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_ Pai, sabes explicar-me o que é a globalização, porque eu tenho um trabalho para fazer na
escola sobre este tema?
- Vou tentar responder-te de forma a que tu possas perceber e que eu, ao responder-te, fique
com ideias mais claras sobre o assunto, que está muito longe de estar encerrado. Por isso, não
esperes uma definição exata e simples. Vou falar-te de situações concretas e dar-te exemplos
que possam servir para tu fazeres a tua própria reflexão. Concordas?
-Talvez pelo princípio. Em boa verdade, pode dizer-se que os impérios antigos, sobretudo o
romano, conseguiram, pondo povos, línguas, e culturas em contato, mesmo recorrendo à
violência da guerra, globalizar o mundo do seu tempo, criando leis e regras que regularam o
comercio, a vida política e a própria religião.
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Essa era uma forma de globalização que resultava de um domínio militar, político, económico e
até religioso.
- Mas agora não há nenhum país que tenha esse tipo de poder, pois não?
- Claro que há, embora de uma forma muito diferente da que caracterizou o Império Romano.
-São os Estados Unidos da América que, depois de 1989, ano em que foi derrubado o Muro de
Berlim e em que começaram a cair os regimes do bloco soviético, passaram a ser a única
superpotência.
-Quer dizer que, tendo um poder militar e económico que nenhum outro país se atreve a
disputar, mesmo tratando-se de uma democracia que elege os seus órgãos representativos de
quatro em quatro anos, acaba por
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impor, ou por tentar impor, as suas regras a nível internacional. Felizmente que, em áreas
como a ambiental, mais de 170 países de vários continentes tomaram, em Julho de 2001, a
decisão de não aceitar que os Estados Unidos façam lei em matéria ambiental. Se assim não
acontecer, o processo de aquecimento global do planeta poderá conduzir a catástrofes
naturais de proporções incalculáveis. Esta foi, de novo, a questão central na Cimeira da Terra,
realizada em Joanesburgo, no Verão de 2002. Os Estados Unidos cederam em alguns aspetos,
mas mantiveram uma posição de princípio inflexível e arrogante. Por isso, o secretario de
Estado Colin Powell foi vaiado na sessão plenária.
- É, mas só em parte. Os Estados Unidos são uma grande democracia que representa os valores
supremos do capitalismo, ou seja, da economia e da sociedade de mercado, fazendo do lucro
uma espécie de deus e uma meta que quase todos pretendem atingir. Tendo o poder militar
que têm e estando presentes um pouco por todo o mundo, é natural que tentem utilizar
outros povos e países com economias mais fracas como instrumentos da sua política e do seu
crescimento económico.
-Estou a perceber. Mas o que é que isso tem a ver com a globalização?
- Acho que tem tudo a ver. Quem manda e quem tem poder, tenta definir as regras que
orientam a vida dos outros, pelo menos ao nível dos países e dos povos.
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- Mas enão isso quer dizer que a globalização é apenas uma questão económica?
- Não, a vertente económica é apenas um dos rostos da globalização, que pode ser analisada
nos seus aspetos tecnológicos, científicos e culturais.
- O pior de todos é estar a contribuir para que ao países ricos sejam cada vez mais ricos e os
pobres cada vez mais pobres. Para veres até que extremos pode ser levado esse estado de
pobreza, basta dizer-te que todos os países de África juntos representam somente quatro por
cento do comércio mundial, o que é assustador.
-Desculpa, mas o que é que uma coisa tem a ver com a outra?
- Vou tentar explicar-te. Se os ricos são cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres,
mesmo no interior dos países ricos, é urgente que se criem maneiras de evitar que a exclusão
social e económica ponha à margem da sociedade um número crescente de pessoas,
independentemente das idades que têm, E, como sabes, a exclusão é muito violenta e
dolorosa para
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as crianças e para os velhos, que têm menos defesas quando são marginalizados. Por isso, em
Maio do ano 2000, o papa João Paulo II, falando no dia 1º de Maio, Dia do Trabalhador, para as
centrais sindicais italianas, disse que, se vivemos nem mundo globalizado, então devemos
começar por globalizar a solidariedade.
- E tu concordas com essa afirmação?
- Claro que concordo, apesar de não ser católico e de não ter qualquer atividade ou crença
religiosa. Há ideias à volta das quais é preciso criar o mais largo consenso possível. Esta é uma
delas.
-Então é por isso que há manifestações tão grandes como a daquela cidade italiana onde um
polícia matou um jovem a tiro?
- Isso mesmo.
- Sim, tens razão. Há um número cada vez maior de organizações em vários continentes que
estão contra a injustiça social agravada pelo fenómeno da globalização. Antes de Génova ou
de Sevilha, já se tinham manifestado em Seattle, nos Estados Unidos em Praga, na República
Checa, em Barcelona e em Davos, na Suíça, mostrando que não estão dispostos a aceitar que a
globalização, comandada pelos países mais ricos do mundo, agrave o fosso que separa os
ricos dos pobres.
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- Mas eu lembro-me de que houve muitos confrontos nas ruas dessas cidades. Porquê?
- Porque, entre as organizações que se manifestaram, há as que são pacificas e há as que o não
são e que fazem da desordem publica e da destruição a sua forma de protesto.
- Está de tal maneira errado que aqueles que têm razão acabam por perdê-la, porque os seus
argumentos, que são justos e merecem ser levados em conta, se confundem com os atos
violentos dos grupos que partem montras, destroem carros e apedrejam as forças policias.
- Porque há organizações políticas que ficaram sem espaço nem expressão publica nos últimos
anos e que aproveitam estas ocasiões para radicalizarem as suas formas de protesto.
- E o que é que tu achas que pode ser feito para evitar que isso aconteça?
- Não tenho uma resposta para essa pergunta, até porque estamos nem período de transição
da política tradicional para novas formas de fazer e organizar a vida politica e ninguém sabe
como irão ser essas formas nas próximas décadas. No fundo, estamos a viver uma quase
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Revolução e, nas revoluções, há sempre excessos que só o tempo e o bom senso dos seres
humanos permite moderar e corrigir. Por isso, terão que ser as organizações mais sérias e
maduras a pôr à margem aquelas que mostram não ter condições para ser respeitadas, sob
pena de elas próprias não serem levadas a sério. Acho mesmo que as organizações
antiglobalização, que integram pessoas das mais diversas origens e com os mais distintos
percursos políticos, devem recorrer aos canais da globalização para tornarem o seu protesto
mais eficaz.
- Porquê?
III
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- Tens razão. Vamos a isso, mesmo sem nos ficarmos pelas definições que reduzem tudo a
meia dúzia de palavras que, por vezes, nada explicam. Antes de qualquer outra coisa, a
globalização é uma palavra a que corresponde um conceito. Para os franceses, a
«globalização» tem o nome de «mundialização», o que, no fundo, quer dizer exatamente o
mesmo. Normalmente, o conceito e a palavra são usados no seu sentido económico,
valorizando a ideia de que há um mercado global cujas regras são impostas pelos mais
poderosos e em relação ao qual os consumidores e os trabalhadores são meros elementos
passivos, sendo que os trabalhadores dos países mais pobres nem consumidores podem ser,
pois vivem, em muitos casos, com cerca de um euro por dia, o que equivale a dois cafés ou a
uma sanduiche ou a pouco mais de um litro e meio de leite. Este mercado global ignora as
fronteiras e as economias nacionais.
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- Mas sempre houve tendência para que isso acontecesse, ou não houve?
- Porquê?
- Porque havia os regimes comunistas do Leste, e nesses mercados não entravam ou entravam
muito poucos os produtos dos outros países. Só com a quede do Muro de Berlim a situação
começou a alterar-se, e também com a entrada da República Popular da China para a grande
rede do comercio mundial, com o apoio dos Estados Unidos, que viram ali não só o maior
mercado mundial, mas também o maior criador de produtos baratos para abastecer certos
mercados.
- Realmente, quando vamos ao mercado cada vez encontramos mais rótulos a dizerem « Made
in China».
- Assim, o volume do comercio externo tornou-se, nos últimos anos, o maior de sempre,
envolvendo um conjunto de serviços e de produtos como nunca houve antes. E na base de
tudo isto está a componente eletrónica da globalização; estão os computadores, está a
Internet, está, no fundo, o dinheiro eletrónico que nunca ninguém chega a ver sob a forma de
notas ou de moedas
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E que só existe como informação ao nível das bases de dados dos computadores. Isso faz com
que a sede das grandes decisões económicas e financeiras já não esteja em gabinetes luxuosos
de grandes edifícios, mas no carregar de uma ou mais teclas de um computador que permite
transferir verbas imensas, fazer compras e vendas sem que ninguém mostre a cara e destruir,
em alguns casos, economias nacionais. Vista deste ângulo, a globalização é o triunfo do
número e do cifrão sobre as pessoas, os seus sentimentos e os seus interesses. Deixamos
assim de usar o dinheiro como um instrumento e passamos a ser escravos dele, já que ficamos
dependentes do endividamento que contraímos e da forma como entramos nas contas e nas
previsões das grandes maquinas de gerar lucro. Hoje, os mercados financeiros, em termos
globais, movimentam mais de um trilião de dólares por dia e a parcela desse movimento que
cabe aos países pobres é absolutamente irrisória.
- Mas não foi só a quede do Muro de Berlim que provocou essa mudança. Tudo deve ter
começado antes.
: Tens toda a razão. Falei-te dos impérios antigos, com destaque especial para o romano, mas
esqueci-me de te falar do papel que tiveram, por exemplo, os Descobrimentos Portugueses.
- O que achas que fez Vasco da Gama ao chegar à Índia com as suas naus, senão contribuir
para alargar os mercados que suportavam o comércio mundial?
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- Então é bom pensares. Com a sua viagem pioneira, Vasco da Gama, mas também Pedro
Álvares Cabral com a chegada ao Brasil ou Fernão de Magalhães ao circum-navegar a Terra,
abriram novas e importantes vias para a comunicação entre povos, culturas e civilizações e
para novos contatos comerciais entre continentes. Até, grande pate do comércio mundial era
feito por terra, com lentidão e pouca eficácia, sobretudo graças à movimentação das
caravanas árabes. Com a chegada a África, ao Brasil e á Índia passaram a aparecer na Europa as
tão procuradas especiarias para temperar os alimentos, as madeiras exóticas, o ouro e a prata
e principalmente a mão de obra escrava que permitiu fazer crescer países e grandes obras.
Nesse sentido, pode e deve dizer-se que, mesmo sem computadores, os Portugueses deram
um contributo decisivo para o processo de globalização na sua forma primitiva. Claro que com
a revolução tecnológica e cientifica foi possível ir muito mais longe. Falei-te de Vasco da Gama,
de Fernão de Magalhães, ou de Pedro Álvares Cabral, mas podia rer-te falado também, do
Infante D. Henrique, primeiro.
- Queres com isso dizer que os Portugueses também têm culpas neste processo?
- Têm sobretudo mérito, pois fizeram evoluir a humanidade e puseram em contato povos e
civilizações muito diferentes. Quanto às vias abriram nesse
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Sentido, elas só foram más ou boas consoante o uso que se fez delas e têm que ser observadas
à luz da mentalidade e dos calores da época e não dos atuais. Quando Samuel Morse enviou a
primeira mensagem através do telégrafo, em meados do século XIX ( 19), deu também um
contributo para o processo de globalização. O mesmo fez Alexander Bell ao inventar o
telefone. Tudo foram passos no sentido de aproximar povos, culturas e, inevitavelmente, os
mercados com toda a suas diversidades. Por exemplo, se hoje encontras nos mercados, em
Portugal frutos exóticos e peças de artesanato que nunca pensaste que poderias encontrar no
teu país, isso também é resultado da globalização.
- Queres, portanto, dizer-me que a globalização tem aspetos positivos e que tudo depende do
uso que se fax dela?
- É isso precisamente o que estou a tentar dizer-te nesta conversa informal da qual ficam
excluídas as grandes definições e as teorias muito rebuscadas. A verdade é que a humanidade
sempre evoluiu no sentido de formas de globalização, mas só com a revolução tecnológica e
científica conseguiu criar os meios necessários para que, para o bem e para o mal, a
aproximação entre povos e culturas se verificasse. Vista pelo ângulo só económico, como já
tive ocasião de te dizer, a globalização tem-se revestido sobretudo de aspetos negativos, já
que, concentrando cada vez mais poderes nas mãos dos poderosos, torna os ricos mais ricos e
os pobres muito mais pobres.