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CARGOS DIRETIVOS EM ENTIDADE DE SAÚDE

SUPLEMENTAR E REGULAÇÃO

CARGOS DIRETIVOS EM ENTIDADE DE SAÚDE SUPLEMENTAR E


REGULAÇÃO
Pareceres - Carlos Ari Sundfeld | vol. 1 | p. 525 - 539 | Mar / 2013
DTR\2013\7033

Carlos Ari Sundfeld

Área do Direito: Administrativo


Resumo: A finalidade da competência para a Agência Nacional de Saúde Suplementar estabelecer
critérios gerais para o exercício de cargos diretivos das operadoras de planos privados de
assistência à saúde é exclusivamente proteger o interesse público, por meio do estabelecimento de
critérios mínimos. A entidade regulada é livre para estabelecer outros requisitos.

Palavras-chave: Regulação - Saúde Suplementar - Agência Nacional de Saúde Suplementar -


Cargos Diretivos - Requisitos.
Sumário:

- 1. Consulta - 2. Introdução - 3. Competência legal atribuída à ANS - 4. Resoluções da ANS e o caso


concreto - 5. Representatividade dos associados no estatuto da entidade - 6. Conclusão

REFERÊNCIAS LEGISLATIVAS

Lei 9.961/2000, arts. 1.º, 3.º e 4.º.

Lei 9.656/1998, art. 8.º.

Resolução Normativa ANS 11/2002.

Resolução Normativa ANS 137/2006.

1. Consulta

A consulente é associação com personalidade jurídica de direito privado, sem finalidade lucrativa,
que tem como objetivo assegurar assistência médica, hospitalar e odontológica aos seus associados,
titulares e respectivos dependentes.

É mantida por contribuições de seus associados e, em parte equivalente, de antigo Banco estatal,
que foi privatizado. Seu quadro social é composto pelos funcionários ativos e aposentados do Banco,
de suas empresas ligadas e da própria entidade. A diretoria é composta por quatro diretores, dois
deles indicados pelo Banco e outros dois eleitos pelos associados.

De acordo com o estatuto da entidade, os cargos de direção só podem ser ocupados por
funcionários da ativa (art. 45, parágrafo único, do estatuto).

Destaque-se que o estatuto assegura participação plena aos aposentados na escolha dos dirigentes
eleitos. Os aposentados votam como os funcionários ativos. Há isonomia de tratamento em relação a
tais categorias de associados. Ambos estão igualmente habilitados para escolher, em eleição, seus
representantes na diretoria. A questão se resume à restrição que existe para o exercício do cargo de
diretor e ao nível de participação no Conselho Fiscal.

Referida regra foi questionada judicialmente por associação dos funcionários aposentados do Banco.
A argumentação levada a juízo para impugnar o estatuto sustenta que a Agência Nacional de Saúde
Suplementar - ANS, por intermédio de duas resoluções (de números 11 e 137), teria fixado as
condições para preenchimento dos cargos de direção das Operadoras de Planos de Assistência à
Saúde e, dentre elas, não figuraria a restrição à participação de aposentados.

Foi proferida sentença na primeira instância, que reconheceu a procedência parcial das ações
propostas, declarando “nula a regra estatutária do parágrafo único, do art. 45, do estatuto da
requerida, apenas na parte que toca a exigência de candidatar-se apenas aqueles que exercem
cargo, uma vez que contraria a Resolução Normativa ANS 11/2002 [revogada pela Resolução
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311/2012] e a Resolução Normativa ANS 137/2006”.

A consulta vem acompanhada de cópias das principais peças e documentos constantes das ações
judiciais, inclusive do estatuto social da consulente e da regulamentação editada pela ANS.

Com base nesses elementos e na legislação aplicável à matéria, solicita-se exame e parecer a
respeito da seguinte questão:

A legislação do setor de saúde suplementar proibiu a fixação dos requisitos para o exercício de cargo
de direção previstos nos arts. 45, parágrafo único, e 58 do estatuto social da consulente?

2. Introdução

O estatuto que disciplina internamente a atuação da consulente estabelece uma série de condições
para o preenchimento de cargos na direção da entidade. Para ser diretor, o associado precisa estar
em exercício de alguma função no Banco ou em alguma empresa que integre o seu conglomerado
(art. 45, parágrafo único, do estatuto). Não atendem a esse requisito, portanto, os associados
aposentados. Também há restrição (não vedação absoluta) à participação de aposentados no
Conselho Fiscal. O estatuto admite apenas o preenchimento de duas, das cinco vagas, com
associado aposentado (art. 58, §§ 1.º e 2.º, do estatuto). Quer-se saber, basicamente, se tais
restrições são compatíveis com a legislação que disciplina o setor de assistência privada à saúde.

Como se percebe, a discussão não envolve abordagem generalista e abstrata em torno do papel do
estado regulador, em confronto com a liberdade de gestão das entidades privadas. A situação posta
apresenta concretude muito maior. Diz respeito à definição do conteúdo e alcance (1) das
competências legais firmadas sobre a matéria e (2) das normas regulamentares editadas pela ANS
para disciplinar a ocupação de cargos de direção em entidades operadoras de planos privados de
assistência à saúde.

A questão abarca dois níveis de análise. Para saber se a legislação do setor de saúde suplementar
proíbe as previsões estatuárias da consulente, é necessário, no primeiro momento, investigar qual o
nível de competência legal existente sobre a matéria. Não há dúvida quanto à existência de
previsões legais que outorgam ao órgão regulador do setor determinada competência regulatória
envolvendo critérios de escolha dos dirigentes de entidades de assistência à saúde. Porém, é
importante saber, com precisão, a extensão dessa competência, a fim de que seja possível afirmar
se haveria amparo legal para que a autoridade administrativa vedasse a criação estatutária de
determinados requisitos para o preenchimento de postos de direção das entidades.

Feita essa análise do perfil legislativo, torna-se necessária a avaliação das normas administrativas
produzidas pela ANS. Agora, em plano normativo mais específico, deve-se ponderar se a
regulamentação em vigor restringe, de fato, o que prevê o estatuto da consulente.

O estudo seguirá essa sequência para, ao final, diante das conclusões parciais obtidas, responder se
a regulamentação do setor restringe ou não a previsão estatutária em análise.

3. Competência legal atribuída à ANS

A legislação do setor de saúde suplementar tem objetivo bem delineado: proteger esse sistema,
assegurando sua higidez. O interesse público incorporado na lei é o de garantir o funcionamento
seguro do sistema de saúde suplementar, que complemente o sistema público de modo confiável e
em condições mínimas de atendimento aos seus consumidores. Para tanto, a lei cria sistema
regulatório para propiciar a efetiva fiscalização do setor, de modo a proteger os usuários desses
serviços de assistência à saúde.

O foco da legislação é dotar o Poder Público de instrumentos que permitam disciplinar as relações
entre entidades privadas que atuam no setor e os consumidores desses serviços, assegurando a
existência de sistema condizente com o dito interesse público. Para tanto foi criado órgão regulador,
instituído com a finalidade precípua de disciplinar as ações dos agentes integrantes desse sistema
(operadoras e consumidores). Trata-se de autarquia de regime especial, denominada Agência
Nacional de Saúde Suplementar - ANS. A finalidade que se buscou com a criação da Agência foi
expressamente apontada na Lei da ANS, Lei 9.961, de 28.01.2000. Confira-se:

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Lei nº 9.961, de 28.01.2000 (Lei da ANS)

Art. 3.º A ANS terá por finalidade institucional promover a defesa do interesse público na assistência
suplementar à saúde, regulando as operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com
prestadores e consumidores, contribuindo para o desenvolvimento das ações de saúde no País.

Como se vê, há uma prerrogativa para que a ANS regule “as operadoras setoriais”. Por esse prisma
geral, é inegável que a agência detém competência para, nos termos da lei, disciplinar a atuação de
tais entidades, entre as quais figura a consulente.

Todavia, essa competência não é ilimitada. Ela não abarca, por óbvio, qualquer tema que diga
respeito à existência e funcionamento de tais agentes privados. Referida competência visa a
determinado propósito e, por isso, se circunscreve a determinadas medidas. A competência da ANS
para regular as operadoras, por óbvio, deve se ater a temas que digam respeito à atuação desses
agentes no setor de saúde suplementar. A prerrogativa de regular as operadoras não poderia ser
empregada para impor qualquer medida que não tenha por objetivo disciplinar e garantir o bom
funcionamento do sistema de saúde suplementar.

É logo o primeiro artigo da Lei da ANS que circunscreve sua atuação à regulação das atividades que
garantam a assistência suplementar à saúde:

Art. 1.º É criada a Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, autarquia sob o regime especial,
vinculada ao Ministério da Saúde, com sede e foro na cidade do Rio de Janeiro - RJ, prazo de
duração indeterminado e atuação em todo o território nacional, como órgão de regulação,
normatização, controle e fiscalização das atividades que garantam a assistência suplementar à
saúde.

As competências atribuídas à ANS convergem para essa finalidade geral. Elas foram outorgadas
para que a Agência pudesse regular, normatizar, controlar e fiscalizar “as atividades que garantam a
assistência suplementar à saúde”. Suas prerrogativas não podem ser empregadas para a
persecução de outros objetivos, sejam eles de cunho privado ou mesmo públicos, mas afetos a
outros temas.

Nesse contexto se insere a competência atribuída à ANS para criar critérios para o exercício de
cargos diretivos nas operadoras de planos privados de assistência à saúde. Essa competência
específica (que deu base à edição das normas regulamentares em análise) foi fixada nos seguintes
termos:

Lei da ANS

Art. 4.º Compete à ANS:

(…)

XIV - estabelecer critérios gerais para o exercício de cargos diretivos das operadoras de planos
privados de assistência à saúde;

A lei não conferiu à ANS poderes para se imiscuir em assuntos interna corporis das operadoras de
planos privados de assistência à saúde. Referida atribuição tem propósito muito claro: proteger o
sistema de saúde suplementar. Ao estabelecer critérios gerais para o exercício de cargos diretivos
em operadoras de planos privados de assistência à saúde, a ANS deve indicar o mínimo necessário
para assegurar a gestão adequada de tais entidades. A lei não eliminou a livre disposição das
entidades privadas sobre a escolha de seus diretores, apenas a limitou, na medida em que admitiu
que a ANS fixasse condições gerais para o exercício dessa função. Previu-se a competência para
que o órgão regulador fixasse “critérios gerais” que devem ser atendidos na escolha de tais
dirigentes.

A ANS, naturalmente, só recebeu competência para disciplinar assuntos atinentes ao setor de saúde
suplementar. No caso específico da competência para fixar critérios gerais para exercer cargos de
direção em operadoras de planos privados de assistência à saúde, buscou-se dar à agência poderes
para assegurar requisitos mínimos que sirvam para garantir uma boa gestão das operadoras. É
competência para proteção do sistema, contra o risco de má gestão. A lei não dotou a ANS de
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ferramenta para disciplinar a representatividade de sócios ou de associados de entidades privadas


do setor, assunto de caráter essencialmente interno. Tal objetivo, aliás, seria completamente alheio
às funções previstas para esse órgão regulador.

Os critérios fixados pela ANS para o exercício de cargos diretivos nas operadoras integram o rol de
requisitos exigidos para o funcionamento dos planos de saúde privados. Faz parte da plêiade de
exigências prevista na regulação do setor, para autorizar a atuação de agentes econômicos.
Algumas dessas exigências foram estabelecidas na própria Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656, de
03.06.1998), outras, por atribuição da própria lei, são lançadas pela ANS. A competência para
estabelecer os tais critérios de exercício de cargo de direção em operadoras se conecta com essa
outra atribuição para fixar novos requisitos para o funcionamento de operadoras de planos de saúde.
Confira-se o dispositivo da Lei dos Planos de Saúde:

Art. 8.º Para obter a autorização de funcionamento, as operadoras de planos privados de assistência
à saúde devem satisfazer os seguintes requisitos, independentemente de outros que venham a ser
determinados pela ANS:

I - registro nos Conselhos Regionais de Medicina e Odontologia, conforme o caso, em cumprimento


ao disposto no art. 1.º da Lei 6.839, de 30 de outubro de 1980;

II - descrição pormenorizada dos serviços de saúde próprios oferecidos e daqueles a serem


prestados por terceiros;

III - descrição de suas instalações e equipamentos destinados a prestação de serviços;

IV - especificação dos recursos humanos qualificados e habilitados, com responsabilidade técnica de


acordo com as leis que regem a matéria;

V - demonstração da capacidade de atendimento em razão dos serviços a serem prestados;

VI - demonstração da viabilidade econômico-financeira dos planos privados de assistência à saúde


oferecidos, respeitadas as peculiaridades operacionais de cada uma das respectivas operadoras;

VII - especificação da área geográfica coberta pelo plano privado de assistência à saúde.

§ 1.º São dispensadas do cumprimento das condições estabelecidas nos incisos VI e VII deste artigo
as entidades ou empresas que mantém sistemas de assistência privada à saúde na modalidade de
autogestão, citadas no § 2.º do art. 1.º.

A legislação, como se vê, atribuiu sim competência para a ANS estabelecer critérios gerais para o
exercício de funções de direção nas operadoras de planos de saúde privado. Todavia, referida
atribuição se limita ao estabelecimento das condições tidas como necessárias para assegurar a boa
gestão das operadoras, resguardando-se, assim, a higidez do sistema de saúde suplementar.
Referida competência só pode ser utilizada para buscar essa finalidade (a proteção do sistema),
sendo inviável seu emprego na definição de regras que apenas interfiram na livre disposição privada
sobre a escolha de dirigentes, sem nada agregar em relação à proteção do sistema.

Feita a demonstração do regime jurídico definido em lei para disciplinar a matéria, passo à análise
das resoluções editadas pela ANS sobre o tema e também sobre a sua repercussão em relação ao
disposto no estatuto da consulente.

4. Resoluções da ANS e o caso concreto

A celeuma trazida na consulta aponta para a suposta disparidade entre o estatuto da consulente,
entidade classificada como de autogestão no âmbito do sistema de saúde suplementar, e a
regulamentação editada pela ANS.

A incompatibilidade estaria nos impedimentos e restrições impostos estatutariamente à participação


de associados aposentados em funções de direção da entidade. Referido tipo de condicionamento,
criado no âmbito interno da entidade, feriria a atual regulamentação do setor.

As regras atacadas na ação judicial em tela dizem respeito, em primeiro lugar, à vedação de
participação de aposentados na direção da entidade. Exige-se que os cargos de diretor sejam
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exercidos por associados que estejam no exercício de função comissionada. Com isso, afastam-se,
entre outros, os associados que já estejam aposentados.

A outra regra limitadora da participação de aposentados diz respeito à composição do Conselho


Fiscal da entidade. Tal regra, embora objeto de questionamento na ação judicial, não teve sua
validade atingida pela sentença de primeira instância. A restrição, nessa passagem, não é absoluta.
O estatuto prevê que, entre os membros do Conselho Fiscal (que é composto por cinco associados),
apenas dois sejam aposentados.

Comparando tais dispositivos com a legislação pertinente (Lei da ANS e Lei dos Planos de Saúde),
já seria possível apontar a ausência de competência da ANS para impedir tal tratamento estatuário.
As competências regulamentares a respeito da matéria visam a proteger o setor de saúde
suplementar. A competência outorgada à ANS para imposição de critérios para o exercício de cargos
de direção nas operadoras de planos privados de assistência à saúde busca fim bem delineado:
preservar a qualidade na gestão de tais entidades. Tendo em vista essa finalidade a ser alcançada,
já é possível concluir que faltaria à ANS competência para impedir a criação de condições
específicas, de caráter estatutário, para o exercício de funções de direção em operadora de plano
privado de assistência à saúde.

Deveras, tratar-se-ia de intervenção em assunto interna corporis, que não atenderia a qualquer
interesse público relacionado ao setor de saúde suplementar. Estar-se-ia diante de norma
regulamentar que, em face da própria legislação setorial, escaparia às atribuições da ANS. É o que
se constata a partir da simples leitura da legislação aplicável ao setor.

Dita legislação só conferiu competência à ANS para que esta discipline aspectos relacionados à
atuação no setor de saúde suplementar. Regra que determinasse peremptoriamente a acessibilidade
a cargos de direção de determinada categoria de associado ou sócio de operadora de plano privado
de assistência à saúde não teria por escopo a proteção ou regulação do setor; mas mera intervenção
nas regras internas de entidades privadas. O conteúdo de norma com tal perfil seria, portanto,
inválido, por evidente descompasso com a finalidade que deveria alcançar, nos termos da lei.

Essa conclusão, porém, não deve inibir a análise da regulamentação editada pela ANS. É importante
investigar se, de fato, a Agência incorreu em tal ilegalidade. Ou seja, ainda é necessário verificar se
a ANS editou qualquer norma que impeça as entidades privadas do setor de fixarem requisitos
autônomos para a ocupação de seus cargos de direção.

São duas as resoluções da ANS apontadas como fonte da suposta restrição: a Resolução Normativa
ANS 137, de 14.11.2006 (com a redação que lhe foi dada pela Resolução Normativa ANS 148, de
03.03.2007), que dispõe sobre as entidades de autogestão; e a Resolução Normativa ANS 11, de
22.07.2002 [revogada pela Resolução Normativa ANS 311/2012], que institui normas sobre o
exercício de cargo de administrador nas operadoras de planos de saúde.

A Resolução Normativa ANS 137 definiu as operadoras de plano de saúde incluídas na categoria de
autogestão. A consulente se enquadra em uma das espécies arroladas.1 A suposta restrição à norma
estatutária teria sido prevista no dispositivo que impõe, como um dos temas que devem constar dos
atos constitutivos dessas entidades, a fixação de critério de participação dos associados nos seus
órgãos diretivos. Confira-se a previsão regulamentar:

Resolução Normativa 137/2006

Art. 4.º O ato constitutivo da entidade de autogestão deverá conter o critério e a forma de
participação dos beneficiários titulares que contribuam para o custeio do plano, bem como do
mantenedor ou patrocinador, na composição dos seus órgãos colegiados de administração superior.

Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica à entidade de autogestão definida no inciso I do
art. 2.º.

A Resolução Normativa ANS 11/2002 [revogada pela Resolução Normativa ANS 311/2012], por sua
vez, instituiu as funções tidas como de direção das operadoras de plano de saúde, para, na
sequência, arrolar diversos requisitos que tais administradores deveriam atender. A incompatibilidade
com o estatuto da consulente estaria caracterizada pelo fato de não haver, em tal resolução,
qualquer proibição à participação de aposentados na direção de tais entidades. Vejam-se os
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dispositivos que estabeleceram alguns dos critérios para a ocupação de cargos de direção em
operadoras de planos de saúde:

Resolução Normativa ANS 11/2002

Art. 1.º Para efeito da presente Resolução, são considerados administradores de OPS:

I - os eleitos ou nomeados para os cargos de Diretor, Curador ou membro dos Conselhos de


Administração, Deliberativo, Curador, Diretor ou assemelhados, quando se tratar de órgãos
estatutários;

II - os sócios-gerentes designados em contrato ou alteração de contrato social, quando se tratar de


sociedades regidas por tal instrumento; e

III - os membros do Conselho Fiscal, sempre que configurada a hipótese do art. 9º desta Resolução.

§ 1.º As OPS poderão contratar administrador estranho ao seu quadro social, para prestação de
serviço como Diretor ou Gerente, o qual deverá, igualmente, preencher as condições e os requisitos
previstos nos arts. 2.º e 3.º desta Resolução.

§ 2.º O Ato Societário da eleição, da nomeação, da designação ou o ato da contratação deve indicar,
expressamente, o administrador que for responsável pela área técnica de saúde.

Art. 2.º O exercício de qualquer cargo ou função, de que trata o artigo anterior, deverá ser cometido a
pessoas naturais residentes no país que preencham os seguintes requisitos:

I - no caso de membros dos Conselhos de Administração, Deliberativo, Diretor, Curador ou


assemelhados, aqueles que tenham exercido, pelo prazo mínimo de dois anos, funções de direção
em entidades públicas ou privadas, ou, ainda, em órgãos da administração pública federal, estadual
ou municipal, ou que tenham exercido pelo prazo mínimo de três anos, funções de assessoramento
em empresa do setor de saúde;

II - no caso de membros da Diretoria, Sócios-Gerentes ou Administradores Contratados, previsto no


§ 1.º do art. 1.º desta Resolução, aqueles que tenham exercido funções de direção ou gerência, pelo
período mínimo de dois anos, em entidades públicas ou privadas, ou o prazo mínimo de três anos,
em funções de assessoramento em empresas do setor de saúde, sendo exigível do responsável pela
área técnica de saúde o registro no Conselho Regional de Medicina - CRM ou no Conselho Regional
de Odontologia - CRO, conforme o caso.

(…)

Art. 3.º Além dos requisitos de capacitação técnico-profissional definidos no art. 2º, são também
condições básicas para o exercício de qualquer cargo ou função de que trate o art. 1.º desta
Resolução:

I - não ser impedido por lei;

II - ter reputação ilibada;

III - não estar sob os efeitos de condenação por crime falimentar, de prevaricação, de corrupção ativa
ou passiva, de concussão, de peculato, contra a economia popular, contra a fé pública, contra a
propriedade ou, havendo sido condenado, apresentar a declaração judicial de reabilitação na forma
da legislação pertinente;

IV - não ter participado da administração de empresa que esteja em direção fiscal ou que tenha
estado ou esteja em liquidação extrajudicial ou judicial, até que seja apurada a sua responsabilidade;
e

V - não estar inabilitado para cargos de administração em outras instituições sujeitas à autorização,
ao controle e à fiscalização de órgãos ou entidades da administração pública direta ou indireta.
[revogada pela Resolução Normativa 311/2012].

A simples leitura dos referidos dispositivos é capaz de revelar a ausência de qualquer restrição
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regulamentar que impeça a criação de condições internas autônomas, para o exercício de cargos de
direção em operadoras de plano de saúde.

Deveras, a Resolução Normativa ANS 137/2006 (com a redação que lhe foi dada pela Resolução
Normativa ANS 148/2007) apenas criou o dever de inclusão, nos atos constitutivos das entidades de
autogestão, de regra estabelecendo o critério e a forma de participação dos beneficiários que
contribuam para o custeio do plano nos órgãos colegiados de administração superior (art. 4.º da
referida resolução). A regulamentação não determinou que todos os contribuintes tivessem acesso
aos cargos de administração superior. Obrigou-se a inclusão, no ato constitutivo da entidade, do
critério e forma de preenchimento dessas funções, justamente o que os estatutos da consulente
fizeram, ao disporem que todos os associados (inclusive aposentados) votariam para escolher certos
diretores, cuja qualificação mínima foi também prevista.

Com isso, a regulamentação não disse que todo associado/contribuinte de entidade de autogestão
teria direito à acessibilidade aos seus cargos diretivos. Aliás, a própria regulamentação da ANS
desmente tal ilação, ao estabelecer requisitos mínimos ao exercício de funções superiores em
operadoras de planos de saúde, que, por óbvio, restringem por si só o acesso a tais funções. Como
se vê, o objetivo da regra não foi o de assegurar o direito de ocupar cargo de direção aos associados
de entidades de autogestão.

A Resolução Normativa ANS 137/2006, por intermédio do aludido artigo, criou apenas obrigação de
caráter formal, que traz como efeito prático a exposição, logo no ato constitutivo da entidade de
autogestão, dos critérios empregados no preenchimento de funções superiores. De resto, trata-se de
mera repetição de norma do Código Civil (LGL\2002\400) (art. 54 do CC/2002 (LGL\2002\400)), que
define o estatuto da associação como o responsável por regular a forma de gestão. Trata-se de
obrigação que busca também facilitar a fiscalização da matéria por parte da agência, na medida em
que torna referida informação disponível a partir da mera consulta ao ato constitutivo (documento
básico a ser apresentado junto ao órgão regulador, para fins de registro e obtenção de autorização
de funcionamento da operadora). A norma em referência não impôs balizas à escolha dos critérios
de preenchimento de tais cargos. Seu objetivo nítido foi dotar a agência de mais um instrumento de
fiscalização.

Do mesmo modo, inexiste restrição à imposição de condicionamentos internos para o exercício de


funções de direção na Resolução Normativa ANS 11/2002. O citado instrumento normativo indica
requisitos básicos ao exercício de funções de direção nas operadoras de planos de saúde. Porém,
as operadoras não foram impedidas de adotar requisitos mais rigorosos para o exercício dessas
funções superiores. Nada impede, por exemplo, que a operadora de plano privado de assistência à
saúde institua, em seus estatutos, que sua diretoria deva ser composta apenas por pessoas com
pós-graduação. Do mesmo modo, não está proibido que, ao invés dos três anos de experiência
mínima em funções de direção (prazo mínimo exigido na regulamentação), a operadora estabeleça
prazo maior - de cinco anos, por exemplo - para a ocupação do referido posto.

No caso em tela, a consulente, operadora enquadrada como entidade de autogestão, traz em seu
estatuto uma restrição à participação de associados aposentados em sua diretoria. A norma impõe
condição que não está presente na regulamentação da ANS; todavia, a exigência não viola dita
regulamentação. Isto porque a regulamentação da ANS, como sua simples leitura já indica,
estabelece apenas requisitos mínimos para o exercício das funções superiores de operadoras de
planos de saúde. Não há qualquer proibição a que as operadoras, por meio de deliberações internas,
estabeleçam livremente outro tipo de exigência. O que a regulamentação impede é o exercício de
tais funções por quem não atenda aos requisitos mínimos ali estabelecidos. Outras condições, que
surjam do livre exercício da atuação societária ou associativa, não encontram qualquer obstáculo na
regulamentação da ANS.

A regulamentação editada pela ANS, portanto, não foi além do que admite a legislação do setor. As
condições impostas buscam apenas proteger o setor, em especial os usuários do sistema de saúde
suplementar. Nessa linha foram estabelecidas normas para proteger a qualidade na gestão das
operadoras de planos privados de assistência à saúde. Foram criadas exigências mínimas, requisitos
básicos para o exercício de funções diretivas em tais entidades. A regulamentação não objetou a
criação de exigências internas, mais rigorosas, por parte da livre deliberação dos agentes privados
envolvidos.

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É de se concluir, portanto, que a legislação do setor de saúde suplementar - seja a decorrente de lei
em sentido formal, seja a produzida por resoluções normativas da ANS - não se contrapõe à regra
contida no estatuto da consulente, que reserva o exercício de cargos de diretoria a associados que
estejam na ativa (excluindo, por consequência, os aposentados).

5. Representatividade dos associados no estatuto da entidade

As normas legais e regulamentares que disciplinam o exercício de funções de direção em


operadoras de planos privados de assistência à saúde apontam para a criação de um padrão mínimo
de profissionalismo na administração de tais entidades.

Foi em busca desse objetivo que a legislação conferiu à ANS o atributo de fixar critérios para a
ocupação de cargos de direção e a agência, no exercício dessa competência, fixou requisitos para o
exercício de tais funções.

Em relação às entidades de autogestão, pelo próprio perfil que tais estruturas apresentam, a
regulamentação da ANS foi mais cautelosa. Para elas foi agregado, às condições mínimas de
exercício de funções diretivas, dever de natureza instrumental, que as obriga a incluir, no respectivo
ato constitutivo, o critério de participação dos associados contribuintes nos seus órgãos de direção.

Ao contrário do que faz supor a ação proposta e a sentença de primeira instância, o regulador não
assegurou, com tal dispositivo, o livre acesso de qualquer contribuinte aos cargos de direção das
entidades de autogestão. Longe disso. Não há nada que indique ter sido essa a intenção do
regulador. A medida parece ter sentido oposto. Diante das características das entidades de
autogestão, a ANS estipulou obrigação de caráter instrumental, que lhe permite aferir, apenas com a
verificação do ato constitutivo, quais os critérios de preenchimento dos cargos de direção.

Nesse aspecto há perfeita consonância entre o estatuto da consulente e as diretrizes consagradas


na regulamentação da ANS. De fato, analisando-se o perfil da entidade, com a crescente
participação de associados aposentados na entidade, a acessibilidade dessa categoria aos cargos
de direção via eleição direta transformaria, de maneira acentuada, a escolha de dirigentes em ato
político. A regra prevista no estatuto, portanto, preserva, dentro do quadro eleitoral, o mínimo de
impessoalidade na escolha dos dirigentes da entidade.

Ainda no que diz respeito às entidades de autogestão - categoria na qual se insere a consulente - a
regulação também procura estabelecer regras que visam à proteção dos associados/contribuintes.
Nesse caso, a regulamentação os protege porque esses associados são usuários dos planos de
assistência à saúde. É nesse contexto que a forma de participação dos associados na direção
dessas entidades é cobrada na regulamentação. Há, indiretamente, a preocupação de que tais
associados, que também se confundem com clientes dos planos, de algum modo tenham influência
na gestão da entidade. Isso, por óbvio, não quer dizer que eles próprios devam ter, necessariamente,
acesso aos cargos de diretoria.

Também nesse aspecto (o da representatividade) o estatuto da entidade se mostra compatível com


as diretrizes regulamentares. Nele se assegura a plena participação de associados (inclusive dos
aposentados, independentemente do nível funcional) na eleição de parte dos dirigentes da entidade.
Trata-se de sistema plenamente democrático, do qual todos participam na escolha das funções mais
importantes da associação.

Percebe-se, como se vê, plena consonância entre o estatuto em exame e as diretrizes adotadas pela
regulação do setor de assistência à saúde suplementar.

6. Conclusão

Tendo em vista tudo o que foi exposto, respondo sucinta e objetivamente à questão levantada.

A legislação do setor de saúde suplementar proibiu a fixação dos requisitos para o exercício de cargo
de direção previstos nos arts. 45, parágrafo único, e 58 do estatuto social da consulente?

Não. As normas da ANS foram editadas com o objetivo de proteger o setor, especialmente os
usuários dos planos privados de assistência à saúde. Nessa linha foram estabelecidas condições
mínimas ao exercício de funções diretivas nas operadoras de tais planos. A regulamentação não
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CARGOS DIRETIVOS EM ENTIDADE DE SAÚDE
SUPLEMENTAR E REGULAÇÃO

proibiu que as operadoras criassem condições mais rígidas para a ocupação de cargos de diretoria.
Portanto, a legislação do setor de saúde suplementar - seja a decorrente de lei em sentido formal,
seja a produzida por resoluções normativas da ANS - não se contrapôs à regra contida nos estatutos
da consulente, que reserva o exercício de cargos de diretoria a associados que estejam na ativa
(excluindo, por consequência, os aposentados). Tampouco há conflito entre tais normas
regulamentares e a previsão estatutária de que apenas dois dos cinco cargos do Conselho Fiscal da
entidade, podem ser preenchidos por associados aposentados.

1 Eis o dispositivo que define a consulente como entidade de autogestão. “Art. 2.º Para efeito desta
resolução, define-se como operadora de planos privados de assistência à saúde na modalidade de
autogestão: (…) II - a pessoa jurídica de direito privado de fins não econômicos que, vinculada a
entidade pública ou privada patrocinadora, instituidora ou mantenedora, opera plano privado de
assistência à saúde exclusivamente aos seguintes beneficiários: a) empregados e servidores
públicos ativos da entidade pública patrocinadora; b) empregados e servidores públicos aposentados
da entidade pública patrocinadora; c) ex-empregados e ex servidores públicos da entidade pública
patrocinadora; d) pensionistas dos beneficiários descritos nas alíneas anteriores; e) sócios da
entidade privada patrocinadora, instituidora ou mantenedora da entidade de autogestão; f)
empregados e ex-empregados, administradores e ex-administradores da entidade patrocinadora,
instituidora ou mantenedora da entidade de autogestão; g) empregados, ex-empregados,
administradores e ex-administradores da própria entidade de autogestão; h) aposentados que
tenham sido vinculados anteriormente à própria entidade de autogestão ou a sua entidade
patrocinadora, instituidora ou mantenedora; i) pensionistas dos beneficiários descritos nas alíneas
anteriores; e j) grupo familiar dos beneficiários descritos nas alíneas anteriores, limitado ao terceiro
grau de parentesco, consangüíneo ou afim; (…)”.

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