edi-
RN, assim como
compreender o
“o que é fotografia?”, cada uma ções de Jornais (Diário Oficial e O
modelo educacio- trará uma resposta diferente, inclusi- Poti), além do uso de acervos pes-
nal proposto pela
instituição. ve os fotógrafos. Seu caráter híbrido soais de ex-alunos.
entre ciência, cultura e arte, possi- O contexto de produção dos
bilita-nos enveredar por novos ca- álbuns de fotografias analisadas
minhos, direcionando-nos para as configura-se no Jardim de Infância
relações entre visualidade e textua- Modelo de Natal3, instituição pio-
lidade. A partir da percepção do ál- neira na oferta do ensino infantil
bum de fotografias como objeto de local. Sua trajetória histórica entre-
memória, refletimos sobre os álbuns laça-se ao processo de implemen-

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tação da Escola Normal e a Escola Imagem 1 - Grupo Escolar Modelo Augusto 4
O bairro da Ribeira
Severo é o berço de origem
de Aplicação, que funcionavam de Natal, capital do
no Grupo Escolar Modelo Augusto estado do Rio Gran-
de do Norte, e está
Severo, distribuindo sua organiza- situado na zona les-
ção curricular em três cadeiras ou te da cidade. No
local, moravam in-
classes, sendo duas elementares e telectuais, políticos
e grandes nomes
uma mista infantil. Em seu início de da sociedade nata-
funcionamento, o ensino infantil da lense.

capital passou a ser ofertado a par-


tir de 1910, acolhendo as crianças
que moravam no bairro da Ribeira4.
A escola era a representação do
Fonte: Jornal Tribuna do Norte, 1910
padrão cultural de uma instituição
educacional moderna requisitada
A motivação para a criação
pelas elites dirigentes.
dos grupos escolares encontra-se
O Grupo Escolar Augusto Seve-
nas mudanças sociais, políticas e
ro (imagem 1) foi referência para a
culturais que marcam o fim do Im-
edificação de uma rede de escolas
pério e o início da República. Esse
que foram construídas a posteriori
contexto é bem diverso e requer
no Rio Grande do Norte. O prédio
propostas de formação educacio-
possuía uma riqueza de detalhes ar-
nais diferenciadas de acordo com
quitetônicos, apresentando salas es-
o público ao qual se destinava e às
paçosas, adequação do mobiliário,
condições socioeconômicas. Sen-
um museu, vestiário, etc. De acordo
do assim, imbuídos por um discurso
com Moreira (2005), a construção
modernizador e reformador da ins-
e a localização dos prédios educa-
trução pública escolar, a educa-
cionais deveriam ter um cuidado
ção da criança passa a ser alicerce
específico, pois havia a necessida-
na formação da nova ordem social.
de de um planejamento criterioso
Com a Lei Orgânica nº 405,
relacionado à edificação dos gru-
de 1916, houve uma organização
pos escolares, passando pela ava-
da base educacional do ensino
liação do Conselho de Instrução Pú-
público primário. De acordo com
blica do Rio Grande do Norte.
Art. 3º, o ensino primário deveria
ser ministrado em grupos escolares
e escolas isoladas por meio de cur-
sos graduados: infantil, elementar
e complementar. Os cursos infantis
seriam, então, oferecidos nos Gru-
pos Escolares conjuntamente com
o curso elementar e mantidos pelo
governo do estado nos municípios
que implantaram tais estabeleci-
mentos. Nessa mesma lei, aparece

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CULTURA MATERIAL: OBJETOS, IMAGENS E REPRESENTAÇÕES
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O Ministério da a urgência na construção de um gia/INEP. Havia uma comissão de
Educação e Saúde
Pública foi criado
prédio específico para o atendi- responsabilidade do INEP/MEC e es-
em 1930 no gover- mento pré-primário, intitulando este tados que ficavam a cargo do Con-
no de Getúlio Var-
gas. A instituição espaço de Jardim de Infância. vênio Escolar e que estabeleciam
promovia ativida- Durante a primeira metade do diretrizes entre o projeto arquitetôni-
des referentes a
vários ministérios, século XX, o ensino infantil passou co e a proposta pedagógica. Estes,
tais como: saúde,
esporte, educação a ser disponibilizado em diferentes direcionam as construções dos pré-
e meio ambiente. grupos escolares e escolas isoladas dios, ou seja, uma arquitetura ade-
Até a criação do
ministério, os assun- pelo Rio Grande do Norte, amplian- quada às exigências pedagógicas
tos condizentes à
educação eram de
do a educação infantil do estado. (MENDES, 2020).
respo nsabi l i dade Contudo, a negociação para a O Jardim de Infância Mode-
do Departamento
Nacional do Ensino, construção de um prédio adequa- lo de Natal foi inaugurado no dia
ligado ao Ministério do para a instalação do Jardim de 23 de Maio de 1953, o imponente
da Justiça.
Infância Modelo de Natal aconte- edifício construído pelo governo do
6
O Instituto Nacio- ce mediante o Convênio Nacional estado sob a responsabilidade de
nal de Pedagogia
foi criado, por lei, do Ensino Primário, deliberado em Severino Bezerra, do Departamento
no dia 13 de janei- março de 1943, o qual determinava de Educação, no governo de Sylvio
ro de 1937, inician-
do seus trabalhos verbas para a melhoria da educa- Pedroza, foi enaltecido pelos jornais
apenas no ano se-
guinte, mediante a ção. Com o acordo firmado junto da capital.
publicação do De- ao Ministério da Educação e Saúde Como fio condutor deste tra-
creto-Lei nº 580, no
qual regulamenta (M.E.S.)5 através do Instituto Nacio- balho, utilizamos a cultura material
a organização e a nal de Estudos Pedagógicos (Inep)6 escolar como categoria e fonte na
estrutura do órgão.
Nesse mesmo de- e o Governo do Rio Grande do Nor- investigação em história. Segundo
creto, modifica-se
sua denominação, te, há um auxílio financeiro para a Ciavatta (2009, p. 41), esse termo
passando a cha- compra de equipamentos e apare- refere-se a “edifícios e seus espa-
mar-se Instituto Na-
cional de Estudos lhagem pedagógica. ços escolares, mobiliário, utensílios,
Pedagógicos. O
primeiro diretor-ge-
Como parte do programa de materiais pedagógicos, manuais
ral do órgão foi o expansão e melhoria do ensino pú- didáticos, troféus, entre outros. Põe
professor Lourenço
Filho. blico, teria a proposta de expansão em cena a ação dos professores
de Jardins de Infância por todo o Es- e posturas corporais correlatas ao
tado, difundido tal informação por ambiente escolar”. De tal manei-
meio do Relatório Oficial da Educa- ra, aferimos que cultura escolar é
ção (1940), como veremos a seguir: tudo o que compõe a materialida-
“A criação de Jardins de Infância, de da instituição de ensino, sendo
instituições pré-escolares destina- ela um dos principais elementos de
das à preparação intelectual das sua identidade. Tal conceito estaria
crianças, é uma delas [...]” (RELA- relacionado à concepção de patri-
TÓRIO OFICIAL EDUCAÇÃO, 1940, p. mônio histórico-cultural e suporte de
19-23). memória institucional. Segundo Me-
Segundo este relatório, o Jar- neses (1998), a materialidade deve
dim de Infância Modelo teve sua ser concebida em sua dimensão
construção iniciada no ano de 1950 cultural, pois ela se perpetua ao lon-
com base no projeto arquitetônico go do tempo devido à sua própria
do Instituto Nacional de Pedago- condição de artefato.

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Na busca em compreender as Dessa maneira, a leitura da imagem
representações e práticas de com- fotográfica não deve ser realizada
posição dos álbuns de fotografias apenas como um simples exercício
do Jardim de Infância Modelo de de coleta de informações, mas uma
Natal, alguns questionamentos sur- ação permanente do pesquisador
gem: (a) quando a vida escolar tor- em identificar, analisar e interpretar
na-se tema do olhar fotográfico? o documento. De acordo com Kos-
(b) qual o intuito em conservar essas soy (2009, p. 21),
imagens? (c) o que nos revelam os
As imagens fotográficas, en-
álbuns de fotografias dos concluin-
tretanto, não se esgotam em
tes? Nesse sentido, suas representa- si mesmas, pelo contrário,
ções da realidade nos provocam, elas são apenas o ponto de
enquanto observadores, partida, a pista para tentar-
mos desvendar o passado.
[...] a sentir a necessidade Elas nos mostram um frag-
irresistível de procurar nessa mento selecionado da apa-
imagem a pequena cente- rência das coisas, das pesso-
lha do acaso, do aqui e ago- as, dos fatos, tal como foram
ra, com a qual a realidade (estética/ideologicamente)
chamuscou a imagem, de congelados num dado mo-
procurar o lugar impercep- mento de sua existência/
tível em que o futuro se ani- ocorrência.
nha ainda hoje em minutos,
há muito extintos, e com tan- Para este fim, concordamos
ta eloquência que podemos com Dubois ao assegurar que a fo-
descobri-lo, olhando para
tografia não é mera imagem, ou
trás (BENJAMIN, 1985, p. 94).
seja, um produto de uma técnica e
Kossoy (2005, 2009, 2012), de uma ação humana, como o re-
Mauad (2005, 2015), Ciavatta (2009), sultado de “uma representação de
entre outros autores, auxiliam-nos a papel que se olha simplesmente em
“procurar a pequena centelha”, sua clausura de objeto finito” (1993,
exigindo em nós uma “alfabetiza- p. 15). A fotografia é, antes, um ato
ção do olhar”, ou seja, para conse- icônico que não pode ser idealiza-
guir ler uma imagem é preciso que do fora de suas circunstâncias, de
se analise as condições de produ- seu contexto de produção.
ção da fotografia, tais como: o fotó- Logo, ao afirmarmos que o ar-
grafo, a tecnologia empregada e o tefato cultural fotográfico se enqua-
objeto registrado. Para além desses dra como um objeto de memória
elementos externos, os autores tam- coletiva e individual dos sujeitos que
bém apontam para a necessida- vivenciaram as experiências educa-
de da interpretação do conteúdo tivas propostas no Jardim de Infân-
da imagem fotografada. Essa críti- cia Modelo de Natal nas décadas
ca ao conteúdo é proveniente dos de 1950-1970, é possível analisá-lo
contextos subjetivos, aos discursos na intersecção história, educação
representativos das relações sociais. e memória partindo da perspecti-

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CULTURA MATERIAL: OBJETOS, IMAGENS E REPRESENTAÇÕES
va de documento/monumento, se- lares, fotos de classe, exposições
gundo nos apresenta Le Goff (1996). pedagógicas, solenidades, entre
Para o autor, “só a análise do docu- outras. Nesse caso, a escola faz uso
mento enquanto monumento per- da fotografia como meio de registro
mite à memória coletiva recuperá- de suas atividades, ao mesmo tem-
-la e ao historiador cientificamente, po em que possibilita a divulgação
isto é, com pleno conhecimento” das práticas educativas.
(LE GOFF, 1996, p. 460).
As fotografias escolares são
grandes exemplos de memória pú-
blica. Por meio delas, é possível 2. A cada página folheada,
compreender as práticas de socia- uma história é contada: o
lização da infância proporcionada Jardim de Infância Modelo
pela instituição escolar. Seus usos, de Natal
produções e meios de circulação
O Diário Oficial de Natal, data-
eram bastantes comuns nas
do em 17 de Maio de 1953, tornava
primeiras décadas do Século XX.
público a inauguração do Jardim
O uso de fotografias na área
de Infância Modelo de Natal, exal-
educacional passou a representar
tando o imponente edifício constru-
novas e distintas temáticas icono-
ído pelo Governo do Estado, sob a
gráficas. Para cada foto há uma
responsabilidade do Departamento
função e intencionalidade; elas
de Educação.
não devem ser deslocadas “de seus
No dia 22 de Maio de 1953, a
contextos de produção, circula-
manchete da inauguração do Jar-
ção, consumo, descarte e institucio-
dim de Infância Modelo de Natal
nalização. O contexto da imagem
marcou o centro das importantes
fotográfica não é o seu conteúdo,
notícias do dia, trazendo de ante-
mas o modo de apropriação da
mão imagens da instituição escolar.
imagem como artefato” (CARVA-
No mesmo jornal, é informado que
LHO E LIMA, 2009, p. 35).
o prédio possuía “amplos salões de
Desse modo, Fischmann & Cru-
aulas, varandas, decoração original
der (2003, p. 40) afirmam que “no
e magnífico pátio de recreio cuida-
campo da educação, as imagens
dosamente aparelhado para o fim
se tornaram poderosos componen-
a que se destina” (DIÁRIO OFICIAL
tes da percepção, avaliação e po-
DE NATAL, 1953).
pularização de ideias sobre educa-
Em 24 de Maio de 1953, uma
ção”. Nelas, observam-se diversas
nova notícia reforça o momento
temáticas, ressaltando seu caráter
solene de abertura iniciado pela
multifacetado e de produção de re-
palavra do Diretor do Departamen-
alidades diferentes. Em acervos pú-
to de Educação, o senhor Severino
blicos ou privados, vemos imagens
Bezerra, importante figura pública
de fachadas arquitetônicas de es-
que exerceu por quase 20 anos fun-
colas, festas, desfiles cívicos, cenas
ções na direção pública, além de
de salas de aulas, atividades esco-

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sua participação efetiva na implan- Imagem 2 – Fachada do Jardim 7
Em 24 de Outubro
de Infância Modelo de Natal de 1937, é inaugu-
tação do Ensino Pré-Primário e na rada na Cidade
construção do Jardim de Infância Nova, a Praça Pe-
dro Velho. Ela foi
Modelo. Após, o governador Sylvio uma das muitas
praças construídas
Pedroza, que fazia parte de uma no segundo gover-
das famílias mais ricas do estado, os no do prefeito e
engenheiro Gentil
Gomes Pedroza, presidiu a oficiali- Ferreira de Souza.
zação de inauguração, recebendo Foi nessa gestão,
no final dos anos
autoridades civis, militares e eclesi- 30, que houve a
“desconstrução da
ásticas (DIÁRIO OFICIAL DE NATAL, Natal colonial”, na
1953). Fonte: Acervo Instituto de Educação qual a população
assistiu a passagem
A benção do prédio ficou sob Superior Presidente Kennedy da cidade oitocen-
a responsabilidade do Monsenhor tista para outra, mo-
derna e capitalista.
João da Matha Paiva, presbítero O Jardim de Infância assume Foram então cria-
das duas vias de
da Catedral de Nossa Senhora da uma nova organização estrutural, acesso de veículos.
Apresentação na cidade de Natal. existindo, de fato, a materialização As duas partes da
praça dividida ti-
No dia, houve uma homenagem de uma instituição escolar destina- veram as seguintes
dos Jardins de Infância de Natal da à educação da infância. A es- destinações. Havia
um artístico coreto,
ao Jardim de Infância Modelo. No cola, nesse contexto, deixa de ser quadras de bas-
quete e voleibol,
grande dia, os jornais noticiaram um complexo de salas de aula e parque infantil, tan-
que havia a presença de políticos, passa a ser pensada como institui- ques que funciona-
vam como aquários
familiares, imprensa, alunos, pro- ção modelo, espaço formativo de para aves. O local
aspectos físico, intelectual e moral era ponto de en-
fessores e grandiosos convidados contro das famílias
especiais, todos ansiosos com esse (cf. MENDES, 2015). e da juventude na-
talense. pesanteur.
novo espaço educacional. A soleni- Sua construção “dispendeu o C’est l’empire de la
sensibilité, un pays des
dade foi abrilhantada pela banda Estado à importância de um milhão e merveilles, un monde
de música da Polícia Militar (DIÁRIO cem mil cruzeiros (Cr$ 1.100.000,00)” d’avant les mots qui
n’a de limites que cel-
OFICIAL DE NATAL, 1953). (MENSAGEM GOVERNAMENTAL, les de l’imagination.
Dans cette aventure
O Jardim de Infância Modelo 1953). O prédio obedecia às exi- monochrome, c’est
notre esprit qui voit
(imagem 2), localizava-se defronte gências técnicas e pedagógicas avec nos yeux. Il ne
faut pas regarder, il
à Praça Pedro Velho7, nº. 400, es- determinadas pela planta de arqui- faut ressentir, respirer
quina da Rua Trairi com a Avenida tetura do INEP/MEC, porquanto se et goûter. S’évader
dans un voyage im-
Prudente de Morais, bairro Petrópo- defendia que a criança iria ao Jar- mobile. Se défaire de
ce que l’on connait
lis, em Natal– Rio Grande do Norte. dim para adquirir experiências e co- pour mieux accueillir
ce dont nous rêvons.
A instituição situava-se numa área nhecimentos, viver e conviver com Imaginer que la beau-
té est là, invisible, prê-
nobre da capital, com boas condi- o outro, considerando o processo te à être découverte.
Et pour cela, nul n’a
ções de salubridade e acesso para maturacional do indivíduo (MENSA- besoin d’être artiste,
uma das mais importantes vias de GEM GOVERNAMENTAL, 1953). savant ou simple fou.
Non, pour cela il suffit
circulação, a Avenida Deodoro da Considerando a natureza edu- seulement d’y croi-
re” (MÉNARD, 2018).
Fonseca. cacional e as condições específi- Disponível em: http://
www.yvesklein.com/
cas do universo infantil, o Jardim de en/articles/view/18/l-i-
kb-international-klein-
Infância foi pensado na perspectiva -blue. Acesso em: 07
de propor um ambiente agradável, mai. 2020.

sadio, espaçoso, onde as crian-

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CULTURA MATERIAL: OBJETOS, IMAGENS E REPRESENTAÇÕES
ças tinham condições de brincar e A regularização oficial do Insti-
aprender, não só dentro de sala de tuto de Educação veio com o desli-
aula, mas por meio de uma práti- gamento do Atheneu pela Lei de nº
ca educativa lúdica e formativa de 2.639, de janeiro de 1960. Com ela,
valores morais e sociais (MENDES, foi oficialmente instituído o Instituto
2015). A consciência do valor e da de Educação que compreendia:
importância da educação pré-es- a Escola Normal de 1° e 2° ciclos, o
colar e, consequentemente, a pre- Jardim de infância, a Escola de Apli-
ocupação em oferecer uma edu- cação e cursos de extensão e aper-
cação que valorizasse as artes, os feiçoamento. Cada um era dividido
valores cívicos e condutas morais, pelo seu aparato administrativo sob
foram elementos plausíveis para a direção geral do instituto.
uma instituição modelo de infância Nesse mesmo ano é aprova-
(MENDES, 2015). do o Decreto n° 3.590 de 1 de de-
No final do mandato do go- zembro, regulamentando o Ensino
vernador Sylvio Pedroza, em 28 de Primário e Normal do Estado do Rio
janeiro de 1956, foi inaugurado o Grande do Norte. Com isso, a Edu-
Instituto de Educação em Natal. A cação Elementar fica compreendi-
implantação do Instituto de Educa- do como o jardim de infância e o
ção passa a ser orientada median- curso primário. Caberia aos jardins
te a Lei 2. 171, de 6 de dezembro de de infância atender às crianças em
1957, preconizando a reformulação idade pré-escolar e, preferencial-
do Ensino Primário e Normal do Es- mente, cujas mães trabalhassem.
tado. Nela, exigia-se a transforma- Eram ofertadas três turmas no Jar-
ção do Grupo Escolar em Instituto dim Modelo, nos turnos matutino e
de Educação, determinado pelo vespertino.
Art.19, que obrigava ter em Natal Contudo, a falta de espaço
tal estabelecimento com caráter que atendesse à demanda de alu-
experimental em seus cursos de nos e das dependências exigidas
pesquisas (RIO GRANDE DO NORTE, para o funcionamento do Instituto
1957). de Educação, levou à exigência
O projeto de edificação do Ins- da construção de um novo prédio.
tituto de Educação apresentava um Sendo assim, posteriormente, o Insti-
projeto moderno para a construção tuto de Educação transfere-se para
do novo prédio. Era contida na es- a rua Jaguarari, Bairro de Lagoa
trutura física do Instituto, 39 salas de Nova, onde atualmente recebe o
aulas, com capacidade para rece- nome de Instituto de Educação Su-
ber 3.500 alunos, “[...] lugares des- perior Presidente Kennedy.
tinados à Administração e depen- O complexo educativo foi
dências para o Jardim de Infância, inaugurado em 22 de novembro de
com 4 salas para 25 crianças cada 1965, com a ilustre visita do Senador
uma e mais as salas especiais.” (RIO Robert Kennedy, irmão do Presiden-
GRANDE DO NORTE, 1963, p. 84−85 te Kennedy, passando a chamar
apud AQUINO, 2007, p. 112). Instituto de Educação Presidente

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Kennedy, homenageando o Presi- gens, quando imagens têm
dente dos Estados Unidos. A realiza- poderes excepcionais para
ção da construção do novo Instituto determinar nossas necessida-
des em relação à realidade
de Educação Presidente Kennedy
e são, elas mesmas, cobi-
deu-se por meio de acordos entre çados substitutos da experi-
o Governo do Estado, MEC, USAID e ência em primeira mão e se
SUDENE, durante o governo de Alu- tornam indispensáveis para a
ísio Alves. saúde da economia, para a
Atualmente, o Instituto de Edu- estabilidade do corpo social
cação Presidente Kennedy conti- e para a busca da felicidade
nua funcionado no mesmo local, privada (2004, p. 170).
oferecendo formação inicial e Sendo assim, a fotografia re-
continuada para os profissionais de vela-se como objeto de pesquisa
educação. ao identificarmos os usos e funções
atribuídos por meio dos gêneros
fotográficos constituídos pelo uni-
3. Desmontando o álbum verso escolar. A partir disso, pre-
tendemos formular a memória
de fotografias: a sedução
da instituição educativa através
através do olhar dos conceitos de representação,
Em tempos e culturas diferen- trazido por Chartier (2002), com o
tes, o homem buscou na imagem intuito de compreender os discursos
um meio de representar o mundo. que perpassam a imagem social da
Em cada época, elas se distinguem, escola; bem como o de memória,
apresentando diferentes usos e fun- em que Le Goff (1996) nos esclarece
ções em suas produções imagéti- que a história é construída por meio
cas, alcançando os mais variados de documentos e monumentos, os
cenários sociais e institucionais, tais quais são frutos de uma memória
como: as escolas, centros urbanos, coletiva.
paisagens, entre outros; visto que, Assim como toda representa-
“desde o seu início, a fotografia im- ção, a fotografia é produzida por
plicava a captura do maior número meio de sucessivos discursos ideo-
possível de temas” (SONTAG, 2004, lógicos, culturais e simbólicos, uma
p. 18). A sociedade moderna atri- vez que, assegura Dubois (1993, p.
buiu diversos usos, funções e signifi- 25), em “toda reflexão sobre um
cados às fotografias, a natureza da meio qualquer de expressão deve
imagem assume diferentes papeis se colocar a questão fundamen-
historicamente. De tal modo, Sontag tal da relação específica existente
elucida que: entre o referente externo e a men-
sagem produzida por esse meio”,
Uma sociedade se torna permitindo-nos analisar e interpretar
“moderna” quando uma de
a cena escolhida para ser fotogra-
suas atividades principais
consiste em produzir ima- fada.

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CULTURA MATERIAL: OBJETOS, IMAGENS E REPRESENTAÇÕES
Esse tipo de captura de ima- De acordo com Carvalho e
gem ingressa no mercado em me- Lima (2009, p. 31), o retrato fotográ-
ados do século XIX, apresentando fico tinha um baixo custo e circula-
variadas técnicas de produção. va na sociedade diferentes práticas
Rapidamente, o produto atinge as de registro que contemplassem fo-
diferentes demandas sociais, apos- tos de “casamento, informando e
tando em uma técnica capaz de garantindo a reprodução dos ritu-
produzir em série e com um custo ais de passagem (morte, batismo,
mais baixo do que as telas de pin- crisma)” (CARVALHO; LIMA, 2009, p.
tura. A fotografia passa a ser um 31). A partir das primeiras décadas
instrumento de representação iden- do século XX, houve a predominân-
titária, transformando-se em um cia de dois tipos de fotografias pú-
grande negócio. Ela revolucionou a blicas:
memória social ao possibilitar a mul- a) aquelas caracterizadas por
tiplicação e democratização da seguir uma tendência clássica, ou
memória, promove “uma precisão seja, produzida em sua dimensão
e uma verdade visuais nunca antes artística e permeada por expressões
atingidas, permitindo, assim, guar- pictóricas. O que antes só era pos-
dar a memória do tempo e da evo- sível ser realizado por meio da pin-
lução cronológica” (LE GOFF, 1984, tura, com a fotografia há um pro-
p. 466). cesso de popularização dos usos e
Esse artefato cultural “demo- funções dessa imagem visual;
cratiza a informação, mudando a b) aquelas que serviam para
percepção do mundo e amplian- documentar práticas sociais ou in-
do as referências de populações formar notícias em jornais, revistas,
que antes dela tinham suas vidas cartazes, entre outros. Esse segun-
circunscritas ao seu local de mora- do grupo de produção de imagem
dia e trabalho” (CARVALHO; LIMA, visual geralmente estava associa-
2009, p. 30). Assim, ela capta lu- do às agências governamentais, à
gares, pessoas, monumentos, pai- imprensa jornalística ou agências
sagens, leva o acesso às grandes
fotográficas autônomas, cujos prin-
obras de arte e ainda passa a ser
cipais objetivos estavam na expres-
usada como instrumento de docu-
são ou até mesmo na denúncia de
mentação cientifica. Em suma, os
uma realidade. Isso inclui, ainda, a
usos sociais da fotografia assumem
inúmeras possibilidades, isto é, uma prática bastante comum no final
“caixa de pandora”. A fotografia do século XIX e nas primeiras dé-
passou a ser uma forma eficaz de cadas do século XX de fotografar
preservar o passado, uma vez que espaços e construções públicas,
as sociedades, ao projetar o futuro marcada pela presença do Estado
(voluntária ou involuntariamente) e da imprensa na regulamentação
através de imagens de si próprias, dos circuitos sociais de produção e
conservam e, ao mesmo tempo, consumo das imagens visuais. Logo,
produzem uma memória coletiva e “a fotografia pública, produzida por
individual. agências de produção da imagem,

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desempenha papel na elaboração gura-se em um “lugar de produção
da opinião pública [...]. Suporte de de cultura e essa cultura se objetiva
memória pública que registra, re- nas práticas em que são operados
tém e projeta no tempo histórico os processos formativos. As ações se
uma versão dos acontecimentos” materializam nos espaços, objetos,
(MAUAD, 2015, p. 87). ícones e textos que formam parte
Estamos considerando que do patrimônio histórico-educacio-
uma das funções das fotografias es- nal”.
colares vincula-se à divulgação de Desse modo, a cultura escolar
valores, normas, saberes, condutas, trata dos saberes, práticas e mate-
isto é, representação simbólica dos rialidades da escola, em diferentes
sentidos sociais e culturais difundi- espaços de tempo. Porém, o nosso
dos pela escola e para a escola, foco de análise das práticas esco-
na sociedade brasileira. Para além lares centraliza-se na materialidade
disso, entrelaçam-se por meio das escolar. Conforme Souza (2007, p.
fotografias as histórias de vida das 176), a cultura material escolar “sig-
crianças, bem como da instituição, nifica compreender, num espectro
de tal modo, podemos citar como ampliado, os mais diversos compo-
exemplo as fotos dos eventos e so- nentes materiais ligados ao mundo
lenidades, que retratam momentos da educação”. Assim, o acervo
importantes de sua cultura e trajetó- iconográfico do Jardim de Infância
ria escolar, preservando a memória Modelo de Natal, parte documen-
coletiva, individual e institucional. tal do Instituto Superior Presidente
De tal maneira, as fotografias te- Kennedy, compõe-se em dois tipos
riam essa capacidade de capturar de artefatos culturais: os álbuns de
e guardar aquilo que “só ocorreu fotografias e as fotografias avulsas.
uma vez: ela repete mecanicamen- De acordo com Abdala (2013, p. 2)
te o que nunca mais poderá repe-
[...] o álbum é um tipo de
tir-se existencialmente” (BARTHES,
documento que se carac-
1984, p. 14). teriza primordialmente pela
Veiga (2007, p. 27) cita Pierre sua completude, pela sua
Bourdieu ao assinalar a presença lógica organizacional e pela
de um novo comportamento social unicidade da temática apre-
expresso nos álbuns de fotografias sentada. Compõe uma nar-
e diários: “Fotografar as suas crian- rativa sobre determinado as-
sunto, articulando imagens e
ças é fazer-se historiográfico de sua
textos, sob a forma de legen-
infância e preparar-lhes, como um das, identificam, apresentam
legado, a imagem do que foram”. e interpretam elementos e
Nesse sentido, este documento da cenas das imagens.
cultura escolar registra a memória
do curso da vida, representando O autor materializa a narrati-
uma consciência das diferenças va do álbum, é ele quem estabele-
geracionais. A escola, conforme ce condições para a existência do
Escolano Benito (2010, p. 12), confi- mesmo que consiste na representa-

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CULTURA MATERIAL: OBJETOS, IMAGENS E REPRESENTAÇÕES
ção dos seguintes elementos: tema A leitura de uma imagem fo-
(conteúdo); sujeitos (seus atores); o tográfica passa por um processo
objeto visual (a foto); e a técnica de desmontagem na construção
utilizada para arquivar (o álbum). da realidade produzida pelo seu
De acordo com Silva (2008), quan- receptor que é “resultante do pro-
do se desempenham essas catego- cesso de criação/construção do
rias já se está narrando. Eles, além
fotógrafo” (KOSSOY, 2005, p. 31). O
de guardarem a memória individual
maior desafio da interpretação re-
e coletiva da instituição educativa,
side em seu caráter subjetivo, uma
têm uma função narrativa, pois ao
classificar e ordenar as imagens, vez que o processo de “desmonta-
contam-nos uma história construída gem”, isto é, o “decifrar de uma fo-
numa série documental (ABDALA, tografia implicaria, entre outras coi-
2013). sas, o deciframento das condições
Conforme Kossoy (2012), a in- culturais” (FLUSSER, 1985, p. 35). O
terpretação da primeira realidade nosso intuito é esse, “desmontar” o
do objeto fotográfico representa os álbum de fotografias do Jardim de
sentimentos, os padrões de com- Infância Modelo de Natal.
portamento, as normas e condutas O álbum de fotografias é um
sociais, os saberes educacionais, as documento caracterizado por uma
intenções de cada um dos grupos dimensão organizacional quase
retratados. Sendo assim, veremos sempre apresentadas em séries. Ao
nos tópicos seguintes que os acon- distribuir as fotografias, há a pro-
tecimentos retratados na imagem
dução de uma narrativa sobre um
fotográfica se revestem de significa-
determinado assunto. Percebe-se,
dos pedagógicos, afetivos e emo-
também, uma articulação entre
cionais. Fischmann e Cruder (2003,
p. 47) corroboram ao afirmar que: imagem e texto suscitando um dis-
curso visual capaz de evidenciar
Produzir um registro fotográfi- memórias individuais e coletivas, as-
co requer o uso de um me- sim como representações e a iden-
canismo técnico específico, tidade educacional de uma escola
a câmera fotográfica. Este
para a pequena infância. Sendo
mecanismo pode ser simples
ou complexo, manual, auto- assim, ao mesmo tempo em que
mático ou digital, mas em to- assume uma função arquivista ao
das estas variações há uma “guardar” as fotografias, ele tam-
característica unificadora. bém constitui uma vocação narra-
Todas as câmeras produzem tiva.
imagens, que não são ape- Conforme Abdala (2013), a
nas registros de uma deter-
composição de um álbum foto-
minada coisa, mas também
signos que pertencem ao gráfico é motivada pela intenção
campo da produção de sig- de preservar a memória. No caso
nificados. O processo de pro- específico desse objeto de estudo,
dução de significados envol- está “guardada” no arquivo do
ve simultaneamente dimen- Instituto de Educação Superior
sões subjetivas e objetivas. Presidente Kennedy. Lá, encontra-

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se um acervo composto por dife- Imagem 3 – Capa do álbum de fotografias
de 1964
rentes fontes, tais como: fotografias,
álbuns, cadernos, livros de registros
e outros documentos que estão ar-
mazenados nos armários de uma
sala reservada e sem uma organi-
zação/catalogação de ordem ar-
quivística. Atualmente, contamse
oito álbuns de formatura dos alunos
concluintes do ensino infantil: um
da década de 1950 e, os demais, Fonte: Acervo Instituto de Educação
de 1960 e 1970. Superior Presidente Kennedy
Tal objeto da cultura material
escolar do Jardim de Infância Mo- Os álbuns de fotografias dos
delo de Natal segue uma única te- formandos eram caprichosamente
mática. Sua narrativa é clara: retra- decorados com pinturas infantis fei-
tar os concluintes, ou seja, aqueles tas à mão (imagem 4). Observa-se
alunos que estavam concluindo o que a cultura gerada pelo adulto é
ciclo da educação pré-escolar e direcionada para as crianças, den-
estariam aptos a ingressar no ensino tre elas: a cultura escolar, com seus
primário. Nota-se que há um certo códigos e dispositivos de produção
padrão na organicidade dos álbuns de valores e sabres; e a cultura co-
fotográficos escolares e que todos mercial, com dispositivos simbóli-
seguem uma ordem. cos e material (SARMENTO, 2004).
Percebemos, também, que A imagem dos personagens da
os artefatos culturais tanto foram Walt Disney, por exemplo, tornam-
encomendados e produzidos com -se referencial no mercado infantil
técnicas e materiais profissionais, pelo valor simbólico em seus filmes,
identificados pelas inscrições na universalizando seu potencial lúdi-
capa e verso, impressão das legen- co no imaginário infantil (GIROUX,
das e molduras das fotos; quanto 2001). Assim, os desenhos animados
de modo artesanal, observados por representavam a imaginação e a
escritas à mão, desenhos e figuras. fantasia, reproduzindo, muitas ve-
As capas (imagem 3) de cada ano zes, uma concepção de infância
modificam-se. pueril e inocente.

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CULTURA MATERIAL: OBJETOS, IMAGENS E REPRESENTAÇÕES
Imagem 4 – Álbum de fotografias de 1957 Imagem 5 – Juramento da turma

Fonte: Acervo Instituto de Educação Fonte: Acervo do Instituto de Educação


Superior Presidente Kennedy Superior Presidente Kennedy

Imagem 6 – Juramento da turma


Nessa perspectiva, o que cons-
ta nos álbuns dos concluintes é um
recorte da narrativa da cultura es-
colar, a representação da identida-
de institucional, como nos convida
a pensar García Canclini (1995, p.
139), “a identidade é uma constru-
ção que se narra”. De tal maneira,
a narrativa dos álbuns do Jardim de
Infância Modelo de Natal constrói-
-se na organização e apresentação
do juramento da turma, homena-
gem de honra (apresentação do
patrono e paraninfo), homenagem Fonte: Acervo do Instituto de Educação
especial (diretor e professores), ora- Superior Presidente Kennedy
dor da turma e retrato dos concluin-
tes. Nas imagens a seguir, é possível O valioso juramento: “Creio em
observar o mesmo juramento sendo Deus. Venero minha pátria. Adoro
reproduzido pelas turmas de 1963 e minha família. O amor ao próximo
1964. vai ser meu lema na vida”; o qual
as crianças deveriam memorizar e
aprender seu precioso significado
para proferir no dia da formatura,
aparece sucessivamente nos álbuns
dos concluintes. Isso nos leva a pen-
sar que o juramento não era cons-
truído com os estudantes para re-
presentar os seus sentimentos, mas
que, na verdade, ele sintetiza a fi-

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losofia da escola, projetando social- por retratos. Os retratos não são
mente ideais que foram incutidos representações fiéis, mas uma
nos discentes em sua formação. Va- forma simbólica, um gênero
lores e crenças em Deus, sentimen- composto mediante um sistema de
tos de veneração à pátria brasileira, convenções sociais, isto é: a escolha
o respeito e amor à família e ao pró- do cenário, a postura, expressão
ximo eram elementos fundamentais facial e corporal, acessórios e
para a formação daqueles novos objetos (BURKE, 2017). Segundo Kru-
indivíduos (MENDES, 2020). Segundo busly (2006, p. 32) “o rosto, e não
Gouvêa (2007, p. 20-21) as impressões digitais, é o nosso
documento de identidade”. De tal
Os discursos e práticas de
modo, esse gênero fotográfico cen-
socialização ao se dirigirem
à criança, constroem um traliza no rosto dos sujeitos seu obje-
imaginário sobre a infância, to temático.
produzindo modelos de ges- Outro aspecto relevante refe-
tos, hábitos, comportamen- re-se à postura do retratado e o en-
tos que são material de so- quadramento frontal do retratado
cialização nos processos de catalisa o olhar do leitor, remeten-
formação de tais autores. A
do-se o ponto de vista do fotógrafo
criança é também produto
de tais práticas e discursos. ao fotografado. Assim com esse tipo
de fotografia, destacam-se a indivi-
Nesse sentido, a criança torna- dualidade, a expressão de qualida-
-se depositária de discursos, introje- des e virtudes incontestáveis, dignas
tando valores, normas, condutas e de eternização (SOUZA, 2001, p. 91).
comportamentos civis historicamen- Observa-se que os álbuns de
te produzidos por um ideal de socie- fotografias do Jardim de Infância
dade, repercutindo na construção Modelo de Natal dividem os retra-
do indivíduo. Assim, ela reproduziria tos individuais em dois grupos: os ho-
a filosofia defendida pela institui- menageados (patronos, paraninfos,
ção, característica do contexto so- diretores, professores) e os alunos
cial brasileiro (MENDES, 2020). formandos. Essas fotografias, são
Na tentativa de construir uma acompanhadas de legendas iden-
identidade institucional, essas es- tificando o nome de cada sujeito.
colas criaram as suas próprias tra- Dando continuidade à evo-
dições, por exemplo, o culto ao cação narrativa disposta no objeto
patrono e a comemoração do ani- analisado, observa-se uma ordem
versário de criação/instalação do padronizada. Frequentemente, a
estabelecimento de ensino, a me- primeira página aborda a missão
mória dos primeiros diretores, pro- institucional e, em seguida, apre-
fessores e ex-alunos que ganharam senta o paraninfo e patrono da tur-
visibilidade pública (SOUZA, 2001, p. ma, como podemos constatar na
91). imagem abaixo:
No tocante à tipologia da fo-
tografia, os álbuns são compostos

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CULTURA MATERIAL: OBJETOS, IMAGENS E REPRESENTAÇÕES
8
Traje acadêmico Imagem 7 – Homenagem de honra da faltou a ajuda financeira necessária
geralmente usado Turma de 1962
por alunos forman-
à execução dos serviços de expe-
dos. riência pedagógica” (RIO GRANDE
DO NORTE, MENSAGEM, 1960, p. 90).
Os diretores e professores pos-
suíam seu lugar de destaque nos
álbuns. Assim, os homenageados
especiais da turma de 1963 foram:
Teresinha Pessoa da Rocha, a ilus-
tre diretora que esteve à frente da
instituição por quase 10 anos (1960-
1970); e as professoras Alda Maria
Sampaio Marinho e Lindaura Andra-
Fonte: Acervo do Instituto de Educação de, na imagem seguinte:
Superior Presidente Kennedy
Imagem 8 – Homenagem especial da
Turma de 1963
A turma de 1962 convida e ho-
menageia a professora Chicuta No-
lasco Fernandes, diretora do Institu-
to de Educação de Natal. As crian-
ças escolhem como paraninfo da
turma Agnelo Alves, irmão do Go-
vernador Aluízio Alves. No mesmo
ano, elegem, também, o patrono,
Geraldo Magela Cruz, figura impor-
tante para a educação do estado
e integrante da Associação dos Pro-
fessores. O patrono era alguém que Fonte: Acervo do Instituto de Educação
serviria de inspiração à turma e que Superior Presidente Kennedy
deveria zelar pela escola.
A terceira sessão do álbum é É possível perceber uma
destinada a homenagear diretores organização visual na distribuição
e professores. As professoras do Jar- das fotografias, assim como uma
dim de Infância, unidade do Institu- distinção provocada a partir das
to de Educação de Natal, recebiam cores (vermelho e amarelo). A
bolsas de estudos para aperfeiçoar- diretora, destaca-se em posição
-se e especializar-se cada vez mais. hierárquica acima das professoras
homenageadas. Nota-se, também,
O objetivo era promover qualidade
uma diferença nas fotografias das
ao ensino infantil. Para tal fim, acor-
professoras causadas pelo vestuá-
dos foram firmados entre o Instituto
rio. A foto da professora Alda Ma-
Nacional de Estudos Pedagógicos ria Sampaio Marinho, vestida com
(INEP), o Ministério da Educação e uma beca8, comunica-nos um signo
Cultura (MEC) e o governo do esta- educacional da profissionalização
do do Rio Grande do Norte, “não docente.

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Após a apresentação da di- fotos segue a ordem alfabética, 9
Márcia Maria Gur-
gel, ex-aluna do
reção e professoras, o álbum dos sendo identificada por foto e nome Jardim de Infância
formandos traz a fotografia do ora- (imagem 10). Modelo de Natal,
atualmente é Se-
dor da turma (imagem 9) e logo em cretária Estadual
seguida dos concluintes do ano. A Imagem 10 – Concluinte da Turma de 19639 Adjunta de Educa-
ção.
cada fotografia contida, abaixo,
consta o nome da criança. Em al-
guns álbuns, percebemos que ima-
gens se perderam ao longo dos
tempos.

Imagem 9 – Orador da Turma de 1964

Fonte: Acervo Instituto de Educação


Superior Presidente Kennedy

As crianças que estudavam


Fonte: Acervo do Instituto de Educação no Jardim de Infância Modelo de
Superior Presidente Kennedy Natal faziam parte de uma classe
social privilegiada. Tal informação
O orador da turma de 1964 di- é constatada diante da localiza-
vide a página acompanhado das ção da referida instituição, que se
crianças: Almira Veiga N. da Costa situava num bairro nobre onde mo-
e Aecio Ciríaco da Silva. Petrônio rava políticos, funcionários públi-
Tercio Bezerra Tinôco é o represen- cos e militares das Forças Armadas
tante de umas das famílias mais tra- Brasileiras, assim como crianças de
dicionais da política natalense. A descendência estrangeira, como
estima do orador na cerimônia de pode ser constatado através do
formatura seria representar a turma sobrenome das crianças, influência
e os valores morais, civis e religiosos da Segunda Guerra na capital
adquiridos na/pela instituição. Ao do Rio Grande do Norte (MENDES,
analisar os álbuns de fotografias, 2020). Reformamos a defesa com as
percebe-se que há predominân- informações das colunas dos jornais
cia de meninos como os escolhidos que noticiavam os aniversários das
para oradores da turma. crianças que estudavam na referi-
Por fim, após apresentar o re- da instituição e, também, divulga-
trato individual dos homenageados, vam os nomes e profissões dos pais,
inicia-se a apresentação de cada reforçando nossa ideia de educa-
criança da turma. A sequência das ção elitista (MENDES, 2020).

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CULTURA MATERIAL: OBJETOS, IMAGENS E REPRESENTAÇÕES
Outro aspecto importante so- serva-se o nome da instituição e a
bre as crianças do Jardim de In- identificação do ano. No topo cen-
fância Modelo de Natal refere-se tral, o grupo de retratos individuais
ao equilíbrio existente na matrícula das professoras homenageados e
para ambos os sexos. A oferta do à direita, o tributo à diretora, para-
ensino infantil misto público é uma ninfo e patrono da turma. No can-
das características de sua identida- to isolado direito, percebe-se um
de educacional, visto que sua ofer- homenageado especial e em des-
ta ia de encontro ao que ocorria taque abaixo, o orador da turma.
nas escolas primárias e secundárias Logo depois, é apresentado o retra-
pelo Brasil, predominante duran- to individual de cada criança com
te todo o período Imperial e boa identificação por nome, seguindo a
parte do Republicano, em que a ordem alfabética.
oferta do ensino era separada por
sexo (MENDES, 2020). Assim, com o Imagem 11 – Turma Dr. Carlos Borges de
Medeiros (1958)
intuito de sabermos o quantitativo
de crianças matriculadas por sexo,
fizemos o levantamento dos nomes
das crianças contidos nos álbuns de
fotografias dos alunos formandos.
Embora não tenhamos quan-
tificado as matrículas das crianças
por etnia, as mais variadas foto-
grafias documentadas pela esco-
la denotam um número minoritário
de crianças negras. Segundo Kra- Fonte: Acervo do Instituto de Educação
mer (1995, p. 24), a pré-escola seria Superior Presidente Kennedy
como mola propulsora da mudan-
ça social, uma vez que permitiria a O enquadramento das fotos
democratização das oportunidades individuais aponta uma expressão
educacionais. Assim, enfatizamos firme e séria no olhar das crianças,
que mesmo que o grupo majoritário marcando o ângulo frontal e central
fosse de crianças brancas advindas da foto. Os “formandos” represen-
das classes médias ou altas, o Jar- tam o encerramento de um proces-
dim de Infância constituía um es- so educacional, os quais estariam
paço de educação e socialização aptos a ingressarem no ensino pri-
sem distinção racial, de classe ou mário. Na parte inferior da imagem
gênero. A presença de crianças de está escrito “Turma Dr. Carlos Borges
diferentes esferas sociais atribuía va- de Medeiros”, prestando louvor ao
lor à identidade da instituição, ma- Diretor-geral do Departamento de
terializada em/por suas fotografias. Educação do RN, atuante no Go-
O mural de formatura (imagem verno Dinarte Mariz.
11) é uma síntese da narrativa ex- Assim como os álbuns de foto-
pressa nos álbuns. Logo acima, ob- grafias, no mural é observado uma

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distribuição hierárquica, seguindo 4. Fechando o álbum de
em certa medida uma estrutura fotografias...
escalonada. Temos a clareza que
embora nossa leitura seja visual, ao Nóvoa (1999) sugere que a
imprimimos um olhar analítico ela cultura escolar traduz um projeto
pode criar outra ordem e modificar educativo construído por meio da
significados, visto que toda leitura interação entre os sujeitos educa-
é capaz de modificar seu objeto cionais. Sendo assim, as imagens
(CERTEAU, 1994) fotográficas representam um “pa-
De tal maneira, há de se con- drão identitário da escola enquan-
siderar a fotografia como uma de- to instituição educativa cujo imagi-
terminada escolha realizada num nário social é reforçado por com-
conjunto de escolhas possíveis, portamentos, símbolos, práticas e
guardando nessa atitude uma rela- ritos, tais como, o uniforme, a aula,
ção estreita com a visão de mundo a bandeira, a arquitetura escolar, a
daquele que aperta o botão e faz sala de aula” (SOUZA, 2001, p. 81).
clique. A escolha da imagem da Por meio da apreciação das
aluna da turma de formandos de representações fotográficas, é pos-
1953 não foi aleatória e traz consigo sível inquirir nos vestígios que ha-
intencionalidades. De fato, todas as
via um padrão de representação
fotografias aqui apresentadas re-
social que se projetava na escola.
presentam o olhar do pesquisador
As representações fotográficas nos
sobre o tema, uma escolha diante
de um “conjunto de escolhas possí- conduzem à reflexão do processo
veis” (MAUAD, 2015). de escolarização da infância, assim
É importante enfatizar a partir como do universo que constitui sua
de Kuhloy (2001, p. 27) que os fotó- cultura escolar.
grafos são filtros culturais e diferen- Percebemos que a materia-
tes fatores influenciam em sua atu- lidade do documento visual de-
ação, como a escolha do tema, monstra princípios de organicidade
aspectos de tratamento estético, que, por sua vez, permite-nos aden-
tecnológico e culturais. O registro trar ao universo da cultura escolar.
visual documenta a própria atitude A iniciativa de compor álbuns foto-
(valores, normas, regras, ideologias) gráficos aponta-nos a valiosa preo-
do fotógrafo diante da realidade. cupação dos envolvidos com a pre-
Ele seleciona que feição do mun-
servação da memória institucional,
do real vai ser retratado, e isso, um
assim como nos conduz a pensar so-
historiador também faz por meio de
bre a intencionalidade em compor
escolhas. Dessa maneira, entende-
apenas álbuns de concluintes.
-se que em cada fotografia conti-
De tal modo, as fotografias
da nos álbuns há uma intencionali-
produzidas pelo Jardim de Infância
dade na sua produção, existe uma
Modelo de Natal apresentam uma
mensagem a ser transmitida e uma
série cronológica de imagens que
textualidade que auxilia na provo-
representam um tema singular: a
cação dos sentimentos.
infância escolar. Ao atribuir signifi-

ISSN 2237-9126 V. 14, N° 27 205


CULTURA MATERIAL: OBJETOS, IMAGENS E REPRESENTAÇÕES
cado às imagens visuais e dar “voz” e a produção de uma cultura esco-
a tantos rostos silenciados com o lar para a infância. Percebe-se uma
tempo, os álbuns de fotografias dos clara intenção em registrar e docu-
formandos documenta práticas e ri- mentar o ritual de passagem das
tuais, ao mesmo tempo que projeta crianças concluintes do jardim de
no imaginário social uma identidade infância com fins de preservação
cultural para a infância. da memória individual, coletiva e
A fotografia, por ser uma pro- institucional.
dução social e cultural, emite, por Por fim, acreditamos que esse
meio do olhar atento do fotógrafo e artefato da cultura material escolar
suas “lentes”, uma intencionalidade elabora uma narrativa acerca das
evocada na imagem. As fotos tes- turmas dos concluintes e da prática
temunham o passado sob a ótica social que compõe o ritual de for-
de indivíduos ou grupos, represen- matura, ou seja, da transição das
tando seus modos de ver e pensar crianças que estariam aptas a in-
o mundo social da criança e suas gressarem no ensino primário. Além
infâncias. disso, pela análise realizada dos ál-
Sendo assim, seja qual for o pa- buns de fotografias, nota-se que há
pel social desempenhado por uma uma prática na produção dos ál-
imagem (como evidência em tribu- buns fotográficos de modo artesa-
nais, identificação pessoal num pas- nal, apresentando um certo padrão
saporte, símbolo de poder, sexo ou na organicidade em sua composi-
felicidade na publicidade), a cria- ção, e sua leitura nos permite evo-
ção de imagens fotográficas usan- car as memórias dos sujeitos que
do a lente de uma câmera envolve compõem aquele espaço, dos sa-
um certo grau de escolha subjetiva beres produzidos e reproduzidos na
por meio da seleção, do enquadra- escola, assim como refletir o lugar
mento e da personalização. Mas que ocupa a criança no referido es-
a escolha subjetiva é entendida paço educacional.
em termos do papel social da ima-
gem, porque um signo fotográfico
não pode ser definido fora de suas
referências ou de sua eficiência
pragmática. Nesse sentido, a
fotografia é uma ação social e não
apenas a expressão de um mero
feito técnico (FISCHMANN; CRUDER,
2003, p. 48).
Pode-se concluir que os álbuns
fotográficos dos concluintes do Jar-
dim de Infância Modelo de Natal
abordam duas práticas pedagó-
gicas desenvolvidas na escola: a
confecção de álbuns fotográficos

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Recebido em: 28/set/2020


Aceito em: 5/jan/2021

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