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Unidade 2
O “PROBLEMA SINÓTICO” E O EVANGELHO DE MARCOS - UNIDADE 2 NOVO TESTAMENTO 1
REFERÊNCIAS 09
Introdução geral à unidade ses, as referências dos textos correlatos nos outros
evangelhos. Logo, o leitor atento questionará.
Esta unidade apresenta dois importantes assuntos. O pri-
meiro, sob o título “Problema sinótico”, tratará de
explicar a dependência literária entre os evangelhos de Conceito-chave:
Mateus, Marcos e Lucas. O segundo, sob o título “Evan-
gelho de Marcos”, tratará de responder às seguintes per- O Problema Sinótico é como
guntas: 1) Quem escreveu? 2) Quando escreveu? 3) De explicar a dependência literária entre os
onde escreveu? 4) A quem escreveu? 5) Em que ocasião e evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas?
com qual propósito escreveu? 6) Qual é a estrutura literá-
ria utilizada na escrita? 7) Quais são as principais ênfases
teológicas? Ao longo da História, especialmente na Modernida-
de, muitos estudiosos tentaram solucionar esse pro-
blema, responder a essa questão. Até que surgisse a
2.1 O PROBLEMA SINÓTICO solução definitiva, houve diversas propostas provi-
sórias1. Essa solução definitiva é denominada “hipó-
Desde cedo, aprende-se que um problema é uma questão. tese das duas fontes”. Quais são essas duas fontes,
Um exemplo disso são os chamados problemas matemá- e quais são as implicações disso? As duas fontes são o
ticos: “João foi à feira. Ele comprou duas maças e três evangelho de Marcos e a fonte Q. Isso implica que os evange-
laranjas. Quantas frutas João comprou?”. lhos de Mateus e de Lucas foram compostos tendo como base
essas duas fontes. Ou seja, Marcos e Q são anteriores
Para resolver esse problema ou essa questão, é necessário a Mateus e Lucas. A designação “fonte Q” é uma
seguir os seguintes passos: espécie de apelido para a palavra alemã Logienquelle,
que, literalmente, significa “fonte”. Na língua portu-
1) sentença matemática; guesa, convencionou-se falar em “fonte Q” (o que é,
2) operação; estritamente, uma redundância).
3) resposta.
Conceito-chave:
Aqui surge uma pergunta: o que tudo isso tem a ver
com o chamado “problema sinótico”? À semelhança A fonte Q é um resumo dos ensinos
do problema matemático, o “problema sinótico” é uma
do mestre Jesus.
questão, que surge da observação dos evangelhos de
Mateus, Marcos e Lucas2. Lendo esses evangelhos, 1
As soluções propostas podem ser consultadas nos livros de introdu-
facilmente se percebe muitas semelhanças entre eles. ção ao Novo Testamento.
Os textos parecidos trazem no início, entre parênte- 3
Para saber mais sobre a fonte Q, cf. KONINGS, 2005, p. 287-316
Como se sabe, os evangelhos são formados por narrativas e discursos. De modo geral, as narrativas dos
evangelhos de Mateus e Lucas são oriundas de Marcos, e os discursos, da fonte Q. Além disso, Mateus e
Lucas ainda têm material próprio, que não é repetido em nenhum outro evangelho. Aqui surge uma impor-
tante pergunta: como saber qual é o material da fonte Q? A partir da observação do quadro abaixo, a resposta é
lógica: tudo o que aparece em Mateus e Lucas, mas não está Marcos, é material da fonte Q.3
Para uma melhor compreensão da dependência literária entre os evangelhos sinóticos, confira o quadro
abaixo:
O que segue é um exemplo do problema sinótico, baseado na comparação das três narrativas do batismo
de Jesus.
e foi batizado no Jordão por João. e Jesus tendo sido batizado e estando
16 Tendo sido batizado, Jesus 10 E logo, subindo da água, viu a orar, {que} abriu-se o céu 22 des-
logo subiu da água, e eis, abriram-se sendo rasgado os céus e o Espíri- ceu o Espírito Santo em forma cor-
[lhe] os céus, e ele viu [o] Espírito to como pomba descendo até ele. pórea como pomba sobre ele,
de Deus descendo como pomba [e]
vindo sobre ele.
17 E eis, uma voz do céu di- 11 E uma voz veio do céu: Tu e uma voz veio do céu: Tu és o meu
zendo: Este é o meu Filho amado, és o meu Filho amado; em ti me Filho amado; em ti me agradei.
no qual me agradei. agradei.
Para compreender a tabela: o que está em “vermelho” é material de Marcos; o que está em “azul” é material
de Mateus; e o que está em “verde” é material de Lucas.
Os evangelhos sinóticos possuem uma mesma es- Desse testemunho de Papias, registrado por Eusé-
trutura, derivada do evangelho de Marcos, uma das bio, podemos tirar quatro conclusões: 1) o autor do
duas fontes iniciais, e que se divide em três partes evangelho é Marcos; 2) a fonte de Marcos é Pedro;
bem definidas: 1) o ministério de Jesus na Galileia; 3) o registro de Marcos não segue uma ordem cro-
2) a viagem de Jesus da Galileia à Judeia; 3) a últi- nológica dos fatos; 4) o registro de Marcos é exato,
ma semana de Jesus em Jerusalém. Abaixo, o quadro verdadeiro e, assim, confiável.
apresenta, com detalhes, a “estrutura sinótica”.
ênfase, o sofrimento de Cristo. Ao que parece, ele 2.2.6.2 Primeira parte do Ministério na Ga-
deseja levá-los à seguinte reflexão: se Cristo, o Se- lileia (1:16-3:6)
nhor, sofreu, por que os seus discípulos não sofre-
riam? 1. O chamado dos discípulos pescadores (1:16-20)
2. Um dia no ministério de Jesus (1:21-38)
O Evangelho de Marcos, em síntese: 3. A primeira excursão pela Galileia (1:39)
4. A cura de um leproso (1:40-45)
Autor João Marcos 5. A controvérsia sobre o poder de Jesus para per-
Data 55 a 60 d.C. doar pecados (2:1-12)
6. A controvérsia sobre a comunhão de Jesus com
Local de origem Roma os pecadores (2:13-17)
Destinatário Gentios convertidos à fé cristã 7. A controvérsia sobre o jejum (2:18-22)
8. A controvérsia sobre o sábado (2:23-3:5)
Ocasião Início da perseguição aos cristãos 9. A conspiração dos líderes judeus contra Jesus
em Roma (3:6)
Propósito Encorajar os cristãos a perma-
necerem firmes em meio à per- Segundo texto transicional: O poder e a popularidade de
seguição, especialmente levando Jesus (3:7-12)
em consideração o sofrimento de
Cristo.
2.2.6.3 Segunda parte do Ministério na Ga-
lileia (3:13-5:43)
Texto chave
1. A escolha dos doze apóstolos (3:13-19)
Marcos 8:27-30 (NVI): “Jesus e os seus discípulos 2. A oposição da família de Jesus (3:20-21)
dirigiram-se para os povoados nas proximidades de 3. A oposição dos mestres da lei (3:22-30)
Cesareia de Filipe. No caminho, ele lhes perguntou: 4. A nova família de Jesus (3:31-35)
‘Quem o povo diz que eu sou?’ Eles responderam: 5. As parábolas do Reino (4:1-34)
‘Alguns dizem que és João Batista; outros, Elias; e, 6. O milagre da natureza (4:35-41)
ainda outros, um dos profetas’. ‘E vocês?’, pergun- 7. O milagre do exorcismo (5:1-20)
tou ele. ‘Quem vocês dizem que eu sou?’ Pedro res- 8. O milagre de cura (5:25-34)
pondeu: ‘Tu és o Cristo’. Jesus os advertiu que não 9. O milagre da revivificação (5:21-24, 35-43)
falassem a ninguém a seu respeito.”.
Terceiro texto transicional: O ministério em Nazaré (6:1-6)
Quarto texto transicional: A confissão de Pedro (8:27-30) 4. A predição da negação de Pedro (12:27-31)
– TEXTO CHAVE 5. O Getsêmani (14:27-42)
6. A prisão de Jesus (14:43-52)
2.2.6.5 A Viagem da Galileia à Judeia (8:27- 7. O interrogatório no Sinédrio (14:53-65)
10-52) 8. A negação de Pedro (14:66-72)
9. O julgamento diante de Pilatos (15:1-15)
1. A primeira predição da cruz (8:31-33) 10. A paixão e a morte de Jesus (15:16-41)
2. O primeiro preço do discipulado (8:34-38) 11. O sepultamento de Jesus (15:42-47)
3. A transfiguração de Jesus (9:1-13) 12. O túmulo vazio e o anúncio da ressurreição
4. O exorcismo do menino (9:14-29) (16:1-8)
5. A segunda predição da cruz (9:30-32) 13. As aparições de Jesus (16:9-18)
6. O segundo preço do discipulado (9:33-37) 14. Ascensão de Jesus (16:19-20)
7. O respeito e o primeiro lugar ao outro (9:38-50)
8. O divórcio (10:1-12)
9. O exemplo das crianças (10:13-16) 2.2.7 Principais ênfases teológicas
10. O jovem rico (10:17-31)
11. A terceira predição da cruz (10:32-34) Segundo Walter A. Elwell e Robert W. Yarbrough,
12. O terceiro preço do discipulado (10:35-45) o evangelho de Marcos possui as seguintes ênfases
13. A cura do cego Bartimeu (10:46-52) teológicas:
Quinto texto transicional: A entrada triunfal de Jesus em Pegue a sua Bíblia e leia todos os versículos indi-
Jerusalém (11:1-11) cados nestes subtópicos. # Ficaadica
A realidade divina de que Jesus é o Filho de Deus é 6:12-13). (Cf. ELWELL; YARBROUGH, 2002, p.
expressa por muitos que tiveram contato com ele, 93-94).
por exemplo:
• João Batista (cf. 1:7); 2.2.7.4 Não digam nada! (“segredo messiâ-
• os anjos (cf. 1:13); nico”)
• Pedro, André, Tiago, João e Levi (cf. 1:16-20;
2:14); Elwell e Yarbrough afirmam: “Uma das característi-
• pessoas admiradas (cf. 1:27; 2:12; 7:37; e outros); cas distintivas do evangelho de Marcos é a ênfase es-
• os discípulos (cf. 4:41; 9:5-6; 10:32); pecial que ele dá ao fato de Jesus ordenar àqueles que
• os críticos (cf. 12:34). (Cf. ELWELL; YAR- tinham sido curados, ou a quem ele dissera alguma
BROUGH, 2002, p. 90-92). verdade fundamental, que não revelassem nada e fi-
cassem quietos” (ELWELL; YARBROUGH, 2002,
p. 94). Lendo atentamente o evangelho de Marcos, é
2.2.7.2 A morte e a ressurreição de Jesus possível perceber que Jesus ordena o silêncio em três
tipos de circunstâncias. Em cada caso, isso ocorre
Além da natureza divina de Jesus, Marcos também por uma razão diferente. 1) Em exorcismos, Jesus
destaca sua morte e ressurreição. A própria estrutura ordena que os demônios fiquem quietos porque não
do evangelho mostra isso, pois ele utiliza dez capítu- quer que os espíritos imundos testemunhem a ver-
los para contar toda a vida de Jesus e seis capítulos dade, mesmo que o conteúdo da sua fala seja verda-
só para falar da sua última semana. Marcos é um evan- deiro. Jesus não deseja ter associação com eles em
gelho de ação. Nele, Jesus sinaliza a presença do Reino hipótese alguma (cf. 1:32-34; 3:11-12). Todavia, ele
de Deus, em última instância, por intermédio de sua ordena ao ex-endemoninhado geraseno que volte
vida, morte e ressurreição. A primeira referência à para casa e anuncie aos seus o que lhe acontecera.
morte de Jesus é dada em 2:20: “o noivo lhes será 2) Embora não em todas as ocasiões, Jesus ordena a
tirado”. Em todo tempo, ele sabe o que o aguarda pessoas curadas de doenças que fiquem em silêncio.
em Jerusalém. Em Cesareia de Filipe, Jesus deixa Nesse caso, o mandamento é para aliviar a pressão
isso claro (cf. 8:31-32 – primeira predição da cruz). das multidões sobre a totalidade do seu ministério
Por duas vezes, ele repete isso (cf. 30-31; 10:32-34 (cf. 1:44; 5:43; 7:36). 3) Por fim, Jesus ordena aos
– segunda e terceira predição da cruz). O propósi- seus discípulos que silenciem em relação ao seu mes-
to da vinda de Jesus é evidente em 10:45: “servir e sianismo, pois eles ainda não o compreendem ple-
dar a sua vida em resgate por muitos”. Além disso, namente (cf. 8:29-30; 9:9-10, 31-32). (Cf. ELWELL;
a última ceia é uma evidência de que ele tem plena YARBROUGH, 2002, p. 94-95).
consciência de seu destino divino na terra (cf. 14:21).
Porém, Marcos também destaca a ressurreição de Je-
sus (cf. 16:6-7). Para ele, a morte de Jesus não é um REFERÊNCIAS
acidente; é parte do plano de Deus. (Cf. ELWELL;
YARBROUGH, 2002, p. 92-93). CARSON, D. A.; MOO Douglas J.; MORRIS, Leon.
Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Edi-
ções Vida Nova, 1999.
2.2.7.3 O ministério de Jesus como servo
ELWEL, Walter A.; YARBROUGH, Robert W.
O Filho do Homem escolhe ser servo (cf. 10:45). Descobrindo o Novo Testamento. São Paulo: Edi-
Marcos destaca dois aspectos do ministério de ser- tora Cultura Cristã, 2002.
viço de Jesus. Em primeiro lugar, ele o retrata como
um mestre. Jesus vem ensinar o que as pessoas pre- HALE, David Broadus. Introdução ao estudo do
cisam saber sobre Deus (cf. 1:14-15, 21-27, 38; 2:2; Novo Testamento. São Paulo: Editora Hagnos, 2001.
3:13-14; 4:1; 6:2, 6b, 34; 8:31; etc.). Em segundo lu-
gar, Jesus é apresentado como um operador de mila- HOUSE, H. Wayne. O Novo Testamento em qua-
gres, com poder sobre as doenças e sobre os demô- dros. São Paulo: Editora Vida, 1999.
nios. Ele se compadece quando vê o sofrimento dos
que estão ao seu redor (cf. 1:32-34; 3:10-11; 6:54-56; KONINGS, Johan. Sinopse dos Evangelhos de Ma-
teus, Marcos e Lucas e da “Fonte Q”. São Paulo: Edições Loyola, 2005.
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