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Antônio Roque
Agosto 2023
1 O problema do movimento
No início da primeira aula, dissemos que a mecânica newtoniana é essencialmente
uma teoria para o movimento. Isto nos coloca a questão central, pelo menos do
ponto de vista conceitual, que é: o que é movimento?
Em geral, a resposta dada a esta pergunta é: movimento é mudança de posição
com o tempo. Parece óbvio, mas vejamos o seguinte exemplo. Imagine um espaço
euclidiano infinito e tri-dimensional, que, por simplicidade, representaremos aqui
como bi-dimensional (veja a Figura 1).
Imagine que nesse espaço existem corpos materiais que podemos ver e identi-
ficar como na Figura 1(a) (a identidade de cada corpo é dada por uma cor especí-
fica). O espaço, por outro lado, é invisível para nós. As distâncias relativas entre
os corpos (que podemos tratar como partículas) são bem definidas e satisfazem
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“Uma vez que as partes do espaço não podem ser vistas ou diferenciadas umas
das outras pelos nossos sentidos, usamos medidas perceptíveis [isto é, observáveis]
delas. [...] Assim, em vez de lugares e movimentos absolutos, usamos relativos, e
isto sem qualquer inconveniente prático.” Com esta frase de Newton, passaremos
agora a tratar da descrição do movimento tendo por base a mudança da posição
de um corpo em relação a outros corpos.
3 Sistemas de referência
Considere uma situação em que você está guiando seu carro em uma cidade se-
guindo as orientações de um aplicativo de celular. A voz que vem do aplicativo
diz: em duzentos metros, vire à direita; e depois, siga em frente por 1 km e vire
à esquerda, etc. O que está acontecendo aqui é que o aplicativo está usando as
ruas da cidade, que constituem um conjunto de objetos físicos em repouso uns em
relação aos outros, como sistema de referência em relação ao qual as mudanças
de posição do seu carro são medidas.
Normalmente, este é o procedimento que adotamos quando estamos descre-
vendo o movimento de um corpo. Escolhemos um conjunto de objetos com posi-
ções relativas entre eles fixas e medimos as posições sucessivas do corpo em relação
ao conjunto de objetos.
Está claro, portanto, que a escolha do sistema de referência para descrever o
movimento de um dado corpo é arbitrária. Porém, em geral, escolhe-se o sistema
de referência mais conveniente para cada caso. Pense, por exemplo, que você
está no interior de um avião voando a 10 mil metros de altitude e a 850 km/h.
Embora o avião esteja se movendo rapidamente em relação à superfície da Terra, as
posições dos objetos – poltronas, painéis, janelas, etc – no seu interior permanecem
fixas. Portanto, para descrever o seu movimento no interior do avião o sistema de
referência mais conveniente é o próprio corpo do avião. Podemos, por exemplo,
usar um sistema de três eixos perpendiculares, um indo de uma ponta à outra da
fuselagem, outro indo da ponta de uma asa à ponta da outra e o terceiro indo da
base ao topo da fuselagem.
Agora, se quisermos descrever o movimento do avião e de tudo que está dentro
dele entre o aeroporto de partida e o de chegada, o sistema de referência mais con-
veniente é a Terra, tomada neste caso como em repouso. Neste caso, poderíamos
usar as linhas dos meridianos e paralelos e a altitude do avião para descrever sua
trajetória.
Já se quisermos descrever os movimentos de rotação e translação da Terra,
o mais apropriado é escolher como sistema de referência o conjunto de objetos
visíveis no céu, exceto o Sol e os planetas, chamado de estrelas fixas. As estrelas
fixas3 possuem posições relativas umas às outras que mudam tão lentamente em
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Nem todas as estrelas fixas são estrelas. Algumas são galáxias ou nuvens de gás tão distantes que não se
pode diferenciar seus constituintes individuais.
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comparação com nossas escalas de tempo na Terra que podemos considerar que
suas posições relativas são fixas. Para se convencer disso, faça o seguinte expe-
rimento. Numa noite sem nuvens, procure pela constelação do Cruzeiro do Sul
no céu e observe-a a intervalos de uma hora. Você verá que as cinco estrelas da
constelação (as quatro pontas da cruz mais a estrelinha excêntrica) se movem ri-
gidamente no céu, de leste para oeste, sem desfazer sua forma. O mesmo acontece
com todas as demais estrelas. O movimento aparente de leste para oeste é devido
ao movimento de rotação da Terra de oeste para leste. A Figura 2 mostra um
exemplo.
Figura 2: Foto de longa exposição do céu noturno mostrando o movimento circular aparente
das estrelas fixas.
4 Sistemas de coordenadas
Com vimos acima, um sistema de referência é definido por um conjunto de ob-
jetos físicos que permanecem em repouso uns em relação aos outros. Dentro de
um sistema desse tipo, fazemos medidas de posição e deslocamento criando um
sistema de coordenadas de algum tipo.
Temos sempre liberdade para escolher a origem e o tipo de sistema de coor-
denadas que seja mais conveniente para o problema que estamos estudando.
Como o espaço é tridimensional, em geral precisamos especificar três quantida-
des separadas para determinar univocamente a posição de uma partícula. Porém,
em algumas situações, o movimento da partícula está confinado a uma linha ou
uma superfície e poderemos trabalhar com sistemas de coordenadas uni- ou bidi-
mensionais. Na maior parte dos exemplos a seguir, para facilitar a visualização e o
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r 2 = x2 + y 2
y
tgθ = (1)
x
x = r cos θ y = r senθ
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0≤r<∞
0≤θ≤π (4)
0 ≤ ϕ ≤ 2π.
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Figura 7: Sistema de coordenadas esféricas. Figura de domínio público feita por Andeggs,
https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=7478049.
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x = r senθ cos ϕ
y = r senθ senϕ (5)
z = r cos θ.
e
p
r= x2 + y 2 + z 2
z z
θ = arccos = arccos p (6)
r x2 + y 2 + z 2
y
ϕ = arctan .
z
5 Gráficos espaço-temporais
A descrição do movimento de um corpo consiste em dizer qual é a sua posição no
espaço a cada instante de tempo. Em geral, para um movimento em três dimen-
sões, isto consiste em dar as três coordenadas espaciais do corpo (em qualquer
sistema de coordenadas que se queira usar) para cada instante de tempo. Isto
pode ser feito, por exemplo, listando as coordenadas espaciais e o tempo em uma
tabela como a Tabela 1 (considerando um sistema de coordenadas cartesiano).
t x y z
t0 x0 y0 z0
t1 x1 y1 z1
t2 x2 y2 z2
t3 x3 y3 z3
... ... ... ...
tn xn yn zn
Tabela 1: Lista das coordenadas espaciais de uma partícula a instantes sucessivos de tempo.
x(t)
r(t) = y(t) . (7)
z(t)
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6 Velocidade
O conceito central para a descrição quantitativa de movimento é o de velocidade.
A velocidade é um vetor, ou seja, possui magnitude (ou módulo), direção e sentido.
Às vezes, denomina-se a magnitude da velocidade de rapidez, mas normalmente,
em português, se usa a mesma palavra (velocidade) para se referir tanto ao vetor
como à sua magnitude. Por exemplo, fala-se no vetor velocidade e na magnitude
da velocidade.
A grandeza velocidade não tem unidade própria. Suas unidades no SI são da-
das pela unidade de espaço (m) dividida pela unidade de tempo (s): m/s (metros
por segundo).
A medida da velocidade requer ao menos duas medidas da posição em dois
instantes de tempo, r(t1 ) = r1 e r(t2 ) = r2 . A partir destas duas medidas,
pode-se definir o que se chama de velocidade média entre esses dois pontos:
r2 − r1
vmed =
. (8)
t2 − t1
A velocidade média, na maioria das vezes, não é uma grandeza de muita
utilidade. O conceito realmente importante é o de velocidade instantânea. Para
introduzir este conceito, é conveniente considerarmos o caso de um movimento
unidimensional em linha reta.
7 Velocidade instantânea
O grande físico estadunidense Richard Feynman (1918-1988), prêmio Nobel em
1965, costumava contar a seguinte anedota em suas aulas para explicar o conceito
de velocidade instantânea4 : uma pessoa foi parada por um policial por estar
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O diálogo abaixo foi adaptado para esta aula. Se você quiser ler a versão original em inglês, ela é parte do
livro em 3 volumes The Feynman Lectures on Physics e está disponível no site https://www.feynmanlectures.
caltech.edu/I_08.html.
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dirigindo seu carro a 100 km/h. O diálogo entre a pessoa e o policial foi o seguinte:
Policial: Você levará uma multa porque estava a 100 km/h e o limite de veloci-
dade nesta avenida é 60 km/h.
Pessoa: Como eu podia estar a 100 km/h se saí de casa há apenas 10 minutos e
não há 1 hora?
Policial: O que eu quero dizer é que se você continuasse em linha reta como
estava, teria percorrido 100 km em 1 hora.
Pessoa: Se eu continuasse em linha reta como estava, teria batido naquela árvore
no meio da rotatória que está ali adiante.
Policial: Você tem razão. Vou reconstruir minha afirmação. Se você tivesse
continuado em frente como estava por mais um minuto, teria percorrido 100 km/60
min = 1,667 km, ou 1667 m; e se tivesse continuado como estava por mais um
segundo, teria percorrido 1667 m/60 s = 27,8 m; ou ainda, se tivesse continuado
como estava por mais um décimo de segundo teria percorrido 27,8 m/10 = 2,8 m.
E daria perfeitamente para você ter continuado como estava por mais um décimo
de segundo antes de chegar na rotatória.
Pessoa: Mas, seu guarda, o limite de velocidade aqui é de 60 km/h e não de 1,7
m por décimo de segundo!
Policial: 60 km/h e 1,7 m por décimo de segundo são a mesma coisa. O que
importa é a velocidade instantânea!
Apesar da insistência da pessoa, o policial é irredutível e isto porque ele co-
nhece física e sabe que o que importa não é a manutenção da velocidade por um
longo tempo, mas a velocidade do carro em um dado momento. A velocidade em
um dado momento é a velocidade instantânea.
Para termos uma ideia mais concreta de como medir aproximadamente a ve-
locidade instantânea, imaginemos um carro movendo-se por uma estrada reta.
Suponha que de um lado da estrada, por um certo trecho dela, colocamos postes
igualmente espaçados, digamos por 1 m, e que em cada poste existe um mostrador
de um relógio digital que marque a mesma hora, com precisão de milésimos de
segundo, em todos os postes. Suponha também que do outro lado da estrada,
exatamente em frente a cada poste, existam câmeras fotográficas que tirem fotos
estroboscópicas que mostrem a estrada, o poste e o relógio digital a intervalos de
tempo muito curtos, digamos de 10 ms (veja a Figura 12).
Figura 12: Método para determinar a velocidade instantânea de um carro em uma estrada reta.
As várias fotos tiradas do trecho da estrada quando o carro passou por ela
mostrarão um dado ponto do carro, por exemplo, seu parachoque dianteiro, em
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∆t → 0,
Figura 13: A velocidade instantânea de uma partícula cujo movimento é descrito por x(t) no
instante t∗ é dada pela derivada de x(t) em t∗ .
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∆r dr
v = lim = . (10)
∆t→0 ∆t dt
Figura 14: Vetores de posição de um corpo que se move em linha reta tomados em relação a
uma origem O fora da reta. Também são mostrados, o vetor ∆r = r5 − r4 e o vetor velocidade
instantânea quando o corpo está na posição r4 (em verde). Este último foi desenhado um pouco
deslocado da reta para facilitar a visualização.
∆r = r5 − r4 ,
v = vx ı̂ + vy ̂ + vz k̂, (11)
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Figura 15: Vetor velocidade instantânea para uma trajetória genérica em três dimensões. A
figura da direita mostra o diagrama vetorial para definir a variação no vetor de posição num
pequeno intervalo ∆t.
onde
dx
vx =
dt
dy
vy = (12)
dt
dz
vz = .
dt
Portanto, o vetor velocidade instantânea também pode ser representado como
um vetor coluna como foi r em (7):
vx (t)
v(t) = vy (t) . (13)
vz (t)
8 Velocidade relativa
Como o vetor velocidade é a derivada em relação ao tempo do vetor de posição, a
velocidade de um corpo em relação a outro é a diferença vetorial das velocidades
individuais. Para mostrar isso, considere que um corpo está em r1 e o outro está
em r2 . A distância vetorial R do corpo 1 ao corpo 2 é dada por
R = r2 − r1 . (14)
A taxa de variação de R com o tempo é a velocidade V do corpo 2 em relação
ao corpo 1:
dR dr2 dr1
V = = − , (15)
dt dt dt
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ou seja,
V = v2 − v1 . (16)
A velocidade relativa V é a velocidade do corpo 2 em relação a um sistema
de referência preso ao corpo 1.
Uma maneira mais concreta de entender isso é considerar o problema de de-
terminar se dois corpos em movimento, por exemplo, barcos no oceano ou aviões
no céu, vão colidir ou não. Sejam, por exemplo, dois barcos se movendo com
velocidades constantes v1 e v2 em relação à água. Considere que num dado ins-
tante as posições dos barcos sejam as mostradas na Figura (16)(A). Notem que os
prolongamentos das linhas retas que definem as trajetórias dos barcos se cruzam
num determinado ponto. O problema é saber se esse cruzamento acontecerá no
mesmo instante, em cujo caso os barcos colidirão, ou em instantes diferentes, em
cujo caso não haverá colisão.
Figura 16: (A) Trajetórias de dois barcos movendo-se com velocidades constantes. Os prolon-
gamentos das linhas que definem as trajetórias se cruzam no ponto P . O problema é saber se
o cruzamento se dará ao mesmo tempo ou não. (B) Trajetória do barco B em relação a um
referencial fixo no barco A. Vemos que os barcos não colidirão.
V = v2 + (−v1 ) = v2 − v1 .
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• Geocentric Cosmology
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