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DE
OPINIÃO
Refere-se ao Art. de mesmo nome, (I)1 - Opinião, 15-43, 1991 OPlNIAO
Rev. Bras. Cresc. Des. /Hum.
ATIJALJCZAÇÃO
S. Paulo, I(1), 1991
OPINlON / CURRENT COMENTS
Eduardo Marcondes 1
INTRODUÇÃO
O crescimento é um atributo indelével dos
A Pediatria tem sido definida como a par- organismos jovens, sejam seres humanos, animais
te da Medicina que estuda o ser humano em cres- ou plantas. Na espécie humana, depende da
cimento e desenvolvimento, desde Q nascimento interação homem/ambiente, aquele representado
até a adolescência, inclusive. A ciência que estu- pela sua constituição (“existência de modos indi-
da o crescimento (auxologia) é, pois, integrante viduais genéticos de ser e de reagir”) e este pela
da própria doutrina pediá~ica e a vigilância do totalidade dos fatores que cercam o indivíduo,
crescimento e desenvolvimento é a mais impor- bióticos, abióticos e psicossociais. Poder-se-ia di-
tante ação do pediatra. zer que o homem possui a capacidade genotfpica
O crescimento, encarado globalmente, é a ou constituirão individual e que, de sua interação
solfataria de fenómenos celulares, bioqu~nicos, com os fatores ambientais, resulta a capacidade
biofísicos e morfogenéticos, cuja integração é feita fenotfpica ou vitalidade.
segundo um plano predeterminado pela herança De acordo com as normas do Departamen-
e modificado pelo ambiente. O estudo do cresci- to de Pediatria da Faculdade de Medicina da Uni-
mento da criança é, atualmente, versidade de São Paulo, a estatura normal é a que
~^un^daI^x^lenta^lmente antropológico e, como se localiza entre os percentis 2,5 e 97,5 segundo o
tal, não considera o individuo objeto de estudo referencial adotado (“Padrão Santo André”). O
como padrão est~tico no tempo e no espaço, mas, canal de vigilancia para baixa estatura é delimita-
sim, trata de pôr em destaque suas diferenças, do pelos percentis 10,0 e 2,5.
esmerando-se por estabelecer grupos naturais As causas da baixa estatura são múltiplas e
definidos de acordo com suas características, pro- podem ser distribuidas em três grupos:
curando averiguar o significado biopsicossocial 1. Baixa estatura de causa familiar.
de cada grupo. 2. Baixa estatura decorrente de doenças li-
Embora não se conheça ainda a intimida- gadas aos fatores intrínsecos, organicos ou indi-
de do fenómeno crescimento, os dados viduais do crescimento: doenças genéticas
antropométricos são de grande valia em Pediatria (gênicas ou crornossômicas), neuro-endócrinas e
como indicadores de saude, pois: primárias do esqueleto.
a) Sem serem o fenômeno, podem 3. Baixa estatura decorrente de agravos li-
representá-lo; gados aos fatores extrínsecos, ambientais ou
b) São passíveis de expressão numérica; populacionais do crescimento: agravos nutricio-
c) Suas principais limitações são conhe- nais e psicossociais, doenças que comprometem
cidas; e a economia corpórea como um todo (baixa esta-
d) Podem ser obtidas por pessoal não-mé- tura visceral) e baixa estatura ao nascer.
dico. A presente publicação, em sua versão ori-
Do ponto de vista social, a estatura dos ginal, diz respeito a dois importantes aspectos do
indivíduos de uma comunidade é um bom indi- crescimento: fatores ambientais e rnonitorização.
cador do estado de saúde de toda a população; Os fatores arnbientais do crescimento são
índice melhor, segundo Tanner, do que o produto da máxima importancia; pode-se dizer que o cres-
bruto nacional. Estatura é status, o cartão de visi- cimento da criança é enfaticamente ambiente-de-
ta biológico do indivíduo e a baixa estatura pode pendente. Como os fatores organicos são normais
ser considerada co» um desastre biológico. ao nascimento na quase totalidade dos recém-nas-
1 Professor titular de Pediatria (aposentado) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, integrante do Grupo de
Assessoria Pedagógica da FMUSP e coordenador do Programa de Avaliaço Curricular..
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cidos, pode-se afirmar que o desastre biológico, antropossistema m~ximo), os únicos vegetais
citado antes a propósito da baixa estatura, é so- existentes são omamentais e os únicos an~nais
são cachorros, gatos e algumas aves e os que
bretudo um desastre ecológico no vasto campo até agora sobreviveram à matança do homem:
da ecologia humana. roedores e uns poucos artrópodes.
A monitorização do crescimento é uma das
ações básicas de saúde no atendimento primário
à criança, juntamente com o aleitamento mater-
no, as imunizações e a terapia de reidratação oral
(Alma Ata, 19^?8).
É um procedimento indispensável e
insubstituível na assistência à criança, pois per-
mite acompanhar, avaliar e controlar o crescimen-
to da criança com vistas à promoção da saúde, do
desenvolvimento humano e da qualidade de vida.
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condições de nutrição. E é forçoso reconhecer que mite inferior da população favelada mostra si-
o fenómeno da heterozigosidade em nível tuação desalentadora. A situação referente ao
populacional está crescendo, como resultado das peso é mais animadora, o que sugere baixa es-
correntes migratórias e a minimização das comu- tatura residual com eventual supuração dos
nidades isoladas. Portanto, vemos um aumento da fenómenos da fase acuda da desnutrição.
ecossensibilidade, em função do crescente A população que encontramos espalhada
apequenamento do nosso mundo. pelas favelas estudadas é fruto de fluxo rural-urba-
Quais as perspectivas ecológicas para as no. Hoje, essa população, normalmente designada
crianças que estão nascendo agora? por “população marginal”, corresponde aos resulta-
Para a reflexão dos leitores, sugere-se o dos de uma situação nas áreas rurais, a que os
seguinte: demógrafos chamam de “repulsiva” e que, no qua-
1. Aumento absoluto de estimulas ambien- dro da sociedade brasileira, se faz presente a partir
tais independente de sua qualidade (benéfica ou dos momentos de~crise que afetaram o processo
maléfica). monocultor regional ao longo da história do período
- estímulos físicos, através do aparecimen- colonial, dando origem à chamada “plebe rural”.
to de novas substanciar químicas e da crescente Essa população, caracterizada por uma
poluição do ar, da água e do solo, bem como do tópica marginalidade em relação à vida
resíduo atômico; económica, sócio-cultural e politico-institucio-
- estímulos psicossocioculturais, através do nal, agrupa-se em torno de um conjunto
avanço das comunicações, das redefinições polí- subnormal de habitações instaladas em terre-
ticas e sociais e da cruscente permissividade. nos abandonados ou em litígio, ou de proprie-
2. Aumento da ecossensibilidade. dade do poder público, geralmente insalubres,
- crescente taxa de heterozigose na popu- aparecendo a madeira, a lata, o zinco e o pape-
lação; lão como materiais de construção.
- urbanização. A saúde é um estimulante fundamental para
3. Diminuição progressiva das atividades o crescimento; consequentemente, o mau funcio-
mataras em decorrência da automação, da namento do organismo como um todo, ou através
monitorização e do confinamento, do que resul- dos principais territórios de sua economia, é uma
tará uma vida sedentário cada vez mais presente causa importante de baixa estatura, constituindo
e uma diminuicão do potencial de resistência do o grupo assim chamado visceral. O nome é bas-
organismo. tante sugestivo no sentido de não incluir as doen-
4. Controle de alguns fatores ambientais ças das glandulas endócrinas (pois não são consi-
bióticos. deradas vísceras) e do esqueleto, bem como os
5. Conseqüências ainda imprevisíveis da agravos diretos à nutrição da criança.
energia nuclear e das viagens interplanetárias. Inúmeras doenças de origem ambiental
comprometem o crescimento da criança, sobretu-
do por agentes físicos bióticos.
FATORES AMBIENTAIS Os mecanismos através dos quais uma doen-
ça visceral compromete o crescimento são comple-
Os fatores ambientais que influenciam o xos e vários tipos de agravos podem atuar concomi-
crescimento são incontáveis e em contínua varia- tantemente. Os seguintes conjuntos são importantes:
bilidade, o que obriga o indivíduo a uma constan- 1. Comprometimento direto dos músculos,
te adaptação fisiológico. ossos e articulações.
Variáveis sócio-econômicas exercem im- - doenças primárias da musculatura,
portante influência no crescimento: renda par - infecções (miosites, artrites e
capita, idade dos pais, tamanho da família, con- osteomielites),
dições de habitação e de saneamento, escolari- - poliomielite,
dade e cultura dos pais. Uma investigação do - traumatismos.
Instituto da Criança de São Paulo com 1.010 2. Comprometimento indireto na nutrição
crianças faveladas de zero a doze anos de ida- (prejuízo da deglutição, digestão, absorção,
de mostra claramente a devastação que as más metabolizaçáo, consumo e excreção de nutrientes).
condições sócioeconômicas de vida determinam - infecções,
em relação ao crescimento das crianças. Os - parasitoses intestinais,
dados referentes à altura revelam grave situa- - neoplasias,
ção. Sobretudo a partir dos dois anos de idade, - intoxicações.
a média aritmética da estatura bordeja o limite 3. Prejuízo da oxigenarão dos tecidos.
inferior da normalidade e, por outro lado, o li- - anemias,
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Durante algum tempo essa síndrome só foi realidade, um forte impulso para a atividade físi-
estudada em instituições (hospitais, creches e asi- ca por parte das crianças, sobretudo pré-escola-
los) e dai o termo hospitalismo. Posteriormente, a res: eles simplesmente não conseguem permane-
síndrome foi evidenciada em falências de nível cer quietos se algo não prender fortemente sua
sócio-econômico baixo e, mais recentemente, tam- atenção (esse algo tem sido—cada vez mais—o
bém em famílias de nível médio ou superior. assistir TV). Em segundo lugar, considere-se a
A baixa estimulação biopsicossocial deter- atividade física programada, a assim chamada
mina, em associação à desaceleração do crescimen- prática esportiva: é aqui que o pediatra, com
to, variada gama de distúrbios da conduta: alimen- frequência, é solicitado a opinar quanto à conve-
tar (ruminação, bulimia, polidipsia), do sono (insónia, niência de a criança praticar continuadamente al-
vagar pela casa à noite) e de outros selares (enurese, guma modalidade de esporte, sob supervisão.
agressividade, crises intensas de birra). De uma maneira mais abrangente, a edu-
Para explicar os efeitos da carência cação física (ginástica, jogos, esportes, dança e
psicossocial sobre o crescimento físico, Patton e competição) contribui para o desenvolvimento de:
Gardner enumeram as seguintes possibilidades: a. Qualidades puramente físicas como for-
a. Baixa de ingestão de dieta adequada, não ça, flexibilidade, resistência, equilíbrio, velocidade,
obrigatoriamente por carência económica, mas b. Qualidades fisico-psiquicas, como ca-
sim por problemas afetivos que inclui, entre ou- pacidade de contração e de relaxamento, bem
tros fatores, a negligência, como coordenação, e
b. Redução do apetite pela depressão, c. Qualidades psicossociais, como força de
c. Diminuição do ácido cloridrico gástrico, vontade, disciplina, domínio de si mesmo, cora-
d. Stress emocional interferindo no apetite, gem, confiança, solidariedade, respeito às leis.
digestão, absorção e metabolismo intermediário, A educação física é, pois, um auxiliar vali-
e. A produção de harmónios da hipófise oso para o aprimoramento do crescimento e do
anterior está sob influência de centros desenvolvimento da criança, nos seus aspectos
hipotalamicos que, por sua vez, recebem estimu- morfofisiopsicológicos.
lação do córtex cerebral e de outras estruturas li- A motivação da criança para a prática con-
gadas às emoções. Na síndrome da baixa estimu- tinua e programada de esportes é muito impor-
lação psicossocial, a hipófise não responde aos tante. Até 10 anos, predomina a motivação base-
estímulos habituais no sentido de liberar hormônio ada no prazer e no cantata social com amigos;
de crescimento. após essa idade, começa a haver uma preocupa-
O tratamento da carência afetiva consiste ção com a competição em si mesma, a busca de
sobretudo na orientação da família no sentido de sensações cinestésicas ligadas à movimentação do
garantir para a criança segurança afetiva. Em corpo, não se excluindo a relação do esporte corr
muitos casos, será necessária a psicoterapia dos impulsos sexuais, o esparto desempenhando um
pais, principalmente a mãe, e nos casos graves papel importante no processo de sublimação pró-
pode ser necessário conseguir para a criança uma prio da idade. Se o pediatra foi chamado a opinar,
mãe substituia que dê à criança carinho e apoio ele deve evitar a antiga posição de consideras apto
emocional. No caso de instituições, o pessoal de- quem não é inapto e tentar levantar os falares li-
verá ser adequadamente treinado e orientado para gados à criança (quais suas necessidades e dese-
criar laços afetivos permanentes com as crianças. jos? o que acha da prática desportiva? que esparto
Coloca-se, aqui, a situação de milhares de prefere?), à família (que expectativa áxis te? o que
lactentes que permanecem 4 a 8 horas em creches pensam das atividades competitivas?) e ao local
enquanto suas mães trabalham. Embora a creche (distan aia, segurança, supervisão).
possa ser considerada uma boa solução para es- É de consenso que “um mínimo de ativi-
sas fartarias, é importante refletir sobre as condi- dade muscular e essencial para a obtenção de um
ções de estimulação biopsic^qssocial dessas crian- crescimento nonnal e a integridade protoplas-
ças e a responsabilidade dos pais em promovê-la, mática dos tecidos: o que esse anónimo represen-
supletivamente se for o caso, em seus lares. ta em termos de intensidade e duração não está
estabelecido”, amém certamente decorre de forte
impulso para atividade física que todas as crian-
Atividade Fisica ças apresentam, impulso esse que parece ser uma
das grandes necessidades da vida. As crianças
A atividade física deve ser encarada sob hipoativas podem ter prejuízo do seu crescimen-
dois aspectos. Em primeiro lugar, a atividade físi- to, bem como redução de seus potenciais na
ca não programada, própria das crianças saudá- adulticia, tendência à obesidade e níveis altos de
veis e que diz respeito a todas as idades. Há, na risco de doenças arteriais por toda a vida. Mas,
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em contrapartida, também pode haver problemas A ausência de suporte de peso corpóreo re-
físicos e mentais, se a criança, desde a idade es- tarda a restauração de ossos fraturados. O pessoal
colar, for submetida a treinamento físico intenso da missão espacial Gemini, por causa da falta de
competitivo. gravidade, apresentou perda de densidade 6ssea por
No que se refere às ações da atividade físi- desrnineralizaçao. As pessoas imobilizadas apre-
ca sobre o crescimento e desenvolvimento do es- sentam elevadas perdas urinarias de cálcio e
queleto, há aspectos importantes. nitrogénio e consequente diminuição da densida-
A forma básica do osso é determinada pela de 6ssea. A situação reverte-se com a remobilização
herança e está estabelecida embriologicamente na do paciente, mas a correção final do desbalanço
cartilagem. Sabe-se, hoje, que o comprimento do pode levar muito tempo. O desuso leva, pois, à
osso está sob forte controle de fatores intrínsecos osteoporose, do que resulta a afirmação seguinte:
do crescimento e que o diâmetro é muito mais o suporte do peso corpóreo e a contração muscular
sensível aos fatores ambientais, entre os quais o são importantes para a higidez do esqueleto. Al-
exercício físico. guns autores lembram que permanecer de pé seja
Experimentação animal revela dados inte- talvez mais importante do que alguns exercícios
ressantes. Os ossos dos membros inferiores de físicos realizados na posição deitada. Enfim, em
animais imobilizados e denervados mostraram-se termos de manter a mineralização óssea, caminhar
mais leves, com menor teor mineral e maior con- é mais importante do que beber leite.
teúdo hldrico, porém mais compridos e mais fi- Conclui-se que a compressão energética
nos do que o observado em grupos controles. intermitente, a força da gravidade, o suporte de
Radiológica e embriologicamente havia sinais de peso corpóreo e a contraçãa muscular são indis-
atividade aumentada na zona epifisária. O aumen- pensáveis para o crescimento 6sseo adequado: o
to em comprimento foi atribuido à ausência de excesso parece ser prejudicial. Contudo, não está
forças compressivas inibidoras do crescimento, e esclarecido o exato mecanismo através do qual a
a maior delgadez à remoção dos tendões muscu- atividade física promove um melhor crescimento
lares que constituem um notável estimulo para o 6sseo: contração muscular, mecanismos neurais
crescimento lateralizado dos ossos. ou fatores circulatórios? Mas os pesquisadores
Um dos melhores exemplos de que o cres- aceitam a existência de um fator de crescimento
cimento fissão também depende do stress ósseo “exercício-mediado” durante os anos de
mecanico, é o caso da criança que nasceu sem a crescimento da criança.
sabia em uma das pernas: com a idade de 2 anos, A idade 6ssea, como índice de avaliação
os ortopedistas mudaram a posição do perônio, da maturidade, tem sido muito estudada entre pré-
colocando-o mais no meio da perna, a fim de adolescentes e adolescentes praticantes de espor-
melhor distribuir o peso corpóreo. Pois bem, 18 tes. A maior parte dos praticantes do sexo mascu-
meses após a operação, o perônio tinha o aspecto lino apresenta idade 6ssea avançada em relação à
de tíbio A falta da líbia foi um acontecimento li- idade cronoló gica, o que permite especular em
gado à herança (fator intrínseco) e a “tibi~lização” relação à estatura final desses jovens em compa-
do perônio deveu-se ao stress mecanico (fator ração aos não praticantes. Quanto às meninas, os
extrínseco). Esse caso, publicado por Houston, é dados são menos conclusivos, mas a literatura
citado por Bailey. Segundo Evans (citado por sugere (tanto em relaçao à idade da menarca quan-
Molina) a função—cornpressiva ou tensional—é to à idade óssea) haver relação entre maturidade
“o real estímulo pata a formação e o crescimento atrasada e desempenho atlético, sobretudo em re-
fissão”. A situação pode ser assim suir~rizada: lação à natação e ginástica. Outros autores afir-
a. Dentro dos limites de tolerância, o au- mam que a relaçao entre idade óssea e desempe-
mento das forças de pressão e tensão determinam nho ffsico é mais estreita do que entre idade
formação de novo tecido fissão deu de que atuem cronológica, ou altura, ou peso com o desempe-
sobre superfícies adaptadas para resistir à pres- nho: sugerem que o parametro para dividir em
são e à tensão, grupos praticantes de espertos entre 10 e 16 anos
b. Aumento de pressão ou tensão além dos deve ser a idade 6ssea e não a idade cronológica,
limites de tolerancia leva à destruição óssea atra- principalmente no sexo masculino.
vés da reabsorção, Emerge, então, a questão crucial da idade
c. Sempre que a pressão - contínua ou in- mínima a partir da qual as crianças podem parti-
termitente - interferir com a circulação sangüínea cipar de atividades físicas programadas competi-
do osso, haverá uma reabsorção osteoblástica do tivas, o assim chamado esporte agonístico. Negrão
mesmo, chama a atenção para os inúmeros campeonatos
d. Os citados limites de tolerância não são entre crianças, as conhecidas categorias fraldinha,
conhecidos. dentinho, dente-de-leite, pré-mirim, mirim, infan-
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til, e que—promovidos por federações esportivas des do aprendizado escplar, repetição de cursos,
of iciais, bem como por clubes e associações— transtornos do caráter e a síndrome do medo do
esses campeonatos podem envolver crianças de insucesso.
até cinco anos de idade. Um exemplo claro e atual: A idade cronológica não é um bom critério
o voleibol, esporte de popularidade crescente em para a decisão de permitir ou não que uma deter-
função do sucesso da seleção brasileira em cam- minada criança participe de competições esporti-
peonatos internacionais. Ainda citando Negrão, o vas: crianças “grandonas” não são obrigatoriamen-
voleibol envolve, em sua prática competitiva, um te amadurecidas. Melhor será um critério de ordem
componente predominantemente anaeróbico biológica, sendo certo a impossibilidade
lático, isto é, atividade em débito de oxigénio, le- operacional de submeter as crianças a variadas
vando, conseqüentemente, seu praticante a atin- provas funcionais. Dai, a valorização, por muitos
gir níveis elevados de lactacidermia nos múscu- autores, como referido antes, da idade 6ssea que
los e na circulação sangüinea, bem como alta nunca deverá ser inferior a 14 anos. Tatafiore su-
taquicardia: isso implica em esforços de alta in- gere como “sinal verde” o aparecimento do osso
tensidade, entre 80% e 100% da condição física sesamóide do dedo mínimo.
máxima, com duração entre 45 segundos e três Finalizando, cite-se Parizková. Nas atuais
minutos, para os quais a criança não está devida- condições ecológicas e com o presente padrão de
mente preparada. A atividade anaeróbica lética vida e de trabalho em muitos paises, encontra-se
provoca liberação de catecolaminas e consequente uma permanente restrição de atividade fisica, isto
vasoconstrição, do que resulta aumento da força é, uma hipocinesia prolongada, com seqüelas
de contração do coração, situação que crianças i^inportantes como a obesidade e defeitos orto-
de baixa idade não superam. A persistência do tra- pédicos, sobretudo durante a inf~ncia e o início
balho anaeróbico Ático nas crianças pode provo- da adolescencia. Há quem afirme que a vida
car uma hipertrofia precoce da musculatura car- contemporanea não exige maiores aptidões fisicas;
díaca, o que limitará o potencial físico máximo entretanto, vale a pena mencionar que um nivel
da criança, além de poder predispô-la a uma futu- mais elevado de aptidão física e capacidade
ra hipertensão arterial. Crianças e adolescentes aeróbica do organismo leva a uma menor
pré-púberes devem participar de atividades físi- fadigabilidade, uma sensação -de bem-estar e, fi-
cas de média intensidade e longa duração (ativi- nalmente, à prevenção de várias situações que
dade aeróbica, na qual predomina o consumo de criam condições para o desenvolvimento de di-
oxigénio, com utilização entre 40% e 80% da con- versas doenças, particularmente as do sistema
dição física máxima e duração superior a três mi- cardiovascular. O homem contemporaneo está
nutos) e não de alta intensidade e curta duração exposto ao stress emocional e, sob sua influên-
(atividade anaeróbica). cia, a reação de alarma desenvolve-se no organis-
Tatafiore* lembra que a criança se encon- mo: ele é a vitima dos anacronismos emocionais
tra entre duas situações: a primeira constituída e dos estímulos internos que foram indispensá-
pelas normas sanitárias em relação ao preparo fí- veis para a sobrevida no passado primitivo. Estão
sico pré-agonistico e ao inicio do agonismo; e a envolvidos velhos mecar ismos filogenéticos fi-
segunda representada pelas “lisonjas dos xos que, sob condições contemporaneas, levam a
organizadores incompetentes de competições in- uma resposta inoportuna (liberação de
fantis, que estimulam o agonismo até os mais pe- catecolaminas, freqüência cardíaca aumentada,
quenas”, com apoio de autoridades públicas (as- débito cardiaco aumentado, elevação da pressão
pecto politico) e dos próprios familiares (aspecto arterial, mobilização maior de ácidos graxos) que
social). O agonismo precoce pode levar a criança constituem a preparacão para a luta ou fuga, isto
a um conjunto de alterações somatopsíquicas, os é, trabalho muscular. Pelo falo desse Irabalho
danos do esporte. No campo somático têm sido muscular não ser executado, desenvolve-se situa-
descritas modificações irreversíveis da relação ções desarmônicas no organismo que são a base
tronco-membros, hipertrofia cardíaca, pseudo- das doenças de civilização. Nesse sentido, a ati-
nefrite atlética, enfisema e um cortejo de lesões vidade física de tipo aeróbico pode ser considera-
esqueléticas traumáticas. No campo psíquico, cite- da como fator compensador de alterações meta-
se o aparecimento de tiques, enurese, dificulda- bólicas resultantes de situações estressantes.
* Tatafiore lembra que cavalos de raça jamais são treinados para competir antes dos dois anos de idade e somente com três amos
participam dos páreos (três amos de cavalo correspondem a 15 anos para o ser humano). Pois bem, a nmguém ocorre submeter
potrinhos a esforços imcompatíveis com sua idade, mas, em relação a crianças é um verdadeiro vale-tudo, sob a responsabilidade,
ou melhor, sob a irresP^°^Dsabilidade de autoridades, treinadores e familiares.
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