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E A APRENDIZAGEM DE CONCEITOS
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Reinor Sannes de Avila
2
Sandro de Castro Pitano
Introdução
Esse artigo é fruto de uma pesquisa participante onde
experienciamos relações de ensino-aprendizagem apoiadas em
manifestações artísticas como o cinema o teatro e a música.
Atentamos para a necessidade de trabalhar o resgate cultural nas
disciplinas escolares, em especial na Geografia, através da
pesquisa participativa, tendo como eixo principal a Arte, esteio
importante para a socialização e construção da subjetividade.
Dentro da pesquisa participante, a problematização dos
fatos decorre de um processo que vai se delimitando através da
exploração dos contextos sociais, da observação reiterada do objeto
pesquisado e dos contatos que nos trarão informes sobre o
fenômeno social e do local onde se realizará a pesquisa. O
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Especialista em Geografia pela Universidade Federal de Pelotas – UFPel.
2
Professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Pelotas –
UFPel.
Geografando - Revista do Laboratório de Cartografia e Estudos Ambientais, Pelotas, v.1, n.2, p.107-124, dezembro de 2006
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A importância da Arte
Analisando a evolução da humanidade desde o seu
surgimento, que se deu pelo conhecimento construído e transmitido
ao longo dos tempos através da música, dança, expressão corporal,
das pinturas rupestres, entre outras, notamos que foi baseado
nesses registros, compartilhados ou muitas vezes negados a alguns
extratos da sociedade (como no período feudal onde a Igreja detinha
o acesso privilegiado aos livros), que forjaram-se os alicerces
socioculturais da sociedade atual.
ÁVILA, Reinor Sannes; PITANO, Sandro de Castro
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Na Bahia trabalhou em Piraí do Norte (12 mil habitantes, 60% analfabetos) e
Valença (40 mil / 43% analfabetos) e Varzedo (12 mil habitantes, 41% analfabetos),
em Goiás, Goiandira (cinco mil habitantes / 4% analfabetos), Nova Aurora (1.500
habitantes 4,5% analfabetos) e Anhanguera (700 habitantes, 5% analfabetos) e na
Paraíba, Puxinanã e Lagoa Seca.
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erradicar o analfabetismo no país. No entanto, como durante um
acontecimento torna-se mais difícil fazer uma análise de todo seu
alcance, limites e possibilidades, a intenção aqui é compor imagens
parciais e temporárias que possam ir agregando avaliações
qualitativas ao processo, tarefa esta que cabe à Universidade, pela
sua condição de interlocutora privilegiada.
O PAS atendeu em 2003 a aproximadamente 1.500.000 (um
milhão e quinhentas mil) pessoas ou em torno de 3,3% dos jovens e
adultos considerados analfabetos ou pouco escolarizados no Brasil
(em torno de 45 milhões de pessoas). Almeja que esta população
consiga ler e escrever pequenos textos (os rudimentos da escrita),
deixando às Universidades autonomia político-pedagógica na
formação dos alfabetizadores e na proposta teórico-metodológica
para a alfabetização. Também mobiliza grande parte das Instituições
de Ensino Superior Brasileiras, a maioria Faculdades, Centros,
Associações e Fundações Privadas que nunca atuaram na EJA e,
portanto, não possuem profissionais vinculados à pesquisa e ao
ensino da Educação de Jovens e Adultos. Além disso,
responsabiliza esses profissionais pela qualificação de professores
em serviço, deflagração de políticas públicas de EJA nos municípios
parceiros, produção de conhecimento na área através de grupos de
pesquisa e extensão, realização de artigos, dissertações e teses na
área, apresentação de trabalhos em seminários e publicação de
artigos e análises em periódicos nacionais e/ou internacionais.
O PAS não foi política pública, não extrapola o conceito
ainda rudimentar do que significa ser analfabeto, não demanda
coordenadores capacitados nas Universidades e não exige
formação docente aos alfabetizadores. Apesar disso, pode ser
observado também por algumas de suas qualidades. A maior delas,
e isso é reconhecido pelos coordenadores nas Universidades de
todo o país, é o envolvimento dos jovens alfabetizadores, a maioria
com ensino médio incompleto, com o universo cultural das
Universidades, com outros jovens que, na mesma faixa etária, estão
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Erradicar significa cortar, arrancar pela raiz. Na literatura educacional a respeito do
analfabetismo, é antiga a discussão que remete o verbo erradicar a um sentimento
pejorativo do fenômeno, afirmando que seria sinônimo de cortar um mal, curar uma
doença. Atualmente, há um consenso entre os educadores de EJA que analfabetismo
é um fenômeno produzido social e escolarmente e o verbo erradicar tem sido ouvido
apenas em fóruns onde a pouca cultura a respeito da área é mais comum.
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Oitenta e um educadores vindos dos estados da Paraíba, Goiás e Bahia.
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Primeira aula
Como introdução ao tema “Desigualdade Social” foi rodado
o curta metragem gaúcho “Ilha das Flores”, o qual retrata a situação
de miséria vivida por famílias residentes na lha dos marinheiros,
uma das ilhas que se localiza no estuário do Guaíba. O curta trata
da questão do lixo dispensado pelos moradores da cidade de Porto
Alegre, recolhido e depositado em um lixão particular na Ilha dos
marinheiros onde, primeiramente, os porcos criados pelo dono do
depósito se alimentam das sobras de comida vindas no lixo, para
que, somente depois, a população carente da ilha possa “garimpar”
restos de alimentos. O autor do curta trabalha de forma incisiva e
dicotômica a questão do conceito sobre lixo, enfatizando que os
restos de uma camada da sociedade que não serviriam para
alimentar os porcos servem de sustento para os marginalizados
integrantes de uma camada menos provida de recursos e
assistência, quadro dantesco que se apresenta não somente na
“Ilha das Flores” mas em todo o Brasil.
No segundo momento, foi proposto que cada alfabetizador
externasse seu sentimento em relação ao "curta" e a mensagem que
este passava, para que, posteriormente, referenciados pelas
opiniões emitidas, pudéssemos desenvolver o debate sobre o tema
Desigualdade Social, suas causas conseqüências e se haveria
perspectivas no sentido de reverter tal quadro.
No terceiro momento, foi reproduzida, em vídeo, uma
reportagem que mostrava a mudança da realidade daquelas famílias
residentes na Ilha dos Marinheiros decorrente de políticas públicas
desenvolvidas pela prefeitura de Porto Alegre, como o projeto
Frentes de Trabalho e cursos de qualificação profissional,
reciclagem e a conscientização ambiental, reintegrando (ainda que
em condições não ideais), aquelas pessoas antes marginalizadas.
Após a apresentação do "curta", timidamente os alfabetiza-
dores começaram a emitir seus pareceres verbais. Muitos se
mostraram chocados, pois a “imagem vendida” pela mídia era que a
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(...) pra mim o relato do filme foi surpreendente, é que pra nós,
sempre tivemos a idéia de que no sul não existia esse tipo de
pobreza, jamais imaginei que na região que mais produz no Brasil
também tivesse fome e miséria como lá na Bahia...
Não acho que seja possível acabar com a pobreza, pois emprego tem
aí, no jornal tão sempre pedindo pessoas para trabalhar, essas
pessoas geralmente são vagabundos que só querem ganhar tudo do
governo e se você ajuda hoje amanhã eles estão em casa de novo
achando que nós temos obrigação de dar alguma coisa...
Segunda aula
A segunda aula também foi dividida em três etapas, sendo a
primeira feita através de representação teatral fazendo uma sátira
do programa de televisão “Quem quer Dinheiro”, dando seguimento
ao tema Desigualdade Social.
A representação teatral teve como objetivo explicitar a
relação da mídia, que através de subterfúgios, não pouco aliena a
população, através de concursos, jogos de azar “lícitos”, a qual
sonha em mudar de vida ou pelo menos mudar sua condição social.
Os meios de comunicação se tornam o elemento e o espaço
privilegiado em que a cultura é criada, fortalecida, reproduzida e
retransmitida, de um lado; tornando-se, de outro, o espaço e o meio
em que essa cultura é negada, descaracterizada, transformada e
dominada para servir a outros interesses que não são os do próprio
povo.
Após a apresentação teatral, partimos para a segunda etapa
do trabalho, fazendo uma explanação sobre o tema Desigualdade
Social, aproveitando que os alfabetizadores já estavam embebidos
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Considerações finais
Ao finalizar, não temos a pretensão de considerar exauridas
todas as possibilidades de utilização da Arte no ensino da
Geografia, bem como na práxis educativa em geral: entendemos
que se trata apenas de uma pequena, porém frutífera, experiência
por nós vivenciada e relatada neste artigo.
A utilização da Arte em sala de aula faz-se necessária, pois
em uma sociedade como a nossa, perpassada pelos conflitos de
classes (promoção, defesa e manutenção de interesses
particulares), é ingenuidade pensar numa verdade explícita ou numa
informação objetiva que obedeçam às regras de uma moral
universal, puramente em benefício de todos. Dentro desse contexto,
a música, o teatro e o cinema seriam os facilitadores da
compreensão do mundo por parte dos educandos.
A posse da comunicação e a informação tornam-se
instrumentos privilegiados de dominação, pois criam a possibilidade
de dominar a partir da interioridade da consciência do outro, criando
evidências e adesões que interiorizam e introjetam nos grupos
destituídos a verdade e a evidência do mundo do dominador,
condenando e estigmatizando a prática e a verdade do oprimido
como prática anti-social.
Nesse ínterim, apontamos a Arte como uma espécie de elo
crítico entre o meio social (cotidiano) e o universo escolar,
questionando e contestando essa sociedade de dominação através
de seus próprios instrumentos: a música, o filme, a série da TV, os
quais devem ser levados para a sala de aula não como um simples
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Referências bibliográficas
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