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ANDREW JUMPER
São Paulo
2022
CENTRO PRESBITERIANO DE PÓS-GRADUAÇÃO
ANDREW JUMPER
São Paulo
2022
Elaborado pelo Sistema de Geração Automática de Ficha Catalográfica da Mackenzie com
os dados fornecidos pelo(a) autor(a)
M149r Machado, Ronaldo Lourenço.
O Reino Milenar e o cumprimento das profecias do Antigo
Testamento : [recurso eletrônico] / Ronaldo Lourenço Machado.
109 KB ;
Aprovação: 22/12/2022
O presente tema envolve grande discussão no meio evangélico. O problema gira em torno da
interpretação do Reino Milenar descrito em Ap. 20.1-6 e seus desdobramentos, especialmente
quanto ao cumprimento de profecias do Antigo Testamento. Entre as diversas respostas que são
oferecidas à questão, serão abordadas neste trabalho mais diretamente o pré-milenismo
dispensacionalista e o amilenismo. Após análise das duas posições, o autor propõe como correta
a visão amilenista, demonstrando a inexistência de evidências bíblicas para considerar o
Milênio como um período de literalmente mil anos, muito de menos de considerar o reino
milenar um período reservado ao cumprimento de profecias do Antigo Testamento relacionadas
exclusivamente à restauração de Israel. Entre as profecias do Antigo Testamento cumpridas
durante o Milênio estão as vinculadas à ressurreição de Cristo.
ABSTRACT
The presente theme involves great discussion in the evangelical environment. The problem
revolves around the interpretation of the Millennial Kingdom described in Rev. 20:1-6 and its
ramifications, especially regarding the fulfillment of Old Testament prophecies. Among the
various answers that are offered to the question, dispensational premillennialism and
amillennialism will be addressed in this work more directly. After analyzing both positions, the
author proposes the amillennial view as correct, demonstrating the lack of biblical evidence to
consider the Millennium as a period of literally a thousand years, much less considering the
millennial kingdom a period reserved for the fulfillment of Old Testament prophecies relating
exclusively to the restoration of Israel. Among the Old Testament prophecies fulfilled during
the Millennium are those relating to the resurrection of Christ.
INTRODUÇÃO....................................................................................................................... 09
3.3 – O AMILENISMO.................................................................................................. 43
3.4 – APLICAÇÕES....................................................................................................... 44
CONCLUSÃO......................................................................................................................... 46
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA......................................................................................... 48
9
INTRODUÇÃO
1
Erickson lista alguns defensores deste posicionamento no período inicial da Igreja, como Justino Mártir e Ireneu,
além de teólogos dos dias atuais, como George Beasley-Murray e George Ladd. O próprio Erickson é adepto desta
linha de pensamento. ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 1153-1154 e
1160.
2
Entre os amilenistas estão Agostinho, Anthony Hoekema, William Hendriksen, Louis Berkhof, William E. Cox,
Floyd Hamilton, Theodore Graebner, William Grier, Oswald Allis, Abraham Kuyper, Leon Morris, George L.
Murray, Geerhardus Vos. CLOUSE, Robert G. (org.). Milênio: significado e interpretações. Campinas: Luz para
o Caminho, 1990, p. 9 e 198-199.
3
Os comentários inseridos na The New Scofield Reference Bible, relativos a diversas profecias do Antigo
Testamento, apontam neste sentido e integram a escatologia dispensacionalista. Hoekema anota que a versão desta
Bíblia comentada, na edição de 1967, foi elaborada por nove teólogos dispensacionalistas, a saber: E. Schuyler
English, Frank E. Gaebelein, William Culbertson, Charles L. Feinberg, Allan A. McRae, Clarence E. Mason, Alva
J. McClain, Wilbur M. Smith e John F. Walvoord. Outros autores citados por Hoekema são Charles C. Ryrie e J.
Dwight Pentecost. HOEKEMA, Anthony A. A Bíblia e o Futuro. 3ª ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, p. 207.
10
4
Hendriksen, um dos adeptos do paralelismo progressivo, anota que compartilha desta visão com R.C.H. Lenski,
S.L. Morris, M.F. Sadler e B.B. Warfield. HENDRIKSEN, William A. Mais que Vencedores: uma interpretação
do livro do Apocalipse. 1ª ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 31. Hoekema também defende este
posicionamento. HOEKEMA, 2012, p. 238. E Bavinck: BAVINCK, Herman. Dogmática Reformada. Vol. 4. 1ª
ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, p. 690.
11
governo vigente de Cristo, mas sem esperar que o mundo melhore pelas forças humanas, e à
esperança da redenção absoluta e vida eterna na presença do Salvador.
A relevância do estudo está na mais adequada interpretação do Livro do Apocalipse,
na que aqui se considera a mais adequada, que lê o Livro em suas seções paralelas e melhor
responde à pergunta relativa à sua mensagem. Talvez também sirva ao propósito de situar a
Igreja quanto ao seu propósito e sua missão, ajudando os crentes a confiarem plenamente no
poder do Redentor, além de trazer a segurança e paz ao coração do que crê, pois pode com
convicção afirmar que Jesus Cristo reina na atualidade, apesar da lamentável situação em que
se encontra a humanidade caída.
12
CAPÍTULO 1
APOCALIPSE 20 A 22: ERA PRESENTE E ERA VINDOURA
1
Antes de Hendriksen, outros teólogos interpretaram o Apocalipse não de maneira linear, mas de forma cíclica,
como é o caso de Vitorino de Petóvio (morto entre 304 e 305), e do Venerável Beda, no século oitavo, este que
dividiu o livro do Apocalipse em sete seções. FROOM, Le Roy Edwin. The Prophetic Faith of our fathers. Vol.
1. Washington: Review and Herald Publishing Association, 1950, p. 338 e 611-612.
2
HENDRIKSEN, William A. Mais que Vencedores: uma interpretação do livro do Apocalipse. 1ª ed. São Paulo:
Cultura Cristã, 2001, p. 27-31.
3
HOEKEMA, Anthony A. A Bíblia e o Futuro. 3ª ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, p. 241.
13
4
BEALE lista diversas razões que recomendam não interpretar o capítulo 20 como sequência cronológica do
capítulo 19. BEALE, G.K. The Book of Revelation: a commentary on the greek text. Grand Rapids: W.B Edermans,
1999, p. 975-982.
5
KISTEMAKER, Simon J. Apocalipse. São Paulo: Cultura Cristã, 2014, p. 693.
6
Ibid, p. 694.
7
Neste sentido o entendimento de BEALE, apontando para o paralelismo progressivo. BEALE, 1999, p. 984.
14
8
HOEKEMA defende que há menção ao aprisionamento de Satanás em Mt 12.29 e sustenta que Jesus amarrou o
diabo quando triunfou contra ele no deserto. O fato de Jesus expulsar demônios e “amarrar o valente”, conforme
consta de Mt. 12.29, evidencia este triunfo. HOEKEMA, 2012, p. 244.
15
9
Ver: HOEKEMA, 2012, p. 244-245.
10
William Cox é um dos adeptos da interpretação não literal de Ap. 20. COX, William E. Biblical Studies in final
things. Phillisburg, New Jersey: Presbyterian and Reformed Publishing CO, 1966, p. 182.
11
KISTEMAKER, 2014, p. 698.
16
escolhidos, tais dias serão abreviados” (BÍBLIA SAGRADA, Almeida Revista e Atualizada,
Mt. 24.22).
Até aqui o que se percebe, a partir do estudo dos versículos 1 a 3 de Apocalipse 20,
é que um anjo desceu do céu para aprisionar Satanás e que os eventos mencionados neste texto
têm relação com a primeira vinda de Jesus Cristo. Além disto, a prisão de Satanás deve ser vista
como a restrição de sua atuação, com limitação quanto ao ato de enganar as nações, e a
expressão “mil anos” foi tomada em seu sentido simbólico, abrangendo longo período de
tempo, entre a primeira e a segunda vindas de Cristo. Por fim, a soltura de Satanás ao final do
milênio será por curto período de tempo.
12
A conexão entre “trono” e “julgamento” é encontrada em outros lugares. No Antigo Testamento, está em Dn.
7.9, e no Novo Testamento aparece em Mt. 19.28 e 1Co 6.2. BEALE anota que o mesmo padrão de Dn. 7 é visto
em Ap. 20, e apontam para a participação dos santos no reinado e no julgamento. BEALE, 1999, p. 985.
13
Ver: MORRIS, Leon. The book of Revelation: an introduction and commentary. Grand Rapids, Michigan:
William B. Eedermans Publishing Company, 1989, p. 231. Na mesma linha: KISTEMAKER, 2014, p. 701.
14
KISTEMAKER, 2014, p. 700/701.
18
15
HUGHES, Philip Edgcumbe. The Book of the Revelation: a commentary. Grand Rapids, Michigan: William B.
Eedermans Publishing Company, 1990, p. 217.
16
Loc. cit.
19
17
BEALE, 1999, p. 1.026.
18
KISTEMAKER, 2014, p. 710. MORRIS anota que o Senhor Jesus Cristo, o Deus-Filho, também participa deste
julgamento. MORRIS, 1989, p. 233-234.
20
pela qual passará a criação de Deus quando do julgamento final19 e MORRIS20 afirma que a
constatação de que não se achou lugar para eles significa que foram totalmente destruídos.
O texto segue nos versículos 12 e 13 mencionando o julgamento dos que estavam
mortos. De fato, conforme sinalizado quando da análise dos versículos 4 a 6, os ímpios
experimentarão duas mortes e uma ressurreição. Ao que tudo indica, a ressurreição física dos
descrentes é o tema destes versos e será seguida do julgamento, da condenação, e da segunda
morte.
BEALE (1999, p. 1.037) acrescenta importante informação sobre a situação dos que
tem o seu nome escrito no Livro da Vida e conecta o texto de Ap. 20.15 com o de Dn. 12.1:
“Todos os que estão listados no livro da vida são poupados do julgamento, como 3.5 e 21.27
explicitam. Esta implicação é garantida pela forma positiva da declaração em Dn. 1.2: ‘todo
povo será salvo, todo aquele que for achado escrito no livro.”.
Ainda sobre os versículos 12 e 13, eles aludem ao ajuntamento dos mortos, os
pequenos e os grandes, entregues pelo mar, pela morte e pelo além, para serem julgados pelas
suas obras. Embora os crentes também tenham registradas suas obras boas e más, é certo que
serão absolvidos pela graça de Deus, porque creram em Jesus, e terão seu nome inscrito no
Livro da Vida, como afirma KISTEMAKER 21.
A expressão “lago de fogo”, presente nos dois versículos finais do capítulo 20 de
Apocalipse, representa a segunda morte, como o próprio texto explica, no v. 14. MORRIS
(1989, p. 235), ao comentar este texto, lembra que a morte e o inferno têm o mesmo destino
que a besta e o falso profeta, e anota que “João parece querer dizer que a morte e o Hades são,
em última análise, tão impotentes quanto as outras forças do mal”.
Assim, o desfecho da História do mundo envolve o julgamento dos incrédulos e sua
condenação definitiva, porque seus nomes não foram encontrados no Livro da Vida. Serão
lançados para o lago de fogo, onde os esperam Satanás, o falso profeta, a besta e os anjos caídos.
Os eleitos, por outro lado, são absolvidos de suas obras más, apenas pela graça de Deus.
19
KISTEMAKER, 2014, p. 710.
20
MORRIS, 1989, p. 234.
21
KISTEMAKER, 2014, p. 711.
21
período de tempo, iniciado com a primeira vinda de Jesus Cristo e que será encerrado com a
segunda vinda; ii) os crentes perseguidos e mortos por causa de sua fidelidade a Cristo reinarão
durante o Milênio; iii) ao que tudo indica, a profecia que consta dos capítulos 38 e 39 de
Ezequiel, relacionada ao avanço de Gogue e Magogue e sitiamento do acampamento dos santos
e da cidade querida, tem seu cumprimento em Ap. 20.8-9; iv) os incrédulos serão ressuscitados
ao final do Reino Milenar e experimentarão a segunda morte e a condenação eterna.
22
KISTEMAKER, 2014, p. 724.
22
Naturalmente, disto não resulta que Deus habita apenas no meio do seu povo, pois
Deus é onipresente, antes que, como afirma CAMPOS (2014, p. 150) “quando a Escritura fala
da habitação de Deus, ela se refere mais especificamente à sua habitação com o seu povo”.
23
KISTEMAKER, 2014, p. 719.
23
24
BEALE, 1999, p. 1.116.
24
CAPÍTULO 2
O MILÊNIO E AS PROFECIAS DO ANTIGO TESTAMENTO
Este capítulo tem por objetivo estudar o cumprimento das profecias do Antigo
Testamento durante o Reino Milenar, que é substancialmente impactado a partir da forma de
interpretar o milênio. O ponto de partida da análise será a descrição do tema conforme
interpretação defendida por linha doutrinária diversa do amilenismo, a saber, o pré-milenismo
dispensacionalista, que entende não só que o milênio terá duração de exatos mil anos, mas
também que será a dispensação reservada ao cumprimento de algumas profecias do Antigo
Testamento, período no qual Deus cumpre as promessas feitas exclusivamente para os judeus 1.
A exposição partirá da menção aos aspectos gerais do dispensacionalismo para
depois examinar a interpretação pré-milenista dispensacionalista sobre algumas profecias do
Antigo Testamento e apresentar uma crítica a esta interpretação.
Para tornar completo o contraponto, também se faz necessário listar e explicar
algumas profecias do Antigo Testamento que verdadeiramente tem seu cumprimento durante o
Reino Milenar.
São suficientes para o propósito aqui delineado uma breve notícia histórica sobre a
origem do dispensacionalismo, alguns dos principais aspectos desta linha de entendimento, a
conceituação de dispensação, a listagem das dispensações e a descrição da dispensação
denominada “reino”, referente ao Reino Milenar.
Segundo SANTOS2, John Nelson Darby (1800-1882) foi precursor de um novo
modo de interpretação bíblica, especialmente das profecias, denominado dispensacionalismo.
Este movimento difundiu-se a partir da publicação de vários periódicos e adesão de escolas
teológicas, entre elas o atual Seminário Teológico de Dallas. Destaca-se, como publicação com
ideias dispensacionalistas de 1909, a Bíblia de Referência de Scofield (The Scofield Reference
Bible), que se trata da Bíblia King James comentada por Cyrus Ingerson Scofield (1843-1921).
1
FRAME, John. Teologia Sistemática. Vol. 2. São Paulo: Cultura Cristã, 2019, p. 449.
2
SANTOS, João Alves dos. O Dispensacionalismo e suas implicações doutrinárias (artigo). Disponível em:
https://www.seminariojmc.br/index.php/2018/01/15/o-dispensacionalismo-e-suas-implicacoes-doutrinarias/.
Acesso em 15/09/2022.
25
Esta bíblia de estudo recebeu nova edição em 1967, elaborado por nove teólogos
dispensacionalistas: a Nova Bíblia de Referência de Scofield (THE NEW SCOFIELD
REFERENCE BIBLE).
Entre os postulados do dispensacionalismo, destaca-se a distinção entre Israel e a
Igreja. LEWIS SPERRY CHAFER aponta 24 contrastes, dos quais se destacam o propósito
divino e o reino terreno de Cristo.
O propósito divino é analisado por CHAFER (2008, p. 413) que assim o explica:
“pacto, promessa e provisão para Israel são terrestres, e Israel será uma nação importante na
terra, quando ela for recriada. Todo pacto ou promessa para a Igreja é para uma realidade
celestial, e ela continuará na cidadania celestial quando os céus forem recriados”.
Quanto ao contraste relativo ao reino terreno de Cristo, o teólogo ressalta que
“aqueles da nação eleita são designados para serem súditos do Rei em seu reino terrestre (Ez.
37.21-28), enquanto que aqueles que compõem a Igreja devem reinar com o Rei, como seu
Consorte naquele reino (Ap. 20.6)” (CHAFER, 2008, p. 418).
Também é um princípio desta linha de pensamento a interpretação literal da
Escritura, incluindo-se as profecias, conforme afirma o teólogo dispensacionalista RYRIE
(1968, p. 96):
O dispensacionalismo é o resultado da aplicação consistente do
princípio hermenêutico básico da interpretação literal, normal ou
simples.
(...)
O não literalista é o não dispensacionalista, e o literalista consistente é
um dispensacionalista.
Dispensação pode ser entendida como um período no qual são revelados aspectos
específicos da vontade de Deus e o homem é testado quanto à sua obediência 3. São sete as
dispensações: inocência, consciência de responsabilidade moral, governo humano, promessa,
lei, a igreja e o reino4. Em cada uma das dispensações a reconciliação entre o homem e Deus se
dá pela mesma forma, a saber, pela graça de Deus em razão da obra de Cristo realizada na cruz5.
Nos termos da visão dispensacionalista, como anota HOEKEMA6, a volta de Cristo
acontecerá em duas etapas, a primeira etapa é a do arrebatamento dos crentes, que é seguida de
tribulação; e a segunda etapa é posterior à tribulação e nela ocorre o julgamento e a destruição
dos inimigos de Cristo. Depois da segunda etapa, Cristo estabelecerá seu trono em Jerusalém e
3
SCOFIELD, C.I. (ed). The New Scofield Reference Bible. New York: Oxford University Press, 1967, p. 3.
4
Loc. cit.
5
Loc. cit.
6
HOEKEMA, Anthony A. A Bíblia e o Futuro. 3ª ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, p. 178-179.
26
dará início ao Reino Milenar, de exatamente mil anos. A dispensação do reino diz respeito ao
Reino Milenar.
Sobre o conceito da dispensação do Reino Milenar disserta RYRIE (1968, p. 63):
Após o segundo advento de Cristo o reino milenar será estabelecido em
cumprimento de todas as promessas dadas em ambos os Testamentos e
particularmente aquelas contidas nas alianças Abraâmica e Davídica. O
Senhor Jesus, que se encarregará pessoalmente da administração dos
assuntos do mundo durante essa época, será o personagem principal da
dispensação. Ele continuará por mil anos, e o homem será responsável
pela obediência ao Rei e suas leis. Satanás será preso, Cristo governará,
a justiça prevalecerá, a desobediência aberta será rapidamente punida.
No entanto, no final do período, serão encontrados rebeldes suficientes
para formar um exército formidável que ousará atacar a sede do governo
(Ap. 20.7-9). A revolta não terá sucesso e os rebeldes serão lançados no
castigo do inferno.
Feitas estas considerações, cumpre analisar quais profecias não serão cumpridas
durante o Reino Milenar, e quais tem seu cumprimento neste período.
7
SCOFIELD, Reference Bible, p. 767-768.
8
BEALE é da mesma opinião. BEALE, G.K. The Book of Revelation: a commentary on the greek text. Grand
Rapids: W.B Edermans, 1999, p. 1.041.
28
2.2.2 – EZEQUIEL 40 a 48
Resumidamente, estes capítulos tratam da visão de Ezequiel que encerra seu livro,
pela qual o profeta é acompanhado por um ser angelical por toda a extensão do Templo e tudo
passa a ser medido com “um cordel de linho e uma cana de medir” (BÍBLIA SAGRADA,
Almeida Revista e Atualizada, Ez. 40.3). Há um detalhamento sobre as portas do Templo
(BÍBLIA SAGRADA, Almeida Revista e Atualizada, Ez. 40.6-37), das câmaras reservadas aos
sacerdotes que faziam holocaustos (BÍBLIA SAGRADA, Almeida Revista e Atualizada, Ez.
40.38-47) e do Santo dos Santos (BÍBLIA SAGRADA, Almeida Revista e Atualizada, Ez.
40.48-41.26). Depois a glória do Senhor enche o Templo (BÍBLIA SAGRADA, Almeida
Revista e Atualizada, Ez. 43.1-5) e Ezequiel recebe instruções sobre como deveria proceder
perante o povo de Israel (BÍBLIA SAGRADA, Almeida Revista e Atualizada, Ez. 43.6-12). A
visão segue com o Senhor instruindo e instituindo regulamentos sobre organização do Templo,
deveres dos sacerdotes, repartição das terras ao redor do Templo e sobre festas, ofertas e
sacrifícios (BÍBLIA SAGRADA, Almeida Revista e Atualizada, Ez. 44.1-46.24). Por fim são
estabelecidas fronteiras da terra de Israel e definidos os limites das porções das tribos de Israel
(BÍBLIA SAGRADA, Almeida Revista e Atualizada, Ez. 47.13-48.35).
29
A THE NEW SCOFIELD REFERENTE BIBLE atribui ao texto Ez. 40.1 a 47.12 o
título “O Templo do Milênio e seu Culto”9 e ao texto de Ez. 47.13 a 48.35 o título “A Divisão
da Terra na Era Milenar” 10. No comentário de Ez. 40.5, consta desta Bíblia de Referência que
os nove últimos capítulos de Ezequiel têm sido interpretados de diversas maneiras, mas a
interpretação preferível é de que nos é dada uma imagem do Templo Milenar e que,
A julgar pelo contexto amplo da profecia (o tempo posterior ao
reajuntamento e conversão de Israel) e o testemunho de outros textos
da Escritura (Is. 66, Ez. 6, 14), esta interpretação está de acordo com o
programa profético de Deus para o milênio11.
Todavia, não há qualquer indicação no sentido de que estes capítulos se referem ao
Reino Milenar e a interpretação literal deste texto, que é defendida pelos dispensacionalistas,
impõe dificuldades insuperáveis, entre outros pontos, quanto aos holocaustos e sacrifícios de
animais determinados em Ez. 44.10-11:
Os levitas, porém, que se apartaram para longe de mim, quando Israel
andava errado, que andavam transviados, desviados de mim, para irem
atrás dos seus ídolos, bem levarão sobre si a sua iniquidade. Contudo,
eles servirão no meu santuário como guardas nas portas do templo e
ministros dele; eles imolarão o holocausto e o sacrifício para o povo e
estarão perante este para lhe servir. (BÍBLIA SAGRADA, Almeida
Revista e Atualizada, Ez. 44.10-11).
Com efeito, não há motivo para qualquer sacrifício ou holocausto de animal, sequer
como memorial, eis que Jesus Cristo nos deixou a Ceia do Senhor, como o memorial da sua
morte12.
A THE NEW SCOFIELD REFERENCE BIBLE13 sugere duas respostas aos
questionamentos sobre o sacrifício de animais durante o Reino Milenar: i) seria um sacrifício
com característica meramente memorial, mas sem valor expiatório; ii) a menção ao sacrifício
de animais não deve ser adotada literalmente, antes deve ser considerada como representando
a adoração de Israel, após sua redenção, no Templo, durante o reino milenar.
Como visto, a primeira resposta não é satisfatória, ante a absoluta desnecessidade
de outro memorial senão a Ceia, ordenada pelo próprio Senhor Jesus Cristo. A segunda resposta
contraria o princípio dispensacionalista da interpretação literal das profecias.
9
SCOFIELD, Reference Bible, p. 883.
10
Ibid., p. 893.
11
Ibid, p. 884.
12
HOEKEMA, 2012, p. 217.
13
SCOFIELD, Reference Bible, p. 888.
30
Floyd E. Hamilton critica a interpretação literal de Ez. 44.9, que impede o acesso
ao santuário de Deus dos incircuncisos “na carne” e aponta a impropriedade da interpretação
literal das profecias do Antigo Testamento:
Isso descartaria a Epístola de Paulo aos Gálatas, pois foi escrita
especificamente contra os judaizantes que insistiam que era necessário
ser circuncidado, bem como crer em Cristo, para a salvação. Do que
nossos amigos pré-milenistas sugeririam que a circuncisão seria um
memorial? Não está claro que o princípio da interpretação literal de
todas as profecias do Antigo Testamento é reduzido ao absurdo pela
mera contemplação de tal perspectiva durante o suposto milênio? O
próprio Cristo providenciou o verdadeiro memorial de sua morte, na
Ceia do Senhor, e isso deveria ser observado apenas “até que ele
venha”, quando a necessidade de um memorial seria eliminada, e ele,
juntamente com as “coisas anteriores que passaram” (Ap. 21.4).
(HAMILTON, 1942, p. 43).
O princípio geral da interpretação literal das profecias e, de maneira especial, a
conclusão de que o cumprimento literal destas profecias dar-se-ia durante suposto reino
milenar, foi corretamente refutado por George L. Murray:
A verdade clara é que não há um capítulo das Escrituras proféticas que
possa ser tomado com absoluta literalidade e mostrar a restauração do
Israel natural e o estabelecimento de um reino palestino no qual os
judeus predominarão, com Jerusalém como capital e Cristo como rei.
(MURRAY, 1948, p. 40).
Anote-se, ainda, a crítica de John B. Taylor à interpretação literal dos capítulos 40
a 48 de Ezequiel:
Se a partir daí conclui-se que as festas, os sacrifícios de sangue, o
sacerdócio e a adoração no templo, todos conforme o Antigo
Testamento, devem ser reintroduzidos, depois da revelação do Novo
Testamento de Cristo e Sua obra completa, mostra quão completamente
este ponto de vista traz uma interpretação errônea do significado da
salvação em Cristo e como lança dúvidas sobre a consistência da
maneira de Deus lidar com a humanidade. Sua falha, portanto, acha-se
basicamente em considerar Ezequiel 40-48 como profecia e em insistir
num cumprimento literal, se não no passado, então no futuro.
(TAYLOR, 1984, p. 226).
Portanto, não há nenhum indicativo de que Ezequiel 40 a 48 trata de realidades que
aconteceriam em suposto reino milenar literal, e nada autoriza a interpretação literal de todos
textos proféticos, especialmente destes capítulos de Ezequiel, pois implicaria no
restabelecimento de práticas litúrgicas que atualmente são desnecessárias, pois prenunciavam
realidades futuras e foram integralmente cumpridas por Jesus Cristo, sua obra e sua
ressurreição. Melhor se afigura situar o cumprimento destas profecias na nova terra14.
14
HOEKEMA, 2012, p. 218.
31
15
SCOFIELD, Reference Bible, p. 714.
16
Ibid., p. 946.
17
Ibid., p. 1.373, anotação a Ap. 20.4.
18
HOEKEMA, 2012, p. 218-219.
32
e nova terras, nos quais habita justiça” (BÍBLIA SAGRADA, Almeida Revista e Atualizada,
2Pe 3.13).
Portanto, nada vincula a profecia de Is. 2.1-4 ao reino milenar, interpretação
afastada quando se vale de parâmetros adotados pelos próprios dispensacionalistas, antes é mais
razoável considerar que seu cumprimento ocorrerá plenamente na nova terra.
19
SCOFIELD, Reference Bible, p. 938.
33
20
HOEKEMA, 2012, p. 223.
21
SCOFIELD, Reference Bible, p. 969.
22
Loc. cit.
34
Ao que tudo indica, entretanto, esta profecia se cumpriu literalmente nos dias de
Esdras, com o retorno de muitos judeus, da Babilônia para Jerusalém, conforme anota
HOEKEMA23.
23
HOEKEMA, 2012, p. 221.
24
SCOFIELD, Reference Bible, p. 794.
35
e Ez. 36.1-2525. Os motivos para afastar o cumprimento destas profecias durante o Reino
Milenar foram abordados ao longo da exposição e aplicados a outras profecias, razão pela qual
aqui serão apenas citadas. Com efeito, o cumprimento da profecia de Is. 11.6-10, a exemplo de
Is. 2.1-4 e pelas mesmas razões, pode tranquilamente ser situado na nova terra. Na mesma linha
de entendimento, as de Ez. 34.12-13 e Ez. 36.24, assim como a de Zc. 8.7-8, são melhor
acomodadas quando entendido seu cumprimento no retorno de Israel do cativeiro 26.
Do quanto exposto se extrai que as principais profecias do Antigo Testamento que
tem seu cumprimento remetido pelos dispensacionalistas para o Reino Milenar, na verdade ou
se referem à nova terra na era vindoura, ou foram cumpridas com o retorno de Israel do
cativeiro. Esta constatação decorre da análise acurada destas profecias e da ideia já
desenvolvida de que o Reino Milenar não equivale ao período de exatamente mil anos.
25
SCOFIELD, Reference Bible, p. 723, 876-877 e 878-879.
26
HOEKEMA, 2012, p. 216-217 e 220-221.
27
BEALE lista as seguintes passagens do Antigo Testamento em que a ideia de esperança da ressurreição e o
conceito de últimos tempos estão presentes, ainda que não expressamente: Dt. 32.39, 1Sm 2.6, Sl. 16.9-10, Sl.
22.28-29, Sl. 49.14-16, Sl. 73.24, Is. 25.7-9, Is. 26.19, Is. 53.10-11, Ez. 37.1-14, Dn. 12.1-2, Os. 6.1-3 e Os.
6.13-14. BEALE, G.K. Teologia Bíblica do Novo Testamento – A continuidade teológica do Antigo Testamento
no Novo. São Paulo: Vida Nova, 2018, p. 206-207.
36
análise de alguns textos do Novo Testamento que afirmam o efetivo cumprimento destas
profecias, especialmente a partir da ressurreição de Cristo, portanto que tem relação direta com
o Reino Milenar.
28
CALVINO, João. Salmos. Vol. 1. São José dos Campos: Editora Fiel, 2009, p. 287.
37
casa de Israel de que a este Jesus, que vós crucificastes, Deus o fez
Senhor e Cristo. (BÍBLIA SAGRADA, Almeida Revista e Atualizada,
At. 2.22-36).
O cumprimento de Sl. 16.8-11 em At. 2.22-36 é evidenciada pela simples leitura do
texto do Novo Testamento, que cita expressamente o do Antigo Testamento. De fato, At. 2.25-
28 é a transcrição de Sl. 16.8-11.
A relação entre o texto do livro dos Salmos e a ressurreição de Jesus Cristo se infere
de At. 2.24 e sobre o tema vale a pena transcrever o comentário de HARMAN (2011, p. 110)
ao texto de Sl. 16.10:
O versículo 10 ocupa um lugar especial no pensamento bíblico, visto
ser citado em referência à ressurreição de Jesus. Assegura-se a Davi que
o Senhor não abandonará sua vida no Sheol, não permitirá que seu fiel
(i.e., Davi) veja corrupção. Ele sabe que sua oração do versículo 1
(“socorre-me”) é respondida, e que ele não morrerá; ou, como
alternativa, que ele será preservado de morte prematura. Davi, porém,
fala ainda em termos proféticos por meio do Espírito Santo e contempla
a ressurreição do Messias. Seus olhos visualizam um de seus
descendentes (ver At 2.27) e suas palavras têm um significado muito
mais profundo do que sugeriria uma leitura superficial delas.
Portanto, é possível identificar no Sl. 16.8-11 um caráter profético apontando para
a ressurreição de Cristo, evento que, como visto, ocorreu durante o Reino Milenar descrito em
Ap. 20.1-6.
29
Morris afirma que em Is. 53.10-12 é profetizada a ressurreição de Cristo. MORRIS, Leon. 1 Coríntios –
Introdução e Comentário. São Paulo: Vida Nova, 1981, p. 165.
38
30
HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento – Exposição do Evangelho de Lucas. Vol. 2. 2ªed.
São Paulo: Cultura Cristã, 2014, p. 666.
39
sacerdócio (...) ele afirma que Deus conferiu a Cristo domínio supremo, combinado com poder
invencível, com o qual ou Ele vence todos seus inimigos ou os compele a se Lhe submeterem”.
Portanto, o texto de Sl. 110.1 está tratando do reinado de Cristo e de sua vitória
sobre seus inimigos.
Em Ef. 1.15-23 há uma oração de Paulo pelos crentes. Após o anúncio da força do
poder de Deus (v. 19), estão os versículos 20 e 21:
o qual exerceu ele em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos e
fazendo-o sentar à sua direita nos lugares celestiais, acima de todo
principado, e potestade, e poder, e domínio, e de todo nome que se possa
referir não só no presente século, mas também no vindouro (BÍBLIA
SAGRADA, Almeida Revista e Atualizada, Ef. 1.20-21).
FOULKES identifica neste texto de Efésios uma referência ao Sl 110.1, anotando
que a exaltação do ungido de Deus encontrou expressão máxima em Jesus Cristo 31. Efésios, ao
afirmar que Cristo foi ressuscitado dentre os mortos e sentou-se à direita de Deus nos lugares
celestiais, indica a relação com o Sl. 110.132.
Em At. 2.32-35, texto já transcrito, mais uma vez é retomado o tema da ressurreição
de Cristo e os versículos 34 e 35 transcrevem o Sl. 110.133. Por isto é possível afirmar que o Sl.
110.1 também tem conteúdo profético apontando para a ressurreição de Cristo, como se extrai
de Ef. 1.20-21 e At. 2. 32-35, evento que ocorreu durante o Milênio.
31
FOULKES, Francis. Efésios – Introdução e comentário. 2ª ed. São Paulo: Vida Nova, 1985, p. 54.
32
Hendriksen também viu esta relação. HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento – Exposição
dos Livros de Efésios e Filipenses. 3ª ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 121.
33
Kistemaker, ao comentar esta passagem, observa que o Sl. 110.1 não se aplica a Davi, mas ao Senhor Jesus
Cristo, este que, inclusive, explicou o texto do Salmo aos fariseus, conforme Mt. 22.41-46. KISTEMAKER, Simon
J. Comentário do Novo Testamento – Atos. Vol. 1. 2ª ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2016, p. 136.
40
É possível afirmar que há relação entre “ao terceiro dia, nos levantará” de Os. 6.2
e a “ressurreição no terceiro dia” de 1Co 15.4, ainda que Paulo não tenha transcrito este texto,
nem citado expressamente a esta passagem.
Nesta linha o comentário de BEALE (2018, p. 232):
Alguns comentaristas reconhecem que por trás da declaração “...e
ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras” está a passagem de
Oseias 6.2: “Depois de dois dias, ele nos revivificará; no terceiro dia
nos levantará, e viveremos diante dele”. Se for esse o caso, e creio que
é provável, Paulo entende que a profecia da ressurreição aplicada a
Israel tem seu início em Jesus, o que pode ser uma antecipação de seu
comentário posterior, no versículo 23: “Cristo, que é as primícias, e
depois os que lhe pertencem na sua vinda”.
Portanto, a preferível interpretação de Os. 6.1-2 o considera como uma profecia
relativa à ressurreição de Cristo34, mencionada no texto e At. 15.1-4 e cumprida durante o Reino
Milenar.
De tudo resulta que as profecias cujo cumprimento é reservado pelos
dispensacionalistas à dispensação do reino milenar, na verdade, não serão cumpridas durante o
Milênio, tampouco exigem uma dispensação específica de literalmente mil anos, antes ou foram
cumpridas com a libertação de Israel do cativeiro, ou serão cumpridas na era vindoura. Por
outro lado, há profecias do Antigo Testamento que se cumprem durante o Milênio e aqui foram
estudadas aquelas conectadas à ressurreição de Cristo, dado o especial significado escatológico
deste evento.
34
Kistemaker argumenta que o Antigo Testamento não tem referência específica sobre a ressurreição ao terceiro
dia, mas Os. 6.2, Jn. 1.17 e Is. 53.10-12 evidenciam o conceito de ressurreição. KISTEMAKER, Simon J.
Comentário do Novo Testamento – 1 Coríntios. 2ª ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2014, p. 652.
41
CAPÍTULO 3
CONSIDERAÇÕES DOUTRINÁRIAS E PRÁTICAS
É correto afirmar que Deus se relaciona com os seres humanos através de alianças.
HORTON (2016, p. 49) anota que “uma aliança é “uma união baseada num juramento”
(McCarthy) ou, mais especificamente, “um relacionamento sob sanções” (Kline)”.
De modo, geral, duas são estas alianças: a aliança das obras e a aliança da graça 1.
A aliança das obras fora firmada por Deus com Adão, e através dela se exigia a obediência à
Lei de Deus, sob pena de morte. A aliança foi transgredida no momento da queda e este fato
gerou consequências para toda a humanidade. Sobre o tema, HORTON (2016, p. 440) explica
que:
A humanidade foi criada para o amor, o que significa que foi criada
para a lei, visto que a lei simplesmente estipula ações amorosas. Por
causa da queda, já não há mais qualquer possibilidade de ser justificado
pelas “obras da lei”. Toda a humanidade, incluindo Israel, está agora
“em Adão”, condenada como transgressora da lei. Assim, a aliança da
criação (também chamada de aliança das obras, da lei ou da natureza) é
o contexto legal para o julgamento de Deus.
Entre os elementos da aliança das obras, podem ser mencionados os seguintes: i)
As partes envolvidas: de um lado Deus, de outro, Adão; ii) A promessa: na aliança das obras
está contida a promessa de vida eterna; iii) A condição da aliança: era a obediência perfeita; iv)
O castigo da aliança: a morte física, espiritual e eterna 2.
A aliança da graça pode ser vista como “a promessa de salvação na forma de uma
aliança”3. Diante da desobediência de Adão, que implicou em descumprimento da aliança das
1
Berkhof e teólogos que ele menciona, entendem que a aliança da graça se subdivide em aliança da graça e aliança
da redenção, esta também chamada de pactum salutis. A aliança da redenção teria sido firmada entre o Deus-Pai
e o Deus-Filho e dela sobreveio a aliança da graça, firmada entre os Deus trino e os eleitos. BERKHOF, Louis.
Teologia Sistemática. 4ª ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, p. 247.
2
Ibid., p. 200.
3
Ibid., p. 245.
42
obras, Deus prometeu a salvação nos termos da aliança da graça. Como ensina HORTON (2016,
p. 148):
A aliança da criação (também chamada de aliança das obras ou da lei)
estava baseada no cumprimento pessoal de toda a justiça por parte do
servo da aliança. A aliança da graça está baseada no cumprimento de
toda a justiça por aquele que é o nosso cabeça representante e é
dispensado ao povo da aliança por meio da fé nele. Há ainda lei na
aliança da graça. No entanto, ela não pode mais condenar os cristãos,
mas orientá-los para uma vida de gratidão por causa da misericórdia de
Deus em Cristo.
As alianças firmadas por iniciativa de Deus formam a estrutura da história da
redenção4. O dispensacionalismo representa uma visão alternativa sobre a estrutura da
revelação, e seus fundamentos foram examinados e submetidos a críticas no capítulo anterior.
É certo que a teologia da aliança lança mão do termo “dispensação” em sua análise e, de outro
lado, os dispensacionalistas não desconsideram que Deus faz alianças com o ser humano, mas
mesmo assim há importante diferença entre os sistemas quanto aos princípios e características.
ROBERTSON5 aponta algumas distinções entre os dois sistemas: i) o
dispensacionalismo propõe uma dicotomia de propósitos de Deus, sendo um dos propósitos
terreno e físico, e o outro celestial e espiritual; ao passo em que a teologia da aliança reconhece
o propósito único de Deus, a saber, a redenção física e espiritual daqueles que estão unidos a
Cristo; ii) o dispensacionalismo sugere uma estrutura dual da história, com algumas
dispensações desconectadas do plano redentivo de Deus; enquanto a teologia da aliança
encoraja a esperança do ser humano num redentor futuro; iii) a perspectiva dispensacionalista
exclui das promessas do Antigo Testamento o reino presente de Cristo; já a teologia da aliança
considera a ressurreição de Cristo e sua ascensão como base para compreensão da profecia do
Antigo Testamento.
Definidos os aspectos fundamentais da teologia da aliança, este é o sistema
interpretativo da Escritura aqui adotado.
4
ROBERTSON, O. Palmer. Cristo dos Pactos. Campinas: Luz para o Caminho, 1997, p. 181.
5
Ibid., p. 204-205.
43
no sentido de que “existe uma distinção fundamental e permanente entre Israel e a igreja (...)
Israel e a igreja têm sempre de ser mantidos separados”6.
De outro lado, invocando o ensino dos padrões confessionais reformados,
BERKHOF (2012, p. 524) afirma que “a Igreja do Novo Testamento e a da antiga dispensação
são essencialmente uma só. No que se refere à sua natureza essencial, ambas consistem de
crentes verdadeiros, e tão somente de crentes verdadeiros”. No mesmo sentido entende Marten
H. Woudstra7.
O entendimento de que há uma relação de continuidade e unidade entre Israel e a
Igreja deve ser reputado como a melhor interpretação da Escritura como um todo e em tudo
está alinhado aos pontos centrais da teologia da aliança, razões pelas quais aqui é considerado
como o mais adequado.
3.3 – O AMILENISMO
6
HOEKEMA, Anthony A. A Bíblia e o Futuro. 3ª ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, p. 210.
7
FEINBERG, John S. (ed. e org.). Continuidade e Descontinuidade: Perspectivas sobre o relacionamento entre
o Antigo e o Novo Testamentos. São Paulo: Hagnos, 2013, p. 269-290.
8
COX, William E. Amilliennialism today. Phillipsburg, New Jersey: Prebyterian and Reformed Publishing CO,
1966, p. 1.
9
Esta é a posição de Jay E. Adans, segundo Hoekema. CLOUSE, Robert G. (org.). Milênio: significado e
interpretações. Campinas: Luz para o Caminho, 1990, p. 141.
10
William Cox adota esta nomenclatura. COX, Amilliennialism today, 1966, p. 1.
11
BAVINCK, Herman. Dogmática Reformada. Vol. 4. 1ª ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, p. 692.
12
CLOUSE, 1990, p. 146.
13
HENDRIKSEN, William A. Mais que Vencedores: uma interpretação do livro do Apocalipse. 1ª ed. São
Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 30.
44
3.4 – APLICAÇÕES
14
CLOUSE, 1990, p. 160.
15
Ibid., p. 161-169.
16
Hoekema sustenta que uma das implicações da escatologia amilenista é a de que o pacto da graça é o que une o
Antigo e o Novo Testamentos. CLOUSE, 1990, p. 169. William Cox, por outro lado, entende que a teologia da
aliança não é uma doutrina básica do amilenismo. Ele mesmo reconhece discordar de alguns pressupostos da
teologia da aliança. COX, Amillennialism Today, 1966, p. 2.
17
CLOUSE, 1990, p. 170.
45
perfeição e harmonia, senão a partir da redenção de todas as coisas pelo Senhor Jesus Cristo.
Disto se extrai a segunda aplicação à vida do crente, que deve desenvolver uma visão realista
do mundo e da vida18, sem alimentar ilusões quanto ao progresso dos seres humanos ou
depositar suas esperanças em sistemas econômicos ou lideranças políticas.
A terceira aplicação consiste num convite à fidelidade e à santificação. A fidelidade
a Deus é uma marca do crente e a ele confere o grande privilégio de reinar com Cristo durante
o Milênio mesmo que seu corpo físico morra, como vimos ao interpretar Ap. 20.4-6. A
santificação é necessária para viver em comunhão com Deus num mundo de crescente pecado
e para suportar as tribulações da vida.
A quarta aplicação é no sentido de que o crente pode ter segurança em Jesus Cristo.
Esta segurança está relacionada ao governo de Cristo no presente, que nos assegura o sustento
necessário para nossa vida. Como visto, se nosso corpo físico morrer, reinaremos com Cristo
no céu e se Cristo voltar antes da nossa morte física, ingressaremos com Ele na eternidade.
A quinta e última aplicação é que o estudo desperta em nós a esperança da redenção
absoluta. Todas as áreas da vida humana foram atingidas pela queda e a punição do pecado
atingiu toda a criação19. A segunda vinda de Cristo “será não só a conclusão da redenção para
o homem, mas também o tempo “da restauração de todas as coisas” (At. 3.21)”20. Por esta
razão o crente, consciente de que o Reino Milenar está instalado, espera em seu Salvador a
redenção de todas as coisas.
Consideram-se, assim, encerradas as considerações doutrinárias e práticas que se
destinaram a sedimentar o conhecimento do tema proposto e sistematizar conceitos, oferecendo
melhor compreensão para o ponto de vista defendido.
18
CLOUSE, 1990, p. 170.
19
FRAME John. Teologia Sistemática. Vol. 2. São Paulo: Cultura Cristã, 2019, p. 202.
20
Ibid., p. 206.
46
CONCLUSÃO
1
Assim Robertson considera as dispensações conforme propostas pelos dispensacionalistas. ROBERTSON, O.
Palmer. Cristo dos Pactos. Campinas: Luz para o Caminho, 1997, p. 205.
2
Também chamada de “analogia da fé”, é a regra segundo a qual a Escritura interpreta a si mesma. BAVINCK,
Herman. Dogmática Reformada. Vol. 1. 1ª ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, p. 480.
47
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA