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A PRÁTICA DE COMPOSIÇÃO DE ÁLBUNS FOTOGRÁFICOS ESCOLARES A

PARTIR DA ANÁLISE DO ÁLBUM DO JORNAL “NOSSO ESFORÇO”, DA


ESCOLA CAETANO DE CAMPOS-SP

Rachel Duarte Abdala


Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo-FEUSP
Universidade de Taubaté-UNITAU
E-mail: rachel.abdala@uol.com.br

Palavras-chave: Escola Caetano de Campos-SP, álbuns fotográficos, jornal “Nosso Esforço”.

Apresentação
Ao analisar a série composta pelos 23 álbuns fotográficos do acervo do Arquivo da
Escola Caetano de Campos (AECC), sob a guarda do Centro de Memória em Educação Mário
Covas, perceberam-se especificidades, recorrências e a potencialidade de refletir, a partir
desse significativo conjunto documental, sobre as características do álbum fotográfico e sobre
a série de elementos que o compõem. Além dessa questão, pretendeu-se estudar a função e a
composição do álbum fotográfico escolar.
Esse conjunto de álbuns pode ser dividido sob o critério de produção: profissional
e artesanal. Nesta pesquisa o foco foi a composição dos álbuns artesanais compostos nas
dependências da própria escola, por funcionários, professores e alunos. A escola promovia a
prática de composição de álbuns fotográficos e esses álbuns eram temáticos, englobando
variados assuntos e eventos: efemérides que a escola promovia e as promovidas na cidade de
São Paulo, nas quais a escola participava; aspectos da cultura escolar, como a puericultura;
unidades da escola, como o Jardim da Infância e iniciativas da comunidade escolar, como o
jornal produzido na escola.
A Escola Caetano de Campos, que teve seu nome alterado diversas vezes por
reformas educacionais e por demandas políticas, desenvolveu variadas práticas pedagógicas,
entre elas a criação e manutenção de um jornal escolar vinculado à Biblioteca Infantil do
Curso Primário do Instituo de Educação Caetano de Campos, denominação que a instituição
ostentava na década de 1930.
A Biblioteca Infantil do Curso Primário do Instituto de Educação, foi
reaberta, em caráter definitivo, em 1936. A professora Iracema Marques da
Silveira assumiu e reorganizou esta Biblioteca a convite da diretora
Carolina Ribeiro e ambas a transformaram em centro das atividades extra-
curriculares da escola primária. 1

Assim, o jornal foi criado neste contexto:


Produzido como atividade específica da biblioteca, a elaboração do jornal
“Nosso Esforço” foi estimulada e dirigida pela diretora Carolina Ribeiro e
pela bibliotecária Iracema Marques da Silveira, professora primária, que
teve a seu cargo os trabalhos ligados à biblioteca de 1936 a 1966. 2

Como também aponta Regina Pinheiro, o jornal Nosso Esforço Não fugia às
orientações gerais que fundamentavam este tipo de projeto, revelando a preocupação com a
linguagem considerada infantil. A prática da elaboração de jornais escolares não era, neste
período, uma inovação pedagógica. O que surpreende no caso do jornal Nosso Esforço é a sua
longevidade e a relação que se estabeleceu entre o jornal e os alunos.

Abrindo o álbum: caracterização de álbuns fotográficos


A composição de um álbum fotográfico é invariavelmente motivada pela intenção
de preservação da memória, pelos registros fotográficos e pela mensagem apresentada pela
organização narrativa dos álbuns. Assim, um álbum é, antes de tudo, uma espécie de arquivo,
pois além de preservar dados os apresenta de modo organizado e sistematizado.
Entre outros aspectos, a organização das fotografias sob o formato de álbum
contribui significativamente para a identificação do conteúdo das fotografias, pois, de acordo
com Boris Kossoy3, ainda que haja a ausência de determinados dados identificatórios, eles
estão mais presentes do que no caso das fotos avulsas.
O álbum é um tipo de documento que se caracteriza primordialmente pela sua
completude, pela sua lógica organizacional e pela unicidade da temática apresentada. Compõe
uma narrativa sobre determinado assunto, articulando imagens e textos, sob a forma de
legendas, identificam, apresentam e interpretam elementos e cenas das imagens. De acordo
com Armando Silva4, o álbum assume ao mesmo tempo a função de arquivo, pois é uma
forma de guardar as fotografias, e a de contar histórias, porque tem uma “vocação narrativa”.
Há, pois, diferença entre guardar e classificar. Os álbuns têm uma ordem. O autor estabelece
condições para que o álbum exista: o sujeito representado (a escola e seus atores); o meio
visual de registro (a foto) e a técnica de arquivo (o álbum). Para o autor, quando se cumprem
essas condições já se está narrando. Acrescenta-se que, além da narrativa, esses pré-requisitos
também estabelecem uma série documental.
A materialidade revela os princípios de organicidade que, por sua vez, revelam
aspectos específicos da cultura escolar. Observa-se que há um certo padrão na organicidade
dos álbuns fotográficos escolares e, nessa série em especial, é possível distinguir dois grupos:
os produzidos na escola de modo amador e artesanal e os produzidos de acordo com técnicas
e materiais profissionais. Entretanto, todos compõem uma ordem narrativa clara.
Os álbuns são encomendados ou compostos com o objetivo de permanecer como
suportes de memória com a função de arquivo e de salvaguarda dos fragmentos de histórias.
Os álbuns não são todos iguais na organização nem completados por
idênticas motivações, o que torna importante averiguar tanto os diferentes
motivos de seus relatos quanto a variedade de arquivos e condições [...] O
arquivo é sempre uma maneira de guardar e hierarquizar que depende de
quem o organiza, como é natural, mas também do objeto que será arquivado
e de sua tradição.5
O álbum, em si, compõe uma série, pois, articula de modo ordenado documentos
em seu interior. Além disso, tem-se a série dos álbuns escolares e, mais especificamente, a
série dos álbuns escolares do AECC. Desse modo, é lícito operar numa perspectiva que
considere a articulação das séries compondo uma série múltipla.
Portanto, o conhecimento histórico produz séries, tanto para o seu registro, como
no caso nos álbuns fotográficos compostos no âmbito da Escola Caetano de Campos, de modo
contemporâneo aos fatos registrados, quanto para organização de acervos e fundos nos
arquivos, e pelos próprios pesquisadores, que selecionam séries de outras já constituídas nas
instituições de memória, como aponta Michel de Certeau.6
Desse modo, “reconstituir o vivido” pode, inclusive, ultrapassar os limites
cronológicos, na medida em que o foco se desloca para o assunto tratado.
[...] os dados dão sempre dispostos pelo observador de modo tal a dar lugar
a uma sequência narrativa, cuja formulação mais simples poderia ser
“alguém passou por lá”. Talvez a própria idéia de narração tenha nascido
pela primeira vez numa sociedade de caçadores, a partir da experiência da
decifração das pistas.7

Tomando como pressuposto que essa série documental mais ampla poderia ser a
dos álbuns de fotografias escolares, e, num recorte mais estrito, a série dos álbuns fotográficos
do AECC, buscou-se, neste estudo, perceber as relações entre essas dimensões, ou escalas.
Buscou-se, portanto, um álbum que, apesar de notadamente incluído na série documental de
álbuns fotográficos da Escola Caetano de Campos, apresentasse aspectos que o colocassem
numa posição diferenciada com relação à série, suscitando, assim, questões particularmente
instigantes.
A prática de composição de álbuns fotográficos na Escola Caetano de Campos
Apesar de ter sido criada em 1846, a partir das determinações do Ato Adicional de
12 de agosto de 1834, que conferia às províncias a atribuição de legislar sobre a instrução
pública, inclusive criando estabelecimentos próprios para tal fim, a Escola Normal da Capital
passou a ter notoriedade a partir de 1894, com a construção do novo prédio na Praça da
República, especialmente construído para sediá-la.
A iniciativa de compor álbuns fotográficos revela forte intenção e preocupação dos
envolvidos com a preservação da memória institucional. De acordo com o princípio de
produção, há duas possibilidades que são aplicáveis e verificáveis no que se refere aos álbuns
fotográficos da Escola Caetano de Campos: produzidos profissionalmente, por encomenda, ou
produzidos artesanalmente no âmbito da própria escola.
Os álbuns produzidos por empresas especialmente contratadas para esse fim
podem ser identificados pela impressão das legendas, das inscrições na capa e das molduras
das fotos. Neste grupo destacam-se os álbuns de professorandos, ou seja, os álbuns de
formatura. Desde o início da prática de registros fotográficos das solenidades de formatura há
o oferecimento direto aos interessados pelas fotos, ou seja, os alunos e seus familiares. Não
era, e ainda não é comum, a escola encomendar ou manter álbuns das formaturas. Esses
álbuns são geralmente revestidos de características rituais e pomposas, que determinam o
preço dos materiais e dos recursos empregados para sua consecução: a capa, as legendas
internas e as molduras das fotos impressas nas páginas, geralmente separadas por papel de
seda. Esse tipo de álbum também obedece a uma determinada ordem particular, na qual são
apresentados os dirigentes, os docentes e os alunos formandos, devidamente identificados em
legendas impressas.
Além deste tipo do qual o Acervo da Escola Caetano de Campos conta com alguns
exemplares doados por antigos alunos, há dois outros álbuns produzidos profissionalmente
que merecem destaque.
Em 1895, após um ano de instalação no novo prédio situado na Praça da
República, investiu-se na realização de um álbum fotográfico que apresentasse o prédio, as
instalações e as práticas escolares. O álbum apresentava o olhar oficial sobre a instituição.
Numa perspectiva comparativa, foi realizado um segundo álbum fotográfico com a mesma
lógica, em 1908. Percebe-se, portanto, o cuidado atribuído ao tratamento da imagem da
Escola Caetano de Campos.
No que se refere aos álbuns produzidos artesanalmente no âmbito da escola,
possivelmente pelas próprias professoras e por outros servidores, interroga-se acerca das
condições de sua produção e das motivações que a nortearam.
Dentre os 23 álbuns componentes do acervo, 5 deles foram produzidos
artesanalmente de modo amador: Álbum de Comemoração do IV Centenário de São Paulo
[1954], Álbum Biblioteca Infantil [1940], Álbum Jardim da Infância – Cinqüentenário [1896-
1946], Álbum Jardim da Infância e o Álbum Jornal Nosso Esforço.
Em contraposição aos álbuns produzidos profissionalmente, esses são
caracterizados pela utilização de álbuns comuns, comprados em papelarias e armarinhos ou
confeccionado em páginas avulsas posteriormente encadernadas, nos quais era possível fixar
fotografias, textos, jornais e outros suportes de memória de acordo com os objetivos de quem
os compunha. O álbum apresenta assim, “tábulas brancas” nas quais serão inscritas memórias,
impressões, objetos, imagens, de acordo com o olhar de quem o produz, com o objetivo de
sua produção e as escolhas concretizadas na sua organização. Originalmente, album é um
termo latino: denominava as tábuas nas quais eram impressas as decisões dos pretores, a lista
dos senadores, etc. As legendas eram inscritas cursivamente a mão nas próprias páginas do
álbum ou datilografadas e coladas embaixo das fotografias. As molduras eram desenhadas
imitando os clichês tipográficos dos álbuns profissionais e recorrendo aos dotes artísticos de
docentes e alunos.
Como exemplo dessas características, além do álbum do Jornal Nosso Esforço,
objeto de análise deste estudo, pode-se apontar o Álbum de Comemoração do IV Centenário
de São Paulo. Esta comemoração teve a participação direta de vários setores da sociedade. A
Escola Caetano de Campos esteve presente nos desfiles pelas ruas da cidade, em solenidades
organizadas em seu próprio prédio e em praças. Esses momentos históricos foram registrados
fotograficamente e organizados em um álbum artesanalmente produzido, pois suas legendas
são escritas à mão, e as fotos, coladas em suas páginas e margeadas por molduras desenhadas.
Outra experiência com a composição de séries no âmbito da Escola Caetano de
Campos são os chamados Dossiês Temáticos, confeccionados durante anos pelos alunos sob a
orientação da bibliotecária Iracema da Silveira. A motivação para sua produção parece ter
sido o objetivo de auxiliar os alunos na realização das pesquisas escolares requeridas pelos
professores. São centenas de dossiês que também hoje fazem parte do acervo da Escola
Caetano de Campos.

O álbum fotográfico do Jornal Nosso Esforço


No objeto que foi selecionado para esta análise, o Álbum do Jornal Nosso Esforço,
verifica-se uma ordem lógica e objetiva, característica do sentido narrativo peculiar aos álbuns
fotográficos como gêneros de “escrita” da História. Além disso, a própria experiência de
produzir os álbuns pode ser considerada como uma operação de fazer história, no sentido em
que Michel de Certeau8 postula, pois há a intenção de registrar os fatos.
Materialmente, o álbum era um produto da empresa Cartona Cartão Photo
Nacional, como foi possível identificar a partir de marca na contracapa. A empresa foi
fundada em 1927 por João José Monegaglia, filho de imigrantes italianos. Esses álbuns
podiam ser adquiridos e compostos de acordo com diferentes objetivos e com diferentes
conteúdos. Suas folhas eram de papel cartão, amaradas à capa com cordão. O álbum do jornal
Nosso Esforço é composto por 47 folhas, com 38 fotografias fixadas com cantoneiras, prática
comum na época, pois as fotografias apresentavam tamanhos diferenciados, o que de fato se
verifica na análise deste e de outros álbuns do acervo da Escola Caetano de Campos.
Há uma apresentação bem definida, composta pela capa, com a identificação do
assunto ao qual o álbum se destina: “Nosso Esforço’/órgão do curso primário/Instituto de
Educação/Caetano de Campos”. Essa inscrição está cuidadosamente distribuída na capa e há
indícios da sua produção artesanal já na capa, pois, se verifica que houve a intenção de
inscrever a palavra Caetano na mesma linha de Instituto de Educação. Embora a palavra esteja
na linha abaixo compondo o nome da instituição “Caetano de Campos”, na linha acima
aparece vestígios de que ela havia sido ali escrita.
Na primeira página do álbum um texto datilografado e colado no álbum apresenta
o jornal a partir da sua criação. O texto, intitulado “Nosso Esforço: sua fundação – sua vida”,
afirma que o jornal foi criado por sugestão de Carolina Ribeiro, diretora da Escola Primária
do Instituto Caetano de Campos de 1935 a 1948. O texto ainda se refere ao processo que
culminou na escolha do nome do jornal por meio de eleição realizada nas duas primeiras
edições.
Na página seguinte, outro texto acompanhado de edições do jornal coladas na
página do álbum faz alusão à perspectiva histórica: “E desde então, ele tem sido a ‘menina
dos olhos’ de seus pequenos leitores. Sucederam-se as gerações de alunos no Curso Primário
e ele continuou acompanhando e registrando o que tem sido a vida da escola.”.
Composto com base em uma perspectiva cronológica linear o álbum apresenta a
partir de 1941 até 1961 os nomes dos jornalistas de cada ano. Os alunos que se dedicam a
elaborar o jornal são denominados de “jornalistas”. A participação direta dos alunos na
elaboração do jornal pode também ser percebida pelo fato de que desde a sua criação o jornal
era dirigido por um dos alunos. Desse modo, observa-se a preocupação em revestir o jornal ao
mesmo tempo de um caráter profissional e afetivo, pois, o jornal é chamado de “família”,
como, por exemplo, na inscrição do álbum relativa ao 10º. Aniversário do jornal: “O décimo
aniversário do ‘Nosso Esforço’ foi comemorado com uma agradável reunião de toda ‘sua
família”. No registro do 20º. Aniversário mais uma vez há esse tipo de menção: “E no 20º.
Aniversário do ‘Nosso Esforço’, foi convocado novamente toda sua ‘família’, que acorreu
pressurosa para as comemorações. Tudo foi além das expectativas!” Destaca-se que o uso de
ponto de exclamação neste e em outros textos e legendas do álbum pode revelar a
proximidade afetiva entre os responsáveis pela sua composição e o jornal.
Retomando a análise da composição norteada cronologicamente, o registro dos
grupos de jornalistas por ano é interrompido apenas pelo registro das efemérides relativas à
História do jornal. Além das festas de encerramento do ano, como a de 1939, devidamente
registrada com fotos e textos; há o registro dos já mencionados aniversários de 10 anos e de
20 anos do jornal, respectivamente em 1946 e 1956. Outro momento de destaque na trajetória
do jornal que foram registrados no álbum foi em 1941, quando a escola recebeu as filhas de
Caetano de Campos na Biblioteca pelos jornalistas e pela então Diretora Carolina Ribeiro. Por
fim, há a comemoração do Jubileu de Prata em 1961 que mereceu amplo destaque no álbum,
que revela também o zelo despendido na organização e realização desta comemoração. O
destaque pode ser dimensionado pela quantidade de fotografias do evento constantes no
álbum: são ao todo 18 fotografias. Desse modo, este foi o evento que mais teve espaço no
álbum. As comemorações dos aniversários do jornal eram organizadas a partir de
programações que, devido ao fato de terem sido registradas no álbum é possível recupera-las e
compreender a dimensão auferida ao jornal no âmbito da escola. Verifica-se que o espaço das
comemorações era invariavelmente o da Biblioteca, setor responsável pela edição do jornal,
que era especialmente arrumada para essas ocasiões, como revela uma das legendas das
fotografias do evento comemorativo do 10º. Aniversário do jornal: “A sala da Biblioteca
apresentava aspecto festivo: flores nos vasos, sobre os móveis; exposição retrospectiva da
vida do nosso jornalzinho, de autógrafos, de fotografias...”
As programações eram compostas por discursos da diretora, da bibliotecária
Iracema, de homenageados, de antigos jornalistas; sorteio de coleções do jornal; “chamada”
dos jornalistas; premiações, e, inclusive bolo comemorativo.
Na maioria das fotos das festas de encerramento de ano e de grupos de jornalistas
os alunos, ou outras pessoas presentes, como a diretora da escola aparecem com o jornal nas
mãos.
Especificamente com relação às fotografias, não foi possível identificar a sua
autoria. Foi possível verificar, no entanto, que não houve um só autor. Há indicação do nome
de dois autores, mas não há indícios de que sejam fotógrafos profissionais.
No registro do 10º. Aniversário do jornal há uma fotografia com a seguinte
legenda: “Vemos nessa fotografia, tirada pelo Snr. Silvio Ribeiro, ao lado de Da. Iracema e
Da. Cecícila os jornalistas: Ilka E. Laurito e Braz A. Gravina e os alunos-bibliotecários: Odete
Pereira, Maria Cecília de Castro Barra, Maria do Carmo de Castro Barra, Newton Deleo de
Barros e Jair M. Sansone. 06/11/1937” (grifos nossos).
A segunda ocorrência de identificação de autoria de fotografias do álbum também
foi no registro do 10º. Aniversário do jornal. No verso de várias fotografias há a inscrição:
“fotografia tirada por D. Odila”. A forma da inscrição, omitindo o sobrenome, sugere
familiaridade com a responsável pelas fotografias. Além disso, em uma das legendas de outra
fotografia do evento D. Odila aparece identificada na legenda como uma das pessoas
fotografadas no grupo.
Na década de 1940, as máquinas fotográficas já haviam se popularizado devido à
simplificação que havia produzido a máquina portátil ainda no fim do século XIX.
A Kodak, empresa fundada em 1888 por George Eastman, inventor do filme
fotográfico, teve significativa importância no processo de popularização da fotografia, tanto
no sentido de viabilizações técnicas quanto na propaganda. Lançou o slogan: “Você aperta o
botão, nós fazemos o resto”. Desse modo, a empresa propunha tirar o trabalho de revelação
daquele que se dispunha a fotografar, ampliando assim, a quantidade de pessoas que se
aventurava a capturar imagens.
Desse modo, a D. Odila, pode ser uma das professoras da escola, ou mesmo a mãe
de um dos jornalistas, que, doou para a escola as fotografias.
Aniversário de 10 anos do jornal foi noticiado pelo jornal “A Gazeta” de
30/08/1946. Notícia com fotografia que parece ter sido tirada por profissional do próprio
jornal A Gazeta.
Outro recurso de registro utilizado nas efemérides do jornal foi o da filmagem. Na
ocasião da comemoração do 20º. Aniversário do jornal, em 1956, o texto que apresenta a
programação da festa faz alusão a esse recurso: “A festa foi filmada pelos irmãos Celso e
Carlos Bianco, antigos alunos da Escola primária. Constitue esse film uma preciosa
lembrança da festa e é o film no. 1 da nossa filmoteca”
No que tange ao conteúdo icônico das fotografias do álbum no aspecto da
expressão identifica-se dois grupos: as fotos de cenas dos eventos, não posadas e as fotos
posadas de grupos de participantes desses eventos e de jornalistas.
Há ainda um terceiro grupo de fotografias que aparentemente não são posadas,
pois os jornalistas estão, de acordo com as legendas, “em ação”, produzindo o jornal,
“fazendo a revisão de provas”, etc.
Assim, embora aparentemente os retratados estejam em ação, como reforçam as
legendas, estão de certa forma posando, pois, têm noção da ação do fotógrafo. O postulado da
passividade própria do consumo, ao qual Certeau 9 se contrapõe, parece ser subvertido, no
caso destas fotos e de outras dessa natureza. Desse modo, tanto o fotógrafo quanto o ou os
fotografados participam da construção da fotografia.
Embora o apelo seja visual, a leitura fundamenta-se na articulação entre o verbal e o
imagético. Para Certeau, toda leitura modifica o seu objeto. Nesse sentido, ao imprimirmos o
olhar analítico e investigativo criamos uma outra ordem, alteramos o significado dos
elementos, mesmo que estes já estejam organizados de acordo com uma lógica e inseridos em
múltiplas séries.
[...] percursos através da página, metamorfoses e anamorfoses do texto pelo
olho que viaja, vôos imaginários ou meditativos a partir de algumas palavras,
transposições de espaços sobre as superfícies militarmente dispostas do
escrito, danças efêmeras, depreendendo-se ao menos em um primeiro
enfoque que não se poderia conservar a rígida separação da leitura e do texto
legível (livro, imagem, etc.)10

Percebe-se que os álbuns fotográficos, ao apresentar de modo ordenado e dentro


de uma lógica discursiva e narrativa própria, aspectos da cultura escolar imprime ao registro
da história e da memória da escola uma dimensão disciplinadora a partir de elementos
didático-pedagógicos. Além disso, os álbuns direcionam o olhar ao impor uma determinada
ordem aos elementos que os compõem.
As fotografias produzem memória e cultura visual, criam um discurso e uma
imagem específica que direcionam a forma de a sociedade ver a escola e suas práticas. Esses
olhares são registrados em textos e em imagens, profissional e amadoristicamente.
A eficácia da produção implica a inércia do consumo. Produz a ideologia do
consumo-receptáculo. Efeito de uma ideologia de classe e de uma cegueira
técnica, esta lenda é necessária ao sistema que distingue e privilegia autores,
pedagogos, revolucionários, numa palavra, “produtores” em face daqueles
que não o são.11
Assim, considerando-se também que a Escola Caetano de Campos instituiu-se
como modelo de excelência educacional, consequentemente produziu uma referência, não só
de práticas de ensino e de forma escolar, como também de formas de ver a escola como esfera
privilegiada no tecido social.
Como foi já explanado, um álbum pode ser elaborado ao longo do tempo como
forma de registro ou a posteriori mantendo o princípio de completude e o olhar panorâmico e
distanciado do objeto temático enfocado.
Não foi possível precisar a data em que o álbum objeto desta análise foi produzido
e sua análise aponta para sua classificação híbrida, percebe-se que há uma perspectiva
panorâmica buscando narrar a trajetória do jornal desde a sua criação até um momento
específico, quando ele foi apresentado e, percebe-se também que posteriormente a esse
momento ele continuou a ser acrescido de fotos e de informações.
Nos registros do Jubileu de Prata do jornal em 1961, evento amplamente
documentado no álbum com cerca de 19 fotografias, em três delas o álbum aparece na mesa
do bolo, cuidadosamente arrumada com flores. O álbum parece estar em exposição. Assim, se
poderia inferir que ele estivesse em exposição sendo apresentado pela primeira vez. Desse
modo, nessa perspectiva o álbum teria sido produzido neste período, no entanto não há nada
que comprove essa hipótese. Depois do registro do Jubileu de Prata seguem-se nas demais
páginas do álbum recortes de jornal e documentos desde 1939. Os recortes de jornal são de
artigos publicados na grande imprensa sobre a escola e sobre o jornal.
Neste álbum há uma história, narrada de modo aparentemente excepcional, mas
inegavelmente narrada com elementos que a constituem como tal. Conta-se neste álbum a
História de uma prática pedagógica, o jornal; a História da própria escola e também as
histórias de professores e alunos e a relação que a escola mantinha com ex-alunos e com a
imprensa.
Para Regina Pinheiro 12 : “Desde o primeiro ano de sua existência, em 1936, o
jornal Nosso Esforço se revelou um importante veículo da escola para a prática pedagógica e a
difusão da cultura escolar”.
Assim, explorar a particularidade do Álbum do Jornal Nosso Esforço significa
percebê-lo como representativo de uma prática escolar, no sentido em que integra a cultura
escolar, mas também pedagógica, pois, era aparentemente realizada com a participação dos
alunos que, neste processo, “aprendiam” a importância de se preservar a memória das
atividades realizadas na escola para compor a sua História e uma das formas de fazer isso.
Considerações finais
Pode-se concluir que o álbum fotográfico do jornal Nosso Esforço catalisa duas
práticas pedagógicas desenvolvidas na escola: a confecção de álbuns fotográficos e a edição
de um jornal escolar.
Desse modo, diante dessa perspectiva teórico-metodológica, outras questões se
apresentam, tais como a relação das fontes fotográficas com as demais fontes documentais.
Entendido como resultado de um conjunto de variáveis e com protocolos de inteligibilidade
que exigem informações externas, tal como preconiza Boris Kossoy,13 o entrecruzamento da
fotografia com outras fontes documentais é imprescindível para esclarecer aspectos a respeito
de sua composição e das informações que ela engendra.
Havia e há homenagens no mundo escolar, havia e há ex-alunos, ainda há
profissionais da educação que registram os fatos da escola em que trabalham em álbuns, mas
este em especial catalisa esses elementos e apresenta outros só seus. O álbum é um
documento, a pessoa que o compôs é um fato, pois todo depoimento, como afirma Ginzburg,
dá testemunho apenas de si mesmo, do seu momento, do seu contexto, da sua origem, dos
seus motivos.
Como são assuntos específicos e particulares da escola, a confecção artesanal dos
álbuns, devido à familiaridade com a temática tratada, permite garantir a caracterização
detalhada e adequada das legendas. Além disso, registra e preserva aspectos da própria cultura
escolar. O Álbum do Jornal Nosso Esforço foi constituído com a participação da bibliotecária
da escola, de professores e dos alunos envolvidos na elaboração do jornal escolar, que foi
denominado pelos próprios alunos de Nosso Esforço e que parece, pela análise do álbum
fotográfico ter alcançado grande prestígio na escola. A análise suscitou questões que
ultrapassaram sua materialidade e incidem sobre suas condições de produção e sobre a própria
cultura escolar.
Nesse sentido, foi possível verificar uma clara intenção de registro dessa iniciativa
da escola para preservação da memória desse trabalho e daqueles que o promoveram. Esse
álbum fotográfico representa, assim, um artefato de memória escolar de uma atividade
realizada – o jornal Nosso Esforço – e de uma prática desenvolvida na Escola Caetano de
Campos – a produção de álbuns fotográficos de modo artesanal.

Fontes documentais
Acervo fotográfico do Arquivo Histórico da Escola Caetano de Campos do Centro de
Referência em Educação – Mário Covas
Álbum fotográfico do Jornal Nosso Esforço (Caixa 17) - Acervo fotográfico do Arquivo
Histórico da Escola Caetano de Campos do Centro de Referência em Educação – Mário
Covas
Regulamento da Biblioteca Infantil Caetano de Campos, Curso Primário (anexo), aprovado
pela Diretoria do Instituto de Educação Caetano de Campos, elaborado pela bibliotecária
adjunta Iracema M. da Silveira. 1943. Acervo do Arquivo Histórico da Escola Caetano de
Campos do Centro de Referência em Educação – Mário Covas
Jornal Nosso Esforço. Órgão do Curso Primário do Instituto de Educação Caetano de Campos.
Ano XXVII. São Paulo. Março/Abril/Maio/Junho 1963. No. 1 a 4. Acervo do Arquivo
Histórico da Escola Caetano de Campos do Centro de Referência em Educação – Mário
Covas

Referências Bibliográficas
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Lúcia Endlich Orth, Petrópolis: Vozes, 1997.
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GINZBURG, Carlo. “Sinais: raízes de um paradigma indiciário.” Mitos, emblemas, sinais,
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________. Realidades e Ficções na Trama Fotográfica. Ateliê: Cotia, SP, 1999.
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OLIVEIRA, Mirtes Cristina Marins de. Memória escolhida: imagem e história nas
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____________. Palimpsestos: Fotografia na Escola Normal da Praça (1889-1910). São
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PINHEIRO, Ana Regina. A imprensa escolar e o estudo das práticas pedagógicas: o jornal
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1939). São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2000. [Dissertação
Mestrado].
SILVA, Armando. Álbum de família: a imagem de nós mesmos. Trad. Sandra Martha Dolinsk.
São Paulo: Editora SENAC São Paulo: Edições SEC SP, 2008.

1
PINHEIRO, Ana Regina. A imprensa escolar e o estudo das práticas pedagógicas: o jornal ‘Nosso Esforço’ e
o contexto escolar do Curso Primário do Instituto de Educação (1936-1939). São Paulo: Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, 2000. [Dissertação Mestrado]. P. 47.
2
Idem, p. 50.
3
KOSSOY, Boris. Fotografia & História. 2. ed. rev. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001.
4
SILVA, Armando. Álbum de família: a imagem de nós mesmos. Trad. Sandra Martha Dolinsk. São Paulo:
Senac São Paulo; Edições SESC SP, 2008
5
SILVA, Armando. Op. Cit. 2008. p. 41.
6
CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro, Forense-Universitária, 1982.
7
GINZBURG, Op. Cit. 2007, p. 152.
8
CERTEAU, Michel de. Op. Cit. 1982.
9
CERTEAU, Michel de. A invenção do Cotidiano: 1 artes de fazer. Trad. de Ephraim F. Alves e Lúcia Endlich
Orth, Petrópolis/RJ: Vozes, 1994.
10
CERTEAU, Michel de. Op. Cit,, 1994. pp. 265-266.
11
CERTEAU, op. Cit. 1994, p. 262.
12
PINHEIRO, Ana Regina. Op. Cit, 2000, p. 21.
13
KOSSOY, B. Op. Cit. 2001.

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