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EDUCAÇÃO EM MUSEUS:

PESQUISAS E PRÁTICA

PAULETTE MACMANUS

ORGANIZADORES:
MARTHA MARANDINO E LUCIANA MONACO
Educação em Museus: pesquisas e prática
Organizadores: Martha Marandino e Luciana Monaco

Autor: Paulette MacManus


Apresentação
Em setembro de 2005, a Dra. Paulette Marion McManus, renomada pesquisadora da
área de educação e comunicação em museus, foi convidada pela professora Martha Maran-
dino para ministrar em parceria a disciplina “Educação em Museus: pesquisas e prática” do
Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Na
ocasião, a Dra. Paulette estava vinculada ao Institute of Archeaology da University College
London e sua vinda foi possível a partir de financiamento concedido pelo Conselho Nacio-
nal de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Fundação de Apoio à Pesqui-
sa do Estado de São Paulo (FAPESP).
O objetivo principal do curso foi discutir criticamente a produção da pesquisa em edu-
cação e comunicação em museus, especialmente aquela desenvolvida nos museus de ciên-
cias. Durante as aulas, a Dra. Paulette apresentou e discutiu as investigações por ela desen-
volvidas em seu trabalho como consultora e pesquisadora. Temas como a relação entre edu-
cação formal, não formal e informal e a história e evolução da educação nos museus foram
tratados em uma perspectiva abrangente, englobando as diferentes tipologias de museus,
com ênfase nos museus de ciências naturais. Além disso, conteúdos relacionados à função
educativa e de comunicação dos museus, ao papel dos educadores e à aprendizagem foram
abordados, bem como aspectos diretamente ligados à avaliação e à pesquisa em educação
em museus. As aulas dedicadas a esses temas foram ministradas ao longo de cinco dias, em
forma de apresentação expositiva, debates e oficinas, com tradução consecutiva.
O curso foi registrado integralmente em vídeo e seu conteúdo foi transcrito pela
equipe do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação Não Formal e Divulgação em Ciência
(GEENF/FEUSP), coordenado pela professora Martha Marandino. Desse esforço coletivo,
surgiu o texto que aqui apresentamos e que temos grande prazer em disponibilizar ao pú-
blico interessado nos temas abordados, para servir de apoio e consulta às aulas, aos cursos,
às atividades educativas e aos demais eventos ligados à educação em espaços museais.
Cabe ainda uma explicação sobre o processo de produção deste material. Inicial-
mente, realizamos a transcrição da tradução consecutiva, feita a partir da fala de Paulette
MacManus durante o curso. O texto bruto oriundo da transcrição sofreu um processo de
edição, buscando adequá-lo ao formato de texto escrito e, neste sentido, foi organizado em
temas, procurando, contudo, manter as ideias e as colocações originais da pesquisadora.
Não se trata, desse modo, de um texto cronológico, que repete a sequência dos assuntos
discutidos no curso.
Na busca de um modelo de texto que auxiliasse na compreensão dos assuntos, bem
como, que tornasse a leitura mais fácil, por meio de uma estrutura mais articulada das
ideias apresentadas no curso, chegamos a esse material, que incorpora, além da fala da au-
tora Paulette, as discussões, as respostas às perguntas e os debates ocorridos ao longo dos
cinco encontros. Nesse sentido, optamos, por exemplo, por não explicitar as questões feitas
pelos alunos, mas sim considerar as respostas dadas pela pesquisadora, incorporando-as
ao texto.
Ao longo do curso, houve um dia dedicado às oficinas propostas pela Dra. Paulet-
te; o roteiro dessas oficinas está anexado ao final desta publicação. Incentivamos o uso
dessas atividades em situação de formação de educadores de museus, com a finalidade de
aprofundar os diferentes aspectos relacionados à dimensão educativa desses espaços, como
a relação museu e escola, a elaboração dos textos de exposição e o processo de aprendiza-
gem mediado por monitores, objetos e textos em museus.
Essa publicação chega em um momento especial, quando o GEENF faz 10 anos de exis-
tência como grupo de estudo e pesquisa da Faculdade de Educação da USP. É, assim, com um
gostinho de aniversário que oferecemos este precioso material, que nos remete aos primei-
ros anos de nossas atividades e nos faz pensar que o tempo voa. Esperamos, finalmente, que
esse texto possa fornecer subsídios para todos os profissionais – educadores, comunicado-
res e pesquisadores – que se interessem em aprofundar a temática da educação em museus.
Agradecimentos
À pesquisadora Paulette McManus, atualmente pesquisadora associada do Institute
of Education da University of London, que autorizou a transcrição das aulas ministradas
por ela no curso – agradecemos sua disponibilidade, sua confiança e seu apoio na produção
deste material.
Aos bolsistas envolvidos na transcrição dos vídeos do curso: Luciana Monaco, Isabela
Ianelli, Lilia Standiski, José Gomes, Elisabete A. do Amaral e Maurício Salgado.
À Luciana Martins pela revisão final do conteúdo do livro.
À FAPESP, que financiou as passagens aéreas, para o transporte da pesquisadora Pau-
lette McManus, e ao CNPq, pelo financiamento, por meio de bolsa BEV, que possibilitou sua
estadia durante o desenvolvimento da disciplina em 2005.
Autora
Paulette Marion McManus

Organizadores
Martha Marandino
Luciana Magalhães Monaco

Produção
GEENF - Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação Não Formal e Divulgação em
Ciências - Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo - USP
INCTTOX - Instituto Nacional de Ciências e Tecnologia em Toxinas/CNPq/FAPESP
Faculdade de Educação da USP

Projeto Gráfico
Antonio Quixadá
Revisão de texto
Jorge Alves de Lima

Catalogação na Publicação
Serviço de Biblioteca e Documentação
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo

McManus, Paulette
C837p Educação em museus: pesquisas e prática / Paulette McManus;
organizadoras Martha Marandino e Luciana Monaco.
São Paulo: FEUSP, 2013.
97 p.

ISBN: 978-85-60944-50-7
1. Educação 2. Museus 3. Educação em museus 4. Pesquisa em museus
I. McManus, Paulette II. Marandino, Martha III. Monaco, Luciana. IV. Título

CDD 22ª ED. 371.384
Índice
História dos Museus de Ciência e sua relação com a educação...............8
Educação Formal, Não Formal e Informal e Museus de Ciências...........21
A Função Educativa dos Museus...............................................................26
Aprendizagem em Museus........................................................................33
O Educador e o Museu...............................................................................53
A Comunicação nos Museus......................................................................63
Avaliação e Pesquisa em Educação e Comunicação nos Museus...........77
Oficinas.......................................................................................................90
História dos Museus de
Ciência e sua relação com
a educação
A história da formação dos museus está
ligada prioritariamente a dois fatores: o primeiro é satisfazer a curiosidade ine-
rente ao ser humano, a importância de denominar tudo – o que ainda ocorre
hoje em dia e é muito importante. Em segundo lugar, o objetivo de ter o museu
como algo para o desenvolvimento acadêmico, acompanhado de um sentimento
de orgulho nacional.
Todos nós temos uma necessida- uma criança pequena para que ela os
de inerente de nomear tudo o que está separe. O que a criança fará com isso?
a nossa volta. Você pode observar isso Ela poderá catalogar isso em cores di-
em uma criança: quando ela aponta versas e de maneiras diferentes. Trata-
para um objeto, você logo pergunta o -se de um comportamento fundamen-
nome para que ela possa fazer essa as- tal do ser humano e inerente a todos.
sociação. E a conversa é praticamente Após várias experiências e via-
inexistente quando a nomenclatura de gens pelo mundo todo, as pessoas co-
objetos não está presente e, portanto, meçaram a coletar objetos e, a partir
não se consegue definir as coisas ao daí, alguns museus começam a ser fun-
redor. Para confirmar isso é só pensar: dados. Um exemplo dessa saga, oriun-
após nomear os objetos, temos a ten- da das expedições às colônias e ao
dência de catalogar e categorizar tudo Novo Mundo, é o Fifty River Museum,
isso. em Cambridge, na Inglaterra, onde
Um exemplo: uma mãe, quando está guardada uma coleção de objetos
oferece um pote de botões coloridos a do mundo inteiro.
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Na realidade, o que havia ali era O Oxford University Museum of Na-
um museu que mostrava e simples- tural History foi fundado há 120 anos
mente denominava um determinado para cuidar e expor objetos de zoolo-
objeto e não existia uma categorização gia. Neste museu, apesar do catálogo
dos objetos do mundo inteiro, mas a de algumas coisas e do uso das ideias
ideia disso. Vamos tomar como exem- de Darwin como diretriz para fazer um
plo o bumerangue exposto naquele determinado tipo de categorização,
museu: você o olha, o toca e ali está a coexistiam alguns textos na exposição
denominação daquele objeto. fazendo referência a Deus. Nesse perí-
E há muitos outros exemplos de odo histórico (em referência ao século
museus criados a partir de coleções XIX), ainda nota-se certa confusão para
nacionais ou pessoais. Dentre eles, se categorizar todo o material coleta-
está um museu fundado há 150 anos, do mundo afora. É quando a taxonomia
por uma mulher que pintava aquarelas começa a frutificar, passando a existir
de representações botânicas que fo- uma denominação um pouco mais es-
ram observadas em suas viagens pelos pecífica para os objetos coletados na
continentes. Porém, não existia ainda natureza.
uma preocupação em organizar essas Podemos notar que há uma rela-
coleções de pinturas, talvez apenas al- ção direta entre a formação dos mu-
guma denominação bem simples sobre seus e a exploração do mundo natural
aquilo que ela havia trazido de suas através das expedições e das coloniza-
viagens. ções europeias. Os museus de ciências
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História dos Museus de Ciência e sua relação com a educação

e de etnografia acabam se aproximan- impulsionadas pelo orgulho nacional


do, ao adotarem uma abordagem aca- em mostrar as coleções europeias e
dêmica e alguns princípios norteado- difundir os avanços tecnológicos ao
res, como o da origem das espécies de grande público.
Darwin, em suas exposições, dotando Em Londres, em 1850, houve uma
esses espaços de um caráter um pouco mostra muito importante, promovi-
mais educativo. da pelo Império Britânico, na qual era
Ao final do século XIX, entre os apresentado ao público tudo o que ha-
anos 1850 e 1910, as exposições uni- via sido colecionado até então. Como
versais1 em países industrializados havia colônias inglesas ao redor do
começam a surgir em toda a Europa, mundo todo, não era de se estranhar
1 A primeira grande exposição universal a presença de culturas locais nessa
foi realizada no Palácio de Cristal, no Hyde
Park, Londres, Reino Unido, em 1851, sob o mostra e, por meio dessa exposição, os
título “Grande Exposição dos Trabalhos da políticos achavam que estavam dando
Indústria de Todas as Nações”. A “Grande
Exposição”, como é conhecida, foi uma ideia formação para o povo, ao fazer a apre-
do Príncipe Albert, marido da Rainha Victoria,
e foi a primeira exposição internacional de sentação desse material.
produtos manufaturados. Como tal, influenciou
o desenvolvimento de vários aspectos da
Ainda na Inglaterra, podemos ci-
sociedade, incluindo a arte e a educação de tar um museu de destaque nessa épo-
design, o comércio, as relações internacionais
e até o turismo. Essas exposições ainda ca, o Victoria and Albert Museum, que
acontecem anualmente no mundo inteiro,
contando com a participação de diversos países tinha uma abordagem interessante
como promotores. O Brasil participou pela ao priorizar a aprendizagem dos seus
primeira vez na Exposição Internacional de
1889, em Paris. frequentadores, promovendo cursos
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nas áreas de artesanato e marcenaria, prédios mais convidativos, deixando
o que poderia ser definido como uma de ser palácios austeros. Por meio de
proposta educativa para o público, já atitudes, como ter uma pessoa na por-
que não havia uma escola formal na ta dando boas-vindas ou uma recepção
qual as pessoas pudessem aprender. com informativos de orientação para
Até aquele momento, a educa- que as pessoas soubessem para onde
ção formal se restringia somente até ir, foi nascendo uma necessidade edu-
os oito anos de idade; depois disso, a cacional por parte dos museus.
maioria das pessoas não continuava a Existem em Londres três gran-
estudar, pois o ensino não era obriga- des museus muito próximos, entre
tório. Foi nesse contexto que se iniciou eles está o Natural History Museum, o
uma abordagem educacional nos mu- Science Museum e o Victoria and Albert
seus, com intuito de apoiar a falta da Museum2; dois deles foram construídos
educação obrigatória de longo prazo. com recursos financeiros oriundos da
Além do orgulho nacional em- visitação em um deles e, dessa forma,
butido nessas grandes exposições, os todos cresceram juntos.
prédios monumentais que as acompa- Um exemplo do tipo de exposi-
nhavam não eram convidativos ao pú- ção que acontecia nesses museus é
blico. Essas construções foram feitas
2 Esses museus localizam-se na conhecida
por uma motivação de orgulho nacio- Exhibition Road, na região sul de Kensington,
Londres, na qual existem outras diversas
nal e não educacional. A partir desse instituições nacionalmente conhecidas, como a
momento, o objetivo foi tornar esses Royal Geographical Society e o Imperial College
London.
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História dos Museus de Ciência e sua relação com a educação

aquela produzida com as várias coisas partir de uma exigência do governo


que o histórico Captain Cook trouxe- como o grande financiador dos mu-
ra das explorações feitas por ele na seus. Era desejo, nesse momento, que
Oceania e na região do Pacífico para o as pessoas tivessem o direito de entrar
Natural History Museum of London. A nos museus, mas somente se estives-
exposição foi organizada com base na sem muito bem vestidas, porque era
concepção de que Deus criou o homem dessa maneira que os curadores exi-
e todas as coisas ao seu redor. giam que as pessoas visitassem esses
As exposições do século XIX ti- locais. E que elas não cheirassem mal!
nham explicações textuais baseadas Isso era muito importante, as pessoas
na taxonomia biológica. Por exemplo, o deveriam entender que ali não era a
curador colocava os objetos nas vitri- rua, era sim algo muito especial.
nas e seus textos explicativos eram es- Entre as grandes cidades, como
critos como se fosse uma monografia. Londres, São Paulo, Rio de Janeiro,
Então, ele mandava o técnico dispor o Valença e Barcelona, os prefeitos,
objeto com o respectivo texto e, após como pessoas da cidade, criaram os
isso, voltava para o seu escritório e lá museus municipais e nesses mu-
ficava. Isso ainda ocorre nos dias de seus construíram colunas romanas
hoje: uma falta de diálogo entre o cura- onde o curador se sentia dentro de
dor e o serviço educativo dos museus. um templo do conhecimento e a ele
No início de 1870, foi permitida a cabia permitir a entrada ou não das
entrada do público nos museus, a pessoas.
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Com o passar do tempo, enten- superiores e a eles caberia levar o pú-
deu-se que havia uma motivação edu- blico ao museu para conhecer as expo-
cacional nesses locais. Percebeu-se sições, contrataram-se técnicos para
que os pais deveriam trazer as famílias serem guias dos museus. Na mesma
para dentro desses museus, com a in- lógica, os guias se aproximavam das
tenção de proporcionar uma influên- classes inferiores e seus salários eram
cia positiva nelas, uma influência civi- iguais aos daqueles que limpavam os
lizada. A partir daí, houve um avanço museus. Aqui se inicia a eterna briga
cultural. É importante ressaltar que, entre curadores e educadores e até
nesse momento, o sistema educacional hoje esse pensamento histórico pre-
ainda não era obrigatório para todos e, valece, porém com mudanças a serem
dentro deste contexto, o papel dos mu- observadas.
seus foi primordial. Ainda no início do século XX, a le-
Os curadores dos museus, no gislação inglesa permitia que, aos oito
contexto europeu, eram todos funcio- anos de idade, toda criança deixasse a
nários públicos e pagos com salários escola. Dentro desse currículo, não ha-
equivalentes aos de professores uni- via ciências: aprendia-se catecismo, a
versitários. Eles se sentiam muito im- ler e escrever – esse era o foco. A única
portantes em relação ao público visi- coisa que havia dentro da sala de aula,
tante, que era visto como constituído no sentido de ensinar ciências, eram
por pessoas inferiores. Partindo desse algumas mesas, chamadas de Nature
pressuposto, de que os curadores eram Tables (ou mesas de natureza). Nelas,
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História dos Museus de Ciência e sua relação com a educação

havia alguns objetos (como plantas e até um museu do que ter laboratórios
fósseis, por exemplo), que eram usa- dentro das próprias escolas.
dos para se ensinar a partir deles. E A partir de 1980, o museu se tor-
esse era o máximo de conteúdo em ci- na algo mais convidativo às pessoas,
ências tratado na escola. que passam a ficar mais tempo no mu-
Os educadores começam então seu e, a partir daí, surge a necessida-
a utilizar os museus de ciência para de desses locais possuírem bancos e
ensinar ciência. Porém, mais uma vez, restaurantes, para que essas pessoas
é importante lembrar que o curador possam relaxar. O museu passa a ser
acreditava que aquelas pessoas que uma fonte muito importante para in-
ensinavam essas crianças dentro dos vestimentos ingleses, porque, a partir
museus eram como babás, como seus daí, ele começa a fazer parte da indús-
empregados. tria global de turismo, movimentando
Por exemplo, em Paris, há um e trazendo muitas divisas ao país.
museu de ciências, o Palais de la Cerca de 50 a 60% do público vi-
découverte, construído em 1937. Nele sitante nos museus europeus são tu-
havia, desde sua criação, um teatro e ristas estrangeiros em viagem. Alguns
uma área com laboratórios. Os educa- museus têm adotado como estraté-
dores começaram a levar as crianças gia mostrar os objetos em exposição
para dentro desse museu para aulas de como em uma vitrine de loja. Dentre
ciência. Esses educadores passaram a esses museus, pode-se citar o Picasso
entender que era muito mais barato ir Museum. Essa prática os tornou mu-
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seus muito convidativos às pessoas em fazer avaliações antes de montar as
geral e, especialmente, aos turistas. exposições, um planejamento para que
Aí vem a grande mudança, por- possam observar junto ao público o
que não é mais: “Estamos aqui, venha que eles querem ver, o que eles já sa-
se você quiser”, mas sim: “Venha, en- bem sobre aquilo, o que eles esperam
tre, estamos convidando você a en- de uma exposição em relação àquele
trar no museu!”. Com esse argumento, tema. E, aos educadores, é atribuído
aumenta a influência dos pedagogos esse papel: de realizar o ajuste entre
e educadores, porque agora eles po- o desejo e a expectativa do público e a
dem ter muito mais liberdade para fa- exposição pensada pelo museu.
lar e explicar mais os conteúdos – já Os educadores não são mais sim-
que os curadores não conseguiam ter plesmente babás e a guerra com os
a mesma linguagem e nem se aproxi- curadores começa, pois os curadores
mar do grande público. Os educado- são muito acadêmicos e as pessoas
res sabem como montar a exposição, em geral não conseguem entendê-los.
falam que não é necessário escrever Além disso, os educadores conseguem
uma monografia para falar sobre a ex- mostrar aos curadores a necessidade e
posição e que apenas 50 palavras são a importância de mudar e começam a
suficientes para que o público entenda participar também de decisões gover-
o conteúdo. namentais, de currículos escolares e da
Na Inglaterra e nos Estados Uni- legislação, para que as pessoas possam
dos, eles, os educadores, começam a fazer parte e falar o que é necessário.
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História dos Museus de Ciência e sua relação com a educação

Nesse momento, a escola básica deixam de ser simplesmente guias e


na Inglaterra entende que seus alunos intérpretes dos museus e começam a
precisam aprender a partir do objeto exigir que suas ideias sobre a concep-
real; então, as escolas começam a pa- ção educativa nesses espaços sejam
gar para ir até os museus e os educa- levadas em conta, já que, até então,
dores detêm mais força do que os cura- as exposições eram feitas por curado-
dores, por participarem como atores res. Eles reivindicam presença desde
principais desse projeto. Paralelamen- o início da concepção das exposições e
te a isso, o governo passa a financiar, começam a incluir a parte pedagógica,
de acordo com a quantidade de crian- que antes não era considerada. Passam
ças que vão aos museus, o que reforça a perceber que entendem muito mais
mais o poder dos educadores frente à sobre a aprendizagem das pessoas
sociedade. Os educadores vão além, di- que visitam os museus do que os cura-
zendo que não são simplesmente edu- dores, os quais mantêm o foco mais
cadores para essas crianças de escola, acadêmico.
mas também intérpretes para o públi- A importância do educador pode
co geral. ser definida como aquele que vai pro-
Na perspectiva histórica dos mu- mover o aprendizado dentro do am-
seus, o surgimento dos “Departamen- biente de um museu. O outro papel é
tos de Educação” foi um marco impor- o de transformar as informações por
tante, pois ocorreu concomitantemen- parte daqueles que se tornam media-
te ao momento em que os educadores dores no museu. O educador entende
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o lado pedagógico e as questões liga- especialização em uma única discipli-
das à aprendizagem no museu. Por na, o que não é o caso de pessoas que
outro lado, o mediador sabe lidar trabalham em museus, e isso permite
com várias pessoas, com comunica- que essas pessoas, pela experiência
ção de massa, sendo como repórteres que possuem no ambiente informal, se
que sabem chegar às pessoas de uma tornem também comunicadores.
maneira mais fácil. Esse cenário, contudo, está no-
Os educadores de museus não de- vamente sofrendo mudanças. Há vinte
vem se esquecer de que são especialis- anos, haviam espaços que eram chama-
tas em educação informal. Na verdade, dos de “Departamento de Educação” e
cada um que tem que optar por qual hoje não são mais, são conhecidos por
orientação pretende seguir. Ou seja, “Departamento de Interpretação e de
ser simplesmente educador, ser sim- Aprendizado Contínuo”.
plesmente comunicador – ou ambas as Em 1985, a British Royal Socie-
coisas. ty, uma sociedade de acadêmicos que
É muito melhor que o educador estudam e fazem pesquisas científi-
tome as decisões e as atitudes e que cas, produziu um relatório, a partir
seja também o comunicador de massa, de um levantamento junto à popula-
porque ele entende a aprendizagem e ção, denominado “Percepção pública
sabe também sobre lazer, além de tran- da ciência”3, mostrando ao governo a
sitar facilmente pelo ambiente infor- 3 Pesquisa desenvolvida para mapear a
concepção da população sobre assuntos da
mal. O professor tem um histórico de ciência. Relatório disponível em:
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História dos Museus de Ciência e sua relação com a educação

necessidade de se investir mais dinhei- compreendendo. Na verdade, não é tão


ro em pesquisas de percepção pública fácil assim fazer com que essas expo-
da ciência e detalhando o entendi- sições sejam interativas; muitas vezes,
mento da população sobre a ciência. A elas simplesmente se tornam exposi-
partir desses resultados, houve maior ções demonstrativas.
investimento no ensino de ciências. O Entre algumas dessas exposições,
objetivo dessa proposta não era só al- concebidas de maneira interativa, hou-
cançar os museus, mas também as es- ve uma especialmente interessante,
colas, as quais receberiam investimen- na qual o objetivo era falar sobre os
tos para as ciências – e eles acredita- sentidos e as sensações físicas a partir
vam e acreditam que isto é um desen- de uma cadeira com pregos na qual as
cadeador para avanços tecnológicos. pessoas pudessem se sentar. Com essa
Tudo isso foi se tornando cada ideia, eles conseguiram uma elabora-
vez mais claro na Inglaterra e come- ção bem interessante sobre a experi-
çam a surgir exposições em museus ência física.
de ciências que trazem a experiência A interatividade é importante e
em interatividade. Nesse tipo de ex- podemos lançar mão dela para expli-
posição, havia a necessidade de ensi- car às pessoas nos museus de ciências
nar que a ciência é um processo e não coisas que, muitas vezes, parece que
só aquilo que a pessoa estava lendo e todos nós já sabemos. Por exemplo,
http://royalsociety.org/policy/ muitas pessoas acreditam que o sol
publications/1985/public-understanding-
science/ gira em torno da Terra e não o oposto.
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A partir de algumas pesquisas Uma nova abordagem torna-se possí-
de avaliações envolvendo os cientis- vel, através das discussões com gru-
tas, observaram-se limitações como, pos distintos de dentro dos próprios
por exemplo, que o público em geral museus.
realmente precisa receber mais infor-
mações, mas, por outro lado, os cien-
tistas também não sabiam tudo. Assim,
evidenciou-se uma necessidade muito
grande de aprender o processo de in-
vestigação científica – e não simples-
mente incluir a interatividade como
objetivo de se ensinar ciências, mas ir
além. É importante entender a ciência
como um todo e também as suas impli-
cações sociais. Podemos falar sobre um
museu formando um visitante cidadão
e, a partir desse momento, o museu
pode trazer a cidadania para aquela
pessoa; ela teve acesso à sua história
social, ao desenvolvimento tecnológico
e suas aplicações e isso é uma forma de
ir um pouco além dessa interatividade.
20
Educação Formal,
Não Formal e Informal e
Museus de Ciências

21
O sistema formal de educação acabou divul-
gando os museus durante o período entre guerras, num momento em que os de-
safios financeiros para ensinar ciências às crianças eram grandes. Em seguida, o
museu se torna uma ponte ao incentivo à pesquisa e torna-se parte da indústria
do turismo, gerando renda para a população europeia. O museu passa a ser visto
como um ambiente educacional não formal.
A educação formal está consoli- escolha do indivíduo, que chegou até lá
dada hoje e é uma necessidade do ser porque quis; pode até ter havido uma
humano. Você não escolhe nada quan- necessidade, além do interesse, mas
do começa a estudar, quem escolhe é a essa é uma das poucas oportunidades
escola e isso é muito importante para que possuímos hoje: a de trazer o nos-
que se possa ter um conhecimento so próprio conhecimento e aprender a
compartilhado. Mas, antes disso, havia partir daquilo que se encontra no mu-
um aprendizado não formal no qual a seu. Isso é o que o ser humano sempre
pessoa ficava ao lado do mestre, obser- aprendeu antes do sistema educacio-
vando e aprendendo. nal formal em vigência.
Em uma visita ao Museu de Zoo- Vamos falar um pouco sobre
logia da USP, pude observar isso: um a terminologia informal e não for-
pai, uma mãe, suas duas criancinhas mal; na Inglaterra, eles usam o termo
e eles conversando, explicando aos fi- “informal” e aqui usamos o termo
lhos, e isso é muito importante. O que “não formal”. Quando vocês ouvi-
está em jogo nesse momento é a livre rem ou lerem em algum lugar sobre
22
Educação Formal, Não Formal e Informal e Museus de Ciências

aprendizagem informal, isso não faz tudo isso pode ser observado quando
sentido; na realidade, o que existe é se visitam alguns desses sítios. Então,
um ambiente informal de educação – e lembre-se: o museu não é o único am-
todos nós sabemos que não será num biente educacional informal; portanto,
ambiente formal, como a escola, que não fique somente dentro dos próprios
aprenderemos a maioria das coisas museus.
durante a nossa vida: isso realmente Em resumo, os educadores e os
ocorrerá em ambientes informais. profissionais de museus têm que en-
Entre alguns exemplos de am- tender que esses espaços são utiliza-
bientes educacionais informais está o dos como acessórios para o processo
caso da cidade de Valência, na Espa- formal educativo, mas que eles não
nha, onde existem muitas escavações têm este papel fundamental, embo-
no meio das ruas, com pôsteres ex- ra muitas vezes o museu precise dis-
plicativos para que os pedestres pos- so para ganhar mais dinheiro para
sam ler e entender o que aconteceu e se estruturar melhor. É importante
conhecer um pouco mais sobre a his- entender que o museu deve ser per-
tória da sua cidade. Outro exemplo é cebido como um lugar onde é possí-
um porto antigo em Roma, com seus vel se ter a livre opção de se chegar
ambientes e estruturas herdadas do lá e aprender. A partir desse movi-
passado, da época medieval, quando mento, há um tipo de aprendizagem
os indivíduos se organizavam em fun- para aquela pessoa que teve a atitude
ção das suas necessidades, sendo que de ir até o museu.
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O ser humano tem a tendência em rá abordar de modo informal porque
categorizar tudo e não o faz simples- ninguém faz opção do que se estudar
mente através de meras categorias, quando frequenta o ensino formal.
mas inclui uma gama de especificida- Quando os alunos vão ao mu-
des ao fazê-lo. Ao pensar em educação seu, dentro do ônibus o professor já
formal ou educação fora das escolas fala: “Vocês vão fazer essas atividades,
não importa muito a maneira como dessa e desta maneira”. Os alunos, ao
isso vai ser classificado. O importante chegarem lá, estão loucos para termi-
é entender o museu como local onde nar a atividade, pois eles sabem que te-
o curador coleta os objetos, o conser- rão um tempinho livre e aí sim eles vão
vador conserva aqueles objetos e tudo circular pelo museu e olhar o que eles
isso será exposto e, portanto, o museu querem.
e a exposição têm que ser visto como A educação informal é funda-
uma mídia. Como a televisão é uma mí- mental, pois essa formação ajuda as
dia, a exposição e o museu também o pessoas a pensar, traz autonomia e faz
são. com que tenham uma compreensão
Como definir a educação infor- do todo, traz uma conscientização, ou
mal e a não formal? A educação infor- seja, permite que as pessoas consigam
mal pode ser entendida como um tipo entender que não há só “preto e bran-
de mídia da educação, uma maneira de co”, mas há áreas acinzentadas e nem
destrinchar determinados conteúdos e tudo é tão claro assim. Há também va-
abordagens que a escola jamais pode- lores intrínsecos, ou seja, as pessoas
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Educação Formal, Não Formal e Informal e Museus de Ciências

vão até os museus não simplesmente


como observadores, mas também para
que tenham algum tipo de prazer1.

1 A partir das discussões promovidas no


curso sobre o tema da educação formal, não
formal e informal, a Dra. Paulette elaborou
o texto a seguir por nós publicado no ano de
2009: McMANUS, Paulette. Uma palavra em
seu ouvido... o que você quer dizer quando
fala, ou pensa a respeito de Educação (formal
e informal), Aprendizagem e Interação?
In: MARANDINO, M; ALMEIDA, A. e VALENTE,
M. E. A. (Org.) Museu: lugar do público. Rio de
Janeiro: Fiocruz, 2009. pg. 47-62.
25
A Função Educativa
dos Museus
Devido ao status cultural do museu,
existem vários pontos que estão entrelaçados. Primeiramente, ao se tratar da
educação escolar, da razão pela qual as escolas educam e a forma como elas edu-
cam. Há uma exigência por parte do governo por certas coisas específicas, como,
por exemplo, a aplicação de testes: as escolas não os aplicam simplesmente por
razões educativas e filosóficas e sim porque precisam avaliar os estudantes e dar
um retorno ao governo, para mostrar algum tipo de responsabilidade e que houve
evolução. Existe também a exigência de satisfazer objetivos promocionais, polí-
ticos, ou seja, facilitar o acesso à escola e garantir que todos possam ter acesso à
ela. A visão utilitária da educação faz com que essas pessoas sejam moldadas em
função dos objetivos e dos fatores externos; então, o aprendizado, por si só, não
está sendo valorizado e sim promovendo esse tipo de abordagem, doutrinando as
pessoas.
No começo do século XX, passa- ir atrás disso e sempre estará mudan-
mos a adotar a perspectiva da educa- do também seus objetivos, porque ela
ção como um processo contínuo, por passa a ter mais conhecimento, numa
toda a vida e que pode ocorrer em qual- busca na qual está exercitando a sua
quer espaço, seja ele escolar, familiar, curiosidade.
ambientes de museus, parques, entre Neste percurso, as pessoas ne-
outros. A pessoa aprende algo nesse cessitam exercer uma linha de pen-
momento e segue cada vez mais apren- samento próprio em relação àquilo
dendo e, posteriormente, ela poderá com o qual estão em contato e é neste
27
contexto que entram os educadores A partir do entendimento dessas
dos museus: como eles poderão ou dimensões, incluindo-se, como primei-
aprenderão a organizar aquilo que vai ro aspecto, o cognitivo e depois o sen-
ser exposto para que a pessoa pos- timento que a pessoa desenvolve du-
sa encontrar uma linha de raciocínio rante aquele momento, que é o afetivo,
próprio e possa ir atrás desse novo então podemos observar que o com-
conhecimento? portamento do indivíduo altera o modo
A educação faz parte de um con- como ele irá reagir naquele momento e
texto cultural e, para melhor compreen- passa a expressar um terceiro aspecto,
dê-la, pode-se se destacar três dimen- que é chamado de “enativo”, que ex-
sões associadas ao desenvolvimento pressa uma forma de conhecimento ar-
das atividades educacionais: a primeira ticulada à ação da pessoa frente a uma
é o entendimento que gera autonomia dada situação específica.
de raciocínio e a partir do qual se de- Enativo é um termo muito especí-
senvolve o aspecto cognitivo. A segunda fico que, mesmo em inglês, é controver-
dimensão se dá por meio do julgamento so. Por exemplo, quando você vai tentar
daquilo que está sendo valorizado – é a explicar algo para outras pessoas e diz:
do envolvimento emocional ou vínculo “Olha, quando você for lavar a roupa
emocional que a pessoa estabelece na- use pouco sabão, porque isso vai poluir
quele momento e, a partir deste julga- as águas”. E aí você fala para as pessoas
mento valorizado, a pessoa desenvolve e para as crianças e ninguém tem ne-
um aspecto afetivo nessa abordagem. nhum tipo de atitude mesmo que você
28
A Função Educativa dos Museus

fale: “Olha, os animais estão morrendo, demasiado o aspecto da afetividade e


porque as águas estão poluídas”. Mais pouco o do conhecimento. Nesse caso,
tarde, se você levar as pessoas até o rio se acaba doutrinando uma pessoa da
e falar: “Olha, está vendo? O rio está mesma maneira. É importante buscar o
morto: não tem mais animais!”. Nesse equilíbrio entre o afetivo e o cognitivo,
momento, a pessoa aprende e ela vai porque a pessoa deve ter um prazer in-
ter algum tipo de sentimento. Ela resol- telectual, e não apenas um prazer físico,
ve então parar de poluir e nesse instan- para que ela tenha a oportunidade de
te ela vai ter algum tipo de ação a par- criar a sua própria linha de raciocínio.
tir daqueles dois blocos (o cognitivo e o A apresentação de textos explica-
afetivo para chegar ao enativo). tivos para objetos é outro fator muito
Esses aspectos são pontos impor- importante, especialmente nos museus
tantes para que as pessoas entendam, de ciência, pelo seguinte: você nunca
por exemplo, que em alguns museus sabe tudo.
de ciência a interatividade possa ser Podemos refletir sobre essa afir-
uma abordagem positiva em relação à mação falando sobre os cientistas; hoje
aprendizagem, já que está consideran- eles dizem: “Atualmente, nós sabemos
do as três dimensões citadas. Porém, isso, nós descobrimos isso”. Já os mu-
se for produzido muito desse tipo de seus nunca fazem isso. Eles simples-
exposição (interativa), corre-se o ris- mente falam “isso é isto e pronto”. E
co de esgotar a criança ou as pessoas não há, em momento algum durante
em geral. Estará sendo considerado em uma visita a um museu, a oportunidade
29
de ver algo como: “Olha, no momento, te sempre estar expondo fatos relacio-
é nisso que nós acreditamos”; e então nados à ciência como algo que as pes-
você tem a opção de acreditar 80%, soas tenham a opção de acreditar da
70%, 60% naquilo. maneira que elas acharem melhor.
Em uma visita ao Museu de Mi- No momento em que os museus
crobiologia do Butantan, pude recordar de ciência colocam aquilo como “isso é
que está havendo um boom na Inglater- isto”, eles voltam a fazer nada mais que
ra sobre vacinas dadas aos bebês logo mostrar e nomear – o show and tell –
cedo e que um cientista foi na mídia e e, na verdade, hoje os profissionais dos
disse: “Olha, eu tenho descoberto que museus não podem mais limitar-se ao
crianças que tomam todas essas vaci- mostrar e nomear.
nas de uma vez só acabam tendo autis- Com relação ao tema das ideias
mo”. Logicamente, as famílias começa- criacionistas nos museus nos Estados
ram a parar de vacinar os seus bebês. E, Unidos, é necessário muito cuidado no
a partir desse depoimento, muitos be- que diz respeito à dinâmica de questões
bês não estão mais sendo protegidos. fundamentalistas neste local. E é incrí-
Se essa manifestação do cientis- vel quando o próprio presidente (Geor-
ta fosse feita de outra maneira, como: ge Bush) acaba apoiando isso – que não
“Olha 0,00001% dos bebês que tomam é ciência: é simplesmente uma fé. En-
todas essas vacinas podem ter algum tão, não há cognitivismo suficiente que
tipo de problema”, as pessoas teriam dê base para que esse tipo de informa-
tido uma reação diferente. É importan- ção seja exposto. Isso é muito perigoso
30
A Função Educativa dos Museus

ao sistema educacional norte-america- O papel dos museus deve ser de


no e as crianças acabam ficando muito explicitar a ideia de que a ciência é
vulneráveis a essa informação dada. No transitória, ficando claro, no museu,
contexto americano, essas colocações algo como: “hoje nós sabemos isso”,
fazem todo sentido. Mas, é muito im- “recomendamos que acreditassem
portante destacar que deve ser dada nisso hoje”. Muitas vezes, os cientistas
ênfase maior a tudo que venha da ciên- fazem uma descoberta, correm logo
cia. Talvez se possa dizer: “Olha, nós te- para a mídia e disponibilizam essa in-
mos esse tipo de ideia, algumas pessoas formação, mas deixam aos políticos e
acreditam nisso, isso é o criacionismo; aos outros cidadãos a decisão do que
mas, veja, há duzentos anos as pessoas fazer com aquele tipo de informação.
vêm descobrindo várias coisas” e a isso E é sempre importante enfatizar que a
deve ser dada uma atenção maior. ciência é provisória.
Uma exposição dentro de um mu- Por exemplo, como no caso dos
seu de ciência deve priorizar a ciência, pais que deixaram de levar os bebês
senão você terá que ficar citando os ingleses para serem vacinados, eles,
egípcios e o que a civilização egípcia na verdade, não têm conhecimento su-
acreditava e outras civilizações e não ficiente e discernimento para saber se
há tempo para isso. A ciência está fun- uma pessoa falou isso como verdade
damentada em observação e, por isso, absoluta. Para que as pessoas possam
é importante que este seja o foco dos decidir sobre um assunto de ciência,
museus de ciência. deve haver um debate entre o meio
31
científico e o público em geral, propi-
ciando uma reflexão a partir desse de-
bate, no sentido de compreender me-
lhor o porquê dessa pessoa expor esse
tipo de informação. Dessa forma, deve
existir mais debates entre os cientis-
tas e os cidadãos, para essas questões
sejam mais bem compreendidas.

32
Aprendizagem
em Museus
Nesse momento, é importante pensar no aprendizado e res-
ponder a uma pergunta: o aprendizado, o processo de aprendizagem, é um pro-
cesso dinâmico ou simplesmente um produto que ocorre ao final? É vital pensar
na aprendizagem – e durante esse exercício é necessário refletir como ela ocorre
processualmente.
Quando o conhecimento é es- que seja. Então, eles sabem que há
tranho, até mesmo nosso corpo rea- muito para aprender na cultura huma-
ge e pode tornar difícil o processo de na, mas a pergunta é: “Seria possível
aprendizagem. Isso pode ser aplicado compartilhar o que esses teóricos es-
aos museus. Quando se está em um pecialistas dizem e não se tornar um
grupo e se quer aprender alguma coi- especialista você mesmo?”.
sa difícil, essa dificuldade nos põe em Os especialistas estão sem-
contato com outras pessoas dentro do pre tentando passar tudo o que eles
grupo. Por exemplo, quando a opinião sabem, toda a experiência de desco-
do outro é diferente da minha pode ha- bertas, mas é essencial que se pas-
ver uma troca de ideias que me desafia se a ter uma visão geral dos aspectos
a aprender. importantes. Por exemplo, um cien-
Outra coisa a se lembrar é que tista é um observador, o historiador
muitos especialistas acabaram se tor- analisa documentos e assim há uma
nando pessoas que sabem muito a res- tendência a tipos de comportamento
peito de um assunto específico, como que são importantes em cada especia-
biologia e astronomia ou o que quer lidade.
34
Aprendizagem em Museus

Nesse processo de aprendizagem, o seu aprendizado. A única coisa que


é importante imaginar uma situação na aprendi nesse momento foi que real-
qual se está ajudando alguém a apren- mente não gostei daquele mediador.
der. O que se pode fazer nesse proces- A aprendizagem é um processo
so? Quais são as coisas que podemos cumulativo no qual sempre se está adi-
fazer? Por exemplo, perguntar o que as cionando algo, conquistando algo, que
pessoas sabiam antes de começar esse depende de motivação e de seu esta-
processo. Focar na pessoa. do físico naquele momento. Caso você
Toda vez que se quer ensinar esteja cansado ou tenso no momento,
alguma coisa a uma pessoa, deve-se fica mais difícil aprender.
imaginar como se fosse se dirigir a O conceito de aprendizagem aca-
uma criança. A pergunta a ser feita se- ba se tornando um conceito muito es-
ria: “Como o aprendizado do visitante corregadio para que possamos enten-
pode ser influenciado pela cultura ins- dê-lo por completo. Nota-se uma limi-
titucional daquele museu?”. tação da linguagem para descrever a
Em uma visita a um centro de ci- aprendizagem como processo.
ência, observei uma demonstração com Fechem os olhos e vamos fazer
água, com aquelas bolhas de sabão – e um exercício: pensem em algo que
não se podia tocar. Tinha uma pessoa lá vocês aprenderam ontem. Abram os
que fazia a demonstração. Ao final, isso olhos. Levante a mão quem estava pen-
acaba inibindo muito a aprendizagem, sando em algo que aprendeu ontem
quando alguém faz tudo para impactar e que é o nome de algo tratado hoje.
35
Algo que avança em direção a uma ter- ter certeza de que tudo está sempre
minologia, para uma língua, para algu- da mesma maneira. Por exemplo: nós
ma coisa específica, para denominar acordamos de manhã e sabemos que o
algo. Se ninguém levantou a mão é por- chão está ali e que a gente pode pisar
que ontem vocês não tiveram nenhuma nele. Ou, ainda um bebê, ele está em
situação na qual aprenderam um nome um processo no qual está aprenden-
novo para denominar alguma coisa. O do continuamente, quando se pega um
nome faz parte. Agora, levante a mão objeto qualquer e o esconde atrás de
quem aprendeu um novo fato, uma in- um papel, o bebê fica um pouco confu-
formação. O que aprenderam diz res- so: “Onde está?” ou “Cadê?”.
peito à explicação de porque algo foi Na realidade, vamos fazendo isso
feito daquela maneira. Alguém poderia durante toda nossa vida: checamos se
dar um exemplo? O que se está queren- está tudo igual, para que nós possamos
do buscar, tentando buscar, é um sig- nos sentir seguros. Por isso, é tão im-
nificado para aquilo. O que se aprende portante que no ambiente de um mu-
diz respeito ao mundo físico ao nosso seu tudo seja bem inteligível, para que
redor. as pessoas saibam onde fica o banheiro
Sempre imaginamos que a apren- e as demais informações – para que o
dizagem é algo progressivo. Mas, em local fique bem confiável e seguro para
contrapartida, estamos o tempo todo elas.
buscando informações ou provas do As pessoas são sociáveis e, como
nosso contexto, nosso ambiente, para tal, estão sempre se relacionando
36
Aprendizagem em Museus

entre si e se perguntando se as pesso- quando uma senhora estava nos expli-


as com as quais se relacionam são boas cando como algo poderia ser feito e a
ou não, se podem confiar nelas ou não. explicação não ficou muito clara para
A todo o momento, estamos checando mim, não entendi muito bem, mas a
tudo para nos sentirmos seguros. imagem está lá gravada e passa pela
Quando pensamos que nós temos minha mente agora. Eu acredito que
uma experiência nos museus, adota- só depois que eu souber um pouco
mos um tipo de representação dentro mais sobre aquele assunto, ele ficará
de nossa mente. Nós escolhemos um um pouco mais claro e, daí sim, talvez
tipo de representação durante esse esse filme mude um pouco. Portanto,
processo de pensar. A primeira é cha- inúmeras pessoas de áreas diversas
mada de “icônica”1 ou “de ícone”, que, acabam sempre pensando por meio de
em primeira análise, é foco visual. imagens, com visualizações.
Neste momento, passa um filme Os museus têm várias oportu-
na minha cabeça sobre uma experiên- nidades disponíveis para desencade-
cia que tive junto com a Alessandra2, ar esse tipo de processo na mente de
1 A autora faz aqui referência aos três níveis uma pessoa; por exemplo, ontem vi
de representação de Jerome Bruner, a saber: a
icônica, a simbólica e a enativa. uma exposição de uma maquete de um
2 Alessandra Fernandes Bizerra participou do
curso da Dra.Paulette e atualmente professora vulcão na qual as pessoas ligavam uma
da Insituto de Biociências/USP, pesquisadora tomadinha e saía água, ou seja, a lava.
na área de educação em museus voltada ao
tema da aprendizagem. Na época do curso, ela Isso, na realidade, desencadeava uma
acompanhou a Dra. Paulette a vários museus
para visitas técnicas,
37
representação. E isso é muito favorável viajar de um local para outro se nota
aos museus, por estarem disponibili- que há uma procura de alguma ima-
zando esse tipo de representação. gem que simbolize o tipo de banheiro,
O segundo aspecto ligado ao pro- de menina ou de menino, uma placa de
cesso da aprendizagem é a represen- proibido, coisas assim. Portanto, são
tação simbólica, a língua de cada na- símbolos internacionais e parece que
ção, baseado na gramática e como se o ser humano gosta muito de se base-
compreende a linguagem através da ar sempre nesses sistemas simbólicos
língua. O processo de pensamento em e é natural que os museus também
inglês, por exemplo, é um pouco dife- o façam.
rente do português, pois, em inglês, se Porém, não se deve esquecer da
pensa na estrutura linguística, o que é primeira representação, do primeiro
bem diferente em português. Há ainda contato. O corpo tem que passar por
a diferença entre as culturas ocidental um processo de aprendizado também,
e oriental. Mas é uma pequena diferen- como para andar de bicicleta. Quando
ça, porque em todos há um processo de a criança está tentando aprender a pe-
pensamento simbólico. dalar, ela cai várias vezes e, depois de
Quando se pensa ou se vê algo, se um tempo, quando já adulta, pega a bi-
pensa em termos simbólicos. Quando cicleta e sai andando. Isso é um exem-
se vê algum valor matemático, também plo dessa representação já dentro de
se pensa em termos simbólicos. Por um contexto. Ou ainda, dirigir um car-
exemplo, a indústria do turismo: ao ro: no começo, também se precisa sa-
38
Aprendizagem em Museus

ber como utilizar um dispositivo e, de- bem óbvio a todos.


pois, aquela representação enativa se Pensemos em uma pessoa com a
torna algo menos desafiante a todos. cabeça abaixada, isso também tem uma
Faz parte de um grupo. representação enativa, porque tem um
Há uma história de uma macaca significado, como no exemplo da ma-
de um zoológico que o tratador jogava caca. Aprende-se e isso já faz parte do
a comida no chão e parte dessa comida nosso contexto.
vinha junto com areia. Então, ela leva- No museu, muitas vezes, as pes-
va debaixo d’água para limpar a areia soas acreditam que estão conseguindo
e ficar só com a comida. Os outros gerar ou desencadear essa representa-
macacos observaram isso e acabaram ção, mas, na realidade, se está desen-
aprendendo também. Isso é um exem- cadeando uma ação na pessoa e essa
plo de aprender com o outro. Essa re- interatividade não vem da pessoa – é
presentação enativa é comum dentro mais motora e não intelectual, é mais
da nossa cultura. Isso ocorre sempre. automática.
Ou ainda, a benção ou outros ges- Ao se expressar na dança, o cor-
tos ritualísticos. Quando você abençoa po tem um pouco desse comportamen-
alguém, já há algum significado para to dentro dessa interpretação enativa.
todos. Isso faz parte da cultura. Uma Por exemplo, um dos museus que visi-
dança, quando a pessoa está dançando, tei tem muitos microscópios; todos os
tentando mostrar alegria ou tentando biólogos que chegam lá já sabem onde
mostrar angústia, isto também já fica está tudo. Isso é uma representação
39
enativa da maneira como eles já com- quanto a pessoa aprendeu (ou não)
preendem e sabem agir. neste ambiente.
Mas, geralmente, as pessoas che- A partir desse momento, deve-
gam lá e não sabem como lidar com mos nos certificar de que a pessoa
aquilo, com aquela situação. Nos mu- sabe que há uma exposição ali, pois,
seus, há poucas situações nas quais muitas vezes, isso não está claro para
essa representação enativa deve ser o visitante. O visitante também precisa
desencadeada ou alguma oportuni- saber sobre o que será aquela exposi-
dade para que ela seja desencadeada. ção e como será exposta. É necessário
Muitas vezes, as pessoas acabam pen- fazer se entender os vários tópicos e
sando de maneira automática ou pa- se deve considerar como organizar
dronizada, de acordo com o que já está essas informações a partir do painel
embutido na fonte informacional. introdutório.
É importante considerar o pro- As pessoas precisam ter acesso
cesso de aprendizagem e como tudo a esses tópicos com apoio linguístico
isso é muito complexo. No museu, não adequado e com etiquetas bem ela-
há uma maneira de avaliar o quanto as boradas. Afinal, o visitante precisa ter
pessoas aprenderam e assim mensurar uma experiência agradável dentro do
as condições de apoio oferecido a esse museu. E não podemos esquecer do
processo de aprendizagem. O ideal se- conforto e do acesso à água e ao que
ria avaliar se o ambiente está propício for necessário ao bem-estar do públi-
ao processo de aprendizagem e não o co. Tudo isso é primordial fazer antes
40
Aprendizagem em Museus

da exposição. Ainda durante o proces- fala: “Olha, que legal! Isso é muito ba-
so de planejamento, deve ser feita uma cana, gostei disso!”. Porém, entender
avaliação para que se possa entender o esses aspectos ligados à aprendizagem
que as pessoas entendem sobre aquela é muito mais complexo, não é simples-
ideia que será exposta, o que elas já sa- mente como a pessoa se sente em rela-
bem, o que elas querem aprender sobre ção a algo, mas o sistema de valores em
aquela ideia, além de fazer a avaliação jogo e como ela lida com esse sistema.
da linguagem. Entender que tudo isso Como no exemplo de treinar um
servirá como apoio à atividade que as médico e perguntar a ele: “Se um pa-
pessoas usufruirão dentro do museu. ciente chegar aqui bem machucado e
Tudo isso é papel do departamento de ele não tiver dinheiro, você iria cuidar
educação e aprendizagem contínua. desse paciente?”. Nisso, se está testan-
Quanto às pesquisas de público, do o sistema de valores de um médico.
é importante entender que elas serão Outra pergunta a ser feita quan-
utilizadas em longo prazo. E, quando do se pensa em dimensão afetiva é:
essas pesquisas forem feitas, não se “Como você priorizaria tudo isso? Qual
pode prescindir de explorar as três di- a importância da exposição em rela-
mensões: a cognitiva, a afetiva e a ati- ção a sua vida?”. Portanto, essa dimen-
tudinal. são é muito mais complexa e, muitas
Cognitiva é justamente perguntar vezes, a literatura mostra algo muito
às pessoas: “O que você entendeu dessa superficial e simples para descrever
exposição?” A afetiva é quando alguém essa dimensão. A dimensão afetiva é,
41
na realidade, como cada indivíduo dá Portanto, nesse momento, pode-
valor para aquilo que já sabe. -se observar que o sistema de valores
Quando fui chamada para fazer está presente e que a pessoa demons-
uma pesquisa de público numa expo- tra estar preocupada em se defender
sição de energia atômica, claro que a e não se expor a energia nuclear, mes-
primeira pergunta foi: “O que vocês mo porque essa pesquisa foi feita logo
entenderam sobre essa exposição?”. após o acidente de Chernobyl.
“Qual o assunto dessa exposição?”. E O sistema de valores da pes-
todos sabiam: essa era a dimensão soa fica representado no momento
cognitiva – quanto a isso não havia dú- em que diz: “Será que o preço baixo
vida nenhuma. vale a pena para esse tipo energia nas
Mas quando a pergunta mudou nossas casas?”. A dimensão cogniti-
para: “O que vocês sentem a respei- va é tudo o que público não entendia
to de energia atômica?”. As pessoas ao visitar a exposição e que se tornou
responderam: “Eu sei que é mais muito claro ao passar por ela. Porém,
barato, mas será que vale a pena, as dúvidas acerca de conteúdo podem
será que essa alternativa é boa?”. ser expressas como parte da dimen-
“Na realidade, eu quero saber são afetiva: “Será que tudo isso vale a
onde estão esses reatores atômicos, pena?” – fica evidente que o indivíduo
porque eu quero morar bem longe quer se proteger dessa possibilidade. E
desse lugar, não quero nem vestígio a resposta que se pretende obter não
disso”. é simplesmente um “Ah! foi legal” ou
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Aprendizagem em Museus

“Eu não gostei”. Mas realmente com- No início do século XX, o teste
preender qual a atitude das pessoas de inteligência3 ganhou destaque, por
perante aquele novo aprendizado. meio das ideias de Alfred Binet, psi-
Na verdade, não havia nada na cólogo francês que teve como tarefa
exposição falando sobre os perigos indicar ao governo francês as crian-
da energia nuclear; mas, como aque- ças que valiam mais a pena investir
las pessoas haviam vivenciado recen- financeiramente, ou seja, aquelas que
temente o episódio do acidente nu- apresentassem QI mais elevado, e, com
clear e o problema das chuvas tóxicas isso, economizar dinheiro. A partir de
que infectaram parte da Inglaterra, testes de lógica e da área verbal, esse
então, o próprio impacto da informa- critério artificial, que dividiu as crian-
ção que a pessoa tem de dentro da ças em mais ou menos inteligentes,
cultura acabou sendo evidenciado, durou 50 anos.
3 Durante o século XX, superdotado foi
bem como os valores ficaram claros na
sinônimo de ser capaz de decorar conteúdos
avaliação. enciclopédicos ou resolver enunciados
complexos. Os esforços para avaliar a
Porém, nem sempre a avaliação inteligência a partir de testes ganharam
destaque com as ideias de Alfred Binet nos
da aprendizagem se apoiou nesses pa-
anos 1900, quando as autoridades francesas
râmetros: durante muito tempo, em pediram que ele criasse um instrumento
capaz de prever quais crianças teriam sucesso
toda a Europa, os testes foram con- nos liceus parisienses. Foi então que a escala
de inteligência, com 30 tarefas mentais
cebidos para medir inteligência ba-
graduadas em função da idade, mostrou que o
seados exclusivamente em critérios desenvolvimento da criança poderia ser igual
ao das colegas, atrasado ou adiantado. Essa
quantitativos. escala métrica deu origem ao conhecido teste
Quociente de Inteligência, o QI. 43
E mesmo na Inglaterra havia es- quando estudava educação em artes,
colas com currículos completamente recebeu apoio financeiro de patroci-
diferentes para crianças mais inteli- nadores que queriam estudar habili-
gentes e para as menos inteligentes. dades e como mensurá-las. A partir
Quando a criança alcançava 11 anos dessa pesquisa, ele criou, em 1983, a
de idade, ela fazia um teste para que ideia das inteligências múltiplas. Con-
pudesse ser encaminhada a um tipo tudo, o trabalho dele não se baseia em
de escola mais adequada ao resultado nenhum estudo empírico. E, por isso,
da sua avaliação. atualmente, muitos psicólogos e pes-
Todo esse processo foi mui- quisadores estão começando a criticar
to dolorido para várias pessoas que e a discordar dessa teoria.
viviam na Inglaterra durante esse pe- Para Gardner, a inteligência não
ríodo: elas não tinham sucesso por- está baseada num QI específico, como
que se dizia que foram muito ruins anteriormente se acreditava, mas que
na escola, pois eram menos inteligen- haveria vários potenciais de motivação
tes. Isso acorreu em vários países de para que a pessoa pudesse desenvol-
língua oficial inglesa. verbal, inteligência lógica/matemática,
inteligência interpessoal, inteligência
Já, em 1980, Howard Gardner4, intrapessoal e inteligência corporal/
4 Howard Gardner: psicólogo cognitivista cinestética). Após a publicação de Estruturas da
e educacional, nascido nos Estados Unidos. Mente, Gardner propôs duas novas dimensões
Sua principal publicação é o livro Estruturas de inteligência: a inteligência naturalista
da Mente, de 1983, no qual descreve sete e a inteligência existencialista. Os testes
dimensões da inteligência (inteligência visual/ tradicionais de inteligência consideram apenas
espacial, inteligência musical, inteligência as inteligências verbal e a lógica/matemática.

44
Aprendizagem em Museus

ver sua inteligência. A teoria se baseia e cada vez mais compreender sobre
no intelecto da pessoa. Ele acreditava essa inteligência musical.
que a inteligência da pessoa se relacio- A quarta é a espacial, que pode
na muito com o tipo de cultura em que ser observada, por exemplo, num
ela vive. Sua teoria foi influenciada por grande velejador, alguém que joga xa-
filósofos que estavam em voga na épo- drez, um arquiteto, um cirurgião – e
ca e a aprendizagem era vista como um espera-se que ele tenha uma boa noção
objeto e não como um processo. de espaço! A quinta é a corporal ou si-
Em seu trabalho, Gardner desen- nestésica e pode ser reconhecida num
volve sete inteligências e isso pode ser atleta, aquela pessoa que tem total no-
algo muito útil quando se quer estu- ção do seu corpo e do que pode fazer
dar a diversidade humana. A primeira com ele, bem como as suas dimensões.
é a linguística ou a verbal. A segunda A sexta inteligência é a interpes-
inteligência é a lógica ou inteligência soal e pode ser notada num professor e
matemática. Um exemplo desse tipo até mesmo num vendedor: nas pesso-
seria um cientista que teria uma inte- as que sabem lidar bem com as outras.
ligência muito maior em relação à in- A sétima é a inteligência intrapessoal,
formação matemática. A terceira é a que se encerra numa pessoa que con-
inteligência musical, que pode ser vis- segue entender bem a si mesma, enten-
ta em maestros e compositores ou até der seu comportamento. Na sociedade
mesmo num colecionador, pessoas que individualista na qual vivemos, isso é
passam algum tempo tentando refinar eficaz porque precisamos ser autôno-
45
mos, críticos, independentes. Então, pode focar em uma exposição específi-
essa necessidade de refletir e entender ca, pensando naqueles que têm inteli-
quem somos é muito bem-vinda. gência musical, corporal, espacial, por-
Gardner foi chamado para parti- que se acaba segregando essas pessoas
cipar em várias conferências pelo mun- e se precisa partir do princípio de que
do para falar sobre essa teoria. E, mais todos têm certo nível de inteligência
tarde ele inventou mais duas – a oitava em todas essas áreas.
é a inteligência inventiva ou naturalis- Em se tratando de teorias de
ta. Ele abordava esse tema falando da aprendizagem, a primeira a ser desta-
habilidade que as pessoas têm de re- cada é o behaviorismo ou o compor-
solver um problema, valorizando aqui- tamentalismo. Ela teve início no meio
lo na cultura na qual se está submer- do século XX e foi caracterizada como
so. Todos têm essa habilidade, de uma resposta a determinados estímulos.
maneira ou de outra. Por exemplo, tome-se uma criança, ao
Talvez se tenha mais de uma ha- atravessar a rua. O sinal está aberto, os
bilidade, porque fomos mais expostos carros estão passando e ela atravessa.
aquilo e tudo depende da nossa heran- A mãe puxa a criança e a repreende fi-
ça cultural e genética; mas, para o mu- sicamente. Isso é uma resposta a um
seu, o que é importante observar são estímulo.
os indivíduos – a individualidade de Nos museus norte-americanos,
cada um deve ser levada em conta. os avaliadores, em meados do século
A partir dessa perspectiva, se XX, eram behavioristas; então, se pode
46
Aprendizagem em Museus

observar nessas exposições como eles cos e de computador como ferramen-


as organizavam de uma maneira para tas na compreensão dos pensamentos,
avaliar e mensurar tudo. Eles acre- da lógica, etc.
ditavam que se a pessoa ficava muito A terceira teoria é o construtivis-
tempo naquela exposição, olhando um mo de Piaget, que se iniciou a partir da
objeto específico, por exemplo, 5 mi- biologia e não da psicologia, o que é
nutos, eles avaliavam como algo bom, muito interessante, pois grande parte
muito positivo. Na realidade, o públi- desses teóricos não está diretamente
co não estava entendendo nada, por estudando os processos de aprendiza-
isso eles acabavam ficando mais tem- gem. O construtivismo pode ser defini-
po na frente daquele objeto. E, a partir do como maneira com que o aprendiz
dessa atitude, de mensurar a reação constrói o significado para si próprio a
das pessoas nos museus, em algu- partir daquilo que ele está recebendo
mas situações eles até premiavam as como informação.
pessoas quando respondiam algumas No construtivismo, existe uma
perguntas. definição de que as pessoas interagem
A segunda grande teoria em fisicamente ou mentalmente com o seu
aprendizagem é cognitivismo, que sur- meio. Existe um processo sempre ati-
giu a partir do desenvolvimento de vo. Piaget estudou como as crianças
pesquisas sobre os processos mentais se desenvolviam a partir de uma idade
e as relações com a tecnologia, por bem nova até os 11 anos. Ele estudou
exemplo, o uso de modelos matemáti- crianças da classe média. As pesquisas
47
dele foram fantásticas. Se tentar fazer pessoas avaliadas não falavam e não
a mesma coisa que ele fez se obterão criticavam suas experiências anterio-
os mesmos resultados. Ele fala sobre res. Na realidade, não é uma grande
estágios de desenvolvimentos e que surpresa assim. O construtivismo deve
as crianças constroem significados a ser visto como algo extremamente vá-
partir de experiências anteriores. Isso lido, com uma grande influência nos
também começou a ser aplicado em museus de hoje.
adultos. A quarta teoria é a aprendizagem
Não há nenhuma prova empíri- por descoberta, e se originou a partir
ca para que isso seja validado sempre das ideias de Piaget, de se descobrir
dessa mesma maneira – isso é simples- sozinho as coisas ao redor. Essa abor-
mente uma suposição. Claro que é na- dagem foi adotada por Jerome Bruner,
tural pensar que se vai construindo a no começo do século XX . Porém, essa
partir daquilo que se tem e vai progre- ideia não deve ser levada em conta,
dindo – isso faz sentido. Se já há algum pelo fato de que não podemos apren-
tipo de informação prévia que se sabe, der sozinhos; além disso, nessa pers-
é esperado que se queira uma coisa pectiva, acaba-se negando a informa-
nova – isso é um estímulo. ção que vem da cultura transmitida a
No trabalho desenvolvido pela todos de uma geração para outra.
pesquisadora Sue Allen, ela se mostra A quinta teoria são as concepções
surpresa ao observar que, em suas ava- binárias de personalidade, que surgem
liações com o público, muitas dessas a partir de Carl G. Jung, a qual apresen-
48
Aprendizagem em Museus

ta uma concepção dualista: uma pes- muito difícil o psicólogo aplicar esse
soa introvertida ou extrovertida, neu- tipo de teste, levava muito tempo e, ao
rótica ou estável. Isso sempre foi muito final, definiram-se 4 personalidades:
atraente para todos, porque sempre o • A pessoa é introvertida ou extro-
ser humano está tentando fazer uma vertida, ou seja, ela está olhando para
relação entre as coisas. o seu interior ou exterior
Jung apresentou suas ideias em • A pessoa é insensível ou intuiti-
1920, mas, em 1962, uma mulher, len- va
do os seus livros, ficou fascinada com • A pessoa é pensante ou mais
as suas teorias e, junto com uma aluna, emocional
criou os 16 tipos de personalidade. E, • A pessoa julga ou percebe o seu
a partir disso, vieram os testes de meio em relação ao seu estilo de vida
personalidade. Eles se transforma- Isso foi muito interessante
ram numa grande indústria de fazer para as pessoas, pois puderam com-
dinheiro: não têm nenhum emba- preender melhor a ação das demais
samento teórico. Hoje em dia, para pessoas, o comportamento delas a par-
aplicar qualquer teste de personali- tir de suas personalidades.
dade é preciso pagar royalties para Outra abordagem foi trazida por
essa Fundação, dona desse tipo de David Kolb, um psicólogo norte-ame-
teste. ricano que falou um pouco mais sobre
As 16 personalidades não eram essas teorias de aprendizagem. Ele
algo muito fácil de comercializar. Era observou outro aspecto, ainda pouco
49
explorado, que diz respeito à maneira tenta vários tipos de comunicação até
como as pessoas dentro de um museu resolver o problema.
passam por várias etapas durante a O segundo é o aprendiz imagi-
visita, ou seja, elas absorvem ideias, nativo, aquele que pede para alguém
refletem e divergem sobre aquelas explicar como resolver o problema e
ideias. E, a partir daí, ele elaborou al- observa o que aquela pessoa está fa-
guns testes de aprendizagem que são zendo. O terceiro é o aprendiz ana-
muito utilizados em museus nos EUA. lítico, que analisa o problema e tenta
Houve uma tentativa de se incluir desenvolver uma teoria para depois
esse método também nas escolas, mas resolver o problema em si. O terceiro é
os educadores logo perceberam que o aprendiz de sentido comum, que vai
não era muito interessante definir as atrás de um manual no computador,
pessoas dessa maneira, porque acaba o consulta em sua tela, obtém informa-
sendo algo incômodo falar sobre os re- ções instrutivas e, assim, desenvolve
sultados. Kolb define os vários tipos de o problema e o resolve.
aprendizes em 4 tipos de aprendiza- Um modelo deste teste poderia
gem. Essas aprendizagens foram base- conter as seguintes frases: “Eu gosto
adas em como as pessoas resolveriam de lidar com meus sentimentos”, “Eu
alguns tipos de problemas no compu- prefiro aprender, aprender quando
tador. O primeiro é o aprendiz expe- posso ser intuitivo”, “Eu tenho um sen-
rimental, aquele que, quando tem um timento muito forte, uma reação muito
problema, fica tentando ali no teclado, forte em relação a algo específico”. E
50
Aprendizagem em Museus

depois fazem um tipo de nota e a partir maneira.


daí encaixam a pessoa em uma dessas Atualmente, os museus ain-
categorias. da assumem a teoria construtivis-
Na realidade, essa avaliação é ta como principal aporte educacio-
superficial e acaba voltando para as nal, mas, por outro lado, ela tem sido
ideias de Jung, sobre uma pessoa ser aplicada de uma maneira muito sim-
introvertida, extrovertida e, claro, plista. E a preocupação com aprendiza-
isso é uma observação lógica que nós gem pode ser usada como uma desculpa
podemos ter no nosso meio; estamos quando o museu não consegue che-
falando então de personalidade e não gar até a pessoa e transmitir a infor-
de aprendizagem. Isso é muito co- mação desejada. Essa é uma teoria
mum em revistas femininas, quando muito atraente, os curadores adoram
alguém faz aqueles testes – se a pessoa também esse tipo de coisa. Ao adotar
vai ser um bom marido ou não, se vai uma teoria, é necessário fazer escolhas
ser uma boa mãe, etc. em relação ao que incluir na prática e
Uma vez observei um teste sendo sempre ser muito crítico. As condições
aplicado a uma turma, para observar para aprendizagem são a veia principal
se eles eram bons ou ruins motoristas; desse processo e isso talvez possa au-
isso pode ser muito encontrado na li- xiliar aos museus.
teratura. Para os museus, isso é extre- Avaliar as ações educativas, ou
mamente perigoso, porque a aprendi- a exposição como um todo, vai depen-
zagem não pode ser considerada dessa der de como o museu entende o termo
51
aprendizagem. Se, para ele, aprendi-
zagem é um processo, então se deve
avaliar como o apoio a este processo
está sendo oferecido. Se o museu acha
que é um produto, então ele terá que
avaliar sim o que a pessoa entende de
algum conteúdo.

52
O Educador e o Museu
O objetivo de um educador é disseminar os valores
culturais também; e a atividade do educador envolve muito mais do que sim-
plesmente interpretar. Já o curador tem o dever de pesquisar e disseminar infor-
mação. Antigamente, o curador era como um rei, o que, de certa forma, explica
a postura do curador frente às demandas educativas atuais e, nessas relações, o
conservador faz o mínimo do trabalho e o educador vai muito mais além da sim-
ples interpretação. É importante problematizar essas questões, porque hoje os
museus precisam de pessoas do marketing, diretores educativos e, mais uma vez,
onde fica o papel do curador nesse museu moderno? Talvez um curador tenha
que ser multifuncional, para poder se adequar a esse novo museu.
“Eu deveria saber qual público até o museu e isso não faça parte do
está entrando no meu museu?”. Se, pela currículo escolar delas – não importa;
manhã, são alunos, então provavel- se tem alunos chegando, você tem que
mente você está falando de educação oferecer a eles algum tipo de educação
formal. Se, mais tarde, outras pessoas informal.
vão ver as mesmas coleções, mas são A informalidade e a formalidade
senhoras, então você não está falando estão nos públicos e não na forma
mais sobre educação formal, mas sim como esses públicos são abordados.
informal. Então, o importante nessa Numa sala de aula em que há um tra-
questão é se você está se perguntando balho a ser feito, todos estão em um
qual tipo de pessoa você vai receber? ambiente formal; já nos museus, o pú-
Mesmo que essas pessoas estejam indo blico espontâneo está ali simplesmente
54
O Educador e o Museu

porque optou por estar: são pessoas os educadores formalizassem as es-


que estão em um ambiente informal. tratégias educativas tendo como foco
Para concretizar essa reflexão, é estruturar a educação dentro dos mu-
importante considerar que as políti- seus ingleses.
cas de apoio a museus têm mostrado É importante encontrar um nível
o poder que os profissionais em mu- de satisfação entre todos os profission-
seus começaram a ver nos educadores. ais de museus. Em primeiro lugar, deve
A relação que se estabeleceu entre os haver o reconhecimento dos colegas
financiadores, sejam eles governamen- em relação aos educadores de museus,
tais ou não, e os educadores implica para que sejam vistos como pessoas
numa maneira por meio da qual se é que interpretam aquela informação e
possível captar recursos. não apenas as passam. Os educadores
Em contrapartida, os educa- precisam de apoio financeiro e estru-
dores conseguem mostrar os resul- tural, além de uma equipe de apoio
tados desse investimento e passam a com a qual eles possam fazer seu tra-
formalizar essa atuação, o que leva os balho da melhor maneira possível. Eles
financiadores a lidar com essa nova “fi- precisam de tempo e dinheiro para
gura” do momento, numa perspectiva desenvolver os materiais que serão
de parceria; os educadores passam a dados aos professores e aos alunos, e
ter esse poder na mão. também para suas pesquisas, para que
Um movimento nessa direção foi possam fazer as avaliações de suas
a exigência do governo inglês para que atividades.
55
Os educadores precisam ter uma elas serão vistas dentro do museu. Um
concepção educacional sólida, da mes- exemplo é o Natural History Musem of
ma forma que os professores, como, London; logo em sua entrada, quando
por exemplo, conhecer as teorias de há quatro ou cinco turmas de alunos e
Piaget. Enfim, os educadores devem eles começam a brincar e fazer baru-
estar alinhados com esses professores. lho, provoca-se um eco horrível e isso
Além disso, eles precisam ter a habil- é totalmente irritante. Então, é impor-
idade de orquestrar experiências in- tante que se saiba lidar com esse fluxo
teressantes aos alunos, dar oportuni- de crianças.
dades para que eles possam aprender O último ponto importante a ser
nesse contexto e assegurar um apoio destacado em relação aos educadores
para toda essa organização, além de é que eles pensem sobre o museu e en-
oferecer apoio às crianças, para que tendam qual é a sua identidade, porque,
queiram voltar ao museu e repetir esse nesse momento, tanto o museu como o
tipo de visita. educador são a interface entre a edu-
É necessário que os educadores cação formal e a informal. É de suma
encontrem a melhor maneira de con- importância refletir sobre esse assun-
trolar as crianças dentro dos museus, to, para que essa identidade fique bem
para que não seja desagradável para clara e, assim, possa se definir o relacio-
as demais pessoas que estão visitan- namento com os professores e o educa-
do o espaço; devem saber controlar o dor e então explicar: “nós fazemos isso
número de crianças em trânsito e como dessa maneira; dessa maneira, nós es-
56
O Educador e o Museu

tamos oferecendo isso e isto”. Não há O professor precisa continuar


pretensão em ensinar aos professores mantendo a sua autonomia de profes-
como se ensina dentro de uma sala de sor com seus alunos e é muito impor-
aula. O museu tem objetivos claros, tante respeitar essa posição, porque ele
que devem ser estabelecidos para que está em desvantagem quando chega ao
os professores possam também sa- museu. Muitas vezes, ele não sabe mui-
ber o que esperar. A grande questão to sobre aquele assunto e se encontra
em torno da relação entre professor e ao lado de um especialista no tema. Se,
educador do museu está em explicitar por acaso, ele for ignorado pelo espe-
o que o museu possui para os profes- cialista, começa a existir uma perda em
sores e também para a escola, pois, sua autonomia e, nesse momento, em
na verdade, se está oferecendo uma que se subtrai a autonomia do profes-
oportunidade para que os professores sor, é muito difícil que haja o controle
façam uma atividade diferente do que nessa situação. Aqui, podemos enten-
ocorre na sala de aula. der autonomia como autoridade do
A ênfase deve ser dada ao pro- professor, sua conduta frente à turma
cesso, para que o professor entenda de alunos. E ela é fundamental, porque,
que o processo será diferente, ele irá na sala de aula, o mestre precisa man-
aprender um pouco mais sobre aquela ter essa autoridade para fazer com
matéria, mas, através de uma atividade que a aula funcione. Então, o profes-
específica, de uma atividade e de um sor precisa receber, desse especialista,
processo diferentes. desse educador, um apoio para que ele
57
consiga mantê-la durante a visita. In- humanizando e explicando como as
felizmente, é muito comum encontrar coisas funcionam lá dentro, porque a
educadores sendo grosseiros com pro- visita será também uma experiência
fessores. Realmente, essa dificuldade cultural.
no relacionamento do educador com o O professor também deve visi-
professor é uma premissa importante. tar o museu antes de estar ali com os
Deve haver uma razão ao se re- alunos, para que saiba o que está sen-
alizar a visita ao museu e há algumas do exposto, como irá lidar com aquela
situações em que os professores che- informação e como irá articular aquilo
gam com os alunos, os deixam com os para os alunos. Como os professores
educadores e saem para fazer com- são muito ocupados e nem sempre po-
pras e a visitação fica única e exclu- dem visitar o museu antes da visitação
sivamente sob a responsabilidade do com as crianças, é importante que eles
educador. Muitas  vezes, é oferecida a recebam vários documentos e isso é
informação aos professores, mas   eles algo que os educadores devem sem-
não se interessam. O professor deve pre oferecer e sempre produzir. Aqui,
se interar sobre aquilo que está sendo se pode pensar em uma explanação
exposto antes e após a visitação, para de tudo que vai ser exposto, uma lis-
que os alunos possam ter um melhor ta dos conteúdos que haverá na ex-
aproveitamento. O professor deve ex- posição, mapas sobre como chegar até
plicar aos alunos como funciona o mu- o museu, mapas de dentro do museu,
seu, para o tornar acessível a todos, informações sobre eventos especiais,
58
O Educador e o Museu

sobre demonstrações que irão ocor- cida é em relação à duração da visita


rer, conselhos sobre como utilizar bem – pois as crianças entendem o início
o prédio, acesso para crianças defici- da visita no momento em que entram
entes, onde são os restaurantes, onde no ônibus, não só quando chegam ao
as crianças podem almoçar com seus museu – e isso é fundamental para que
lanchinhos. possam entender como será estrutura-
Os professores, muitas vezes, da a visita. Tanto os professores como
simplesmente chegam até o museu. os alunos precisam receber também
Então é importante que eles saibam da pranchetas, ou seja, um material es-
necessidade de se fazer primeiro uma pecífico para poder fazer o seu dever,
reserva e se organizar para chegar até o seu exercício, etc. É muito chato ver
lá, para que haja uma estrutura. Muitas aquelas criancinhas tentando encon-
vezes, eles devem também fazer uma trar um lugar para escrever. Em suma,
reserva para uma visita guiada especí- as crianças necessitam receber algum
fica dentro do museu, ou algo a mais. tipo de informação, para saber exata-
Mais uma vez, o material deve es- mente o que vai acontecer, quando vão
tar presente para que os visitantes chegar, como será a visita, para que
possam entender mais especifica- possam ter a expectativa mais próxima
mente sobre determinada exposição, a real.
seja através de livro ou algum tipo de Ao pensar as necessidades
apostila. das crianças, logo se pensa em um
Outra informação a ser esclare- pesquisador americano, John Falk,
59
que estudou o comportamento das como irão utilizar aquele espaço.
crianças e o quanto elas aprenderam O educador, ao falar com o profes-
em situações diferentes. Em seus estu- sor no momento anterior à visita, deve
dos, esse pesquisador observou duas procurar saber o perfil dos alunos, se
situações, uma em que as crianças são especialistas, se já sabem bastante
receberam uma introdução antes de sobre o tema, para tornar a experiên-
percorrer o museu e outra para um cia proveitosa e para entender e saber
grupo de crianças que simplesmente lidar com aquela informação que será
percorreu o museu sem nenhum tipo apresentada.
de introdução antes; a partir disso, ele É importante permitir aos alunos
apontou que há grande diferença entre formar alguns grupos, de duas ou
os aproveitamentos das crianças em três pessoas, e que, nesses grupos de
ambos os grupos. amigos, eles tenham a oportunidade
Quando as crianças chegam até o de conversar e trocar algumas ideias.
museu, deve-se levá-las até uma sala Em pesquisas sobre visitas em grupos,
onde possam se sentar e receber infor- nas quais foram gravados diferentes ti-
mações, para que o educador possa ser pos de conversas em museus com cri-
apresentado a elas, pois estão muito anças, foi observado que, em primeiro
animadas e ansiosas com aquele novo lugar, as crianças falam muito, quando
ambiente; mas também é importante estão com seus pais; em segundo lugar,
saber que, muitas vezes, elas estão in- quando estão reunidos com os amigos;
seguras, não sabem onde está o banheiro, e muito pouco, quando estão com os
60
O Educador e o Museu

professores. Garantir que eles andem e se formando nas escolas sem solucio-
pelo museu com esses grupinhos é um nar esse problema.
facilitador na aprendizagem. Alguns projetos científicos têm
Outro ponto refere-se à boa dis- dado muito dinheiro para universi-
tribuição do tempo disponível entre dades, com o objetivo de entender
as atividades que o educador está pro- como se dá o aprendizado dentro dos
pondo e a visita livre: o tempo deve ser museus. Isso parece ser uma desculpa
o mesmo para que possam andar livre- para que haja certas “oportunidades
mente, tendo uma experiência educa- para os doutorandos” nas quais se inje-
cional formal, e, depois, ter a sua ex- tam muito dinheiro para suas pesqui-
periência educacional informal. sas. Mas, a verdade é que os educa-
Os profissionais ingleses que dores dentro dos museus ainda não ti-
trabalham com educação formal ten- veram tempo para entender como isso
tam aproveitar ao máximo o que as realmente ocorre.
crianças estão aprendendo dentro do Esses museus de interatividade
museu, pois as escolas na Inglaterra podem até ser um caminho para que
não estão sendo muito bem sucedi- os educadores nas escolas possam en-
das em sua função primordial. De to- tender como crianças aprendem. Mas
dos os alunos formados, 20% não são isso jamais será levado até as escolas;
realmente alfabetizados, pois não con- então, isso acaba sendo utópico. Talvez
seguem ler nem escrever. Assim, eles a diferença entre os dois ambientes
acabam concluindo os anos de estudos seja a motivação dentro do ambiente
61
informal quando as pessoas estão ali car nisso pra desenvolver algo que
aprendendo. o público em geral vai conseguir
O que se observa é que essa área absorver. O papel primordial dos edu-
de conhecimento ainda não está muito cadores de museus está em entender
clara, muito definida. Em uma reunião que o que eles fazem é comunicar a
com outros avaliadores de museu e edu- importância de sua cultura. Uma per-
cadores, no final houve a pergunta: “O gunta que todos devem fazer-se é:
que devemos fazer?”. Esses profissionais “Qual é a motivação?”. Para que se pos-
começaram a falar o que os museus sa planejar bem as atividades, deve-se
deveriam fazer e que, a partir de ago- considerá-las como aquelas que comu-
ra, eles deveriam tomar determinado nicam e ajudam aos outros a descobrir
rumo em relação à escola. E nós disse- partes de sua cultura, já que todos vêm
mos: “Nós não vamos fazer isso porque de áreas completamente diferentes,
não somos o ‘band-aid’ dessas escolas, mas estão todos lidando com suas
que não estão conseguindo fazer o que próprias culturas.
devem; não vamos resolver o problema
de vocês, não vamos suprir algo que
vocês não estão conseguindo fazer”.
Existe muita energia, muita mo-
tivação entre os educadores de mu-
seus; eles devem se empenhar em
captar todos os seus recursos e fo-
62
A Comunicação
nos Museus
Nos jornais, ao abri-los, primeiro aparecem os títulos para intro-
duzir o tema. Analogamente, quando alguém chega a uma exposição, ele sabe
o tema em geral, mas não sabe de que maneira aquilo vai ser abordado. Assim,
deve haver algum tipo de título que possa introduzir o assunto à pessoa, para
que ela possa ter uma comunicação com a exposição.
Um dos modelos de comunicação meus estudos e pesquisas, me baseio
que os psicólogos usam foi tirado do muito nesse ponto. Ambos os sujeitos
modelo de Alexander Graham Bell, in- estão trabalhando na mesma direção
ventor do telefone, e era o mesmo que para que possam compreender a men-
o telégrafo utilizava – e que não deve sagem.
ser copiado, pois, em situações reais, No primeiro modelo de comuni-
não funciona. Segundo esse modelo, a cação, o emissor é dono da mensagem
mensagem simplesmente é um objeto, e ele precisa se perguntar o que quer
o emissor pensa naquilo, envia a men- falar antes de passar essa mensagem
sagem para o receptor e o receptor tem adiante. Em um museu, as pessoas têm
que entender aquilo e pronto, acabou. um conhecimento muito grande sobre
Em outro modelo, já é um pouco vários assuntos, elas são especialistas
diferente, porque há o objetivo comum, em determinados temas, e, por conse-
tanto do emissor, de que a pessoa en- guinte, não conseguem direcionar bem
tenda aquilo que ele está pensando, a mensagem que irão transmitir.
como do receptor em entender aquilo Por exemplo, em um museu no
que a outra pessoa está pensando. Em qual o foco são os dinossauros, há uma
64
A Comunicação nos Museus

área para explicar os hábitos alimen- “Ah, vamos falar então agora sobre
tares daqueles animais, aí o curador isso”, para que tudo seja bem discipli-
diz “Bom, então vamos falar um pouco nado e direcionado.
sobre os dentes desses dinossauros” e Outro ponto a ser destacado é
explica sobre dentes, mandíbulas e os- que os textos e as etiquetas estejam
sos e, na verdade, não há um direcio- ali para ajudar; por exemplo, os pais
namento, de modo que a pessoa que que estão ali com seus filhos – e que
está ali, vendo isso tudo, não entende às vezes não sabem sobre determina-
muito bem o que o museu realmente dos assuntos – e o filho fala: “Mas, pai
está querendo comunicar. Portanto, o que é isso?”. Aquela etiqueta estará
as pessoas que trabalham no museu, ajudando ao pai a entender e explicar
os educadores, são muito importantes ao filho. Por isso é importante saber se
e devem saber disciplinar a maneira disciplinar quando estiver informando
como pensar a comunicação, entender algo a uma pessoa.
o que está sendo comunicado e saber Assim sendo, para comunicar, de-
o que elas querem transmitir para os vemos pensar:
visitantes. O que eu quero dizer?
Isso deve estar muito claro tam- Com quem eu estou falando?
bém no briefing, antes de iniciar o pro- Eu estou alcançando a pessoa?
jeto da exposição, para que, quando A pessoa está me compreendendo?
ele estiver em andamento, ninguém Quem está falando comigo? Estão
chegue sempre com uma nova ideia: falando a respeito do quê?
65
O que estou abordando a respeito de optar em acreditar nisso como um
daquele tema? todo, por completo ou não. Por exem-
A motivação que levou a pessoa plo, em uma atividade de pesquisa no
até o museu não deve ser direcionada Victoria and Albert Museum, na qual
para que, ao entrar, ela pense: “Ah eu é pedido às pessoas que descrevam
vou sair daqui sabendo muito sobre como imaginam ser os profissionais
esse tema, eu quero aprender muito”. que formulam as etiquetas do museu;
Na realidade, ela está ali com seus ami- esses profissionais sempre são descri-
gos, seus familiares, para aprender um tos como grandes conhecedoras, mas
pouco, talvez saber algumas palavras não como pessoas muito interessan-
a respeito daquele tema. A pessoa vai tes. Daí a importância de produzir uma
ficar lá durante uma hora, uma hora e mensagem que faça sentido para as
meia, e o objetivo realmente é o prazer pessoas.
daquele passeio e o tempo que estará Quando o visitante chega para
dentro do museu. Ela terá uma impres- ver uma exposição, ele sofre influên-
são específica sobre aquele espaço; cia da expectativa que teve anterior-
então, é importante que isso seja abor- mente à visita. Em algumas pesquisas,
dado. em Londres, observaram que, quando
As pessoas sempre têm uma im- eles perguntam à pessoa “O que lhe
pressão – ou dão uma autoridade ao trouxe aqui? O que levou você a vir
museu. Por isso, é muito importan- a este museu?”, muitos respondem:
te que a pessoa tenha a possibilidade “Bom, isso aqui na realidade é só um
66
A Comunicação nos Museus

passeio com a família, algo legal de fa- maneira: “Eu só estou museando”. E,
zer com a família, com filhos, estamos muitas vezes, como esse museu fica
aqui simplesmente por essa razão”. Ou- junto a outros dois museus, a pessoa
tros dizem “por lazer” ou mesmo “Bom, não sabe, dentro do V&A, em qual
eu vim aqui porque eu ouvi dizer que museu está; ela fica confusa. Cerca
esse museu é muito famoso, então eu de 6 milhões de pessoas visitam o
vim visitar o museu” ou, ainda, “E é V&A por ano.
bom para as crianças também porque O resultado de uma pesquisa
culturalmente a gente precisa visitar sobre a razão pela qual as pessoas
museus, então estamos aqui”. vão ao museu indicou que somen-
Não devemos escrever coisas te 20% vão lá com interesse em
muito técnicas, porque somente 17% realmente aprender sobre aquilo
dos visitantes têm algum tipo de inte- que está sendo exposto; 22%, para
resse científico nesses museus de ciên- curtir o passeio; outros 20%, sim-
cias. As pessoas não vão ter esse tipo plesmente vão por interesse não es-
de interesse como os especialistas. pecífico, mas para conhecer a expo-
Cerca de 20% das pessoas que sição. Cerca de 18% vão por algum
visitam o Victoria and Albert Museum aspecto específico daquele museu,
(V&A), ao serem perguntadas “Por que mas não necessariamente da exposi-
vocês estão aqui?”, elas usam um ter- ção. E, ainda uma porcentagem que
mo em inglês, um jargão que eles aca- vai até lá sem nenhuma pretensão
baram criando, que se diz da seguinte explícita.
67
Portanto, é muito importante sagem e acreditar que essa mensagem
saber como atrair essas pessoas e sa- vai chegar a alguém. Por isso, a impor-
ber abordar a exposição, para que elas tância de pesquisas preliminares, de
possam então conseguir aprender perguntar para as pessoas o que elas
bastante naquela exposição, de uma entendem, o quanto elas querem en-
maneira que não sejam estudantes, tender a respeito daquilo, e perguntar
porque elas não estão ali para serem se você está comunicando aquilo que
alunos, para aprender. aquela pessoa demonstrou estar inte-
Para comunicar, é necessário ressada. E quando a pessoa está rece-
considerar que existe um relaciona- bendo uma mensagem, nesse relacio-
mento no qual não há um emissor es- namento, a pessoa está se questionan-
pecífico e nem uma unidade isolada, do: “Será que eu quero absorver essa
mas há uma interatividade e, com isso, mensagem?”. E o que ela responder vai
a importância de compreender como depender do histórico de suas experi-
essa mensagem é enviada. Sim, exis- ências e do conhecimento dela.
te o autor, o emissor se relacionando O momento no qual a mensagem
com a mensagem e, depois, o receptor é passada e que uma pessoa a absor-
se relacionando com a mensagem e, a ve é um processo que pode durar cin-
partir daí, ambos estão tentando com- co minutos; mas, às vezes, no museu,
preender e entender. demoram-se anos para que outra pes-
A pessoa não pode simplesmen- soa chegue até lá e tenha contato com
te pensar na mensagem, enviar a men- essa mensagem que já foi enviada.
68
A Comunicação nos Museus

Ao se pensar no museu, deve-se con- a mãe, de uma maneira extremamente


siderá-lo não simplesmente como um informal. E a linguagem pode até pa-
lugar cheio de coisas e objetos, mas recer algo que não fica evidente, mas
também como um lugar cheio de lin- quando a pessoa está conversando
guagem. O visitante depende dessa lin- dessa maneira, lendo aquele texto es-
guagem. Os profissionais dos museus, pecífico, deve haver o mesmo estímulo
muitas vezes, percorrem os corredores de linguagem para que ela possa ab-
da instituição observando os vários sorver aquilo.
objetos e já sabem tudo, porque detêm Quando conversamos, simples-
um conhecimento maior e imaginam mente há uma complexidade gramati-
que deve ser muito simples para a pes- cal, diferente das dissertações acadê-
soa em visita saber que aquele objeto micas, nas quais, às vezes, utilizamos
vem do século XV, por exemplo. Mas, na alguns termos complexos. Isso é algo
realidade, as pessoas dependem muito que os museus devem evitar por com-
dessa linguagem para que possam ter pleto; não devemos, não queremos
esse mesmo conhecimento. isso de textos conversacionais, textos
É importante compreender a na- que estão conversando com as pesso-
tureza da interatividade do visitante as. Em algumas pesquisas, se gravaram
com aquela informação que ele irá ler as conversas das pessoas, de crianças,
e observar. No momento em que está nos museus, observando alguma peça
caminhando pelo museu, ele está con- específica e, a partir desses dados,
versando com o amigo, com o pai, com os pesquisadores perceberam que as
69
pessoas tratam a etiqueta como uma guma coisa solta no ar. Somos leitores
pessoa. E as pessoas acabam dizendo muito eficientes, vivemos numa socie-
em frente às etiquetas: “O que eles es- dade saturada por palavras escritas.
tão querendo dizer com isso?” ou, ain- Numa exposição, uma pessoa lê para
da, “Não entendi o que eles querem todos e todos ficam ali em volta, ouvin-
dizer”. Muitas vezes, eles até falam pa- do e observando aquela peça.
lavrões em situações que não conse- Por exemplo, essa pasta roxa,
guem compreender muito bem o que alguém vira e diz: “Olha, essa pasta
está sendo exposto. A etiqueta, com roxa!”. E, mais tarde, nas gravações
certeza, é uma pessoa para aqueles dessas pesquisas, eles observaram que
visitantes, mesmo quando estão con- as pessoas obtêm palavras escritas da-
versando sobre uma peça específica e quele texto e as inserem dentro de sua
eles mudam o assunto para falar sobre própria conversa, com aquelas pessoas
compras. Eles estão ali conversando ali ao seu redor. Mesmo que as etique-
com aquela etiqueta e simplesmente tas tenham sido escritas há dez anos,
acreditam que aquela pessoa está tem- elas são inseridas dentro das conver-
porariamente ausente. sas daquelas pessoas, porque elas as
Muitas vezes, pode até parecer absorvem no momento em que estão
que as pessoas não estão lendo as eti- lendo.
quetas, mas elas estão. Nós consegui- Isso é chamado de textualização,
mos ler 250 palavras por minuto. Nós as pessoas vão absorvendo essas pa-
observamos essas palavras como al- lavras e inserindo-as dentro de suas
70
A Comunicação nos Museus

conversas. Este fato foi observado nos difícil à leitura, os pais acabam inven-
Estados Unidos, na Alemanha, no Ca- tando. Por isso, é tão necessário ajudar
nadá e na França; portanto, as palavras os visitantes a ter uma leitura rápida,
têm vida. As palavras acabam sendo para que possam selecionar aquilo que
inseridas dentro da mente dessas pes- está sendo mostrado. Portanto, antes
soas, para que elas possam, mais tar- de começar a escrever as etiquetas ou
de, utilizá-las, que também ocorre com os painéis, é importante, de novo, res-
adultos que acabam lendo essas eti- ponder aquelas perguntas do proces-
quetas para as crianças. so de comunicação e, se isso for feito,
Por esta razão, é tão importante tudo correrá bem, com certeza.
propiciar aos visitantes o acesso a esse Primeiro, é preciso saber tudo so-
texto; eles nunca vão ler tudo, pois é bre o tema em questão, utilizar títulos
certo que umas pessoas vão ler uma específicos para exposição; por exem-
parte e algumas lerão outra parte. As- plo, se for falar sobre pulgas e se de-
sim, os textos precisam ser organiza- cide que vão falar sobre como as pul-
dos de tal maneira que facilitem a leitu- gas pulam, um título como: “Como as
ra e que possam ser lidos rapidamente, pulgas pulam?” já seria bem específico.
utilizando tipografias diferentes. Não se devem utilizar jargões!
Muitas vezes, as crianças questio- Outro ponto: o título preci-
nam os pais sobre os diversos assun- sa atrair a atenção das pessoas para
tos de uma exposição. Se as etiquetas que entendam o que será apresen-
estiverem preparadas de uma maneira tado na exposição. E, depois, há a
71
necessidade de se ter um painel de dentro do contexto da exposição.
introdução, entre 20 e 300 palavras, Em relação ao tamanho e à tipolo-
localizado adequadamente, para que gia da letra, é sempre interessante tes-
todos possam ler. tar em pessoas que tenham certa difi-
Por exemplo, quando uma pessoa culdade de visão, não necessariamente
está entrando em um local, muitas ve- um deficiente visual, mas uma pessoa
zes o painel de introdução é colocado que tenha dificuldade visual, para ob-
muito próximo à entrada e, por isso, servar algum painel. Se eles consegui-
ninguém o observa, ninguém lê nada e rem ler aquilo, com aquele tamanho de
simplesmente todos passam reto. letra, então o tamanho está adequado.
É mais interessante utilizar pou- O preto no branco e o preto no
cas palavras, conseguir simplesmente, creme sempre têm que ser usados.
em poucas palavras, passar, de ime- Há, em várias exposições, a tentativa
diato, a ideia ao leitor. Nos Estados de usar o transparente; parece que
Unidos, há estudos que dizem espe- se quer que o painel fique invisível!
cificamente que há a necessidade de A pessoa acaba fazendo sombra e fica
se utilizar 10 palavras aqui, 20 pala- muito difícil ler esse tipo de painel. É
vras aqui, etc. Cada um deve se sentir interessante também o museu ter o
à vontade para utilizar 20 palavras e estilo da casa, uma tipologia sempre
acreditar que essa é a melhor manei- usada pelo museu, um mesmo tama-
ra; o importante é entender que se está nho de letra, a introdução daquele
passando uma ideia nessa introdução, painel sempre no mesmo lugar etc.;
72
A Comunicação nos Museus

as pessoas vão entrar e vão saber onde com cerca de 20 a 150 palavras, e, de-
aquele painel (de introdução) está. pois, a descrição do objeto que está
Em relação à avaliação da lin- sendo exposto. Os museus que captam
guagem, não faz muito sentido contar esse arranjo tornam-se muito interes-
a linguagem como algo numérico, isso santes.
realmente é algo do sistema norte- As datas são também um fator
-americano, só eles fazem isso, isso é relevante num texto expositivo, já que,
algo experimental, eles tentam proces- muitas vezes, as pessoas procuram por
sar a linguagem dentro do computador, elas quando estão lendo sobre uma
eles tentam dar notas para cada frase, peça específica. Algumas pesquisas
isso realmente não deve ser feito. Eles indicam que as pessoas, quando estão
utilizam essa maneira para avaliar se num museu de história, estão sempre
uma pessoa de quinze anos ou doze buscando datas. Parecem que estão or-
anos de idade conseguiria ver aquilo. ganizando, em suas próprias mentes,
Alguns resumos de pesquisas de cien- essas informações obtidas em relação
tistas poderiam passar nesse teste, por às datas, para organizar também as
terem palavras pequenas, bem curtas, suas ideias, as informações e os conhe-
e poucas palavras por frases. E isso cimentos prévios.
não faria sentido nenhum. É importante notar que, ao expor
Primeiro deve vir o título da ex- essa data, deve-se considerar como o
posição, seguido pelo painel, que pode público irá absorvê-la. Pode ser que a
ser de uma seção ou de uma vitrine, data tenha algum tipo de associação
73
específica como o Sete de Setembro ou não é o assunto central. Focar naquele
a qualquer outro evento significativo assunto exposto, logo no começo com o
para as pessoas. painel de introdução, deve ser a regra.
Um conselho: quando estiver es- Por exemplo, uma placa de mu-
crevendo etiquetas, faça-o como se seu que diz: “Bom, aqui você não pode
estivesse falando para alguém. Faça fazer isso, não pode fazer aquilo, não
esse exercício com o pai, com a mãe, pode tirar foto, não pode fazer nada!”.
com o amigo, explicando aquilo que Na verdade, ele está falando: “Vá em-
vai ser exposto e gravando, porque, bora para casa, a gente não quer que
depois, poderá ouvir aquilo que foi fa- você venha até o museu, estou aqui e
lado e buscar algumas palavras-chave estou muito bem”. Não é convidativo.
que possam ser utilizadas em alguns Num outro museu, no qual é mos-
textos. trado o local aonde Napoleão chegou,
Não se pode utilizar todo o espa- no sul da Inglaterra, há muitas placas
ço do museu com linguagens, porque e informações que deixam o visitan-
as pessoas vão querer conversar du- te extremamente confuso. Já aqui em
rante essa visita. Então, coloque so- São Paulo, observei que em alguns ca-
mente aquilo que as pessoas querem! sos não há nenhuma informação na
Podem-se utilizar títulos, subtítulos entrada dos museus sobre o que há lá
e nunca sair pela tangente com outro dentro.
assunto, que até pode estar associa- Muitas vezes, os patrocinado-
do com o tema em questão, mas que res querem ficar logo ali na frente, no
74
A Comunicação nos Museus

primeiro painel. Como, por exemplo, acadêmicos”. Portanto, a linguagem


uma mina na Inglaterra, muito inte- apresentada nesses exemplos não
ressante na qual os mineradores fize- ajuda as pessoas a entenderem o que
ram coisas inovadoras em seu interior, vão encontrar dentro do museu e se
mas não há nada exposto no início do sentirem bem-vindas.
museu, então ninguém sabe o que vai Todos os profissionais de museu
encontrar; mas o nome do patrocina- devem estar bem atentos na relação
dor está logo ali. Uma fábrica de algo- com os profissionais que planejam
dão da Escócia, do século XIX, que foi a exposição, pois, muitas vezes, eles
o primeiro lugar do país no qual co- podem esconder os textos que não
meçaram a respeitar os funcionários; acham interessantes e incluírem coi-
mais uma vez há um painel daqueles sas inúteis em seu lugar. Na Inglater-
que apresentam cursos para os visi- ra, por exemplo, muitas exposições,
tantes e nenhuma informação sobre a acompanhadas por longos textos, têm,
exposição. na última frase, duas palavras que
Em um museu na Espanha, exis- ninguém consegue entender, a não ser
te uma placa dizendo: “Fique quieto” o curador, que tem uma especializa-
– isso não é um exemplo muito agra- ção na área. E essa “nota de rodapé”
dável. Numa galeria de arte na Aus- é o “gancho”: exatamente o que ex-
trália, eles são tão arrogantes a pon- plicava que aquela estátua havia sido
to de dizerem: “Você deve ler nossas banhada em bronze e colocada em um
etiquetas dessa maneira, como nós pedestal.
75
E, num outro exemplo, deve-se de tirar aquilo daquela exposição e que
tomar cuidado com alguns voluntários poderia ser da anterior.
que, às vezes, podem acabar fazendo É muito importante estar cons-
algum tipo de brincadeira dentro da ciente durante esse processo de escre-
exposição. Como no Museu Nacional ver as etiquetas e ser crítico quando se
da Aviação, da Inglaterra: alguns apo- fizer o papel de leitor de etiquetas em
sentados que trabalham lá volunta- outros museus também.
riamente fazem piadinhas. Ou, ainda,
um museu na Croácia, em que alguns
arqueólogos resolveram colocar fotos
de quando estavam fazendo seus tra-
balhos: isso não é interpretar arque-
ologia, não é informativo e não existe
nenhuma razão para eles colocarem
essas fotos em que aparecem cantando
durante o trabalho.
Na Austrália, há uma exposição
com um painel sobre os dez manda-
mentos do esporte. E, depois de ler e
tentar entender como isso se encaixava
dentro daquela exposição, fica a sensa-
ção de que simplesmente esqueceu-se
76
Avaliação e Pesquisa em
Educação e Comunicação
nos Museus
A coleta e a análise de dados de público podem
ser feitas sistematicamente a cada dois anos em alguns museus, já em outros é
importante fazer isso a cada três anos – mas todos devem fazer a mesma pergun-
ta: como se pode abordar e falar com o seu público se você não sabe quem é o seu
público? E, politicamente falando, em termos de captação recursos, é muito im-
portante que você saiba quantas pessoas entram no museu semanalmente para
que, mais tarde, esse dado seja usado. E a pergunta é sempre essa, como você
pode abordar o seu público se não sabe quem é o seu público?
Na Inglaterra, houve uma pesqui- pessoas visitem os museus. A classe
sa com uma grande amostra da popula- econômica não é o fator determinan-
ção inglesa e na qual eles descobriram te nesse caso, ou seja, sua renda, mas
que 35% dos pesquisados visitam um sim o seu nível escolar. A raça tampou-
museu pelo menos uma vez ao ano e, co teve relação com a visita ao museu
dentre esses 35%, cerca de 40% são da ou não. É preciso entender quem está
região de Londres. Após essa pesquisa, passando pela porta do museu, quem
descobriu-se que há um fator determi- entra e como se pode trabalhar com es-
nante para que a pessoa vá até o mu- sas pessoas.
seu: o seu nível escolar. Esse estudo foi Por exemplo, foi realizada uma
desenvolvido na Europa e nos Estados pesquisa com o público após a visita a
Unidos, mas foi na Inglaterra que eles uma exposição de esculturas, que mos-
observaram que o nível escolar real- trava como culturas diferentes faziam
mente é o determinante para que as a mesma coisa, e o único texto que
78
Avaliação e Pesquisa em Educação e Comunicação nos Museus

existia, quando se chegava lá, era “Ga- a maneira como foi pensada não garan-
leria 33”. Não tinha nada mais escrito, tiu a expressão do visitante.
nem mesmo algo como: “Agora, vamos Algumas pesquisas foram feitas
falar sobre cultura, diversas maneiras para se saber como as pessoas reagiam
de abordar um mesmo tema”. após nove meses de uma visita a um
Nesse caso, a forma de se pensar museu. Isso pode indicar como a me-
a exposição e aplicar a avaliação pa- mória e o aprendizado estão entrela-
recem ter causado impacto no enten- çados. Cerca de 50% das pessoas fala-
dimento do público após a visita, pois ram mais sobre os objetos que viram;
não foi dado nenhum estímulo aos vi- claro, as pessoas lembram-se daquele
sitantes para que se recordassem do objeto porque elas leram coisinhas so-
que viveram, apenas receberam uma bre aquele objeto. Mas, somente isso.
ficha de avaliação com a seguinte per- Outros 25% lembram sobre algum epi-
gunta: “O que vocês lembram daquela sódio em específico, como ter passado
exposição que vocês visitaram?”. E as numa ponte até chegar ao museu, tal-
pessoas escreviam sobre isso. Por- vez uma briga dentro do museu, lem-
tanto, os organizadores não deveriam bram-se da mãe ou do namorado.
se sentir tão pessimistas em relação Aproximadamente 15% das pes-
ao resultado dessa pesquisa1, pois soas falaram um pouco mais sobre o
1 McManus, P. (1993) ‘A Survey of Visitors’ sentimento, por exemplo: “Eu me senti
Reactions to the Interactive Video Programme
museum and society, 2(1) 46 “Collectors in the 33: A Visitor Study, Birmingham: Birmingham
South Pacific”’, in J. Peirson Jones (Ed.) Gallery Museums and Art Gallery, 74-114.
79
orgulhoso, porque eu trouxe pessoas pouco tempo no museu; não se tem
de fora da nossa cidade para visitar o toda a atenção daquela pessoa, porque
museu e o museu é muito interessante; ela está ali em companhia de outras
então. Eu me senti orgulhoso da nos- pessoas e, além disso, pertencem a um
sa cidade”. Ou, por exemplo, o irmão- determinado nível social, ou seja, têm
zinho que falou: “Ah! minha mãe ficou culturas diferentes e foram subme-
carregando meu irmãozinho de colo tidas a estímulos diferentes em suas
toda hora durante toda a visita ao vidas. E, em segundo lugar, as pesso-
museu”. Então, eles estão falando de as esperam – possuem a expectativa –
sentimentos. de uma experiência educacional den-
E somente 10% falam realmente tro do museu e isso está a favor dos
sobre o tema da exposição. Quando as educadores do museu.
pessoas saíam da exposição e lhes pe- Retomando à pesquisa sobre o
diam que explicasse um pouco sobre o comportamento dos visitantes, foi pe-
tema da exposição, elas falavam uma dido para que os visitantes priorizas-
frase para explicar o tema daquela sem as quatro principais tarefas dos
exposição. Após nove meses, elas não profissionais de museu em ordem de
conseguiam falar a mesma frase, expli- importância, sendo a quarta a mais
car da mesma maneira e não lembra- importante e a primeira a menos im-
vam-se tanto assim da visita. portante. O primeiro que eles prioriza-
Portanto, não se deve esquecer, ram foi o seguinte: o museu tem como
em primeiro lugar: as pessoas ficam tarefa principal a responsabilidade de
80
Avaliação e Pesquisa em Educação e Comunicação nos Museus

explicar os vários aspectos da ciência As crianças acabam andando muito


e da tecnologia para o público. Segun- sozinhas e chamam o pai de longe: “al-
do, cuidar e manter a coleção, diferen- guém aqui me explica isso?”. Portanto,
temente do que os curadores pensam, há muita conversa e pouca leitura.
pois eles acham que o objetivo princi- Já as pessoas sozinhas são as que
pal do museu é fazer pesquisas e não mais leem dentro do museu; portan-
é assim que o público pensa. Terceiro, to, são as que têm maior necessidade
fazer as pesquisas; e, por último, sele- de buscar informação. Os casais não
cionar os objetos que estarão no mu- conversam muito, apesar de sempre
seu para o grande público. Em suma, estarem juntos na visita: eles circulam
o museu é um local educacional e não muito, e interagem com o espaço com-
um local que para se colecionar todos pletamente separado um do outro. E os
esses objetos. grupos de adultos, homens e mulheres,
Em relação aos diferentes grupos também não conversam muito e são os
de visitantes, não há uma abordagem que permanecem maior tempo no mu-
única dentro do museu e a maneira seu.
como eles se relacionam também é Entender o aspecto social é um
diferente. Por exemplo, um grupo de importante passo e tem grande im-
crianças: elas acabam falando muito, pacto no comportamento da pes-
conversam muito, fazem muitas per- soa dentro do museu; por isso, mais
guntas para os pais e esses só dão uma uma vez, é extremamente impor-
olhadinha na etiqueta e respondem. tante entender que tipo de pessoa,
81
quais os públicos entram no museu. trata da época do Gold Rush2 e as rela-
Independentemente de quem ções sociais que imperavam nessa fase
seja essa pessoa; mas, se ela for com histórica. Nesse tipo de intervenção, as
sua mãe ou com seu marido ou com as crianças podem participar de uma ati-
crianças ou, ainda, com seus amigos vidade educativa de uma forma dire-
ao museu, o tipo de comportamen- cionada.
to em cada uma dessas companhias Para que os textos possam de-
será completamente diferente. Podem sencadear conversas desse tipo (entre
acontecer situações nas quais as famí- membros de uma família, por exem-
lias circulam acompanhadas por uma plo), é muito importante usar efeitos
criança que parece estar desinteressa- visuais junto ao texto, para que não
da, ela não está olhando a exposição, haja necessidade de se concentrar de-
apenas olha para frente; já a família masiadamente naquilo que está escri-
observa e vê tudo ao seu redor. No en- to; pois, em geral, a pessoa só vai olhar
tanto, essa criança está ouvindo todas de relance ou dar uma passadinha pelo
as conversas da família, as quais fo- texto para entendê-lo. O uso de analo-
ram desencadeadas a partir daqueles gias é outro recurso que deve ser mui-
textos escritos.
Há também dramatizações inte- 2 As “Golden Rush” ou “Corrida do ouro”, são
conhecidas como migrações de trabalhadores
ressantes feitas em museus, nas quais para regiões onde foram encontradas grandes
as crianças podem debater sobre dife- minas de ouro. Ocorreram por exemplo na
Austrália, Brasil, Canadá, África do Sul e Estados
rentes temas, como na exposição que Unidos no século XIX.
82
Avaliação e Pesquisa em Educação e Comunicação nos Museus

to utilizado, pois elas podem substituir tinham contato com aquele ambiente
o uso de palavras. totalmente informal. E, nesse momen-
O que se entende por interpreta- to, se propõe também o conceito de in-
ção é um processo de comunicação que terpretação, quando o mediador atua,
tem como objetivo ajudar as pessoas a promovendo a interpretação daquilo
descobrirem o significado das coisas, que está exposto. Pessoalmente, não
dos lugares, de outras pessoas, dos gosto muito da palavra intérprete, por-
eventos e, assim, ajudá-las a mudar a que parece que se está interpretando
maneira como percebem as coisas – ou algo para alguém que não está compre-
se percebem – e também como enxer- endendo. Prefiro ver como transforma-
gam o mundo ao seu redor; e, dessa dor, porque, assim, não há desequilí-
maneira, ter maior entendimento do brio de ideias entre uma pessoa que
mundo e de si mesmas. O educador se sabe mais do que a outra. Na realidade,
torna o mediador que traz uma nova o transformador se torna um condutor
cultura para aquela pessoa. A visão do para uma passagem ao conhecimento.
trabalho do mediador é diferente da Sempre houve essa exigência
visão de um pedagogo, a visão de al- dentro dos museus, de tentar provar
guém que está interpretando algo para que as pessoas estão aprendendo, hou-
os visitantes. ve sempre essa necessidade de se ava-
A história do conceito de me- liar. Comumente, se faz uma pesquisa
diação vem do sistema canadense, no de avaliação em aprendizagem num
qual as pessoas iam aos parques e não período de dois a nove meses e não
83
existe exatamente uma razão pela qual periências diferentes, conhecimen-
se optou pelos nove meses; mas, o que tos diferentes; e, frente a isso, não há
é interessante, é que após nove me- como se avaliar da mesma maneira de
ses as pessoas realmente conseguem um ambiente escolar.
se lembrar dessa visita como algo É preferível focar e escrever so-
memorável. bre como as pessoas aprendem e não o
Você é capaz de lembrar-se do quanto elas aprenderam. Afinal de con-
que fez há nove meses? Realmente, tas, sempre está se aprendendo e nun-
você só se lembra de coisas memorá- ca vamos conseguir avaliar realmente
veis, como uma entrevista para o pri- o quanto as pessoas aprenderam den-
meiro emprego ou coisas assim. Por- tro do museu, mas sim o quanto o mu-
tanto, as pessoas conseguirem lem- seu pode ter impacto em suas vidas. A
brar é algo espetacular e isto mostra o memória é algo que demonstra o que
impacto que o museu tem na vida das as pessoas conseguem integrar, da vi-
pessoas; qual é este impacto é o que sita, às suas vidas. A partir dessas co-
nós buscamos entender. locações, faz todo o sentido entender
Os avaliadores já estão cansa- o “Departamento de Educação” com a
dos de tentar demonstrar às pesso- nova nomenclatura de “Interpretação
as dos museus a necessidade em se e Aprendizado Contínuo”.
avaliar sistematicamente. Quando É muito mais importante descre-
as pessoas chegam ao museu, elas ver e não mensurar durante uma ava-
vêm com históricos diferentes, ex- liação; nem sempre o emocional é algo
84
Avaliação e Pesquisa em Educação e Comunicação nos Museus

que as pessoas descrevem e, em geral, pois já existe uma coleção específica


descrevem o quanto elas “ouviram” de que deve ser considerada e, portanto,
algum conhecimento. É importante, não há muita opção em relação ao que
ainda, ter certeza de que se está conse- será exposto.
guindo comunicar aquilo que está sen- Mas, mesmo nesse caso, é impor-
do exposto ao visitante, porque, assim, tante entender que se precisa satis-
as pessoas vão ter a possibilidade de fazer a curiosidade daquelas pessoas
aprender ou não aquilo que está sendo que estão visitando a exposição e não
comunicado. A avaliação deve ser con- somente aquilo que se quer elencar
duzida dessa forma. como informação. Após essa avaliação
Determinados museus fazem preliminar, deve haver um processo no
avaliações preliminares de algumas qual os envolvidos vão moldando a ex-
de suas exposições, incluindo grupos posição até chegar ao objetivo do quê e
de discussões, para mostrar qual tipo como comunicar. Muitas vezes, torna-
de exposição será produzido; dessa -se necessário perguntar ao público
forma, recebem um retorno daquelas não o que simplesmente ele entendeu
pessoas para ver o quanto ficarão in- – com intuito de questionar se ele é in-
teressados e compreenderão sobre o teligente ou não, se ele está aprenden-
conteúdo. Mas isso deve obrigatoria- do ou não – mas se ele se sentiu satis-
mente ser feito no início, previamen- feito com aquilo que foi exposto.
te. Inúmeras vezes, há uma limitação Essa dinâmica pode ser usada
em preparar uma nova exposição, tanto para elaboração de um website
85
como para um programa específico de – e na Europa como um todo –, de per-
uma exposição. Deve se considerar um guntar aos visitantes, após saírem dos
público específico, como amostra, para museus, se eles se sentem melhor após
que seja apresentada, a posteriori, ao essa visita. É uma grande bobagem e
público em geral. não leva a nada ficar perguntando para
É recorrente a necessidade de as pessoas se a autoestima delas au-
oferecer aos que fomentam os museus mentou ou não após uma visitação.
provas de que as pessoas estão apren- Na Inglaterra, os políticos con-
dendo. Uma pergunta muito boa que trolam muito os museus porque estão
os museus já fazem há 50 anos é: “Você conseguindo captar dinheiro do Mi-
está satisfeito?”. E 99% das vezes as nistério da Cultura e dizem ao gover-
pessoas vão falar assim: “Estamos sa- no que os museus conseguem resolver
tisfeitos”. Quando se pergunta: “Você problemas da sociedade. O Ministério,
aprendeu alguma coisa?”, ninguém vai por outro lado, argumenta: “Os mu-
falar que não aprendeu nada, todos di- seus não conseguem resolver proble-
rão um sim neste caso também. ma nenhum”. E, assim, os políticos
É importante perguntar às pesso- conseguem cada vez mais dinheiro e
as o quanto perceberam que o conheci- exigem dos museus que mensurem e
mento delas, como pessoas, melhorou façam avaliações para, desse modo,
a partir daquilo que ela teve acesso em conseguirem dados e argumentar jun-
uma exposição. Isso é algo interessan- to ao governo sobre a demanda de re-
te. Há um modismo hoje, na Inglaterra cursos e investimentos, contratando
86
Avaliação e Pesquisa em Educação e Comunicação nos Museus

funcionários públicos e não profis- contratando pessoas de acordo com


sionais de museus. Há um grupo de as necessidades. Ainda não há treina-
pessoas na Inglaterra se organizando, mento específico na Inglaterra para
dando um basta a tudo isso e falando: que uma pessoa possa trabalhar nes-
”Simplesmente, nós não vamos fazer sa área. A maior importância é dada à
esse tipo de avaliação que vocês que- personalidade da pessoa, para se tor-
rem, só porque estão custeando tudo nar um intérprete, sendo necessário
isso: essa não é a melhor maneira”. entender de comunicação, mas não
O campo da educação nos mu- precisa ter uma formação específica
seus tem mudado rapidamente na Eu- para isso. Mas deve saber um pouco
ropa, mas essa mudança de pedagogo sobre aprendizado, já que talvez a pes-
para intérprete vem ocorrendo há uns soa nunca tenha sido professor antes.
vinte anos e, em alguns países especí- O perfil que você encontra en-
ficos, está se iniciando agora. O Depar- tre esses profissionais é bem diver-
tamento de Educação começou com so na Inglaterra. Muitas vezes, quem
professores de escolas que não se de- trabalha como avaliador e quem ofe-
ram bem nas escolas; então, eles foram rece treinamento às pessoas de mu-
mandados para os museus. Mas sem- seus acabam se tornando profissio-
pre haverá esses profissionais dispos- nais dessa área. Considero que há
tos a lidar com crianças, isso sempre três dimensões humanas nos museus:
foi um foco claro. a) comunicação com o público, que,
Os diretores dos museus acabam muitas vezes, são aquelas pessoas
87
expansivas; b) aquelas que cuidam e maneira mais fácil.
conservam das coleções e geralmente Em resumo, os educadores e os
costumam ser pessoas mais recatadas profissionais de museus têm que en-
e c) aquelas que lidam com a adminis- tender que esses espaços são utiliza-
tração e o marketing. Em geral, o dire- dos como acessórios para o processo
tor do museu não é um acadêmico, mas formal educativo, mas que eles não têm
é uma pessoa muito boa em adminis- este papel fundamental, embora, mui-
tração que consegue integrar tudo isso tas vezes, o museu precise disso para
em sua personalidade. ganhar mais dinheiro para se estrutu-
O educador pode ser defini- rar melhor. É importante entender que
do como aquele que vai promover o o museu deve ser percebido como um
aprendizado dentro do ambiente de lugar no qual é possível se ter a livre
um museu. O outro papel é o de trans- opção de se chegar lá e aprender. A
formar as informações por parte da- partir desse movimento, há um tipo de
queles que se tornam mediadores no aprendizagem para aquela pessoa que
museu. O educador entende do aspec- teve a atitude de ir até o museu.
to pedagógico e de questões ligadas Afinal, o visitante precisa ter
à aprendizagem no museu. Por outro uma experiência agradável dentro do
lado, os mediadores sabem lidar com museu e não podemos esquecer-nos
várias pessoas, com comunicação de do conforto, acesso à água e o que for
massa – eles são como repórteres necessário ao bem-estar do público.
que sabem chegar às pessoas de uma Tudo isso é primordial fazer antes da
88
Avaliação e Pesquisa em Educação e Comunicação nos Museus

exposição. Ainda durante o processo


de planejamento, deve ser feita uma
avaliação para que se possa compre-
ender o que as pessoas sabem sobre
aquela ideia que será exposta, o que
elas já conhecem, o que elas querem
aprender sobre aquela ideia, além de
fazer a avaliação da linguagem. Enten-
der que tudo isso servirá como apoio
às atividades que as pessoas estarão
usufruindo dentro do museu: esse é o
papel do departamento de educação e
aprendizagem contínua.

89
Oficinas
Oficina 1 São 9:40 h numa manhã fria em
Uma manhã no museu ou Comu- uma cidade de 80.000 habitantes. Um
nicação infeliz corrompe as boas ma- ônibus lotado com 2 classes de cri-
neiras anças de 10 anos de idade chega para
levá-las para passar Uma Manhã no
Objetivos Museu. As crianças saem se acotove-
• Analisar o comportamento e a lando do ônibus, sob os olhares dis-
atitude dos profissionais envolvidos na persos de Ruth Green e John Brown,
ação educativa os dois professores designados como
• Analisar como o ambiente do responsáveis pelo passeio. Green lide-
museu afeta a experiência do visitante ra o grupo até a entrada do museu que
fica mais próxima do estacionamento.
Método Há bastante movimentação na
Os participantes deverão ler o entrada do museu: a recepcionista está
cenário descrito e, em seguida, discutir falando ao telefone, um guarda está
em grupo as questões propostas. trocando umas lâmpadas em cima de
uma escada, uma mulher está usan-
Cenário do uma copiadora barulhenta, duas
Uma visita ao Museu de Arte da pessoas estão tendo uma conversa
Cidade (MAC) bastante acalorada. Tanto os profes-
sores como os 48 alunos atraem pouca
atenção. O professor Green pergunta
90
à funcionária que está usando a copia- museu abrirá suas portas. “Por favor,
dora como encontrar os monitores do mantenha as crianças perto da porta
MAC. A mulher observa as crianças e até o horário de abertura”. Smith fecha
responde: “Ah, os grupos escolares de- a porta e desaparece de vista.
vem se dirigir à entrada da frente. Eles Como as crianças já começam a
estão aguardando por vocês lá”. Após reclamar do frio, Green e Brown as le-
receber as informações, Green, Brown vam para dar mais uma volta ao redor
e as crianças saem do prédio. do prédio, com o objetivo de distraí-las
Conforme o grupo se aproxima da durante os 8 minutos restantes de es-
entrada, grande parte das crianças ob- pera. Às 10 horas, um guarda abre a
serva um parque de esculturas ao lado porta da frente. As crianças entram no
do prédio e correm até lá. Brown sai saguão do museu. O guarda já está a
correndo atrás delas, enquanto Green postos na galeria: não há sinal da recep-
tenta abrir as portas. Elas estão tran- cionista e nem dos monitores do MAC.
cadas e dentro parece não haver nin- Green confabula com Brown enquanto
guém. Green bate à porta – uma pes- as crianças correm pelo saguão obser-
soa surge das escadas e caminha até vando os vários quadros e esculturas.
o saguão. É Mary Smith, monitora do Um grupo de meninos se reúne em vol-
MAC. Por trás de uma pequena fresta ta de um nu de bronze, especulando
da porta, ela informa Green de que as em alto e bom som sobre as possíveis
visitas monitoradas somente terão causas da magreza extrema da estátua.
início às 10 horas, horário em que o Outras perambulam em uma galeria
91
adjacente. Quando Green decide des- da manhã. Mary Smith expõe o que irá
cer para buscar ajuda, Mary Smith e acontecer, já que um terceiro monitor
um outro monitor do MAC surgem do MAC faltou ao trabalho e, conse-
da galeria, liderando o grupo das cri- quentemente, a visitação pelos basti-
anças que lá estavam. “Estamos aguar- dores foi cancelada e as crianças serão
dando vocês no salão de palestras. divididas em somente dois grupos,
Por favor, desçam com as crianças e em vez dos 3 previamente planeja-
me sigam para darmos início à intro- dos. Cada grupo será guiado por um
dução”. Enquanto Smith se encaminha monitor do MAC e ainda acompanhado
ao andar de baixo, outras pessoas por um professor da escola. O grupo
reúnem as crianças e as orientam. de Mary e Green irá explorar as peças
Durante o percurso até o andar de de arte, enquanto que o grupo de Pat
baixo, as crianças não param de per- Jones e Brown irá para a ala escolar
guntar para onde estão indo, o que irão até o estúdio de projetos de arte.
fazer e quando é que realmente irão ver Há 4 galerias no museu. Mostras
a exposição de arte. atuais incluem trabalhos recentes
As crianças agora encontram-se elaborados por artistas locais em
sentadas, quando pedem que todas várias mídias e uma seleção de tra-
retirem seus casacos. Mary Smith se balhos da coleção permanente do
apresenta e, em seguida, apresen- MAC. A primeira parada para o grupo
ta sua colega, Pat Jones. A conversa da Mary é a mostra dos artistas locais.
consiste na explanação das atividades Smith comunica às crianças que ela
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Oficinas

deseja que o grupo reflita sobre os Como muito tempo foi gasto na
diferentes materiais que os artistas mostra dos artistas locais, não há mais
utilizam ao desenvolverem trabalhos tempo para falar sobre a exposição
artísticos. Ela entrega a cada aluno permanente. Smith passa rapidamente
um lápis junto com uma lista de ma- pela galeria com o grupo, enfatizando
teriais que podem ser encontrados na que o MAC possui 11 das peças ali ex-
exposição e os instrui a achar cada um postas. Chega então a hora de se diri-
dos materiais listados. O exercício se girem para a ala escolar até o estúdio
transforma em uma competição, com de projetos de arte.
crianças correndo de um objeto para O grupo de Mary Smith chega
o outro, cada um tentando completar na mesma hora em que o grupo de
a lista antes dos outros. Muitas pala- Pat Jones deixa a sala de aula. Alunos
vras são desconhecidas pelos alunos e das duas classes se misturam por
tanto Smith como Green se man- alguns minutos e tecem comentári-
têm bastante ocupados explicando os entre si sobre suas experiências.
termos como “alabastro” e “artefa- Uma aluna do grupo de Jones, ao
to de barro”. A busca por toda a ga- ouvir que a exposição “não foi
leria se segue de uma revisão dos tão legal”, decide ficar com um
termos aprendidos, com as crianças amigo e refazer o projeto de arte no-
mencionando onde encontraram, vamente. A troca passa despercebida
dentro da exposição, os materiais tanto pelos monitores como pelos
contidos na lista. professores.
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Na sala de aula, Ann Marie, res- finalmente consegue que se concen-
ponsável pelo estúdio de projetos de trem em alguma coisa; um pequeno
arte, ainda encontra-se limpando as número ainda se irrita ao perceber
mesas usadas pelo grupo anterior. Ela que não consegue pensar em nenhuma
pede que os alunos se sentem às mesas ideia interessante e se acalma somente
enquanto ela termina a limpeza e dis- quando Ann Marie sugere que elas
tribui os materiais. A aluna a mais que façam objetos de decoração natalina.
está presente no grupo é finalmente A aula termina com os trabalhos indi-
descoberta quando todos percebem viduais em diferentes estágios, mas as
que está faltando um banquinho. crianças podem levar para casa o que
Green sai em busca do grupo de Jones desenvolveram como uma lembrança
para que a aluna possa se juntar a eles da visita delas ao MAC.
novamente. Ao meio-dia os dois grupos es-
O projeto de arte do dia se re- tão de volta ao salão de palestras – e a
sume a um exercício de colagem. As manhã de atividades no museu já aca-
crianças recebem pedaços coloridos bou. Enquanto os alunos vestem seus
de papel, tecido e outros materiais, casacos, Pat e Mary entregam aos pro-
além de tesoura e cola. Ann pede que fessores formulários de avaliação que
elas recriem algo que tenham visto devem ser preenchidos. Então Pat diz:
no museu naquela manhã. Algumas “Essas avaliações são importantes para
começam imediatamente; outras es- nós. Queremos fazer o possível para
peram alguns momentos, até que Ann tornar Uma manhã no Museu uma
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Oficinas

experiência agradável para todos Oficina 2


vocês”. Obtendo informações para plane-
Agora discuta em grupo o jar uma ação
cenário descrito a partir das seguintes
questões: Objetivos
• Quais fatores ambientais esta- • Refletir sobre o planejamento
vam em jogo durante a visita? de ações educativas
• Qual foi o impacto, na visita, do • Elaborar instrumento de coleta
comportamento dos profissionais en- de dados a partir de objetivos previa-
volvidos? mente determinados
• Qual foi a percepção dos visitan-
tes do museu durante e após a visita? Método
• Qual teria sido a melhor manei- A partir de um cenário propos-
ra de direcionar a visita? to, os participantes deverão realizar o
exercício de construção de um ques-
tionário de avaliação.

Cenário
Avaliação da satisfação de alunos
em uma instituição de ensino

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Uma faculdade pretende auxiliar Para obter as informações deseja-
os alunos de pós-graduação a se adap- das pelos avaliadores, seria necessário
tarem, de forma rápida e agradável, aos propor outros objetivos para além
cursos de mestrado em que se matri- daqueles citados anteriormente? Em
cularam. Imagina-se que, caso obtives- caso positivo, quais seriam?
sem mais informações sobre como os Quais perguntas devem ser feitas
alunos se sentem e sobre a experiência aos alunos? Sugira um questionário
adquirida durante as primeiras duas com aproximadamente 10 questões
semanas após o início do curso, eles para alcançar os objetivos propostos.
conseguiriam:
1. Desenvolver uma postura
solidária e motivadora.
2.   Fornecer aconselhamento ou
assistência.
3. Alterar processos quando
necessário.

Foi decidido que os alunos deve-


riam responder a um questionário ao
final da primeira quinzena de aula. As-
sim sendo, discuta em grupo:

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Oficinas

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