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FACULDADE DE VENDA NOVA DO IMIGRANTE

DANIELE NOGUEIRA

EDUCAÇÃO MUSEAL E AS POSSIBILIDADES DE MEDIAÇÃO DO


RETRATO DE D. ROMUALDO DE SEIXAS NO MUSEU DE ARTE SACRA DO PARÁ

BELÉM
2023
FACULDADE DE VENDA NOVA DO IMIGRANTE

DANIELE NOGUEIRA

EDUCAÇÃO MUSEAL E AS POSSIBILIDADES DE MEDIAÇÃO DO


RETRATO DE D. ROMUALDO DE SEIXAS NO MUSEU DE ARTE SACRA DO PARÁ

Trabalho de conclusão de curso


apresentado como requisito
parcial à obtenção do título
especialista em NOME DO
CURSO

BELÉM
2023
EDUCAÇÃO MUSEAL E AS POSSIBILIDADES DE MEDIAÇÃO DO RETRATO DE D.
ROMUALDO DE SEIXAS NO MUSEU DE ARTE SACRA DO PARÁ

Daniele Suelem Rodrigues Nogueira1

Declaro que sou autora¹ deste Trabalho de Conclusão de Curso. Declaro também que o mesmo
foi por mim elaborado e integralmente redigido, não tendo sido copiado ou extraído, seja parcial ou
integralmente, de forma ilícita de nenhuma fonte além daquelas públicas consultadas e corretamente
referenciadas ao longo do trabalho ou daqueles cujos dados resultaram de investigações empíricas por
mim realizadas para fins de produção deste trabalho.
Assim, declaro, demonstrando minha plena consciência dos seus efeitos civis, penais e
administrativos, e assumindo total responsabilidade caso se configure o crime de plágio ou violação aos
direitos autorais. (Consulte a 3ª Cláusula, § 4º, do Contrato de Prestação de Serviços).

RESUMO- Quando o personagem do retrato em um museu é renomeado, precisa-se saber quem é


aquele que agora será apresentado ao público visitante. Neste trabalho produzido após a descoberta da
necessidade de renomeação do retrato de D. Romualdo de Seixas produzido por Franco Velasco que
está em exposição no Museu de Arte Sacra do Pará, pretende-se apresentar os resultados da pesquisa
bibliográfica histórica contemporânea à feitura da tela do século XIX e atual, fazendo um trajeto pela
representação utilizando o método iconográfico e iconológico de Panofsky (2004), passando pela história
do autor da obra e também da atribuição de significados para a obra, por meio de estudos de
pesquisadores da história da arte: Peter Burke (2017), Luiza C. Matthew (1998) e Maria Hermínia Olivera
Hernández e Eugênio de Ávila Lins (2022); interligando teoria e prática, passado e presente por meio da
mediação utilizando o método do objeto gerador, criado por Ramos (2005).

PALAVRAS-CHAVE: Educação museal, História da arte, Retratística. Iconologia e iconografia.

1 artistadanielenogueira@gmail.com
1 INTRODUÇÃO

Durante o curso de graduação em Artes Visuais tive a oportunidade de estagiar


no Museu de Arte Sacra do Pará (MAS/Pa) onde, a princípio, iniciei por curiosidade
uma pesquisa sobre uma das pinturas expostas - um retrato feito pelo mestre baiano
Franco Velasco. Nesse momento de descoberta que encontrei um detalhe que não
podia ser explicado, a pintura tinha uma inscrição que contrastava e não encaixava com
o restante, gerando uma série de questionamentos. Por meio de revistas e registros
antigos de jornais e diários além de consulta a muitos estudos recentes pude levar esse
estudo ao trabalho de conclusão de curso, utilizando o método de Panofsky para
interpretar e fazer uma análise iconológica e iconográfica.
No final do ano de 2022 pude finalizar o capítulo da minha vida em que chegava
a uma conclusão sobre a obra que comecei a estudar durante a faculdade: a pintura
que o Museu de Arte Sacra do Pará nomeia como Retrato de Frei Caetano Brandão
contém muitos indícios de que se trata na verdade de um retrato de Dom Romualdo de
Seixas. Esse estudo, agora totalmente escrito2, e atualmente apresentado em dois
eventos de pesquisa em história da arte, mostra os questionamentos e evidências que
levam a entender o estranhamento pela nomeação atual do retrato da do MAS/Pa.
E embora prefira tratar de uma abordagem na pesquisa histórica e de história
da arte, e não entrar no patamar de questões administrativas, quanto ao trabalho de
documentação do museu, o espaço terá um novo personagem a ser compreendido e
interpretado pelos educadores do MAS/Pa, com ele é necessário entender o contexto e
sua própria figura para poder compartilhar com os visitantes. Dom Romualdo de Seixas
teve uma estreita ligação com a política brasileira e foi um símbolo para a religião
católica de sua época. Ao ser retratado por um dos grandes pintores do império

2 Artigo “CAETANO OU ROMUALDO? UMA ANÁLISE ICONOGRÁFICA E ICONOLÓGICA DO


RETRATO DO MUSEU DE ARTE SACRA DO PARÁ” apresentado no VII EPHA da UNIFESP e no X
Fórum Bienal de Pesquisa em Arte da UFPA: https://drive.google.com/file/d/11Xv3YfKk_-
OXeK4lB9FC8Hqd4krCMay9/view
brasileiro, ganha nova significação na pintura que faz relação com o renascimento
francês e os hipertextos na tela.
Por isso, este trabalho tem como objetivo, abordar a pintura conforme sua nova
nomenclatura de personagem apresentando os temas transversais em história e arte
que podem ser utilizados durante uma mediação no MAS/Pa. Para isso, por meio deste
trabalho, pretende-se apresentar a análise da pintura utilizando o método iconográfico
de Panofsky (2004), realizar pesquisa bibliográfica sobre o contexto histórico em que foi
produzido a obra e demonstrar algumas possibilidades de temas a serem abordados
durante a mediação da obra pelo educativo do museu por meio da teoria do objeto
gerador (RAMOS, 2004). Fazendo com que o aluno possa, ter sua própria interpretação
da obra, possibilitando contextualizá-la com o tempo presente.
No primeiro capítulo deste trabalho entenderemos o que é a educação museal,
necessária para compreender que o trabalho feito aqui não é para que os visitantes
possam visitar o museu para contemplação, mas para compreensão de um contexto
histórico do passado, como um serviço educativo de fato, complementando o conteúdo
escolar, relacionando com suas implicações no presente.
Para isso, é necessário entender a obra, e conhecer o personagem, contexto da
produção da obra e assim chegar a uma conclusão sobre ela. Panofsky com seu
método iconográfico (2004) será a base para essa análise no segundo capítulo, e por
meio de fontes documentais como jornais, revistas e bibliografia sobre o assunto e o
período da feitura da obra, serão utilizados para chegar a uma definição sobre a obra.
Já no terceiro capítulo será apresentada os tópicos possíveis de
contextualização para equipe educativa, a partir da teoria do objeto gerador, aliando
conhecimentos gerais de história e arte que envolvem a obra.

2 EDUCAÇÃO EM MUSEUS: O QUE É, HISTÓRIA E IMPORTÂNCIA

O Museu pode ser histórico, contemporâneo ou zoológico, ainda que existam


muitas opções a serem escolhidas pelos educadores escolares, esse tipo de ensinar
acontece por meio da educação definida como não-formal, sendo caracterizada por ser
“mais difusa, menos hierárquica e menos burocrática.“ (GADOTTI, 2005, p.2). E se
tratando de uma aula dentro do espaço museal, podemos definir não apenas como não-
formal, mas mais especificamente como educação museal: aquela em que é feito um
“trabalho com a memória e com o patrimônio cultural musealizado”(IBRAM, 2018, p.
73).
Historicamente a educação em museus nasceu primeiramente com os gabinetes
de memória, e a partir do século XVIII tinham espaço próprio e pessoas encarregadas
de receber visitantes e explicar, em caso de dúvidas do que se tratavam os objetos e
contar suas histórias para fascínio do público. Mas com a necessidade de explicar e
contextualizar o acervo que inicialmente tinha surgido apenas para simples
visualização, educadores passaram a compor as equipes desses espaços.
O Instituto Brasileiro de Museus conta em seu Caderno de Política Nacional de
Educação em Museus (IBRAM, 2018), que no Brasil, em 1927, as ações educativas
começaram a ser implementadas com o surgimento do Serviço de Assistência ao
Ensino do Museu Nacional. As atividades consistiam no “desenvolvimento de práticas
educativas que colaborassem com o aprendizado e com o currículo escolar” (p.14).
Com o tempo o campo se consolidou, em um país que passava por muitas
transformações no século XX mas que na educação museal, pioneiramente aconteciam
provocadas pela função social que um museu poderia alcançar e motivada pela busca
de políticas públicas, reforçando a atuação de profissionais de educação e de pesquisa
na área.
Na década de 1970 o estopim para uma reviravolta e explosão de
desenvolvimento na educação museal foi a Mesa-redonda de Santiago, no Chile. O
evento foi marcante pois nele foi delineado uma nova prática social nas atividades
museológicas, com métodos e ideias do educador Paulo Freire:
que repercutiu em toda a América Latina e proporcionou à comunidade uma
visão de conjunto de seu meio material e cultural [...] a Mesa-Redonda deixou
um legado inovador, o de “considerar o museu na sociedade como um
instrumento de transformação” (IBRAM, 2018, p.17)
E de fato, Paulo Freire influenciou grandemente a educação museal, pois uma
das teorias mais aplicadas na didática para ensino em museus é a do objeto gerador,
idealizada pelo historiador Francisco Régis Lopes Ramos com base na técnica da
palavra geradora de Paulo Freire.
Segundo este historiador (RAMOS, 2004), atualmente o papel do educativo nos
museus “não é mais a celebração de personagens ou a classificação enciclopédica e
sim a reflexão crítica" (p.20), por esse motivo que segundo a sua teoria do objeto
gerador, o educador tem como papel, estabelecer relações entre objetos diferentes,
contextualizando os tempos, pois em geral, “o objeto é tratado como indício de traços
culturais que serão interpretados no contexto da exposição do museu” (RAMOS, 2004,
p.20) mas para que o aluno possa ter diálogo com os objetos apresentados, o educador
deve construir circunstâncias entre o passado e a experiência vivida pelo aluno.
Para um aluno de ensino formal que adentra as portas do espaço museal para
uma visita educativa, aquele momento pode parecer uma fuga das quatro paredes da
sala de aula e a chance de criar memórias divertidas em um passeio com os colegas de
escola, no entanto, desde o momento em que é planejada a saída pelo professor até o
final da visita, sempre é pensado nos objetivos a serem cumpridos.
Para isso, o professor escolar necessita conhecer antes da visita o acervo do
espaço museológico, para previamente compreender o contexto em que os objetos
estão inseridos. E após a visita, em campo ou de volta ao ambiente escolar, ele é
incentivado a criar atividades didáticas que integrem os objetos com os alunos, a fim de
estabelecer e fortalecer as conexões apontadas pelo educador museal.

3 A PINTURA:

A pintura de D. Romualdo de Seixas, em exposição no Museu de Arte Sacra do


Pará é o único retrato em exposição, é a representação de um bispo católico, fato
perceptível pelas vestes que ele orna3 (Figura 1). À primeira vista, a pintura pode

3 Solidéu: Nome dado a tela ovalada que simboliza submissão a Deus. Nesta pintura o solidéu é
completamente preto, o que indica a posição um religioso privilegiado (DIRETO DA SACRISTIA, 2013);
Anel episcopal: Insígnia episcopal que representa a fidelidade do portador à Igreja Católica, assim como
sua eminente autoridade. Este anel deve ser beijado sempre que se cumprimenta o portador, em sinal de
respeito e obediência, pois é um símbolo da aliança espiritual que une o Bispo a sua igreja, levando-o no
dedo anelar da mão direita a fim de abençoar suas ovelhas (ARAUTOS, 2013); Cruz patriarcal: É um tipo
de cruz eclesiástica frequentemente utilizada pelos superiores, à altura do peito, como símbolo de que o
portador guarda a cruz no coração, assim como seu amor à fé cristã (ARAUTOS, 2013). Seu formato
parecer comum, no entanto, analisaremos a obra, com o método iconográfico de
Panofsky, que “é um ramo da história da arte que trata do tema ou mensagem das
obras de arte, em contraposição à sua forma. Enquanto a iconologia é o estudo da
formação, transmissão e conteúdo das imagens e representações figurativas.”
(HERNANDEZ e LINS, 2016, p. 12),
Figura 1 – Pintura de Franco Velasco em exposição no MAS/Pa

Fonte: Arquivo Pessoal Daniele Nogueira (2017)

3.1 A ICONOGRAFIA DA OBRA

Este método é feito a partir de três etapas: da descrição pré iconográfica - uma
descrição da obra, no sentido estrito, detalhar os elementos na pintura; da análise do
contexto em que a obra foi produzida, para chegar finalmente a análise da obra em si.
Neste sentido, podemos iniciar descrevendo a tela como a representação
possivelmente uma sacada com cortinas em cor marrom, amarradas com cordas
grossas a colunas, que de forma sutil revelam ao fundo, um céu azulado e com nuvens,
em um local parece estar próximo ao que parece ser o topo de uma igreja com sino.

diferenciado lembra, através do braço superior, a inscrição a mando de pilatos na cruz de Jesus. Em
geral, é utilizada para distinção hierárquica, adotada por arcebispos e cardeais (ARQUIDIOCESE DE
BUENOS AIRES, 2019); Roquete: É a veste de cor branca, que tem seu cumprimento até os joelhos,
com mangas mais estreitas geralmente enfeitadas com rendas da mesma cor. Podendo ter os punhos
e/ou barra forrados. Seu significado relaciona o uso à autoridade do prelado (DOTRO & HELDER, 2002.
p. 143)
Neste espaço, um homem usando vestes de um bispo, está elegantemente sentado em
uma cadeira ricamente ornada e estofada.

Figura 2– Pintura de Franco Velasco em exposição no MAS/Pa - Lombada de livro.

Fonte: Arquivo Pessoal Daniele Nogueira (2017)


Ainda é possível notar o homem de pele clara, com sobrancelhas espessas e um
nariz marcado, vestido com trajes que denotam a função de bispo católico, que segura
papéis, como se estivesse escrevendo. Sua mão é sustentada por uma pequena mesa
com caneta tinteiro e pote para tinta, enquanto segura com a outra mão um livro que
tem uma lombada em que é possível ver o nome “Bossuet” (Figura 2). A um olhar mais
próximo da tela, é possível ler a assinatura “ A.J.F. Velasco” no canto inferior esquerdo
e a inscrição “pinxit” (Figura 3) ao lado de “Bahia 1829” na mesma caligrafia. Sobre a
palavra “pinxit” falaremos mais à frente, na análise iconológica da obra e sua relevância
para esta produção.

Figura 3– Pintura de Franco Velasco em exposição no MAS/Pa - inscrição “pinxit”.

Fonte: Arquivo Pessoal Daniele Nogueira (2017)


Seguindo para o próximo passo da investigação, precisamos entender que ao
ser assinada por Velasco, a tela indica ter sido produzida por Antônio Joaquim Franco
Velasco, e para compreender melhor, devemos partir do contexto mais amplo, sendo
assim, a obra foi produzida durante o período imperial brasileiro, pouco depois da
proclamação de independência do Brasil. A partir disso, precisamos entender, como
conta Quirino Campofiorito (1983), que neste período, a arte brasileira estava tomando
forma. Por isso, era comum à época que os artistas - autodidatas - produzissem a partir
de suas próprias vivências através da observação e da reprodução de obras europeias
(p.19). Afinal, nesta época, que descompassado da Europa, o Brasil ainda tinha forte
influência do barroco, por isso os principais temas eram religiosos, já que era comum
que os artistas fizessem seus trabalhos encomendados por ordens religiosas.
A Bahia era um dos locais expoentes de grandes mestres, aqueles que eram
considerados os melhores para a época. É por isso que na Revista do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional de 1969, Clarival do Prado Valadares diz que "nesses três
nomes - José Joaquim da Rocha, José Teófilo de Jesus e Antônio Joaquim Franco
Velasco - encontra-se a trilogia de estilos individuais da chamada escola baiana de
pintura” (p.179).
É por isso, que neste trabalho de pesquisa é importante entender que o objeto de
estudo é relevante não apenas por sua beleza, mas por ter sido uma das produções de
um grande nome da pintura brasileira: Franco Velasco foi um órfão de pai, que foi
incentivado por sua mãe desde a infância ao estudo das artes, já que ele mostrava
aptidão para as artes desde tenra idade. Segundo informa José Rodrigues Nunes - um
dos discípulos de Velasco - em um artigo biográfico publicado no Jornal O Musaico de
1845 (p.23) ainda jovem, Velasco ficou aos cuidados do pintor José Joaquim da Rocha,
que com o passar do tempo não apenas dominou o estilo do mestre como criou seu
próprio estilo. Além disso, se aperfeiçoou e se destacou socialmente e intelectualmente,
procurando sempre aprimorar seus conhecimentos.
Foi reconhecido por suas pinturas para igrejas e retratos, a exemplo do retrato do
8º Conde dos Arcos, produzido em 1819. Pouco tempo depois, em 1821, recebeu o
título de professor substituto na recém-criada Escola de Belas Artes da Bahia, em 1825
tornou-se efetivo. No ano seguinte, com a visita do Imperador D. Pedro I a Salvador4,
ele foi registrado por Velasco em duas sessões (O MUSAICO, 1845, p. 23), resultando
em um belo retrato, hoje no Museu de Arte da Bahia (Figura 4).
Esta pintura singular de Franco Velasco registrada em 1826, tem grande
semelhança com a pintura objeto de estudo deste trabalho, seja por seus tons
avermelhados, cenário, estilo e até mesmo a pose espelhada que relacionam as duas
pinturas. É como se o retratado de 1829 tivesse ido pessoalmente ao ateliê, tal qual o
imperador, para ser retratado.
Figura 4 – Retrato de D. Pedro I por Franco Velasco, 1826.

Fonte: Acervo do Museu de Arte da Bahia - Wikipédia


Ainda nesta linha do tempo, o discípulo José Rodrigues Nunes segue contando
na biografia de seu mestre que:
Apesar dos trabalhos d’aula continuou a occupar-se da pintura e retratos tanto
para esta provincia e muitas outras, como também para a Europa, e
principalmente para Portugal. O Retrato de do Exm. Sr. D. Romualdo, mandado
para o Pará é um dos que lhe fasem honra. (O MUSAICO, 1845, p. 25)
Esse exato trecho foi importante nesta pesquisa para indicar a existência de uma
tela produzida por Velasco no Pará e estopim para minha pesquisa anterior questionar
a nomenclatura da pintura do Museu de Arte Sacra do Pará que apontava este retrato

4 “De tal retraímento foi êste Rafael baiano, que, em 1826, ocupa-do nos trabalhos de decoração
da citada capela de S. Joaquim dos Orfãos, quando esta prov. visitara o fundador do Império, Snr. D.
Pedro 1º, e que desejou tão pessoalmente conhecê-lo, apreciando-lhe as pinturas, substraiu-se a ser-lhe
apresentado o insigne artista” (OTT, 1947, p. 206)
como D. Frei Caetano Brandão5. No entanto, como confirmado através da dissertação
de mestrado do pesquisador e artista plástico Robson Luiz Barbosa, a localização da
obra que Franco Velasco fez para D. Romualdo de Seixas foi indicado pelo historiador
paraense Querino Campofiorito como estando no Pará6, e pela historiadora baiana
Marieta Alves, localizando a obra no Museu de Arte Sacra do Pará7.
E já que o personagem desta obra é determinado como D. Romualdo de Seixas,
devemos conhecer este homem que foi um grande nome para a religião e para a
política paraense: Nascido em Cametá, no Pará, desde cedo foi orientado para a vida
religiosa por seu tio, D. Romualdo Coelho. Estudou no Seminário do Pará, em Belém, e
aos 18 anos viajou para Portugal para finalizar sua educação formal. Voltando em 1805
para o Pará, coincidentemente quando acontecia a inauguração das aulas do Colégio,
fazendo assim, sua primeira aparição pública, grandemente elogiada pelos presentes,
inclusive pelo então governador do Pará, o 8º Conde dos Arcos.
Mas eles não foram os únicos conquistados por sua postura e eloquência, em
1809 após a chegada da família real, Romualdo de Seixas foi escolhido juntamente
com outro rapaz para representar os religiosos paraenses, e ao fazer a visita no Rio de
Janeiro, foi agraciado por D. João com o Hábito de Cristo e honras de cônego da Sé de
Belém. Somente após seu retorno, ele celebrou sua primeira missa em Cametá, mas
pouco tempo depois foi designado para substituir seu tio na capital, após seu
falecimento.

5 “Frei Caetano Brandão foi um franciscano português que atuou como bispo do Pará durante os
anos de 1783 a 1789. Conhecido como um dos mais eficientes bispos da época colonial (LIMA, 1919,
p.86), foi considerado excêntrico por seus contemporâneos “ao ponto de usar fivelas de cobre e meias
grossas tintas de vermelho; só no interesse de ter como suavizar a miséria dos pobres” (O SANTO
OFFICIO, 1873, p.IV). Como fruto de seu trabalho social e educativo no Pará, foi nomeado bispo de
Braga, voltando para Portugal e deixando a memória de seus feitos” (NOGUEIRA, 2022, p.8)
6 “Querino ainda afirma que Franco Velasco produzira pinturas para fora de Salvador, [...] E ainda
pintou o retrato de D. Romualdo, arcebispo da Bahia, com destino ao Pará. (QUERINO, 1909, p. 64, 66 e
67, apud SANTANA, 2005, p. 67)
7 “Sabe-se também que, no Pará encontra-se um retrato de D. Romualdo Antonio de Seixas,
trabalho excelente de Velasco (ALVES, FIFB, 1942, cad.5, p.5 apud SANTANA, 2005, p. 71) pertencente
ao Museu de Arte Sacra do Pará.
Neste período acontecia grande movimentação em Belém devido a aclamação
de Independência do Brasil e a negação do Pará em aceitá-la, D. Romualdo exerceu
grande influência sobre os paraenses por sua posição de Vigário Capitular. Atuando
ativamente nas eleições da Junta Provisória do Pará, marcando assim, o início de sua
vida política, sendo eleito em 1826 o representante paraense na Câmara dos
Deputados e nomeado no mesmo ano como Arcebispo da Bahia. Passando assim a
viver em Salvador, na Bahia, sendo caracterizado como um representante político
fortemente influenciado por sua religiosidade, e que podia ser facilmente situado no
grupo da câmara que se definia a favor do Imperador D. Pedro I. Trabalhou neste cargo
por 4 mandatos e durante 33 anos como arcebispo da Bahia, até seu falecimento em
1860.

3.2 A ICONOLOGIA DA OBRA

Sabendo quem era e o que fez o retratado D. Romualdo e o pintor, Franco


Velasco, além do contexto histórico em que estavam inseridos, é possível partir para a
última etapa de análise da obra: o sentido iconológico da pintura. Segundo Panofsky, a
análise iconológica da obra, que se faz após a análise iconográfica “é um método de
interpretação que advém da síntese mais que da análise” (2004, p. 54), que assim
como Hernandez e Lins (2011, p.17), afirmam que nesta etapa deve-se interpretar a
mensagem do autor, a fim de justificar sua existência num determinado local, inserindo-
a num determinado tempo e espaço de produção para enfim tornar possível entendê-la.
Desta forma, levando em consideração a vestimenta, acessórios, composição de
cenário e o contexto histórico em que foi realizada, é possível entender que a obra foi
produzida por Franco Velasco por meio de sua assinatura, pelo ano de produção e
especialmente pelo uso da palavra “pinxit” junto à assinatura.
No artigo de Louisa Matthew sobre a presença de assinaturas dos pintores em
obras renascentistas, ela conta que por volta do ano de 1500, seguindo o exemplo de
Bellini e Carpaccio, os pintores italianos começaram a usar em suas pinturas as
assinaturas, para demarcar mais veementemente a sua produção. Confirmando assim
sua criação pelo uso do termo “pinxit” ao lado do nome, termo este que advém do latim,
e significa “ele/ela pintou8. Sendo assim, torna-se claro que Franco Velasco adotou o
termo de forma intencional em sua pintura. Mas também há outros elementos que
fazem relação com o estilo do renascimento europeu: a tonalidade da obra, que utiliza
tons ocres e vermelhos.
Há outro elemento bastante evidente que torna visível uma ligação com o
período renascentista: o sobrenome de Bossuet na lombada do livro que D. Romualdo
segura. Este foi um “teórico do absolutismo e idealizador da teoria do direito divino dos
reis em seu livro. Em linhas gerais, atribui-se a esta teoria a defesa de que o poder real
advém diretamente do poder de Deus.” (PINTO, 2016, p.2). Então, se o artista inseriu
este elemento na pintura, muito possível isso teria relação de alguma forma com
Romualdo, pois na retratística é comum a utilização de instrumentos e objetos com
significados que se relacionem ao retratado (DIAS, 2011, p.17). E realmente, ao estudar
a vida do bispo paraense, é possível encontrar diversos momentos em que ele citou ou
foi defensor das ideias de Bossuet.
O historiador Israel Silva, aponta que desde a juventude D. Romualdo defendia a
soberania real, e revela uma obra póstuma em que ele se posiciona a favor da teoria do
direito divino dos reis9 (NOGUEIRA, 2022 apud SANTOS, 2014, p. 99). Sendo assim,
havia total sentido referenciar este filósofo na pintura de D. Romualdo, é possível

8 Words, of course, were a crucial element in most signatures, and as the examples of Carpaccio
and Bellini have demonstrated, the wording began to change noticeably around 1500. As painters
asserted their presence in their paintings more aggressively, it was surely not coincidental that the area of
greatest change in their signatures involved the verbs - the words that described the act of creating. As we
have seen, the Iatin verb pingere (to paint) had been the most popular since the late Middle Ages,
generally in the perfect tense (pinxit) if written out. Matthew, L. C. (1998). The Painter’s Presence:
Signatures in Venetian Renaissance Pictures. The Art Bulletin, 80(4), p. 636.
https://doi.org/10.2307/3051316
9 “Só o simples lume da razão havia ensinado aos povos mais rudes e incultos, que sendo os
soberanos e chefes das nações destinados pela Providência para fazerem a felicidade de seus súditos, a
sua conservação e a sua vida podia deixar de considerar se na frase do eloqüente Bossuet como um
bem público, digno de votos, do amor e do interesse de toda a nação. Daqui vem o espontâneo e antigo
grito “viva o rei ou o imperador”, comum a todos os povos governados por um monarca. Daqui a fórmula
do juramento usada até entre os primeiros cristãos que pela saúde do príncipe, como se fosse uma coisa
sagrada e digna de religiosa veneração.” (SEIXAS, 1709, apud SANTOS, 2014, p. 99)
mesmo encontrar semelhanças entre os dois, que estavam intimamente ligados à corte
monárquica de seus lugares de origem, além de exercerem forte influência política.
Bossuet, é claro, muito mais que Romualdo, mas ainda assim, interligados por uma fé e
ideologia.
Ainda é possível entender que na pintura, Velasco utilizou de seus
conhecimentos para fazer em sua obra, o auge do estilo de pintura renascentista de
grandes líderes, comunicou inteligentemente o retratado e seu modo de vida e ideais
nas entrelinhas de seu relato imagético.

3.3 USO NA MEDIAÇÃO

Coexistindo em uma mesma sociedade e cultura, Franco Velasco e D. Romualdo


de Seixas, foram interligados pela obra deste estudo. E agora, longe em tempo e
espaço da Bahia de 1829, como repassar aos visitantes do Museu de Sacra o contexto
de produção, cultural e ideológico que a obra carrega? O historiador Peter Burke, diz
em seu livro, que o pintor pode ser uma testemunha ocular de sua época por meio de
suas obras, no entanto, não devemos ignorar quem faz esse relato (2017, p.28).
Velasco contou a história do seu presente a partir de seu ponto de vista,
registrando pessoas, estilos e ideias em uma só pintura, claramente comunicando uma
mensagem. Ao retratar um bispo que tinha forte participação política, o comparou a um
conhecido filósofo e também político; o registrando com a vestimenta mais formal de
seu ofício, em uma postura que fazia referência ao seu papel como erudito e líder. E ao
fazer isso, Velasco também exibiu seu conhecimento em história, arte e cultura.
No entanto, ao trazer isso para o presente, devemos utilizar da teoria do objeto
gerador, para tornar relacionável entre estes dois pontos no tempo - o passado e a
atualidade para um público diverso em idade e classe social. Relembrando que neste
método de aprendizagem em museus, devemos traduzir o passado em presente, com
esta obra podemos fazer interligações entre vários pontos, além da própria autonomia
do educador, pode-se pensar em:
História (e evolução) da arte: traçar paralelos entre fotografia e pintura como
registro de um tempo; uso da imagem como marketing político do período tem
semelhanças com o atual ao utilizar elementos religiosos e políticos para apelar ao
observador; uso da arte para eternizar o momento de alguém importante socialmente -
apontando que o momento posado, é pensado em cada detalhe; Ainda pode ser
levado em consideração o retrato como registro de como pessoas de séculos passados
se comunicavam, já que na pintura o prelado está utilizando material para escrita de
cartas com caneta tinteiro com uma elegante pena; Além disso pode ser pensado na
moda, através da vestimenta do bispo, ou mesmo na forma de arrumação do atêlie pelo
cenário que o pintor registra.

4 CONCLUSÃO

Ao término deste trabalho podemos reafirmar a infinidade de temas que podem


ser tratados a partir da pintura que estudamos aqui, Franco Velasco foi um pintor que
inteligentemente se apropriou de técnica e estilo que a elite baiana provavelmente
conhecia, construindo a imagem de um Romualdo de Seixas para exprimir a ideia de
um Bispo e político relacionável a outro grande equivalente europeu.
Utilizando a imaginação e autonomia do educador aliando à base histórica e
artística pode ser compartilha uma infinidade de vezes sem nunca parecer igual. E a
cada vez que for repassada, o mediador e o aluno visitante poderão ressignificar a
obra. Rafael Pagatini10 diz que o passado é apresentado a partir da forma pela qual é
observado no presente, por isso, muito além de fatos históricos, a criação do significado
do autor e do retratado, mudarão conforme os acontecimentos do dia a dia, que serão
agregados a sua interpretação individual da obra.
Este trabalho, pretende ser um aliado ao setor educativo do Museu de Arte Sacra
do Pará mas também busca não ser um mero material mas uma ponte para a
construção de um ato educacional mais crítico e que permita ao visitante, compartilhar
e criar vínculos de saberes.

10 Pagatini, R. (2017). Retrato Oficial: manipulação e materialidade da imagem fotográfica.


Revista Farol, 13(18), p. 76.
5 REFERÊNCIAS

GADOTTI, Moacir. A questão da educação formal/não-formal. Droit à l’education:


solution à tous les problèmes sans solution? Institut International des droits de l’enfant,
Sion, 2005.

IBRAM. Caderno da Política Nacional de Educação Museal. Brasília, DF: Instituto


Brasileiro de Museus. 2018.

RAMOS, Francisco Régis Lopes. A danação do objeto: o museu no ensino de História.


Chapecó, SC: Argos, 2004.

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