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Como as guildas medievais prejudicaram o crescimento

europeu: uma análise da obra da historiadora Sheilagh


Oglivie.

Sheilagh Ogilvie, The European Guilds: An Economic Analysis, Princeton University Press:
Princeton, NJ, 2019; 672 pp

Resenha publicada originalmente por Brock, A. L. (2020), na Revista European


History Quarterly (Agosto 2020). https://vbn.aau.dk/en/publications/sheilagh-ogilvie-
the-european-guilds-an-economic-analysis

The European Guilds: An Economic Analysis (https://www.econ.cam.ac.uk/ogilvie-


european-guilds-book), de Sheilagh Ogilvie, é um estudo meticuloso e provocativo
sobre as guildas de artesanato europeias ao longo de um período de seiscentos anos. Ele
fornece uma contribuição importante para a história econômica e para a história das
instituições, investigando a influência positiva ou negativa das guildas no crescimento
econômico europeu durante o período medieval e no início da modernidade.

Esta obra se baseia no natural desenvolvimento da tese anterior de Ogilvie, em


particular de seu trabalho Instituições e Comércio Europeu, de 2011, que se concentrou
na influência das guildas mercantes no desenvolvimento econômico em geral. Sua
conclusão, então, foi a de que as guildas mercantes e as companhias de comércio eram
prejudiciais à economia. Eles existiam apenas para o benefício de seus membros e
pouco faziam pela sociedade como um todo.

The European Guilds também se propõe a desafiar a noção de que as guildas de artesãos
eram benéficas para a economia e a sociedade como um todo. Como tal, a linha
argumentativa não é surpreendente, mas a riqueza de detalhes e a firmeza argumentativa
fazem da mais recente contribuição de Ogilvie ao debate acerca do papel das
instituições sociais na economia uma valiosa leitura.

“The European Guilds: An Economic Analysis, de Sheilagh Ogilvie, é um estudo


meticuloso e provocativo sobre as guildas de artesanato europeias ao longo de um
período de seiscentos anos.” [...] The European Guilds também se propõe a desafiar a
noção de que as guildas de artesãos eram benéficas para a economia e a sociedade
como um todo.

Para reforçar seus pontos, Ogilvie baseia-se extensamente, ao longo do livro, em dois
bancos de dados – um de declarações qualitativas sobre guildas e outro focado em dados
quantitativos.

A fim de aumentar a colaboração entre os acadêmicos, os bancos de dados foram


disponibilizados ao público geral, o que oferece aos leitores e colegas acadêmicos uma
excepcional oportunidade de acompanhar de perto o argumento e a documentação
referenciada. Espera-se com isso que outros pesquisadores se inspirem nessa prática e
tornem seus conjuntos de dados acessíveis a públicos mais amplos no futuro.

Os bancos de dados foram amplamente criados a partir de literatura secundária, e não


está claro quais critérios se utilizaram para selecionar os dados relevantes. Ao examinar
os materiais utilizados, por exemplo, no banco de dados qualitativo, parece que 20 por
cento das fontes pesquisadas têm mais de um século. Isso, naturalmente, não os
desqualifica, mas a precisão e compreensão históricas encontradas nos estudos do
século XIX podem ser diferentes das atuais no que concerne ao rigor metodológico.

Ao longo de dez capítulos, Ogilvie argumenta contra a utilidade econômica das guildas
de artesãos e contesta o status quo historiográfico. O primeiro capítulo, ‘The Debate
about Guilds’ é a ambiciosa declaração de missão que define o tom do livro. Na opinião
de Ogilvie, até então o debate se concentrou excessivamente na influência econômica,
social e cultural positiva das guildas na sociedade. Os historiadores têm se mostrado
muito dispostos a aceitar o comportamento das guildas como expressões dos valores
culturais predominantes (17). Em vez de examinar as influências negativas na economia
e na sociedade, vários historiadores promoveram a visão de que as guildas eram
inovadoras, garantidoras de qualidade e benéficas para a sociedade.

Para retificar isso, Ogilvie se propõe a testar essas alegações e provar que as guildas
apenas promoveram os interesses de seus poucos e limitados membros, discriminando
ativamente pessoas de fora, como mulheres e minorias religiosas.

Cada um dos capítulos empíricos seguintes adota um padrão semelhante: começam com
resumos dos argumentos dos historiadores sobre os efeitos positivos das guildas de
artesãos, enquanto a maior parte do capítulo é dedicada a refutar esses argumentos. Essa
abordagem parece muito convincente, mas a refutação implacável desses argumentos
parece ser falsa, trazendo consigo a sensação de se tratar de uma falácia do espantalho.
Como resultado, a abordagem, conquanto eficaz, torna-se um tanto repetitiva.

O restante do livro pode ser dividido em duas seções interligadas: os capítulos 2 a 5


referem-se às questões ligadas aos aspectos políticos, sociais e culturais das guildas, ao
passo que os três seguintes referem-se ao controle de qualidade, ao capital humano e à
inovação, e estão mais proximamente associados ao aspecto ocupacional das guildas.
“Em vez de examinar as influências negativas na economia e na sociedade, vários
historiadores promoveram a visão de que as guildas eram inovadoras, garantidoras de
qualidade e benéficas para a sociedade. Para retificar isso, Ogilvie se propõe a testar
essas alegações e provar que as guildas apenas promoveram os interesses de seus
poucos e limitados membros, discriminando ativamente pessoas de fora, como
mulheres e minorias religiosas.”

O capítulo 2 argumenta que as guildas não eram instituições de ordem privada, mas
obtinham seus direitos exclusivos oferecendo serviços a governos e estados, assim
promovendo os interesses (limitados) de seus membros, em vez do interesse de toda a
comunidade. Em seguida, Ogilvie descobre que as barreiras de entrada das guildas
beneficiaram seus membros, garantindo a exclusividade e a reserva de mercado,
impondo custos adicionais aos não membros (170).

O capítulo seguinte explora de que maneira as guildas, em detrimento geral da


economia, usavam seus privilégios para manipular mercados e limitar o acesso de vários
grupos sociais a tais profissões (230).

No quinto capítulo, a relação das mulheres com as guildas é questionada e, assim como
no capítulo sobre barreiras de entrada, revela que as guildas não promoveram nem
sustentaram o status econômico das mulheres. Em vez disso, limitaram-lhes as
possibilidades de escolhas econômicas, e, como resultado, prejudicaram-nas, bem como
as famílias e a economia como um todo (306).
“As guildas não eram instituições de ordem privada, mas obtinham seus direitos
exclusivos oferecendo serviços a governos e estados, assim promovendo os interesses
(limitados) de seus membros, em vez do interesse de toda a comunidade.”

Examinando os aspectos ocupacionais das guildas mais de perto, o capítulo 6 argumenta


que a certificação da guilda tinha menos a ver com controle de qualidade e mais com a
manipulação de mercados para aumentar o lucro de seus membros (335).

No sétimo capítulo, Ogilvie argumenta que as guildas geralmente não promoviam a


formação de capital humano e descobre que não houve uma relação positiva entre o
treinamento profissional fornecido pela guilda e resultados econômicos satisfatórios.
Em vez disso, permitiram que uma minoria privilegiada, principalmente masculina,
obtivesse habilidades à custa da sociedade em geral (437).

O penúltimo capítulo analítico segue linhas semelhantes, examinando o papel das


guildas na inovação. Ogilvie conclui que as inovações também ocorreram em setores
onde não havia guildas, e que nesses setores ocasionalmente surgiam inovações num
ritmo mais acelerado. Em outras palavras, seria errado concluir que as guildas tiveram
um papel especial no processo de inovação de suas artes (509).

O capítulo analítico final desafia a ligação entre as guildas e o desenvolvimento


econômico em diversos países europeus. Resumindo as descobertas anteriores, este
capítulo conclui que os países europeus com guildas relativamente fracas, como a
Inglaterra e os Países Baixos, tiveram (comparativamente) rápido crescimento
econômico a partir do final da era medieval em diante. Simultaneamente, países com
guildas moderadas ou fortes estagnaram economicamente (563).

Assim, ao longo de mais de 500 páginas, Ogilvie argumenta consistente e teimosamente


contra os supostos efeitos benéficos das guildas de artesãos. A cobertura impressionante
do livro – cobrindo a maior parte da Europa e mais de 600 anos de história – também é
uma de suas desvantagens. Ao comparar os desenvolvimentos em toda a Europa durante
um período tão longo – e homogeneizar as práticas das guildas ao longo do tempo e do
espaço –, a visão das guildas, dos governos e das práticas individuais não tem como
deixar de se tornar estática.

Em vários casos, é difícil determinar em que medida as tendências delineadas nas


tabelas estão a descrever anomalias – casos excepcionais – em vez de casos
representativos. Por exemplo, na Tabela 5.11 (256), Ogilvie investiga os limites
impostos pelas guildas sobre o que as viúvas podem ou não fazer. O conjunto de dados
contém 262 ocorrências de guildas que limitaram as práticas das viúvas no período de
1268-1829. Em relação ao tamanho das oficinas de viúvas, o conjunto de dados tem
apenas dois exemplos (0,8 por cento de todas as ocorrências anotadas na tabela), que
foram encontrados na França.
O que se pode extrapolar disso? Seria justo afirmar, com base em apenas dois casos na
França, que as guildas decidiram o tamanho das oficinas de viúvas em toda a Europa
durante 600 anos? A resposta pode ser sim, mas requer estudos mais detalhados nesta
área para se ter certeza, pois a mera síntese de dados não fornecerá as informações
necessárias para tanto.

“os países europeus com guildas relativamente fracas, como a Inglaterra e os Países
Baixos, tiveram (comparativamente) rápido crescimento econômico a partir do final da
era medieval em diante.”

Sem dúvidas, o livro dividirá a opinião dos historiadores a depender de seus pontos de
partida geográficos e de suas especializações. De todo modo, The European Guilds é
um oportuno lembrete para que questionemos as verdades aceitas sobre a riqueza
monopolizada e o desenvolvimento econômico em uma perspectiva histórica, bem
como na sociedade contemporânea. Por fim, Sheilagh Ogilvie escreveu um livro que
deve se tornar o ponto de partida para as discussões sobre o desempenho econômico das
guildas, bem como seu impacto social e cultural na sociedade. Ele se tornará o ponto de
partida natural para estudos futuros sobre os papéis das guildas no crescimento
econômico e encorajará estudos comparativos adicionais baseados em novos dados,
abordagens metodológicas ou revisões.
“De todo modo, The European Guilds é um oportuno lembrete para que questionemos
as verdades aceitas sobre a riqueza monopolizada e o desenvolvimento econômico em
uma perspectiva histórica, bem como na sociedade contemporânea. Por fim, Sheilagh
Ogilvie escreveu um livro que deve se tornar o ponto de partida para as discussões
sobre o desempenho econômico das guildas, bem como seu impacto social e cultural na
sociedade.”

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