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Licenciatura em História

História Medieval

Primórdios do Islão
– O significado do Califado
(séculos VII a XIII)

Professora Maria João Branco

Trabalho realizado por:


Joana Clara Freire Ribeiro, n.º 2020118128

1
Índice

1. Introdução e panorama
geral…………………………………………………..…….página 3
2. Análise do capítulo seleccionado…………………………..
…………………….página 4
3. Conclusão……………………………………………….......página
8
4. Bibliografia………………………………………………..página 10

2
1 – Introdução e panorama geral
Seleccionámos o capítulo intitulado “The Philosophy of the Caliphate” presente
na tese de Mestrado Succession to the Caliphate in Early Islam da autoria de Faisal Al-
Kathiri nas suas páginas 29 a 40 porque essencialmente julgamos que o mesmo tem
condições para nos dar mais conhecimento acerca do significado e funções do Califado,
um conceito que teve uma importância primordial no mundo islâmico desde a sua
origem no século VII até ao século XIII, quando o Califado deixou de existir enquanto
instituição política efectiva. Ou seja, o que é exactamente o Califa e o Califado? Que
filosofia suporta este conceito? Antes de entrarmos mais propriamente no tema faremos
algumas constatações.

Escolhemos um tema relacionado com o Islão e os seus primórdios porque,


principalmente desde os atentados de 11 de Setembro de 2001, o Islão tem sido tema
recorrente na nossa actualidade. Muitos livros, artigos e documentários têm sido
elaborados sobre a última das grandes religiões monoteístas abraâmicas e muita
polémica tem sido suscitada pelas problemáticas supostamente relacionadas com o
Islão, desde o terrorismo até à condição feminina.

E quanto à história do Islão e seus primórdios? A experiência pessoal da autora


deste trabalho é que a maioria das pessoas desconhece-a quase por completo.
Inclusivamente há casos de quem fique surpreso ao saber que o Islão é uma religião que
existe desde o século VII, e que tem, portanto, já cerca de 1300 anos de história
atingindo hoje um número de seguidores superior ao do catolicismo, por exemplo.
Incrivelmente há quem julgue ser o Islão uma espécie de seita minoritária de formação
contemporânea, opinião para a qual tem contribuído a cobertura mediática que muitas
vezes surge associada às questões do Islão, nomeadamente nas ocasiões em que
ocorrem atentados terroristas praticados em nome desta religião.

Outro dos mitos muitas vezes originado por uma visão fundamentalmente errada
do Islão é a imagem falsa de uma comunidade islâmica homogénea e monolítica.
Apesar das muitas distinções que se poderiam traçar, sem dúvida que a diferenciação
mais importante que se pode estabelecer no contexto do Islão é aquela entre sunitas
(cerca de 80% dos muçulmanos) e xiitas (cerca dos restantes 20%).

3
2 – Análise do capítulo seleccionado
No entanto, a divisão sunitas-xiitas está longe de ser contemporânea e vem já
desde os primórdios do Islão. Em termos sintetizados, os sunitas reconhecem os
primeiros quatro Califas como os verdadeiros sucessores do fundador do Islão, o profeta
Maomé (571-632), enquanto os xiitas acreditam que a autêntica liderança islâmica
pertencia a Ali (600-661), o genro de Maomé, e aos seus descendentes. 1 Em contraste
com os xiitas, os sunitas conceberam a entidade política estabelecida por Maomé em
Medina como um domínio terreno e temporal e assim consideram o Califado e a
liderança do Islão como sendo determinada não por ordem ou inspiração divina mas sim
pelas realidades políticas do mundo muçulmano. 2 A maioria dos juristas sunitas chegou
a defender a posição que o Califa deve ser um membro da tribo de Maomé (Quraysh),
mas ao mesmo tempo criaram uma teoria de eleição flexível o suficiente para permitir a
fidelidade ao Califa de facto, quaisquer que sejam as suas origens, desde que este seja
capaz de manter a ordem.3/4 Ou seja, na sua essência os xiitas advogam uma sucessão de
Maomé e um Califado assente no sangue, nos laços biológicos, enquanto os sunitas
advogam uma sucessão de Maomé e um Califado baseados em laços espirituais. A
corrente sunita está mais próxima das tradições árabes pré-islâmicas que não
reconheciam sucessão de sangue.5

Assim, a questão do Califado enquanto liderança da sociedade islâmica (que por


exemplo organizações como a Al-Qaeda e o ISIS pretenderam restaurar nos tempos
actuais, continuando, portanto, a ser importante hoje) assume uma relevância vital no
contexto da divisão sunita-xiita, tornando-se essencial entender o que se pretende com
este título disputado de forma tão enérgica por ambas as correntes. Atentando na nossa
fonte escolhida, podemos dela retirar informações valiosas acerca do significado,
funções e filosofia do Califado que com certeza serão de grande utilidade para quem
quer que esteja a penetrar no estudo destes temas pela primeira vez.

1
Encyclopedia Britannica, Sunni.
2
Ibidem.
3
Ibidem.
4
ARNOLD, Thomas, The Caliphate, p. 47.
5
Ibidem, p. 19.
4
Khalifah (Califa) significa sucessor, alguém que sucede.6 O termo foi usado pela
primeira vez para se referir a Abu-Bakr Al-Sidiq (573-634) quando ele sucedeu ao
profeta Maomé em 632.7 Desde essa ocasião que o termo se aplica a todos os líderes do
estado islâmico.8 As suas funções implicavam governar e julgar. 9 Esperava-se não tanto
que ele ditasse juízos inovadores em matéria religiosa, mas que defendesse e aplicasse o
Corão, a tradição e a Sharia (lei islâmica).10 Ou seja, o Califa é um líder
simultaneamente temporal e espiritual e o Califado é o seu domínio.11

No Corão o termo surge por vezes respeitante a um grupo de pessoas, como por
exemplo na Sura VII relativamente às tribos pré-islâmicas Ad e Thamud que foram
designadas por Deus para serem as sucessoras do povo de Noé. 12/13 No entanto, também
aparecem referências individuais, nomeadamente as da Sura VII relativas a Adão e a
David.14/15 O primeiro é nomeado Khalifah, ou seja, o sucessor dos anjos que
costumavam viver na terra.16

Quer dizer, o Califa seria alguém que sucede a alguma alta função. 17 Nos
hadiths, o profeta Maomé exorta os crentes a obedecerem aos seus Califas. 18 O Califa
seria assim alguém que deveria ser sempre obedecido, mesmo quando as suas decisões
fossem menos justas ou trouxessem malefícios ao povo, pois a punição dos maus

6
AL-KATHIRI, Faisal, “The Philosophy of the Caliphate”, in: Succession to the caliphate in early Islam,
p. 29.
7
Ibidem.
8
Ibidem.
9
Ibidem.
10
Ibidem.
11
Ibidem.
12
Ibidem, p. 30.
13
ARNOLD, Thomas, op. cit., pp. 44-45.
14
AL-KATHIRI, Faisal, op. cit., pp. 30-31.
15
ARNOLD, Thomas, op. cit., pp. 44-45.
16
Ibidem, p. 31.
17
Ibidem.
18
Ibidem, p. 32.
5
Califas caberia a Deus, bem como a recompensa dos obedientes. 19/20 Esta concepção
transmite a confiança absoluta do Islão na justiça divina. Também os Abássidas e os
Omíadas partilharam desta opinião.21

Conforme o texto analisado nos recorda, convém não esquecer que o profeta
Maomé foi um líder político para além da sua missão profética. 22 Ele foi chefe-de-
estado e líder político, nomeando embaixadores e oficiais cobradores de impostos. 23 Da
mesma forma, ele comandava o exército e era o supremo juiz e legislador. 24 Todos
aqueles que lhe sucederam “herdaram” as suas funções políticas, apenas não receberam
os mesmos dons proféticos.25 Quando Abu-Bakr lhe sucedeu os muçulmanos
chamaram-lhe sucessor do apóstolo de Deus.26 Quando Umar (584-644) sucedeu a Abu-
Bakr chamaram-lhe sucessor do sucessor do apóstolo de Deus (Khalifah Khalifah Rasul
Allah).27/28 Mas devido ao facto de o título ser longo, passaram a chamar-lhe
simplesmente Califa (Khalifah).29 Assim, este título não foi algo fornecido pelo profeta
Maomé mas sim algo tido como adequado pela comunidade muçulmana, tal como o
título Amir al-Muminin (o comandante dos crentes) que todos os Califas também
usaram.30/31

Outro dos significados importantes do Califado diz respeito ao guia das orações,
cujo título de Iman os Califas também reivindicaram relativamente às suas funções

19
Ibidem.
20
ARNOLD, Thomas, op. cit., pp. 48-50.
21
AL-KATHIRI, Faisal, op. cit., p. 33.
22
Ibidem.
23
Ibidem, p. 34.
24
Ibidem.
25
Ibidem.
26
Ibidem.
27
Ibidem.
28
ARNOLD, Thomas, op. cit., p. 31.
29
AL-KATHIRI, Faisal, op. cit., p. 34.
30
Ibidem.
31
ARNOLD, Thomas, op. cit., p. 31.
6
religiosas.32 Durante a sua vida, Maomé liderou as orações em Medina. 33 No entanto,
quando a doença o impediu de o fazer, ele nomeou Abu-Bakr para lhe suceder. 34 Este
foi um factor determinante para que Abu-Bakr fosse nomeado sucessor do profeta, pois
os muçulmanos consideram a liderança das orações mais importante do que a liderança
do estado, consideram-na como sendo um símbolo de liderança geral. 35 Assim, uma das
funções essenciais dos Califas seria sempre a liderança das orações.36

Filosoficamente, os intelectuais muçulmanos do período que analisamos


encontravam-se influenciados pela filosofia grega. 37 De facto, a doutrina política de
Aristóteles vai ser em parte aplicada ao Califado islâmico. 38 Al-Farabi (872-950) vai ser
aquele que leva mais longe esta aplicação. 39 Este filósofo desenvolve uma doutrina
política similar à doutrina platónica na qual o estado deveria ser guiado pelo Califa
enquanto líder ideal que fazia o mais correcto para o seu povo e sem o qual o estado
fracassaria.40 Já a teoria do grupo Ikhwan Us-Safa via os Califas enquanto governantes,
juízes e protectores da religião.41

Ocorreram também várias perspectivas do Califado baseadas no sufismo. Por


exemplo, Shihab ud-Din Suhrawardi (1154-1191) defendia que o Califa deve ser
escolhido mediante provas e sinais enviados por Deus, ou seja, se certas categorias de
conhecimento filosófico e teosófico ocorrerem numa pessoa ele deve ser o Califa. 42
Assim, segundo esta visão, o poder do Califa não seria propriamente terreno, pois “o
seu reino não é deste mundo” se adoptarmos esta frase do Cristianismo. 43 Por sua vez, o

32
AL-KATHIRI, Faisal, op. cit., p. 35.
33
Ibidem.
34
Ibidem.
35
Ibidem.
36
Ibidem.
37
Ibidem, p. 36.
38
Ibidem.
39
Ibidem.
40
Ibidem.
41
Ibidem, p. 37.
42
Ibidem.
43
Ibidem.
7
famoso filósofo e cientista muçulmano Ibn Khaldun (1332-1406) argumentou que a
maneira como os quatro primeiros Califas ortodoxos (632-661) conduziram o Califado
foi a ideal, mas que mesmo não conseguindo atingir este patamar os Califas seguintes
devem dedicar-se a proteger a religião e a liderar o seu povo. 44 Finalmente, Nizam al-
Mulik (1018-1092) encarou o Califado como sendo um conceito mais prático do que
filosófico. Seguindo esta linha, ele aconselhava o Califa a ouvir o povo, ensinava-lhe
como julgá-lo de forma satisfatória e como supervisionar as várias funções do estado:
militar, judicial e financeira.45

3 - Conclusão
Foi sob circunstâncias ligadas à crescente extensão e riqueza do império árabe
que a teoria do Califado foi elaborada. 46 No seu auge, o Califado estendeu-se da
Espanha à China e foi a entidade política mais poderosa da Eurásia ocidental. Numa
época em que Paris e Londres ostentavam alguns milhares de habitantes, Bagdade e
Cairo eram centros sofisticados de comércio e cultura, e os califados Omíada e Abássida
distinguiam-se por avanços extraordinários na ciência, medicina e arquitectura.

Como se pode concluir, o capítulo por nós analisado oferece-nos perspectivas


úteis acerca não apenas da presença do conceito de Califado nas fontes religiosas
islâmicas como o Corão e os hadiths mas também acerca das diversas tendências e
filosofias que se desenvolveram em redor desse conceito, nomeadamente quanto ao seu
significado e funções. As constatações deste capítulo foram partilhadas por outros
autores como o académico e historiador medieval Hugh Kennedy no seu livro The
Caliphate: History of an Idea47 ou pelo académico historiador e orientalista Thomas
Arnold no seu livro também intitulado The Caliphate.48

Apontamos apenas que, infelizmente, o autor da tese de onde o capítulo foi


retirado apresentou apenas em abstracto as funções do Califa enquanto governante, juiz

44
Ibidem, p. 38.
45
Ibidem.
46
ARNOLD, Thomas, op. cit., p. 29.
47
KENNEDY, Hugh, The Caliphate: History of an Idea.
48
ARNOLD, Thomas, op. cit., pp. 19-54.
8
e líder da comunidade e do estado islâmicos. Teria sido bastante instructivo para o
nosso estudo se o autor tivesse também apresentado alguns exemplos de situações que
demonstrassem em que consistiam aquelas funções em concreto. Não obstante estas
limitações, temos que se trata de uma obra elucidativa e fundamentada para aqueles que
pretendem compreender melhor algumas das questões surgidas no contexto dos
primórdios do Islão enquanto parte integrante da história medieval.

4 – Bibliografia

9
 AL-KATHIRI, Faisal, “The Philosophy of the Caliphate”, in: Succession to the
caliphate in early Islam, Portland State University, 1980, pp. 29-40, disponível
em: <https://pdxscholar.library.pdx.edu/cgi/viewcontent.cgi?
article=4059&context=open_access_etds>, acesso em 27 de Abril de 2021 às
11h49.
 ARNOLD, Thomas, The Caliphate, 1ª edição, Londres: Routledge, 2018.
 ENCYCLOPEDIA BRITANNICA, Sunni, disponível em:
<https://www.britannica.com/topic/Sunni>, acesso em 27 de Abril de 2021 às
11h46.

 KENNEDY, Hugh, The Caliphate: The History of an Idea, 1ª edição, Londres:


Pelican Books, 2016.

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