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"0 CORVO"

E SUAS TRADUÇÕES

Organização
IVO BARROSO

2' edição
aumentada

t'
© 2000. by Editora Nova Agullar S.A.
SumÁRio
Rua Dona Mariana. 205. casa } - Botafogo
cep: 22280.020 - Rio de Janeiro. RJ
Tel/fax: 537-7189 - 537-8275
e/mail: aguilar@iis.com.br

Revisão: Nota editorial


TERESA DA ROCHA
Nota à 2' edição
l
Apresentação......
"0 Corvo" e seus leitores (CardosHeítor Conyl
Capa:
VICTOR BURTON
Introdução 15
"0 Corvo" e suas traduções (lvo Barrosol

Dados biográficos de Edgar Allan Poe (lvo Barroco) 33

A Filosofia da composição (Edgar Allan Poe) 37


CIP-BR61L. CATALOGAÇÃONA FONTE.
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS. M. "The Raven"- EdgarAllan Poe (18451 55

Traduções:
P798c
2' ed. Poe, EdgarAllan.1809-1849 CharlesBaudelaire(18531 61
'0 Corvo"e suas traduções/ organização: lvo Barroco.- Riode \
StéphaneMalíarmé(1888) 67
Janeiro: Lacerda
Ed..2000. DidierLamaison(1998) 73
Traduçãode: "TheRaven'
Machadode Assisjlaa3) 79
Textooriginal do poema. seguido de traduções precedidasde ensaio. Emíliode Menesesj19t71 87
ISBN8$7384409.9
FernandoPessoa(19241 101
Gondinda Fonseca(1928) 107
1. Poe.EsgarAlIaR.1809.1849. "0 Corvo" - traduções.2. Pwsb
norteameíicana. 1.Barrosã. lvo. It. Título. MiltonAmado(1943) 113
8É'
BeneditoLopeslt9561 119
98.0064 CDD 8]3
AlexeiBueno(1980) 135
CDU 820(73).3
Jorre Wanderleyli997) 141

?.
36 0 CORVO E SUAS TRAOUÇÕES

mas é encontrado por seu amigo, Dr. James E. Snodgrass,no dia 3,


A FILOSOFIA DA COMPOSIÇÃO
em miserável estado, numa taverna. Levado ao hospital, após vários
EdgarAllanPoe
dias de delírio,vem a falecera 7 de outubro de 1849. dizendo:"Se-
jtraduçãa de Milton Amador
nhor,ajudam
minhapobrealma."

Charles Dickens, numa nota que agora está à minha frente. aludindo
A obra de Poe, inicialmente traduzida na França por Charles
Baudelaire, exerceu grande influência não só sobre a literatura daquele a uma análise. que fiz, certa vez, do mecanismo, de BarnabyRu(@e,diz:
De passagem. sabe que Godwín escreveu seu Ca/eb I'Uüams de trás
país, mas de todo o mundo. O detetive Dupin, de seu conto "0s Crimes
da Rua Morgue" serviu de modelo para o Sherlock Holmes, de Conan para diante? Envolveu primeiramente seu herói numa teia de dificulda-

Doyle. Autores como JuresVerne. Maupassant, Maeterlink. Dostoievski des, que formava o segundo volume, e depois. para fazer o primeiro,
ficou procurando um modo de explicar o que havia sido feito"
mostram fortes Influências de sua prosa. Sua poesia muito inspirou
seus tradutores Baudelaire e Mallarmé, e os poetas Verlaine, Rlmbaud Não posso pensar que esse seja o modo proa/se de proceder de
e Paul Valéry. Poe foi amplamente traduzido em língua portuguesa e Godwin, e. de fato. o que ele próprio confessa não está completamente
de acordo com a idéía do sr. Dickens. Mas o autor de Ca/eb l«#/ams
influenciou igualmente os nossos escritores.Sua obra completa, bem
como sua biografia em dois volumes. devida a HerveyAllen. foi vertida era muito bom artista para deixar de perceber a vantagem procedente
de um processo. pelo menos, um tanto semelhante. Nada é mais claro
por Oscar Mendes e Milton Amado, este último respondável pela ex-
do que deverem todas as intrigas, dignas desse nome. ser elaboradas
traordinária versão de "0 Como". anteriormente traduzido por nomes
da importância de Machado de Assime de Fernando Pessoa,e no qual em relação ao ep#bgo,antes que se tente qualquer coisa com a pena.
SÓtendo o ep/R290 constantementeem vista. poderemosdar a um
aparece a figura mítica de Lenora. Por algum tempo, julgou-seque
enredo seu aspecto indispensávelde consequência.ou causalidade.
essa imagem poética da "amada morta" fosse uma evocação de Vir-
fazendocom que os incidentese especialmente.o tom da obra ten.
gínia a mulher do poeta. No entanto como se verifica da cronologia ~
dam para o desenvolvimentode sua intenção.
acima. o poema foi escrito ainda em vida da esposa, achando-se hoje
mais provávelque a figura evocadatenha sido a da Sr.' Stanard. a Há um erro radical, acho, na maneira habitual de construir-se uma
ficção. Ou a história nos concede uma tese, ou uma é sugerida por um
mesma inspiradorade "To Helen", cuja morte tanto marcou o poeta.
incidente do dia, ou, no melhor caso, o autor senta.se para trabalhar
Elmseu estudo-"A Filosofia da Composição", Poe insiste no entanto em
na combinação de acontecimentos impressionantes. para formar sim-
afirmar que o poema foi escrito "a frio". obedecendo a critério rigorosa-
plesmente a base da narrativa, planejando, geralmente. encher de des-
mente técnico, longe de qualquer "inspiração".
ívo E3arroso crições, diálogos ou comentários autorais todas as lacunas do fato ou
da ação que se possam tornar aparentes, de página a página.
38 0 CORVO E SUAS TRADUÇÕES
A FILOSOFIA
OACOMPOSIÇÃO 39

Eu prefiro começar com a consideração de um eáe/fo. Mantendo


galo. a tinta vermelha e os disfarces postiços que. em noventa e nove
sempre a originalidade em vista. pois é falso a si mesmo quem se arris-
ca a dispensar uma fonte de interesse tão evidente e tão facilmente
alcançável, digo-me. em primeiro lugar: "Dentre os inúmeros efeitos, ou
impressões a que são suscetíveis o coração. a inteligência ou. mais
passos pelos quais suas conclusões foram atingidas. As sugestões, em
geralmente.a alma, qual irei eu na ocasião atual. escolher?"Tendo
;'
geral,tendc»se
erguidoem tumulto,são seguidase esquecidas
de
escolhido primeiro um assunto novelesco e depois um efeito vivo. consi- maneira semelhante.
dero se seria melhor trabalhar com os incidentes ou com o tom -- com
;1;'
l Quanto a mím. nem simpatizo com a repugnância acima aludida
os incidentes habituaise o tom especial, ou com o contrário. ou com a
nem. em qualquer tempo, tive a menor dificuldade em relembrar os
especialidade tanto dos incidentes, quanto do tom -- depois de procurar
em torno de mim (ou melhor.dentro)aquelas.combinaçõesde tom e
acontecimento que melhor me auxiliem na construção do efeito.
Muitas vezespenseiquão interessantemente podia ser escrita uma
resenha. por um autor que quisesse -- isto é. que pudesse -- pormeno-
rizar, passo a passo.os processospelos quais qualquer uma de suas
composições atingia seu ponto de acabamento. Por que uma pul)lica-
ção assim nunca foi dada ao mundo é coisa que eu não sei explicar.
mas talvez a vaidadedos autores tenha mais responsabilidadepor
essa omissão do que qualquer outra causa. Muitos escritores-- especi-
almente os poetas -- preferem ter por entendido que compõem por
meio de uma espéciede sutil frenesi. de intuição estáticase positiva-
mente estremeceriamante a idéia de deixar o público dar uma
olhadela. por trás dos bastidores. para as rudezas vacilantes e traba-
lhosas do pensamento, para os verdadeiros propósitos só alcançados
Comecemos, pois, a partir dessa intenção
no último instante,paraos inúmeros relancesde idéias que não che-
gam à maturidade da visão completa, para as imaginações plenamen-
te amadurecidas e repelidasem desespero como inaproveitáveis. para
as cautelosas seleçõese rejeições. as dolorosas emendas e interpola-
çõesl numa palavra para as rodas e rodinhas. os apetrechos de mu-
dança no cenário, as escadinhas e os alçapões do palco, as penas de
\
40 . O CORVO E SUAS TRADUÇÕES A FILOSOFIA
OACOMPOSIÇÃO 41

de permitir-se dispensar qt/a/qt/er co;sa que possa auxiliar seu intento, Meu pensamento seguinte referiu-se à escolha de uma impressão,
resta a ver se há, na extensão,qualquer vantagem que contrabalance a ou efeito. a ser obtidose aqui bem posso observarqúe. atravésde toda a
perda de unidade resultante. Digo logo que não há. O que denomina- elaboração. tive firmemente em vista o desejo de tornar a obra apreciável
mos um poema longo é, de fato, apenas a sucessão de alguns curtosl por lodos. Seria levado longe demais de meu assunto imediato. se fosse
isto é, de brevesefeitos poéticos. E desnecessário demonstrar que um demonstrar um ponto sobre o qual tenho repetidamente insistido e que.
poema só o é quando emociona. intensamente, elevando a almas e entre poetas, não tem a menor necessidade de demonstraçãol refiro-me
todas as emoções intensas, por uma necessidade psíquica, são bre- ao ponto de que a Belezaé a única províncialegítima do poema. Poucas
ves. Por essa razão. pelo menos metade do Para/bo Pera/do é essen- palavras,contudo. para elucidar meu verdadeiropensamentoque al-
cialmente prosa. pois uma sucessão de emoções poéticas se intercala, guns de meus amigos tiveram inclinação para interpretar mal. O prazer
/neüfave/mente,
de depressões
correspondentesl
e o conjuntosevê que sela ao mesmo tempo o mais intenso, o mais enlevante e o mais
privado, por sua extrema extensão, do vastamente importante elemen- puro õ, creio eu, encontrado na contemplação do belo. Quando. de fato.
to artístico. a totalidade, ou unidade de efeito. os homens falam de Beleza,querem exprimir, precisamente. não uma
qualidade,como se supõe.mas um efeitosreferem-se,em suma, preci-
\

Pareceevidente, pois, que há um limite distinto. no que se refere à


extensão para todas as obras de arte literária, o limite de uma só as- samente àquela intensa e pura elevação da a/ma -- e não da inteligência
sentada, e que, embora em certas espécies de composição em prosa, ou do coração -- de que venho falando e que se experimenta em canse..
tais como Roó/néon Crusoe jque não exige unidades, esse limite pode qüência da contemplação do Belo. Ora, designo a Beleza como a provín-
ser vantajosamente superado. nunca poderá ser ele ultrapassado cia do poema, simplesmente porque é evidente regra de arte que os
convenientemente por um poema. Dentro desse limite, a extensão de efeitos deveriam jorrar de causas diretas, que os objetivos deveriam ser

um poema deve ser calculada, para conservar relação matemática alcançados pelos meios melhor adaptados para atingi-los. E ninguém
com seu méritos em outras palavras. com a emoção ou elevaçãol ou houve ainda bastante tolo. para negar que a elevação especial, a que
ainda em outros termos, com o grau, de verdadeiro efeito poético que aludi. é ma/s p/onfamen&e atingida num poema. Quanto ao objetivo Ver-
ele é capaz de produzir. Pois é claro que a brevidade deve estar na dade, ou à satisfação do intelecto, e ao objetivo Paixão, ou à excitação do
razão direta da intensidade do efeito pretendido, e isto com uma condi- coração, são eles multo mais prontamente atingíveis na prosa. embora
também, até certa extensão. na poesia. A Verdade, de fato. demanda
ção. a de que certo grau de duração é exigido. absolutamente, para a
produção de qualquer efeito. uma precisão. e a Paixão uma ÉamJ/lbddadelo verdadeiramente apaixo-
Tendo em vista essas considerações, assim como aquele grau de nando me compreenderás,que são inteiramente antagónicas daquela
excitação, que eu não colocava acima do gosto popular nem abaixo do Belezaque, asseguro,é a excitaçãoou a elevaçãoagradávelda alma. De
modo algum se segue, de qualquer coisa aqui dita, que a paixão e mes-
gosto critico, alcancei logo e que imaginei ser a extensão conveniente,
para meu pretendido poema: uma extensão de cerca de cem versos. mo a verdade não possam ser introduzidas, proveitosamente introdu-
De fato. ele tem cento e oito. zidas até, num poema. porque elas podem servir para elucidar ou auxiliar
\./ vVl\ V V 1- 'JVf\0 l I'tnt./\l\:lp\./Lx)
A FILOSOFIA
OACOMPOSIÇÃO 43

o efeito geral. como as discordâncias em música, pelo contrastes mas o


Assentados tais pontos, passei a pensar sobre a natureza de meu
verdadeiro artista sempre se esforçará. em primeiro lugar, para harmoni-
refrão. Desde que sua aplicação deveria ser repetidamente variada. era
za-las, na submissão conveniente ao alvo predominante, e, em segundo
claro que esse refrão deveria ser breve, pois haveria insuperáveis dia..
lugar,para revesti-las,
tanto quantopossível,daquelaBelezaque é a
culdades na aplicação de qualquer sentença extensa. Em proporção à
atmosferae a essênciado poema.
brevidade da sentença estaria, naturalmente. a facilidade da variação.
Encarando.então.a Belezacomo a minha província,minha se-
Isso imediatamente me levou a uma só palavra como o melhor refrão.
guinte questãose referiaao fom de sua mais alta manifestação.e
Suscitou-se.então, a questãodo caráterda palavra.Tendo-mein-
.todas as experiências têm demonstrado que esse tom é o da fr/sfeza.
clinado por um refrão, a divisão do poema em estância surgia, natural-
A beleza de qualquer espécie. em seu desenvolvimento supremo. inva-
mente, como corolário. formando o refrão o fecho de cada estância
riavelmente provoca na alma sensitiva as lágrimas. A melancolia é,
Não cabia dúvida de que tal fecho. para ter força, devia ser sonoro e
assim, o mais legítimo de todos os tons poéticos.
suscetível de ênfase prolongadas e tais considerações inevitavelmente
Estando assim determinados a extensão. a província e o tom. en-
me levaram ao o prolongado. como a mais sonora vogal, em conexão
treguei-me à indução normal, a fim de obter algum efeito artístico agu-
com o /. como a consoante mais aproveitável.
do que me pudesseservirde nota-chavena construçãodo poema,
Ficando assim determinado o som do refrão, tornou-se necessário
algum eixo sobre o qual toda a estrutura devesse girar. Passando cui-
dadosamente em revistatodos os efeitos artísticos usuais. ou. mais escolher uma palavra que encerrasse esse som e. ao mesmo tempo,
se relacionasse o mais possível com a melancolia predeterminada
propriamente. s/funções, no.sentido teatral. não deixei de perceber de
como o tom do poema. Em tal busca, teria sido absolutamente impos-
imediato que nenhum tinha sido tão universalmente empregado como
sível que escapasse a palavra "neverROFe".l De fato, foi ela a prime ra
o do rei?áo. A universalidade desse emprego bastou para me assegurar que se apresentou.
de seu valor intrínseco e evitou-me a necessidade de submeto-lo à aná-
0 desiderato seguinte era um pretexto para o uso contínuo da pala-
lise. Considerei-o, contudo. em relação à sua su$cetibilidade de aper-
vra nevermore"(nunca mais). Observandoa dificuldade que lá encon-
feiçoamento e vi logo que ainda se achava num estado primitivo. Como
trara em inventar uma razão suficientemente plausível para sua contí-
é comumente usado, o refrão poético, ou estribilho. não só se limita ao
nua repetição.não deixei de perceberque essa dificuldade nascia scb
verso lírico, mas depende, para impressionar. da força da monotonia,
mente da presunção, de que a palavra devia ser contínua ou monoto-
tanto no som, como na ideia. O prazer somente se extrai pelo sentido
de identidade, de repetição. Resolvifazer diversamente. e assim elevar namente pronunciada por um ser /humano. Não deixei de perceber. em

o efeito, aderindo em geral à monotonia do som. porém continuamen-


te variandona da idéia:isto é. decidi produzircontinuamentenovos
efeitos, pela variação da ap//cação do estribilho, permanecendo este, mais ie ta-. --uesa para esta edição foi empregada a expressão "nunca
na maior parte das vezes.invariável. autor.'(N. do T.). capaz ae prwuzir eleitos semelhantes aos desejados pelo
44 O CORVO E SUAS TRAOUÇÕES
A FILOSOFIA
OACOMPOSIÇÃO 45

suma, que a dificuldade estava em conciliar essa monotonia com o


exercícioda razão por parte da criatura que repetissea palavra.Daí.
pois, ergueu-seImediatamentea idéia de uma criatura não racional.
\

capazde falar, e muito naturalmentefoi sugerida.de início. a de um


papagaio. que foi logo substituída pela de um Corvo, como igualmente
capaz de falar e infinitamente mais em relação com o fom pretendido.
Eu já havia chegado à idéia de um Como, a ave do mau agouro,
repetindo monotonamente a expressão "Nunca mais", na conclusão
de cada estância de um poema de tom melancólico e extensão de
cerca de cem linhas. Então, jamais perdendo de vista o objetivo -- o
stiper7af/vo.
ou a perfeiçãoem todos os pontos--, perguntei-me:"De
todos os temas melancólicos, qual, segundo a compreensão l//l/versa/
da humanidade.é o mais melancólico?"A Morte-- foi a respostaevi-
dente. "E quando", insisti, "esse mais melancólico dos temas se torna
o mais poético?"Peloque lá explanei,um tanto prolongadamente,a
l
resposta também aí era evidente: "Quando ele se alia, mais de perto. à
Be/eza; a morte, pois, de uma bela mulher é, inquestionavelmente. o
tema mais poéticodo mundo e, igualmente,a boca mais capaz de
desenvolvertal tema é a de um amante depojado de seu amor."
Tinha, pois. de combinar as duas idéias, a de um amante lamen-
tando sua morta amada e a de um Corvo continuamente repetindo as
palavras "Nunca mais". E tinha de combina-las tendo em mente meu
propósito de variar, a cada vez, a ap//cação d ; palavra repetida, mas a
única maneira Inteligível de tal combinação era a de imaginar o Corvo
l u1111
empregando a palavra, em resposta às perguntas do amante. E então
"Profeta!"-- exclamo."0 serdo mal! Profetasempre.ave infernall
al vi, imediatamente, a oportunidade concedida para o efeito do qual Pelo alto céu, por esse Deus. que adoram todos os mortos
eu tinha estado dependente, isto é, o efeito da ua/üçâo da ap//cação. fala se esta alma, sob o guante atroz da dor, no Éden d stante
Vi que poderia fazer da primeira pergunta, apresentada pelo amante -- verá a deusa fulgurante a quem. nos céus, chamam Lenora
a primeira pergunta a que o Corvo deveria responder "Nunca mais" --, - essa. mais bela do que a aurora. a quem, nos céus, chamam Lenora!
ilo Corvodisse:"Nuncamaisl"
que poderiafazer dessa primeira pergunta um lugar-comum. da segun-
46 0 CORVO E SUAS TRADUÇÕES A FILOSOFIA
DACOMPOSIÇÃO 47

Compus essa estância. nesse ponto, primeiramente porque, esta- do é octâmetro acatalético,alternando-secom um heptâmetrocata.
belecendoo ponto culminante, melhor poderia variar e graduar, no lético, repetido no refrão do quinto verso e terminando com um teta.
que se refere à seriedade e importância, as perguntas precedentes do metro catalético. Falando menos pedantescamente, o pé empregado
amante e, em segundolugar. porque poderia definitivamente assentar no poema (troqueu) consiste em um sílaba longa, seguida por uma
o ritmo, o metro, a extensão e o arranjo geral da estância, assim como curral o primeiro verso da estânciacompõe-sede oito dessespésl o
graduar as estâncias que a deviam preceder, para que nenhuma delas segundo,de sete e meio (de fato. dois terços),o terceiro de oito. o
pudesse ultrapassa-laem seu efeito rítmico. Tivesseeu sido capaz, na cluartode sete e meio. o quinto idem, o sexto de três e meio. Ora. cada
composição subseqüente, de construir estâncias mais vigorosas, não um desses versos, tomado separadamente,tem sido empregadoan-
teria hesitações em enfraquecê-las propositadamente, para que não tes, mas a originalidade que "0 Corvo" tem .estáem sua coma)üaç;ão
interferissem com o efeito culminante. na esMncü. nada lá havendo sido tentado que mesmo remotamente
E aqui bem posso dizer algumas palavras sobre verslficação. Meu se aproximasse dessa combinação. 0 efeito dessa originalidade de
primeiro objetivo. como de costume. era a originalidade. A amplitude combinação é ajudado por outros efeitos Incomuns, alguns inteiramen-
com que esta tem sido negligenciada na versificação é uma das coisas te novos..oriundosde uma ampliaçãoda aplicaçãodos princípiosde
mais inexplicáveis do mundo. Admitindo-se que haja pequena possibli- rima e de aliteração.
dade de variedade no ritmo, permanece claro, porém. que as varieda- 0 ponto seguinte, a ser considerado, era o modo de juntar.o aman-
des possíveis do metro e da estância são absolutamente infinitas, e te e o Corvo: e o primeiro ramo dessa consideração era o /ocâi( Para
conluio, durante séculos, nenhum homem. em verso. jamais fez ou isso, a sugestão mais natural seria a de uma floresta, ou a dos cam-
jamais pareceu pensar em fazer uma coisa original. A veTàaàeé que a posl mas sempre me pareceu que uma c/rct//7scdção fechada do espa-
originalidade (a não ser em espíritos de força muito comuml de modo ço é absolutamente necessária para o efeito do incidente insulado e
algum é uma questão, como muitos supõem, de impulso ou de intui- tem a força de uma moldura para um quadro. Tem indiscutívelforça
ção. Para ser encontrada.ela. em geral, tem de ser procurada traba- moral, para conservar concentrada a atenção e, naturalmente. não
Ihosamente. e embora seja um mérito positivo da mais alta classe, seu deve ser confundida com a mera unidade de lugar
alcance requer menos inven.ção que negação. Determinei, então, colocar o amante em seu quarto -- num quarto
Sem dúvida, não pretendo que haja qualquer originalidade. quer para ele sagrado, pela recordação daquela que o freqtlentara. O quarto
no ritmo. quer no metro de "0 Corvo".zO primeiro é trocaico, o segun- é apresentado como ricamente mobilíado, isso na simples continua-
ção das idéias, que eu lá tinha explanado, a respeito da Beleza como a
?
únicaverdadeiratesepoética,
A explicação da forma utilizada refere-se. é evidente. ao original inglês. Na tradu-
Tendosido assim determinadoo /ocastinha agorade introduzira
ção portuguesa, de que nos estamos valendo, por motivos óbvios. o metro e o
ritmo são outros. embora com a preocupação de se aproximar o máximo possível ave e o pensamento de fazê-lo pela janela era inevitável. A Idéla de
do original.(N. do T.). fazer o amante supor. em primeiro lugar, que o tatalar j"flapping"l das
48 0 CORVO E SUAS TRADUÇÕES 49
A FtLOSOf:IA DA COMPOSIÇÃO

asasda ave contra o postigoé um "batido" j"tapping") à porta,origi- Maravilhou-me que falasse uma ave rude dessa classe.
nou-se dum desejo de aumentar, pela prolongação, a curiosidade do misteriosa esfinge negra. a retorquir-me em termos tais.
leitor, e dum desejo de admitir o efeito casual. surgindo do fato de o pois nunca soube de vivente algum, outrora ou no presente.
que igual surpresa experimente: a de encontrar, em sua porta
amante abrir a porta. achar tudo escuro e depois aceitar a
uma ave lou fera, pouco importa) empa/e/fada. em sua poda.
semifantasia de que fora o espírito de sua amada que batera. e que sechama"lxluncamais
Fiz a noite tempestuosa, primeiro para explicar por que o Corvo
procurava entrar e, em segundo lugar. para efeito de contraste com a
Sendo assim assegurado o efeito do desenvolvimento, imediata-
serenidade (físicas que reinava dentro do quarto.
mente troquei o fantástico por um tom da mais profunda seriedade.
Fiz o pássaro pousar no busto de Minewa ("Pallas"), também para
começando esse tom na estância imediatamente seguinte à última
efeito de contraste entre o mármore e a plumagem -- sendo entendido que citada, com o verso:
o busto foi absolutamente sugando pelo pássaro -- e escolhido o busto de
/W/ne/va,primeiro, para combinar mais com a erudição do amante e, em Diversa coisa não dizia, alí pousada. a ave sombria etc
segundo lugar, pela sonoridade da própria palavra Minewa.
Pelo meio do poema, também, aproveitei-me da força do contraste, Daí para a frente, o amante não mais zomba. não mais vê qualquer
tendo em vista aprofundar a impressão derradeira. Por exemplo, um ar coisa de fantástico na conduta do Como. Fala dele como "horrendo.
do fantástico -- aproximando-seo mais possíveldo burlesco -- é dado lavo. om\Rosae anhgo" 1."grim, ungainly, ghastly. gaunt and ominous
à entrada do Corvo. Ele entra "em tumulto. a esvoaçar" ("w/fh maná a ó/rd ofyore"), sentindo "da ave. incandescente, o olhar" j"#e/y aves"l
flirt and flutter''l. queima-lo"fixamente" l"óosom's core"). Essa revoluçãodo pensa-
mento. ou da Imaginação, da parte do leitor, levar o espírito a uma
Como um fidalgo passa, augusto, e sem notar sequer meu susto.
disposição própria para o desen/ace.que é agora completado tão rápi-
a(ida e pousa sobre o busto -- uma escultura de Minerva. da e diretamente quanto possível.
Com o desenlace conveniente, com a resposta do Corvo. "Nunca
Nas duas estânciasque se seguem,esse desígnioé ainda mais mais", à pergunta final do amante, sobre se ele encontraria sua amada
evidentemente solicitado:
em um outro mundo, o poema,em sua fase evidente.que é a da
simples narrativa, pode ser considerado como completo. Até aí, tudo
P.ave{ da ave austera e escura a soleníssima figura,
está dentro dos limites do explicável,do real. Um corvo, tendo aprendi
desperta em mim um leve riso. a distrair-me de meus ais.
"Sem cdsfa embora, ó Corvo antigo e singular" - então Ihe digo -- do rotineiramente a dizer apenas "Nunca mais" e tendo escapado à
"não tens pavorl fala comigo. alma da noite. espectro vigilância de seu dono, é levado à meia-noite, em meio à violência de
torvo qual é o teu nome. ó nobre Corvo, o nome teu no inferno torvos' uma tempestade, a buscar entrada numa janela, pela qual se vê ainda
E o Corvo disse: "l~lunca mais'
a luz brilhar: a janela do quarto de um estudante, ocupado entre folhe-
OU \J bVKVV L ÕUaõ l KAUU9UCÕ
A FILOSOFIA
DA COMPOSIÇÃO 51

ar um volume e sonhar com uma adorada amante morta. Sendo ater.


que as precede. A .subcorrente de significação torna-se primeiramente
ta a janela, ao tumultuar das asas da ave. esta pousa no sitio mais evidente no verso
conveniente, fora do alcance imediato do estudante que, divertido pelo
incidente e pela extravagânciadas maneiras do visitante. pergunta-lhe,
'Retiraa garraque me corta o pe/fo e vai-tedessaportal
por brincadeira e sem esperar resposta, por seu nome. 0 Corvo, inter- Eo Corvodisse:"Nuncamaisl"
rogado respondecom seu costumeiro "Nunca mais", frase que logo
encontraeco no coraçãomelancólicodo estudante,que, dando ex-
Deve-seobsemar que as palavras "o peito" envolvem a primeira
pressão, em voz alta, a certos pensamentos sugeridos pelo momento, expressão metafórica no poema. Elas. com a resposta "Nunca mais".
é de novo surpreendidopela repetiçãodo "Nunca mais" do Como. dispõem a mente a buscar uma moral em tudo quanto foi anteriormen-
O estudanteadivinhaentão a real causa do acontecimento.mas é
te narrado. O leitor começa agora a encarar o Corvo como simbólico.
impelido, como lá explanei, pela sede humana de autotortura. e, em
mas nâo é senão nos versosfinais da última estância que se permite
parte, pela superstição. a propor questões tais à ave que só Ihe trarão,
distintamente servista a intenção de torna-lo um emblema da Recorda-
ao amante, o máximo da volúpia da tristeza, graças à esperada frase ;ão dolorosaeinfindável.
"Nunca mais". Levandoaté o extremoessa autotortura.a narração,
naquilo que denominei sua fase primeira ou evidente. tem um fim na- E lá ficoul Hirto, sombrio, ainda hoje o vejo. horas
tural e até aí não ultrapassou os limites do real. a fio. sobre o alvo busto de Mínima, inerte sempre em meus umbrais.
Mas nos assuntosassim manejados, por mais agudamenteque o No seu olhar medonho e enorme o anjo do mal. em sonhos. dorme.

sejam, por mais vivasriquezas de incidentes que possuam. há sempre e a luz da lâmpada. disforme, atira ao chão a sua sombra.
Nela. que ondula sobre a alfombra. está müóa a/ma e. presa ã sombra.
ceda dureza ou nudez que repele o olhar artístico. Duas coisas são
Nâo l)á de erguer-se.ail nunca maisl
invariavelmente requeridasprimeiramente. certa soma de complexida-
de, ou mais propriamente. de adaptaçãol e, em segundo lugar, certa
soma de sugestividade,certa subcorrente embora indefinida de senti-
do. Esta última. afinal, é que dá a uma obra de arte tanto daquela
riqueza aparatirar da conversação cotidiana um termo eficaz) que gos-
tamos demais de confundir com o idem/.E o excessodo sentido suge-
rido, é torna-io a corrente superior, em vez da subcorrente do tema.
que transforma em prosa je prosa da mais chata espéciesa assim
chamada poesia dos assim chamados transcendentalistas.
Mantendo essasopiniões, ajuntei duas estâncias que concluem o
poema. sendo sua sugestividade destinada a penetrar toda a narrativa
"0 CORVO" E SUAS TRADUÇÕES

$
THE RAVEN EOGAR ALLAN POE
1'845

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-- Onlythis and nothingmorei'

ThÍsit ís and nothingmore." - '--' '

oor-
56 0 CORVO E SUAS TRAOUÇÕES
ESGARALLANPOE 57

Deep into that darkness peeríng, long l stood there, wondering. fearing,
Doubting, dreaming dreams no mortais ever dared to dream beforel Much l marvelled this ungaínly fowl to hear discourse se plainly.
But the silence was unbroken, and the stillness cave no token Though its answer little meaning, little relevancy borel
And the only word there spoken was the whispered word, "Lenorel" For we cannot help agreeingthat no living human being
This l whispered. and an echo murmured back the word, "Lenorel" Everyet was blessed with seeingbird abovehis chamber door -
Merelythis and nothing more. Bird or beast upon the sculptured bust above his charnber doar
With such nome as "Nevermore"

Back indothe charnber turning, all my soul within me burning,


Soon again l heard a tapping, something louder than before. But the Raven,sltting lonely on that placid bust. spoke only
"Surejy!'. raid l. "surely that is something at my window latticel That one word. as if his soul in that one word he díd outpour.
Nothing farther then he uttered, not a feather then he fluttered:
Let me see. then, what thereat is, and this mystery explore. --
Till l scarcely more than muttered. "Other friends have flown before
Let my heart be still a moment and this mystery explore -
'Tis the wind and nothing more." On the morrow he will leave me, as my Hopes have flown before."
Then the bird said. "Nevermore"

Open here l flung the shutter, when. with many a flirt and flutter,
Startled at the stillness broken by reply se aptly spoken,
In there stepped a stately Ravenof the saintly days of yore. "Doubtless", raid l. "what it utters is its only stock and store.
Not the least obeisancemade he. not a minute stopped or stayed he, Caught from some unhappy master whom unmerciful Disaster
But, with mien of lord or lady perched above my chamber door --
followed fast and followed faster till his sonos one burden bole
Perched upon a bust of Pallas lusa above my chamber doou --
Till the dirges of his Hope that melancholy burden bore
Perchedand sat. and nothing more. Of 'Never -- nevermore'."

Then, this ebony bird beguiling my sad fancy indosmiling, But the Raven still beguiling all my sad soul untosmiling,
By the grave and stern decorum of the countenance it wore, Straight l wheeled a cushioned seat ín front of bird and bust and door
"Thoughthy crest be shorn and shaven,thou", l raid, "art fure Then, upon the velvet sinl<ing,l betook myself to linking
Ino craven. fancy unto fancy, thinking what this ominous bird of yore.
Ghastly.grim, and ancient Raven,wanderingfrom the nightly shore: What this grim. ungainly. ghastly, gaunt. and omínous bird of yore
Teíl rne what thy lordly nome is on the Night's Plutonían shorel" Meant in croaking "Nevermore"
Quoth the Raven. "Nevermore"
Tais l sat engagedin guessing,but no syllabeexpresslng
To the fowl, whose fiery eyes now burned untomy "bosom's core
58 0 CORVO E SUAS TRAOUÇÕES EDGAR
ALLAN POE 59

This and more l sat divining, with my head at ease reclining Leave no black plume as a token of that lie thy soul hath spokenl
On the cushion's velvet lining that the lamplight gloated o'.er, Leavemy lonelinessunbrokenl qult the bust above my doorl
But whose velvet violet lining with the lamplight gloating o'er, Take thy beak from out my heart. and take thy form frorn off my doorl
She shall press, ah, nevermorel Quoth the Raven. "Nevermore"

Then, methought, the air grew denser, perfumed from an unseen And the R-aven.never fiitting. still is sitting, still is sitting
jcenser On the pallid bust of Palhaslust above my chamber doar:
Swung by seraphim whose foot-falastinkled on the tufted floor.
And his eyes have all the seeming of a demon's that is dreaming,
"Wretch",l cried,"thyGodhathlentthee- bytheseangelshe hath 4 And the lamplight o'er him streaming throws his shadow on the floor=
jsentthee And my soul from out that shadow that nes floating on the foor
Respite-- respite and nepenthe from thy rnemories of Lenorel Shall be lifted -- nevermorel
Quaff, oh quaff this kind nepenthe, and forget this postLenorel"
Quoth the Raven, "Nevermore"
/-

"Prophetl". said l, "thing of evill -- prophetstíll. if bird of devill --


Whether Tempter sent. or whether tempest tossed thee here ashore
Desolate yet all undaunted, on this desert bandenchanted --
On this home by Horror haunted -- telame truly, l implore:
Is there -- is there balm in Gilead7-- telame - telame. l implorel"
Quoth the Raven. "Nevermore"

"Prophetl". raid l, "thing of evill -- prophetstill. if bird of devill


By that Heaven that bends above us, by that God we both adore
Telathis soul with sorrow laden if, within the distant Aidenn,
It shall clasp a sainted maiden whom the angels nome Lenore:
Clasp a rale and radiant maiden whom the angels name Lenore
Quoth the Raven, "Nevermore"

Be that word our sign of parting, bird or fiendl" l shrieked, upstarting:


Get thee back untothe tempest and the Night's Plutonian shorel
MACHADO DE ASSIS
1883

Em certo dia, à hora, à hora


Da meia-noite que apavora.
Eu caindo de sono e exausto de fadiga,
Ao pé de muita caudaantiga,
De uma velha doutrina, agora morta,
la pensando,quando ouvi à porta
Do meu quarto um soar devagarinho
EIdisse estas palavras tais:
"E alguém que me bate à porta de mansinho
Há de ser isso e nada mais."

Ahl bem me lembrou bem me lembrou


#

Era no glacial dezembrol


Cada brasa do lar sobre o chão refletia
.}

A sua última agonia.


Eu. ansioso pelo sol, buscava
Sacar daqueles livros que estudava
ã
Repouso (em vãos) à dor esmagadora
Destas saudades imortais
i
Pela que ora nos céus anjos chamam Lenora
i E que ninguém chamará jamais.

E o rumor triste. vago, brando,


i
Das cortinasia acordando
Dentro em meu coração um rumor não sabido
Nunca por ele padecido.
Enfim, por aplaca-lo aqui no peito.
uv U \.,UKVU t=PUAS l RADUÇOES
MACHAOO DE ASSIS 81

Levantei-me de pronto e: "Com efeito


Soa um pouco mais fartei eu, voltando-me a ela
IDisse) é visita amiga e retardada
"Seguramente, há na janela
Que bate a estas horas tais.
Alguma coisa que sussurra. Abramos
E visita que pede à minha porta entrada:
Eia. fora o temor. eia, vejamos
Há de ser isso e nada mais."
A explicação do caso misterioso
Dessasduas pancadastais.
Minhalma então sentiu-se forte:
Devolvamosa paz ao coração medroso.
Não mais vacila e desta sorte
Obra do vento e nada mais
Falo: "lmploro de vós -- ou senhor ou senhora
Me desculpeís tanta demora.
Abro a janela e, de repente,
Mas como eu, precisando de descanso.
Vejo tumultuosamente
Já cochilava, e tão de manso e manso
Um nobre Corvo entrar. digno de antigos dias.
Batentes, não ful logo prestemente.
Não despendeu em cortesias
Certificar-me
queai estais." ;:.

Um minuto. um instante.Tinhao aspecto


Disse: a porta escancaro,acho a noite somente.
De um /ordQUde uma /ady. E pronto e Feto
Somente a noite. e nada mais.
Movendono ar as suas negrasalas.
Acimavoa dos portais.
Com longo olhar escruto a sombra.
Trepa, no alto da porta, em um busto de Palas
Que me amedronta,que me assombra.
Trepadofica, e nadamais
E sonho o que nenhum mortal há já sonhado.
Mas o silêncio amplo e calado.
Dianteda ave feia e escura
Calado ficama quietação quieta:
Naquela rígida postura.
SÓ tu. palavra única e dileta.
Com o gesto severo -- o triste pensamento
Lenora, tu como um suspiro escasso,
Sorriu-me ali por um momento,
Da minha triste boca sais:
E eu di.sse:"Ó tu que das noturnasplacas
E o eco, que te ouviu, murmurou-te no espaços
Vens, embora a cabeça nua tragas,
Foi isso apenas, nada mais.
\ Sem topete, não és ave medrosa.
Dize os teus nomes senhoriais:
Entro co'a alma incendiada.
Como te chamas tu na grande noite umbrosa?
Logo depois outra pancada
E o Corvodisse:"Nuncamais."
82 O COF?VO E SUAS TRAOUÇÕES
MACHADO DE ASSIS 83

Vendoqueo pássaroentendia
SÓIhe ficou, na amarga e última cantiga
A perguntaque Iheeu fazia.
Esse estribilho: "Nunca mais."
Fico atónito, embora a resposta que dera g
Dificilmente Iha entendera. a
Segunda vez. nesse momento.
Na verdade, jamais homem há visto
Sorriu-me o triste pensamentos
Coisa na terra semelhante a isto:
Vou sentar-me defronte ao Corvo magro e rudo
Umaave negra,friamenteposta, !

EImergulhando no veludo
Num busto,acima dosportais. Da poltrona que eu mesmo all trouxera
Ouvir uma pergunta e dizer em resposta
Achar procuro a lúgubre quimera.
Que este é o seu nome: "Nunca mais.
A alma. o sentido, o pávido segredo
Daquelas sílabasfatais,
No entanto. o Corvo solitário
Entender o que quis dizer a ave do medo
Não teve outro vocabulário.
'i

Grasnando a frase: "Nunca mais."


Como se essa palavra escassa que all disse g

Toda sua alma resumisse.


Assim. posto, devaneando,
Nenhuma outra proferiu. nenhuma.
\
Meditando. conjecturando,
Nãochegoua mexeruma só pluma. Não Ihe falava maisl mas, se Ihe não falava
Até que eu murmurei: "Perdi outrora
Sentia o olhar que me abrasava
Tantosamigostão leaisl
Conjecturando fui, tranquilo, a gosto,
Perderei também este em regressando a aurora.
Com a cabeça no macio encosto.
E o Corvo disse: "Nunca mais."
Onde os raios da lâmpada caíam.
Onde as tranças angelicais
Estremeço. A resposta ouvida
De outra cabeça outrora aíi se desparziam,
E tão exatal é tão cabedal
E agora não se espargemmais.
:Certamente,digo eu, essaé toda a ciência
Que ele trouxe da convivência
Supus então que o ar, mais denso
De algum mestre infeliz e acabrunhado Todo se enchia de um incenso.
Que o implacável destino há castigado
Obra de serafins que, pelo chão roçando
Tão tenaz. tão sem pausa, nem fadiga,
Do quarto. estavam meneando
Quedos seuscantosusuais
Um ligeiro turíbulo invisívell
v'' V vvnvv t: DUAL l KAUUÇUES
MACHADO DE ASSIS 85

E eu exclamei então: "Um Deus sensível


Cessa, ai, cessam, clamei, levantando-me. cessam
Manda repouso à dor que te devora
Regressa ao temporal. regressa
Destas saudades imortais.
A tua noite, deixa-me comigo.
Eia. esquece, eia. olvida essa extinta Lenora.
Vaí-te. não fique no meu casto abrigo
. E o Corvo disse: "Nunca mais."
Pluma que lembre essa mentira tua.
Tira-me ao peito essas fatais
Profeta, ou o que quer que sejasl Garras que abrindo vão a minha dor lá crua."
Ave ou demónio que negrejasl E o Comodisse:"Nuncamais."
Profeta sempre. escuta: Ou venhas tu do inferno
Onderesideo mal eterno.
E o Corvo ai fecal ei-lo trepado
Ou simplesmente náufrago escapado No branco mármore lavrado
Venhas do temporal que te há lançado Da antiga Palasl ei-lo imutável, ferrenho.
Nesta casa onde o Horror, o Horror profundo Parece, ao ver-lhe o duro conho.
Tem os seus lares triunfais.
Um demónio sonhando. A luz caída
Dize-me: "Existe acaso um bálsamo no mundo?" Do lampião sobre a ave aborrecida
E o Corvodisse:"Nuncamais." No chão espraia a triste sombra; e fora
Daquelas linhas funerais
"Profeta, ou o que quer que sejasl
Que flutuam no chão. a minha alma que chora
Ave ou demónio que negrejasl Não sai mais, nunca, nunca maisl
Profeta sempre. escuta. atende. escuta. atendem
Por esse céu que além se estende,
Pelo Deus que ambos adoramos. fala.
Dize a esta alma se é dado inda escuta-la
No Eden celeste a virgem que ela chora
Nestes retiros sepulcrais.
Essaque ora nos céus anjos chamam Lenoral"
E o Corvo disse: "Nunca mais."

"Ave ou demónio que negrejasl


Profeta, ou o que querque sejasl
EMÍLIO DE MENEZES
(1917)

À memória de Machado de Assim

Oinexcedidae inexcedível
tradutordo genial
poema de Edgar Poe. consagra esta pálida
paráfrase que em nada $e aproxima e jamais
pretendeuaproximar.se
da imorredouratra-
dução feita pelo Mestre dos Mestres.

Desta amarga existência em certo amargo dia


A hora da meia-noite, augurame profana,
Eu. de velha doutrina, as páginas relia
Curvo ao peso do sono e da fadiga insana.

Mal do meu pensamento a direção seguia


Por essa hora de horror em que da treva emana
Toda em funda hediondez. desoladora e fria,
Da alfa recordação, a atra saudade humana.

Foi assim que senti, do meu triste aposento,


Como um leve sussurro a passar. lentoe lento
E uma leve pancada a bater nos umbrais.

Disse comigo: é alguém que pela noite fora


Vem, retarda visita. e retarda-se agora...
A bater mansamente à porta, nada maisl...
v vv'' - v L- ovno l KauUÇUL:j
EMÍLIO DE MENESES 89

Enfim. para volver à ambicionada calma


0 se o recordo,e bem!numainverniabrava. E a coragem, de novo, amparasse-me d'alma
O ríspido e glacial Dezembro decorria Repetiaa mím mesmo estas palavras tais:
E, da lareira ao chão, cada brasa lançava
0 supremo fulgor da sua lenta agonia. "Nada mais é talvez que retarda visita
Que vem de noite em fora e entrada solicitam
E eu a esperar, em vão, a aurora que tardava E visita que vem, por certo, nada maisl"
Queria, em vão, achar nessa velha teoria
Contida no volume antigo que estudava. lv
Um consolo sequer à dor que me pungia.
A calma que até aí do peito me fugia
Em vãos consolo, em vão! à minha dor profunda Voltou de novo ao peito e, à coragem primeira
Em vão repouso, em vãosà alma que se me inunda Não mais vacilações. não mais mente erradial
Desta imortal saudade aos prantos imortais. Ao estranho rumor falo desta maneira:

Porque jamais se esquece, alma consoladora "Como nesta ocasião o sono me prendia
Como essa que nos céus é chamada Eleonora. E a pancada foi tal. tão leve e tão ligeira,
Nome que nunca mais ouvirei. nunca maisl Que presto não carril perdoai-me esta ousadia
Dama ou senhor que estais da minha porta à ombreira

Tão receosamente e vagarosamente


Ante o vago oscilar. indefinido e brando. Batestes. que não fui receber vos contente.
Das cortinas que o vento, ao leve, sacudia. Como hóspede que sois e à minha porta estais
la-me o coração sínistramente entrando
0 sombrio terror da noite erma e sombria.
E assim falando e olhando. escancarei a porta,
Mas só encontrei naquela hora adiantada e morta
Um tétrico pavor que então desconhecia
TrevasTreva somentel A treva e nada maisl
E que me estranglllava o peito miserando.
A alma. sem compaixão, de dúvidas me enchia
E pouco a pouco foi meu ser avassalando.
90 O CORVO E SUAS TRADUÇÕES
EMÍLIO DE MENESES 91

V
Fujamos. pois, do medo ao tenebroso impérios
Cravo os olhos na treva e longamente a escruto. Animo, coraçãol sondemos o mistério,
E a treva é muda e é muda a própria ventania. Se bem que a noite esteja uivando aos vendavais
E longo tempo assim com o próprio medo luto.
De dúvida e terror povoando a fantasia. E continuando fui: Nada mais foi que o vento,
Não foi mais que o feroz, não foi mais que o violento
Sonhos que outro mortal, como eu nunca ousaria Sopro do furacãol Foi isso e nada maísl...
Sonhar, me vêm num bando esmagador e bruto.
Profunda calma aquieta a quieta calmaria. Vlf
Imóvel é o silêncio e só o silêncio escutou...
Abro a janela e vejo entrar, ruidosamente
A única voz humana, o único som ouvido. Amplas asas batendo e ares de fidalguia,
E este nome, em surdina e a medo proferido: Um majestoso corvo a:tivo e irreverente
E este nome que encerra os meus mortos ideais. Como arauto ferasda noite erma e bravia

Sou eu quem o profere, eu que o trago na mente. Sem fazer o menor sinal de cortesia.
E um eco a repercutir, repete-o vagamente: Sem um gesto sequer dehesitação prudente
-- "Eleonoral Eleonoral" É isto e nada maisl Como entraria um nobre, alta dama entraria
Entrou e se alojou despreocupadamente.
VI
Vagaroso e solene, ar indolente e farto.
Entrei de novo em ânsia e ardendo a estranho fogo, Exatamentesobre a entrada de meu quarto
Senti que. dentro em mim, todo o meu ser ardia. Seguroabrigoachouacimadosportais.
Ouvi distintamente outra pancada e, logo,
Deoutra pancadao som maisclaropercutir. Esta recordação até agora me enerva:
Sobreum pálido busto antigo de Minerva,
A essa nova impressão, volto-me e monólogo: Rígidoe senhorial, portou-se e nada maisl
Talvezcousaqualquer me bata à gelosia.
Certamente que sim, pois que ludíbrlo e jogo
Do pavor de mim mesmo, eu. certo, não serial
v vv'--v ç-'?vnÜ IKaUUÇUES
EMÍLIO DE MENESES 93
Vlll
Ninguém verá. como eu, a ave negra num busto.
A este Pássaro audaz, de ébano a cor das penas. Sem que a mova o receio e sem que a mova o susto.
Grave na compostura e na fisionomia. Tranquila espreguiçando as asas triunfais.
;'''
Que ao cérebro me dava idéias mais serenas.
Que me acalmava o peito, e a sorrir me induzia. Ouvir a minha voz a Ihe indagar o nome
E ante a curiosidade atroz que me consome.
Voltando-me disse eu: "Tu que te não encenas Dizerme simplesmente a frase: Nunca maisl
De altas cristas ou Poupa à negra frontaria.
Velho corvo foral que te mostras apenas. X
Certo, não és o víl núncio da covardia.

A ave hedionda, entretanto, erma, a encimar o busto


Corvosantigoviajouquedas regiõesda noite
Sobre cuja brancura as asas distendia.
Partiste a procurar um teto que te acoite.
Como se essa palavra o sentido mais justo
Dize-metu quais são teus títulos reaisl
Tivesse e contivesse a suprema harmonias

Qual a pátria ante a qual teu orgulho se ufana?


Quais as tuas regiõesna noite plutonlana?.. Fossedo pensamento um invólucro augusto
Cheio de precisão e cheio de energia.
E o corvo senhorial respondeu: "Nunca maisl...'
Nada mais pronunciou. nem ao menos, a custo
Uma pluma moveu da plumagem macia.
lx

Eu que continha mal toda a minha saudade


Ao perceber assim que a ave me compreendia
Apenas murmurei: Amigos de outra idade
E que dava resposta a esta pergunta estranha
Tive.partiraml certo. assim também te vaisl
Que eul entre espanto e medo, a medo Ihe fazia
Senti, de pasmo, n'alma um peso de montanha
Assim também te irás, mal rompa em luz a auroras
Esperançasque tive, assim fostes emboral
Porque ainda quem tenha uma intuição tamanha
E o corvo repetiu a frase: Nunca maisl...
Capaz de perceber o que outrem mal veria.
Certo, não achará neste dédalo um guia
Para o tirar do caos em que a alma se emaranham
94 O CORVO E SUAS TRAOUÇÕES
EMÍLIO DE MENESES 95

XI
Procuro compreender qual o escondido gozo
Todo o assombro em meu ser por tremor se anuncia. Dessevil e sinistro arauto tenebroso
Ouvindo a ave auguramsem o menor estorvo. Que em dois termos resume os seus vis cabedais
Tal resposta me dar. com tanta analogia
Que inda agora, a lembra-la, eco por eco a sorvo. Que os seus vis cabedais de ciênciae de linguagem
Resume ao exibir-me a tétrica plumagem
Certo a frase aprendeu na triste companhia Crocitando e grasnando a frase: Nunca maisl...
De algum mestre infeliz cujo destino torvo.
Da dor o escravizou à fera tirania.
XIEI
E a sabe assim de cor. o foragido corvos
Deixo-me após ficar como quem se extasia
Tantas vezes a ouviu. Tão repetidamente Entre a alucinação e a funda conjetura.
0 seu mestreinfelizIhafez vibrar na mente. Ante a luz da razão e a névoa da utopia,
Que hoje a profere a rir, como a profere em aisl Sem nada a me apoiar a mente mal segura

De proáun(#s/ cruel de uma morta esperança, Nada mais pronunciei. nem um som se me ouvia
Tão tristonhos canções deixaram na lembrança, E como a um ferro em brasa, a uma horríveltortura
Do como este estribilho, este só: Nunca maisl.. Da ave ao olhar hostil e à pérfida ironia
N'alma entrou-me o terror que as almas transfigura.
Xll
Mas a um torpor de quem vagamente ressona
Como apesar de tudo a calma conseguia Recosto-me ao espladar dessa velha poltrona
Fazer-med'alma vír, do lábio, um riso. à tona.
Que eu para alí trouxera em ânsias infernais,
Chegando-me ao portal, do corvo hospedaria,
Sentei-me e recortei-me a uma antiga poltrona. E vejo a luz brilhar sobre o roxo veludo
Em que por tanta vez d'Ela o semblante mudo
Frente à frente do corvo, a alma já me sorria
Brilhou, mas nunca mais brilharál Nunca maisl
E toda entregue a mim, como quem se abandona.
Busco ansioso indagar que novas me traria
0 fúnebre viajouque inda hoje me emocional
yb . O CORVO E SUAS TRAOUÇÕES
EMÍLIO DE MENESES 97

Xlv
Dize-me.por quem és, se neste mundo triste
Sinto assim a envolver-me uma nuvem de incenso. Existealgum reposuso, algum consolo existe
Solta de um Incensóriooculto que pendia Paraestesmeuscruéissofrimentosmortaísl
Das invisíveis mãos de anjos que em coro extenso.
Revoavam roçagando a ampla tapeçaria. Existeesse mendaz bálsamo da Judéia
\ Que,da saudade,a dor nos arrancada idéia?
Hauríndo o ar aromado e, de bálsamo, denso. E o corvo, inda outra vez. repetiu: Nunca malsl
De mim para mim mesmo exclamo em gritaria:
Infelizl Infelizl Um Deus piedoso e Imenso XVI
Pelos anjos te manda o repouso e a alegrias
Profeta ou Satanás, negro ser da desgraçar
Do nepentes é o sumos Ei-lo, bebe-ol Ei-lo, esquecem Profeta sempre atroz de negra profecia.
Ele é a seara do bem, do esquecimento a messes Pelo azul deste céu que sobre nós se espaço.
Nele ouvirás a voz dos gozos celestiaisl PeloDeus.todo luz. que em ambos nós radia

E o nepentesidealque Deuste mandaagoral Dizea esta alma sem luz e de dúvidas baça,
Bebe-ol Bebe o olvidando a tua morta Eleonoral Baça de incertidão e de melancolia:
E o como crocítou de novo: -- Nunca maísl
Ser:lhe-ádado abraçar o anjo que entre anjos passa
E de cujo esplendor hoje o céu se atavia?
xv
Ser-lhe-ádado abraçar a virgem pura e santa.
Pássaroou Satanás, ave de profecia.
Virgem casta e piedosa e que os anjos encanta
Sejas ave ou Satã. sempre hás de ser profetas
Com seus gestos de encanto e encantos virginais?
Venhas do teu inferno ou da brava invernia
Que náufrago te fez, acalma esta alma inquieta. Ser-lhe-ádado abraçar. ohl dize-o sem demora
A rútlla. a radiosa, a radiante Eleonora?
Já que a noite exigiu, no võo que te guia,
E o coiro rouquejou, roufenho: Nunca malsl
Que caíssemaqui. onde a angústia secreta.
Onde o secreto horror tem teta ou moradia
Do pouco que disseste o sentido completam
98 O CORVO E SUAS TRAOUÇÕES
EXÍLIO DE MENESES 99

wll
Essa sombra que a luz da lâmpada suspensa
"Que esta palavra, enfim! de negra profecia faz refletirno chão. qualabranuvemdensa,
Do teu regresso o início ambicionado sejam No mesmo chão negreja em linhas sepulcrais
Regressaao reino teu, à noite que te envia.
A noite plutoniana, essa que em ti negrejal E desse âmbito negro. esse âmbito de sombra,
Minha alma que da dor da saudade se assombra
VolvemCala essa voz que me fere e angustíal Nunca mais sairás Nunca maisl Nunca maisl
Reentrano temporal, volve à tua peleja
De lá fora e não fique uma só pluma esguia
Neste chão, de tua vil plumagem malfazejal

Não quero que de ti uma reminiscência


Fique nesta de dor, sagrada residência.
Sobre a qual distendeste as asas funeraisl

Vai-tel Deixada deusa a face casta e brancas


Arranca-me do seio as garras vis, arracal"
E o corvo crocitou de novo: Nunca maisl

xv l l l

E o corvo permanece em perpétua estadia.


Sinistro a repousar, do mármore à brancura
Quem o contempla assim pela verdade jura
Que algum sonho feroz seu aspecto anuncia

E um demónio a sonhar sonhos que o inferno cria


E que Ihe enrijam mais a rija catadura.
Tal o fulgor do olhar que os olhos Ihe alumia
E com que a própria sombra ele sondar procura.
FERNANDO PESSOA
1924

Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste


Vagos curiosos tomos de ciências ancestrais.
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
0 som de alguém que batia levemente a meus umbrais.
Umavisita". eu me disse. "está batendoa meus umbrais
E s(5 isto. e nada mais.

Ah, que bem disso me lembrou Era no frio dezembro


E o fogo, morrendo negro. urdir sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
p'ra esquecer (em vãos) a amada, hoje entre hostes celestiais
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
\ Mas sem nome aqui jamaisl

Como. a tremer frio e frouxo. cada reposteiro roxo


Me incutia. urdia estranhos terrores nunca antes taisl :'
Mas. a mim mesmo infundindo força, eu ia repetindo:
"E uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
Ê só isto. e nada mais."

E, mais forte num instante. lá nem tardo ou hesitante,


"Senhor". eu disse. "ou senhora, de certo me desculpaisl
Mas eu la adormecendo, quando viestes batendo
Tãolevemente,batendo. batendo por meus umbrais.
Que mal ouvi..." E abri largos. franqueando-os, meus umbrais
Noite, noite e nada mais.
I02 O CORVO E SUAS TRAOUÇÕES
FERNANDO
PESSOA I03

A treva enorme fitando, fiquei perdido receando.


Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
E a única palavradita foi um nome cheio de ais --
Que uma ave tenha tido pousada nos seus umbrais.
Eu o disse, o nome de/a. e o eco disse os meus ais.
Isto só e nada mais. Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais
Como nome "Nuncamais"

Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo.


lvlas o Corvo, sobre o busto. nada mais dissera. augusto.
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais. Que essa frase. qual se nela a alma Ihe ficasse em ais.
"Por certo", disseeu, "aquela bulha é na minha janela. Nem mais voz nem movimento fez. e eu, em meu pensamento
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais.
Perdido murmurei lento. "Amigos, sonhos -- mortais
Meu coração se distraia pesquisando estes sinais.
Todos - todos lá se foram. Amanhã também te vais."
E o vento,e nadamais.'' Disse o Corvo. "Nunca mais"

Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça. A alma súbito movida por frase tão bem cabida.
Elntrougrave e nobre um Corvo dos bons tempos ancestrais. "Por certo", disse eu. "são estas suas vozes usuais.
Não fez nenhum cumprimento. não parou nenhum momento. Aprendeu-asde algum dono, que a desgraça e o abandono
Mas com ar sereno e lento pousou sobre os meus umbrais. Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais.
Num alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais. E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais
foi. pousou,e nada mais. Era este "Nunca mais"

E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Com o solene decoro de seus ares rituais. Sentei-medefronte dela. do alvo busto e meus umbrais:
' Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado. E, enterrado na cadeira. pensei de multa maneira
0 velho Como emigrado lá das trevas infernaisl Que qu'ria esta ave agoureira dos maus tempos ancestrais
Dize-mequal o teu nome lá nas trevas infernais." Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais.
Disseo Corvo,"Nunca mais". \
Com aquele "Nunca mais''

Comigo isto discorrendo. mas nem sílaba dizendo


A ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
I04 O CORVO E SUAS TRAOUÇÕES FERRANDO PESSOA 105

Isto e mais ia cismando, a cabeça recllnando Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbraisl
No veludo onde a luz punha vagas sombras desiguais Disseo Corvo."Nunca mais"
Naquele veludo onde e/a, entre as.sombras desiguais.
Recllnar-se-á nunca maisl E o Como, na noite infinda, está ainda, está ainda,
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais
Fez-seentão o ar mais denso. como cheio dum incenso Seu olhar tem a medonha dor de um demónio que sonha,
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais. E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão mais e mais.
"Maldito", a mim disse. "deu-te Deus, por anjos concedeu-te E a minh'alma dessa sombra que no chão há mais e mais.
O esquecimentos valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais. Libertar-se-á...
nuncamaisl
0 nome da que não esqueces,e que faz essesteus aisl"
Disse o Corvo, "Nunca mais"

"Profeta",disseeu, "profeta-- ou demónioou ave pretas--


Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais.
A este luto e este degredo. e esta noite e este segredo
A esta casa de ânsia e medo, dize a esta alma a quem atraia
Se há um bálsamo.longínquo para esta alma a quem atraisl"
Disseo Corvo."Nunca mais"

"Profeta",disseeu, "profeta-- ou demónioou ave pretas


Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais.
Dize a esta alma entristecida, se no Éden de outra vida.
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais.
Essa cujo nome sabem as hostes celestiaisl"
Disse o Corvo. "Nunca mais"

"Que esse grito nos aparte. ave ou diabos", eu disse. "Pastel


Torna à noite e à tempestadesTorna às trevas infernaisl
Não deixes pena que ateste a mentira que dissestes
Minha solidão me restemtira-te de meus umbraisl
GOND{N DA FONSECA
1928

Certa vez. quando, à meia-noite eu iia, débil, extenuado.


um livro antigo e singular, sobre doutrinas do passado,
meio dormindo -- cabeceando --. ouvi uns sons, trêmulos, tais
como se leve, bem de leve, alguém batesse à minha porta.
''É um visitante", murmurei, "que bate. leve. à minha porta.
Apenas isso, e nada mais."

Bem me recordou Era em dezembro. Um frio atroz,.ventoscortantes


Morria a chama no fogão. pondo no chão sombras errantes.
Eu nos meus livros procurava -- ansiando as horas matinais
um meio jem vãos de amortecer fundas saudades de Lenora,
-- bela adorada. a quem. no céu, os querubins chamam Lenora,
e aqui, ninguémchamarámais.

E das cortinas cor de sangue, o arfar soturno. e brando. e vago


causou-me horror nunca sentido. -- horror fantástico e pressago
Então. fiquei apara acalmar o coração de sustos taisl
a repetir: "E alguém que bate, alguém que bate à minha portal
algum noturno visitante, aqui, batendo à minha portal
é issol é isso e nada maísl"

Fortalecido já por fim, brado. perdendo a hesitação:


"SenhoraSenhorasquem sejaisl Se demorei peço perdãol
Eu dormitava. fatigado, e tão baixinho me chamais,
bateis tão manso, mansamente, assim de noite à minha porta
que não é fácil escutar." Porém só vejo. abrindo a porta.
a escuridão.e nadamais.
I08 O CORVO E SUAS TRADUÇÕES GONDINDA FONSECA I09

Perqulro a treva longamente, estarrecido. amedrontado. e creio bem, que em tempo algum. em noite alguma, entes mortais
sonhando sonhos que, talvez, nenhum mortal haja sonhado. viram um pássaro adejar, voando por cima de uma porta.
Silêncio fúnebres Ninguém. De visitante nem sinais. e declarar (do alto de um busto, erguido acima de uma portal
Uma palavra apenas corta a noite plácida: -- "Lenora". quesechamava"Nuncamais"
Digcbaem segredo,e num murmúrio, o eco repete-me-- "Lenoral'
Isto, somente -- e nada mais. Porém o Corvo. solitário, essas palavras só murmura.
como que nelas refletindo uma alma cheia de amargura.
Para o meu quarto eu volto enfim -- sentindo n'alma estranho ardor. Depois concentra-se e nem move -- inerte sobre os meus umbrais
e novamente ouço bater. ouço bater com mais vigor. uma só pena. Exclamo então: "Muitos amigos me fugiram...
"Vêmda janela", presumi,"estesrumoresanormais. Tu fugirás pela manhã. como os meus sonhos me fugiram..."
Mas eu depressa vou saber donde procede tal mistério. Respondeo Corvo:"Ohl Nuncamaisl"
Fica tranqililo, coraçãol Perscruta, calmo. este mistério.
E o vento. o vento e nada malsl" Pasmo. ao varar o atroz silêncio uma resposta assim tão justa,
e digo: "Certo, ele só sabe essa expressãocom que me assusta
Eis, de repente, abro a janela, e esvoaçaentão, vindo de fora. Ouviu-a, acaso, de algum dono. a quem desgraças infernais
um Como grande, ave ancestral, dos tempos bíblicos. -- d'outroral hajam seguido, e perseguido, até cair nesse estribilho,
Sem cortesias, sem parar. batendo as asas noturnais. até chorar as ilusões com esse lúgubre estribilho
ele, com ar de grão-senhor.foi, sobre a porta do meu quarto, de -- "nunca maisl ohl nunca maisl"
pousar num busto de Minerva, -- e sobre a porta do meu quarto
quedou. sombrio. e nada mais. De novo. foram-se mudando as minhas mágoas num sorriso.
Então, rodei uma poltrona. olhei o Como. de improviso.
Eu estava tristes mas sorri. vendo o meu hóspede noturno e nos estofos mergulhei. formando hipóteses mentais i

tão gravemente repousado. hirto, solene e taciturno. sobre a$ secretas intenções que essa medonha ave agoureira
"Sem crista, embora"-- ponderei--, "embora ancião dos teus iguais. -- rude. sinistra. repulsiva e macilenta ave agoureira. --
não és medroso, ó Corvo hediondo, ó filho errante de Plutãol tinha, grasnando"Nuncamais"
Que nobre nome é acaso o teu. no escuro império de Plutão?"
E o Corvo disse: "Nunca maisl" Mil coisas vagas pressupus... Não Ihe falava. mas sentia
que me abrasava o coração o duro olhar da ave sombria.
Fiquei surpreso -- pois que nunca imaginei fosse possível E assim fiquei, num devaneio, em deduções conjecturais
ouvir de um Corvo tal resposta, embora incerta. incompreensível. minha cabeça declinando -- à luz da lâmpada fulgente
110 0 CORVO E SUAS TRAOUÇÕES
GONDIN DA FONSECA 111

nessa almofada de veludo. em que ela, agora - à luz fulgente E não saíul e não saiul Ainda agora se conserva
naomais descansa-- ahl nuncamais pousado, trágico e fatal. no busto branco de MinerVa
Negro demónio sonhador, seus olhos são como punhaísl
Subitamente o ar se adensou, qual se em meu quarto solitário, Por cima, a luz. jorrando, espalha a sombra dele, que flutua..
anjos pousassem,balançando um invisívelincensário.
E a alma infeliz, que me tombou dentro da sombra que flutua
"Ente infeliz"-- eu exclamei. -- "Deus apiedou-se dos teus aisl não há de erguer-se."Nunca mais"
Calma-tel calma-te e domina essas saudades de Lenoral
Bebe o nepente benfazejosOlvida a imagem de Lenoral"
E o Corvo disse: "Nunca mais.';

"Profetas"-- brado. "Anjo do mal, ave ou demónio irreverente


que a tempestade. ou Satanás, aqui lançou tragicamente.
e que te vês, soberbo, e só. nestes desertos areais
nesta mansão de eterno horrorl Falai responde ao certos Falai
Existe bálsamo em Galaad? Existe?Fala, ó Corvos Fatal"
E o Corvo disse: "Nunca mais."

"Profetas"-- brado. "Anjo do mal, ave ou demónio irreverente.


dize. por Deus. que está nos céus, dizei eu to peço humildemente
dize a esta pobre alma sem luz. se lá nos paramos astrais. - -"'
poderá ver, um dia. ainda. a bela e cândida Lenora
amada minha, a quem, no céu. os querubins chamam Lenoral"
E o Como disse: "Nunca mais."

"Seja essa frase o nosso adeus" -- grito, de pé. com aflição.


"Vai-tel Regressaà tempestade. à noite escura de Plutãol
Não deixes pluma que recorde essas palavras funeraisl
Mentistel mail Deixa-me sól Sai desse busto junto à portal
Não rasguei mais meu coraçãol PiedadesSai de sobre a portal
E o Como disse: "Nunca mais."
MILTON AMADO
1943

Foi uma vez: eu refletia. à meia-noite erma e sombria.


a ler doutrinas de outro tempo em curiosíssimas manuais.
e. exausto, quase adormecido, ouvi de súbito um ruído.
tal qual se houvessealguém batido à minha porta, devagar.
"E alguém-- fiquei a murmurar-- que bate à porta, devagar
sim. é só isso e nada mais.

Ahl claramente eu o relembrou Era no gélido dezembro


e o fogo agónico animava o chão de sombras fantasmais.
Ansiando ver a noite finda. em vão, a ler, buscava ainda
algum remédio à amarga. infinda, atroz saudade de Lenora
-- essa, mais bela do que a aurora. a quem nos céus chamam Lenora
e nome aqui lá não tem mais.

A seda rubra da cortina arfava em lúgubre surdina,


arrepiando-me e evocando ignotos medos sepulcrais.
De susto, em pávida arritmia, o coração veloz batia
e a sossega-loeu repetia: "E um visitante e pede abrigo.
Chegando tarde, algum amigo está a bater e pede abrigo
E apenas isso e nada mais."

Ergui-me após e, calmo enfim. sem hesitar, falei assim:


"Perdoai.senhora.ou meu senhor.se há muito ai fora me esperais
mas é que estava adormecido e foi tão débil o batido,
que eu mal podia ter ouvido alguém chamar à minha porta,
assim de leve, em hora morta.'' Escancarei então a porta:
-- escuridão,e nadamais.
114 O CORVO E SUAS TRAOUÇÕES MILTON AMADO 115
\

Sondei a noite erma e tranqüila, olhei-a fundo, a perquiri-la. pois nunca soube de vivente algum. outrora ou no l)rebente.
sonhando sonhos que ninguém, ninguém ousou sonhar iguais. que igual surpresaexperimente: a de encontrar, em sua porta
Elstarrecidode ânsia e medo. ante o negror imoto e quedo. uma ave (ou fera. pouco importa), empoleirada em sua porta
só um nome ouvi(quase em segredoeu o dizia) e foi: "Lenoral" e que se chame "Nunca mais"
E o eco, em voz evocadora, o repetiu também: "Lenoral"
Depois. silêncio e nada mais.
Diversa coisa não dizia. ali pousada, a ave sombria.
com a alma inteira a se espelhar naquelas sílabas fatais.
Com a alma em febre, eu novamente entrei no quarto e, de repente, Murmuro. então. vendo-aserena e sem mover uma só pena,
mais forte, o ruído recomeça e repercute nos vitrais. enquanto a mágoa me envenena: "Amigos... sempre vão-seembora.
"E na janela"-- penso então. -- "Por que agitar-me de aflição? Como a esperança, ao vir a aurora, ELE também há de ir-se embora."
Conserva a calma. coraçãol É na janela. onde, agourento. EIdisseo Como:"Nuncamais."
o vento sopra. E só do vento esse rumor surdo e agourento.
E o vento só e nada mais.
Vara o silêncio, com tal nexo. essa resposta que, perplexo,
julgo: "É só isso o que ele dizeduas palavras sempre iguais.
Abro a janela e eis que, em tumulto, a esvoaçar, penetra um vulto: Soube-asde um dono a quem tortura uma implacável desventura
-- é um Corvo hierático e soberbo, egresso de eras ancestrais. e a quem, repleto de amargura, apenas resta um ritornelo
Como um fidalgo passa, augusto e, sem notar sequer meu susto. de seu cantarádo morto ando, um epitáfio: -- o ritornelo
adeja e pousa sobre o busto -- uma escultura de Minewa. de "Nunca,nunca.nuncamais"
bem sobre a portal e se consema ali, no busto de Mínerva.
empoleirado
e nadamais. Como ainda o Corvo me mudasse em um sorriso a triste face.
gereientão numa poltrona, em frente ao busto, à ave, aos umbrais
Ao ver da ave austera e escura a soleníssima figura, e, mergulhado no coxim. pus-me a inquirir (pois, para mim.
desperta em mim um leve riso, a distrair-me de meus ais. visava a algum secreto fiml que pretendia o antigo Corvo.
"Sem crista embora. ó Corvo antigo e singular"-- então Ihe digo com que intenções. horrendo, torvo, esse ominoso e antigo Corvo
"não tens pavor. Fala comigo, alma da noite, espectro torvo. grasnava
sempre:"Nuncamais."
qual é teu nome, ó nobre Corvo, o nome teu no inferno towol"
E o Corvodisse:"Nuncamais." Sentindo da ave. incandescente,o olhar queimar-me fixamente.
eu me abismava, absorto e mudo, em deduções conjeturais.
Maravilhou-me que falasse uma ave rude dessa classe. Cismava, a fronte reclinada. a descansar, sobre a almofada
misteriosa esfinge negra. a retorquir-me em termos tais; dessa poltrona aveludadaem que a luz cai suavemente.
in U t;ORVO E SUAS TRADUÇões
MILTON AMADO 117

dessa poltrona em que ELA,ausente, à luz que cai suavemente. E lá ficoul Hirto, sombrio, ainda hoje o vejo, horas a fio,
lá nãorepousa.ahl nuncamais...
sobre o alvo busto de Minerva, inerte, sempre em meus umbrais.
No seu olhar Medonho e enorme o anjo do mal, em sonhos, dorme.
0 ar pareceu-meentão mais denso e perfumado. qual se incenso e a luz da lâmpada, disforme. atira ao chão a sua sombra.
ali descessema espanir turíbulários celestiais.
lxlela,que ondula sobre a alfombra. está minha almas e, presa à sombra
"Míseros,exclamo. Enfim teu Deus te dá, mandando os anjos seus. não há de erguer-se,ail nunca maisl
esquecimento, lá dos céus, para as saudades de Lenora.
So.rveo nepentes.Sorveo, agoral Esquece,olvida essa Lenoral"
E o Como disse: "Nunca mais."

"Profetas-- brado.--O ser do mail Profetasempre,ave infernal


que o Tentador lançou do abismo, ou que arrojaram temporais,
de algum naufrágio, a esta maldita e estéril terra. a esta precata
mansão de horror. que o horror habita. implora, dize-mo. em verdade
EXISTEum bálsamo em Galaad? Implorou dize-mo. em verdades"
E o Corvo disse: "Nunca mais."

"Profetas exclamo. O ser do mail Profeta sempre, ave infernall


Pelo alto céu, por esse Deus que adoram todos os mortais.
fala se esta alma sob o guante atroz da dor. no Eden distante.
verá a deusa fulgurante a quem nos céus chamam Lenora.
essa, mais bela do que a aurora. a quem nos céus chamam Lenoral
Eo Comodisse:"Nuncamaisl"

"Seja isso a nossa despedidas -- ergo-me e grito. alma incendida


Volta de novo à tempestade, aos negros antros infernaisl
Nem leve pluma de ti reste aqui, que tal mentira atestel
Deixa-mesó neste ermo agrestesAlça teu võo dessa portal
Retira a garra que me corta o peito e vai-te dessa portal"
E o Corvodisse:"Nuncamaisl"

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