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esperar muito tempo para que esses tra- ce, improvisando no campo efetivo de sua
balhos pioneiros levassem à admissão e vida cotidiana as seqü ências da realida-
ao reconhecimento da legitimidade do de provável, contudo, incerta. A impro-
olhar antropoló gico sobre todos os as- visação é guiada pelo ambiente e o sen-
pectos da contemporaneidade no campo tido produzido e interpretado esta pre-
das sociedades dominantes e, essencial- sente nos muitos níveis de expressão e
mente, •brancas•. de percepçã o. É a primeira elaboração
daquilo que, pouco a pouco, se tornará
O filme foi realizado como urna ver- para Rouch um modo freqü ente de reali-
dadeira pesquisa, os principais protago- zaçã o e que o cinema levará anos para
nistas encenavain sua pró p ria vida de aceitar como um modo narrativo particu-
imigrantes na cidade de Abidjan ao mes- larmente rico e, acima de tudo, legítimo:
mo tempo em que revestiam seus so- o documentário-ficção surgirá assim pro-
nhos de uma certa realidade. Compondo gressivamente e se distinguirà radicalmen-
um verdadeiro sociodrama, — e talvez ja te das tentativas indecentes realizadas por
prevendo o procedimento dramático de vários mercenários do cinema para con-
Pyramide Ilumaine —, os atores sã o os fundir a verdade ira falsificação do real
heró is de uma narração que lhes perten- com a realidade propriamente dita. Em
kotich, o que ficciooaliz‹ o documento é
lit›erd:ide dois .itores é extremamente sí-
a introduç-*o deliberada do im:igin‹írio:
tu«d». Conscqü entcn›cntc r la p¢rn›itc a
ele transpõ e os limites do rcalismo docu- in›pi’ovis4çlo c a invençïo como ac lon-
mental para introduzir a coinprccnsat› dc go n›ezsmo da ¢xistÉ ncia. A fíln1ag«ni tor- n.-
uma existência, ri.ao :›omcnte ao nivel de s¢, entao. uma vcrdadc ira fom›l de
uma cotidiantidade trivial, mace, tambem, zcoinpanhaniei›to, um procedimento fe-
no plano de uma afetividade c:specífica nomenológico qut pensa a ariao sem 2
que é posta em situaç.ao. projetando seucs viver unicamente. do mesmo modo que
sonhocs nos condicionamentos pragmàti- o pioces.o de realizaç.ao interpela o› ato-
cos do día-a-dia. A construção é. desse res sem, efltfeÍílDtO, 5tlbmete-los "e exi,çên-
modo, uma produçã o da pró prio situa- cia do e nquadramento. Desse jogo de
ção, um jogo no curcso da realização que autonomias interativas nasce a dinâmica
leva os protagonistas a misturarem aos de um discurso em freqü ente construçao,
acontecimentos do dia as esperanças da mas sempre inscrito no interior de uma
noite. Deste deb2tC entre os atores íe ló gica dram*tica, instruída pelas condiçõ e.‹
aqueles que encenam diante da camera
impostas pelo ambiente e pela situação
atuam em primeÍfO ltlgar Com aqueles que
de cada protagoni.sta em seu seio.
se encontram por dctiz:• e que, conse-
qü entemente, também» são atore.e) nasce- 0 filme foi realizado sem som, mudo,
rá, como em toda realizaçã o fílmica, uma
e a pó s-sincronização implicava a elabo-
realidade viva z, uma realidade que se
ração de um comentá rio a vários níveis
inventa a partir do momento em que se
ao mesmo tempo em que tentava uma
coloca os personagens no quadro de sua dublagem de si mesmo feita por um dos
pró pria existência. Conversas e falas sao principais heró is da aventura. Rouch in-
trocadas e criam os acontecimentos: um troduz alguns comentários, facilitando o
dos heró is do filme reproduz fora dele reconhecimento dos lugares e dos perso-
suas identificaçõ es e, por conta desse nagens e identificando as seqü ências. Ele
jogo, e verdadeiramente preso pela ver- provoca, assim, um distanciamento qua-
dndeire polícia de Abidjan! Assim, o fil- se brechtniano que é menos um procedi-
me nào c mais uma simples representa- mento de exposicão socioló gica do que
çã o, a fala nã o é simples descriçã o, a uma advertência lançada ao espectador
imagem e os gestos filmados nao se con- para que ele reconheça a autenticidade
tentam apenas em reprodu2Ír, há produ- de um jogo que se mostra e se esconda
çã o concreta de açô es e de relaçõ es e, tal como o jogo da verdade O ator Ou-
portanto, de afeto e de sentimentos cujas marou Ganda se dirige ao espectador
conseqü ências fogem a uma encenaçã o estrangeiro, ele toma a palavra e assim,
pré-estabelecida. A ficçã o se torna reali- acontecimento incrível, é a primeira vez
dade, expe riência compartilhada, ela que em um filme a palavra é dada a um
constró i um autêntico vivido (vécu), pois afticano. Esta fala é a expressão de uma
ela nada mais é do que uma tnise eit scê- representação consciente, não é umma si
ne do plausível e nâo uma dramatizaçâo - ples resposta a proposição de uma ques-
narrativa inteiramente pré-concebida. A tã o, sábia atitude diante daquilo que st-
U m a an o po og' a - d á
Cinema and city are places of representations which interact and use each other 'Moi,
un Noir", by Jean Rouch, was filmed in the context of African decolonization, bringing in
landscapes of modernity. Constructing a real socio-drama, the actors are heroes in a narra-
tive which belongs to them. Fictional documentary and shared anthropology are thus
created The other gains autonomy to address the spectator This new poliphony, already
present in the end of the 50s, can only be understood once cities are discovered.