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INOVAÇÃO NO SETOR PÚBLICO

teoria, tendências e casos no Brasil

ORGANIZADORES
Pedro Cavalcante
Marizaura Camões
Bruno Cunha
Willber Severo
INOVAÇÃO NO SETOR PÚBLICO
teoria, tendências e casos no Brasil

ORGANIZADORES
Pedro Cavalcante
Marizaura Camões
Bruno Cunha
Willber Severo
Governo Federal

Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão


Ministro Dyogo Henrique de Oliveira

Fundação pública vinculada ao Ministério do Planejamento,


Desenvolvimento e Gestão, o Ipea fornece suporte técnico
e institucional às ações governamentais – possibilitando
a formulação de inúmeras políticas públicas e programas de
desenvolvimento brasileiros – e disponibiliza, para a
sociedade, pesquisas e estudos realizados por seus técnicos.

Presidente
Ernesto Lozardo
Diretor de Desenvolvimento Institucional
Rogério Boueri Miranda
Diretor de Estudos e Políticas do Estado,
das Instituições e da Democracia
Alexandre de Ávila Gomide
Diretor de Estudos e Políticas
Macroeconômicas
José Ronaldo de Castro Souza Júnior
Diretor de Estudos e Políticas Regionais,
Urbanas e Ambientais
Alexandre Xavier Ywata de Carvalho
Diretor de Estudos e Políticas Setoriais de Inovação
e Infraestrutura, Interino
Rogério Boueri Miranda
Diretora de Estudos e Políticas Sociais
Lenita Maria Turchi
Diretor de Estudos e Relações Econômicas
e Políticas Internacionais
Sergio Augusto de Abreu e Lima Florencio Sobrinho
Assessora-chefe de Imprensa e Comunicação
Regina Alvarez
Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoria
URL: http://www.ipea.gov.br
INOVAÇÃO NO SETOR PÚBLICO
teoria, tendências e casos no Brasil

ORGANIZADORES
Pedro Cavalcante
Marizaura Camões
Bruno Cunha
Willber Severo Brasília, 2017
© Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – ipea 2017

Inovação no setor público : teoria, tendências e casos no Brasil /


organizadores: Pedro Cavalcante ... [et al.]. – Brasília : Enap : Ipea,
2017.
266 p. : il., gráfs. color.

Inclui Bibliografia.
ISBN: 978-85-7811-313-1

1. Inovações. 2. Administração Pública. 3. Brasil. I. Cavalcante,


Pedro. II. Escola Nacional de Administração Pública. III. Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada.
CDD 351.81

As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade dos au-
tores, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada ou do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão.

É permitida a reprodução deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte.
Reproduções para fins comerciais são proibidas.
SUMÁRIO

SINOPSE ............................................................................................................................................................... 7
INTRODUÇÃO................................................................................................................................................... 13
Bruno Queiroz Cunha
Willber da Rocha Severo

CAPÍTULO 1
É PRECISO INOVAR NO GOVERNO, MAS POR QUÊ? .................................................................... 15
Pedro Cavalcante
Bruno Queiroz Cunha

CAPÍTULO 2
INOVAÇÕES NO SETOR PÚBLICO: uma abordagem teórica sobre
os impactos de sua adoção ......................................................................................................................... 33
Leonardo Ferreira de Oliveira
Carlos Denner dos Santos Júnior

CAPÍTULO 3
UMA ANÁLISE DA CONSTRUÇÃO DA AGENDA DE INOVAÇÃO NO SETOR PÚBLICO
A PARTIR DE EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS PRECURSORAS ........................................... 43
Bruno Queiroz Cunha

CAPÍTULO 4
DUAS DÉCADAS DE PESQUISA SOBRE INOVAÇÕES EM SERVIÇOS: qual o lugar dos
serviços públicos? ............................................................................................................................................ 59
Faridah Djellal
Faïz Gallouj
Ian Miles

CAPÍTULO 5
INOVAÇÃO NA GESTÃO PÚBLICA FEDERAL: 20 anos do prêmio inovação .......................... 95
Marizaura Reis de Souza Camões
Willber da Rocha Severo
Pedro Cavalcante

CAPÍTULO 6
INOVAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL: uma visão geral de seus tipos, resultados e indutores ... 119
Pedro Cavalcante
Marizaura Camões

CAPÍTULO 7
BARREIRAS À INOVAÇÃO EM GESTÃO EM ORGANIZAÇÕES PÚBLICAS
DO GOVERNO FEDERAL BRASILEIRO: análise da percepção de dirigentes ...................... 145
Soraya Monteiro Brandão
Maria de Fátima Bruno-Faria
CAPÍTULO 8
INOVAÇÃO NO SETOR PÚBLICO: evidências da gestão pública federal brasileira
no período 1999-2014 .............................................................................................................................. 165
Antonio Isidro-Filho

CAPÍTULO 9
DESCOBRINDO LABORATÓRIOS DE INOVAÇÃO NO SETOR PÚBLICO ............................. 179
Piret Tõnurist
Rainer Kattel
Veiko Lember

CAPÍTULO 10
FÁBRICA DE IDEIAS: a experiência da Anvisa como estratégia para fomentar
e incorporar a inovação como método de trabalho no ambiente institucional .................... 205
Gustavo Henrique Trindade da Silva
Danitza Passamai Rojas Buvinich

CAPÍTULO 11
INCENTIVOS A STARTUPS NO BRASIL: os casos do Startup Brasil, InovAtiva e InovApps ... 215
Luanna Sant’Anna Roncaratti

CAPÍTULO 12
INOVAÇÃO ABERTA NO SETOR PÚBLICO: como o Ministério da Educação utilizou o
crowdstorming para impulsionar a prospecção de soluções inovadoras ............................... 231
Wagner Vilas Boas de Souza
Paulo Henrique de Souza Bermejo
Carolina Cristina Martins Cavalcante
Rebeca Nonato Domingos

CAPÍTULO 13
EXPERIÊNCIAS DA REDE DE INOVAÇÃO NO SETOR PÚBLICO (INOVAGOV) .................. 241
Yana de Farias
Felipe Bragança Itaborahy
Bruno Carvalho Palvarini
Iara Cremonesi Endo

CONCLUSÃO
INOVAÇÃO NO SETOR PÚBLICO: avanços e caminho a seguir no Brasil .............................. 249
Pedro Cavalcante
Marizaura Camões

EQUIPE TÉCNICA ........................................................................................................................................... 261


AGRADECIMENTOS .................................................................................................................................. 265
SINOPSE

Este livro consiste em uma inédita coletânea de capítulos sobre inovação no setor público, e é fruto
de um esforço conjunto do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e da Escola Nacional de
Administração Pública (Enap) com diversos pesquisadores e servidores públicos de instituições que
fazem parte da Rede InovaGov, como também colaboradores internacionais referências no campo.
A obra inclui capítulos com abordagens e estratégias metodológicas variadas que contribuem para
sistematizar o conhecimento acerca da teoria, das tendências atuais e de casos de inovação de
sucesso no governo federal brasileiro. Neste sentido, a coletânea explora esse fenômeno complexo
e cada vez mais estratégico no setor público em suas diferentes esferas e setores. Assim, geram-se
subsídios que qualificam o debate e a prática inovadora e, sobretudo, contribuem para a construção
de uma cultura de inovação na administração pública brasileira.

Palavras-chave: inovação; administração pública; Estado; Brasil.


INTRODUÇÃO

Bruno Queiroz Cunha1 | Willber da Rocha Severo2

Atualmente, mais que uma oportunidade, inovação A preponderância da visão econômica acerca
apresenta-se como um imperativo para o setor da inovação, para a qual o setor privado é tido
público. Entretanto, em que pese a “magia” na como o locus natural, também não é desprovida
qual o tema está envolto (Pollitt e Hupe, 2011) e a de sentido teórico, haja vista a contribuição se-
postura em regra benevolente com que se tende minal dos trabalhos de Joseph Alois Schumpeter
a articular a ideia de inovação, é fundamental e, posteriormente, de seus seguidores. Para essa
suplantar posições acríticas e idealizadas neste corrente teórica, a dinâmica da inovação industrial
campo. Analisar o que realmente há de inovador e do empreendedorismo advêm da proatividade
no setor público tornou-se crucial. humana inspirada essencialmente por um interesse
de ordem econômico-financeira. O chamado “lucro
Essa é, portanto, a motivação do Livro Ino- schumpeteriano”, situação transitória que premia
vação no setor público: teoria, tendências e o inovador, em virtude do diferencial competitivo
casos de sucesso no Brasil. Tendo em mente a e mercadológico que a inovação propicia, é o que
aplicabilidade do debate ao caso brasileiro, ao estaria na raiz do ímpeto inovador.
qual a obra se dedica, os diversos trabalhos aqui
reunidos engajam-se com a temática de maneira Com respeito ao setor público, um longo
complementar e agregativa, destrinchando nu- percurso histórico gradualmente reconfigurou
ances teóricas da inovação no setor público. Em o papel das organizações, dos agentes e das
paralelo, revelam-se algumas peculiaridades de políticas frente à inovação. Da margem para o
ricos precedentes empíricos. centro, caminhou-se no sentido de reinterpretar
e recomendar um re-posicionamento mais ativo
Inovar é colocar o novo em ação, efetivando do Estado na esfera da inovação. Isso transcorreu,
mudanças incrementais ou radicais como resul- em um primeiro momento, sem que se perdesse
tado da intencionalidade humana – em regra, de vista o protagonismo da inovação privada,
partindo de algum componente coletivo. Definida inicialmente, industrial/manufatureira e, mais
dessa maneira, com certa informalidade e rigor modernamente, também em serviços.
parcial, inovação, obviamente, não se constitui
em algo genial ou surpreendente. Também não A ascensão, em especial, da teoria dos siste-
há exagero em afirmar que, enquanto objeto de mas de inovação, que se mostrou fundamental
estudo, trata-se de um fenômeno secular. para um mais sofisticado entendimento sobre o

1. Especialista em políticas públicas e gestão governamental na Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições
e da Democracia (Diest) do Ipea.
2. Especialista em políticas públicas e gestão governamental na Escola Nacional de Administração Pública (Enap).
processo inovador e seus componentes indutivos de ações e intenções do Estado. Problemas de
e interativos, agregou, com mais ênfase a partir elevada severidade e cuja rota de solução não
dos anos 1970, maior suporte analítico sobre o está plenamente mapeável se avolumam. Os
papel do setor público na inovação. Entretanto, chamados wicked-problems, novo jargão que
seja para essa visão sistêmica, que incorpora encontra lugar no dia a dia da administração
uma noção de horizontalidade e não determi- pública, reflete a existência e, em alguns casos,
nismo ao entendimento do processo inovador, o agravamento de complexidades cumulativas e
seja para abordagens mais tradicionalistas, cuja multissetorias. Está-se a mencionar, por exemplo,
visão tende a um enquadramento mais linear e os riscos ambientais, o envelhecimento popu-
hierarquizado – portanto, determinístico –, o lacional, o terrorismo, o tráfico internacional
Estado é, hoje, peça central no fluxo da inovação. de drogas ilícitas, as crises humanitárias e os
Essa discussão está contemplada neste livro. deslocamentos de enormes contingentes hu-
manos, como no caso de refugiados de conflitos
Hoje, o tempo é de um setor público que armados. Todos estes problemas, de amplitude
age para e em virtude da inovação. Embora a global, estão emoldurados pela persistente crise
distinção entre a inovação privada e a inovação financeira internacional e pela circunstância de
pública seja, muitas vezes, meramente didática queda de legitimidade política dos governos,
e casuística, não devendo implicar em dicotomia mesmo em democracias estabelecidas.
ou exclusivismo, ela ainda empresta significado
quando se tem em vista o estudo aprofundado Nacionalmente, e em especial no caso do
de gestão e políticas públicas. Neste contexto, o Brasil, prosperam outras crises de diferentes
Estado transcende os papéis de mero estabiliza- ordens que também remetem à transversalida-
dor e financiador da inovação privada, situações de entre áreas de política, multissetorialidades
em que dele se espera tão somente a produção e cumulatividade de papeis, inclusive entre
de institucionalidades e a alocação de recursos níveis de governo. Segurança pública, mobili-
que viabilizem o progresso industrial e científico. dade urbana, infraestrutura logística, segurança
energética, emprego e renda, desenvolvimento
Ao transcender esses papéis, o setor público, regional, dentre outros, seriam temáticas a se
por óbvio, não os abandona, nem os relega a destacar. Todos estes problemas complexos
segundo plano, dado que a era do conhecimeno também encontram fortes restrições fiscais e
e da informação e, no caso brasileiro, também as orçamentárias, recursos humanos e materiais
demandas mais essenciais de desenvolvimento estanques, além de, com frequência, normas
nacional, ainda requerem uma boa governança legais e infralegais de elevado rigor e rigidez.
pública em moldes mais tradicionais – isto re- A posição do Brasil no contexto internacional,
percute diretamente sobre o desempenho do tanto econômico quanto político, também limita,
setor privado. Entretanto, queira-se ou não, a em certa medida, alguns tipos de ações, como
realidade atual impõe que se abra o leque de no caso de impeditivos colocados por regras
expertises e de tipos de habilidades necessárias da Organização Mundial do Comércio (OMC).
às organizações públicas e seus quadros funcio-
nais, que passam a exercer um poder de agência Em um cenário global e doméstico dessa
mais efetivo no tocante à inovação. É preciso, natureza, modelos tradicionais de administração
portanto, refletir sobre organizações públicas de pública também se vêem desafiados, e podem
tipo empreendedor, capazes de explorar, criar e perder efetividade e legitimidade. Por um lado,
mesmo arriscar (Mazzucato, 2014). sistemas weberianos tradicionais, tidos como
garantidores de racionalidade, previsibilidade
A complexidade da conjuntura internacional e imparcialidade, são lentos em acompanhar a
em parte explica esse alargamento do espectro dinâmica à sua volta, ao mesmo tempo em que

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podem operar dentro de padrões hierárquicos e, por que não, com ímpeto renovado para o que
restritivos e anacrônicos. Por outro lado, modelos ora se desenrola na esfera da inovação no setor
gerencialistas, supostamente mais dinâmicos público no Brasil. Neste contexto, o objetivo
e capilarizados, também estão muitas vezes central deste livro é semear ainda mais este
limitados em seus mecanismos de indução de terreno, produzindo reflexão teórico-aplicada
comportamento e difusão de informação, os e conhecimento relevante acerca da inovação
quais também não dialogam com a necessidade no setor público brasileiro. Visa-se contribuir
de colaboração e experimentalismo, além de não para a construção de uma agenda integrada de
convergirem para uma visão mais pró-ativa do pesquisa sobre o tema e auxiliar na resolução
Estado no enfrentamento de missões contem- de problemas reais da administração pública.
porâneas. Em ponto intermediário, a governança
em rede surge como alternativa, mas também ela A coletânea está dividida em cinco partes.
pode carecer de efetividade em algumas áreas Após esta introdução, na qual se assenta o
de política, além de não solucionar disparidades escopo do livro e o seu contexto, a segunda
entre grupos de interesse, com capacidades parte apresenta o tratamento teórico sobre a
econômicas e mesmo cognitivas desiguais. inovação. Em quatro capítulos, discute-se, entre
outras questões, a necessidade de se inovar no
A despeito desse quadro aparentemente setor público, as consequências desta inovação
pessimista, é promissora a maneira como o e a construção da agenda internacional de
Brasil conseguiu, em curto espaço de tempo, inovação em governo. Na terceira parte, três
incorporar ao setor público a importância da capítulos discorrem, a partir de dados empíricos,
inovação. Embora a inovação, seja enquanto um sobre as experiências inovadoras já desenvol-
produto, serviço ou processo, não se configure, vidas no âmbito do governo federal brasileiro.
em si, na solução última para todos os problemas O quarto capítulo identifica as principais barreiras
públicos, há razões para otimismo, como a leitura enfrentadas para inovar na gestão das organi-
deste livro pode indicar. zações públicas nacionais. As tendências atuais
em inovação no setor público e alguns casos
Tanto no Poder Executivo, quanto no Legis- exemplares são relatados nos cinco capítulos
lativo e no Judiciário, iniciativas no âmbito da da quarta parte. Finalmente, na quinta e última
inovação no setor público surgem a todo tempo parte do livro, capítulo de conclusão sintetiza
no país. Tantas outras já se tornaram sustentáveis algumas reflexões presentes na coletânea, aponta
e ganharam respeitabilidade e influência prática, para uma agenda futura de pesquisa no tema
como no caso de alguns concursos de inovação e, sobretudo, propõe caminho à construção de
e eventos de escopo internacional. No governo cultura de inovação nas organizações públicas.
federal, também a que se destacar, sem dúvida, Ao todo, além da introdução e da conclusão,
a criação da Rede de Inovação no Setor Público o livro contém treze capítulos. Os conteúdos
(InovaGov), que constitui em um resultado direto de cada um deles são apresentados a seguir.
da Primeira Semana de Inovação no Setor Público,
organizada em 2015 pelo então Ministério do No primeiro capítulo, Cavalcante e Cunha, a
Planejamento, Orçamento e Gestão (MP). Ações partir de uma ampla revisão da literatura acadê-
desse tipo já não se restringem aos gabinetes das mica nacional e internacional e da produção de
repartições públicas e passam a abarcar, cada governos e organismos internacionais, discutem
vez mais, atores privados, sociais, públicos não as razões que têm tornado a inovação uma es-
estatais e acadêmicos. tratégia governamental prioritária. O argumento
central dos autores é que as atuações do setor
Seja no âmbito da prática pública, seja na público ultrapassam a visão restrita do papel
academia, há motivos para se voltar com otimismo do Estado na correção de falhas de mercado

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e incorporam outras perspectivas como a via- serviços: assimilação, demarcação, inversão e
bilização do funcionamento de sistemas de integração/síntese.
inovação. Inovações no setor público também se
justificam, segundo os autores, pela existência O quinto capítulo, denominado Inovação na gestão
de falhas de governo, pelo aparecimento de pública federal: 20 anos do Prêmio Inovação, abre a
problemas cada vez mais complexos e pelas terceira parte do livro, dedicada às experiências de
demandas por melhores serviços públicos e inovação no âmbito do governo federal brasileiro.
mais participação social. Ele sumariza os resultados dos principais estudos
acadêmicos e profissionais que foram realizados
No segundo capítulo, intitulado Inovações tendo como referência o banco de dados produzido
no setor público: uma abordagem teórica sobre pelo Concurso Inovação da Gestão Pública Federal,
os impactos de sua adoção, Oliveira e Santos promovido pela Escola Nacional de Administração
Júnior se lançam ao desafio de abordar o fe- Pública (Enap). Camões, Severo e Cavalcante
nômeno complexo, multifacetado e multinível apresentam, também, uma “radiografia” dos 20
das consequências da adoção de inovações no anos do prêmio, a partir das suas áreas temáticas e
setor público. Eles argumentam que a adoção de trajetórias de inovações observadas nas iniciativas
uma inovação por si só não pode ser entendida candidatas e premiadas no decorrer de sua história,
como um valor positivo a ser buscado, mas que além de trazerem alguns exemplos emblemáticos
os efeitos da inovação podem, sim, contribuir da inovação como ferramenta propulsora de
significativamente para a geração de valor no transformação em organizações públicas.
setor público, tornando possível enfrentar os
variados e complexos desafios atuais. O sexto capítulo, de título Inovação no setor
público no Brasil: uma visão geral de seus tipos,
O terceiro capítulo, denominado Uma análise resultados e condicionantes, de Cavalcante e
da construção da agenda de inovação no setor Camões, responde às seguintes questões: Quais
público a partir de experiências internacionais são os fatores que influenciam as práticas de
precursoras, traz uma reflexão sobre esta nova inovação do setor público? Os determinantes
tendência no campo das políticas públicas. Nesse ou indutores da inovação variam de acordo
capítulo, Cunha analisa a produção internacional com o tipo ou fase da inovação? Os diferentes
de caráter institucional, não acadêmico, sobre indutores da inovação afetam seus objetivos e
inovação no setor público e produz inferências resultados de forma distinta? Para tanto, eles
sobre os prováveis direcionamentos e posições utilizam o banco de dados construído a partir da
normativas com o fito de oferecer conclusões análise de conteúdo dos relatórios das iniciativas
acerca do escopo e principais aspectos deste inovadoras participantes do já citado Concurso
tipo de inovação. Inovação da Gestão Pública Federal.

O capítulo seguinte, o quarto, é uma tradução No capítulo 7, Barreiras à inovação em gestão


do artigo científico Two decades of research on em organizações públicas do governo federal
innovation in services: which place for public ser- brasileiro: análise da percepção de dirigentes,
vices? publicado em 2013. Nele, Djellal, Gallouj e Brandão e Bruno-Faria identificam as barreiras à
Miles argumentam que o estudo sobre inovação inovação em gestão em organizações públicas do
em serviços, particularmente no setor público, governo federal brasileiro na percepção de seus
foi negligenciado por muito tempo e, por isto, dirigentes. Foram revisados artigos nacionais e
propõem integrar trabalhos sobre este tema estrangeiros recentes sobre inovação no setor
aos de inovação de forma geral. Para tanto, os público, com foco nas barreiras à inovação em
autores examinam quatro perspectivas teóricas gestão, analisados documentos e entrevistados
diferentes usadas nos estudos de inovação de dirigentes de organizações públicas federais.

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Também se valendo do banco de dados uma das principais fontes atuais de inovação.
gerado pelo Concurso Inovação da Enap, Isi- A partir dos anos 2000, inúmeros países, Brasil
dro-Filho, no oitavo capítulo e último da terceira incluso, criaram políticas públicas voltadas para
parte do livro, identifica os principais modelos incentivá-las. O texto informa os principais ele-
referências da inovação no setor público e as mentos de cada um dos programas, esclarece
variáveis constituintes da inovação. Ademais, como eles se configuraram em estratégias de
o autor desenvolve e aplica um framework de fomento de start-ups nacionais e quais foram
inovação para o contexto do Poder Executivo os seus aspectos inovadores.
federal brasileiro, com o objetivo de caracterizar
a inovação na gestão pública federal a partir O capítulo 12 traz a experiência do Minis-
de experiências organizacionais premiadas no tério da Educação (MEC) com o emprego do
período 1999-2014. crowdstorming. Trata-se de um dos métodos
utilizados em inovação aberta que pode gerar
O capítulo 9, de abertura da quarta parte do resultados positivos ao envolver grande número
livro, versa sobre uma tendência cada vez mais de pessoas na discussão de um problema. No
popular no setor público de vários países: a im- caso estudado, o MEC criou o projeto Desafio
plantação de laboratórios de inovação. Tradução da Sustentabilidade, apoiado nos conceitos de
do artigo científico Discovering innovation labs in inovação aberta e crowdstorming, para identificar
the public sector, de Tõnurist, Kattel e Lember, o e prospectar junto às instituições federais de
texto relata os resultados de uma enquete com ensino soluções inovadoras para redução dos
onze laboratórios de inovação, seguida de uma gastos com consumo de água e energia elétrica.
entrevista detalhada com os seus gestores. Os
laboratórios de inovação são organizações singu- Finalmente, o décimo terceiro e último capítulo
lares e diversas em sua missão, com previsão de do livro relata o caso da Rede de Inovação no
atuar como agentes de mudança no setor público Setor Público – InovaGov. Faria et al. descrevem
e dispor de ampla autonomia no estabelecimento o percurso e os principais marcos da estrutu-
de seus alvos e métodos de trabalho. ração desta rede, considerando os aspectos
relativos aos contextos político, institucional e
No capítulo seguinte, o décimo, Silva e Buvi- organizacional que orientaram sua trajetória,
nich relatam a experiência da Agência Nacional com ênfase em suas conquistas, dificuldades
de Vigilância Sanitária (Anvisa) no fomento e e visão de futuro. Todos os capítulos, cada um
incorporação da inovação como método de a seu modo, exploram o método e a arte de
trabalho no ambiente institucional. A Fábrica de inovar, trazendo importantes insumos tanto
Ideias da Anvisa, como bem destacam os autores, teóricos quanto práticos. Desejamos a todos
é mais que um programa de aproveitamento uma boa leitura!
de ideias, trata-se de um modelo de gestão do
conhecimento para internalizar a inovação como
método de trabalho, em busca da modernização REFERÊNCIAS
da gestão regulatória a fim de enfrentar desafios
presentes e futuros. MAZZUCATO, M. O Estado empreendedor:
desmascarando o mito do setor público vs. setor
No décimo primeiro capítulo do livro, Roncaratti privado. São Paulo: Portfolio Penguin, 2014.
apresenta e compara os aspectos centrais de
três iniciativas do governo federal brasileiro: os POLLITT, C.; HUPE, P. Talking about government:
programas start-up Brasil, InovAtiva e InovApps. the role of magic concepts. Public Management
As start-ups surgem como atores relevantes e Review, v. 13, n. 5, p. 641-658, jun. 2011.

13
CAPÍTULO 1
É PRECISO INOVAR NO GOVERNO, MAS POR QUÊ?
Pedro Cavalcante1 | Bruno Queiroz Cunha2

1 INTRODUÇÃO 12
dos contemporâneos e desempenhando papel
de propulsor do desenvolvimento econômico
O século XX foi marcado por um intenso processo e da modernização da administração pública
de transformações políticas, sociais e econômicas (Anao, 2009; Bekkers, Edelenbos e Steijn, 2011;
que, sem dúvida, refletiu em processos de reorga- Comissão Europeia, 2013; De Vries, Bekkers e
nização do papel do Estado e da administração Tummers, 2015; Mazzucato, 2015; OCDE, 2015).
pública. A partir de meados do século passado, Organizações públicas passaram cada vez mais a
a construção dos Estados de bem-estar social, se preocupar com o fomento da prática inovadora
em seus distintos formatos, exigiu um processo em resposta às constantes mudanças econômicas,
de complexificação do aparelho de Estado, políticas, sociais e tecnológicas em um mundo mais
de modo a atender a demandas não apenas globalizado e em rede, limitadas por expectativas
de cunho social, como também nas áreas de crescentes dos cidadãos, problemas complexos e
infraestrutura e econômica. Essas mudanças orçamentos apertados.
delineiam de forma substantiva não apenas as
funções estatais, mas também as estratégias Diante da relevância e complexidade da temáti-
de atuação governamental no mercado, na ca, a questão que emerge com vigor é o porquê de
provisão de serviços públicos, e o modo como o inovar. A partir do debate na literatura acadêmica,
Estado é visto e valorado pela sociedade. principalmente internacional, bem como nas pu-
blicações de governos e organismos multilaterais,
Dentre as diversas conceituações que serão este capítulo aborda as razões que têm tornado
discutidas no tópico seguinte, a inovação pode a inovação uma política pública prioritária, e tam-
ser definida como o processo de geração e bém as respostas da administração pública em
implementação de novas ideias com vistas à termos de políticas de gestão e organizacionais. O
criação de valor para a sociedade, com foco estudo reflete ainda sobre o papel do Estado, seu
interno ou externo à administração pública desenvolvimento e a modernização de sua atuação
(Comissão Europeia, 2013). pós-processos reformistas influenciados pelo New
Public Management. Também se detalha o movi-
Nesse contexto, prevalece certo consenso mento mais recente de diversificação da atuação
de que os processos de inovação no setor públi- governamental no campo da inovação, em especial,
co têm se intensificado nos últimos vinte anos, via proliferação de laboratórios de inovação e suas
ganhando uma dimensão estratégica nos Esta- variantes, mundo afora.

1. Especialista em políticas públicas e gestão governamental e atualmente coordenador na Diretoria de Estudos e Políticas
do Estado, das Instituições e da Democracia (Diest) do Ipea. E-mail: <pedro.cavalcante@ipea.gov.br>.
2.Especialista em políticas públicas e gestão governamental na Diest do Ipea. E-mail: <bruno.cunha@ipea.gov.br>.
O argumento central é que a atuação do procurava explicar a relação entre inovação
setor público, tanto a voltada à viabilização da tecnológica e desenvolvimento econômico.
inovação no setor privado quanto à interna ao De acordo com o autor, a inovação seria o ato
aparato estatal, ultrapassam a visão restrita do de fazer algo diferente no plano econômico, o
papel do Estado meramente para fins de correção que tenderia a refletir em novos resultados, tais
de falhas de mercado, incorporando também como: um novo bem ou uma nova qualidade
outras perspectivas, como a construção de (e de um bem, um novo método de produção, um
participação em) sistemas de inovação. Adicio- novo mercado e, por fim, uma nova fonte de
nalmente, ainda no âmbito intragovernamental, as fornecimento. O processo dinâmico de substi-
inovações se justificam pelas falhas de governo, tuição tecnológica se denominaria “destruição
pelo crescimento de problemas cada vez mais criadora” (Schumpeter, 1934).
complexos e estruturantes (wicked problems)
e de demandas por melhores serviços e mais A inovação, na visão schumpeteriana, se-
participação no policymaking. ria o que conferia diferencial competitivo, e
exatamente nisto estaria motivada. Aos inova-
Para possibilitar responder à questão acerca dores bem-sucedidos reverteriam, ainda que
do porquê da inovação e, assim, contribuir com momentaneamente e enquanto as inovações
esse importante debate, de conotações tanto significassem vantagens comerciais, benefícios
teóricas e como práticas, este capítulo se divide competitivos e econômicos adicionais próprios,
da forma a seguir. Após esta breve introdução, a na forma dos chamados lucros schumpeterianos.
seção 2 se dedica a contextualizar e conceituar
inovação no setor público. Segue-se, na seção Após Schumpeter, a variedade de análises
3, a discussão sobre a abordagem dos sistemas sobre o tema foi sendo ampliada de forma contínua,
de inovação, posicionando mais claramente o perpassando por áreas e setores econômicos
papel do Estado e das organizações públicas e administrativos, mormente na área privada.
no processo inovador. A seção 4 visa debater a Porém, já nas últimas décadas, a estudos da
temática no bojo das transformações da adminis- inovação com foco hegemônico sobre produtos
tração pública contemporânea e das tendências manufaturados adicionou-se a ênfase também
de inovação no setor público. Em seguida, na em inovação em serviços. Apesar da miríade de
seção 5, fundimos essas referências analíticas conceitos existentes, inovação está geralmente
à interpretação do fenômeno da proliferação, vinculada a melhorias em processos organi-
sobretudo em âmbito internacional, de labora- zacionais, implementação de novos produtos,
tórios de governo e do terceiro setor, voltados procedimentos, serviços, políticas ou sistemas
à promoção da inovação como estratégia de (Damanpour, Walker e Avellaneda, 2009; Bekkers,
resposta aos desafios colocados ao Estado. Fi- Edelenbos e Steijn, 2011; Lynn Junior, 2013; De
nalmente, na seção 6, um panorama esquemático Vries, Bekkers e Tummers, 2015; OCDE, 2015).
da inovação no setor público é esboçado, bem Em outra conceituação abrangente, mas já com
como algumas conclusões. foco no setor público, Osborne e Brown (2005)
defendem que a inovação significa a introdução
2 INOVAÇÃO E O SETOR PÚBLICO de novos elementos em um serviço público, na
forma de novos conhecimentos, nova organização
Apesar de a inovação ter ganhado mais des- e/ou nova habilidade de gestão ou processual.
taque nos debates recentes sobre as trans-
formações na economia e na administração Em todos os casos, entretanto, sustenta-se
pública, as abordagens sobre o tema não são que a ideia de inovação está representada na
novas. O trabalho seminal de Schumpeter, percepção de descontinuidade com o passado.
Theory of Economic Development, de 1934, já O elemento de descontinuidade é também o

16
que mais diretamente diferencia a inovação (2016) as dividem em seis grandes formatos, os
da mudança. Enquanto esta é vinculável ao quais também podem ser exemplificativos do
passado, maleável enquanto resultado de uma caso brasileiro.
trajetória de sucessivas alterações dentro de um
continuum de agregações, a inovação, ainda que 1) Investimento público em ciência, tecnolo-
em uma escala pequena, encerra fenômeno de gia e inovação (CTI): forma mais tradicio-
descontinuidade com o passado, tanto em um nal de atuação do Estado. Na forma de
grau incremental quanto radical ou disruptivo pesquisa básica e aplicada, o setor público
(Osborne e Brown, 2005). cria as condições para o mercado inovar e
também gera as grandes fontes de inova-
Quanto ao papel do Estado, recorda-se que o ção (Mazzucato, 2013). Isto ocorre com as
argumento econômico clássico restringe a pos- atuações de órgãos brasileiros de fomen-
sibilidade de intervenção do Estado à existência to, a exemplo da Financiadora de Estudos
de falhas de mercado, tais como a concorrência e Projetos (Finep) e da Empresa Brasileira
imperfeita, externalidades, informação assimé- de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
trica e mercados incompletos (Winston, 2006).
Com efeito, o Estado atuaria de modo a corrigir 2) Inovação via compras públicas (procurement):
tais falhas, por meio de políticas públicas. muitas inovações surgem como consequ-
ência de exigências expressas pelo Esta-
Não obstante a visão economicista clássica, do sobre produção e aquisição de novas
o leque de atuação estatal tem se ampliado, em tecnologias e produtos que estão sendo
especial na temática de inovação. Isto se dá não desenvolvidos pelo mercado, incorporan-
apenas com o Estado construindo ambiente do valores e princípios, tais como a sus-
favorável à inovação do setor privado, como tentabilidade. Estas exigências de com-
também desenvolvendo capacidade inovadora pras se materializam, por exemplo, nas
própria e empreendedora, além de um maior contratações públicas sustentáveis do
engajamento em rede com atores não estatais. governo federal.

No âmbito interno ao governo, a inovação 3) Inovações institucionais econômicas: são


também surge como estratégia do setor público novas soluções institucionais que visam
para lidar com as falhas do governo (Winston, alterar as regras do jogo na economia,
2006), isto é, situações em que a intervenção como o caso da criação de agências re-
governamental tende a gerar mais problemas guladoras pelo governo federal brasileiro
do que soluções, com o desperdício de recursos pós-reforma gerencial de 1995.
públicos. Tal noção, complementar à perspectiva
das falhas de mercado, é, por seu turno, restritiva 4) Inovações institucionais políticas: ino-
quanto a um prognóstico mais transformador e vações que alteram as regras do jogo
estruturante do Estado enquanto impulsionador político. São exemplos as iniciativas
de inovações. Nesse sentido, é importante refletir voltadas a aumentar a participação
de maneira inclusiva (e não restritiva) acerca da sociedade no processo decisório,
do amplo escopo do papel do Estado frente ao como o orçamento participativo ou a
fenômeno da inovação, indo além da busca por criação de conselhos deliberativos de
falhas específicas, sejam internas (de governo), políticas públicas.
sejam externas (de mercado).
5) Inovações nos serviços públicos: são os
Em uma tentativa de enquadrar as funções do esforços governamentais para modifi-
Estado na temática de inovação, Karo e Kattel car substantivamente a forma como um

17
serviço é prestado, tais como a simplifi- experiências de orçamento participativo dos
cação e/ou digitalização do atendimen- governos subnacionais brasileiros, podem ser
to na saúde ou previdência. Esse seria o exemplos claros desse argumento.
formato mais usual e remete, sobretudo,
à incorporação das tendências de gestão Em particular, destaca-se que a crescen-
com vistas à melhoria de processos ad- te demanda por mais participação social
ministrativos e/ou prestação de serviços na construção de políticas públicas e por
à sociedade. qualidade nos serviços públicos, as quais
emergem recorrentemente em meio a restri-
6) Inovação organizacional: criação de orga- ções de natureza fiscal e da necessidade de
nizações ou alteração de processos de- busca por mais confiança e legitimidade por
cisórios ou de gestão, inclusive mediante parte dos governos, tendem a pressionar por
a utilização de laboratórios de inovação, inovações. Também o fazem as necessidades
voltados a processos de aprendizagem e de enfrentando de problemas públicos cada
experimentação. vez mais complexos, transversais e incertos
– os chamados wicked problems, como o
Nota-se, assim, um papel de protagonismo aquecimento global, os intensos processos
do Estado no terreno da inovação. Mesmo migratórios, as questões críticas ligadas às
sendo impactado por alguns fatores inibidores drogas, o envelhecimento populacional, entre
da inovação, o setor público também tem sido outros. Esses problemas desafiam o setor
uma grande fonte inovadora original, desde público a prover políticas inovadoras, pois
a era das grandes ferrovias ao advento da in- ajustes graduais e mudanças previsíveis de
ternet (Pollit, 2011; Mazzucato, 2013). Em boa antemão têm impacto cada vez mais reduzido.
parte das inovações de larga escala da inicia- Em muitos casos, a inovação se tornou um
tiva privada, foram os governos que aceitaram imperativo, e não uma mera opção.
suportar e custear os riscos iniciais, quando
as incertezas são tradicionalmente maiores. As próximas seções são dedicadas a de-
Em uma série de casos, organizações públicas senvolver o argumento principal deste capítulo
foram pioneiras no desenvolvimento e financia- sobre as razões de o Estado inovar, bem como a
mento de tecnologias básicas que, a posteriori, explorar como o setor público vem, nas últimas
geraram inovações de produtos e serviços com décadas, ampliando seu papel na temática.
a participação de agentes privados (Comissão Na esfera da inovação, a fronteira entre o público
Europeia, 2013). e privado é tênue e, muitas vezes, indefinida, o
que guarda relação direta com os componentes
Os casos de inovação dentro do setor de incerteza e de ação coletiva próprios desse
público também não são raros. Nas últimas fenômeno. Como exemplo, podemos citar o caso
décadas, governos introduziram práticas ino- de compras públicas, área em que a inovação nos
vadoras nos processos e serviços como forma próprios modelos de compras pode vir a resultar
de aperfeiçoar gastos e ampliar a legitimidade em mudanças positivas tanto no desempenho das
e restabelecer a confiança da sociedade, haja empresas privadas fornecedoras como também
vista os cenários de crise fiscal e de repre- dentro dos governos, com a redução de custos
sentatividade em sistemas democráticos. Os e a promoção da sustentabilidade.
casos do output budgeting – técnica de gestão
orçamentária que revolucionou o planeja- 3 A ABORDAGEM SISTÊMICA DA INOVAÇÃO
mento e gerenciamento das contas públicas
ainda na década de 1960 – e as formas de A teoria dos sistemas de inovação (SI), ou siste-
participação cidadã no policymaking, como as mas nacionais de inovação (SNI), é uma influente

18
construção analítica nos estudos sobre o processo o caráter indutivo e empírico da inovação. Tal
de inovação das empresas e, também, sobre elemento diz respeito essencialmente ao aspecto
políticas públicas voltadas à inovação. Embora relacional que integra o rol de componentes
a abordagem se destine inicialmente a pensar o fundamentais do processo inovador, do qual
processo inovador na dinâmica industrial, um dos emana a inovação (Edquist, 2004). Além disso,
pontos-chave da teoria dos sistemas de inovação a teoria dos sistemas de inovação também tem
é o reposicionamento do Estado e do papel das sua raiz estreitamente vinculada a correntes
organizações públicas perante o fenômeno da teóricas de matriz neoschumpeteriana ou
inovação. Outro ponto, tão essencial quanto, diz evolucionária (Dosi e Nelson, 1994). Na visão
respeito à reconfiguração do fluxo da inovação e neoschumpeteriana, o Estado detém um papel
da difusão do conhecimento, que deixa de ser visto fundamental na viabilização de características
como algo unidirecional e predominantemente sistêmicas que repercutem na ação das firmas,
linear, para assumir uma vertente multiforme e ou mesmo compondo, junto com as firmas, os
multidirecional (Cunha, 2016). Neste sentido, SI centros de pesquisa, os usuários, o mercado
ou SNI definem-se como consumidor e outros, estratégias promissoras
de inovação e industrialização.
um conjunto de instituições distintas que con-
tribuem para o desenvolvimento da capacidade Apesar disso, o que estudos empíricos e
de inovação e aprendizado de um país, região, a construção teórica do SNI mais enfatizam
setor ou localidade – e também o afetam. Consti- é mesmo o fato de que inovações não costu-
tuem-se de elementos e relações que interagem mam ocorrer de maneira isolada, isto é, sem
na produção, difusão e uso do conhecimento que haja, entre os agentes relevantes, tro-
(Cassiolato e Lastres, 2005, p. 37). cas, colaboração e mesmo interdependência
(Fagerberg, 2004). Entre tais categorias de
Essa abordagem coloca ênfase na interação dos agentes estão as organizações públicas, das
atores e das instituições, observando processos quais se espera não apenas intervenções tó-
interativos tanto na criação do conhecimento picas e horizontais, que têm objetivos mera-
como em sua difusão e aplicação. Sob esse mente corretivos e niveladores das condições
enfoque, a inovação pressupõe um ambiente de competição. Dentro da concepção dos SNI,
institucional em que empresas, organizações o Estado tem um papel adicional na circulação
não governamentais (ONGs) e governos sejam do conhecimento e na viabilização ou indução
capazes de aprender, desenvolver e compartilhar das interações. É um papel de protagonismo,
conhecimentos. A ideia central da abordagem que envolve a atuação não somente subsidi-
sistêmica é a de que inovação depende não ária à do mercado, mas também a presença
apenas do desempenho individual de empresas ativa em processos inovadores, mediante reor-
e organizações, mas também de como elas ganização de regras e instituições, manutenção
interagem entre si, com outros atores e o meio de instituições de pesquisa públicas ou mesmo
em que se inserem; além de como as instituições de organizações produtivas, como no caso das
afetam o desenvolvimento dos sistemas (Cas- empresas estatais. Ou seja, trata-se mesmo de
siolato e Lastres, 2005). Ou seja, a inovação se um papel que encerra um conjunto de funções
traduz em um fenômeno sistêmico e interativo, para fins do fenômeno inovador, em linha com
caracterizado por diferentes tipos de colaboração. a referida taxonomia de Karo e Kattel (2016).

Trabalhos seminais que primeiro contribuíram Segundo Edquist (2004), a abordagem dos
para o desenvolvimento teórico dessa abor- SI é particularmente atrativa a formuladores
dagem, notadamente Lundvall (1992), Nelson de política pública porque induz a uma me-
(1993) e Freeman (1995), também enfatizam lhor compreensão acerca dos diferenciais no

19
potencial inovador de distintas economias e na e, assim, ajuda a pavimentar uma agenda de
criação de mecanismos de apoio à inovação. pesquisa mais ambiciosa quanto à inovação no
A adoção de uma perspectiva sistêmica também setor público – ou seja, dentro do próprio Estado.
demanda uma postura estatal que reconheça
um papel abrangente para o próprio Estado. Na A concepção do SNI deixa aberta a porta
abordagem sistêmica, o escopo de atuação do para que o Estado seja percebido e estudado
Estado é ampliado, indo muito além da simples como inovador em si, o que claramente convida
correção de falhas de mercado e da provisão de a um olhar não somente sobre as transforma-
bens públicos essenciais, ou mesmo da contenção ções institucionais que diretamente apoiam
de falhas de governo. a inovação industrial, como, de uma maneira
mais ampla, quanto à essência da inovação
Observa-se que, subjacente à noção sistêmica em componentes e dinâmicas internas às
está uma postura transformadora do Estado, o organizações estatais. O desenvolvimento
que inclui a atuação consistente na promoção de um raciocínio teórico e empírico sobre a
do desenvolvimento. Não por outro motivo, a capacidade estatal inovadora do Estado parte
teoria do SI passou a deter relevância particular de um longo e sólido percurso previamente de-
tanto em nações com estruturas de bem-es- senvolvido, entre outros, pelos teóricos dos SNI.
tar social avançadas, notadamente os países Ao mesmo tempo, pelo fato de a visão sistê-
escandinavos, quanto em nações emergentes mica não ser exclusivamente geográfica (na-
com potencial industrializante. Em ambos os cional, regional etc.), tampouco unicamente
casos, tende a haver forte presença estatal na vinculada ao avanço tecnológico stricto sensu
economia. Nesse quesito, o Brasil tem particular (Edquist, 2004), pode-se argumentar no sentido
relevância. O sistema de inovação nacional é de um sistema de inovação cujos componentes
altamente complexo e, em alguns casos, muito centrais sejam as organizações públicas as quais,
bem estruturado (Castro, 2016). Adicionalmente, em conjunto, produzam inovações públicas ou
alguns avanços teóricos relevantes no campo dos serventes ao interesse público e aos governos.
SI tiveram origem no Brasil, como na construção
de interpretações analíticas sobre como a ino- Da visão evolucionária da inovação, central
vação pode se constituir em peça fundamental à abordagem sistêmica, também se retira, além
de estratégias de desenvolvimento econômico do componente interativo, o componente es-
mediante industrialização e emparelhamento pontâneo ou incerto relativo à inovação. Este
tecnológico (Cassiolato e Lastres, 2008). toca, para os fins da inovação em organizações
públicas, a necessidade do desenvolvimen-
A despeito da abordagem dos SI enxergar um to de capacidades e habilidades específicas
papel protagonista do Estado, e mesmo sendo que possam incorporar a tentativa e o erro
a visão sistêmica altamente interdisciplinar, até aos processos decisórios dentro do Estado.
pouco tempo, elaborações mais consistentes Tal engajamento com o experimentalismo não
sobre a porção efetivamente inovadora das pró- implica que se passe a tratar a inovação em or-
prias organizações públicas, enquanto lócus de ganizações públicas como mera obra do acaso.
inovação, eram escassas. Como afirmam Bekkers, No terreno do desenvolvimento de capacidades
Edelenbos e Stein (2011), a teoria desenvolvida inovadoras, também deve estar presente o es-
sob a perspectiva do SI não teve, originalmente, forço de criação de uma série de expedientes
uma mensagem clara sobre a inovação dentro que deem estrutura e fertilizem o terreno para
do setor público. Todavia, ao mesmo tempo em que inovações emerjam – ou seja, há que se
que a teoria dos SNI carece de uma visão mais pavimentar o caminho para que inovações sur-
aderente à inovação em governo, ela sedimenta jam. Por sua vez, o experimentalismo é sempre
uma descrição sólida acerca do papel do Estado uma peça central da inovação, de maneira que

20
tanto sistemas quanto episódios inovadores que organizações inovadoras se posicionem,
específicos normalmente deterão elementos como afirmam Karo e Kattel (2016), de maneira
não planejados de início. complementar ao exercício usual do bom governo
e da boa burocracia. Contribui, por fim, para que
Desse modo, pela lógica sistêmica da ino- se perceba no Estado não só um obstáculo, uma
vação, tão importante quanto gerar produção condição ou mesmo um catalisador à inovação,
e circulação de conhecimento, oportunidades pois deixa nítida a capacidade de o Estado
de interação e habilidades básicas e alavanca- também ser um agente efetivo de inovação
doras da inovação, é também a constituição de (Cunha, 2016).
uma estrutura que permita que organizações
inovadoras se constituam. Uma visão sistêmi- 4 INOVAÇÃO PARA DENTRO DO GOVERNO
ca e evolucionária reivindica que se invista em
maneiras de se criar organizações públicas que Diante da amplitude conceitual e da comple-
sejam, da porta pra fora e da porta pra dentro, mentariedade no campo prático, como permite
empreendedoras (Mazzucato, 2015). compreender a noção sistêmica da inovação,
já detalhada, esta seção discute mais a fundo
Nesse sentido, há espaço para fertilização alterações e episódios que influenciaram a in-
cruzada entre a inovação de caráter privado e a tensificação da prática inovadora para dentro
pública. Isto é, não há contradição ou oposição, do serviço público nas últimas décadas.
necessariamente; mas sim possibilidade de cons-
trução coletiva e plural. Tal constatação não retira A partir da segunda metade da década de
da inovação seu componente schumpeteriano 1970, o setor público passa a ser alvo de uma
mais essencial, que é a possibilidade de atribuição série de questionamentos acerca do funciona-
de uma lucratividade extraordinária ao agente mento do Estado sob as dimensões econômi-
privado inovador, ou seja, o lucro schumpete- cas e política e também quanto ao modelo de
riano. Tampouco subtrai do Estado seu múnus administração burocrático. No âmbito econô-
principal de atendimento ao interesse público. mico, a crise fiscal, que afetava as principais
Do contrário, construir coletivamente produtos, economias do mundo capitalista, transfere as
processos, estratégias de marketing e comuni- atenções para a necessidade de reduzir o grau
cação e novas organizações que representem de intervencionismo estatal na economia e
inovações efetivas pode somar o interesse na sociedade, considerada como a razão princi-
privado ao interesse público. Ademais, pode pal da ineficácia e ineficiência da administração
também, do ponto de vista especificamente do pública (Pollitt e Bouckaert, 2011). Do ponto de
Estado, cumprir propósitos tanto sociais quanto vista político, o período é marcado por obstá-
econômicos, na medida em que inovações, ao culos na governabilidade, perda de legitimidade
serem “fabricadas”, podem impulsionar ganhos e, por conseguinte, descrédito nas instituições
econômicos amplos, ao mesmo tempo em que governamentais. Ademais, as críticas ao modo
contribuem para a mitigação de problemas burocrático da administração pública se in-
sociais – soluções tecnológicas e aplicativos tensificam, sobretudo, com foco no deficit de
de smartphones seriam exemplos. desempenho e seus efeitos na baixa qualidade
na prestação dos serviços públicos.
Portanto, a perspectiva dos SI contribui com
relevante substrato teórico para a construção de Destacam-se ainda outros ativadores da onda
uma agenda de políticas e também de pesquisa de “modernização” do aparelho estatal nesse
que pode efetivamente apoiar a reflexão acerca período, dentre eles: a crescente competição
das organizações públicas e seus propósitos e territorial pelos investimentos privados e mão
processos inovadores. Ela também auxilia para de obra qualificada; a disponibilidade de novos

21
conhecimentos organizacionais e tecnologia; a não quer dizer que, após décadas, as expe-
ascensão de valores pluralistas; como também, a riências tenham sido inquestionavelmente
crescente complexidade, dinâmica e diversidade bem-sucedidas. Hood e Dixon (2015), por
das nossas sociedades. exemplo, comprovam as severas limitações e
mesmo flagrantes falhas do projeto britânico
Nesse contexto, nos anos 1980, amplia-se o com a NGP.
movimento de reforma voltado a alterar o papel
do Estado, com fortes elementos político, ideo- Ademais, configurações alternativas à NGP
lógico e econômico. Os governos precursores de variaram entre os países e ao longo do tempo.
Thatcher, na Inglaterra, e Reagan, nos Estados Consequentemente, modelos alternativos foram
Unidos, defendiam transição de um Estado in- implementados em diferentes governos e, assim,
tervencionista e dirigista para um promotor da caracterizados e analisados pela literatura (Pollitt
regulação (Carneiro e Menicucci, 2011). Nascem, e Bouckaert, 2011).
assim, as bases do que convém ser denominado
de nova gestão pública (NGP) ou New Public O primeiro paradigma alternativo à nova gestão
Management, no original em inglês. Em linhas pública é denominado de Estado neoweberiano
gerais, esse modelo, com forte caráter norma- (ENW), comum em Estados com estrutura buro-
tivo, preconizava a incorporação de técnicas da crática forte, como os países da Europa continental
iniciativa privada para a estruturação e gestão da (França, Alemanha, entre outros). As reformas,
administração pública, com base em eficiência, no seu componente weberiano, reafirmaram o
fragmentação e competitividade (Hood, 1991; papel do Estado como principal facilitador de
Hood e Peters, 2004). Nas décadas seguintes, soluções para questões complexas, a função
a NGP se espalhou rapidamente por diversos da representação democrática como elemento
países desenvolvidos e emergentes. legitimador do aparelho estatal e o papel das leis
administravas na preservação dos princípios do
Passadas mais de três décadas do início da relacionamento entre cidadão e Estado, e também
onda gerencialista, prevalece a percepção de preservaram a ideia do serviço público com
que o movimento gerencial consistiu-se em uma status, cultura e condições diferenciados.
miríade de conceitos e iniciativas que, apesar Por sua vez, as iniciativas reformistas, no seu
de possuírem princípios similares, na prática, componente “novo” do neoweberianismo, alte-
promoveram resultados bastante díspares em raram o foco burocrático nas regras para uma
termos de mudanças na administração pública. orientação mais externa voltada aos desejos e
às necessidades dos cidadãos, incluíram formas
Embora implementadas em diversas nações, alternativas de consultas à população para além
foram os países anglo-saxões (Grã-Bretanha, dos mecanismos da democracia representativa
Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia) que e, no gerenciamento dos recursos, passaram
apresentaram alterações mais substantivas a encorajar mais o foco no desempenho em
na forma, na organização e no funcionamento detrimento da excessiva preocupação com os
da administração pública. Tais resultados os mecanismos de controle ex-ante. Em linhas gerais,
tornaram referências das reformas basea- o paradigma parte da premissa da necessidade de
das no NGP, tanto pelo pioneirismo quanto fortalecimento da capacidade estatal em liderar
pela amplitude dos objetivos pretendidos e processos de desenvolvimento e, por conseguinte,
dos impactos das ações empreendidas. O reestabelecer a confiança na administração pública.
sistema jurídico-institucional anglo-saxão, E, assim, visa modernizar o aparato estatal tra-
e mesmo traços culturais comuns a países dicional, de modo a torná-lo mais profissional,
dessa tradição, certamente propiciaram um eficiente e responsivo aos cidadãos (Drechsler
maior engajamento com a NGP. Isto, contudo, e Kattel, 2008; Pollitt e Bouckaert, 2011).

22
Uma segunda alternativa, para a nova go- norteando as inovações no setor público, prin-
vernança pública, a partir da teoria de rede, é cipalmente nas últimas duas décadas (Bourgon,
construída tanto pela premissa do Estado plural, 2010; Grau, 2004; Pollitt e Bouckaert, 2011; Car-
com atores múltiplos e interdependentes con- neiro e Menicucci, 2011; Dunleavy et al. 2005).
tribuindo para a provisão de serviços públicos, Entre essas tendências destacam-se:
quanto pela perspectiva de Estado pluralista, no
qual os processos de interação dos grupos geram • aperfeiçoamento de mecanismos de
informações ao sistema de políticas públicas transparência, governo aberto e respon-
(Osborne, 2010). O conceito de governança sabilização (accountability);
reforça a representação mais abrangente e in-
clusiva do que o conceito tradicional e solitário • promoção do governo eletrônico
de governo. O paradigma preconiza a ampliação (e-government) como estratégia de am-
de formas de relacionamento entre diferentes pliação e facilitação do acesso e da parti-
atores no âmbito da gestão pública, seja entre cipação cidadã na administração pública;
Estado e sociedade, seja entre agentes privados e
governo, seja entre sociedade e iniciativa privada. • novos arranjos de políticas públicas que
Com efeito, espera-se um funcionamento mais fomentem papel mais ativo dos cidadãos
efetivo e legítimo (Osborne, 2010; Pollitt e na produção de bens público;
Bouckaert, 2011).
• stuação em redes e parcerias com atores
Observa-se, portanto, que essa heteroge- estatais, sociais e da iniciativa privada;
neidade é consequência tanto da diversidade e e ampliação na utilização tecnologia de
complexidade dos objetivos que, naturalmente, informação tanto para ampliar a qualida-
geraram experiências díspares, como do arca- de e eficiência na prestação de serviços
bouço institucional pré-existente nos países públicos.
que influenciam todo o processo de reforma
no setor público. O argumento de superação O que se denota, assim, é a existência de
pura e completa de modelos de gestão, seja uma diversidade de influências teórico-meto-
entre o NGP e a burocracia clássica, seja dológicas em administração pública que, por
entre os modelos pós-gerencialista e a nova seu turno, não parece ser algo que retarde so-
gestão pública, é incongruente. A literatura bremaneira a evolução das ideias e tampouco
sugere um processo bem mais incremental e que obstaculize as ações de transformação
desordenado do que o encontrado nas pro- no interior do Estado. Vê-se sim um cardápio
postas originais, independentemente do país de alternativas, com influência concomitante
ou momento histórico analisado. de alguns modelos de reforma – em parte
divergentes entre si, em parte complementa-
Como entender, portanto, o estado da res – que, em conjunto, nutrem a criatividade
arte, as mudanças na administração pública e dão latitude para o surgimento de inovações
contemporânea e, sobretudo, sua influência calcadas em distintos substratos conceituais e
nas discussões sobre inovação no governo? agendas governamentais. Tais alternativas se
A estratégia mais recomendável parece estar somam ao contexto geral que ora pressiona ora
desvinculada da necessidade de enquadramento oportuniza aos Estados e agentes públicos pela
pleno e irrestrito aos modelos ou paradigmas de necessidade de mudança e inovação, sendo esta
gestão descritos, e mais direcionada a tendências particularmente próspera a partir do momento
que se refletem por meio das inovações. Assim, em que se teoriza mais solidamente acerca do
é possível sintetizar um conjunto de tendências caráter inovador das organizações públicas,
(princípios e/ou diretrizes) de gestão que vem numa perspectiva sistêmica.

23
Com efeito, a inovação no setor público seção 5, a seguir, trata-se da materialização da
ganha impulso na medida em que os governos função de inovação organizacional do Estado,
buscam atender às demandas contínuas por, conforme descrito por Karo e Kattel (2016).
entre outros, maior transparência, qualidade,
eficiência e eficácia de suas ações, mediante 5 A PROLIFERAÇÃO DE LABORATÓRIOS DE
processos interativos com cidadãos, empresas INOVAÇÃO (I-LABS) – BASES TEÓRICAS
e sociedade (OCDE, 2015). Nesse cenário, cada E EFEITOS PRÁTICOS
vez mais complexo pela globalização imparável,
aliada ao combate à desigualdade e ao respeito É possível notar que o desafio da inovação na
à diversidade e ao multiculturalismo impõem-se administração pública é duplo. Se, por um lado,
à administração pública a necessidade de ser governos desempenham papel importante
mais criativa e inovadora nas suas respostas, em em criar condições que possibilitem o avanço
termos de políticas públicas. Segundo Bekkers, da economia do conhecimento e voltada à
Edelenbos e Steijn (2011. p. 6): “A necessidade de inovação (innovation-driven), por outro, eco-
inovar não reflete só o desenho de criar governos nomias inovadoras só podem prosperar se o
mais efetivos e eficientes, mas também como setor público é também capaz de desenvolver
forma de criar legitimidade no setor público um impulso inovador próprio, de modo a lidar
para enfrentar problemas complexos (wicked com um número grande de desafios societais.
problems)”. Neste caso, são exemplos a qualidade do siste-
ma educacional, a luta contra a criminalidade,
Mais recentemente, a inovação no setor o desenvolvimento regional, sustentabilidade,
público e, logicamente, seu campo de pesquisa dentre outros.
avançaram no diálogo com as cinco tendên-
cias supracitadas, em especial, relacionadas Quanto ao papel do Estado, Karo e Kattel
às tecnologias da informação e comunicação (2016) procuram demonstrar que não exis-
(TICs) e à governança (Bekkers, Edelenbos e te uma forma única de organizar as ações
Steijn, 2011). No caso brasileiro, cabe destacar governamentais de apoio à inovação; ao con-
a comprovação de aderência das inovações no trário, é necessário elevar a compreensão
setor público brasileiro às tendências mundiais desse fenômeno focando nas variedades or-
em gestão pública. Cavalcante e Camões (2017) ganizacionais dentro do contexto de formu-
procuraram explorar a adequação das inovações lação e implementação das políticas públicas.
do governo federal à luz das principais tendências Em outras palavras, há uma complementa-
atuais e demonstraram que praticamente todas riedade entre as organizações capazes de
elas, em diferentes graus, estão incorporadas inovar em políticas públicas (desempenho
nas iniciativas inovadoras reconhecidas como instrumental) e as organizações de apoio
tal. Normalmente, as inovações incorporam ao setor privado (desempenho substantivo).
características de mais de uma tendência, com Em linhas gerais, diferentes tipos de organi-
destaque para a prevalência da utilização de zações obtêm sucesso na entrega de distin-
tecnologias de informação e na atuação em redes tos tipos de impactos e metas para fins de
como estratégias de melhorias da qualidade e inovação e, logo, são essenciais no processo
da eficiência dos serviços públicos. de construção de um Estado empreendedor
(Mazzucato, 2013).
Com destaque crescente e como instrumento
para lidar com esses motivadores e tendências Nesse sentido, um objeto de análise ascendente
inovadoras na administração pública, um novo na literatura envolve o estudo dos fatores deter-
fenômeno vem ocorrendo: a criação de labora- minantes do processo de inovação, em especial,
tórios de inovação. Como ficará mais claro na de suas etapas de adoção e difusão. De acordo

24
com Jean Hartley (2013), as fases analíticas do público prevalece, sendo inovações radicais em
processo inovador seriam a invenção (quando as governo um fenômeno mais raro. Tais pressu-
ideias são geradas); a implementação (processo postos podem ser compreendidos por meio dos
de tradução de ideias em políticas) e a difusão argumentos a seguir.
(quando a inovação dissemina na organização
ou fora dela). Dada dimensão política da inovação pública,
não é só importante olhar para a alocação de
A inovação em governo também pode ser custos e benefícios (lógica da consequência),
compreendida sob três formatos: i) melhorar algo mas também a viabilidade das inovações propos-
já está em andamento para ampliar o impacto tas, que vão além da pura eficiência e eficácia e
da organização na vida das pessoas; ii) adaptar englobam outros valores como apoio político,
uma ideia já testada para um novo contexto de confiança e estar de acordo com as regras da lei.
modo a escaloná-la; e iii) desenvolver algo intei- Consequentemente, é importante reconhecer que
ramente novo para atingir ou superar as metas inovação pública, em função de seu enraizamento
organizacionais. Em todas elas, um elemento é institucional, também tem que focar na lógica da
imprescindível para compreender esse fenômeno adequação (Bekkers, Edelenbos e Steijn, 2011,
na administração pública: as instituições. Isto é, p. 23).
as regras do jogo dentro das quais os atores e as
organizações operam no âmbito do setor público Ambas as lógicas estão presentes dentro
(March e Olsen, 1989; North, 1990). de uma abordagem de feições neoinstitucio-
nalista que incorpora uma perspectiva mais
Adicionalmente, pode-se notar que as ativi- compreensiva sobre o conceito de instituições,
dades no setor público, inclusive as inovadoras, isto é, não apenas compreendido como orga-
tendem a seguir duas lógicas (Bekkers, Edelenbos nizações, mas também como regras formais
e Steijn, 2011; Cunha, 2016). e informais que moldam os comportamen-
tos de atores políticos, sociais e econômicos
1) Lógica da consequência: inovar é avaliado (March e Olsen, 1989; North, 1990).
sob a perspectiva das consequências que
a inovação pode trazer e das preferências Considerando a premissa neoinstitucional
e expectativas que as precede. Valores de se atentar para processos de mudanças
como eficiência e efetividade desempe- que incorporem não apenas as organizações
nham um papel central nessa lógica. mas também as regras do jogo em que os
atores-chave atuam, ganha destaque, tanto
2) Lógica da adequação ou da apropriação: nos governos de diferentes países e instâncias
inovações são avaliadas de acordo com subnacionais quanto na academia, a recen-
suas adequações a um contexto político te proliferação de laboratórios de inovação
e social específico, o que significa identi- (I-Labs). Essas iniciativas surgem, predominan-
ficar as especificidades da administração temente, com foco em inovação para dentro de
pública durante o processo inovador. governo, englobando, sobretudo, as funções de
inovação em instituições políticas, em compras
Em linhas gerais, é o reconhecimento de que (procurement), serviços e organizacionais (Kattel
o contexto importa, tanto ao moldar as prefe- e Karo, 2016).
rências e expectativas individuais na lógica da
consequência como na adequação de estraté- Primeiramente, observa-se no padrão de
gias dentro das regras institucionais vigentes. funcionamento dos laboratórios uma tendência
Não por acaso, a hegemonia de inovações de à ruptura do padrão histórico de funcionamento
natureza incremental e evolucionária no setor da burocracia estatal, insulada e pouco dinâmi-

25
ca. Dentro de uma lógica de atuação em redes os aprendizados exploradores e exploratórios.
e/ou de governança, os laboratórios procuram Como alternativa, as organizações de melhor
fomentar a inovação no setor público por meio desempenho têm optado pela ambidestria
do investimento em capacidades de conexões, (ambidexterity), que reflete uma combinação de
sobretudo entre Estado e sociedade. Trata-se de aprendizagem exploradora e exploratória que
uma mudança conceitual importante na admi- promova a capacidade dinâmica das organiza-
nistração pública, pois preocupada em enfatizar ções em mobilizar, coordenar e transformar o
elementos de governança de maneira mais efetiva. conhecimento em resultados complexos gerando
inovação (O´Reilly e Tushman, 2008). Nesse
Os laboratórios de inovação, em seus diferentes sentido, os laboratórios de inovação podem atuar
arranjos, normalmente surgem imbuídos da ideia tanto internamente quanto por meio de equipes
de promover a cultura de inovação no órgão ou externas, em organizações tipicamente explo-
na esfera de governo. A inovação passa a ser radoras e semeando processos exploratórios.
vista como uma solução criativa de problemas
com espaço para improvisação, experimentação, Outra abordagem para se analisar essas ino-
tentativa-erro e assunção de riscos dentro das vações organizacionais no setor público e suas
organizações públicas – que laboratórios tanto capacidades é por meio do olhar sobre a burocracia,
estimulam quanto retiram as potencialidades de entendida como seu corpo funcional permanente
danos reais, uma vez que precedem o desenrolar e/ou transitório. Nesse debate sobre as capacida-
prático e real da inovação. Com efeito, sobressai des e estratégias do Estado em inovar, a questão
o aprendizado, aspecto relevante como uma es- que surge é se o caminho é o fortalecimento das
tratégia para capacitar equipes no tema inovação, burocracias tradicionais do tipo weberiana ou o
e, por conseguinte, aperfeiçoar o desempenho foco nas experimentais, denominadas startups
das organizações. bureaucracies (Kattel e Karo, 2016). A primeira re-
mete à premissa de que burocracias meritocráticas
As atividades de um processo inovador, e profissionalizadas constituem a engrenagem para
tanto de produto quanto de serviço, funda- o processo de desenvolvimento inovador dessas
mentam-se não apenas nas capacidades nações; enquanto o segundo modelo consiste na
existentes de uma equipe e/ou organiza- criação de espaços (agências ou laboratórios) de
ção, como também em novas capacidades. inovação no setor público nos quais as equipes
Nesse contexto, as organizações tendem a possam experimentar e assumir riscos. A resposta
beber em duas fontes de aprendizado: explora- de Kattel e Karo (2016) a isto sinaliza para o equi-
dora (exploitative) e a exploratória (exploration). líbrio, ou seja, para a constatação de que qualquer
De acordo com James March (1991), a primeira, um dos tipos de burocracia pode desempenhar
aprendizagem exploradora, está relacionada a diferentes funções de inovação no governo, além
refinamento, eficiência e aperfeiçoamento que de poder criar condições favoráveis para que o
possibilita inovação incremental. Enquanto a segun- setor privado inove. Sociedades inovadoras e
da fonte remete a novas possiblidades, associada dinâmicas não precisam substituir um tipo pelo
à pesquisa, aceitação de riscos, experimentação outro, ao contrário, as burocracias experientes
e descobertas que fomentem a variação e as devem ser complementadas pelas experimentais,
novidades necessárias para inovações. em associação de propósitos e funções.

Obviamente, as organizações não necessa- Mas, nesse contexto, onde se insere o fenôme-
riamente lidam com apenas umas dessas fontes. no de laboratórios de inovação? Tonurist, Kattel
O dilema surge na medida em que é difícil para e Lember (2015) argumentam que, a despeito da
organizações serem boas em ambos os tipos, proliferação recente, esse não é um fenômeno
assim, o desafio é equacionar a interação entre totalmente novo, haja vista o uso de laboratórios

26
no movimento de reinvenção do governo nos Es- • como funcionam: se incubam inovações,
tados Unidos, nos anos 1990. Todavia, a difusão aconselham, usam métodos de inovação
atual é, sem dúvida, um processo de isoformismo aberta ou financiam outras organizações; e
intenso pelo mundo, sendo considerada a última
moda na gestão pública, direcionada a aumentar • forma em que estão relacionadas com o
a legitimidade e a credibilidade dos governos. setor público, seja dentro do governo, pa-
De acordo com os autores, alguns fatores sociais raestatais ou totalmente separados.
e tecnológicos complexos provocaram o aumento
do número de I-Labs no setor público, mais re- Finalmente, vale mencionar que o debate sobre
centemente. Primeiro, os crescentes e dinâmicos inovação também envolve a participação dos think
processos reformistas, já discutidos anteriormente, tanks, sobretudo, com ênfase em laboratórios como
que abriram espaços na administração pública espaço para construção, colaboração e compar-
para novos métodos de redesenho de serviços e tilhamento de informações e conhecimento para
processos, como o design thinking. Segundo, as os tomadores de decisões (policy makers). Esses
exigências contemporâneas de austeridade fiscal laboratórios de inovação voltados para esses fins
impõem aos governos o reforço em melhorias de constituem uma estratégia dos think tanks de se
processos para gerar mais produtividade e, por reinventarem não apenas na disseminação e comu-
conseguinte, confiança da sociedade. Nesse caso, nicação mais efetiva dos conhecimentos gerados,
o foco envolve políticas públicas experimentais mas, principalmente, atuarem como lócus de expe-
e as chamadas medidas de inovação do lado da rimentação de inovação tanto em políticas públicas
demanda, que visam criar novos mercados, como quanto no âmbito empresarial (McGann, 2016).
no caso das inovações em compras públicas (pro-
curement). Por fim, provavelmente o condicionante 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
mais relevante está relacionado à forte pressão pela
adoção e difusão de tecnologias de informação e Nos últimos quinze anos, a área de pesquisa de inova-
comunicação pelos governos, tais como mecanis- ção no setor público vem ganhando mais adeptos, o
mos participativos de decisões e o uso de big data. que reflete em maior destaque do tema em congres-
sos acadêmicos e de especialistas e, sobretudo, no
No que tange às formas e funções, os labo- aumento de publicações, tanto de revistas científicas
ratórios de inovação tendem a apresentar um quanto de livros (De Vries, Bekkers e Tummers, 2015).
caráter similar e com missões bem diversificadas, De acordo com Anao (2009), desde os anos 1990,
variando, entretanto, em combinações de estrutura, o campo cresce intensamente, principalmente a
autonomia, foco e ferramentas (Tonurist, Kattel e partir de 2005, passando de um quantitativo de
Lember, 2015). Em uma tentativa de detalhar as artigos publicados sobre o tema de um a seis por
configurações dos I-labs, Mulgan (2014) sustenta ano (anos 1990) para o intervalo de doze a 42 por
que eles podem ser distinguidos pelo/por: ano, no período de 2005 a 2008.

• principal método utilizado: design, dados, No Brasil, as discussões sobre reforma admi-
gamificação, behavioural economics etc.; nistrativa e inovações no setor público também
fazem parte do debate e da prática, tanto no
• campo em que atuam: educação, saúde, governo federal quanto nos subnacionais. Assim
desenvolvimento etc.; como nos países desenvolvidos, as evidências
sugerem que a inovação no governo, em geral,
• onde se concentram ao longo do proces- ocorre mais por meio de iniciativas descoordena-
so de inovação, isto é, como compreen- das do que propriamente como um resultado de
dem questões (policy issues), geraram esforços estratégicos e deliberados (Comissão
ideias, implementam ou escalam; Europeia, 2013; Vargas, 2010).

27
Justamente no sentido de colaborar com a figura 1 apresenta uma tentativa de panorama
esse importante debate, este capítulo se pro- da inovação no setor público.
pôs a aprofundar um aspecto importante
da inovação no setor público: suas razões. A busca por soluções inovadoras pelo setor
Para tanto, desenvolvemos uma análise da público, seja voltada ao setor privado ou seja
literatura acadêmica nacional e internacional, voltada à própria administração pública, visa, em
integrando temas convergentes de áreas com- última instância, promover o desenvolvimento
plementares da ciência, bem como da produção social e econômico das nações ou unidades
empírica e de políticas públicas de governos e subnacionais. A inovação, entretanto, conforme
organismos multilaterais. O argumento principal argumentado no decorrer do capítulo, é impul-
do estudo é que as atuações do setor público, sionada e instrumentalizada por complexos
tanto voltadas ao fomento à inovação no setor arranjos de políticas governamentais. Esses
privado quanto interna, ultrapassam a visão res- arranjos, por sua vez, podem se materializar
trita do papel do Estado na correção de falhas de duas formas. Primeiro, por meio do auxílio à
de mercado, incorporando outras perspectivas, constituição e aperfeiçoamento de um sistema
como a construção de sistemas de inovações. de inovação direcionado, predominantemente,
As inovações também se justificam pelas falhas à estruturação e competitividade da iniciativa
de governo, crescimento de problemas cada vez privada. Em paralelo, com foco internalista –
mais complexos, transversais, incertos e estru- para dentro do governo – as políticas públicas
turantes (wicked problems), além de demandas influenciadas pelas tendências de gestão pós-
por melhores serviços e mais participação social -gerencialismo e, em alguns casos, apoiados
no processo decisório de políticas públicas. De por laboratórios de inovação, representam os
modo a sintetizar as discussões deste capítulo, esforços do setor público em prover processos
e serviços inovadores.

FIGURA 1
Panorama da inovação no setor público

Foco mercado
• Falha de mercado Sistema nacional
(aversão ao risco)
• Produtividade de inovação
• Competitividade
• Sustentabilidade

Políticas
de Inovação
• Interação
• Colaboração Inovação Desenvolvimento social
• Tentativa-erro e econômico
• Foco no conhecimento
• Longo prazo
Tendências de
gestão

• Falhas de governo
• Wicked Problems
• Demandas por
melhores serviços Laboratórios de inovação
e mais participação
Foco governo

Elaboração dos autores.

28
Apesar da finalidade macro comum, ou BEKKERS, V.; EDELENBOS, J.; STEIJN, B.
seja, a de promover capacidades e soluções (Eds.). Innovation in the public sector: linking
inovadoras, os ativadores dos dois arranjos capacity and leadership. Governance and Pu-
são distintos. De um lado, os propulsores do blic Management Series. New York: Palgrave
sistema de inovação incluem, principalmente, Macmillan, 2011.
a aversão ao risco de investimentos de longo
prazo da iniciativa privada, as necessidades de BOURGON, J. Finalidade pública, autoridade
aumento da produtividade e competitividade governamental e poder coletivo. Revista do
das empresas nacionais e, mais recentemente, Serviço Público, v. 61, n. 1, p. 5-33, 2010.
a sustentabilidade. De outro lado, a inovação na
administração pública é, sobretudo, motivada CARNEIRO, R.; MENICUCCI, T. M. G. Gestão pública
pelas notórias falhas de governo, os wicked pro- no século XXI: as reformas pendentes. Brasília: Ipea,
blems, bem como pelas crescentes demandas dez. 2011. p. 1-76. (Texto para Discussão, n. 1686).
por melhores serviços e mais participação social.
Em ambos os casos, todavia, há um espaço de CASSIOLATO, J. E.; LASTRE, H. Sistemas de
convergência bastante evidente. Nele se des- inovação e desenvolvimento: as implicações de
tacam os princípios fundamentais que norteiam política. São Paulo em Perspectiva, v. 19, n. 1,
os processos de inovação no setor público, são jan./mar. p. 34-45, 2005.
eles: interação, colaboração, tentativa-erro, foco
no conhecimento e perspectiva de longo prazo ______. Discussing innovation and develo-
na maturação das inovações. pment: converging points between the Latin
American school and the innovation systems
Esse esforço de condensação analítica, re- perspective? Globelics, 2008. (Globelics Working
presentado na figura 1, visa retratar um processo Paper Series, n. 2008-02).
nada trivial de um ecossistema multicausal, não
linear e com objetivos abrangentes. Não obstante, CASTRO, A. C. Políticas de inovação e capacidades
trata-se de uma tentativa exploratória que, como estatais comparadas: Brasil, China e Argentina. In:
tal, deve ser avaliada com cautela, servindo mais GOMIDE, A. A.; BOSCHI, R. R. (Eds.). Capacidades
diretamente como subsídio ao debate sobre os estatais em países emergentes: o Brasil em pers-
aspectos subjacentes ao panorama da inova- pectiva comparada. Brasília: Ipea, 2016. p. 105-136.
ção do que como um modelo definitivo. Como
agenda futura de pesquisa, abre-se, portanto, CAVALCANTE, P.; CAMÕES, M. Do the Brazilian
um terreno fértil para aprofundar as investiga- innovations in public management constitute
ções sobre outras características do complexo a new model? Revista de Administração e
fenômeno de inovação no setor público, por Inovação, v. 14, p. 90-96, 2017.
exemplo, sua evolução no âmbito nacional, os
efeitos de mudanças da visão de Estado sobre COMISSÃO EUROPEIA. Powering European
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32
CAPÍTULO 2
INOVAÇÕES NO SETOR PÚBLICO: uma abordagem
teórica sobre os impactos de sua adoção
Leonardo Ferreira de Oliveira1 | Carlos Denner dos Santos Júnior2

1 INTRODUÇÃO Este trabalho apresenta quatro partes.


Inicialmente, são apresentados estudos de
Impactos decorrentes da adoção de inovações referência no campo de inovação. Em seguida,
são, muitas vezes, deixados em segundo plano ênfase é dada à inovação no setor público.
nos estudos sobre inovações (Rogers, 2003). Em terceiro, apontam-se as lacunas sobre estudos
No setor público, tal aspecto não é diferente. com foco nos efeitos de inovações. Por fim, são
Segundo revisão de literatura sobre inovações apresentadas conclusões e recomendações com
no setor público, realizada por De Vries, Bekkers base na revisão de literatura realizada.
e Tummers (2016), de 210 artigos encontrados,
84, cerca de 40%, nem mesmo se referem a 2 INOVAÇÃO
consequências, impactos ou efeitos das inova-
ções. Dos que mencionam tal aspecto, muitos Nos estudos de inovação, a obra de Schumpeter
têm foco exclusivamente nos efeitos positivos (1934; 1961; 1982) ocupa espaço de referência.
das inovações, desprezando os efeitos negativos No entendimento desse autor, a mudança tecno-
destas, como se inovar por si só fosse um valor lógica impulsiona o desenvolvimento, por meio
positivo a ser perseguido (De Vries, Bekkers e de uma ação capaz de criar rupturas internas no
Tummers, 2016). modelo econômico vigente, e, assim, apresentar
novas combinações em ondas ou aglomerados
Nesse contexto, entendendo inovação concentrados no tempo que servem de explica-
como um fenômeno complexo, multifacetado ção pelos ciclos econômicos, em um processo
e multinível, além de considerar seu entendi- chamado de “destruição criativa”.
mento para o setor público – cuja finalidade
última é o atendimento do interesse público A definição de inovação de Schumpeter (1934)
–, este capítulo apresenta abordagem teórica consiste no desenvolvimento de novos produtos
baseada em revisão de literatura que, com a ou serviços, os quais ainda tenham de ser pro-
utilização da Teoria de Difusão de Inovações, duzidos, devendo ser inédito para o mercado,
pretende pôr luz aos desafios enfrentados uma mudança no padrão até então existente.
pelos diferentes órgãos do setor público no Tal mudança, segundo o autor, ocorre do lado
acompanhamento dos efeitos advindos da da produção, na recombinação de materiais
adoção de inovações. e forças em uma nova maneira, podendo se
referir a qualquer destas ações:

1. Assessor especial de inovação e gestão da informação do Conselho de Justiça Federal (CJF).


2. Professor adjunto do Departamento de Administração da Universidade de Brasília (UnB).
• introdução de um bem com o qual os con- foram introduzidas nos aparelhos, surgindo
sumidores ainda não estejam familiarizados, os chamados smartphones. Nestes a comu-
ou, ainda, de uma qualidade; nicação por voz é apenas uma das centenas
de aplicações do aparelho. O reconhecimento
• introdução de um método de produção que das múltiplas utilidades do produto fez com
ainda não tenha sido testado pela experiên- que portadores de celulares quisessem
cia da própria indústria de transformação trocá-los por smartphones, reconhecendo
(de modo algum precisa ser baseado em este último como um novo produto;
uma descoberta cientificamente nova),
podendo consistir em nova maneira de • inovação de processo – se referem a
manejar comercialmente uma mercadoria; mudanças na forma como os produtos
e/ou serviços são criados e entregues.
• abertura de um mercado no qual o ramo Por exemplo, empresas japonesas da indús-
particular da indústria de transformação do tria automotiva superaram suas limitações
país em questão não tenha ainda entrado de espaço físico para armazenamento de
(quer esse mercado tenha existido, quer não); peças de produção com modificações no
processo produtivo. Conjuntamente com seus
• conquista de novas formas de matérias- fornecedores, criaram técnicas de processo
-primas ou de bens semimanufaturados que tornavam possível armazenar apenas
(independentemente de essa fonte já existir um mínimo de peças na fábrica; a partir da
ou não); e necessidade de novas peças, o pedido era
prontamente disparado e enviado pelos
• estabelecimento de uma nova organização, fornecedores para produção, sistema que
como a criação de uma posição de mono- ficou conhecido como just in time;
pólio ou a fragmentação de uma posição
de monopólio. • inovação de posição – mudanças no con-
texto em que produtos e/ou serviços são
O pensamento de Schumpeter ocupa lugar introduzidos. Exemplo disso é o produto
de destaque entre os pesquisadores da temática conhecido no Reino Unido como Lucozade.
inovação. Tal situação pode ser verificada no tra- Inicialmente utilizado como uma bebida
balho de Lazzarotti, Dalfovo e Hoffmann (2011), à base de glicose para a convalescença
os quais elaboraram estudo bibliométrico sobre de crianças e enfermos, o produto, ao ser
o campo da inovação baseando-se na Teoria do adquirido por proprietários, ganhou outra
Desenvolvimento Econômico de Schumpeter função. Foi remodelado e relançado como
(1934). Entre os artigos de referência estão, um energético, com objetivo de auxiliar na
além de Schumpeter (1934), Tidd, Bessant e melhoria de desempenho da atividade física
Pavitt (2008) e Rogers (2003). saudável, visando à tendência contempo-
rânea de valorização da saúde;
Para Tidd, Bessant e Pavitt (2008, p. 30), ino-
vação compreende diversas formas de mudança, • inovação de paradigma – tem foco em mu-
podendo estar situada em quatro categorias: danças nos modelos mentais subjacentes
que orientam o que a organização faz.
• inovação de produto – dizem respeito a Um exemplo seria o Cirque du Soleil. Trata-se
mudanças em produtos e/ou serviços de um circo, mas suas atividades diferem
ferecidos. Por exemplo, os telefones celulares bastante dos circos tradicionais. Estes úl-
inicialmente serviam para comunicação de timos estavam em um mercado deficitário
voz. Posteriormente, novas funcionalidades (público em queda) e com custos elevados

34
(estrutura e manutenção de animais como denominada Manual de Oslo (OCDE e Eurostat,
leões, elefantes etc.). O Cirque du Soleil 2005, p. 55), uma inovação é “a implementa-
quebrou a regra do modelo de negócios ção de um produto (bem ou serviço) novo ou
até então vigente no seguimento, montan- significativamente melhorado, ou um proces-
do espetáculos de menor custo, em uma so, ou um novo método de marketing, ou um
mistura de teatro e ginástica olímpica, com novo método organizacional nas práticas de
fantasias, temas chamativos e glamour. negócios, na organização do local de trabalho
Bem fundamentado mercadologicamente, ou nas relações externas”. O requisito mínimo
conseguiu uma inovação de paradigma que para se definir uma inovação é que o produto,
lhe propiciou cobrar por seu ingresso quase o processo, o método de marketing ou orga-
que dez vezes mais do que o que é cobrado nizacional sejam novos (ou significativamente
por um ingresso de circo tradicional. melhorados) para a empresa.

Tidd, Bessant e Pavitt (2008, p. 30) também 3 INOVAÇÃO NO SETOR PÚBLICO


enfatizam que inovação pode ser dividida em
dimensões de acordo com o grau de novidade Ao se adentrar a ceara pública, nota-se a exis-
envolvido em sua difusão. Se a inovação decorre tência de grande discussão sobre se os pre-
de melhorias de performance e a novidade se ceitos utilizados para o estudo de inovações
dá apenas na organização adotante, trata-se de no setor privado podem ser igualmente utiliza-
uma inovação incremental. Por sua vez, se há dos no setor governamental. A esse respeito,
uma mudança significativa na criação de uma Kattel et al. (2014) comentam que os esforços
composição que é nova também para o mercado, de pesquisadores para delinear e conceituar
diz respeito a uma inovação radical. Tal divisão inovação no setor público podem ser associados
é utilizada por diversos autores como forma de a três períodos: i) Período Schumpeteriano, no
diferenciar aquelas inovações capazes de cau- qual inovações no setor público são entendidas
sar impactos significativos em seus ambientes segundo uma visão mais ampla de como mu-
(Damanpour, 1996; Leifer, O’Connor e Rice, danças evolucionárias ocorrem nas sociedades,
2002; Forsman, 2009). geralmente associadas com o pensamento de
Schumpeter (1934); ii) Período da Teoria Orga-
No trabalho que fundamenta a Teoria da Di- nizacional, em que inovações no setor público
fusão de Inovações, Rogers (2003), por sua vez, são vistas de maneira semelhante às inovações
entende a inovação como uma ideia, prática ou em empresas privadas, associada principalmen-
objeto entendido como novo para um indivíduo te com o desenvolvimento da teoria organiza-
ou para outra unidade adotante (empresa, asso- cional e com o trabalho de Wilson (1989); e
ciação, governo etc.). Para o autor, não importa iii) Período da Teoria Autóctone, uma tendên-
se a ideia é realmente nova em relação a quando cia mais recente (a partir dos anos 2000) de
foi primeiramente utilizada ou descoberta. O que desassociar as inovações do setor público das
importa é a percepção do novo e a reação a essa do setor privado.
novidade. Ou seja, se a ideia parece nova para o
adotante, então sua utilização é uma inovação. Dessa forma, prevalece, no Período
Schumpeteriano, uma caracterização decorren-
Outra referência no campo da inovação te da aplicação de seus princípios teóricos no
procede do estudo da Organização para contexto econômico. Assim, novas combinações
Cooperação e Desenvolvimento Econômico são encontradas por agentes que empreendem
(OCDE), a qual buscou estabelecer parâmetros mudanças e viabilizam a expansão econômica.
conceituais de uniformidade para compara- Ressalta-se a existência de um caráter duplo
ção de dados sobre inovação. Na publicação, na relação entre inovação e setor público,

35
podendo tanto o setor público exercer o papel de pletamente novo para uma específica autoridade
empreendedor como a inovação ser fomentada local, sendo necessário que a mudança já tenha
pelo governo (Kattel et al., 2014). sido implementada em vez de ser apenas uma
aspiração ou uma iniciativa planejada.
Já no Período da Teoria Organizacional, signifi-
cativa parte da literatura relacionada à inovação Mulgan e Albury (2003) conceituam inovações
transita do setor privado para o setor público e no setor público como novas ideias que funcionam
vice-versa. Debruça-se sobre o paradoxo dos (ou seja, a novidade deve estar implementada),
gerentes que administram ideias inovadoras e sendo inovações de sucesso entendidas como a
que acabam encontrando resistência em sua criação e a implementação de novos processos,
implementação. As linhas de pesquisa dizem produtos, serviços e métodos de entrega, os quais
respeito à diversidade de tarefas e aos incenti- resultem em melhorias significativas em termos
vos em uma organização, seja esta pública, seja de eficiência, efetividade e qualidade. Já Koch
privada (Lynn, 1997). e Hauknes (2005) apontam que a inovação é a
implementação e a performance social de uma
Por último, o Período da Teoria Autóctone, a nova específica forma, ou repertório, de ação
partir da década de 2000, tenta se afastar das social, que é implementada deliberadamente
abordagens anteriores para discutir inovações pela entidade no contexto dos objetivos e das
nos serviços públicos e governança. Todavia, funcionalidades de sua missão corporativa.
ainda há questionamentos sobre questões subje-
tivas utilizadas como linha divisória do que seria Por fim, Mulgan (2007) apresenta que a mais
uma inovação de fato ou apenas uma melhoria simples definição da inovação no setor público
incremental no setor público. Nesse contexto, engloba ideias que são eficazes para criar valor
emergem como reflexão os papéis dos políticos público, sendo necessário que as ideias sejam,
e dos gestores públicos no processo de inovação ao menos em parte, novas (em vez de melhorias
(Hartley, 2005). incrementais); estejam implementadas; e sejam
úteis (neste ponto destacando a necessidade de
Para Lynn (1997), a inovação no governo estaria se verificarem seus impactos para verificação
devidamente definida como uma transformação da entrega do valor público delas esperado).
fundamental, disruptiva e original das tarefas
essenciais da organização. No entendimento do 4 IMPACTOS DE INOVAÇÕES
autor, a inovação muda estruturas profundas, mo-
dificando-as permanentemente. Segundo Kattel Embora a busca por inovações tenha sido re-
et al. (2014), tal definição reverbera o trabalho de alizada com empenho por empreendedores,
Wilson (1989), cuja concepção inicial do termo governantes e pesquisadores, com objetivo
pretende diferenciar quaisquer mudanças no de entregar algo novo a seu público, sendo até
setor público das profundas modificações que mesmo compreendido por alguns como a pa-
deveriam realmente ser chamadas de inovações. naceia para os problemas econômicos e sociais
da vida contemporânea (Wolfe, 1994; Bessant
Já Moore, Sparrow e Spelman (1997) enten- e Tidd, 2009; Baregheh, Rowley e Sambrook,
dem inovação no setor público como novidades 2009), os impactos da adoção de inovações são
amplas e duráveis o suficiente para afetarem aspectos, muitas vezes, deixados em segundo
sensivelmente as operações ou as pessoas da plano nos estudos acadêmicos sobre o tema,
organização. Newman, Raine e Skelcher (2001), condição reconhecida e nomeada na literatura
por sua vez, apresentam como definição a mu- como viés pró-inovação (Abrahamson, 1991;
dança descontínua ou incremental de algo com- Rogers, 2003).

36
Como forma de melhor compreender o observação ao longo do tempo ou o estudo
fenômeno dos efeitos decorrentes da adoção de caso são as abordagens normalmente
de inovações, propõe-se, nesta abordagem, a utilizadas para investigação de consequên-
utilização da Teoria da Difusão de Inovações. cias, enquanto os estudos sobre difusão têm
No modo schumpteriano de enxergar a inova- utilizado, em grande parte, questionários,
ção, essa teoria é considerada o seu terceiro ignorando as consequências pós-adoção.
estágio (após a invenção e o desenvolvimento
de produtos), momento em que novos produtos • Consequências têm difícil medição – indi-
e processos são difundidos por todo o mercado víduos nem sempre têm a compreensão
potencial e que seus impactos se tornam conhe- de todas as consequências relacionadas
cidos (Stoneman, 1995, p. 2-4). à inovação que estão utilizando; por isso
tentativas de entender consequências com
Rogers (2003) apresenta a definição das base na compreensão de respondentes
consequências da adoção de inovações, enten- frequentemente geram conclusões incom-
dendo-as como mudanças que ocorrem para pletas e/ou equivocadas.
um indivíduo ou para um sistema social como
resultado da aprovação ou rejeição de uma inova- Rogers (2003) também argumenta que muitas
ção. Segundo o autor, apesar da importância do das pesquisas sobre difusão da inovação utilizam
tema (consequências da adoção de inovações), a pergunta “Quais variáveis estão relacionadas
pouca atenção tem sido dada por pesquisadores com a inovação?”. Todavia, poucos estudos inves-
e agentes de mudança à temática, tendo em tigam “Quais os efeitos de adotar inovações?”.
vista que isso raramente é feito – embora os Dessarte, o autor propõe uma modificação na
agentes de mudança devessem reconhecer sua utilização de variáveis, de forma que a variável
responsabilidade sobre as consequências das independentemente de estudos futuros sobre
inovações que introduzem. inovação tenha foco além da adoção ou não
da inovação, investigando as consequências da
Rogers (2003) identificou a existência de inovação (figura 1).
lacuna referente aos estudos voltados aos efeitos
das inovações, concluindo que geralmente os Ainda como forma de melhor compreender
estudos são direcionados ao momento prévio ao os impactos da adoção de inovações, uma
das consequências, na busca de entendimento classificação em três dimensões foi realizada
se há a adoção ou não de determinada inova- por Rogers (2003, p. 380).
ção e por quê. Para o autor, um rol de possíveis
explicações diz respeito às situações arroladas • Desejáveis ou indesejáveis – consequências
a seguir. desejáveis são aquelas que representam os
efeitos funcionais de uma inovação para um
• Patrocinadores enfatizam a adoção em si, indivíduo ou para um sistema social, enquanto
assumindo que suas consequências serão as consequências indesejáveis dizem respeito
positivas – as agências assumem que as aos efeitos disfuncionais de uma inovação
inovações são objeto de desejo por parte para um indivíduo ou para um sistema social.
dos clientes e são necessárias, além de sua A maioria das inovações causam ambas
adoção representar sucesso. as consequências (desejáveis e indesejá-
veis), e não se pode separar uma da outra.
• Os métodos atuais de levantamento de opinião Por exemplo, a utilização dos telefones
por questionários são menos apropriados celulares teve a consequência desejável de
para investigar as consequências das inova- facilitar a comunicação entre as pessoas.
ções do que para estudar as inovações – a Entretanto, também teve a consequência

37
FIGURA 1
Um novo modelo para o estudo de consequências de inovações

Correlações ou
antecedentes de inovação Indicadores de inovação Consequências da inovação
(Variável Independente) (Antiga variável dependente) Nova variável dependente

1. Educação; Pioneirismo na adoção de Consequência funcional, Consequência disfuncional,


2. Status Socioeconômico; novas ideias direta ou manifesta indireta ou latente
3. Ambiente Cosmopolita; 1. Aumento de produção 1. Aumento da despesa;
4. Canais de Comunicação; ou efetividade; 2. Necessidade de aumento
5. Outros. 2. Aumento de receitas; de capital
3. Mais lazer; 3. Menos distribuição
4. Outros. equitativa da renda, terra
ou outros recursos;
4. Outros

Nota: A área destacada nas linhas pontilhadas representa o elemento


adicional de consequências que deveria ser enfatizados na
pesquisas de difusão.

Fonte: Rogers (2003, com adaptação).


Elaboração dos autores.

indesejável de aumentar os acidentes de • Antecipáveis ou não antecipáveis –


trânsito, devido aos motoristas utilizarem consequências antecipáveis são mudanças
os aparelhos ao mesmo tempo que dirigem devido a inovações que são reconhecidas e
os veículos. intencionadas pelos membros de um sistema,
enquanto consequências não antecipáveis
• Diretas ou indiretas – consequências diretas remetem a mudanças devido a inovações que
são as mudanças para um indivíduo ou um não são nem intencionais, nem reconhecidas
sistema social que ocorrem em resposta ime- pelos membros do sistema. Por exemplo, a
diata à adoção de uma inovação, enquanto disseminação dos telefones celulares para fins
consequências indiretas dizem respeito a de comunicação oral era uma consequência
mudanças para um indivíduo ou um sistema antecipável, no entanto, a transformação de
social que decorrem das consequências de celulares em smartphones que seriam utilizados
uma inovação. Por exemplo, ainda pensando como principal forma de acesso à internet era
nos telefones celulares, sua adoção teve a uma consequência não antecipável quando
consequência direta de permitir que mais de seu desenvolvimento.
pessoas tivessem acesso à comunicação
via telefone, antes limitada aos telefones No setor público, as lacunas sobre estudos
fixos e orelhões. No entanto, teve como com foco nos efeitos de inovações também são
consequência indireta a reformulação de um evidentes. Segundo uma revisão de literatura so-
mercado até então existente de telefones de bre inovações no setor público, realizada por De
linha fixa, o qual, antes do aparecimento dos Vries, Bekkers e Tummers (2016), de 210 artigos
telefones celulares, era um ativo de investi- encontrados, 84, cerca de 40%, não mencionam
mento (dado o alto valor da linha fixa e sua as consequências, os impactos ou os efeitos das
escassez) e status social (quando a família inovações. Dos que mencionam, muitos têm foco
tinha mais de uma linha telefônica, era vista exclusivamente nos efeitos positivos das inovações,
como bastante próspera). desprezando os efeitos negativos dessas, como

38
se inovar por si só fosse um valor positivo a ser no interesse da comparação sistemática, a qual,
perseguido (De Vries, Bekkers, Tummers, 2016). assim, permite seu entendimento.

Tal comportamento dos pesquisadores não 5 CONCLUSÕES


coaduna com as definições de inovação no se-
tor público aqui comentadas. Moore, Sparrow e Este capítulo se lançou ao desafio de abordar,
Spelman (1997) mencionam que a inovação no por meio de revisão de literatura, o fenômeno
setor público deve afetar sensivelmente as ope- complexo, multifacetado e multinível das con-
rações ou as pessoas da organização. Mulgan e sequências da adoção de inovações no setor
Albury (2003) citam a necessidade de as inovações público, entendendo que, em especial para a
implicarem melhorias significativas em termos de administração pública, compreender com pro-
eficiência, efetividade e qualidade. Mulgan (2007) priedade os impactos das mudanças decorrentes
coloca em evidência que as inovações no setor de um processo de inovação é fundamental para
público sejam úteis, destacando os impactos o atendimento da missão dos órgãos públicos,
esperados pelo público. De forma que, embora aspecto mais importante no âmbito público que
os vários autores citados se refiram à condição no privado.
de verificar consequências das inovações (afe-
tação de operações, melhorias de performance Tal entendimento se deve à primazia do inte-
e observação de impactos), poucos estudos de resse público, prevalecendo sobre perspectivas
fato se debruçam sobre a problemática. individuais, condição destacada pela ênfase no
papel do tomador de decisão na impulsão e,
Kuipers et al. (2014), por sua vez, definem consequentemente, nos impactos das inovações
as consequências da adoção de inovações no (Oliveira e Santos Júnior, 2016). Entretanto, al-
setor público como resultados substantivos da gumas questões de relevância ainda se mantêm
implementação de uma inovação que pode ser sem explicação aparente e podem ser aborda-
intencional ou não intencional, positiva ou ne- das em estudos futuros. Qual a motivação do
gativa. No levantamento realizado por De Vries, servidor público para inovar? Aquele servidor
Bekkers e Tummers (2016), os quais fazem uso que se lança como empreendedor dentro de um
da definição de Kuipers et al. (2014), aparecem órgão público, o que o impulsiona? Potts e Kas-
como consequências de inovações a efetividade telle (2010) apresentam perspectiva sobre essa
(aumento ou diminuição desta); o aumento de questão comparando a vida profissional de um
eficiência; os parceiros privados envolvidos; os pesquisador – para quem o reconhecimento de
cidadãos envolvidos; o aumento da satisfação um artigo científico produz status e crescimento
do consumidor; e outros. Ressalta-se que, nas dentro da vida acadêmica – com a de um servidor
consequências da adoção de inovações encon- público – que, reconhecido por suas conquistas,
tradas por De Vrie, Bekkers e Tummers (2016), pode alçar novos cargos ou manter sua posição.
há efeitos negativos apenas quanto à efetividade. Estarão os autores certos a esse respeito?

Hartley (2005) discorre que, ao se tratar de Outra questão que emerge se relaciona com
inovações, se deve ter em mente que nem sempre o atual momento de crise por que passam os
se está falando de um artefato físico, mas de governos. Em momentos de crise, é normal ouvir
mudança nos relacionamentos entre provedores discursos relacionando escassez a oportunidade,
de serviços e seus usuários. Consequentemente, com motivação retórica sobre a necessidade
para a autora, as inovações no setor público, de melhorar/inovar/arriscar no setor público
especialmente as radicais e complexas, são em busca de serviços de melhor qualidade.
multidimensionais, devendo ser consideradas É preciso verificar as consequências fáticas
em seu contexto, com específicas dimensões desse discurso, o que a literatura acadêmica

39
demonstra ainda ser incipiente, sendo, por esse os impactos das inovações no setor público.
motivo, necessários os trabalhos com foco em Se no setor privado os tomadores de decisão
acompanhamento e análise de consequências podem se preocupar apenas com a adoção ou
de inovações. O discurso voltado à inovação é não de suas inovações – pois nesse momento já
válido e empregado por voluntariosos servidores é possível ao empreendedor e ao investidor ter
públicos, mas, talvez, parte desse esforço se retorno sobre os riscos corridos (Schumpeter,
perca quando o agente público entende que a 1934) –, no setor público é necessário ir além e
inovação por si só já é um avanço na prestação se verificar o que ocorre após a adoção, dada a
do serviço público. prevalência do interesse público e da sociedade
sobre os riscos corridos pelos administradores
Destaca-se aqui que inovar não é positivo em públicos.
si, mas que os efeitos da inovação, sim, podem
contribuir significativamente para a geração de
valor no setor público, tornando possível enfrentar REFERÊNCIAS
os variados e complexos desafios impostos ao
setor público na atualidade, como: combater as ABRAHAMSON, E. Managerial fads and fashions:
epidemias e o terrorismo; lidar com ameaças de the diffusion and rejection of innovations.
mudanças climáticas; melhorar o sistema educa- Academy of Management Review, v. 16, n. 3,
cional; diminuir as taxas de crimes e presidiários; p. 586-612, 1991.
reduzir a violência doméstica e sexual; prevenir
contaminações de tragédias ambientais; aumentar BAREGHEH, A.; ROWLEY, J.; SAMBROOK, S.
a eficiência da saúde e da educação pública, tor- Towards a multidisciplinary definition of in-
nando possível reduzir seus custos; e melhorar o novation. Management Decision, v. 47, n. 8,
bem-estar da população em geral (Noveck, 2015). p. 1323-1339, 2009.

Outro aspecto a ser considerado em relação BESSANT, J.; TIDD, J. Inovação e empreendedoris-
a estudos futuros diz respeito a abordagens mo: administração. Porto Alegre: Bookman, 2009.
que, de certa maneira, contestem a assertiva
de Schumpeter (1934) de que a inovação CHESBROUGH, H. W. Open innovation: the
ocorre no lado da produção. Nesse contexto, new imperative for creating and profiting from
destacam-se os trabalhos voltados para ino- technology. Boston: Harvard Business School
vação aberta (Chesbrough, 2006) e inovação Press, 2006.
em serviços (Gallouj e Savona, 2009). Há ainda
iniciativas contemporâneas que buscam criar DAMANPOUR, F. Organizational complexity and
ambientes de experimentação no setor público innovation: developing and testing multiple con-
– conhecidos como laboratórios de inovação tingency models. Management Science, v. 42,
(Tõnurist, Kattel e Lember, 2015) –, mas a análise n. 5, p. 693-716, 1996.
de suas consequências carece de verificação.
DE VRIES, H.; BEKKERS, V.; TUMMERS, L. Innova-
Desse modo, entendendo que a observação tion in the public sector: a systematic review and
do fenômeno das consequências da adoção future research agenda. Public Administration,
de inovações representa passo significativo v. 94, n. 1, p. 146-166, 2016.
para a compreensão do desenvolvimento da
administração pública – até mesmo como uma FORSMAN, H. Balancing capability building for
evolução da nova administração pública para radical and incremental innovations. Internatio-
uma governança em rede (Hartley, 2005) –, tor- nal Journal of Innovation Management, v. 13,
na-se imperativo buscar formas de compreender n. 4, p. 501-520, 2009.

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42
CAPÍTULO 3
UMA ANÁLISE DA CONSTRUÇÃO DA AGENDA
DE INOVAÇÃO NO SETOR PÚBLICO A PARTIR DE
EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS PRECURSORAS1
Bruno Queiroz Cunha2

1 INTRODUÇÃO 12
perceptível no mundo real. Simplificadamente,
portanto, inovação é o novo posto em ação.
Intuitivamente, o termo inovação não tende a
ser associado de uma maneira automática ao O que também se verifica é que a inovação
setor público. Governos são tidos como pouco em organizações públicas resulta de, ao menos,
dinâmicos e anti-inovadores pelo senso comum. um duplo movimento evolutivo teórico-cien-
Isto é recorrentemente referendado por ana- tífico. Como ficará claro ao longo do capítulo,
listas e estudiosos do Estado com visões mais esse movimento envolve, por um lado, a teoria
tradicionalistas da gestão pública. dedicada explicita e precipuamente à inovação
tecnológica e industrial, e, em paralelo, evoluções
Entretanto, inovação no setor público3 tem analíticas dentro de campos das ciências sociais
se constituído em um campo próprio e de des- e ciências sociais aplicadas.
taque, ainda que interdependente de outros.
No aspecto conceitual, inovação em governo Como consequência desse avanço teórico
pode ser entendida como o processo de criação multidisciplinar, o que se nota é que, além do
de novas ideias e sua transformação em valor âmbito puramente teórico, instâncias oficiais
para a sociedade (Bason, 2010). Essa visão não de governo e mesmo organismos suprana-
difere muito, do ponto de vista de seus principais cionais também passaram gradativamente a
elementos constitutivos, de conceitos existentes contemplar a discussão e voltar-se ao tema.
para inovação no setor privado. Não tardou para que entidades como a União
Europeia e a Organização para a Cooperação
Tais elementos definidores consistem, pri- e Desenvolvimento Econômico (OCDE) pas-
meiro, no conteúdo inventivo da ação humana, sassem a se constituir como lócus de produção
que está na raiz da inovação. É por meio dele analítica e de advocacy em torno da inovação
que se concebem e lançam novas ideias. O em governo. Este interesse se somou à atuação
segundo elemento diz respeito ao componente de governos nacionais na direção da inovação
mediato da inovação, de natureza prática e ma- no setor público, particularmente no mundo
terializável, que é o que dá concretude e a torna desenvolvido.

1. Uma primeira versão deste trabalho foi apresentada no IX Congresso Consad de Gestão Pública, realizado em Brasília/
DF, em junho de 2016. Este capítulo constitui-se em uma versão estendida e atualizada daquele trabalho.
2. Especialista em políticas públicas e gestão governamental no Ipea. E-mail: <bruno.cunha@ipea.gov.br>.
3. O termo “inovação no setor público” será utilizado neste texto em conjunto com os termos “inovação em governo” e
“inovação na gestão pública”, sendo todos eles tratados como substitutos entre si.
É justamente no terreno dos pronunciamentos A seção seguinte aborda o referencial teórico
documentais de caráter institucional que se situa pertinente, etapa em que o elemento multidis-
a intenção de pesquisa por trás deste trabalho. ciplinar aqui referido será mais bem explorado.
O objetivo deste capítulo é analisar o conteúdo Posteriormente, a terceira seção explicita o método,
da produção internacional de natureza institu- detalhando todos os expedientes empreendidos
cional no campo da inovação no setor público, de por meio da técnica da análise de conteúdo. Em
modo a produzir inferências sobre os prováveis seguida, será efetivamente analisado o conteúdo
direcionamentos e posições normativas indi- do corpus de texto constituído. Segue daí uma
cados nos documentos em questão. Portanto, seção de interpretação dos resultados, à luz da
não se objetivará a produção de uma revisão da teoria. Por fim, na conclusão, serão revistos os
literatura acadêmica nessa área, que já encontra principais elementos da análise, assim como
antecedentes brasileiros e internacionais, além apontadas limitações e sugestões de caminhos
de substantiva contribuição por meio de outros para futuras pesquisas.
capítulos deste livro.
Ressalte-se, por fim, que não identificamos na
Por produção documental de caráter institu- literatura internacional específica sobre inovação
cional entende-se aquela exarada por órgãos de no setor público análises semelhantes à que ora
governo, organismos e organizações nacionais se propõe, tampouco na literatura nacional. Por
ou multilaterais e instituições de pesquisa ou de isto, este trabalho apresenta contribuição teórica
consultoria independentes, do tipo think tank. A clara e relevante, haja vista analisar conteúdo de
relevância de analisar essa produção reside no elevada reputação e impacto concreto, assim,
fato de que ela influi decisivamente na constru- contribuindo para o avanço da pesquisa em
ção de agendas de governo e em ações tanto inovação no setor público.
públicas quanto privadas – neste último caso,
especialmente na criação de condições para 2 CONTEXTUALIZAÇÃO E OBJETO DE
o surgimento de novas convenções e padrões ANÁLISE
epistêmicos e institucionais em grupos ou co-
munidades profissionais. Inovação no setor público surge em um contexto
de complexidades mundiais crescentes. A natureza
Sendo assim, pode-se afirmar que a influ- distintiva das complexidades contemporâneas e,
ência prática da documentação institucional essencialmente, sua severidade em quaisquer
aqui referida é elevada, podendo, inclusive, em ambientes institucionais constituídos criam
alguns casos, ser mais determinante quanto às terreno propício para o debate sobre inovação
consequências de ordem prática do que textos em governo. Em comum a todas as nações, há
de caráter acadêmico. Ademais, é válido supor o fato de a realidade atual dificultar a apreensão
que documentos institucionais se alimentem da automática de problemas e potenciais soluções,
produção acadêmica de maior destaque, com a e mesmo a alocação de responsabilidades entre
qual dialogam e sobre a qual se apoiam. Deste os atores existentes.
modo, não há, evidentemente, um descasamento
entre as duas naturezas de documentos. Vale detalhar alguns dos principais desa-
fios que compõem o contexto maior no qual
Este trabalho está organizado da seguinte a inovação em governo se instala. Segundo
forma. A primeira seção, que sucede esta in- Bekkers, Edelenbos e Steijn (2011), a lista
trodução, colocará o debate sobre inovação no a seguir contém os fatores de perturbação
setor público em contexto, investigando o terreno responsáveis pela intensificação da nova
ontológico do qual resulta o debate aqui posto. tendência de inovação na gestão pública.

44
• A existência dos chamados “wicked pro- Neste sentido, o elenco de desafios exposto
blems”, que são problemas contemporâ- anteriormente pode, de fato, forçar processos
neos abrangentes e de repostas difíceis. inovativos em organizações públicas. Isto pode
Exemplos são: aquecimento global, desas- ocorrer sem que tenha havido decisão deliberada
tres ambientais, envelhecimento popula- ou orquestração prévia por parte do Estado. A
cional, terrorismo, pobreza extrema, desi- severidade desses desafios, aliada a uma maior
gualdade de renda crescente etc. facilidade de comunicação, circulação de conhe-
cimento e informação – que tão bem caracterizam
• Problemas públicos tradicionais e pere- a economia do conhecimento e em rede – po-
nes passam a tomar novos contornos e a dem fomentar mecanismos de transformação e
requerer novas respostas para que avan- inovação irresistíveis ao Estado (Castells, 1996).
ços adicionais sejam possíveis. Exemplos:
educação, saúde, mobilidade urbana, Por outro lado, além de fatores externos,
segurança, inserção internacional, gasto também fatores internos aos Estados podem
público, gestão pública etc. estruturar canais de inovação. Seja em virtude
de uma oportunidade gerada pela pressão ini-
• A sociedade reivindica continuamente, e cialmente advinda da sociedade ou do mercado,
muitas vezes por meio de contundentes pro- seja por restrições financeiras e a necessidade
testos, a ampliação de espaços de participa- de “fazer mais com menos”, Estados nacionais e
ção, o que determina o fortalecimento da organizações públicas podem experimentar mais
democracia participativa em paralelo – ou frequentemente iniciativas de inovação. Como
mesmo em substituição – à representativa. será tratado mais à frente, essa agenda passou a
constituir uma pauta efetiva de governos nacionais
• Modelos de gestão pública muito tecno- e organizações internacionais.
cráticos e fechados, tanto nos processos
quanto nos objetivos e metas, mostram- 3 REFERENCIAL TEÓRICO
-se ineficazes para o crescente dinamis-
mo, fluidez e severidade dos múltiplos de- Ao se analisar a literatura dedicada ao tema da
safios da contemporaneidade. inovação no setor público, nota-se que o debate
se alimenta diretamente da convergência entre
• E tudo isto é emoldurado por ambientes trajetórias de evolução teórica de campos dis-
de crise financeira internacional, restrição tintos (Comissão Europeia, 2013). Por um lado,
orçamentária e necessidade de aprimora- a reflexão analítica sobre inovação em governo
mento da qualidade do gasto público. resulta de avanços percebidos na teoria mais
própria da inovação tecnológica e industrial.
A partir desses desafios, surge aos governos a Esta, ao longo do tempo, projetou-se de modo a
necessidade de se reinventarem continuamente incluir elementos e fenômenos adicionais, o que
e em novas bases. A incapacidade de operar em teve como consequência a alteração da natureza
ambientes diversos, complexos e “desorganiza- do setor público enquanto objeto de análise.
dos” coloca o Estado sob pressão constante. E
é justamente em um contexto em que padrões Esse interesse expansivo da teoria da inovação,
tradicionais e regras vigentes são postos à prova no que concerne aos governos, foi muito além
que instituições podem – ou devem – inovar. do tradicional diagnóstico que trata o setor pú-
Para alguns, a inovação tornou-se um imperativo blico como uma “barreira” ou um “facilitador” de
sem o qual valores tanto de eficiência quanto de inovações. Notadamente em virtude do avanço
legitimidade do Estado não poderão ser atingidos de uma visão teórica particular, a dos siste-
(Nesta, 2009; OCDE, 2015). mas de inovação, como será visto mais abaixo,

45
organizações públicas saíram gradativamente da implementação de um produto (bem ou serviço)
margem e da condição de atores acessórios ou novo ou significativamente melhorado, ou um
complementares à inovação nas empresas para processo, ou um novo método de marketing, ou
tomarem lugar de efetivos agentes inovadores, um novo método organizacional nas práticas de
a serem assim estudados. negócios, na organização do local de trabalho
ou nas relações externas” (OCDE, 2005, p. 55).
Um segundo movimento teórico evolutivo
emergiu de dentro do campo das ciências sociais Outra referência teórica fundamental diz
e das ciências sociais aplicadas. Neste caso, a respeito ao exame da evolução das ideias no
busca por maior poder explicativo sobre eventos campo da inovação. Lentes interpretativas mais
empíricos de sucesso ou fracasso nos governos, holísticas e menos determinísticas, que veem a
além da crescente oportunidade criada por inovação por óticas evolucionárias e sistêmicas,
um perceptível vácuo deixado pela deficiência tem destaque nesse percurso histórico. Em gran-
empírica e programática de modelos de gestão de medida, tais lentes podem ser agrupadas no
pública preexistentes, criaram condições para que se convencionou denominar de teoria dos
que o debate nas ciências sociais passasse a sistemas de inovação (Lundvall, 1992; Nelson,
ser informado por novos conceitos, inclusive o 1993; Freeman, 1995).
da inovação (Osborne e Brown, 2013).
A abordagem de sistemas de inovação
Tradicionalmente, inovação é vista, dentro de apresenta elementos divergentes de visões
uma lógica empresarial, como o fenômeno a partir tradicionalistas. Nestas, é preponderante o en-
do qual se pode alcançar diferencial competitivo tendimento linear da inovação, característico de
e fatias extraordinárias de mercado para firmas noções economicamente mais conservadoras
e empreendedores. Isto, por sua vez, decorre de e fiéis à visão do Estado exclusivamente como
um processo de destruição criativa que elimina reparador de falhas de mercado (Mazzucato,
tecnologias maduras e cria outras, novas e es- 2011). Esse entendimento tradicional detém
sencialmente disruptivas (Schumpeter, 1943). a característica de compreender o processo
inovativo como algo determinístico e, portanto,
Segundo o Manual de Oslo, documento central linear. Como detalha o quadro 1, tal determinismo
e amplamente utilizado em políticas públicas de diverge da noção sistêmica, na qual há menos
estímulo à inovação tecnológica, inovação é “a previsibilidade na inovação.

QUADRO 1
Diferentes visões explicativas do processo inovador
Linear – oferta Linear – demanda Sistemas de inovação

Ciência determina a inova- O mercado determina a


Abordagem (Ecos)sistemas de inovação
ção (science push) inovação (demand pull)
Setor público como
Setor privado como fonte de Setores público e privado como fontes
Ideia central financiador da produção de
conhecimento complementares
conhecimento

Difusão de conhecimento Top-down Bottom-up Bi ou multidirecional

Principais propostas de Seletivas, verticais, centrali- Horizontais e do lado da Formação de redes e parcerias; multidis-
política pública zadas e hierárquicas demanda ciplinariedade
Governança e arranjos Baseados na academia e no Critérios de mercado e de Foco em participação, cocriação e
institucionais setor público eficiência coordenação
Elaboração do autor.

46
Deve-se atentar para o fato de que as visões Um terceiro estágio evolutivo a partir daí,
de acepção linear acerca da inovação sofreram que, por sua vez, também ascendeu da trilha
gradativa perda de poder explicativo ao longo aberta pela teoria dos sistemas de inovação,
do tempo. Como esclarece Nesta: caracteriza-se pela indagação acerca da dinâ-
mica da inovação internamente aos governos
Tradicionalmente, o que significa dizer os últimos e às organizações públicas. Isto, de início,
50 anos, “inovação” tem sido sinônimo de invenção significou ter no Estado, suas instituições e
científica e tecnológica gerada de conhecimento organizações, um catalisador direto de ino-
baseado em ciência (inovação tradicional). Isto foi vação na indústria. Porém, o movimento mais
o que empresas de alta-tecnologia fizeram em seus recente foi, de fato, o de passar a enxergá-lo
laboratórios de pesquisa e desenvolvimento (P&D), como fonte ou agente de inovação (Comissão
algo raramente feito no setor público ou no terceiro Europeia, 2013).
setor. Entretanto, tem se tornado crescentemente
óbvio que diversas formas de inovação são negli- Em outras palavras, a relação entre setor público
genciadas por esse modelo linear tradicional ou de e inovação percorre a trajetória teórica expansiva
“science push” (Nesta, 2009, p. 17, tradução nossa).4 expressa no quadro 2, até que se aporte, em pro-
cesso cumulativo, um entendimento claro sobre
Muito em decorrência da diversidade e po- a capacidade interna do Estado de ele próprio
der explicativo da perspectiva dos sistemas de figurar como um agente inovador.
inovação, a teoria avançou de modo a incluir
o setor público como peça fundamental de Observe-se que os quatro papeis do Estado
análise, e não apenas como ator externo ou anteriormente indicados não são mutuamente
complementar. Em comparação com a visão exclusivos entre si, de maneira que todos podem
linear, seja pela oferta ou pela demanda, o setor coexistir e se somar na prática – e é natural
público é visto na abordagem sistêmica mais do que isto ocorra, quando se trata de sistemas de
que como uma mera condição, tornando-se um inovação complexos. Em outras palavras, não há
partícipe da inovação. necessariamente um continuum entre esses quatro

QUADRO 2
Relação entre setor público e inovação – diferentes papéis do Estado

Restrição Condição Catalisador AGENTE

Elaboração do autor.

4. No original: “Traditionally, which is to say for the past 50 years, ‘innovation’ has often been synonymous with scientific
and technological invention born of new research-driven knowledge (‘traditional innovation’). It was what high-technology
businesses did in their research and development (R&D) labs, rarely something done in the public or third sectors.
However, it has been increasingly obvious that many forms of innovation are neglected by this traditional linear or
‘science-push’ model”

47
papeis, e a trajetória que se aponta refere-se a um serviu de fio condutor para que o termo inova-
movimento agregativo de papeis, ao longo de um ção migrasse das discussões de gestão privada
processo de diversificação da função do Estado e desenvolvimento tecnológico para a esfera
junto ao fenômeno da inovação – e do melhor pública foi o fato de que elementos empíricos
entendimento analítico quanto a isto. Portanto, recorrentemente identificados em episódios de
denotar-se o Estado como agente de inovação não inovação privados não se mostravam exclusivos
implica afastar a possibilidade de que instituições do setor privado. Novamente, isto se deveu, em
públicas também possam vir a ser um entrave a larga medida, ao poder explicativo e à elevada
ela, ou mesmo condições ou catalisadores. reputação que noções sistêmicas de inovação
ganharam na esfera acadêmica e governamental.
Outro ponto fundamental que se deve ter Essas noções foram capazes de ressaltar alguns
claro, inclusive para que se mantenha a devida aspectos fundamentais no processo de inovação
coerência com a obra de autores seminais do que poderiam operar tanto nas organizações
campo da inovação, é que, ao se argumentar em privadas quanto públicas. Entre tais aspectos
favor da inovação no setor público, uma pergunta comuns, destaca-se o potencial advindo da
central deve ser respondida: se não é o lucro e interação entre diferentes atores, refletida em
a competição que servem de estímulo inovador, noções como a da inovação aberta, da cocriação
dado que organizações públicas não operam nessa e do experimentalismo (Fuglsang e Pedersen,
lógica, o que provoca o ímpeto inovador nessas 2011; Sabel e Zeitlin, 2012).
organizações? Bloch et al. (2010) explicam que
há algumas categorias de determinantes que Contudo, não foi apenas o avançar da teoria
podem cumprir com esse papel. São elas: de inovação, e notadamente a dos sistemas de
inovação, que impulsionou o debate da inovação
• financeira ou econômica: ligada à busca em governo. A própria visão predominante nas
por eficiência e efetividade; ciências sociais passou a enxergar que a inova-
ção é crescentemente um elemento chave em
• relações internacionais: competição en- organizações públicas (Pollitt, 2011; Osborne e
tre nações por influência econômica ou Brown, 2013). Isto se deve, inicialmente, a uma
política; série de crescentes questionamentos empíricos
e teóricos direcionados a propostas e modelos
• política: novas agendas partidárias ou a tradicionais de gestão pública.
competição entre lideranças políticas;
O ideário burocrático Weberiano tradicio-
• democracia e governança: ênfase na coo- nal, por exemplo, ainda que eficiente para fins
peração entre atores ou na participação de controle, hierarquia e previsibilidade, não
social em processos de tomada de decisão; parece atender a contento à velocidade e à
interdependência das missões que os governos
• institucional: advinda da adaptação a no- devem passar a cumprir, atualmente. Como dar
vas regras; respostas rápidas a uma sociedade dinâmica e
participativa quando uma série de protocolos
• agendas específicas de lideranças ou legais inflexíveis e preestabelecidos precisam
grupos corporativos; e necessariamente ser respeitados? Como incorpo-
rar a incerteza e a necessidade de experimentar
• interesse público ou reputacional individual. coletivamente novas ferramentas e ideias em
uma estrutura rígida de controle que é avessa
Complementarmente, Bekkers, Edelenbos e a riscos, condena a incerteza e, portanto, retém
Steijn (2011) esclarecem que o que efetivamente a criatividade?

48
Mas não é só o modelo burocrático que apre- A necessidade de inovar (...) não somente reflete um
senta restrições. Do mesmo modo, instituições desejo de criar um governo mais eficiente e efetivo,
públicas que se acostumaram a mimetizar mo- a qual, em alguma medida, é a visão dominante na
delos privados, focadas nos valores de eficiência literatura da Nova Gestão Pública e o que é fre-
e orientadas prioritariamente por ferramentas quentemente focado em processos modernização
absorvidas do mercado, em sua maioria inspi- do serviço público (...) um serviço público inovador
radas pela lógica da Nova Gestão Pública (ou é requerido para criar um serviço público legítimo
New Public Management), têm impacto cada que é capaz de enfrentar um número vasto de “wi-
vez mais restrito face os desafios e expecta- cked societal challenges” – desafios para os quais
tivas contemporâneos (Bekkers, Edelenbos e abordagens inovadoras devem ser desenvolvidas e
Steijn, 2011). A ideia proclamada pela lógica implementadas a fim de conciliar valores diferentes
gerencialista da figura de um “cidadão cliente” e recorrentemente contrastantes.5
se contrapõe, ao menos em parte, à realidade
de cidadãos que não se sentem satisfeito com Portanto, o duplo movimento de evolução
resultados meramente utilitaristas e unidimen- teórica que abarca tanto a teoria própria da
sionais da ação pública. inovação quanto ideias ascendentes nas ciên-
cias sociais e ciências sociais aplicadas confere
Nos dias atuais, contingentes cada vez mais substrato para a explicação do caráter ontológico
representativos da população não querem ape- da inovação no setor público.
nas saber se o lixo que produzem é recolhido
da frente de suas casas rotineiramente; querem 4 METODOLOGIA
também compreender e acompanhar como esse
lixo será tratado, que impacto ambiental isso tra- De maneira a materializar a discussão teórica
rá, o que indivíduos que dependem da atividade desenvolvida anteriormente, esta seção detalha
econômica de tratamento de resíduos auferirão como se procedeu, metodologicamente, a análise
ou sofrerão como consequência de seu trabalho, desenvolvida sobre o corpus de texto escolhido.
entre outros. Para necessidades assim tão mais A técnica utilizada foi a da análise de conteúdo,
complexas do que no passado, nem tudo pode nos termos de Bardin (1977). Por meio dela,
ser valorado por meio de critérios de racionali- procedeu-se a exploração do conteúdo docu-
dade econômica e eficiência, ou ser legitimado mental e a análise do conteúdo de um conjunto
em virtude de cálculos do tipo custo-benefício de documentos que respeitam uma natureza e
(Pollitt e Bouckaert, 2011). um propósito comuns ou muito similares.

Em sintonia com o diagnóstico de limitação de O exercício empregado foi o de analisar o


modelos de gestão vinculados à nova gestão pública conteúdo de documentos específicos, todos
e, também, atentos à severidade do contexto de pro- versando explicitamente sobre o tema da inova-
blemas complexos que se avolumam na atualidade, ção no setor público. Deste modo, procurou-se
Bekkers, Edelenbos e Steijn (2011, p. 6, tradução atender à condição de homogeneidade. Também
nossa) reforçam a natureza de imperatividade da se empreendeu esforço no sentido de cumprir
inovação em governo, conforme já referido. com critérios de exaustividade, representatividade

5. No original: “The need to innovate (…) does not only reflect a desire to create a more efficient and effective government,
which is to some extent the dominant view in the new public management literature and which is often focused on the
modernization of public services processes (…) an innovative public sector is required to create a legitimate public sector
that is able to meet a number of wicked societal challenges – challenges for which innovative approaches have to be
developed and implemented that reconcile different and very often contrasting values”

49
e pertinência na construção do corpus de texto, escolhidas, assim como as subcategorias, con-
que também são indicações de Bardin (1977). densam um conjunto de elementos cruciais
para a reflexão acerca da dinâmica da inovação
Foram determinadas como unidades de re- no setor público. No que tange explicitamente
gistro documentos de natureza institucional e ao caso da categoria “caráter normativo”, suas
oficial, ou seja, não acadêmicos. Tais documentos duas subcategorias tiveram como inspiração a
foram examinados a partir de categorias pré-es- taxonomia adotada em Bekkers, Edelenbos e
tabelecidas, retiradas da literatura própria de Steijn (2011).
inovação no setor público. Computou-se para
todos os documentos a presença ou ausência Ressalta-se que a identificação das catego-
das categorias adotadas. rias nos documentos de referência dependeu
de que neles houvesse um tratamento analítico
O quadro 3 descreve as categorias com as quais consistente sobre os temas categorizados,
se trabalhou e seus significados. As três categorias a partir da leitura de cada um dos dezessete

QUADRO 3
Categorias de análise do corpus de texto
Caráter normativo Antecedentes institucionais Avaliação

Subcategorias Subcategorias
Lógica Lógica da Contexto institucional Contexto institucional
consequencialista apropriação interno externo

Diz respeito à prioriza- Diz respeito à priori- Diz respeito à referência Diz respeito à referência Diz respeito à referência
ção de valores de efi- zação de valores de expressa e analiticamente expressa e analiticamente expressa e analitica-
ciência e efetividade, enraizamento social aprofundada a aspectos aprofundada a aspectos de mente aprofundada
amparados em visões e busca por legitimi- de natureza interna às natureza externa ao Estado, a aspectos ligados à
racionais e financeira- dade das inovações organizações públicas ou especialmente na constru- avaliação e mensuração
-mente orientadas. na relação entre ao ambiente institucional ção de redes com atores pertinentes às ações de
Estado e sociedade. que determina o surgimen- diversos e a coordenação inovação no setor público
to de inovações no setor para fins de inovação no e seus resultados.
público. setor público.

Elaboração do autor.

documentos que compõe o corpus de texto. isoladas do termo “avaliação” ao longo dos
Ou seja, não bastou apenas que fossem as ca- textos. Neste caso, a incidência do termo, pura
tegorias e seus títulos mencionados esparsa ou e simplesmente, não foi considerada como
topicamente nos documentos em questão, mas, válida para a realização da contagem, o que
sim, que neles houvesse uma reflexão analítica só foi feito quando o documento enfrentou a
ou um posicionamento claro acerca dos temas temática da “avaliação” com algum empenho
categorizados. Este é um exercício cuidadoso analítico relevante, que agregasse ou reforçasse
que decorre essencialmente da inspeção dos o que a literatura já aponta sobre a temática.
documentos identificados à luz da teoria. Do contrário, a simples menção ao termo,
desprovida de aprofundamento analítico,
Um exemplo ilustrativo do esforço empreen- não foi tratada como indicativo de presença
dido na inspeção da presença ou ausência das da categoria. Com as devidas adaptações,
categorias e subcategorias nos documentos o mesmo valeu para as demais categorias e
do corpus de texto diz respeito às ocorrências subcategorias definidas.

50
Portanto, o que se buscou por intermédio da adstritos à inovação no setor público. O OPSI
análise de conteúdo foi indicar no conjunto de textos foi criado em 2015, e reúne em seu website
a ocorrência ou não das categorias definidoras, diversos textos, acadêmicos e não acadêmicos.
dentro do padrão de aprofundamento e extensão
descrito anteriormente. No processo de leitura dos O critério de seleção adotado neste trabalho
documentos, para aqueles em que se identificou a partiu, primeiramente, como explicitado ante-
ocorrência de dada categoria, atribuiu-se o indicador riormente, da exclusão de textos acadêmicos; e,
1, referente à presença da categoria em questão. em segundo lugar, da inclusão apenas de textos
Na ausência, atribui-se o indicador 0. que versassem exclusivamente sobre “inovação
no setor público” e que tivessem caráter institu-
Nas categorias que contam com subcatego- cional. Os textos acadêmicos foram excluídos do
rias, ou seja, para “caráter normativo” e “antece- critério de busca porque, conforme já indicado,
dentes institucionais”, o indicador de presença o propósito da investigação foi debruçar-se ex-
foi dividido entre ambas as subcategorias. Ou clusivamente sobre documentos institucionais,
seja, caso as duas existissem no documento o que se distingue de uma revisão da literatura.
analisado, a cada uma foi atribuído o indicador
0,5. Caso, por outro lado, apenas uma das duas Documentos dedicados a temas correlatos e
subcategorias existisse no documento e a outra que também constavam da biblioteca digital do
não, à que se fez presente foi atribuído 1. Neste OPSI, como os dedicados a temas de governo
caso, o significado é que a categoria como um eletrônico, governo aberto e transparência, relação
todo está presente, contudo, expressa somente Estado-sociedade etc., ainda que pertinentes à
na forma de uma das subcategorias, e não das discussão mais geral sobre inovação, também não
duas. Por fim, se nenhuma das subcategorias foram inseridos no corpus para que não se compro-
está presente no documento, o que, por con- metesse a homogeneidade e a especificidade da
sequência, significa que a categoria à qual análise. Brandão e Bruno-Faria (2013) destacam
elas pertencem também não está, a ambas foi que a produção documental no campo de inovação
conferido o indicador 0. Em síntese: no setor público por agências públicas, governos e
instituições de pesquisa e internacionais constitui
0 – Indicador de ausência da categoria ou subca- uma esfera de pesquisa específica no campo da
tegoria no documento; inovação no setor público, e foi sobre tal esfera
que o presente trabalho se deteve.
1 – Indicador de presença da categoria ou subca-
tegoria no documento; O objetivo do exercício realizado foi, portanto, o
de efetivamente compreender como se desenham
0,5 – Indicador de presença das duas subcategorias os argumentos centrais e os posicionamentos
no documento. de documentos oficiais. Estes foram separados
em três tipos, como se pode notar no quadro
5 ANÁLISE DO CORPUS DE TEXTO 4.7 O primeiro é o de documentos produzidos
por organismos internacionais ou instâncias
O corpus de texto foi construído majoritariamente supranacionais (OI). Neste caso, encontraram-se
a partir da base de dados da biblioteca online do documentos elaborados pelo Nordic Innovation
Observatory for Public Sector Innovation (OPSI), Centre, Comissão Europeia, União Europeia, Ban-
da OCDE,6 utilizando-se como critério central co Interamericano de Desenvolvimento (BID) e
a temática dos documentos, que deveriam ser OCDE. O segundo tipo foi o dos documentos de

6. Ver: <https://goo.gl/4ht8W3>.
7. Todos eles estão integralmente referenciados na seção referências biográficas ao final deste trabalho.

51
governos nacionais (GN), e os utilizados foram e português, que foram aqueles utilizados na
do Reino Unido, da Austrália, da França e do seleção dos documentos.
Canadá. Por fim, relacionaram-se documentos
de instituições de pesquisa privadas e think Adicionalmente, ainda que se aceite que o trabalho
tanks (IP/TT). feito por governos nacionais em estágios iniciais de
articulação em torno da inovação no setor público
Cumpre notar, particularmente no caso dos já possa gerar algum impacto local, é razoável supor
governos nacionais, que há uma série de outras que, do ponto de vista da reflexão sobre o tema,
iniciativas governamentais em construção mundo eles devam largamente repercutir posicionamentos
afora e que não foram incluídas no corpus de e recomendações contidas em experiências mais
texto, especialmente pelo fato de se mostrarem avançadas e pretéritas. O mais relevante, portanto,
pouco adensadas ou ainda em estágio prelimi- é que os documentos mais representativos estejam
nar de formatação.8 Fundamentalmente, essas contemplados no corpus de texto.
experiências não produziram, até o momento,
documentação relevante para que pudessem O quadro 4 detalha, uma vez aplicado o mé-
ser incluídas em uma análise de conteúdo todo escolhido e os critérios de busca adotados,
como a que se elaborou, ou o fizeram por meio como se comportou a análise de conteúdo e
de idioma distinto do inglês, espanhol, francês os resultados finais de presença e ausência
alcançados pelas categorias e subcategorias.

QUADRO 4
Resultados da aplicação da análise de conteúdo sobre o corpus de texto

Categorias
Caráter normativo Antecedentes institucionais
Autoria ou
Título do texto/ Subcategorias Subcategorias
patrocínio Tipo Ano
relatório Contexto insti- Contexto insti- Avaliação
institucional
Lógica da Lógica da tucional interno tucional externo
consequencialista apropriação (barreiras e (governança e
facilitadores) redes de atores)
Measuring public
innovation in the
1 Nordic countries NIC (2011) OI 2011 0,5 0,5 1,0 0,0 1,0
– Copenhagen
Manual
Trends and chal-
Comissão
lenges in public
2 Europeia OI 2012 0,5 0,5 0,5 0,5 0,0
sector innovation in
(2012b)
Europe
Innovation in the
Comissão
public sector – its
3 Europeia OI 2012 1,0 0,0 0,0 0,0 0,0
perception in and
(2012a)
impact on business
(Continua)

8. Exemplos são os casos de: Chile (ver: <http://lab.gob.cl>), Cingapura (ver: <https://goo.gl/U6X8GK>), Emirados
Árabes Unidos (ver: <https://goo.gl/sSkuDq>), África do Sul (ver: <http://www.cpsi.co.za>) e França (ver: <http://www.
la27eregion.fr/en/>).

52
(Continuação)
Categorias
Caráter normativo Antecedentes institucionais
Autoria ou
Título do texto/ Subcategorias Subcategorias
patrocínio Tipo Ano
relatório Contexto insti- Contexto insti- Avaliação
institucional
Lógica da Lógica da tucional interno tucional externo
consequencialista apropriação (barreiras e (governança e
facilitadores) redes de atores)
Comissão
Powering public
4 Europeia OI 2013 0,5 0,5 0,5 0,5 0,0
sector innovation
(2013)
The innovation
imperative in the
OCDE
5 public sector –set- OI 2015 0,5 0,5 0,5 0,5 0,0
(2015)
ting an agenda for
action

Innovando para
una mejor gestión
– la contribución de
6 BID (2016) OI 2016 0,5 0,5 0,5 0,5 1,0
los laboratorios
de innovación
pública

Reino Uni-
Innovation across
7 do (NAO, GN 2009 1,0 0,0 1,0 0,0 1,0
central government
2009)
Empowering chan-
ge: fostering change Austrália
8 GN 2010 0,5 0,5 0,5 0,5 1,0
in the Australian (2010)
public service
França
L’innovation au
9 (Oural, GN 2015 0,5 0,5 0 1,0 1,0
pouvoir!
2015)
Centre d’innovation
Canadá
10 – Premier Rapport GN 2016 0,5 0,5 0 1,0 1,0
(2016)
Annuel
The innovation Nesta
11 IP/TT 2009 0,5 0,5 0,5 0,5 0,0
imperative (2009)
Center for
How to generate American
12 innovation in the Progress IP/TT 2010 0,5 0,5 0,5 0,5 1,0
public sector (CAP,
2010)
Innobarometer –
Gallup Or-
analytical report
13 ganization IP/TT 2010 1,0 0,0 1,0 0,0 1,0
innovation in public
(2010)
administration

Making the most of


The Work
public services – a
14 Foundation IP/TT 2011 1,0 0,0 1,0 0,0 0,0
systems approach
(2011)
to public innovation

(Continua)

53
(Continuação)

Categorias
Caráter normativo Antecedentes institucionais
Autoria ou
Título do texto/ Subcategorias Subcategorias
patrocínio Tipo Ano
relatório Contexto insti- Contexto insti- Avaliação
institucional
Lógica da Lógica da tucional interno tucional externo
consequencialista apropriação (barreiras e (governança e
facilitadores) redes de atores)

Innovation in public
sector organisa-
tions – a pilot sur- Nesta
15 IP/TT 2011 0,5 0,5 0,0 0,0 1,0
vey for measuring (2011)
innovation across
the public sector

How can public


organisations better Nesta
16 IP/TT 2014 0,5 0,5 0,5 0,5 0
create, improve and (2014)
adapt?
IBM Center
The persistence
for the
of innovation in
Business
17 government – IP/TT 2014 0,5 0,5 0,5 0,5 1,0
of Gover-
a guide for innovati-
nment
ve public servants
(2014)
Categorias (presença) 100% 88%
Totais 59%
Subcategorias (peso) 62% 38% 57% 43%

Elaboração do autor

6 INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS tuições públicas. Ou seja, fatores externos, ainda


que bastante ressaltados pela literatura por cons-
Dos resultados expressos anteriormente, o que tituírem variáveis de contexto importantes para
de pronto se pode notar é que há uma presença o impulsionamento do debate sobre inovação
unânime da reflexão sobre o conteúdo normativo em governo, só foram investigados em menos da
da inovação nos documentos analisados, pois metade dos casos em que a categoria de ante-
100% deles tratam de ao menos uma das subca- cedentes institucionais foi abordada. Ou seja, da
tegorias respectivas, ou das duas, conjuntamente. amostra de quinze documentos que tratam dessa
Quanto a tais subcategorias, destaca-se que a categoria específica, o peso relativo do contexto
inspiração consequencialista é a mais contundente, institucional interno foi de 57%, enquanto apenas
presente em 62% dos documentos, enquanto 43% para a subcategoria de dotações institucio-
que a lógica da apropriação esteve presente em nais de natureza externa.
apenas 38%. Uma associação direta que se pode
fazer é, portanto, com inspirações gerencialistas, Também marcante é o fato de que apenas
denotando certo continuísmo com os propósitos pouco mais da metade dos documentos dedica
da nova gestão pública. atenção ao debate sobre avaliação e mensura-
ção no âmbito da inovação em governo. Com
No caso dos antecedentes institucionais, que presença de 59% nos documentos analisados,
apareceram em 88% dos casos, é prevalecente questões de avaliação e mensuração parecem
a preocupação com dotações internas às insti- razoavelmente pouco enfatizadas.

54
Em síntese, os resultados parecem confirmar no debate existente em instâncias oficiais. De-
a característica incremental – e não radical – da zessete documentos produzidos por governos
inovação no setor público, conforme entende nacionais, organizações internacionais e think tanks
Pollitt (2011). Os documentos oficiais inspe- mostraram que há resiliência especialmente nos
cionados não articulam rupturas com modelos valores mais próprios do modelo da nova gestão
de gestão pública vigentes e dominantes. Neste pública, além de uma preocupação muito maior
sentido, pode-se afirmar que, ao menos no com aspectos institucionais internos às estru-
que tange aos posicionamentos, análises e turas de Estado do que aqueles que promovam
recomendações institucionais desse corpus de a vinculação com seu exterior. Adicionalmente,
texto, prevalece a lógica utilitarista e de cunho não se aferiu um elevado comprometimento com
econômico como a mais forte, que é própria necessidades específicas de avaliação de ações
da agenda gerencial de reformas do Estado. de inovação no setor público.

7 CONCLUSÃO Entende-se que este trabalho apresentou con-


tribuição relevante ao estudo da temática focal. O
Como se destacou neste trabalho, inovação exame dos documentos oficiais mostrou peculia-
no setor público – ou inovação em governo – ridades, algumas das quais não parecem dialogar
transformou-se em objeto de estudo e em uma plenamente com a teoria do mesmo campo. Neste
nova agenda para a gestão pública a partir do caso, mais uma vez, tem destaque a importância
momento em que tanto a teoria mais própria apenas parcial dada à avaliação. Porém, também
da inovação tecnológica ou industrial (e orga- haveria motivos para se esperar maior relevo do
nizacional) quanto ramos das ciências sociais componente institucional de caráter externo, haja
passaram a enxergar canais efetivos a legitimar vista a ênfase que a literatura atribui aos canais de
um debate do gênero. Isto significou reconhecer conectividade com a sociedade dentro do debate
que inovação também pode se constituir em um sobre inovação no setor público.
valor intrínseco a organizações que não objetivam
primeiramente o lucro, como as governamentais. O estudo também detém limitações quanto ao
alcance de sua análise. Embora o esforço tenha
Descreveu-se neste trabalho como tal conver- sido o de reunir exaustivamente os documentos
gência teórica se aperfeiçoou e o espaço que se mais pertinentes ao corte teórico adotado, podem
criou para que o debate sobre inovação no setor existir documentos em idiomas minoritários, ou
público florescesse. Também contribui para tal o mesmo que não tenham sido redigidos utilizan-
contexto mundial de crescentes complexidades do-se termos que favorecessem sua captura, que,
e desafios, muitos dos quais tornam não só ne- por esses motivos, foram deixados de fora da
cessária, mas imperativa a capacidade do Estado amostra. A biblioteca eletrônica do OPSI/OCDE
de inovar. Inspirações tanto burocráticas quanto serviu de fonte prioritária por ser, hoje, a mais
gerencialistas, ambas bastante arraigadas nas aderente base de dados; mas também ela pode,
estruturas atuais de Estado, tendem a oferecer eventualmente, sofrer das mesmas limitações.
soluções parciais ou subótimas, se descuidadas do
imperativo da inovação. Neste sentido, inovação Outra característica restritiva da pesquisa
seria não somente uma oportunidade ou modismo, reside no fato de que há uma predominância
mas mesmo uma necessidade aos aparatos estatais. textual de referências ligadas a nações desen-
volvidas, o que pode, em certa medida, relativizar
O emprego da análise de conteúdo sobre o a aplicabilidade direta da análise para contextos
corpus de texto construído mostrou, contudo, que em desenvolvimento. Todavia, vale destacar que,
parece existir razoável continuísmo e um avanço no Brasil, existem expedientes avançados no
contido em aspectos verdadeiramente inovadores campo da inovação, como é o caso da Pesquisa

55
de Inovação (Pintec) do Instituto Brasileiro de BID – BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOL-
Geografia e Estatística (IBGE), que muito reflete VIMENTO. Innovando para una mejor gestión - la
o raciocínio de fronteira no campo teórico, pro- contribución de los laboratorios de innovación
gramático e avaliativo em inovação. Contudo, a pública. 2016 (Nota Técnica IDB-TN, n. 1101).
Pintec se presta essencialmente a organizações
que visam lucro, o que também a torna menos BLOCH, C. et al. The public sector in in-
aplicável a reflexões sobre o setor público. novation systems: Module 1 – Conceptual
framework, Mepin Project, 2010.
Por outro lado, essas mesmas limitações podem
contribuir para enfatizar o potencial de agendas BRANDÃO, S.; BRUNO-FARIA. Inovação no se-
de pesquisa nessa área. Em paralelo à evolução do tor público: análise de produção científica em
debate em nações desenvolvidas e em organismos periódicos nacionais e internacionais da área
internacionais a elas vinculados, é promissora a de administração. Revista de Administração
construção de pontes com o mundo em desen- Pública, Rio de Janeiro, v. 47, n.1, p.227-248,
volvimento. O Brasil detém um histórico rico de jan./fev. 2013.
inovações, muitas das quais catalogadas por meio
do Prêmio de Inovação da Escola Nacional de CANADÁ. Centre D’Innovation: Premier Ra-
Administração Pública (Enap) e, de certa forma, pport Annuel, Centre D’Innovation au Greffier
espelhadas nos capítulos deste livro. Deste modo, du Conseil Privé, 2016.
o país está seguramente bem posicionado para
internalizar o debate global e contribuir para o CAP – CENTER FOR AMERICAN PROGRESS.
fortalecimento internacional em torno da temática, Capital ideas: how to generate innovation in the
tanto no plano empírico quanto teórico. public sector. Washington, July 2010.

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57
CAPÍTULO 4
DUAS DÉCADAS DE PESQUISA SOBRE INOVAÇÕES
EM SERVIÇOS: qual o lugar dos serviços públicos?1
Faridah Djellal2 | Faïz Gallouj3 | Ian Miles4,5

1 INTRODUÇÃO o ponto em que o Manual sobre Inovação e


Serviços foi publicado, em 2010 (Gallouj e
Os estudos sobre inovação cresceram ra- Djellal, 2010). A inovação no setor público
pidamente como uma área de pesquisa no foi ainda mais negligenciada na tendência
último quarto do século XX, como discutido atual dos estudos sobre inovação, e este
exaustivamente por autores como Fagerberg trabalho tentará explorar a possibilidade
(2004) e Godin (2010). Vários manuais bus- de integração frutífera de trabalho sobre
caram fornecer visões gerais do campo – por esse tema em estudos de inovação de forma
exemplo, Rothwell e Dodgson (1994) e Fager- mais geral.
berg et al. (2004) –, e há várias revisões de
tópicos especializados, tais como economia, Além de os serviços públicos – e, de forma
sociologia e medidores da inovação, assim mais geral, os serviços não comerciais – ­ serem
como vastos contextos de trabalho sobre em algum grau mais ou menos monopólios livres
gestão e política de inovação. Foi observado, de pressões competitivas, vários outros motivos
muitas vezes, que a pesquisa foi dominada são habitualmente adiantados por terem pouco
por um foco na indústria de manufatura e, a ver com inovação. Estes sofrem influência
em especial, em indústrias mais ligadas à política, o que os coloca à margem da economia
alta tecnologia, tais como a aeroespacial, a racionalista da inovação.6 Geralmente, sofrem de
automotiva e a farmacêutica. A inovação em falta de recursos, inclusive de recursos que podem
serviços foi negligenciada por longo tempo, ser alocados a projetos de inovação de risco e
mas, nos primeiros anos deste século, ficou de incentivos para inovadores e empresários. Há
claro que a questão havia atingido o ponto pouca pressão dos consumidores de serviços, ou
máximo de sua validade (Miles, 2000), até então essa pressão é dispersada por estruturas

1. Publicado originalmente como: Djellal, F.; Gallouj, F.; Miles, I. Two decades of research on innovation in services: which
place for public services? Structural Change and Economic Dynamics, v. 27, p. 98-117, dez. 2013.
2. Professora da Université de Lille 1.
3. Professor da Université de Lille 1.
4. Professor do Laboratório de Economia da Inovação do National Research University Higher School of Economics (HSE),
Moscou, e professor da Divisão de Gestão e Política de Inovação, do Manchester Institute of Innovation Research (MIoIR)
e Alliance Manchester Business School (MBS), da Universidade de Manchester.
5. A contribuição de Ian Miles a este trabalho foi feita na estrutura do Programa Básico de Pesquisa da Escola Superior
de Economia, no período 2011-2012.
6. E, ainda pior, em algumas circunstâncias, essa influência está altamente associada ao clientelismo e à corrupção
clara, fenômenos que não são normalmente considerados quando se trata de serviços mercantis.
burocráticas rígidas que induzem à inércia no setor saúde, de transmissão pública e de segu-
público. Grupos de profissionais, como médicos rança e defesa.
e professores, podem impedir a inovação que
poderá enfraquecer suas posições privilegiadas, 3) O perímetro dos serviços públicos e priva-
e assim por diante. Porém, é claro que é preciso dos flutua no tempo e no espaço. De fato,
reconhecer exceções, principalmente quando a frequentemente, tem havido competição
pesquisa básica em universidades e laboratórios entre os serviços públicos e privados, va-
pode ser fonte de novos conhecimentos e ideias riando segundo países e períodos. Alguns
criativas de aplicação – embora a percepção em serviços privados altamente inovadores –
ampla escala e a promoção do desenvolvimento tais como as telecomunicações – foram
dessas aplicações geralmente sejam vistas como empresas historicamente de propriedade
preservação de empresas particulares. do Estado até o último quarto do século
XX em muitos países do mundo ocidental.
Mas, ao contrário, muitos argumentos qua- O design e a entrega de alguns serviços
lificam ou contradizem essa avaliação negativa públicos são terceirizados por fornece-
da inovação nos serviços públicos e sugerem dores privados ou fornecidos através de
que devemos elevar sua posição no campo dos parcerias público-privadas (PPPs). E al-
estudos de inovação de serviços. Temos a seguir gumas funções de departamentos admi-
uma breve análise desses argumentos. nistrativos nos serviços públicos podem
ser terceirizadas ou podem estar sujeitas
1) É paradoxal acreditar que as administra- à concorrência de vários fornecedores.
ções públicas são ambivalentes: ávidas
por apoiar a inovação, mas ignorando a 4) A crise econômica e as alterações demo-
inovação a seu próprio favor. De fato, o gráficas também são fatores importantes
surgimento de atividade em torno de go- para a inovação nos serviços públicos, já
verno eletrônico indica que muitos gover- que levam a pressões para a racionaliza-
nos pretendem usar novas tecnologias ção da produção, assim como suscitam
para melhorar processos internos e elos alguns esforços para reduzir as despe-
com seus cidadãos. Uma hipótese curiosa sas sociais – enquanto isso, novas e mais
seria que uma administração que seja ino- intensas demandas sociais surgem, por
vadora em si será mais eficiente em apoiar exemplo, como o cuidado com idosos e
a inovação em outros agentes econômi- as questões ambientais.
cos. Podemos sugerir uma análise com-
parativa da relação entre esforços para Houve várias revisões recentes na literatura
modernizar a administração pública – sobre inovação em indústrias de serviço –
através do e-governo e de outras inicia- por exemplo, Gallouj e Djellal (2010) e Miles
tivas – e aquelas que objetivam políticas (2010). Vamos examinar agora como os prin-
de inovação de forma mais geral. cipais estudos realizados durante duas décadas
de pesquisa sobre inovação de serviços tratam
2) Nos serviços públicos, há setores cujas o assunto ou como podem ser extrapolados ao
atividades de inovação são indiscutíveis tratar da inovação nos serviços públicos. Bus-
e bem documentadas na literatura de vá- camos também identificar deficiências nessa
rios tipos – embora nem sempre em estu- literatura e estabelecer novos caminhos de
dos sobre inovação (Rosenberg e Nelson, pesquisa e ação.
1994; Djellal e Gallouj, 2007). Além de
universidades e laboratórios de pesquisa O campo de estudos sobre inovação em serviços
pública, podemos mencionar serviços de envolve quatro perspectivas teóricas diferentes:

60
assimilação, demarcação, inversão e síntese (Adis com a inovação de bens – de fato, os serviços são
– em inglês, assimilation, demarcation, inversion apenas “bens intangíveis”. Esta se focaliza nas
e synthesis), conforme Gallouj (1998), Gallouj e relações com sistemas tecnológicos. Essa última
Weinstein (1997), Coombs e Miles (2000), Droe- ênfase significa que isso também pode ser visto como
ge, Hildebrand e Heras Forcada (2009) e outros perspectiva tecnológica – embora, como veremos,
autores citados no último estudo. Essas têm rótulos uma linha de pesquisa tenha argumentado que a
ligeriamente diferentes em diversos autores, mas trajetória de inovação de serviços industriais em
o objetivo comum é refletir sobre concepções di- torno de novas tecnologias tende a ser distinta. Na
ferentes da relação de estudos sobre inovação de medida em que focaliza principalmente a inovação
serviço frente a frente com o campo estabelecido adotada pelos setores de manufatura, a perspectiva
de estudos sobre inovação, com ênfase nos seto- de assimilação também é de subordinação, em que
res de fabricação e em seus produtos (figura 1). A as novas tecnologias desenvolvidas na manufatura
perspectiva de assimilação analisa a inovação em são as assimiladas pelas indústrias de serviço.
indústrias de serviço como sendo essencialmente a
mesma que a inovação nas indústrias de fabricação, A perspectiva de diferenciação – ou demarca-
com inovação de serviço sendo bastante parecida ção – tem foco nas especificidades dos serviços.

FIGURA 1
Inovação em serviços: diferentes perspectivas analíticas

Foco em ciências
e tecnologia
Assimilação/abordagens
tecnológicas

Difusão de TCIs
Taxonomias tecnológicas setoriais
Primeira edição do
Manual de Oslo (OECD, 1992)
e pesquisas de inovação Abordagem de ciclo
correspondentes produto reverso

Serviços em Serviços em
maior parte Abordagens maior parte
similares a de inversão distintos de
bens bens

Abordagem baseada Estudos empíricos


em características Teorias locais
Lógica de serviço dominante Perspectiva IHP – intangibilidade,
Economia funcional (economia) heterogeneidade, inseparabilidade e
Economia da experiência possibilidade de perecer
(economia)

Nova Abordagens
síntese predominantemente
Inclui HSS e de demarcação
integração
inovação (não)

61
Frequentemente inspirada em casos de estudo (Stahel, 1997; Pine e Gilmore, 1999; Davies,
de trabalhos de marketing e gerenciamento de 2004; Vargo e Lusch, 2006).
operações, bem como no novo desenvolvimento
de serviços, geralmente objetiva identificar a Usamos essas quatro perspectivas teóricas
atividade de inovação em que a assimilação ou para fornecer a estrutura desse documento e
o olhar tecnológico nada percebe. Enfatiza as sugerir como são – ou como podem ser tratados
diferentes formas que a inovação pode levar e a – os serviços públicos, utilizando as aborda-
organização distinta dos processos de inovação gens de Adis. O caso será criado pensando-se
nas indústrias de serviços. que isso não é apenas de interesse local para
pesquisadores em – ou profissionais de – ser-
A perspectiva de inversão (Gallouj, 2010) viços públicos, mas que também pode ajudar a
pode ser vista como a “vingança” do setor de aprofundar e enriquecer estudos de inovação
serviços. Em contraste com as contas que retra- e a análise de economias contemporâneas, de
tam as indústrias de serviços como setores em forma mais geral.
atraso, se é uma questão de ser como fabricação
de baixa tecnologia ou algo mais distintivo, a 2 SERVIÇOS PÚBLICOS E INOVAÇÃO
abordagem de inversão vê (algumas) indústrias TECNOLÓGICA: A PERSPECTIVA
de serviços como fontes de inovação em toda a ASSIMILACIONISTA
economia. Um certo papel pode ser desempe-
nhado por grandes empresas de serviços que Muito do trabalho pioneiro no campo de estudos
mobilizam seus fornecedores – por exemplo, no de inovação de serviço adotou a perspectiva
varejo e nas telecomunicações –, mas, muitas que rotulamos de tecnologista, industrialista
vezes, essa perspectiva enfatiza o papel ativo ou assimilacionista – de acordo com Gallouj
de certos serviços de negócios intensivos de (1998) e, também, Coombs e Miles (2000). Essa
conhecimento (Kibs – em inglês, knowledge perspectiva naturalmente usa as ferramentas
intensive business services) nas inovações de herdadas do campo da inovação industrial,
outros setores. Os serviços de consultoria, de- sem considerar a natureza especial do campo
sign, engenharia, tecnologia da informação (TI) de serviços. Assim sendo, em essência, a ino-
e pesquisa e desenvolvimento (P&D) podem vação é considerada em sua relação a sistemas
ser insumos importantes para a inovação entre técnicos de materiais (sua produção e difusão).
seus clientes. Por exemplo, quando Gershuny e Miles (1983)
analisaram, pela primeira vez, a transformação
Finalmente, a perspectiva integradora ou de das economias contemporâneas de serviço, há
síntese busca fornecer a mesma estrutura analítica uns trinta anos, praticamente o único foco era
tanto para bens quanto para produtos de serviços, o uso de novas tecnologias da informação nas
para indústrias de manufatura e serviços e para indústrias de serviço. Bem depois, essa abor-
ambas as formas de inovação tecnológicas e não dagem foi ampliada para sugerir que classes
tecnológicas. A partir dessa visão, podemos usar diferentes da indústria de serviços são confor-
os pontos de similaridade e contraste entre essas madas de forma distinta, através da aplicação
dicotomias para aprofundar nosso entendimento de diferentes tipos de tecnologia. Há aqueles
sobre os processos e as práticas de inovação. setores de serviço cujos produtos principais de
Isso é considerado de grande importância em um informação são revolucionados pela aplicação da
mundo em que os fabricantes estão supostamente novas TIs, bem como existem aqueles – como o
“fornecendo serviços” e as empresas de servi- setor de transporte – cujos produtos são trans-
ços, “produzindo”, em que importantes projetos formações físicas que apresentam aplicações de
econômicos e funções sociais envolvem com- tecnologias de motor e serviços humanos – a
binações de bens e serviços e daí por diante exemplo do setor da saúde. Estes dispõem de

62
muitas tecnologias específicas, tais como dis- pessoais – são simplesmente uma questão de
positivos farmacêuticos e cirúrgicos que lidem contato pessoa a pessoa, sem aplicação ou
com complexidades biológicas (Miles, 1993). mediação de tecnologias de materiais. De fato,
a maioria dos produtos de serviço vendidos
A perspectiva de assimilação é amplamente nas sociedades industriais modernas envolve
dominante na literatura. A ideia de inovação que trabalhadores em serviços que usam artefatos
esta transmite refletiu-se nos indicadores de materiais que eram incomuns antes do século
inovação usados na primeira edição do Manual XX – automotivos, computadores, sistemas de
de Oslo (OECD, 1992; subseção 3.3). telecomunicações e dispositivos eletrônicos
especializados (caixas registradoras, balan-
Três variedades da perspectiva assimilacionista ças, amplificadores e outros). Os exemplos de
podem ser identificadas (figura 1). O primeiro Oslo – no capítulo 3 do manual – quase todos
grupo, bem mais prolífico e o mais heterogêneo, implicam a aplicação de hardware e software
reúne principalmente trabalhos empíricos focados novos – sendo as exceções apenas inovações
na análise da difusão de tecnologia exógena em centradas no aluguel de serviços (entrega em
serviços e as condições e consequências disso. casa e coleta de veículos alugados, bem como
Os outros dois agrupam estudos mais teóricos fornecimento de pontos de contato de geren-
– ainda muito poucos em números –, perten- ciamento para serviços terceirizados no local,
centes principalmente à tradição de economia em vez de remotos), ou aplicação de técnicas
evolucionária. Estes envolvem, primariamente, que, na prática, provavelmente envolvem apoio
o modelo de ciclo reverso de Barras (1986; de novas tecnologias – implantação de nova
1990) e, em segundo lugar, taxonomias setoriais reserva e de sistema de gestão de projetos é
que rastreiam modos distintos de inovação em mencionada. Assim sendo, enquanto, em prin-
várias indústrias de serviços. Vamos rever esses cípio, o Manual de Oslo não exclui inovação de
três conjuntos de estudos à luz da questão de produto não tecnológico – por exemplo, um
inovação nos serviços públicos. novo contrato de seguro ou um novo produto
financeiro, um novo campo de especialidade
2.1 Indicadores de inovação: uma tendência em consultoria –, ou inovação de processo não
tecnológica ainda prevalente tecnológico (metodologias e protocolos), as
formulações tendem a trabalhar contra a inclu-
A ideia de inovação associada à perspectiva são desses casos. Há uma orientação limitada
de assimilação está refletida nos indicadores fornecida nos questionários reais de pesquisas
de inovação sugeridos pela Organização para de inovação sucessivas em comunidades (CIS)
a Cooperação e Desenvolvimento Econômico para ajudar aqueles que completam as pesquisas
(OCDE), através do Manual de Oslo – cuja com esses detalhes.
revisão mais recente é a de OECD (2005).
Essa revisão mais recente inclui definições e O Manual de Oslo admite (OECD, 2005, re-
questões sobre inovação organizacional e de visão 3) que a inovação de produto e processo
marketing, assim como inovações de produto pode ser difícil de ser diferenciada de atividades
e processo. O prefixo tecnológico foi retirado de serviço, mas há pouca atenção a outro pon-
de suas definições de inovação de produto e to – que as inovações ad hoc e customizadas
processo, embora os exemplos desses tipos são dominantes em alguns serviços (seção 3),
de inovação sejam principalmente baseados especialmente muitos Kibs, tais como serviços
em tecnologia, e aqueles que não envolvem de engenharia e consultoria. Falta ver como os
inovação em tecnologia como tal ainda parecem que respondem a pesquisas sobre inovação
altamente orientados em torno da tecnologia. É classificam esses produtos de serviço – são
claro que muito poucos serviços – principalmente vistos como significantemente diferentes

63
ou produtos melhorados, ou simplesmente ubíqua (Gallouj, 2002a; Miles, 2005). Muito da
como mais exemplos da mesma classe ampla pesquisa sobre economia tende a tratar diferentes
do produto? gerações de tecnologia como essencialmente
similares, ou pelo menos diferentes em termos de
Como os estudos de pesquisa e desenvolvi- parâmetros hedônicos especificados facilmente.
mento tendem a não levar em conta a P&D que Para dados contextos institucionais, muito da
não tenha foco em ciências naturais e engenha- literatura é, portanto, dedicado à discussão da
ria – mesmo que a P&D de ciência social seja relação entre o uso de novas TIs e um número
explicitamente incluída pelo Manual de Frascati de variáveis econômicas fundamentais, tais
(Djellal et al., 2003; Miles, 2007). Assim sendo, como emprego, produtividade, habilidades e
as pesquisas de inovação tendem a negligenciar organização de tarefas, qualidade negociável e
a inovação de produto e processo não tecnoló- qualidade do produto do serviço etc. Enquanto
gico – quando não classificado como inovação isso, estudos sobre gestão dão mais atenção à
organizacional ou de marketing. Isso pode mudança geracional, observando basicamente
responder pelos níveis aparentemente baixos as características novas de gerações emer-
de inovações relatadas por muitos setores de gentes. Nesse caso, atenta-se mais a como as
serviços – de fato, pela maioria daqueles não variáveis econômicas podem ser reformuladas
engajados em inovação tecnológica. As exceções em diferentes gerações de tecnologia.
tendem a ser organizações de serviço baseadas
em tecnologia, tais como empresas de software A literatura sobre a introdução de novas
e P&D e serviços de engenharia. TIs em organizações públicas adequa-se
perfeitamente a esses modelos de inovação
2.2 Inovação em serviços e a difusão de de estrutura cruzada e variáveis econômicas.
tecnologias (de informação) A computação dos serviços administrativos
objetivou ganhos em produtividade e eficiência,
Quer no nível microeconômico, quer no nível através de sistemas poderosos de computadores
macroeconômico, as discussões sobre inovação centrais que processam grandes quantidades
em serviços há muito já foram imbuídas pela in- de dados. A administração pública foi usuária
trodução de novas tecnologias – principalmente pioneira desses sistemas usados para processar
com a introdução penetrante de novas TIs em grandes volumes de informações sobre, por
praticamente todas as indústrias de serviço, exemplo, aposentadorias e benefícios da segu-
nas últimas quatro décadas, e as mudanças na ridade social. Praticamente ao mesmo tempo,
organização de negócios associadas ao uso empresas de serviço financeiro – novamente
dessas tecnologias. O alto nível de percepção lidando com informações ligadas a muitas ca-
de novas TIs por setores de serviço foi notado racterísticas de muitos indivíduos – contratavam
por pesquisadores, como Roach (1987), e automação similar. Esses sistemas aceleraram
pela OECD (1993), que perceberam que os o processamento de casos e ajudaram a reduzir
setores de serviço investiram em mais desses custos ao padronizarem tarefas e alcançarem
equipamentos do que o esperado, dada sua economias de escala. Computadores posteriores
quota nas economias nacionais. e softwares associados permitiram redução de
custos e aumento da qualidade; e as economias
A difusão históriaca de TI em serviços é fre- de alcance foram habilitadas. À medida que as
quentemente descrita, de forma bem simplista, novas tecnologias de TIs tornaram-se cada
através de uma sucessão de gerações sobre- vez mais visíveis, no início da década de 1980,
postas de inovações; a primeira em computação uma grande preocupação foi expressada pelos
central, a segunda em computadores pessoais sindicatos e por outros: que o deslocamento de
e a terceira e posterior em TIs de rede, móvel e trabalho maciço e a desqualificação poderiam

64
surgir. Muitos estudos analisam sua capacidade Vemos inovações sociais como “salas de
de recapacitar a força de trabalho – que aumenta vila eletrônicas” nesse contexto.
a variedade de tarefas realizadas – e melho-
rar a qualidade dos serviços administrativos 2.3 O modelo de ciclo reverso de produto:
para os usuários, principalmente em termos um vislumbre de inovação nos serviços
de velocidade, disponibilidade a distância e públicos
em horário fora do trabalho, e integração dos
serviços em lojas de conveniências. Existe, no A abordagem de ciclo reverso (Barras, 1986;
entanto, uma preocupação crescente de que 1990; Gallouj, 1998) é uma articulação específica
as novas TIs tenham permitido a automação dos “modelos de inovação”/gerações de novas
de muito mais empregos administrativos de contas de TICs esquematizadas anteriormente,
rotina e de processamento de símbolos, bem que merece atenção especial por pelo menos
como – junto com estratégias de gestão de dois motivos. Primeiro, representa a primeira
terceirização e esvaziamento organizacional tentativa de construir uma teoria da inovação
– tenham contribuído para a polarização da nas indústrias de serviço; e como tal, foi e
força de trabalho – na disparidade crescente continua a ser citada extensamente na litera-
entre salários altos e baixos e a redução em tura. As ideias básicas são bastante plausíveis
posições de nível médio (Autor, Levy e Murna- – senão sempre confirmadas em empirismos
me, 2003). Outros exemplos interessantes de subsequentes. Em segundo, a abordagem foi
inovações nos serviços públicos ligados a TIs desenvolvida na base da pesquisa empírica,
são aplicativos de nível de sistema, tais como envolvendo não apenas serviços de mercado,
tráfego inteligente e grades inteligentes. Uma mas também serviços públicos – principalmente
questão importante – que não é tratada no serviços locais do governo.
caso de serviços em geral, mas que é relevante
quando se trata da relação entre a introdução A abordagem de Barras (1996), na verdade,
de novas TIs e os serviços públicos – é o divi- não é realmente uma teoria geral da inovação
sor digital (Attour e Longhi, 2009): a ideia de nos setores de serviço, já que ele não considera
que a desvantagem social pode ser ampliada todos os tipos de inovações nessas indústrias
através de acesso diferencial às novas TIs – – seu relato tem pouco a dizer, por exemplo, a
principalmente serviços on-line – entre regiões, respeito de transporte ou inovações médicas.
classes sociais, gerações etc. Isso é importante É mais um relato da difusão da nova TIC de
no que concerne às missões específicas dos indústrias de manufatura a serviço – mas vai
serviços públicos, que apresentam as seguintes além da difusão, considerando os processos de
características. aprendizado associados subsequentes a isso. A
abordagem tradicional de ciclo de produto descreve
1) Podem estar preocupadas com o acesso uma sucessão de estágios no desenvolvimento
desigual a, por exemplo, serviços de go- de inovação (Abernathy e Utterback, 1978).
verno eletrônico – isso poderia até ser Colocando isso na forma mais rudimentar,
usado como argumento contra o rápido são caracterizados por um período em que a
deslocamento para a provisão on-line. inovação de produto é o principal foco até que
um desenho dominante esteja estabilizado.
2) Podem procurar compensar as divisões Então, há um período no qual a inovação dos
digitais através da educação (currículos processos se torna cada vez mais o foco principal,
escolares, incluindo-se cursos de uso de na medida em que a concorrência se afasta de
tecnologia da informação e comunicação fornecer o melhor tipo de produto para fornecer
– TIC) e instalações públicas (bibliotecas o produto de forma mais eficiente. No relato de
que oferecem acesso gratuito à internet). Barra, o ciclo de inovação de serviço é distinto.

65
Suas duas primeiras fases envolvem princi- TIC, seu trabalho anterior incluiu exemplos de
palmente inovação de processo incremental e serviços públicos administrativos.
radical, e sua fase final é dominada pela inovação
de produto. Isso pode ser retratado como um A primeira onda de informatização (introdução
processo de aprendizado, em que a organização de computadores centrais) resultou na amplia-
de serviço se apresenta para entender melhor a ção de inovações de processo nas atividades
funcionalidade potencial das novas tecnologias administrativas desse tipo de organização de
que está usando. Assim sendo, torna-se capaz serviço público para aumentar a eficiência e a
de dominá-las e elaborar seus aplicativos es- velocidade e, principalmente, reduzir custos. Um
pecíficos próprios, inclusive novos produtos de exemplo é a informatização de registros pessoais
serviço e métodos de entrega. e salários nos serviços públicos e de venda. No
entanto, devemos notar que a mudança orga-
Devemos notar que esse relato de inovações nizacional – dos exércitos de empregados em
de processamento de informações administra- salas de datilografia, por exemplo – para enormes
tivas pode, plausivelmente, ser estendido além sistemas de computação com (primeiramente)
do setor de serviço. Todos os tipos de organi- muitas equipes de aporte de dados estava longe
zações podem encontrar novas habilidades de ser diferencial. Havia, frequentemente, alte-
administrativas para capacitar uma gama de ração nos locais físicos (centros de computação
inovações em outros processos de negócios. O ficaram distantes das matrizes), nos fluxos de
serviço de cliente e os processos de gestão da trabalho da organização, na criação de novos
cadeia de fornecimento são um exemplo óbvio, empregos (técnicos e programadores, assim
mas há casos que se aproximam da inovação como equipe de aporte de dados) e numerosas
de produto. Por exemplo, um editor de livros modificações, como são os casos do tipo de
de arte e educacionais descobriu que poderia papel usado, do equipamento de impressão e
oferecer novas coleções, como resultado da da forma como os resultados eram validados e
automação da correção de índices e outros comunicados. Grandes organizações de serviço
bancos de dados. público foram as primeiras usuárias desse tipo
de informatização.
Barras (1996) não observou apenas o aprendi-
zado sobre um conjunto especial de tecnologias. A segunda onda de informatização – envol-
Ele também notou a alteração no curso da mudan- vendo mini e microcomputadores, que poderiam
ça do computador central para o pessoal – e, de estar localizados mais prontamente perto dos
alguma forma, a rede de comunicação. Portanto, usuários – resultou em inovações de processo
descreveu as fases do ciclo reverso de produto mais radicais, que envolviam funções administra-
em relação a novas gerações da TIC, corres- tivas. O objetivo dessas inovações foi melhorar
pondendo às diferentes ondas de computação a eficiência e a qualidade do serviço. Exemplos
mencionadas no parágrafo anterior. A inovação disso incluem fornecer informações adminis-
inicial do processo administrativo é muito mais trativas on-line ou formulários administrativos,
uma questão de sistemas de computação cen- registro on-line para procedimentos de aquisição
tral, enquanto as últimas inovações de serviço on-line, gerenciamento informatizado de listas
cada vez mais envolvem redes de comunicação. de espera de habitações em órgãos municipais
Barras ilustrou seu relato com exemplos de ser- – mesmo que a comunicação com os cidadãos
viços de massa, cuja atividade se concentra no fosse feita por telefone ou por equipes que
processamento de informações, e, enquanto foram mais equipadas com PCs – e máquinas
seu trabalho mais recente enfatizou os serviços automáticas de bilhetes – em galerias, museus
financeiros como a vanguarda da revolução da ou outros serviços públicos.

66
As ondas posteriores de informatização, no 1) Algumas dessas inovações estabelecem
caso dos serviços públicos, usaram naturalmente interações mais fortes entre administra-
as melhorias sucessivas nos PCs; porém, o mais ções e usuários, e dão a estes últimos
importante é seu uso de redes para acesso a um papel mais ativo na criação desses
e-mails e informações e para serviços interativos. serviços – de acordo com o espírito da
Aplicativos para celulares e smartphones surgi- web 2.0. Essas inovações refletem evo-
ram relativamente com atraso – talvez porque lução do e-governo focada na desma-
a falta de padrões dominantes aqui dificulte os terialização e na eficiência para uma
serviços públicos para inovar, sem aparentemente e-governança tão mais rica, que busque
mostrar favoritismo a um ou outro contendor na “alterar a natureza da relação, iniciando
guerra de padrões. uma nova forma de parceria mais inte-
rativa com o cidadão-usuário” (Suire,
Barras considerou a entrega de serviços 2007, p. 164, tradução nossa).
públicos on-line para representar inovações de
produto – o que corresponde ao entendimento 2) Nessa terceira fase, o modelo de Barras
do Manual de Oslo. Exemplos disso incluem concentra-se principalmente nos e-servi-
movimentos avançados para o e-governo, em ços fornecidos ao cliente ou usuário final
que o acesso a muitos procedimentos adminis- (no caso de serviços públicos, G2C). Po-
trativos se torna disponível on-line, e há ainda demos facilmente ampliar o modelo para
mais movimentos para a e-democracia. Essa incluir outros recipientes: negócios (G2B)
forma de e-governo objetiva essencialmente – de fato, muitos serviços públicos são
“desmaterializar os procedimentos administra- direcionados à indústria; especialmente,
tivos tradicionais” (Suire, 2007, p. 164, tradução apoio a várias atividades de inovação – e
nossa). Por exemplo, na França, o Escritório outros órgãos do governo (G2G) – que
de Bem-Estar da Família (CAF) tem um site na podem incluir relações horizontais de
internet no qual os usuários podem declarar serviço (com outras agências públicas) e
sua renda, ter acesso a formulários e rastrear verticais (com níveis administrativos mais
a posição de seus pagamentos e reembolsos. altos ou mais baixos).
O Sistema Nacional Francês de Seguro de
Saúde (CNAM) também tem uma página na Parece paradoxal que a abordagem de ciclo
internet, na qual os usuários podem acessar as reverso de produto de Barras destaque um
informações e os formulários, bem como ras- comportamento específico de organizações
trear reembolsos on-line (Bacache-Beauvallet, de serviço em termos de inovação – estas têm
Bounie e François, 2011). Arduini et al. (2010) um ciclo reverso –, mas que aqui nós colocamos
examinam o desenvolvimento e os formulários como abordagem assimilacionista –, e não como
de e-governo nas cidades italianas, com base abordagem diferenciadora, como fizeram Coombs
em número de variáveis contextuais. No Reino e Miles (2000). A explicação é que, embora o
Unido, o governo fornece facilidades para os ciclo seja reverso, Barras descreve uma dinâmica
cidadãos criarem petições, com a ideia de que de inovação exclusivamente tecnológica – por
tópicos que reúnem bastante apoio podem ser exemplo, serviços públicos fornecem e-governo
levados a debate parlamentar. e entrega on-line de informações e formulários.
Há pouca atenção a novos serviços não tecno-
Esses desenvolvimentos – a maioria, recentes lógicos que podem ser criados, tais como novas
– no e-governo fornecem novas perspectivas políticas sociais, como direitos a aposentadoria,
nessa terceira fase do ciclo que enriquecem e direitos de cidadãos, procedimentos de ouvidoria
fortalecem o modelo inicial de Barras, descritos e coisas afins. Realmente, há surpreendentes
a seguir. novos serviços capacitados por tecnologia que

67
também podem ser criados, mas que requerem de produção de serviço é passível de ser contígua
considerável desenvolvimento de modelos de ao consumo do serviço (Gallouj, 1998).
negócios adequados e apoio social – como é
o caso de novos serviços que apoiam novos Finalmente, mesmo se o relato de Barras
sistemas para monitorar a saúde de pessoas (1990) fosse preciso, ainda assim seria in-
vulneráveis. Outra evidência da tendência completo, no sentido de que se concentra
tecnologista da estrutura de Barras é que no- na inovação tecnológica, e “uma teoria de
vos produtos financeiros não são dados como inovação em serviços” deve incluir inovações
exemplos de inovação de produto em bancos. não tecnológicas de serviço. Além disso, sua
Os únicos exemplos dados (e-banking) são orientação tecnológica é, em si, limitada, visto
baseados em tecnologia. que se concentra exclusivamente em inovação
baseada em TIs. Mas os serviços em geral –
Privilegiar uma inovação tecnológica não é a especialmente os serviços públicos – podem e
única limitação dessa abordagem, e não apenas usam outros tipos de tecnologias; por exemplo,
quando se aplica a serviços públicos. Uchupa- sistemas físicos, químicos ou biotecnológicos
lanan (2000) estudou uma gama de inovações (culinária, refrigeração, transporte, manuseio de
de TIs nos bancos tailandeses, em profundidade, bens e hospedagem de ferramentas usadas nos
e concluiu que a inovação de TIC em serviços serviços públicos, tais como saúde e serviços,
pode seguir vários caminhos, com o padrão de incluindo-se medicamentos, equipamentos
ciclo reverso de produto sendo apenas um caso cirúrgicos e dentários, próteses e outros). Até
bem incomum. Isso é relevante para os serviços mesmo em termos de inovação baseada em TIs,
públicos, em que as inovações podem ser acio- há limitações. A abordagem de Barras descreve
nadas por muitos fatores. Por exemplo, muito da bem a experiência de organizações de serviços
difusão da prática do e-governo pelo mundo tem em determinado período histórico, do início da
mais a ver com criadores de políticas em busca adoção e do aprendizado do uso das novas TIs.
de imitar e até mesmo superar inovações de Vinte e cinco anos depois, gerações posterio-
serviço realizadas em outras partes do que com res de inovação em TIs podem colocar outros
administradores descobrindo novas coisas que padrões no cenário. Igualmente, enquanto as
tenham relação com seus sistemas de computa- organizações de serviço assimilaram com êxito
ção. A inovação tecnológica do serviço público novas TIs e seguiram para inovações de produtos
pode até ser questão de pressão dos usuários capacitadas pela tecnologia, seria esperado
– por exemplo, pacientes que usam a internet que estas continuassem em um curso de ciclo
em busca de informações sobre tratamentos e reverso de produto – ou chegar a organizações
depois pressionam seus médicos para avaliar e assemelhadas em outros setores, conforman-
fornecer esses tratamentos. Outro caso que pode do-se de maneira mais próxima à abordagem
ser familiar aos acadêmicos é a introdução de estabelecida de ciclo de produto.
software antiplágio, em resposta a estudantes
que “pegam emprestado” materiais de ensaios 2.4 Padrões setoriais da inovação tecnológica
de fontes na internet.
Há muito é evidente que os padrões de inovação
Muito do poder da abordagem do ciclo reverso variam através dos setores econômicos. Pavitt
de produto vem de sua confiança na distinção (1984) introduziu uma estrutura de classificação
de produto/processo. Isso é problemático com altamente influente, na qual ele situou vários
serviços, conforme menciona o Manual de Oslo. As setores em diversas categorias, em termos de
duas dimensões são frequentemente inseparáveis inovação tecnológica. Em sua formulação original,
porque o produto é definido como um ato – e todos os setores de serviço foram vistos como
pelo menos a parte administrativa do processo fazendo parte de uma categoria “orientada para

68
o fornecedor.”7 O tratamento de setores de negócios e na qual o processo inovador tende
serviço de Pavitt reflete a visão prevalente até a ser “dominado pelo usuário”.
1990; essa inovação pode ser identificada com
inovações tecnológicas, que fluem principalmente Enquanto o relato de Soete e Miozzo (1990)
de indústrias de manufatura. foi amplamente impressionista, alguns estudos
recentes usaram dados de pesquisa sobre ino-
Soete e Miozzo (1990) aceitaram o foco de vação para desenvolver e explorar sistemas de
Pavitt (1984) sobre inovação tecnológica. Mas classificação bem similares. Assim, um estudo
eles analisaram sua taxonomia de inovação, alemão de Hipp e Grupp (2005) fez a diferen-
demonstrando que – com uma pequena adap- ciação entre quatro padrões (o intensivo de
tação – as categorias de Pavitt poderiam ser conhecimento, o intensivo de rede, o intensivo
aplicadas para diferenciação em indústrias de de escala e o intensivo de inovação externa).
serviços. Isso implicou que, mesmo se muitos Esses são bem similares às categorias de Soete
setores de serviços ainda fossem orientados e Miozzo (1990) e Pavitt (1984), mas como
para o fornecedor, isso não ocorreria com to- trabalham com dados de nível de empresa,
dos. De fato, a gama de práticas inovadoras nos esses autores podem estabelecer outro ponto
negócios de serviços é tão ampla quanto a vista importante. Além de confirmar a diversidade
na manufatura. dos tipos de inovações entre serviços, seus
resultados alertam sobre identificar setores
Soete e Miozzo (1990) veem muitos setores de serviço com padrões de inovação de ser-
de serviços como sendo amplamente dominados viço. Certamente, os padrões e os setores da
pelo fornecedor, mencionando serviços pessoais indústria de serviços estão relacionados – por
(alimentos e bebidas, negócios de consertos, exemplo, o padrão intensivo de conhecimento
salões de beleza etc.), juntamente com o co- foi particularmente comum em Kibs técnicos,
mércio varejista. Em contraste, alguns serviços o padrão baseado em rede, nos bancos, e o
pertencem a setores intensivos de produção padrão dominado pelo fornecedor, em outros
e intensivos de escala, cujas tarefas adminis- serviços financeiros. Mas todos os setores
trativas em larga escala frequentemente são apresentaram vários padrões. Empresas que,
receptivas a alguma automação pela aplicação de maneira nominal, pertencem ao mesmo
da nova TIs setores de rede, e também são de setor podem, assim, ter padrões de inovações
larga escala. Alguns dependem de redes físicas bem diferentes, ponto este omitido em muitos
extensas – por exemplo, transporte e serviços estudos de inovação nos serviços.
de viagem, comércio atacadista e distribuição
–; outros necessitam de redes de informática, Como em praticamente todos os estudos
como é o caso de bancos, seguros, transmis- de pesquisas sobre inovação, o estudo de Hipp
são e telecomunicações. Tais serviços são e Grupp (2005) somente focalizou serviços do
importantes para conformar redes de TI e setor privado. Em sua análise mais impressionista,
desempenham um papel principal em definir e Soete e Miozzo (1990) consideraram serviços
especificar inovações, em vez de serem usuários públicos (educação, saúde e administração). A
passivos. Outra categoria é a de fornecedores visão deles foi que isso está na categoria domada
de tecnologia especializada e setores baseados pelo fornecedor, embora haja pouca evidência
em ciência, tais como softwares e serviços de reunida para apoiar esse relato. Certamente, todos
negócios especializados, cuja principal fonte de esses setores que consomem grandes volumes
tecnologia é a própria atividade inovadora dos de tecnologia de fontes externas aplicam TI

7. Notadamente, o trabalho empírico na qual sua estrutura foi construída deriva de banco de dados de inovações que
não buscaram cobrir setores de serviço.

69
extensamente, enquanto a saúde, em especial, usa ricos. Dessa forma, é implausível que os serviços
muitas inovações especializadas de manufatura públicos possam ser vistos prontamente como
(farmacêutica, equipamentos cirúrgicos e afins). simplesmente seguindo padrões orientados ao
Mas estes também são serviços com similaridade fornecedor ou de inovações externas. Ainda
considerável a grandes organizações de serviço é necessário avaliar se precisamos introduzir
de rede no setor privado. Há analogias óbvias novos padrões no sistema de classificação
entre cirurgias, hospitais, escolas, universidades, ou se podemos encaixar os serviços públicos
emprego e centros de previdência social e afins, mais ou menos adequadamente nas categorias
e as ramificações de bancos, supermercados e mencionadas anteriormente.
outras instituições, bem como entre as grandes
instalações de serviço administrativo na admi- De fato, pode não ser apenas que setores sejam
nistração pública e as do serviço financeiro. heterogêneos internamente. Diferentes padrões
Centros de computação do governo foram, de e trajetórias de inovação podem coexistir e in-
fato, usuários iniciais de computadores centrais teragir nas mesmas organizações – constata-se
e redes de dados. isso, por exemplo, em Gallou (2002a). Há muitos
exemplos da hibridização de logística e trajetórias
Há também dessemelhanças óbvias entre de processamento de materiais e de logística e
muitos desses grandes serviços públicos e seus trajetórias de processamento de informações
equivalentes no setor privado. Diferentemente em hospitais. O que se segue pode ser fornecido
de bancos e serviços de varejo, por exemplo, como exemplo de tecnologias médicas híbridas
os serviços de saúde e educação possuem (tecnologias que combinam TIs com tecnologias
forças de trabalho bastante intensivas em mais tradicionais de processamento de materiais):
conhecimento – pelo menos determinadas por diagnósticos com o auxílio da computação, su-
grandes cotas de alunos de graduação entre pervisão médica, equipamentos de diagnóstico
seus empregados. A administração pública automatizado e videocirurgia. Por exemplo,
aparece com uma cota geralmente ampla de podem haver padrões diferentes em trajetórias
trabalhadores em informação com educação tecnológicas de materiais ou processamento de
secundária, mas sem diplomas universitários.8 informações e aqueles mais ligados a serviços
Fica evidente que diferentes serviços públicos e trajetórias relacionais (não tecnológicas). Por
possuem bases de conhecimento distintas exemplo, uma inovação importante nos serviços
e se relacionam aos cidadãos de forma bem de saúde mental, no Reino Unido, foi a ampla
diferente – compare a polícia, as escolas, os introdução da terapia cognitivo-comportamen-
hospitais e os serviços de impostos, por exemplo. tal, ora em conjunto com medicamentos, ora
Espera-se, portanto, que os serviços públicos de forma independente. Essa terapia se refere
variem de um para outro – e com o tempo. Mas amplamente a usar novas abordagens que es-
muitos serviços públicos de nível nacional são timulam o cliente a analisar e reconsiderar seus
passíveis de ser similares a setores de escala e padrões de pensamento e aplicar estratégias
rede intensivos, em vários aspectos. Podemos cognitivas diferentes para enfrentar os proble-
também esperar que alguns serviços tenham mas em suas vidas. Pode ser vista como prover
muito em comum com o padrão intensivo de a equipe de serviço de saúde com novas rotinas
conhecimento, como vemos os departamentos e instruções que possam usar para estimular
de P&D e programas, laboratórios e esforços de novas rotinas em seus clientes. Os efeitos são
serviço de projeto, em muitos setores do serviço avaliados como comparáveis ou superiores aos
público – pelo menos, em países maiores e mais antidepressivos. Além disso, os procedimentos

8. Miles (2008) inclui dados em credenciais educacionais como parte de uma série de contrastes estatísticos nos
setores de serviços.

70
estão sendo usados em escolas e serviços de lho e redução da necessidade de habilidades
emprego, assim como nos serviços de saúde profissionais – e padronizando seus produtos
(Platts e Williamson, 2000; Winspear e Robert- para obter economias de escala. Isso teve eco
son, 2005). A terapia cognitiva comportamental nos estudos de Barras (1990), nos quais ele
(CBT) é frequentemente usada em conjunto com mencionou que a nova TIC estava promovendo
medicamentos, ou entregue através de mídia uma revolução industrial nos setores de serviço
de TI. Esse é apenas um exemplo. A ideia é que – porém, Levitt (1976), falando de tecnologias
várias trajetórias tecnológicas e não tecnológicas “duras”, “suaves” e “híbridas”, via uma gama mais
podem coexistir separadamente ou de forma ampla de reorganização tecnológica e procedi-
híbrida, em organizações privadas ou de serviço mentos em serviços, incluindo-se a organização
público (Djellal e Gallouj, 2005; 2008). de produtos-padrão nas indústrias de fast food
e varejo, por exemplo. Por sua vez, análises de
2.5 Perspectiva assimilacionista e formas de industrialização flexíveis, pós-fordia-
industrialização (ou racionalização nas, ainda estavam nascendo na época, e agora
industrial) dos serviços apontaríamos para a “customização em massa”
e a “especialização flexível” em atividades, tais
A perspectiva assimilacionista pode ser inter- como fast food – na qual uma enorme varieda-
pretada como uma tentativa de ver os serviços de de produtos alimentícios pode ser reunida
como muito pouco diferentes dos bens, e, assim, de um conjunto de componentes modulares
é fácil de ser tratada nas estruturas e métricas padrão (Gadrey, 1996; Jiao, Ma e Tseng, 2003;
de estudos de inovação estabelecidas. Esse Sundbo, 2002).
esforço intelectual encontra paralelo na gestão
industrial (serviço). Tal gestão se concentra em Desse ponto de vista, a perspectiva assimila-
tornar os produtos de serviço mais como produtos cionista não está somente presente na literatura,
“normais” – frequentemente, apenas chamados mas também está sendo aplicada em muitas
de “produtos; por isso, ouvimos a “produtização organizações de serviços, inclusive nos serviços
de serviços”. Isso significa padronização de ser- públicos. A hipótese é que o trabalho é feito de
viços, e, essencialmente, o mesmo produto de forma melhor no contexto de burocracias for-
serviço pode ser duplicado muitas vezes com temente hierárquicas e segmentadas, regidas
variações mínimas. Os produtos tornam-se menos por regras que não são desconhecidas pelos
indistintos; a interação entre o fornecedor de serviços públicos. Essa forma de racionalização,
serviço e o cliente – ou seja, a relação de servi- que reduz a diversidade – e a inovação ad hoc
ço – reduz-se ao nível mínimo (Levitt, 1976). No e customizada –, é considerada como fonte de
entanto, devemos notar que, nas novas visões eficiência – por isso, vemos cirurgiões sendo
de produtização – por exemplo, em Valminen estimulados a se especializarem em realizar uma
(2011) e Valminen e Toivonen (2011) –, con- operação específica, com elevada divisão de mão
quanto a finalidade ainda seja tornar o serviço de obra. Mas também pode ser defendida como
menos indistinto, em vez de a interação entre base para melhor equidade, já que implica que
cliente e fornecedor de serviço ser minimizada, serviços públicos idênticos estão sendo fornecidos
esta é estimulada, principalmente graças às TIs. para todos, por toda parte, em uma sociedade.

Uma das primeiras discussões que tem con- Devemos notar também que o modelo de
tribuído para a literatura de inovação de serviço industrialização de serviços públicos está bem
foi criada por Levitt (1976), que argumentou mais alinhado com o surgimento do pensamento
que as organizações de serviços estavam se de new public management nas décadas recen-
expandindo em escala ao adotar processos tes, que argumentou que os serviços públicos
industriais – tais como alta divisão de traba- provavelmente inovariam mais e se tornariam

71
eficientes se adotassem estruturas organizacio- de especificações funcionais e técnicas etc. Em
nais como as que são prevalentes nos serviços alguns casos, pode haver reversão completa
privados – incluindo-se mais uso de marketing da relação de poder, o que gera trajetórias de
interno, terceirização de serviços, pressões inovação que não são mais “dominadas pelo
competitivas, índices de medição de alvos e fornecedor”, mas “dominadas pelo consumidor
desempenho etc. Ao mesmo tempo, surgiu a ou usuário” (seção 4). Devemos notar que esse
crítica a essa abordagem como deixando de relato se aplica aos serviços públicos gerais.
levar em conta questões essenciais do design Há também atividades especializadas de ser-
e da qualidade dos serviços – para uma crítica viço público que realizam P&D e podem muito
abrangente, consulte-se Seddon (2008). A bem criar descobertas científicas e inovações
preocupação é que os serviços industrializados tecnológicas (laboratórios de pesquisa, grupos
possam arriscar perder muito da relação de de pesquisa em universidades, laboratórios de
serviço que pode impactar o crescimento e o serviço de saúde etc.). Essas atividades são
desenvolvimento por parte do cliente do serviço; fundamentalmente autônomas, e alguns aspec-
preocupação essa que será familiar a muitos na tos de modelos de inovação industrial podem
educação superior. ser aplicados a estas – e, com a privatização
de muitos laboratórios do governo em vários
2.6 Um afrouxamento parcial na perspectiva países (OECD, 2011), isso pode ser efetuado
assimilacionista? Autonomização não apenas em análise acadêmica, mas também
e endogenização na prática.

A perspectiva assimilacionista tem se afrouxado O segundo afrouxamento da perspectiva assimi-


de várias formas, principalmente em pesquisas lacionista podemos chamar de endogenização da
mais recentes. Esse afrouxamento tem duas inovação de TI, que, discutivelmente, tem o maior
formas principais, cada uma das quais implica efeito nas indústrias de serviços em geral e nos
mudança de perspectiva que está longe de serviços públicos em particular. A introdução da
ver os setores de serviços como indústrias li- TI em todos os níveis de organizações de serviço
deradas por fornecedores de baixa tecnologia, (de administração e escritório principal) ajuda a
mantendo a visão de que estes podem ser fun- mudar a natureza do produto. Serviços e inova-
damentalmente bem descritos pelo paradigma ções em serviços aparecem cada vez mais como
da inovação industrial. categorias híbridas, que combinam TI tangível e
intangível e engenharia organizacional – ou seja,
Podemos rotular o primeiro afrouxamento design e formas de desenvolvimento organiza-
como autonomização, na medida em que essas cional (Djellal et al., 2003). A endogenização
organizações de serviços são menos prováveis da TI leva a novas formas de interatividade e
de serem vistas como subordinadas à inovação novos espaços (proximidade virtual nacional ou
industrial. Algumas organizações de serviços – internacional etc.).
tanto serviços públicos quanto privados – não
são mais vistas como engessadas na adoção A perspectiva assimilacionista permite diver-
passiva de tecnologias produzidas em outros sidade entre os serviços e pode perceber as ten-
locais. Em certos casos, essas organizações dências na inovação de serviços que demonstram
podem produzir algumas dessas técnicas; porém, não apenas a industrialização, mas também, pelo
mais importante, elas podem, algumas vezes, menos, a inovação parcial da autonomização e
reverter a relação de poder, exercendo uma endogenização da TI nas indústrias de serviço.
influência decisiva nos fornecedores industriais Porém, outros autores enfatizam a distinção entre
de equipamentos e, eficientemente, indicando as os serviços e o que chamamos de perspectiva
trajetórias tecnológicas – através da imposição de diferenciação, que ainda está ativa – suas

72
implicações nos serviços públicos serão avaliadas 3.1 As especificidades dos serviços e seu
na próxima seção. impacto na inovação
3 DIFERENCIAÇÃO: AS ESPECIFICIDADES Numerosas características devem supostamente
DA INOVAÇÃO EM SERVIÇOS diferenciar atividades de serviço e produtos
daquelas vistas como descrevendo manufatura
A segunda perspectiva analítica tem vários ró- e bens – Miles (1993) expôs uma lista extensa
tulos na literatura: perspectiva direcionada ao destas, mesmo assim deixou de usar o novo termo
serviço ou diferenciação (Gallouj e Weinstein, popular na atualidade de coprodução. Intangibili-
1997), perspectiva de demarcação (Coombs e dade e interatividade são as duas características
Miles, 2000) ou perspectiva de distinção (Salter técnicas intrínsecas geralmente designadas a
e Tether, 2006). Apesar da diversidade de rótulos, produtos de serviço como as diferenciando de
os autores compartilham ideias similares sobre bens. Estas fornecem uma heurística útil para
essa perspectiva. É vista como concentrada nas analisar de forma dedutiva os impactos das
especificidades da inovação de serviço (sua natu- características das especificidades de serviço
reza, sua organização, seus determinantes e seus na inovação.
regimes de propriedade), em que a ideia é que há
formas de inovações que são negligenciadas e até A intangibilidade dos serviços foi notada por
mesmo escondidas, e que podem ser identificadas Adam Smith em A Riqueza das Nações (Smith,
através de foco nas atividades de serviço. Muito 1776). Muitos serviços não podem ser armazena-
deste trabalho assume a forma de explicação das dos, por isso são consumidos no momento e no
especificidades dos serviços e de levar em conta local de produção (coterminalidade e colocação).
suas consequências para a inovação e a medição O produto-serviço não é um artefato tangível,
da inovação. Outros estudos são mais indutivos, mas uma mudança de estado (Hill, 1977; Ga-
representando esforços para avaliar casos reais drey, 1992). Essas características geralmente
de inovação de serviços. Devemos notar que a empanam a distinção tradicional entre as inova-
literatura sobre ciência política, que frequen- ções de produto, de processo e organizacional.
temente é negligenciada pela economia e pela Também chamam nossa atenção as formas de
ciência da administração, tem contribuído para inovações de produtos intangíveis que não estão
essa perspectiva de diferenciação, tratando tanto embutidos em componentes técnicos. A maioria
da natureza da inovação quanto de seus modos das “inovações ad hoc” (Gadrey e Gallouj, 1998;
de organização e implantação. Apenas algumas Gallouj e Weinstein, 1997), que vai bem além da
dessas referências estão em Moore (1995), Be- customização, toma essa forma. Igualmente, a
nington e Moore (2011), Osborne (2010), Hartley intangibilidade pode ser vista como algo a ser
(2005) e Sørensen e Torfing (2012). Além das superado pelo fornecedor de serviço, levando as
tipologias baseadas empiricamente, a perspectiva “inovações de formalização” destinadas a tornar
de demarcação também fornece mais contribui- o produto mais produtivo, mais comprovável e
ções conceituais, que podem ser chamadas de mais transportable. Dessa forma, acrescentam-se
“teorias locais” de inovação em serviços (Gallouj, elementos tangíveis ao serviço – tais como car-
2002a), na medida em que seu objetivo é identi- tões de fidelidade e novas plataformas de mídia.
ficar comportamentos inovadores específicos de Também é difícil proteger inovações intangíveis
setor, sem pretender generalizá-los ao conjunto usando mecanismos de direito de propriedade
total de atividades de serviço. Essas teorias locais, intelectual (IPR – em inglês, intellectual property
que não vamos discutir aqui, são desenvolvidas, rights), como patentes, e pelo menos alguns
por exemplo, no campo do varejo – por exemplo, tipos de inovações de serviço são facilmente
a “teoria da sanfona “(Hollander, 1966) e a “teoria copiados. Finalmente, a intangibilidade pode
da roda do varejo” (McNair, 1958). dificultar a avaliação do impacto econômico da

73
inovação, porque é difícil avaliar o impacto de A segunda característica (interatividade) sig-
resultado difuso, cujas fronteiras nem sempre nifica que o consumidor, o cliente ou o usuário
são bem definidas. estão envolvidos, de uma forma ou de outra, na
produção do serviço. Isso provavelmente afeta
Um desenvolvimento que ajuda na literatura a inovação nos serviços. Assim, a coprodução,
de pesquisa de serviços, em anos recentes, tem como é agora amplamente conhecida, promove
sido a ênfase na diferença entre o serviço admi- formas de inovação customizada e ad hoc. Implica
nistrativo e o corpo de executivos. O corpo de mais uma organização interativa da inovação do
executivos – ou estágio de frente, no trabalho que uma organização linear. Isso cria questões
de Glushko e Tabas (2009) – é o ponto em que de propriedade do produto de trabalho coletivo
os trabalhadores de serviços e clientes intera- e pode ocasionar problemas para a capacidade
gem e coproduzem o serviço. É o ponto em que de reprodução de inovações – ou até mesmo o
o processo de serviço e o produto são, muitas acúmulo de conhecimento gerado no curso do
vezes, difíceis de desembaraçar. O back office/ processo de inovação.
back-stage é menos visível para o usuário, como
está implícito na terminologia teatral. É onde os Essas duas características – e, consequen-
vestidos são vestidos, os atores estão prepara- temente, a discussão de possíveis impactos na
dos. Mas há um back-stage muito mais extenso, inovação – se aplicam aos serviços públicos, assim
incluindo-se, por exemplo, o estúdio de ensaio, como aos privados. De fato, o próprio Adam Smith
o roteiro e o trabalho de design de palco. Os mencionou servidores do Estado como exemplos
processos envolvidos aqui não são geralmente de sua análise das especificidades dos serviços.
coterminais e colocados com o desempenho e seu No entanto, os serviços públicos também são
consumo. Igualmente, nos serviços públicos, os “públicos”, o que pode levar a características
professores preparam suas lições e seu material específicas que têm impactos na inovação. Uma
de apresentação; o pessoal de laboratório, nos “diferenciação dupla” pode ser empregada – além
hospitais, realiza exames médicos e os médicos da diferenciação dos serviços vis-à-vis com a
discutem opções de tratamento; e assistentes inovação industrial, os serviços públicos são di-
sociais fazem reuniões sobre casos e coisas do ferenciados vis-à-vis a inovação de serviços de
gênero. Além disso, há o serviço administrativo, mercado. Três características são frequentemente
no qual processos bastante universais de gestão citadas nesse contexto, todas estas tendo sido
de equipe e folha de pagamento, organização de mencionadas antes.
cadeias de suprimento e cronograma de atividades
de serviço, mantendo registros de clientes etc., Em primeiro lugar, estudos de inovação têm
são gerenciados. Glushko e Tabas (2009) discu- visto a inovação basicamente como estimulada
tem como a nova TI pode ser usada para criar pela competição entre empresas: Por que os
novos elos entre clientes e atividades que eram serviços públicos devem inovar sem esse es-
costumeiramente da administração – um exemplo tímulo? Descobertas científicas podem surgir
sendo a capacidade de rastrear o progresso de da pesquisa no setor público, mas é preciso
pacotes sendo manuseados através de sistema de a iniciativa empresarial para transformar as
transporte de fretes. Os serviços públicos podem, descobertas e as invenções em inovações que
similarmente, fornecer a seus clientes inteligência enfrentem o mercado. A nova gestão pública é,
aprimorada sobre a situação de seu caso nos sis- em parte, justificada como aporte de concorrên-
temas administrativos, e outras inovações podem cia e quasi-mercados para os serviços públicos
criar uma interação aprimorada entre clientes e e os arranjos de terceirização, e as PPPs de
elementos do serviço público, os quais estavam vários tipos são vistas como aportando rigor
previamente invisíveis e inacessíveis. de negócios à produção e à entrega de serviço.

74
Evidências sobre a relação entre inovação inovações de grandes serviços públicos não são
dos serviços públicos e privados são mistas efetivamente difundidas nessas organizações
(Halvorsen et al., 2005), com pelo menos um (Greenhalgh et al., 2005).
estudo encontrando taxas mais altas de ado-
ção de inovações-chave em serviços de saúde Em segundo lugar, está o sistema político, e
pública e educação do que em comparadores não os interessados, que mantém controle dos
privados (Earl, 2002). Mas o conhecimento serviços públicos. Assim, os problemas inerentes
recebido é que a natureza não comercial e não de relações de agências são particularmente
competitiva dos serviços públicos dificulta sua mais graves nos serviços públicos que nos
inovação. Organizações burocráticas e seus ser- serviços de mercado (Dixit, 2002): as oportu-
vidores civis são considerados como não tendo nidades para controle – pelos donos finais, que
incentivos para inovar, porque estes funcionam são cidadãos – e os incentivos para melhoria do
em ambientes protegidos ou monopolizadores. desempenho e inovar são consideravelmente
De fato, as organizações públicas são consi- reduzidos. Muita mudança nos serviços públicos
deradas como tendo grande aversão ao risco resulta de reorganizações impostas por motivos
e como sendo relutantes a experimentar ou se ideológicos ou por reações apressadas ao ímpeto
arriscar a falhar – mesmo que o aprender não da mídia, embora não devamos ignorar a exis-
seja obtido com alguma falha. A preocupação tência de esforços baseados em evidências para
com a eficiência nos serviços públicos é fonte aprender de outros sistemas políticos de outros
de inovação com alvo em obter racionalização, locais – por exemplo, a difusão de sistemas de
mas, conforme notado em alguns estudos (Potts, ouvidoria, conforme Newmark (2002). Assim
2009; Koch et al., 2005), também é uma barreira como as novas políticas dos mestres políticos,
a outras formas de inovação. não é desconhecido que inovações de cima para
baixo sejam impostas pela direção – sem um
Algumas visões críticas dos gerentes do processo completo de testagem com a equipe
setor público os veem como tendo objetivos de serviços e os usuários finais. Um exemplo
que nada fazem para estimular a eficiência e a recente é a incapacidade de realizar grandes
inovação. Por exemplo, a principal preocupação componentes da maior iniciativa de TI do mundo,
pode ser a extensão do alcance de seus poderes, o sistema de TI do Sistema Nacional de Saúde
aumentando o número de pessoas a seu cargo, (NHS), após grandes gastos e anos de queixas
aumentando seus orçamentos e capacidade de de falha extensiva em avaliar os requisitos dos
gastos e focalizando os (novos) resultados mais usuários e ouvir corretamente as visualizações
visíveis e mais espetaculares à custa de mais dos usuários.
úteis, mas menos visíveis (Lindsay, 1976). Tais
casos não podem ser negados, mas deve-se Em terceiro lugar, os princípios dos serviços
notar que, em contraste, muitos trabalhadores públicos (igualdade, justiça e continuidade) são
profissionais entrarão no serviço público para passíveis de afetar a inovação. Os gerentes de
ajudar a enfrentar os problemas sociais em vez serviços públicos são obrigados a aderir a proce-
de garantir empregos de prestígio e pensões dimentos rígidos, que salvaguardam os princípios
confortáveis. Eles são susceptíveis de serem de igualdade entre cidadãos – em termos de
motivados a usar seus conhecimentos para localização de infraestrutura, recrutamento etc.
encontrar melhores maneiras de fazer as coi- –, e com frequência têm liberdade limitada para
sas. As burocracias podem limitar seu alcance substituir recursos (Knox Lovell, 2002) e recursos
para a inovação. Igualmente provável, muitas limitados para gastar na construção ou aquisição
inovações de grandes serviços públicos não de equipamentos. Relativamente à natureza do
são efetivamente difundidas nessas organiza- produto, conforme revela Fox (1999), os gerentes
ções. Provavelmente, de igual modo, muitas de serviços públicos não têm controle sobre o

75
conjunto de serviços ofertados, ao contrário das prováveis de aparecer. Estes se concentra-
contrapartes do setor privado. Eles possuem ram, por exemplo, sobre Kibs e em banco e
liberdade limitada para influenciar a natureza do seguros – que também foram setores em que
produto: por exemplo, não podem, por iniciativa o entendimento precoce da nova TI foi apa-
própria, parar de fornecer um serviço ou oferecer rente. Além disso, devido à natureza de sua
outro diferente. atividade (processamento de conhecimento),
os Kibs – principalmente consultoria – podem
Os princípios dos serviços públicos também ser especialmente sensíveis à questão da ino-
podem estimular a inovação. São capazes de vação, quer porque estes inovem, quer porque
levar a formas de inovação específicas, não tragam inovação por seus clientes (Miles et
técnicas e que não são de mercado, envolvendo al., 1994). Den Hertog (2000), por exemplo,
questões domésticas, sociais e cívicas – ou seja, discute como os Kibs inovam e frequentemente
que valorizam relações interpessoais. Assim, compartilham inovações com seus clientes,
o aumento da inovação social nos – ou com a embora a fusão do conhecimento desses
participação dos – serviços públicos é conse- clientes com suas bases de conhecimento
quência importante dessa terceira característica, próprio seja mais geral – tecnológicos ou
que reflete os princípios dos serviços públicos: não. Gadrey e Gallouj (1998) sugeriram que
igualdade, justiça e continuidade. as consultorias que examinaram usavam três
formas de inovação: inovação ad hoc (soluções
Dessa forma, há boas razões para esperar originais para problemas conjuntamente de-
que a “diferenciação dupla” dos serviços públi- senvolvidos com o cliente); inovação de novo
cos afetará, em maior ou menor extensão, suas campo de conhecimento (fornecimento de
inovações. A forma como isso acontece pode aconselhamento em um campo emergente de
variar através dos tipos de serviços, com o tempo conhecimento); e inovação de formalização
e com os países. Explorar essa questão é um tema (implantação de métodos para definir melhor
importante para a pesquisa comparativa. o serviço). Uma coleção recente discutindo
essas questões está em di Maria, Grandinetti
3.2 Pesquisa empírica e classificação de e Di Bernardo (2012).
formas específicas de inovação
Subsequentemente, há uma mudança setorial
Embora tenham havido esforços, como discutido do foco analítico para especificidades de inova-
anteriormente, para derivar as especificidades ções em serviços geralmente considerados mais
da inovação de serviços a partir das especifici- operacionais ou menos intensos em termos de
dades das atividades de serviço e dos próprios conhecimento. Os exemplos incluem hospitali-
produtos, muita atividade empírica é basicamente dade, transporte, serviços de limpeza, cuidado a
indutiva. Presumindo-se que haja característi- idosos etc. – setores frequentemente estudados
cas distintivas, há o trabalho de explorar casos da perspectiva da qualidade de gestão de servi-
de inovação de serviço com uma mente mais ços, porém menos vistos em termos de inovação.
ou menos aberta sobre como estes serão. As
inovações tecnológicas não são os únicos tipos Muitas tipologias ad hoc foram desenvolvi-
de inovação considerados. das em estudos de várias atividades, mas uma
característica importante é que esses estudos
Os primeiros estudos examinaram atividades chamaram repetidamente atenção para formas
que resultaram em serviços altamente intan- não tecnológicas de inovação. Os três tipos de
gíveis e interativos, que são, presumivelmente, inovação de Gadrey e Gallouj (1998) são um
aqueles em que as especificidades são mais exemplo característico.

76
Pesquisas empíricas similares, desde uma –, de inovações conceituais – envolvendo novos
perspectiva de demarcação, com foco em pos- conceitos, quadros de referência ou até mesmo
síveis especificidades de inovação em serviços, novos paradigmas; a nova gestão pública ou
também foram realizadas em serviços públicos, a noção de governança podem ser exemplos
especialmente em estudos recentes (Mulgan e disso – e de inovações institucionais – em que
Albury, 2003; Hartley, 2005; Koch et al., 2005; há transformações fundamentais nas relações
Windrum e Koch, 2008; Becheikh et al., 2009; institucionais entre organizações, instituições
Fuglsang, 2010; Miles, 2012). Entre as tipologias e outros atores no setor público; por exemplo,
de inovação recentes nos serviços públicos, a introdução de elementos de democracia
vemos – juntamente com categorias tradicionais direta, através de referendos em uma demo-
de produto/serviço, processo, inovações tec- cracia representativa. Os vários autores usam
nológicas e organizacionais e algumas formas terminologias diferentes e fazem distinções que
específicas de inovação. Halvorsen et al. (2005) diferem em detalhe, mas tudo isso aponta para
também distinguem inovações administrativas. uma gama de atividades inovadoras que podem
Por exemplo, o uso de um novo instrumento de ocorrer em vários níveis em uma estrutura de
política, que pode ser resultado de alteração de serviço público. Um aspecto disso é o papel
política; inovações de sistema (um novo sistema importante de estruturas mais gerais de política
ou uma mudança fundamental de um sistema e governança, além da organização do próprio
existente, como é o caso do estabelecimento serviço público individual.
de novas organizações ou novos padrões de
cooperação e interação); inovações conceituais 3.3 Indicadores e pesquisas
(uma mudança na perspectiva dos atores: tais
alterações são acompanhadas pelo uso de Grande parte da pesquisa empírica que enfatiza
novos conceitos; por exemplo, gestão hídrica a demarcação é qualitativa – em parte porque
integrada ou arrendamento de mobilidade); ou os pesquisadores procuram estar abertos a no-
até mesmo alterações radicais da racionalidade vos conhecimentos sobre os tipos de inovação
– que significa que a visão de mundo ou a matriz e suspeitaram que os principais instrumentos
mental dos empregados de uma organização para pesquisar a inovação no nível da empresa
está mudando. Hartley (2005) menciona ino- sejam inadequados. Como vimos anteriormente,
vações que envolvem posição – envolvendo o Manual de Oslo, em sua última versão (OECD,
novos contextos, clientes ou parceiros em 2005), inclui agora inovações de marketing e
serviços; estratégia – com novos objetivos, organizacionais, além de inovações de produto
finalidades ou valores, tais como os envolvidos e processo. As CIS abriram-se para mais indús-
em políticas de comunidade; governança – por trias de serviço e certas formas de inovação não
exemplo, novas instituições democráticas e tecnológicas, mas ainda há progresso a ser feito,
formas de participação; e retórica – em que especialmente nas áreas de inovação de produtos
uma nova linguagem, novos conceitos e novas não tecnológicos; inovação de processos não
definições são aplicadas, como em taxas de tecnológicos; inovação ad hoc e customizadas;
congestionamento e impostos de carbono. inovação em “pacotes” complexos de bens
Bekkers, van Duivenboden e Thaens (2006) e serviços, também conhecidos como novos
distinguem inovações organizacionais que se conceitos ou novas fórmulas – por exemplo,
concentram na criação de novas formas organi- atacado, hospitalidade etc.; inovação social; e
zacionais, ou na introdução de novos métodos inovação do usuário pelos consumidores – ou
e técnicas de gestão e novos métodos de tra- seja, inovações introduzidas pelos consumidores
balho – como é o caso de centros de serviço que desenvolvem ou modificam bens e serviços
compartilhado ou novos sistemas de qualidade para seu próprio uso (Gault, 2012; subseção 2.1).

77
As CIS e a maioria das pesquisas sobre ino- • dois terços dos serviços públicos pesqui-
vação concentraram-se basicamente no setor sados introduziram um serviço novo ou
privado e, dessa forma, onde os serviços são significativamente melhorado durante os
cobertos, ou seja, nos serviços vendidos. Assim três anos cobertos pela pesquisa;
como foram feitos esforços para criar indicadores
de inovação customizados aos serviços e que • a semelhança de aumentos de inovação
levassem em conta a inovação não tecnológi- com o tamanho da instituição;
ca, esforços similares estão sendo feitos para
cobrir os serviços públicos. Isso cria problemas • o principal impulsionador de inovação é
de como identificar a entidade adequada para a introdução de novas leis e regulamen-
análise – que nível de governo ou de organi- tações, seguida por novas prioridades de
zação de serviço público, por exemplo – e de políticas e iniciativas de e-governo; e
lidar com grandes diferenças entre países com
relação à organização de serviços públicos e • o principal modo de inovação é de cima
suas fronteiras. para baixo, e não de baixo para cima –
embora suspeitemos que esse resultado,
Indicadores desenvolvidos por subsetores de em parte, seja função da localização dos
serviços públicos, tais como o setor de saúde entrevistados nas organizações em pauta
(Djellal e Gallouj, 2005; Windrum e Koch, 2008), (European Commission, 2011).
podem ser distinguidos de indicadores mais
amplos, desenvolvidos para todos os serviços 3.4 A perspectiva de diferenciação e
públicos. Uma das primeiras – e ainda raras racionalização profissional
– iniciativas nacionais para medir a inovação
nos serviços públicos é o índice de inovação do Enquanto a perspectiva de assimilação está
governo coreano, introduzido em 2005 (Apec associada à industrialização dos serviços (sub-
e South Korea, 2005). Mais recentemente, na seção 2.5), a perspectiva de diferenciação pode
Europa, as recomendações de Clark, Good e estar associada a outra forma de racionalização
Simmonds (2008) foram implantadas em 2011 direcionada para a inovação. Isso é o que Gadrey
(Hughes, Moore e Kataria, 2011), como parte (1996) descreve como racionalização profissio-
da pesquisa-piloto realizada na Grã-Bretanha nal ou cognitiva, como oposta à racionalização
em dois subsetores: o NHS e o governo local. industrial. Essa racionalização cognitiva – que
O projeto de pesquisa Medição de Inovação é usada, por exemplo, em muitas empresas de
no Setor Público nos Países Nórdicos (Mepin), consultoria – pode ser dividida em três estratégias:
criado pela Comissão Europeia, também lançou tipificação dos casos, formalização de procedi-
uma pesquisa-piloto sobre inovação nos serviços mentos de solução de problemas (métodos) e
públicos em vários países do norte da Europa. uso de rotinas individuais ou organizacionais.
Criou-se muita informação sobre a medição e
as questões conceituais na inovação no serviço Também nos serviços públicos vemos essa
público (Bugge, Mortensen e Bloch, 2011). Em tensão entre a racionalização industrial e a
2010, a Comissão Europeia anunciou sua inten- profissional. Na racionalização profissional, o
ção de formar o Placar de Inovação do Setor princípio dominante é que a política deve esta-
Público Europeu. Para preparar-se para isso, o belecer diretrizes amplas, e não impor caminhos
Innobarometro 2010 (European Commission, particulares ou métodos de trabalho. Isso deve
2011) dedicou-se a inovações no setor público. ser deixado a critério dos atores públicos – de
Sua pesquisa de mais de 4 mil organizações do todos os níveis: não apenas gerentes, mas tam-
serviço público por toda a Europa confirmou a bém os agentes básicos –, que devem ter mais
existência de significativa atividade de inovação: flexibilidade e liberdade de interpretação e ação

78
no nível local. A perspectiva de diferenciação conforme medida pelo Resumo de Índice de
reflete mudança da provisão de serviço de mas- Inovação (European Commission, 2008). Uma
sa – dominante faz tempo – para a provisão de forma diferente de dinâmica pode ocorrer onde as
serviço mais personalizado. indústrias de manufatura são veículos importantes
para a distribuição de produtos manufaturados e
4 INVERSÃO: O PAPEL DOS SERVIÇOS EM outros produtos. Por exemplo, grandes empresas
SUAS INOVAÇÕES DE CLIENTES de varejo têm poder suficiente para ditar aos
fornecedores de alimentos quais ingredientes
A literatura sobre inovação nos serviços introduziu devem ser usados; para os produtores agrícolas,
recentemente uma nova perspectiva para des- que tipo de padrões de ambiente devem ser
crever a inovação nos serviços. Essa perspectiva, seguidos, e assim por diante.
que Gallouj (2010) chamou de “perspectiva de
inversão”, rompe com a ideia de serviços domi- Os Kibs estão entre os serviços mais inova-
nados pela indústria de manufatura em termos dores e podem também auxiliar nos processos
de inovação, e vai além do que apenas ver a de inovação de seus clientes. São máquinas de
inovação de serviço como distintiva e demarcada processamento de informações e conhecimentos
das indústrias de manufatura. Vê as indústrias que não apenas criam informações e conheci-
de serviços como liderando potencialmente os mento na forma de soluções tecnológicas, mas
processos de inovação e moldando as ativida- também soluções organizacionais, estratégicas
des inovativas realizadas em outros setores. Na legais, fiscais e outras. Estas constituem fonte
verdade, os serviços podem inclinar o equilíbrio externa de conhecimento e inovação para seus
de poder e estar em posição em que dominam clientes (Miles et al., 1994; Djellal, 1995; Bessant
a indústria. e Rush, 1995; Muller e Zenker, 2001; Czarnitzki e
Spielkamp, 2003; Toivonen, 2004; 2007; Wood,
Devemos notar que a perspectiva de inversão 2005; di Maria, Grandinetti e Di Bernardo, 2012).
introduz um rompimento em nossa estrutura Esse desenvolvimento importante na economia
analítica de assimilação-diferenciação-integra- de serviços foi descrito por den Hertog (2000),
ção. Enfatiza bem mais a mudança no equilíbrio bem como por Bilderbeek e den Hertog (1997),
do poder (o poder de reequilibrar em termos de como constituindo uma nova infraestrutura de
conhecimento e inovação) entre a manufatura conhecimento que complementa – e compete
e os serviços do que diferenças em termos da com – a infraestrutura tradicional, que é formada
natureza da inovação. Esse é o motivo pelo qual principalmente por instituições de educação pú-
a perspectiva da inversão está localizada no blica e pesquisa. Também pode ser interpretada
meio da figura 1. como uma nova área de expressão do conceito
schumpeteriano de empreendedorismo. É co-
Essa perspectiva da inversão descreve as nhecido como o modelo Schumpeter Mark III, ou
atividades de inovação de certos Kibs – prin- modelo de inovação assistido por consultoria, ou,
cipalmente P&D, engenharia e consultoria de forma mais geral, como o modelo de inovação
– que não apenas inovam por si, mas também interacional (Gallouj, 2002b), que pode comple-
representam papel extremamente importante mentar os modelos conhecidos de Schumpeter
no desempenho de seus clientes industriais e Mark I (o empresário individual) e Schumpeter
de serviços na inovação. Essa inversão pode Mark II (empresariado endogenizado e inovação).
acontecer tanto no nível microeconômico quanto
no macroeconômico. Existe, portanto, para os Os atores, no modelo Schumpeter Mark III,
países da União Europeia (UE), uma correlação não estão confinados a serviços privados. Em
positiva entre a porcentagem de Kibs no emprego alguns casos, os serviços públicos também se
total e o desempenho em termos de inovação, encaixam nesse modelo, em graus variáveis. O

79
papel de serviços públicos na inovação de outros papel pode ser visto como mais ou menos
atores econômicos pode ser visto de quatro ativo ou passivo. Os serviços públicos,
perspectivas, descritas a seguir. como outros negócios, precisam de com-
putadores, transporte etc., que compram
1) Políticas de serviços públicos que apoiam de fornecedores industriais, e, nesse caso,
inovações em outras atividades econômi- são consumidores “passivos”. Esse tipo de
cas. Serviços públicos que suportam ativi- inovação entra na perspectiva assimila-
dades econômicas, assim como serviços cionista mencionada anteriormente. Mas
públicos em pesquisa e educação, sempre o consumo e a demanda também podem
participaram dessa perspectiva de inver- ser usados para guiar trajetórias tecno-
são: por exemplo, agências de pesquisa lógicas. Esse é o caso, por exemplo, das
pública podem decidir que linhas de P&D compras públicas. Atualmente, há interes-
devem financiar; agências públicas de se considerável em usar a compra públi-
transferência de tecnologia podem apoiar ca de forma mais geral para estimular a
o entendimento de determinados siste- inovação – por exemplo, Aschhoff e Sofka
mas e padrões. Essas políticas são bem co- (2009), Edler e Georghiou (2007) e Stern
nhecidas e amplamente documentadas. et al. (2011). Assim, a pesquisa Innoba-
Basta mencionar aqui uma questão re- rometro 2010 (European Commission,
cente e importante para as políticas de 2011; subseção 3.3) indica que mais da
serviços públicos que apoiam inovação metade das organizações de serviço pú-
em serviços privados. A pergunta é feita blico consideram que a “aquisição” contri-
em termos de três das perspectivas ana- buiu para soluções de serviço inovadoras.
líticas propostas para inovação em servi- Isso também se aplica a situações em que
ços, ou seja: assimilação, demarcação e os serviços públicos agem como “usuários
integração (European Commission, 2003; principais” (Dalpe et al., 1992).
Dialogic Innovatie & Interactie, 2006; Ru-
balcaba, 2006). Enquanto muitas políticas 3) Os serviços públicos também podem for-
de inovação de serviço vêm de perspecti- necer passivamente mais ou menos in-
va assimilacionista e simplesmente esten- formações aos setores privados. Este é o
dem políticas industriais – principalmente caso, por exemplo, das agências públicas
científicas e técnicas – aos serviços, há especializadas na disseminação de infor-
exemplos de políticas de demarcação que mações científicas e técnicas.
levam em conta essas especificidades de
inovação de serviços, tais como a dificul- 4) Mas os serviços públicos também podem
dade em distinguir o produto do processo, ter papel mais ativo na coprodução da
um papel menor de P&D do que na indús- inovação. Nesse caso, estes são a parte
tria, resultados menos visíveis por causa mais firme do que chamamos de modelo
da natureza intangível do serviço, riscos Schumpeter Mark III, ou modelo de ino-
potencialmente maiores e mais fortes de vação interacional. Dessa perspectiva,
falha de mercado e um problema de pro- as redes de inovação tradicionais envol-
priedade da inovação desenvolvida de vendo serviços públicos como coprodu-
forma interativa através da coprodução. toras são bem conhecidas (Callon, 1991;
Hakansson, 1989; Ludvall, 1992). Mas
2) O segundo papel bem conhecido dos ser- outras redes – menos conhecidas – sur-
viços públicos como impulsionadores de giram ou foram reconhecidas mais recen-
inovação em outras atividades é o do con- temente, como as redes de inovação em
sumidor e usuário dessas inovações. Esse serviços público-privados (subseção 3.4).

80
5 INTEGRAÇÃO: O MESMO MODELO DE fabricantes estão se tornando mais especializa-
INOVAÇÃO PARA BENS PÚBLICOS E dos no setor de serviços; por exemplo, adotando
PRIVADOS E SERVIÇOS estratégias “de pós-fordistas” de “customização
em massa” e adaptando os produtos mais às
A perspectiva final usada para lidar com a ques- especificações do cliente, bem como colocando
tão de inovação em serviços é a integração, ou mais ênfase na interação com – e no atendimento
síntese (Gallouj e Weinstein, 1997; Coombs e ao – cliente. Um número crescente de estudos
Miles, 2000). Essa perspectiva tenta construir contemporâneos aponta para uma confusão de
uma estrutura analítica, que abrange a dinâmica fronteiras entre os setores e quanto à natureza
de inovação de todas as formas (tecnológica e dos “produtos” (Barcet e Bonamy, 1999). Algu-
não tecnológica), assim como em bens e serviços. mas pesquisas (Broussolle, 2001) mostram que
A perspectiva de integração pode facilmente ser a TI – como um sistema técnico compartilhado
estendida aos serviços públicos, principalmente pela indústria e pelos serviços – contribui para
como fronteira entre estes; também se tornam esse “turvamento”.
indistintas, especialmente como resultado das
políticas de desregulamentação. Essa perspectiva O turvamento de fronteiras e a tendência para
não apenas se refere à natureza da inovação, “todo o serviço” estão evidentes de diferentes
como também a seu modo de organização. A maneiras. Por exemplo, as informações e os
última seção ilustra como a mudança de mo- serviços desempenham papel crescente no valor
delo de inovação linear para o modelo aberto da maioria dos bens (industriais e agrícolas).
envolve os dois serviços (público e privado) e Setores são “terceirizados” na medida em que
a manufatura. proporções mais elevadas de sua força de tra-
balho estão engajadas em funções de serviço, e
5.1 Turvamento de fronteiras setoriais não na produção direta de produtos. Quer sejam
batatas, fragrâncias ou calculadoras, serviços e
A literatura mostra alguma convergência entre informações (gastos com P&D, transporte, distri-
bens e serviços – de forma que podemos falar buição, marketing etc.) tornaram-se os principais
da industrialização e da criação de produtos de componentes do valor produzido. De forma mais
serviços e da servitização e terceirização da fa- geral, os bens e os serviços são menos vendidos
bricação. A ideia de servitização, ou servicização e consumidos independentemente, porém cada
(Vandermerwe e Rada, 1998; Howells, 2001; vez mais como soluções, sistemas, funções ou
Neely, 2008), basicamente envolve empresas experiência. O turvamento também acontece
que fornecem serviços relacionados a bens ou pela transformação de empresas industriais
matérias-primas que produzem – ou, às vezes, icônicas – por exemplo, International Business
serviços que estejam ligados a processos de Machines (IBM) e Benetton – em empresas de
produção e sistemas de informações que usam. serviço, tendo-se em vista que agora a maior
Alguns são serviços de produto, tais como o parte de sua receita vem desse tipo de atividade.
suporte pós-venda, e alguns complementam o Outro exemplo do turvamento de fronteiras é o
bem com serviços, a exemplo do financeiro, de novo modelo de negócios de certas empresas
seguros, de manutenção, de software etc. (Furrer, industriais, que agora alugam seus bens em vez
1997). Uma empresa de manufatura pode mudar de vendê-los (copiadoras Rank Xerox) ou refor-
para um foco de serviço, no qual a empresa vê mam ou reciclam bens em vez de fabricá-los.
seu trabalho em termos de fornecer os resul-
tados para os clientes que o próprio bem seria Junto com essas fronteiras difusas, uma
usado para criar: a empresa pode então vender nova mensagem aparece onde certos negócios
uma quantidade prometida de serviço em vez não se definem mais como bons fabricantes,
de vender – ou até mesmo alugar – o bem. Os mas como fornecedores de soluções, funções

81
ou experiências. Novas perspectivas de pes- quer dizer usar valores. A figura 2, portanto,
quisas teóricas surgiram, incluindo-se a eco- aplica-se a várias configurações de produto:
nomia funcional (economia) (Stahel, 1997), a um bem puro (um carro ou um computador),
economia da experiência (economia) (Pine e um produto intangível (um contrato de se-
Gilmore, 1999), a lógica do serviço dominante9 guro, um produto financeiro e um serviço de
(Vargo e Lusch, 2006) e abordagens baseadas consultoria), um resultado de autosserviço
em características (Gallouj e Weinstein, 1997; ([C’]-[T]-[Y]) e soluções híbridas (bens e
Windrum e Garcia-Goni, 2008; De Vries, 2006, serviços) – por exemplo, um carro e diferentes
Gallouf e Toivonen, 2011). Vamos nos con- tipos de serviços associados fornecidos ante-
centrar somente na abordagem baseada em rior ou posteriormente (seguro, manutenção,
características, que foi especificamente desen- financiamento, garantias etc.).
volvida para lidar com a inovação. No entanto,
devemos notar que, se as outras abordagens Nessa representação, a inovação reflete
não são necessariamente modelos analíticos de várias alterações nas características: adição,
inovação, estas podem ser facilmente aplicadas subtração, associação, dissociação ou forma-
para lidar com a questão da inovação (novas tação. Essas alterações podem ser o resultado
experiências, novas funções etc.). de processos naturais de aprendizado ou de
P&D formalizada, projeto e atividades de
5.2 A abordagem baseada em inovação. Diferentes tipos de alterações às
características: uma estrutura analítica características resultam em modelos diferentes
integradora para bens e serviços – de inovação:
incluindo-se serviços não mercantis
• inovação radical, que descreve a criação
Para desenvolver uma estrutura analítica inte- de um novo conjunto de características S
grativa para bens e serviços e suas múltiplas = {[C’*], [C*], [T*], [T’*], [Y*]};
formas de inovação, a inspiração é o trabalho de
Saviotti e Metcalfe (1984). Já Gallouj e Weins- • inovação de melhoria, que reflete aumen-
tein (1997) aplicam o modelo lancasteriano de to na proeminência – ou qualidade – de
bens e serviços. Eles definem o produto – seja certas características, sem alterar a es-
um bem, seja um serviço – como um conjunto trutura do sistema de competências;
de vetores de características: características
técnicas internas [T] e características técnicas • inovação incremental, que denota a adição
externas [T’],10 características de serviço ou final – e, também, possivelmente, a eliminação
[Y], competências internas [C] e competências ou substituição – das características;
externas [C ‘] (figura 2).
• inovação por recombinação, baseada nos
Assim, um serviço pode ser definido como princípios básicos da dissociação e da asso-
a mobilização de competências internas ou ciação das características finais e técnicas; e
externas e técnicas internas ou externas
– tangíveis ou intangíveis –, para produzir • inovação por formalização, baseada na forma-
características de serviço ou finais – isso tação e na padronização de características.

9. Embora se concentre em especificidades de serviço, a lógica S-D pertence à perspectiva integrativa ou de síntese, na
medida em que enfatiza a lógica do serviço tanto nos serviços quanto nas atividades de manufatura.
10. A inclusão de características técnicas de clientes foi sugerida por De Vries (2006), para levar em consideração os
novos canais de consumo e entrega – por exemplo, quando os consumidores usam suas próprias tecnologias para
acessar um serviço na internet.

82
FIGURA 2
O produto como a conjunção de vetores de características e competências

Fonte: Gallouj e Weinstein (1997).

Esse modelo, baseado em características dos públicos – embora estas possam ser aplicadas
produtos e inovação, foi alterado várias vezes além desses serviços. A perspectiva convencio-
(De Vries, 2006; Gallouj e Toivonen, 2011); em nalista – inspirada pelo trabalho de Boltanski e
alguns casos, com o objetivo explícito de refletir Thévenot (1991) – sugere que produtos podem
(melhor) os serviços públicos. De forma especial, ser definidos em termos de diferentes conjuntos
Windrum e Garcia-Goni (2008) sugerem incluir de critérios justificativos baseados:
o governo no modelo e desenvolver um modelo
de vários agentes. • no mundo industrial e técnico, cujos re-
sultados são descritos e estimados prin-
Em um trabalho anterior (Gallouj, 2002a), cipalmente em termos de volumes, fluxos
sugerimos associar uma abordagem “convencio- e operações técnicas;
nalista” aos produtos, com o modelo baseado em
características lancasterianas, para levar em conta • no mundo do mercado e financeiro, cujo
determinadas características sociais e cívicas que “resultado” é visualizado em termos de va-
são particularmente importantes nos serviços lor e transações monetárias e financeiras;

83
• no mundo relacional ou doméstico, que va- Essas competências sociais e cívicas podem
loriza relações interpessoais, empatia e rela- ser aceitas ou promovidas pela organização
ções de confiança construídas com o tempo ou ser reprimidas. As competências de certos
e vê a qualidade das interações como fator- clientes (C’k) podem ser particularmente fracas
-chave para estimar o “resultado”; e (clientes em desvantagem socioeconômica, bem
como deficiências culturais e cognitivas). Essa
• no mundo cívico, que é caracterizado por fraqueza pode ou deve ser compensada pelas
relações sociais baseadas em uma preo- competências cívicas e sociais de empatia e
cupação por tratamento igual, equidade “tradução” por parte dos agentes da direção.
e justiça.
Essa estrutura analítica de produtos e ino-
Para integrar a diversidade desses quatro vação foi aplicada em vários serviços públicos:
mundos em nosso modelo baseado em caracte- o serviço de correios da França (serviços pos-
rísticas, é possível tanto adicionar características tais e financeiros), o CAF e a Serviço Público
desses mundos diferentes a diferentes vetores Francês de Emprego (Anpe) da França. Nessa
quanto justapor vários vetores de características representação estendida, a inovação também é
(serviço e características técnicas) e competências visualizada em termos de várias alterações nas
relativas aos diferentes mundos mencionados características.
(industrial, mercado, doméstico e cívico).
5.3 Do modelo linear ao modelo aberto
Pode parecer paradoxal considerar características
técnicas e de processo de acordo com diferentes A inovação pode vir de forma mais ou menos
mundos, uma vez que se pode pensar que essas espontânea (imprevisível) ou planejada (rela-
características são todas técnicas. No entanto, tivamente previsível). Esta é planejada e previ-
as técnicas não são neutras. Como produtoras de sível quando ocorre em estruturas claramente
características de serviço, estas são cheias de valor identificadas – por exemplo, departamentos de
e refletem escolhas humanas. Algumas soluções P&D e grupos de projetos – e de acordo com
técnicas podem ser consideradas mais justas e processos previamente estabelecidos. Programas
mais equitativas que outras – por exemplo, técnicas de inovação planejada desse tipo são obviamente
adaptadas para os deficientes. Com relação a ca- implantados por algumas organizações (Sundbo
racterísticas técnicas intangíveis (métodos e modos e Gallouj, 1999; Tidd e Hull, 2010). Assim, na
de organização), pode-se imaginar facilmente que gestão das ciências, há tradição teórica fértil
certos arranjos organizacionais podem pertencer defendendo a aplicação de metodologias de
aos mundos cívicos e domésticos (arranjos para desenvolvimento de um novo produto a servi-
assegurar o anonimato, a confidencialidade, a des- ços (new product development – NPD), em que
crição à justiça, na ordem na qual as solicitações novos serviços são projetados de acordo com
são processadas). processos planejados, sistemáticos, chamados de
desenvolvimento de novo serviço – new service
Isso é verdade para competências. O vetor development, NSD (Scheuing e Johnson, 1989;
de competências deve levar em conta o que De Brentani, 1991). Vale notar que a literatura
pode ser chamado de competências sociais e sobre NSD está apenas vagamente ligada a
cívicas – ou seja, a capacidade de fornecer um estudos que derivam do campo de inovação de
serviço ou simplesmente manter uma relação serviço: esta também enfatiza as formas pelas
com os clientes –, lembrando que os serviços quais características como intangibilidade e
públicos frequentemente lidam com pessoas em coprodução são importantes para o desenvol-
situações socioeconômicas bastante difíceis. vimento de serviço.

84
No entanto, a literatura sobre inovação ao processo de fornecimento do serviço. Só
em serviços enfatizou o papel de estruturas e pode ser separado do fornecimento de serviço
processos interativos em relação à perspectiva em retrospecto, e a inovação é passível de ser
geral de inovação aberta (Chesbrough, 2003; reconhecida como tal somente depois do fato.
2011). Não obstante, essas estruturas não são
específicas a serviços, uma vez que também A pesquisa sobre como a inovação é orga-
são implantadas em empresas de manufatura. nizada nos serviços públicos é rara – a não ser
Em outras palavras, a perspectiva de integração pesquisas no papel de serviços de pesquisa pú-
não envolve apenas a natureza da inovação, blica, incluindo-se as nos hospitais.11 Em muitos
mas também seus modos de organização. A serviços públicos, parece que a mudança e a
perspectiva geral de inovação aberta não apenas inovação são principalmente de cima para baixo,
inclui o modelo de elo de corrente, ou interativo, processos planejados e formalizados, conforme
proposto por Kline e Rosenberg (1986), mas indicado pela pesquisa Innobarometro 2010 (Eu-
também abrange vários modelos cooperativos, ropean Commission, 2011), discutida na subseção
que são menos ou mais sofisticados e forma- 3.3. Apesar desse caráter formalizado, segundo
lizados. Isso inclui modelos não planejados ou sabemos, a literatura não menciona quaisquer
emergentes, tais como o modelo de aplicação, o aplicações práticas da perspectiva NSD linear a
modelo baseado na prática, o modelo de inova- esse tipo de serviços públicos.
ção bricolagem e inovação ad hoc. O modelo de
aplicação rápida é um modelo no qual o plane- No entanto, vários estudos enfatizaram a exis-
jamento não precede a produção, como o faz no tência e a importância do que temos chamado de
modelo linear tradicional. Quando a ideia surge, inovação invisível, e do que a Fundação Nacional
esta é imediatamente desenvolvida enquanto de Ciência, Tecnologia e Artes (Nesta) rotula de
o serviço em questão está sendo fornecido. “inovação escondida” – para mais destalhes, con-
Assim, o processo de fornecer o serviço e o sulte-se a Nesta12 em alguns de seus trabalhos em
processo de inovação são aqui a mesma coisa serviços públicos. Vários modos de organização e
(Toivonen, 2010). O modelo baseado na prática formas de inovação tendem a ser negligenciados
envolve identificar mudanças nas práticas de por aqueles que abordam a inovação em termos
serviço e desenvolvê-las e institucionalizá-las. mais formais (Fuglsang, 2008; 2010). Estes tendem
O modelo bricolagem descreve a mudança e a a ser modos de baixo para cima, incluindo-se os
inovação como consequências de atividades não modelos não planejados e informais mencionados
planejadas, executadas em resposta a eventos anteriormente (modelo ad hoc, modelo baseado na
ao acaso, e caracterizadas por ensaio e erro e prática, modelo bricolagem, modelo de aplicação
a “aprender o trabalho” (Sanger e Levin, 1992; rápida etc.). É provável que muita inovação ocorra
Fuglsang, 2010; Styhre, 2009). A inovação ad em níveis locais nas organizações de serviço públi-
hoc (Gallouj e Weinstein, 1997) pode ser definida co, e um problema pode ser que muito disso não é
como o processo de construir uma solução (nova) amplamente sabido e difundido nas organizações.
para um problema identificado pela empresa
cliente – um processo interativo, que requer a Devemos notar que um trabalho recente
participação do cliente e que é consubstancial no campo da ciência política se concentra no

11. No entanto, há recomendações práticas consideráveis sobre inovação fornecidas em várias organizações de serviço
público em diversos países. No Reino Unido, somente no serviço de saúde, podemos indicar esses recursos nos sites
disponíveis em: <http://www.innovations.nhs.uk/>; <goo.gl/saSvcs>; e <http://www.institute.nhs.uk/>. Acesso em: 19
dez. 2013.
12. National Endowment for Science, Technology and the Arts (Nesta). Hidden Innovation. Disponível em: <goo.gl/MXW3Hk>.
Acesso em: 19 dez. 2013

85
surgimento do que se chama de “inovação cola- processos de inovação mostrados em estudos
borativa no setor público” (Sørensen e Torfing, sobre inovação, de forma mais geral, podem criar
2012). É uma colaboração de vários atores a expectativa de aplicar a dinâmica da inovação
que ocorre não somente em administrações do serviço público, conforme vimos. Os pontos
públicas, entre membros de diferentes órgãos específicos levantados nos estudos de inovação
públicos, mas também com parceiros privados. em sistemas amplos e de inovação de serviço
são passíveis de ser particularmente relevantes.
Além disso, é altamente relacionado ao con- É notável que os serviços públicos tenham sido
ceito de inovação aberta, há o desenvolvimento negligenciados por tanto tempo pelo total dos
de novas redes de inovação, chamadas de redes estudiosos. Levá-los em consideração aumentará
de inovação pública privada em serviços (Ppins nossa compreensão da diversidade dos processos
– em inglês, public private innovation networks in de inovação – especialmente entre diferentes ser-
services).13 Essas redes envolvem colaborações viços públicos e até mesmo em organizações no
entre organizações de serviço, públicas, privadas mesmo bloco nominal de serviços e dos cenários
e do terceiro setor no campo da inovação (Gallouj, que os conformam.
Rubalcaba e Windrum, 2013). A abordagem às
PPINS difere da aplicada a redes tradicionais de Nos últimos anos, a literatura de inovação em
inovação, de várias formas. Primeiramente, as serviço desenvolveu diferentes perspectivas teóri-
relações entre atores públicos e do não mercado cas, que interpretamos em termos de assimilação,
e atores privados estão no cerne da análise. Em demarcação, inversão e síntese. A estrutura ana-
segundo lugar, vemos os fornecedores de serviços lítica Adis é uma heurística que pode ser aplicada
como os principais atores destes. Finalmente – e sem muita dificuldade aos serviços públicos. Esta
este é o corolário da característica precedente –, esclarece questões de inovação do serviço público,
a inovação não tecnológica (inovação de serviço), mas pode exigir reflexão adicional.
que frequentemente é negligenciada na literatura,
é levada em consideração e frequentemente se Assim, no caso da perspectiva assimilacionista,
trata da característica central da parceria. por exemplo, é importante considerar certo dua-
lismo no setor público. Temos de distinguir entre
6 CONCLUSÃO pelo menos dois grupos diferentes: primeiro, os
serviços públicos baseados na ciência (laboratórios
Embora a associação dos termos serviço e ino- públicos de pesquisa; certos aspectos dos serviços
vação possa ter parecido, por muito tempo, hospitalares); em segundo lugar, atividades basea-
incongruente – serviços tinham conotações das na ciência. O primeiro grupo está no cerne da
negativas de servitude e serviços públicos –, dinâmica de inovação científica e técnica atual.
isso não acontece mais hoje. Este trabalho teve Consiste de atividades que ativam e autonoma-
como objetivo examinar a questão da inovação mente produzem inovações científicas e técnicas.
nos serviços públicos à luz da literatura sobre A ideia de assimilação parece inadequada nesse
inovação em serviços. Os processos de geração caso; esse tipo de inovação tem muito em comum
de ideias criativas e de escolha entre estas para com a inovação – de alta tecnologia – na indústria,
desenvolver algumas em inovações aplicáveis são e, de fato, um foco principalmente tecnológico
muitos e variados nos serviços públicos, assim pode ser amplamente justificado. A dinâmica da
como o são nas indústrias de serviços de forma inovação no segundo grupo, os outros setores
mais generalizada. Muitas das características de de serviço público – por exemplo, os governos

13. Essas redes de inovações foram estudadas pelo projeto europeu European Social Innovation Research – ServPPIN
(A Contribuição de Serviços Públicos e Privados ao Crescimento e a Assistência Social e As Redes do Papel de Inovação
Pública-Privada, FP7). Disponível em: <http://www.servppin.com/>. Acesso em: 19 dez. 2013.

86
–, por sua vez, encaixa-se melhor na perspectiva APEC – ASIA-PACIFIC ECONOMIC COOPERATION;
tradicional assimilacionista, conforme manifesta SOUTH KOREA. Ministry of Public Administration
nos serviços menos inovadores de mercado. and Security. Government innovation: Korea’s
Essa é uma perspectiva centrada em inovação energy for hope Seoul. Seul: Ministry of Public
tecnológica, que é mais adotada do que produ- Administration and Security, 2005.
zida, em vez de outras formas de inovação não
tecnológicas mais específicas. ARDUINI, D. et al. Technology adoption and
innovation in public services the case of e-go-
A perspectiva de inversão também requer uma vernment in Italy. Information Economics and
interpretação variada. É óbvio que os serviços Policy, v. 22, n. 3, p. 257-275, jul. 2010.
públicos influenciam a inovação em outros seto-
res, de formas diferentes: de fato, estes podem ASCHHOFF, B.; SOFKA, W. Innovation on
encaixar-se no modelo de inovação interacional demand: can public procurement drive market
(Schumpeter Mark III). Isso é verdade não só nos success of innovation? Research Policy, v. 38,
serviços públicos baseados na ciência (labora- n. 8, p. 1235-1247, 2009.
tórios públicos etc.), mas também nas agências
governamentais que usam a aquisição pública ATTOUR, A.; LONGHI, C. Fracture numérique, le
para guiar trajetórias de inovação. No entanto, a chaînon manquant: les services d’e-administration
ideia de inversão pode ser um nome impróprio. locale dans les communes françaises. Les Cah-
Esta pressupõe uma situação “normal” (não iers du Numérique, v. 5, n. 1, p. 119-146, 2009.
invertida) no passado, o que não se aplica nos
exemplos citados. Por exemplo, políticas públicas AUTOR, D. H.; LEVY, F.; MURNANE, R. J. The
apoiando inovações sempre existiram. skill content of recent technological change:
an empirical exploration. Quarterly Journal of
A questão da inovação nos serviços públicos Economics, v. 118, n. 4, p. 1279–333, 2003.
também foi discutida recentemente nas perspectivas
de demarcação e síntese. Alguns estudos recentes BACACHE-BEAUVALLET, M.; BOUNIE, D.; FRAN-
veem as especificidades da inovação nos serviços ÇOIS, A. Existe-t-il une fracture numérique dans
públicos tanto de um ponto de vista qualitativo l’usage de l’administration en ligne? Revue
quanto quantitativo. Essas especificidades – quer Économique, v. 62, p. 215-235, 2011.
se relacionem à natureza da inovação, quer aos
métodos organizacionais – são consideradas de BARCET, A.; BONAMY, J. Eléments pour une théorie
uma perspectiva de diferenciação dupla: diferen- de l’intégration biens/services. Économies et
ciação com relação à fabricação e diferenciação Sociétés, série EGS, v. 1, n. 5, p. 197-220, 1999.
concernente aos serviços de mercado. Mas a
demarcação não precisa ser o final da história: os BARRAS, R. Towards a theory of innovation in
serviços públicos também se encaixam nos modelos services. Research Policy, v. 15, n. 4, p. 161-
teóricos integrativos. Propomos que abordagens 173, ago. 1986.
baseadas em características possam fornecer
caminhos interessantes de pesquisa para esse fim. ______. Interactive innovation in financial and
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CAPÍTULO 5
INOVAÇÃO NA GESTÃO PÚBLICA FEDERAL:
20 anos do Prêmio Inovação
Marizaura Reis de Souza Camões1 | Willber da Rocha Severo2 | Pedro Cavalcante3

1 INTRODUÇÃO 123
O capítulo discorre, inicialmente, sobre o con-
ceito, o histórico e as características da inovação
O Concurso Inovação na Gestão Pública Federal no setor público. Em seguida, a metodologia do
(CIGPF) é promovido anualmente, desde 1996, trabalho é apresentada. Os principais resultados
pela Escola Nacional de Administração Pública de estudos acadêmicos e profissionais realizados
(Enap). Ele foi criado pelo então Ministério da com base no banco de dados do prêmio são su-
Administração e Reforma do Estado (Mare) com o marizados na seção 4. O texto apresenta, ainda,
intuito de incentivar ações de cunho gerencialista uma “radiografia” do CIGPF com enfoque no
no contexto da reforma idealizada pelo ministro perfil das candidaturas e premiações, a partir dos
Bresser-Pereira (Petrucci, 2002; Pacheco, 2002). parâmetros de órgãos superiores participantes,
Ao longo desse período, o CIGPF passou por al- áreas temáticas e localização territorial, bem como
gumas reformulações e aperfeiçoamentos, com são descritos alguns exemplos emblemáticos
vistas a aprimorar seus critérios e mecanismos da inovação no governo federal brasileiro. Por
de seleção das iniciativas premiadas. fim, algumas conclusões e uma agenda futura
de pesquisa são apontadas.
Este capítulo sumariza os resultados dos
principais estudos acadêmicos e profissionais 2 INOVAÇÃO NO SETOR PÚBLICO
que foram realizados, tendo como referência o
banco de dados produzido pelo prêmio. Além Primeiramente, é importante destacar que o
disso, o texto apresenta um panorama do foco na inovação no setor público exclui a maior
concurso, a partir das suas áreas temáticas e parte da produção da literatura disponível, uma
trajetórias de inovações observadas nas iniciati- vez que é notório o predomínio do assunto no
vas candidatas e premiadas no decorrer de sua âmbito da iniciativa privada. Nesse contexto,
história, trazendo alguns exemplos emblemáticos faz-se necessário definir, com precisão, primeiro
da inovação enquanto ferramenta propulsora o tema e, depois, outros aspectos importantes
de transformação em organizações públicas. que distinguem ambos os setores.

1. Especialista em políticas públicas e gestão governamental e atualmente coordenadora-geral de pesquisa na Escola


Nacional de Administração Pública (Enap).
2. Especialista em políticas públicas e gestão governamental e atualmente assessor na Presidência da Enap.
3. Especialista em políticas públicas e gestão governamental e atualmente coordenador na Diretoria de Estudos e
Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia (Diest) do Ipea.
Embora a inovação venha se destacando nos A inovação em serviços públicos, embora
debates atuais sobre mudanças na economia menos enfatizada quando comparada ao setor
e na administração pública, o tema não é tão privado, também vem recebendo recentemente
contemporâneo assim. O trabalho seminal de mais atenção na administração pública e no
Joseph Schumpeter, Teoria do desenvolvimento campo acadêmico. Nesse contexto, predomi-
econômico, de 1934, investigou a relação entre na o senso comum, mas não necessariamente
inovação tecnológica e desenvolvimento eco- correto, de que o setor privado é pioneiro e
nômico. Segundo o autor, inovação pode ser mais bem-sucedido no que tange à prática de
entendida como algo que está sendo realizado inovação nos seus produtos e serviços (Hartley,
de uma maneira diferente, o que provocaria novos 2013). Este argumento se origina, basicamen-
resultados: novo ativo ou nova qualidade deste, te, das diferenças entre os dois setores, o que
novo método de produção, novo mercado ou geraria vantagens para a iniciativa privada em
uma nova fonte de abastecimento. Schumpeter inovar. A ausência de competição – condição
(1934) denominou esse processo dinâmico de necessária à inovação, de acordo com a visão
substituição tecnológica de “destruição criativa”. schumpeteriana –, a natureza de múltiplas
tarefas, a cultura burocrática de padronização
Desde então, as análises sobre a inovação têm e formalização, a presença de uma variedade
se expandido bastante, perpassando diferentes de principais (stakeholders) e a complexidade
setores e áreas econômicas e administrativas. de problemas societais (wicked problems) a
Nas últimas décadas, estudos de inovação têm serem enfrentados se apresentam como fatores
mudado da ênfase hegemônica em bens ma- diferenciais que tendem a promover processos
nufaturados para se concentrarem no setor de de inovação no setor público de caráter mais
serviços. Consequentemente, uma infinidade incremental (Bekkers, Edelenbos e Steijn, 2011).
de definições de inovação tem se apresentado
(Kattel et al., 2013). Em uma conceituação também abrangente,
com foco no setor público, Osborne e Brown
De acordo com o Manual de Oslo4 (OECD, (2005) defendem que inovação significa a
2005), a inovação, para ser reconhecida como introdução de novos elementos em um serviço
tal, requer três critérios essenciais: i) apresentar público – na forma de novos conhecimentos,
novidade no contexto em que é introduzida; ii) nova organização e/ou nova habilidade de
ser implementável, não se constituindo apenas gestão ou processual –, todos representando
em uma ideia; e iii) gerar melhores resultados descontinuidade com o passado. A inovação
em termos de eficiência, eficácia e satisfação do também pode ser definida como o processo de
usuário. Com base nesses critérios, o documento geração e implementação de novas ideias com
define inovação como: vistas a criar valor para a sociedade, seja ele
com foco interno ou externo à administração
a implementação de um produto (bem ou serviço) pública (Comissão Europeia, 2013).
novo ou significativamente melhorado, ou um
processo, ou um novo método de marketing, ou No caso específico do Concurso Inovação na
um novo método organizacional nas práticas de Gestão Pública Federal, a Enap define inovação
negócios, na organização do local de trabalho ou como mudanças em práticas anteriores, por
nas relações externas (OECD, 2005, p. 55). meio da incorporação de novos elementos da
gestão pública ou de uma nova combinação dos

4. Editado desde 1990 pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Manual de Oslo
é uma proposta de diretrizes para coleta e interpretação de dados sobre inovação tecnológica, que tem o objetivo de
orientar e padronizar conceitos, metodologias e construção de estatísticas e indicadores de pesquisa e desenvolvimento
tecnológico (P&D) de países industrializados.

96
mecanismos de gestão existentes, que produzam dêmico quanto no governamental (De Vries,
resultados significativos para o serviço público Bekkers e Tummers, 2015).
e para a sociedade (Ferrarezi e Amorim, 2007).
3 MÉTODO
A despeito desses fatores supostamente
inibidores da inovação, acadêmicos como Pollitt Para realizar o levantamento dos estudos ele-
(2011) e Mazzucato (2013) vêm demonstrando gíveis para esta análise, utilizaram-se alguns
que o setor público não apenas é fundamental mecanismos de busca. Primeiramente foi feito
para criar condições propícias à inovação nas um levantamento no repositório institucional da
empresas, mas, também, historicamente, tem Enap, entidade responsável pelo prêmio. Com o
sido a maior fonte inovadora, desde as ferrovias uso da palavra-chave concurso inovação, essa
ao advento da internet. Na maioria das inovações base de dados possibilitou identificar quatro
privadas, foram os governos que aceitaram os estudos publicados na série Cadernos Enap;
riscos maiores iniciais e, por isso, são pioneiros no vinte livros, dos quais dezenove dedicados aos
desenvolvimento e financiamento de tecnologias relatos das experiências ganhadoras do prêmio
básicas que, a posteriori, geraram inovações e um sobre o balanço dos cinco primeiros anos
de produtos e serviços com a participação da do concurso; um texto para discussão Enap; um
iniciativa privada (Comissão Europeia, 2013). artigo publicado na Revista do Serviço Público;
dois ensaios; e um capítulo de livro. Em segui-
No âmbito da gestão, os exemplos também da, foi realizada busca na base Scielo com as
não são raros. Nas últimas décadas, os governos palavras-chave concurso inovação e prêmio
introduziram práticas inovadoras nos proces- inovação, e foram encontrados dois artigos.
sos e serviços como forma de otimizar gastos, Além disso, contatos de pesquisadores com a
ampliar legitimidade e restabelecer a confiança Enap solicitando as bases do prêmio direcion-
da sociedade, visando enfrentar os cenários de ram para a ampliação da busca: no repositório
crise fiscal e de representatividade em sistemas de dissertações e teses da Universidade de
democráticos. Como exemplos, podem ser citados Brasília (UnB); e nas bases dos congressos
os casos do output budgeting – técnica de gestão profissionais do Conselho Nacional de Secre-
orçamentária que revolucionou o planejamento tários de Estado da Administração (Consad) e
e gerenciamento das contas públicas ainda na do Centro Latinoamericano de Administración
década de 1960 – e as formas de participação para el Desarrollo (Clad). Essa última busca
cidadã no policymaking, como as experiências resultou na identificação de três dissertações
de orçamento participativo dos governos sub- de mestrado e sete artigos apresentados em
nacionais brasileiros. congressos nacionais e internacionais.

A inovação na administração pública ganhou O levantamento antes detalhado permitiu


seguidores não apenas em função da necessi- identificar 41 textos publicados em diferen-
dade de responder às contingências por meio tes formatos. Para fins deste artigo, foram
da provisão de serviços de melhor qualidade e desconsiderados os livros do concurso, pois
mais eficientes (Mulgan e Albury, 2003; OECD, estes não se constituem em estudos sobre o
2015), mas, também, por causa da forte rela- tema, uma vez que se restringem a apresentar
ção entre estratégias de gestão inovadoras e o relato das iniciativas premiadas. Dois artigos
desenvolvimento econômico (Morgan, 2010). identificados em congressos foram poste-
Por conseguinte, nos últimos quinze anos, a riormente publicados em formato de artigo
causa inovação na administração pública vem ou Caderno Enap e, por isso, também foram
ganhando mais adeptos, tanto no âmbito aca- desconsiderados na análise. Nesse sentido,

97
este texto trabalha com o universo de vinte Concurso Inovação na Gestão Pública Federal.
trabalhos analisados. As autoras afirmam ainda que as mais significa-
tivas transformações metodológicas, contudo,
Para a realização da “radiografia” do CIGPF, ocorreram quando da sua XII edição, em 2007.
foi construída uma base de dados das experiên- Adotou-se, a partir de então, como conceito de
cias inscritas e premiadas no concurso. Foram inovação, “mudanças em práticas anteriores,
coletados dados na Enap acerca das iniciativas por meio da incorporação de novos elementos
participantes no período de 1996 a 2015, num da gestão pública ou de uma nova combina-
total de 1.934 casos, com enfoque no perfil das ção de mecanismos existentes, que produzam
candidaturas e premiações, utilizando-se os resultados significativos para o serviço público
parâmetros de órgãos superiores participantes, e para a sociedade”. Além disso, o prêmio, até
áreas temáticas e localização territorial. então, contava com dezesseis áreas temáticas
delimitadas ao longo dos anos, e essas foram
4 A INOVAÇÃO NA GESTÃO PÚBLICA FEDERAL agrupadas em apenas sete (arranjos institucio-
BRASILEIRA: CONHECIMENTO PRODUZIDO nais para coordenação e/ou implementação de
POR MEIO DO CONCURSO INOVAÇÃO NA políticas; atendimento ao cidadão; avaliação e
GESTÃO PÚBLICA FEDERAL monitoramento de políticas públicas; gestão
da informação; gestão e desenvolvimento de
Inicialmente denominado Concurso de Experi- pessoas; melhoria dos processos de trabalho; e
ências Inovadoras de Gestão na Administração planejamento, gestão estratégica e desempenho
Pública Federal, o prêmio inovação foi criado institucional e outros), os critérios de seleção
como um instrumento para a reforma de Es- das propostas foram alterados e o processo de
tado que tinha como objetivo implementar a julgamento aperfeiçoado, com inserção de visita
administração gerencial no contexto brasileiro, técnica em lócus (Ferrarezi e Amorim, 2007).
conforme apontam os relatos de Petrucci (2002)
e Pacheco (2002). Pautado pelos princípios do Percebe-se que o conceito adotado pelo
new public management (NPM), o então Minis- prêmio é convergente com a literatura recente
tério da Administração e Reforma do Estado, de inovação no setor público, uma vez que con-
liderado pelo ministro Bresser-Pereira, idealizou sidera a novidade em relação à situação anterior,
o prêmio como forma de valorizar as experiên- a implementação da mudança e os resultados
cias exitosas na implementação das diretrizes alcançados.
da reforma. Em 1998, o concurso passa a se
chamar Prêmio Helio Beltrão, em homenagem ao A análise dos estudos realizados a partir
ministro extraordinário para a desburocratização da base do prêmio permitiu uma classifica-
(1979-1983), e fortalece a proposta de estimular ção tendo em conta a origem dos autores, os
a “suposta” superação do modelo burocrático objetivos e as metodologias empregadas nos
e a adoção das prerrogativas da doutrina NPM, estudos. Os artigos foram classificados em: i)
modelo fortemente aceito à época. estudos de balanço; ii) estudos descritivos; iii)
estudos setoriais; iv) estudos qualitativos; e v)
De acordo com o texto de Ferrarezi e estudos inferenciais.
Amorim (2007), em 2003, com a mudan-
ça do governo brasileiro e a ampliação de A maioria dos trabalhos publicados foram
estudos que demonstravam as dificuldades na realizados pela equipe técnica e dirigentes vincu-
implementação do chamado modelo geren- lados à própria Enap à época de elaboração dos
cial na realidade brasileira, o prêmio tem uma estudos – onze dos vinte trabalhos analisados se
mudança de foco e passa a ser denominado encontram nessa configuração. Os demais estudos

98
(nove) são oriundos de pesquisadores vinculados forte ênfase em aspectos relacionados à mo-
à UnB. Esse dado demonstra que, apesar de se dernização de procedimentos, atendimento ao
configurar uma ampla base de iniciativas de gestão chamado usuário-cidadão e gestão por resultados.
inovadora do governo federal, constituindo-se em O balanço de cinco anos, publicado em 2001 (Enap,
uma importante fonte de informação para estudos 2001), e os dois ensaios e o artigo apresentado
de inovação no Brasil, o interesse pelo tema ainda no congresso do Clad em 2002 (Pacheco, 2002;
está circunscrito à própria Enap e à UnB, que se Petrucci, 2002; Nassuno, 2002) não apresentam
localizam na mesma cidade. Isso provavelmente resultados muito diferentes. As análises das traje-
se relaciona ao fato de os textos, à exceção de tórias realizadas em 2002 demonstram, contudo,
três artigos, não se encontrarem disponíveis em que as iniciativas passam a ter uma relação mais
periódicos de grande circulação no país e em próxima com as novas bases conceituais e meto-
bases indexadas. O recente interesse pelo tema dológicas de planejamento estratégico e da gestão
por parte de alunos de mestrado e doutorado, empreendedora, se desvinculando fortemente
uma vez que as três dissertações de mestrado do movimento reformista. O balanço de Ferrarezi
identificadas foram defendidas há pouco tempo e Amorim (2007), por sua vez, possibilitou uma
(uma em 2012 e duas em 2014), pode vir a am- análise mais ampla e subsidiou a reformulação do
pliar esse acesso. prêmio ocorrida em 2007. Nesse texto, ficam claros
os períodos de focos na gestão pública brasileira e
Outro aspecto relevante dos achados é que sua interferência no prêmio: de 1996 a 1999, com
grande parte dos artigos (oito), todos publicados excesso da retórica gerencial; de 2000 a 2002,
pela Enap até 2010, apresenta balanços das com ênfase no Plano Plurianual (PPA), destacan-
experiências ganhadoras e analisa a trajetória do do-se as questões de planejamento, orçamento,
prêmio, conforme pode ser observado no quadro gestão estratégica e por programas; e, de 2003 a
1. O primeiro texto, publicado por Rua (1999), 2006, com ampliação do foco em políticas sociais
apresenta análise dos dois primeiros anos do e inclusão social. O balanço proposto por Oliveira
concurso. À época, o prêmio ainda estava muito (2010), agregado à apresentação de iniciativas
atrelado ao movimento de reforma gerencial, que emblemáticas, foi o último estudo identificado com
teve força no Brasil nos anos 1990. Sendo assim, esse caráter de trajetória do prêmio.
a análise dos dois primeiros anos demonstra

QUADRO 1
Estudos de balanço das iniciativas do Concurso Inovação na Gestão Pública Federal
Estudo Objetivo Resultados
• Uma tendência articulada de mudança
e acentuada afinidade com os princípios
da administração pública gerencial.
• Poucas iniciativas destinadas à redução
de custos, ao planejamento e desenvol-
Balanço das iniciativas inscritas e premia- vimento organizacional e valorização de
Rua (1999)
das nos dois primeiros anos do concurso recursos humanos.
• Maior parte das iniciativas voltadas à
simplificação/modernização de procedi-
mentos e gestão pela qualidade, ao aten-
dimento ao usuário/cidadão e à gestão
participativa e parcerias.
(Continua)

99
(Continuação)
Estudo Objetivo Resultados
• As dimensões mais destacadas foram
atendimento ao usuário, gestão de pes-
soas e capacitação, articulação de par-
cerias e simplificação e agilização de
procedimentos.
• O usuário-cidadão foi identificado como
um dos principais públicos-alvo das ex-
periências premiadas e, no que se refere
à natureza do problema a ser resolvido,
destacaram-se problemas associados
à prestação de serviços e ao acesso ao
atendimento.
• O Ministério da Fazenda se sobressai
como o órgão superior que obteve o maior
número de prêmios, com destaque para
as iniciativas do Banco do Nordeste e da
Receita Federal;
• A maioria das iniciativas vencedoras con-
Balanço das experiências vencedoras nos
Enap (2001) tinuou como havia sido idealizado origi-
primeiros cinco anos do concurso
nalmente ou teve o seu escopo ampliado,
manteve ou ampliou ao longo do tempo o
aporte de recursos, teve inspiração inter-
na, é composta por servidores do quadro
da própria instituição, as principais fon-
tes de recursos financeiros são próprias
ou do Tesouro e os recursos materiais,
logísticos e tecnológicos são próprios.
• O processo de implantação dos projetos
foi planejado e não ocorreu pelo método
de tentativa e erro.
• O público-alvo da maioria das iniciativas
estudadas é representado por popula-
ções carentes, de pequenas cidades e/
ou com maior dificuldade de transporte.
• Nos aspectos relacionados à gestão da
experiência, verifica-se o uso de parcerias
para a sua realização.
• As inovações premiadas concentram-se
nas áreas de atendimento ao usuário,
gestão de pessoas e capacitação, arti-
culação de parcerias e simplificação e
modernização de procedimentos.
• O concurso mostra uma tendência a repli-
car as boas práticas.
Balanço das iniciativas inscritas e premia- • As inovações têm beneficiado tanto o
Petrucci (2002)
das no concurso no período de 1996 a 2001 público interno como o externo, tendo
como públicos-alvo das experiências pre-
miadas o usuário-cidadão, os servidores
públicos e as instituições do governo fe-
deral.
• O concurso tem demonstrado que é pos-
sível promover inovações consistentes e
permanentes.
(Continua)

100
(Continuação)
Estudo Objetivo Resultados
• O concurso tem premiado experiências
bastante diversificadas, desde soluções
muito singelas até reorganizações estra-
Balanço das iniciativas inscritas e premia-
Pacheco (2002) tégicas de instituições inteiras.
das no concurso no período de 1996 a 2002
• Tendem a ser em maior número as experi-
ências de instituições que prestam servi-
ços aos cidadãos ou ao Estado.
• Quatro dimensões de gestão vêm se
destacando no processo de mudança do
setor público: atendimento ao usuário;
gestão de pessoas e capacitação; arti-
culação de parcerias; e simplificação e
Balanço das iniciativas premiadas no con-
Nassuno (2002) agilização de procedimentos.
curso no período de 1996 a 2001.
• Iniciativas voltadas para o aperfeiço-
amento da gestão orçamentária e fi-
nanceira, controle de custos e planeja-
mento constituem dimensões com uma
baixa incidência de projetos.
• Ênfases diferenciadas em três períodos:
de 1996 a 1998, mais gerencialista; de
1999 a 2002, gestão empreendedora
e revitalização e integração do planeja-
mento e orçamento governamental; de
2003 a 2006, estímulo à coordenação,
otimizadora de políticas públicas priori-
tárias.
• Quando o desenho da política de gestão
tem diretrizes e objetivos definidos em re-
Balanço das iniciativas inscritas e premia- lação aos princípios de inovação, e razoa-
Ferrarezi e Amorim (2007)
das no concurso no período de 1996 a 2006 velmente disseminados, há ressonância
nas instituições.
• Foram criadas novas formas de articula-
ção das políticas descentralizadas, origi-
nando diferentes redes que exigiram mais
capacidade de coordenação transversal
de programas no âmbito da Federação
brasileira.
• Com ambientes favoráveis à inovação, a
geração de externalidades positivas pro-
picia um ambiente reiterativo.
• A análise da trajetória do prêmio permite
inferir que as diretrizes governamentais
Balanço da trajetória do concurso no perío- para a gestão são efetivamente incorpo-
Oliveira (2010) do de 1996 a 2010 e apresentação de ex- radas pelas práticas organizacionais.
periências emblemáticas • O prêmio promove mudança na
administração pública e permite a
disseminação de práticas.
Elaboração dos autores.

Nos últimos anos, alguns estudos se pro- dos estudos sobre o balanço e a trajetória, esses
puseram a analisar amplamente toda a base têm como foco produzir conhecimento sobre
do concurso, considerando grande parte insumos, processos e resultados de inovação
das experiências ganhadoras. Diferentemente em governo, e são caracterizados pelo uso de

101
diferentes metodologias de análise dos dados. inovações clássicas, ou desruptivas, são muito
Dois estudos, de caráter descritivo, elencados no difíceis de acontecer.
quadro 2, demonstram alta sustentabilidade das
iniciativas premiadas pelo concurso (Ferrarezi, Outro estudo de caráter mais descritivo,
Amorim e Tomacheski, 2010; Oliveira, Santana desenvolvido por Souza et al. (2015), apresenta
e Gomes, 2014), ou seja, as iniciativas premia- indícios de que as características, determinantes
das tendem a permanecer ativas ao longo dos e consequências de inovação no setor público
anos. O trabalho de Oliveira, Santana e Gomes diferem não somente das de inovação na indústria,
(2014), por sua vez, destaca que a maior parte mas também daquelas da inovação em serviços
das iniciativas é voltada para o interior das no setor privado. Finalmente, o artigo de Caval-
próprias organizações, o que leva a inferir que cante e Camões (2015a) analisa as iniciativas
o gestor público passa primeiro pelo esforço a partir das tendências de gestão identificadas
de ajuste de seu próprio meio para atingir seus na literatura especializada. Após a onda do NPM,
objetivos; o engajamento da equipe envolvida diversos modelos foram propostos, e as iniciativas
foi essencial para o sucesso das iniciativas; e brasileiras encontram adesão nas tendências
a coparticipação de órgãos e atores externos preconizadas pelos principais modelos, especial-
à organização de origem aparece de forma mente no que se refere às redes e parcerias para
importante para o sucesso. O texto também implementação das ações e no uso de tecnologia
aponta que, no setor público, as chamadas de informação como ferramental de inovação.

QUADRO 2
Estudos descritivos a partir das iniciativas do Concurso Inovação na Gestão Pública Federal

Metodologia
Estudo Objetivo Resultados
empregada

• Identificou-se elevado índice de sustentabilidade nas práti-


cas: 71,7% das inovações continuavam ativas.
• A importância do ambiente institucional para assegurar
a permanência da prática inovadora associada ao estilo de
liderança; ao grau de envolvimento das equipes; à utilização
de instrumentos gerenciais pela instituição para planeja-
mento; ao acompanhamento e difusão dos resultados; e à
constante adaptação da iniciativa às novas circunstân-
Identificar
cias, metas e desafios da organização e do governo;
o grau de susten-
Seleção de amostra • Verificou-se baixa distribuição das informações sobre a inova-
tabilidade das ini-
Ferrarezi, de 138 iniciativas. ção; avaliação dos resultados, a divulgação e xterna de
ciativas premiadas
Amorim e Pesquisa tipo informações e a capacitação da equipe.
no concurso entre
Tomacheski survey. • A maioria dos responsáveis pela iniciativa possuía vínculo
1996 e 2006 e des-
(2010) Análise descritiva de permanente com a administração federal e acompanhava a
crever as condições
resultados. iniciativa desde o início.
que favorecem essa
• Mais de um terço das iniciativas foram idealizadas pela equi-
sustentabilidade.
pe de servidores do órgão.
• As organizações que adotaram práticas de planejamen-
to estratégico e de gestão de forma geral criaram condições
para que a iniciativa sobrevivesse ao longo do tempo.
• Os impactos mais relevantes das iniciativas, que contribuí-
ram para a sustentabilidade, foram melhorias do atendimen-
to aos usuários, dos processos de trabalho, da imagem da
instituição e da qualidade dos produtos e serviços ofertados.
(Continua)

102
(Continuação)

Metodologia
Estudo Objetivo Resultados
empregada

• Sustentabilidade: 83% das iniciativas encontram-se ativas,


16% sem informação disponível e apenas 1% inativa.
• Ambiente: 46% das iniciativas voltaram-se para o ambien-
te interno da organização, 24% para o ambiente externo e
Delimitar uma Categorização e
30% para ambos os ambientes.
Oliveira, San- tipologia para expli- análise descritiva
• Tipo: 11% das iniciativas representaram inovação nova
tana e Gomes cação da dinâmica de 98 iniciativas
para a sociedade, 46% de inovações voltadas para a pró-
(2014) da inovação do setor premiadas entre
pria organização e 43% significaram apenas mudança de
público. 2004 e 2014.
rotina.
• Capilaridade: 49% das iniciativas foram direcionadas para
as necessidades internas da organização, 27% para uma
população específica, 4% para o conjunto da população.

• A inovação organizacional foi a que teve a maior quantidade


de experiências premiadas, seguida respectivamente pelas
inovações em processo, comunicação e produto, sendo
Descrever como
Categorização e que o atendimento ao cidadão e a melhoria dos processos
a inovação pode
análise quali-quanti de trabalho são os itens de maior destaque.
ser entendida
Souza et al. descritiva de 323 • Embora a grande incidência das inovações ocorra em nível
no setor público
(2015) experiências premia- nacional, um número significativo de inovações também
brasileiro a partir da
das entre 1995 e ocorre no nível local.
caracterização das
2012. • No que diz respeito à área inovadora, saúde e educação
experiências.
preponderam com quase 33% das iniciativas, o que pode
ser explicado pela capilaridade das áreas e pelo fato de am-
bas manterem grande interação com o usuário.

Analisar em que
medida as inova- • O estudo demonstrou uma aderência das iniciativas pre-
ções do governo miadas às novas tendências de gestão da literatura inter-
Categorização
federal brasileiro nacional, quais sejam: aperfeiçoamento de mecanismos de
triangulada e análise
Cavalcante nos últimos oito transparência, governo aberto e responsabilização (accou-
descritiva de oitenta
e Camões anos são conver- ntability); promoção do governo eletrônico (e-government)
iniciativas premia-
(2015a) gentes ao debate como estratégia de ampliação e facilitação do acesso e da
das entre 2007 e
de transformações participação cidadã na administração pública; atuação em
2014.
nos paradigmas de redes e parcerias; novos arranjos institucionais; e uso de
gestão pública das recursos de TIC.
últimas décadas

Elaboração dos autores.

Foi possível também identificar, entre os estudos 2010); saúde (Ferreira et al., 2014); e ênfase
de caráter descritivo, relatos de áreas específicas em governo aberto (Nogueira e Odelius, 2015).
da gestão pública. Conforme pode ser observado Com resultados específicos para cada uma das
no quadro 3, quatro estudos foram realizados, áreas analisadas, esses estudos demonstram o
com a finalidade de descrever experiências nas potencial do prêmio para gerar conhecimento
seguintes áreas: gestão de suprimentos (Enap, sobre trajetória de inovação em organizações,
2002); perfil empreendedor do INSS (Coelho, setores e áreas de atuação em governo.

103
QUADRO 3
Estudos setoriais com base em experiências específicas do Concurso Inovação na Gestão Pública Federal
Estudo Objetivo Resultados
• Entre as causas para os problemas de gestão de suprimentos na
APF, destacam-se a existência de controles deficientes, a inade-
quação do espaço físico e as deficiências no processo de compras
e nos sistemas.
Análise de três experiências em gestão de • Essas causas tinham como efeitos a existência de dados não con-
Enap (2002) suprimentos premiadas nos períodos de fiáveis, a realização de compras desnecessárias e não planejadas,
1996 a 2001 a ineficiência no atendimento ao usuário e o desperdício de ma-
teriais.
• Os três casos analisados mostram que havia à época instituições
empenhadas em corrigir as falhas e adequar a atuação dos seto-
res responsáveis por suprimentos.
• O intraempreendedorismo se faz presente nas organizações públi-
cas e vem crescentemente sendo adotado pelas chefias ou mes-
mo por funcionários sem nenhum tipo de função comissionada.
Análise de três ações empreendedoras do
• Ações empreendedoras geradoras de inovação se fazem presentes
Coelho (2010) INSS, premiadas na 10a, 12a e 13a edições
nas organizações públicas, em todos os seus processos e meios.
do concurso
• A ação intraempreendedora pode ocorrer nos diversos escalões
ou segmentos hierárquicos da organização. Fatores endógenos e
exógenos são determinantes nesse processo.
• Inovações incrementais, com predominância do tipo de inova-
ção de processo e serviços, com foco na busca de eficiência
operacional, e com abrangência nacional.
• No tipo inovação de processos, quatorze experiências foram en-
Análise de dezenove experiências da área contradas no total de dezenove analisadas; no tipo inovação or-
Ferreira et al.
de saúde premiadas no concurso entre ganizacional, foram encontrados somente dois casos; na análise
(2014)
1995 e 2011 do tipo inovação em serviços, foram encontrados cinco casos de
promoção de saúde; na dimensão abrangência, de onze expe-
riências premiadas que tiveram repercussão em nível nacional,
seis se restringiram ao nível local e duas tiveram reflexos em âm-
bito regional.
• Inovações brasileiras de governo aberto nas últimas duas décadas
se mostraram relevantes instrumentos de aprendizagem interorga-
nizacional no setor público em nível nacional.
• As iniciativas analisadas possibilitaram aprendizagem, implemen-
tação dos novos conceitos e ferramentas relacionadas a governo
Nogueira e Odelius Análise de cinco experiências com ênfase aberto, tais como: serviços eletrônicos, transparência ativa e pas-
(2015) em governo aberto entre 1995 a 2014 siva, dados abertos e aplicativos públicos.
• Registram-se uma relevância primordial das relações interorgani-
zacionais para a aprendizagem organizacional; uma importância
das relações interpessoais no desenvolvimento e disseminação
de iniciativas inovadoras; e o grande papel de divulgação do prê-
mio Enap de inovação na gestão pública.
Elaboração dos autores.

Entre os textos analisados, dois estudos ganhadoras do prêmio, relatados no quadro 4.


utilizaram metodologia qualitativa de pes- Utilizando técnicas de entrevista e análise de
quisa para produção de conhecimento so- conteúdo, as pesquisas permitem identificar
bre inovação tendo como base experiências achados importantes para o campo. O estudo

104
conduzido por Vargas (2010) demonstrou que, de Brandão (2012), por sua vez, permitiu a iden-
a despeito do alto potencial, a disseminação tificação de barreiras e indutores à inovação no
das iniciativas ganhadoras fica aquém das pos- governo federal brasileiro a partir da experiência
sibilidades, especialmente para outras esferas de ganhadores do prêmio. A autora, com base
e níveis de governo. A articulação em rede e na análise realizada, desenvolveu uma escala
o envolvimento da sociedade são fatores que de mensuração de barreiras e indutores de
parecem impactar na disseminação. O estudo inovação para a administração pública.

QUADRO 4
Estudos qualitativos desenvolvidos com base no Concurso Inovação na Gestão Pública Federal
Estudo Objetivo Metodologia empregada Resultados
• Predomínio de iniciativas capitaneadas pelas gerên-
cias de nível intermediário, responsáveis diretas pelas
iniciativas.
A partir de critérios de
• As iniciativas que apresentaram maiores evidências
Identificar o nível de dis- distribuição temática,
de disseminação foram aquelas que conseguiram
seminação das iniciativas instituições e região do
estabelecer uma relativa independência da esfera
Vargas premiadas entre 1996 e 2006, país, foram selecionadas
governamental.
(2010) ou seja, se foram adotadas em 35 iniciativas. Realizada
• Quanto ao modo de disseminação, observa-se a predo-
outros órgãos ou em outros sentrevistas e análise
minância da forma horizontal.
setores do órgão de origem. documental, bem como
• Iniciativas que demonstram uma forte articulação
análise de conteúdo.
entre políticas públicas e novas formas de gestão
pública apresentaram, também, potencial de disse-
minação internacional.
• São indutores à inovação: apoio político, intercâmbio
de conhecimentos e experiências; perfil diversificado
da equipe, disponibilidade de recursos orçamentários e
Identificar indutores e barrei- Entrevista com seis
financeiros, gestão estratégica de informações e crises
Brandão ras à inovação nas iniciativas gestores de iniciativas.
como oportunidades.
(2012) premiadas no concurso no Análises documental e de
• São barreiras à inovação: dificuldade de articulação
período de 2008 a 2010. conteúdo.
intersetorial, restrições legais, estrutura organizacio-
nal verticalizada e resistência à inovação e aversão
ao risco.
Elaboração dos autores.

Análises inferenciais, com objetivo de iden- de categorização triangulada permitiram a forma-


tificar correlações e relações causais entre as ção de bases de dados e geração de correlação
diferentes dimensões da inovação, também têm entre as diferentes variáveis propostas.
sido realizadas utilizando a base de dados do
Concurso Inovação. Os estudos destacados no A maior parte dos vinte textos citados ana-
quadro 5 relatam resultados mais robustos de lisa a trajetória e busca descrever padrões nas
pesquisa e permitem gerar hipóteses da dinâ- iniciativas premiadas ao longo de um período
mica da inovação nas organizações brasileiras e específico. A “radiografia” dos últimos vinte anos
testá-las a partir das análises desenvolvidas. O do CIGPF, apresentada na sequência, possibi-
uso de análise de conteúdo dos relatos e a pro- lita entender o perfil das iniciativas inovadoras,
dução de informações binárias utilizando técnica complementando essas análises.

105
QUADRO 5
Estudos inferenciais com base nas iniciativas do Concurso Inovação na Gestão Pública Federal
Estudo Objetivo Metodologia empregada Resultados
• Ocorrência dos seis tipos de inovação (radical, incre-
mental, de melhoria, ad hoc, formalização e recombi-
nativa), sendo que a parcela mais representativa cor-
responde aos tipos incremental, de melhoria e radical.
Verificar as influências Categorização triangulada • Relação entre desenvolvimento de pessoas e compe-
de barreiras e facilita- a partir de análise de con- tências e a inovação incremental.
Castro (2015) dores em inovações de teúdo e regressão logística • A barreira “dados e sistemas” caracterizou-se por in-
organizações do Poder para identificação de fluenciar positivamente a inovação incremental.
Executivo federal. relação entre as variáveis. • Quanto às inovações radicais, houve relação positiva
com a barreira infraestrutura.
• Para a ocorrência da inovação de melhoria, deve exis-
tir o melhoramento das características técnicas, mate-
riais ou imateriais.
Verificar a relação entre
• Relações significativas que demonstram a importância
coprodução e inovação Categorização triangulada
da coprodução na implementação de inovação, bem
face ao valor agregado a partir de análise de con-
como a importância do papel que o coprodutor exerce
Reis (2015) a partir de benefícios teúdo e regressão logística
no processo de inovação para a agregação de valor.
alcançados pela organi- para identificação de
• Houve uma significativa ocorrência de inovação
zação com a implementa- relação entre as variáveis.
incremental.
ção da inovação.
• Os fatores que mais recorrentemente interferem na
Categorização triangu-
Investigar os aspectos inovação são custo/benefício, recursos, relação em
lada, a partir de análise
cruciais da inovação na rede/cooperação e perfil da liderança.
Cavalcante e de conteúdo e análise de
gestão pública, os fatores • A maioria das inovações foram gestadas dentro da
Camões (2015b) qui-quadrado, para identi-
que a influenciam e própria organização.
ficação de relação entre as
direcionam. • Tamanho e complexidade organizacional interferem
variáveis.
na inovação.
Elaboração dos autores.

5 “RADIOGRAFIA” DO CONCURSO INOVAÇÃO concurso (1996-2015), ele sofreu algumas


NA GESTÃO PÚBLICA FEDERAL transformações em sua metodologia, objeti-
vando seu contínuo aperfeiçoamento. As mais
Nesta seção, é feita uma “radiografia” do Con- significativas ocorreram quando da sua XII
curso Inovação na Gestão Pública Federal, com edição, em 2007. Adotou-se, a partir de então,
enfoque no perfil das candidaturas e premia- um novo conceito de inovação, as dezesseis
ções, utilizando-se os parâmetros de órgãos áreas temáticas foram agrupadas em apenas
superiores participantes, áreas temáticas e sete, os critérios de seleção das propostas
localização territorial. foram alterados e o processo de julgamento
aperfeiçoado (Ferrarezi e Amorim, 2007).
Inicialmente, porém, é importante alertar, A linha de tempo a seguir apresenta os principais
mais uma vez, que, ao longo dos vinte anos do marcos metodológicos do concurso.5

5. Para a sua XXI edição, em 2016, o concurso será remodelado e passará a premiar, também, iniciativas desenvolvidas
pelos estados e pelo Distrito Federal. Além disso, o concurso receberá inscrições em duas modalidades distintas:
práticas inovadoras e ideias inovadoras. Serão três categorias: inovação em processos organizacionais, serviços ou
políticas públicas do Poder Executivo estadual; inovação em serviços ou políticas públicas do Poder Executivo federal; e
inovação em processos organizacionais no Poder Executivo federal.

106
FIGURA 1
Marcos metodológicos do Concurso Inovação na Gestão Pública Federal

Elaboração dos autores.

Essas alterações na metodologia do concurso Nesse período, o CIGPF recebeu 1.934 inscrições
não impedem, todavia, a realização de uma análise de iniciativas inovadoras, média de quase 100 por
acumulativa dos seus vinte anos de existência. edição, conforme pode ser visto no gráfico 1.

GRÁFICO 1
Número de inscrições no Concurso Inovação na Gestão Pública Federal (1996-2015), por edição
2.400
2.200
1.934
2.000 1.832
1.696
1.800 1.611
1.537
1.600 1.426
1.309
1.400
1.178
1.200 1.017
900
1.000 795 844
723 773
800 595
506
600 433
356
400 229
140 128 117 161 131 117 111 136
127 77 73 89 50 49 56 74 85 102
200 89 22
0
1a 2a 3a 4a 5a 6a 7a 8a 9a 10a 11a 12a 13a 14a 15a 16a 17a 18a 19a 20a

Número de inscrições Acumulado

Fonte: Enap.

O gráfico 2 mostra a distribuição percentual superiores (Presidência da República e minis-


das inscrições efetuadas, agrupadas por órgãos térios). Os ministérios que mais apresentaram

107
propostas inovadoras foram, nesta ordem, casos, contam com setores muito propensos à
Educação (16,3%), Fazenda (14,2%) e Saú- geração de inovação, como ensino e pesquisa.
de (12,8%). Desde as primeiras edições do Contrariamente ao esperado, o Ministério da
concurso, esses três órgãos superiores estão Ciência, Tecnologia e Inovação foi o que pro-
na dianteira nesse quesito. Essa elevada e porcionalmente menos apresentou propostas
constante participação pode ser explicada inovadoras em gestão pública (0,1%). Esta
pela existência de um ambiente organizacional contradição pode ser explicada pelo fato de
favorável à mudança nessas instituições, pelo o foco deste ministério estar na dinamização
tamanho de suas estruturas organizacionais, pelo do processo de inovação tecnológica nas em-
grande número de servidores e pela amplitude presas privadas, e não nas organizações do
de sua atuação funcional, dado que, em alguns setor público.

GRÁFICO 2
Distribuição de inscrições acumuladas em relação ao total geral, por órgão superior participante, nas vinte edições do
Concurso Inovação na Gestão Pública Federal (1996-2015)
(Em %)

Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação 0,1


Ministério das Cidades 0,2
Ministério do Esporte 0,3
Outros 0,5
Ministério das Relações Exteriores 0,6
Ministério do Turismo 0,6
Ministério da Integração Nacional 0,6
Ministério da Cultura 0,9
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome 1,0
Ministério dos Transportes 1,2
Ministério do Desenvolvimento Agrário 1,3
Ministério da Ciência e Tecnologia 1,6
Ministério do Meio Ambiente 1,9
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior 2,6
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento 2,7
Ministério de Minas e Energia 3,0
Ministério do Trabalho e Emprego 3,4
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão 4,1
Ministério da Justiça 4,1
Ministério da Defesa 5,6
Ministério das Comunicações 6,2
Presidência da República 6,4
Ministério da Previdência Social 7,8
Ministério da Saúde 12,8
Ministério da Fazenda 14,2
Ministério da Educação 16,3

0 5 10 15 20

Fonte: Enap.

108
O concurso premiou 362 iniciativas em suas favorável à proposição, à implementação e ao
vinte edições. No gráfico 3, pode ser visto o registro de novas – e boas –, ideias, conforme
número de iniciativas inovadoras premiadas e mencionado.6 Contribui, também, o grande nú-
inscritas. Novamente, destacam-se os minis- mero de propostas inscritas por estes órgãos
térios da Educação (65 iniciativas premiadas), superiores, o que, em regra, aumenta a chance
da Fazenda (46) e da Saúde (41) com a maior de se ter alguma iniciativa premiada (isto é,
quantidade de prêmios. Esse resultado sugere quanto mais propostas inscritas, mais propostas
a existência de um ambiente organizacional são avaliadas e podem ser premiadas).

GRÁFICO 3
Número de iniciativas inovadoras premiadas e número de inscrições, por órgão superior participante, nas vinte edições do
Concurso Inovação na Gestão Pública Federal (1996-2015)
Ministério da Educação 65
Ministério da Fazenda 46
Ministério da Saúde 41
Ministério da Previdência Social 36
Presidência da República 21
Ministério das Comunicações 21
Ministério da Defesa 13
Ministério da Justiça 14
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão 14
Ministério do Trabalho e Emprego 16
Ministério de Minas e Energia 12
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento 10
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior 10
Ministério do Meio Ambiente 8
Ministério da Ciência e Tecnologia 2
Ministério do Desenvolvimento Agrário 6
Ministério dos Transportes 2
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome 7
Ministério da Cultura 2
Ministério da Integração Nacional 1
Ministério do Turismo 2
Ministério das Relações Exteriores 2
Outros
Ministério do Esporte
Ministério das Cidades

0 50 100 150 200 250 300 350


Número de iniciativas premiadas Número de inscrições

Fonte: Enap.

6. Alerta-se que pode haver a situação de um ministério produzir inovação, mas por desconhecimento do concurso, ou
por não ter tempo ou incentivo para registrar sua experiência, dele não participar.

109
O gráfico 4 apresenta o percentual de ins- ministérios com maior número de inscrições.
crições, por área temática, nas vinte edições A segunda área com maior percentual de inscri-
do concurso. A análise das iniciativas inscritas ções é arranjos institucionais para coordenação
por área temática pode indicar tendências e/ou implementação de políticas públicas (15%),
para inovação no setor público.7 Melhoria dos mostrando uma tendência de conformação das
processos de trabalho, com 24% das inscrições, políticas públicas em arranjos mais complexos
é a área com o maior número de iniciativas, que envolvem redes e parcerias com atores
provavelmente em razão da exigência cons- estatais e não estatais. Vale a pena mencionar
tante por aprimoramento e racionalização dos que a terceira, a quarta, a quinta e a sexta áre-
processos de trabalho nos órgãos públicos, as têm participações muito próximas (14% e
particularmente naqueles que prestam serviços 13%), o que indica uma distribuição uniforme
diretamente à população, como é o caso dos três das inscrições nesses temas.

GRÁFICO 4
Distribuição de inscrições, por área temática, nas vinte edições do Concurso Inovação na Gestão Pública Federal (1996-2015)
(Em %)

3
5
24
13

13

15

13
14

Melhoria dos processos de trabalho Atendimento ao cidadão Outros


Arranjos institucionais para coordenação e/ou Planejamento, orçamento, gestão Avaliação e monitoramento de
implementação de políticas públicas e desempenho institucional políticas públicas
Gestão da informação Gestão e desenvolvimento de pessoas

Fonteg: Enap.

A área temática que contou com a maior cabe destacar o excelente desempenho das
quantidade de iniciativas premiadas no CI- iniciativas na área atendimento ao cidadão.
GPF foi melhoria dos processos de traba- Embora tenham 13,6% do total das inscrições,
lho (19,7%), que, também, tinha sido a área elas ganharam 18,8% dos prêmios, provando
com o maior número de inscrições. Contudo, que o foco no atendimento do cidadão tem

7. As áreas temáticas variaram ao longo das vinte edições do concurso. Para os fins deste capítulo, elas foram agrupadas
em oito: melhoria dos processos de trabalho; arranjos institucionais para coordenação e/ou implementação de políticas
públicas; gestão da informação; atendimento ao cidadão; planejamento, orçamento, gestão e desempenho institucional;
gestão e desenvolvimento de pessoas; avaliação e monitoramento de políticas públicas; e outros.

110
se mostrado uma estratégia vencedora no são, proporcionalmente, menos vencedoras,
concurso. Também foram proporcionalmente sugerindo que os critérios e mecanismos de
bem premiadas as iniciativas ligadas a arranjos premiação do CIGPF valorizam inovações que
institucionais e a planejamento, orçamento, miram, preferencialmente, o público externo da
gestão e desempenho institucional. Porém, organização. Os percentuais de inscrições e de
observa-se que algumas iniciativas voltadas iniciativas premiadas, por área temática, nas
para dentro da organização (gestão da infor- vinte edições do concurso, são apresentados
mação e gestão e desenvolvimento de pessoas) no gráfico 5.

GRÁFICO 5
Distribuições de inscrições e iniciativas premiadas, por área temática, nas vinte edições do Concurso Inovação na Gestão
Pública Federal (1996-2015)
(Em %)

Arranjos institucionais para coordenação 14,9


e implementação de políticas públicas 16,2

13,6
Atendimento ao cidadão
18,8

Avaliação e monitoramento 2,7


de políticas públicas 2,8

14,0
Gestão da informação
10,5

Gestão e desenvolvimento 13,0


de pessoas 8,3

23,7
Melhoria dos processos de trabalho
19,7

Planejamento, orçamento, 13,2


gestão e desempenho institucional 16,5

4,9
Outros
7,1

0 5 10 15 20 25

Inscritas Premiadas

Fonte: Enap.

Foram conduzidas iniciativas inovadoras quantidade de órgãos federais sediados na


federais em todos as Unidades da Federação capital do país (gráfico 6). Após vinte anos
(UFs), com exceção de Tocantins. Destaca-se do prêmio, é possível identificar não apenas
o Distrito Federal, com quase metade das dados gerais das iniciativas premiadas, como,
inscrições (49%) e das iniciativas premiadas também, ressaltar a trajetória de alguns campos
(47%), desempenho explicado pela grande e organizações públicas que tiveram destaque

111
registrado pela história do concurso. Alguns após consultas a ex-membros do Comitê Jul-
exemplos emblemáticos são trazidos a seguir, gador do CIGPF.8

GRÁFICO 6
Distribuição das inscrições e iniciativas premiadas no Distrito Federal e nas outras Unidades da Federação (UFs) nas vinte
edições do Concurso Inovação na Gestão Pública Federal (1996-2015)
(Em %)

54

53

52

51

50

49

48

47

46

45

44
Distrito Federal Outras Unidades da Federação

Inscrições Premiadas

Fonte: Enap.

No campo social, algumas iniciativas se desta- Educação Básica (Saeb) e o Exame Nacional
caram, como: a criação do sistema de avaliação de Cursos – Provão (premiados em 2008); o
e monitoramento das políticas do Ministério do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) (Ideb) (premiado em 2009); o banco nacional
e a criação da Rede Suas (premiadas em 2006); de itens do Exame Nacional de Desempenho
o Cadastro Único (MDS, premiada em 2007); o de Estudantes (Enade) e a reformulação e o
acompanhamento da frequência escolar (MEC, monitoramento de riscos do Exame Nacional
premiada em 2009) e a gestão de condicionalida- do Ensino Médio (Enem) (premiados em 2013);
des do Programa Bolsa Família (MDS, premiada e a bolsa-formação do Programa Nacional de
em 2010); o Censo Suas (premiada em 2011); e Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Prona-
duas iniciativas relacionadas ao monitoramento tec) (premiada em 2014).
e à coordenação intergovernamental do Plano
Brasil sem Miséria (premiadas em 2013). A Receita Federal do Brasil (RFB) é um órgão
com participação emblemática no concurso, com
Especificamente no campo da educação, várias iniciativas inovadoras, como a criação
destacaram-se: o Sistema de Avaliação da da central de atendimento ao contribuinte em

8. Essas consultas foram realizadas em 2015, com cinco ex-membros do comitê julgador que detinham vasta experiência
no setor público. A partir do rol de todas as iniciativas ganhadoras até então, foram considerados exemplos emblemáticos
aqueles que foram votados como tal por, pelo menos, três dos cinco ex-membros.

112
1996, passando pela consolidação das entregas prospecção de inovações, o Concurso Inovação
das declarações pela internet em 1997 e a plena na Gestão Pública Federal, organizado pela Enap
modernização e atendimento com certificação desde 1996. Para tanto, foi apresentada uma
digital, premiada em 2005. análise dos estudos existentes e um panorama
do concurso, com ênfase nas suas áreas temá-
Outra organização que teve sua evolução ticas e trajetórias de iniciativas candidatas e
reconhecida ao longo desses vinte anos foi o Ins- premiadas no decorrer de sua história.
tituto Nacional do Seguro Social (INSS). Ao todo,
foram 25 iniciativas, com destaque para aquelas Nota-se que a produção de conhecimento
relacionadas à ampliação do alcance ao cidadão: sobre inovação na gestão pública é ainda in-
Posto flutuante no Pará, e Por terra, pelo ar, pelos cipiente no Brasil. Nesse sentido, o CIGPF tem
rios, a Previdência chega até você, premiadas em sido uma fonte pioneira de produção de conhe-
1998. O INSS teve, também, iniciativas focadas cimento sobre o assunto, embora de forma não
na gestão e diminuição do tempo de atendimento rotineira e pouco sistemática. O concurso tem
e agilidade na prestação dos serviços, tais como: como objetivos o estímulo e a disseminação de
o Sistema de acompanhamento do estoque de práticas inovadoras na gestão pública brasileira
benefícios e o Programa de gestão descentraliza- e a valorização dos servidores públicos. Um dos
da nas gerências executivas do INSS, iniciativas seus resultados não previstos foi a criação de
premiadas em 2001; o Atendimento programado, uma ampla fonte de dados para a realização
premiada em 2008; e a Aposentadoria em até de estudos e pesquisas com vistas ao aumento
30 minutos, premiada em 2010. do conhecimento sobre inovação na gestão
pública, ação até então inédita no país.
Diversas empresas públicas também têm se
destacado pelas iniciativas de melhoria de ges- Durante esses vinte anos de existência, o
tão. Embrapa, Dataprev, Correios, Eletronorte, concurso recebeu 1.934 inscrições e premiou
Caixa, entre outras, somam cerca de cinquenta 362 iniciativas. Foram conduzidas iniciativas
iniciativas premiadas em diversas frentes de inovadoras federais em todas as UFs, excetuan-
gestão de seus negócios específicos. do-se o Tocantins, com o Distrito Federal lide-
rando o processo. Nesse período, os ministérios
Podem ser elencadas, também, iniciativas que mais apresentaram propostas inovadoras
que chamam a atenção pelo grau de institucio- e mais receberam premiações foram, nesta or-
nalização e consolidação junto à administração dem, Educação, Fazenda e Saúde. Essa elevada
pública federal e pelo seu grande impacto em e constante participação pode ser explicada
todo o setor público, como os casos do Com- pela existência de um ambiente organizacional
prasNet, o site da transparência das compras favorável à mudança nessas instituições, pelo
governamentais, iniciativa premiada em 2001; tamanho de suas estruturas organizacionais, pelo
do Pregão: uma nova modalidade de licitação, grande número de servidores e pela amplitude de
premiada em 2002; do Portal da Transparência, sua atuação funcional, uma vez que, em alguns
premiada em 2007; e do E-SIC – Sistema ele- casos, contam com setores muito propensos à
trônico do serviço de informações ao cidadão, geração de inovação.
premiada em 2013.
Melhoria dos processos de trabalho é a área
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS temática com o maior número de iniciativas, pro-
vavelmente em razão da exigência constante por
O capítulo procurou discutir questões relativas aprimoramento e racionalização dos processos
à inovação no setor público brasileiro, a partir de trabalho nos órgãos públicos, particularmente
do seu principal instrumento de premiação e naqueles que prestam serviços diretamente à

113
população, como é o caso dos três ministérios que estão na agenda para investigações futuras
líderes. Ela foi, também, a temática mais premiada e merecem ser aprofundadas. Entre elas, des-
ao longo da existência do concurso. tacam-se as seguintes:

Contudo, cabe destacar o excelente desem- • Quais os fatores indutores da inovação no


penho das iniciativas na área de atendimento setor público brasileiro?
ao cidadão. Nos cinco primeiros anos, essa
centralidade se justificava pelo atrelamento • Quais as principais barreiras institucionais
do concurso ao Plano Diretor de Reforma do para inovar no setor público brasileiro?
Aparelho do Estado e à onda gerencialista. No
entanto, após vinte anos, está provado que o • É possível criar um índice de inovação
foco no atendimento ao cidadão consolidou-se para todo o setor público brasileiro? Que
como uma estratégia vencedora no concurso. indicadores o comporiam?
Adicionalmente, a atuação em redes e parcerias
aparece em diversos estudos ao longo da história • O sucesso de alguns órgãos públicos na
do prêmio e continua sendo uma das principais implementação de iniciativas inovadoras
áreas temáticas no balanço dos seus vinte anos. pode ser replicado? Sob que contexto?

Os resultados do concurso possibilitaram • Quais os reais impactos de práticas ino-


a organização de um banco de soluções ino- vadoras no setor público brasileiro?
vadoras e de um conjunto de insumos para
diversos estudos sobre o tema da inovação Avançar nessas questões pode ampliar con-
na administração pública brasileira. A síntese sideravelmente o entendimento sobre inovação
dos resultados dos estudos que utilizaram este no setor público e ajudar na sua disseminação.
banco de dados mostra o alcance dos objetivos Ademais, em relação ao fomento à prática inova-
iniciais do concurso, quais sejam: o incentivo dora no setor público, é importante ter em mente
à implementação de iniciativas inovadoras de também a constante necessidade de inovar.
gestão que contribuem para a melhoria dos Nesse sentido, a ação governamental não deve
serviços públicos; a disseminação de soluções se restringir apenas ao prêmio, que, embora seja
inovadoras enquanto inspiração e referência uma iniciativa fundamental, não engloba todo
para o avanço da capacidade de governo;9 e a o potencial inovador da administração pública.
valorização dos servidores públicos que atuam É importante, também, atuar no incentivo de
de forma proativa e empreendedora.10 atividades com instituições públicas, privadas,
universidades e cidadãos que promovam soluções
Embora o concurso tenha aumentado o cocriadas e abertas para problemas do setor
conhecimento sobre o tema inovação no go- público, tais como as experiências de hacktons
verno federal e se tornado fonte de solução de e os desafios (challenges), entre outras. Da
problemas para todo o setor público brasileiro, mesma forma, o foco em ações de treinamento
observam-se, ainda, várias questões importantes e formação do quadro funcional em métodos

9. Para a disseminação de soluções inovadoras, foram adotadas as seguintes estratégias: publicação de livro com as
narrativas das iniciativas vencedoras em cada edição; criação do Banco de Soluções; realização de evento de premiação
das iniciativas vencedoras, com ampla divulgação; e realização de estudos sobre o concurso (como os referenciados
neste capítulo).
10. Em todas as edições do concurso, as premiações eram concedidas às equipes formadas pelos servidores responsáveis
pela implementação das iniciativas (as premiações não eram dadas aos dirigentes das instituições participantes). Além
disso, algumas premiações envolviam cursos e viagens técnicas oferecidas exclusivamente para os membros das
equipes, como forma de valorizar os servidores proativos e empreendedores.

114
inovadores de gestão deve ser outro pilar de uma Commission, 2013. (Report of the Expert Group
política integrada e sistemática de construção on Public Sector Innovation).
de capacidade inovadora na burocracia federal.
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117
CAPÍTULO 6
INOVAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL: uma visão geral
de seus tipos, resultados e indutores1
Pedro Cavalcante2 | Marizaura Camões3

1 INTRODUÇÃO econômicas, políticas, sociais e tecnológicas


em um mundo mais globalizado e conectado,
As melhorias no setor público têm sido o pro- limitadas por aumento nas expectativas dos
pósito crucial incorporado em movimentos de cidadãos, problemas complexos e orçamentos
reforma desde o fim de 1970. Profissionais e apertados. Damanpour, Walker e Avellaneda
acadêmicos da administração pública atualmente (2009, p. 653) argumentam que “organiza-
parecem ter superado as estratégias de reforma ções são vistas como sistemas adaptáveis
globais e estão concentrando a sua atenção que introduzem mudanças para funcionar
nas pequenas alterações na administração com eficiência”.
pública que geram resultados em curto prazo
com menores custos transacionais. Nesse sentido, muitos têm afirmado que a
inovação pode contribuir não só para o cresci-
De acordo com Borins (2014), a inovação mento econômico, a transformação industrial
pública tem se tornado uma área de interesse e a vantagem competitiva, mas também para
em si própria, distinguindo-se do new public melhorar a qualidade e eficiência do serviço pú-
management (NPM) e outros modelos similares, blico ao aumentar a capacidade governamental
populares nas últimas décadas. Essas amplas em resolver problemas.
estratégias de reforma vêm sendo substituídas
pelo que Pollitt e Bouckaert (2011) chamaram Todavia, apesar do crescente interesse na
de melhorias em pequena escala. área de estudo da administração pública, Pollitt
e Hupe (2011) argumentam que a análise da
O tema deixou de ser uma questão exclusiva inovação sofre por ter o status de “conceito
de corporações e empresas privadas para ser mágico”, assim como participação, responsa-
relevante também em organizações públicas bilidade e governança. Em outras palavras, a
ao redor do mundo. Com isso, agências do nobre e normativa natureza da inovação, até
setor público produzem ou adotam iniciati- certo ponto, atrapalha a habilidade dos analistas
vas em resposta às constantes mudanças de se aprofundar em suas limitações.

1. Esse artigo foi originalmente publicado em CAVALCANTE, P; CAMOES, M. R. S. Public Innovation in Brazil: an overview
of its types, results and drivers. Brasília: Ipea, p. 1-36, 2017. (Discussion paper, n. 222).
2. Especialista em políticas públicas e gestão governamental e atualmente coordenador na Diretoria de Estudos e Políticas
do Estado, das Instituições e da Democracia (Diest) do Ipea.
3. Especialista em políticas públicas e gestão governamental e atualmente coordenadora-geral de pesquisa na Escola
Nacional de Administração Pública (Enap).
Osborne e Brown (2013) sustentam que três duas primeiras estratégias foram bem-sucedidas
falhas atrasam o entendimento da inovação nos enquanto a última foi raramente adotada pelo
serviços públicos: i) o entendimento da natureza da Poder Executivo.
inovação é frequentemente considerado, erronea-
mente, como um processo puramente consciente; A reforma também propôs mudanças no modo
ii) posicionar a inovação como uma boa “normativa” como o governo deve desempenhar, incluindo
em políticas públicas; e iii) a adoção de modelos aspectos relacionados à responsabilidade, à
de referência em inovação inapropriados, vindos eficiência e ao foco nos resultados em vez de
da manufatura e não de serviços. controles ex ante. Apesar de os resultados não
terem sido avaliados com precisão, há um consenso
No Brasil, especificamente, um certo grau de de que esses componentes têm sido incorpo-
consenso sobre inovações em gestão tem au- rados na gestão pública em uma variedade de
mentado nas últimas duas décadas. No entanto, modos e níveis. Nesse sentido, o movimento NPM
assim como em outros países, falta conhecimento brasileiro segue reformas similares implementa-
baseado em evidências empíricas sobre diferen- das ao redor do mundo, o que converge com a
tes dimensões da inovação (Bekkers, Edelenbos percepção de Pollitt e Bouckaert (2011) que em
e Steijn, 2011; Brandão e Bruno-Faria, 2013). vez de “grandes reformas e grandes ideias”, os
resultados prevalecentes foram mais inclinados
Uma importante dimensão da inovação que para a gestão de melhorias em pequena escala
deve ser investigada mais profundamente é a ou inovações no setor público.
dos determinantes. Em outras palavras, quais
fatores influenciam as práticas de inovação do Nesse debate, o capítulo discute a importante
setor público? Os determinantes ou indutores dimensão da inovação de processos no governo
da inovação variam de acordo com o tipo ou a visando um propósito duplo: profissionais e acadê-
fase da inovação? Os diferentes indutores da micos. Os primeiros são, normalmente, preocupados
inovação afetam seus objetivos e resultados em entender como a inovação acontece com o
de forma distinta? Este capítulo tem o objetivo objetivo de melhorar a capacidade de desempe-
de responder a essas importantes questões. Os nho das organizações. Acadêmicos, por sua vez,
dados originais são provenientes do Concurso exploram mais a fundo, baseados em metodolo-
Inovação no Setor Público (Cisp), o mais impor- gias científicas, não somente os determinantes
tante prêmio de inovação no Brasil. A premiação da inovação, mas também falhas de inovação e
anual foi criada pela Escola Nacional de Adminis- outros aspectos desse complexo fenômeno. A
tração Pública (Enap) para reconhecer práticas pesquisa sobre inovação tem contribuído para
inovadoras que tenham melhorado a capacidade quebrar a percepção negativa da gestão e das
e a prestação de serviços do governo. A cada políticas públicas, difundidas na opinião pública.
ano, vinte iniciativas são indicadas para a final e
dez são premiadas como as práticas de gestão Por essa razão, este estudo pertence a uma
mais inovadoras no governo federal. subárea dos estudos de inovação no setor
público que usa prêmios em inovação como
O governo federal brasileiro lançou o Cisp em objeto de análise. Em suma, programas de pre-
1996, dentro do escopo do movimento new public miação produzem inscrições redigidas e, por
administration. Durante a década de 1990, uma processo de julgamento, classifica e reconhece
reforma global foi realizada para transformar os aqueles que atenderam mais estritamente aos
meios e as responsabilidades do setor público, critérios do programa. Borins (2014) resume a
especialmente, focada em privatização, enxuga- literatura dessa subárea e a divide baseada em
mento da máquina e transferência de políticas sua metodologia e foco de pesquisa, que varia
sociais ao terceiro setor. Como resultado, as consideravelmente de acordo com os níveis dos

120
governos e países. Apesar de estudos de caso cia desses fatores nos relatórios das iniciativas
continuarem a ser utilizados, recentemente participantes do Cisp entre 2007 e 2015. As
a maioria das pesquisas tem se voltado para estatísticas descritivas são apresentadas na
métodos quantitativos, principalmente, focados seção 4 deste capítulo. Adicionalmente, são
em dados coletados por pesquisas. Por sua vez, discutidas considerações finais e uma agenda
os questionamentos abrangem uma diversidade de pesquisas futuras.
de assuntos, especialmente, a própria inovação,
o empreendedorismo do setor público e das 2 INOVAÇÃO NO SETOR PÚBLICO
organizações inovadoras.
Para oferecer uma base teórica que suporte a
Para contribuir com a literatura, esse capítulo análise do capítulo, nós realizamos uma abrangente
constrói um banco de dados de variáveis quan- revisão de literatura na área de administração
titativas empregando análise de conteúdo nos pública, não somente apoiada em publicações
relatórios de iniciativas finalistas e vencedoras. brasileiras como também internacionais. O foco
Em seguida, examinamos os seus fatores de está, principalmente, nos fatores determinantes
influência, incluindo ambientais, organizacio- ou influenciadores que afetam a geração de
nais, características de inovação e níveis dos inovação ou a decisão de adotar uma prática
indivíduos/funcionários. Além disso, uma análise inovadora no setor público.
exploratória é realizada para explicar a relação
entre esses fatores e outros aspectos relevantes, A revisão de literatura inclui livros clássicos
como tipo de inovação, processo de decisão e sobre o assunto e publicações de organizações
fase de iniciação. Os resultados da pesquisa multilaterais4 e agências governamentais espe-
trazem importantes visões empíricas para o cializadas. A revisão analisa também as publica-
debate e ajudam no avanço do conhecimento ções científicas internacionais mais importantes,
teórico e empírico sobre processos de inovação com fator de impacto acima de 1.5 em 2014, de
e seus resultados em organizações públicas. acordo com a classificação da Thomson Scientific
ISI.5 Na literatura brasileira, procuramos artigos
Além dessa introdução, o trabalho apresenta publicados nas seis mais importantes revistas
a revisão de literatura relacionada aos tipos de da área de administração, classificadas pela
inovação, objetivos/produtos e fatores de influ- Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
ência. Baseado nisso, é realizada uma análise de Nível Superior (Capes).6 O estudo abrange um
detalhada usando um protocolo específico, com período de dez anos (2006-2016). Os descritores
o propósito de identificar a presença ou ausên- utilizados foram: i) inovação; ii) inovação e setor

4. A lista inclui o governo da Austrália; o British National Audit Office; o Centro para o Progresso Americano
(Estados Unidos); o Danish Centre for Studies in Research and Research Policy; a Comissão Europeia; Innovation
Unit (Reino Unido); a National Endowment for Science, Technology and the Arts (Nesta – Reino Unido); e a
Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
4. As revistas selecionadas foram: Administrative Science Quarterly; Journal of Public Administration Research
and Theory; Journal of European Public Policy; Journal of Policy Analysis and Management; American Review
of Public Administration; Public Administration Review; e Policy Studies Journal.
5. A Fundação Capes é uma agência governamental brasileira responsável por financiar estudantes em
universidades e centros de pesquisa no Brasil e no exterior. Os periódicos brasileiros consultados foram
Brazilian Administration Review; Cadernos Ebape.BR; Organizações & Sociedade; Revista de Administração
Contemporânea; Revista de Administração; e Revista de Administração Pública.
6. A informação detalhada sobre tomada de decisão, tipo, objetivos/resultados e fatores de influência consta
no anexo A.

121
público; e iii) inovação na administração pública. parte do protocolo de coleta de dados usados
Por último, buscamos por publicações frequen- por essa pesquisa.
temente citadas, com o objetivo de garantir que
referências importantes não fossem omitidas. Em primeiro lugar, as tipologias da inovação
parecem ter recebido um nível considerável
Com base nas estratégias de busca comple- de atenção por parte dos acadêmicos. OECD
mentares adotadas, de centenas de estudos que (2005, p. 57) divide a inovação em quatro tipos.
discutem os fatores que influenciam na inovação
do setor público, outros descritores específicos 1) Produto: bem ou serviço novo ou melho-
foram adicionados: antecedentes, determinantes, rado significativamente respeitando suas
indutores e facilitadores. Como resultado, a maior características ou finalidade.
parte das publicações consultadas são revistas
internacionais (36), seguida por relatórios e estudos 2) Processo: método de produção ou distribui-
de organizações multilaterais e nacionais (25). ção novo ou significativamente melhorado.
Também foram revisados seis livros clássicos,
três publicações do governo federal brasileiro 3) Marketing: novo método de marketing
e dezesseis artigos científicos nacionais. com mudanças significativas em design de
produto ou embalagem, posicionamento,
A gestão da inovação é uma construção promoção ou precificação.
multidimensional que pode variar de acordo com
aspectos importantes, como tipos, objetivos/ 4) Organizacional: novo método organizacio-
resultados, fases e assim por diante. Histori- nal nas práticas de negócio da empresa,
camente, fatores organizacionais e ambientais no ambiente de trabalho ou nas relações
desempenham um papel dominante nos debates externas.
sobre a capacidade de inovação das organizações.
No entanto, sua relevância varia conforme casos Apesar de a tipologia da Organização para
particulares e, acima de tudo, com a combinação a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico
deles, e não somente como a consequência de (OECD) ter sido concebida para a inovação no
um fator isolado. Segundo Walker (2007, p. 591), setor privado, é considerada uma importante
“a teoria da configuração é proposta como um referência para o debate da administração públi-
quadro que se afasta da análise da miríade de ca. Por essa razão, pesquisadores introduziram
variáveis individuais e vai de encontro à conside- muitas tipologias conceituais de inovação, uma
ração da relação entre antecedentes e tipos de vez que perceberam que as características da
inovação.” O autor utilizou múltiplas regressões inovação e sua adoção são afetadas de forma
sobre dados levantados pelos informantes do distinta por fatores ambientais e organizacionais
governo local inglês para demonstrar que as (Damanpour, Walker e Avellaneda, 2009).
relações entre antecedentes e tipos de inovação
são relativamente complexas e precisam ser De acordo com Walker, Damanpour e
entendidas como tal. Devece (2010), as tipologias aplicadas com
maior frequência são: i) produto/serviços versus
Considerando essa hipótese, para investigar inovação no processo; ii) inovações tecnológicas
indutores ou determinantes da inovação, deve ser versus inovações administrativas/gerenciais;
dada especial atenção a estes outros aspectos iii) radicais versus incrementais. Esta última, por
(por exemplo, tipos e fase inicial). Por conseguin- exemplo, pode ser analisada em três formatos,
te, inicialmente, destacamos o entendimento em vez de dois. Bekkers, Edelenbos e Steijn
de alguns desses aspectos, uma vez que são (2011) argumentam que o processo de inovação

122
pode ser incremental, com pequenas mudanças A outra dimensão com a qual os acadêmicos
graduais; ou radical, com novos produtos ou se ocupam é a de fases da inovação. Segundo
serviços ou mudanças significativas em seu modo Hartley (2013), as fases analíticas do processo
de oferta e produção e, por último, inovações de inovação são invenção (quando as ideias são
sistemáticas, grandes mudanças resultantes de, concebidas), implementação (processo de traduzir
por exemplo, introdução de novas tecnologias. as ideias em políticas) e difusão (disseminação
Outras classificações similares dividem a inovação da inovação na organização ou em seu exterior).
em evolutiva – mudanças incrementais dentro Uma vez que o foco está nos determinantes da
da organização – e revolucionárias, na qual a inovação já implementados nas organizações
inovação não é parte de uma adaptação normal públicas, este capítulo trata de duas fases dis-
ou de mudanças no processo, mas sim uma tintas: geração e adoção. A primeira, também
grande transformação dentro do setor. Ambas as chamada de desenvolvimento da inovação ou
condições são percebidas como descontinuidade iniciação, consiste em um processo, de incubação
com o passado, seja por condições internas endógena, que resulta em novas soluções para
ou externas. a população organizacional. A segunda, mais
estudada na literatura de inovações gerenciais
Uma tipologia abrangente e adequada para (Damanpour e Aravind, 2012), normalmente
inovações organizacionais e que leva em con- envolve três fases: iniciação, decisão da adoção
sideração as complexidades do setor público e implementação. Em suma, somente depois de
foi formulada por Meeus e Edquist (2006). Nós regularmente aceita por usuários e funcionários
usamos estes quatro tipos de inovações no é que a inovação é considerada implementada,
protocolo de coleta de dados da nossa pesquisa. semelhante a um processo de assimilação (Da-
manpour e Schneider 2006; 2009; Rogers, 2003;
1) Inovação no serviço: introdução de novos Walker, Damanpour e Devece, 2010).
serviços para clientes novos ou existentes
ou oferecimento de serviços existentes para Geração de inovação é tipicamente mais
novos clientes. lenta do que a adoção, ao mesmo tempo em
que a mensuração da adoção tende a ser mais
2) Inovação no processo: o objetivo é aumen- fácil. Estudos propõem que enquanto a geração
tar a eficiência e eficácia dos processos pode ser facilitada pela maior complexidade e
organizacionais internos para facilitar a menor formalização e centralização, a adoção
produção e entrega de bens e serviços aos tende a ser facilitada por menor complexidade
cidadãos (foco interno). e maior formalização e centralização. Em outras
palavras, geração de inovação é mais fácil de
3) Inovação no processo tecnológico: novos ocorrer em uma estrutura orgânica e adoção é
elementos são introduzidos no sistema mais fácil em uma estrutura mecânica.
produtivo ou na operação de serviços de
uma organização para produzir seus produ- No que se refere aos objetivos e resultados
tos ou restituir seus serviços aos cidadãos. da inovação, a adoção é dominante no setor
público. Nesse caso, estudos incluem três obje-
4) Inovação no processo administrativo: no- tivos gerais: gerar eficiência em ações internas
vas abordagens e práticas para motivar (políticas e iniciativas); aprimorar serviços e
e recompensar membros da organização, soluções para cidadãos e negócios; promover
desenhar estratégias e estrutura das uni- inovação em outros setores (De Vries, Bekkers
dades executoras e modificar o processo e Tummers, 2016). Assim como a análise de
de gestão das organizações. tipologias, esses estudos também se deparam

123
com diversas instâncias ou com a sobreposição abrangência e qualidade. Esses artigos anali-
entre resultados e objetivos do processo inova- sam inovações em diferentes países, níveis de
dor. Colocando de outro modo, ações que visam governo e áreas/políticas de inovação distintas.
produzir eficácia e eficiência podem também No que diz respeito à metodologia aplicada, as
resultar em satisfação mais alta nos cidadãos; pesquisas abrangem uma gama de abordagens,
ou inovações criadas para atender o ambiente desde um único estudo de caso até grandes
externo pode causar grande envolvimento de inquéritos comparativos.
cidadãos e parceiros privados.
No lado substantivo, a inovação na administra-
Com o objetivo de investigar os determi- ção pública é afetada por uma variedade de fatores
nantes da inovação na administração pública que, na maioria dos casos, tem seus impactos
brasileira, além dos objetivos e resultados mais difíceis de serem mensurados individualmente.
comuns da inovação, como eficiência, qualidade Devido ao seu contexto complexo, acadêmicos
e satisfação do usuário (Bugge, Mortensen e têm separado e enquadrado os indutores/facili-
Bloch, 2011), nós também adicionamos eficá- tadores da inovação em grupos ou níveis.
cia, economia, resposta ao ambiente externo e
envolvimento social, todos, em diferentes níveis, A estratégia usual é classificar os fatores
são encontrados na literatura (De Vries, Bekkers influentes como internos e externos e então
e Tummers, 2016). examinar seus impactos. Desta forma, Luke,
Verreynne e Kearins (2010), investigando três
O processo de tomada de decisão envolvendo empresas estatais da Nova Zelândia, descobre
inovação, seja gerada ou adotada, tende a refletir que as exigências de desempenho de aspectos
e ser refletido pelos indutores e facilitadores da externos e internos, como cultura mais flexível,
iniciativa (European Commission, 2011). Su- investimento em pessoas e aplicação delibe-
cessivamente, há três abordagens que podem rada e transferência de conhecimento, afetam
prevalecer ao desenvolver ou implementar uma atividades empreendedoras.
inovação organizacional: i) top-down: como resul-
tado do engajamento de políticos/servidores/alto Os efeitos combinados parecem ser impor-
comando; ii) horizontal: processo de cocriação tantes, como Bloch e Bugge (2013) mostraram,
entre funcionários de baixo e médio escalão analisando a inovação nos governos escandinavos.
com seus líderes; e iii) bottom-up: inovação Os autores classificam os indutores da inovação,
empreendida por equipes menos graduadas e percebidos pelas partes interessadas, como
sem o envolvimento de seus líderes. segue: gestão interna; pessoal interno; forças
condutoras políticas; organizações públicas;
Finalmente, antes de discutir os fatores de empresas (fornecedores e usuários); e cidadãos.
influência da inovação no setor público, vale a
pena mencionar que também incluímos as vari- Hansen (2011) concluiu que a liderança
áveis área temática e setor de política no banco de políticos eleitos, bem como profissionais
de dados. Ambas variáveis são pré-definidas burocratas e tamanho organizacional foram
pelos candidatos. antecedentes relevantes para a adoção do new
public management (NPM) em governos locais
Conforme mencionado anteriormente, a dinamarqueses. Como esperado, os graus de
massa da literatura sobre os determinantes influência tendem a variar de acordo com o tipo
da inovação no setor público vem das princi- de inovação, neste caso em particular, entre o
pais revistas científicas, não somente em uma tipo de marketização do NPM e o tipo gerencial
base quantitativa, mas também em termos de genérico.

124
Liderança e tamanho organizacional, jun- incluir os gestores de nível médio da organização
tamente com folga organizacional, também ou, como Borins (2014) denomina, “heróis locais”.
são determinantes da inovação identificados O autor, por sua vez, reforça que a inovação
por Fernandez e Wise (2010) em sua pesquisa pública é essencialmente uma consequência de
sobre a adoção da exigência de visto específico relações colaborativas entre diferentes atores.
para matrícula em escolas públicas no Texas.
Sobre a liderança, os autores concluíram que Da mesma forma, Choi e Chang (2009) in-
o comportamento gerencial e a vontade dos vestigaram os efeitos de fatores institucionais e
líderes tendem a ser relacionados positivamente processos coletivos, baseados nos funcionários,
à probabilidade de envolvimento do pessoal no sobre a eficácia e implementação da inovação.
processo de inovações. As conclusões dos autores Eles também concluíram que os processos
também sugerem que grandes organizações, coletivos mediam efeitos institucionais sobre a
apesar de exibir níveis mais elevados de com- implementação de inovações e seus resultados.
plexidade estrutural e diferenciação, têm mais
recursos e legitimidade para enfrentar os custos Essa perspectiva global destaca também
de falhas na inovação. O mesmo se encaixa para o papel dos fatores externos. Como já é de
folga organizacional que, logicamente, tende a conhecimento no setor privado, organizações
aumentar a probabilidade de uma inovação ser públicas podem tornar-se pioneiras na adoção
bem-sucedida fixando as entradas necessárias. de inovação usando informações estratégicas
provenientes de redes e comunicação (Da-
No mesmo sentido, Damanpour e Schneider manpour e Aravind, 2012). A gama de fatores
(2008), estudando a adoção de 25 inovações de influência que decorre de ambiente externo
em 725 governos locais nos Estados Unidos, é ampla, incluindo a concorrência, a desregula-
identificaram que os líderes são capazes de mentação e isomorfismo, passando pela escassez
influenciar a motivação e satisfação dos fun- de recursos e demanda do cliente (Damanpour,
cionários ao criar uma atmosfera de inovação Walker e Avellaneda, 2009).
na organização. Ao fazê-lo, a atitude do gestor,
combinada com as características da inovação, Em nível individual, Hopkins (2015), funda-
afetam a adoção da inovação. Embora este último mentando-se em um estudo de caso sobre o
seja um dos fatores de influência menos analisa- governo federal canadense, argumenta que os
dos, Damanpour e Schneider (2009) testaram a incentivos importam de fato. Agências que forne-
influência do custo de inovação, complexidade e cem incentivos aos seus funcionários aumentam
impacto sobre adoção de inovações. Concluíram a probabilidade de implementar inovações. Mais
que o custo e o impacto da inovação tiveram um recentemente, Walker (2014) desenvolveu uma
efeito positivo; por seu turno, a complexidade meta-análise de dezessete estudos empíricos
não mostrou efeito significativo. Além disso, de inovação do governo local e deduziu efeitos
o artigo argumenta que as características da positivos do tamanho da organização, mas nada
inovação foram mais influentes do que fatores relacionado com folga organizacional. Além disso,
ambientais e organizacionais. ambos os estudiosos sugeriram que a capacidade
administrativa e aprendizagem organizacional
A pesquisa de Vigoda-Gadot et al. (2008) com são influenciadores positivos na inovação.
os usuários finais do serviço público e cidadãos
em oito países europeus revelou a percepção do Outra dimensão fundamental da promoção
público sobre a relevância do comportamento da inovação é como o pessoal está estruturado.
positivo do líder em favor de práticas inovadoras. Nesse sentido, Puttick, Baeck e Colligan (2014, p.
A definição de liderança não engloba apenas 7) afirmam que existem seis elementos decisivos,
políticos ou chefes de agências; também pode que podem ser combinados de forma diferente

125
de acordo com as características da inovação, Nessa direção, utilizando as experiências
para uma equipe de inovação bem-sucedida. dos governos nacionais e subnacionais dispo-
níveis no Observatório da Inovação no Setor
1) Métodos: as ferramentas, técnicas e abor- Público (Opsi), a OCDE (2015) elaborou um
dagens que a equipe utiliza, bem como as quadro integrado para a análise de inovação.
saídas produzidas. Basicamente, este quadro estabelece que a
inovação é um resultado da interação entre di-
2) Equipe: o tamanho, o conjunto de habilida- ferentes níveis (individual, organizacional, setor
des, a dinâmica e cultura do pessoal, bem público como um todo e a sociedade) e fatores
como as estratégias de desenvolvimento (pessoas, conhecimento, formas de trabalho e
do recrutamento e de funcionários. regras e processos), embora as fronteiras não
sejam normalmente precisas.
3) Recursos: como a equipe é financiada, in-
cluindo alavancar fundos de fontes externas, Com relação a esses fatores, a dimensão
bem como de que forma os recursos são de pessoas inclui não só líderes políticos e
alocados e gastos. gerentes seniores apoiadores e engajados,
mas também as práticas de gestão de recursos
4) Liderança: como a equipe é conduzida e humanos que promovem e incentivam a inova-
gerenciada, inclusive pelo diretor, e um ção, tais como reconhecimento, progressão na
patrocínio político mais amplo e buy-in. carreira, atribuições especiais e competições.
O conhecimento é considerado um aspecto
5) Parcerias: relações-chave com o governo essencial tanto do suporte quanto do atraso da
e as agências externas, grupos e cidadãos. inovação; portanto, o fluxo de informações para
novas ideias e como ele é gerenciado desem-
6) Medição de impacto: a utilização de dados penham um papel crucial no desenvolvimento
para informar o desenvolvimento de estra- da inovação. Sobre maneiras de trabalhar, os
tégias, bem como sistemas de avaliação governos têm cada vez mais adotado redes e
para medir o impacto. estratégias colaborativas com o objetivo de
enfrentar problemas sérios que são difíceis de
Como mostramos, acadêmicos investigam resolver por ações unilaterais. Essas incluem
determinantes de inovação a partir de uma va- “novas maneiras de trabalhar com os cida-
riedade de abordagens e encontram respostas dãos, o setor privado e sociedade civil para
diferentes. Para resumir este conhecimento, eles codesenhar serviços públicos” (OCDE, 2015,
vêm tentando classificar os fatores de influência p. 9). Finalmente, os países estão tentando superar
em grupos. Damanpour e Schneider (2006), por o conjunto de regras e processos geralmente
exemplo, distinguem os grupos entre ambiental, vistos como barreiras à inovação, procuran-
organizacional, histórico gerencial e valor gerencial. do novas abordagens para o gerenciamento
de projetos focadas no resultado desejado e
Da mesma forma, estudos e relatórios de então adaptar os processos para alcançá-lo,
instituições governamentais e internacionais em vez de formular políticas em torno de es-
concentraram-se na análise dos indutores e truturas existentes.
facilitadores que fazem a inovação acontecer.
No entanto esses são, em geral, menos preo- A Comissão Europeia, outra instituição líder
cupados com a investigação científica e mais neste debate, também se engajou na criação
preocupados em recomendações normativas, de conhecimento sobre indutores da inovação.
frequentemente baseados nos campeões de A edição de 2010 do Inobarômetro revelou que a
inovações ou casos de sucesso. probabilidade de inovação em serviços aumenta

126
linearmente com o tamanho das instituições, 2) Indutores externos
desde que os principais inovadores frequente-
mente vêm de grandes organizações nacionais a) quadro legislativo adequado;
ou centrais (European Comission, 2010). Além
disso, o relatório destaca como o isomorfismo b) necessidades públicas e expectativas;
é um importante mecanismo para disseminar
ideias inovadoras entre organizações públicas. c) rápida emergência de novas tecno-
logias; e
O relatório Tendências e desafios na inovação
do setor público na Europa, uma análise feita d) presença de impulso político (decisões,
com base em entrevistas com os funcionários públicas ou não, que têm influência
públicos e acadêmicos de 25 Estados-membros direta sobre a integração da inovação
da União Europeia, também examina os fatores na agenda de tomada de decisão).
e as condições prévias para a inovação no setor
público. Suas conclusões são igualmente abran- Vale ressaltar, no entanto, que esses indutores
gentes, ou melhor, mostram que as práticas de não afetam os processos de inovação de forma
inovação de sucesso resultam de um amplo isolada. Pelo contrário, suas influências são muitas
conjunto de variáveis complexas, tais como vezes interligadas e alguns deles podem mesmo
cultura; estratégia; capital humano; incentivos ser enquadrados em duas categorias, tais como
e recompensas; liderança; capacidades orga- recursos financeiros e vontade política.
nizacionais; e capacidade de inovação e boa
governança (European Comission, 2013). Promover a inovação por meio do setor público
tem sido uma política de prioridade nos países
Outra publicação, Inovação no setor público: desenvolvidos, principalmente, durante os últimos
relatório do estado da arte, elaborado em uma dez anos. Alguns desses países também têm de-
pesquisa on-line e entrevistas completas reali- sempenhado um papel importante na produção
zadas com os stakeholders da inovação, também de conhecimento sobre os determinantes da ino-
divide os fatores de influência da inovação em vação, como a Austrália, as nações escandinavas
duas grandes categorias que podem favorecer ou e o Reino Unido. Suas conclusões convergem, em
dificultar a inovação do setor público (European grande medida, para as conclusões antes descritas.
Comission, 2013). O relatório australiano, Empoderando mudanças,
na dimensão interna, enfatiza o papel da equipe de
1) Indutores internos funcionários, especialmente os da linha de frente,
como uma rica fonte de inovação. No lado externo,
a) cultura organizacional; parcerias com o público em geral, os especialistas,
o setor empresarial e a comunidade acadêmica
b) liderança organizacional e atitude são vistas não só como uma fonte de novas ideias,
gerencial frente à mudança; mas também como um mecanismo para superar as
limitações de recursos e gerenciamento de riscos.
c) gestão de recursos humanos (incentivos Os países escandinavos são líderes mundiais em
em favor de inovação); e inovação, tanto no setor privado quanto no público.
Publicações desses países (Koch et al., 2006) e do
d) comunicação interna e externa (canais Reino Unido (Innovation unit, 2009) demonstram
de comunicação entre os inovadores como parcerias, junto de liderança, envolvimento de
do setor público e os diferentes stake- funcionários, estratégia gerencial para a inovação
holders do ambiente externo). transparente, comunicação e um ambiente aberto

127
à criatividade, são essenciais para gerar e/ou efeitos positivos de novos atores na formulação
implementar inovações na administração pública. de políticas, parcerias com organizações não
governamentais (ONGs) e o envolvimento com
Em nível de literatura brasileira, embora a a comunidade como centrais para o sucesso da
inovação tenha se tornado recentemente uma cooperação intermunicipal.
tendência, poucos estudos relevantes têm to-
mado o desafio de mapear seus determinantes. Pesquisando a esfera federal, Ferrarezi e Amorim
(2007) e Cavalcante e Camões (2015) exploraram
Jacobi e Pinho (2006) organizaram um livro como iniciativas inovadoras, premiadas pelo Cisp,
focado em um prêmio de inovação de um governo foram convergentes para os movimentos de van-
local (Programa Gestão Pública e Cidadania) guarda em gestão. Ferrarezi, Amorim e Tomacheski
que ajudou a identificar e divulgar mais de 8.500 (2010) investigaram as condições favoráveis para
iniciativas entre 1996 e 2004. Nesta publicação, a sustentabilidade de inovações e demonstraram
Spink (2006) descreve como gestores locais se uma característica duplamente endógena das
veem como solucionadores de problemas. Eles iniciativas sustentáveis, em outras palavras, foram
também reconhecem aspectos de cocriação, tais concebidas internamente, pelo pessoal da própria
como participação social e serviços de gestão organização (burocratas de nível médio).
conjunta com outras organizações públicas ou
privadas como determinantes para inovações Sousa et al. (2014), também usando o banco
prósperas. Com uma perspectiva mais ampla, de dados do Cisp, de 1995 a 2012, descobriram
Farah (2006) analisa a inovação no governo que a inovação organizacional foi o principal tipo
local desde os anos 1980, enfatizando o pro- recompensado, seguido, respectivamente, por
cesso e conteúdo das políticas. Ela ressalta os processo, marketing e inovações no produto.

FIGURA 1
Níveis e fatores de influência

Fatores Individuais
• Autonomia funcional;
• Estabilidade / mobilidade;
Fatores Organizacionais • Experiência proffssional;
• Folga de recursos (humanos, financeiros ou estruturais); • Criatividade;
• Estilo da liderança; • Aspectos demográficos;
• Nível de aversão a risco; • Satisfação com o trabalho;
• Conflitos e estruturas organizacionais. • Envolvimento com o trabalho.

Fatores Ambientais Características da Inovação


• Pressões (mídia, demandas políticas...);
• Facilidade no uso da inovação;
• Participação em redes; Inovação no
• Vantagem relativa;
• Relacionamento interoganizacional; Setor Público • Compatibilidade;
• Órgãos próximos adotando a inovação;
• Testabilidade.
• Aspectos regulatórios.

Fonte: Concurso Inovação da Gestão Pública Federal (CIGPF).


Elaboração dos autores.

128
Sobre o setor de políticas inovadoras, saúde nova combinação dos mecanismos existentes
e educação têm dominado, principalmente que produz resultados significativos no serviço
porque ambos exigem grande interação com público (Ferrarezi, Amorim e Tomacheski, 2010).
o cidadão. Em um diferente período de análise Os relatórios das iniciativas vencedoras estão
(2004-2012), Oliveira, Santana e Gomes (2014) disponíveis em um banco de dados on-line que,
argumentam que o fator mais proeminente para durante as últimas duas décadas, tem sido usa-
uma iniciativa ser bem-sucedida no Concurso do por pesquisadores como fonte secundária
Inovação no Setor Público foi o engajamento de para uma variedade de estudos e publicações
funcionários, seguido por parcerias com outras (Camões, Cavalcante e Severo, 2016).
organizações.
O Cisp tem um foco primário: atividades de
Em geral, é evidente que a complexidade gestão pública, projetos e programas em nível
dos determinantes da inovação envolve um grau federal que incluem toda a diversidade das orga-
considerável de sobreposição entre esses fatores nizações públicas. O prêmio tem três objetivos
e níveis. Para facilitar nossa análise, com base na adicionais: i) incentivar a implementação de
discussão desta seção e na classificação de De iniciativas inovadoras de gestão em agências
Vries, Bekkers e Tummers (2016), nós empregamos federais que contribuam para a melhoria dos
quatro diferentes níveis de fatores de influência, serviços públicos; ii) disseminar soluções inova-
como segue: i) organizacional; ii) ambiental; iii) doras que sirvam como inspiração ou referência
características da inovação; e iv) nível de indivíduo/ para outras iniciativas e colaborar para fortalecer
trabalhador. A figura 1 detalha os níveis. a capacidade do Estado; e iii) reconhecer e va-
lorizar os funcionários públicos que trabalham
3 GESTÃO DA INOVAÇÃO NO BRASIL de forma criativa e proativa em suas atividades
em benefício do interesse público.
3.1 Concurso Inovação no Setor Público
Em geral, o prêmio inclui um conjunto de
Criado em 1996 pela Escola Nacional de Admi- etapas. Primeiro, o convite do concurso é en-
nistração Pública, o Concurso Inovação no Setor viado para todos os órgãos do governo federal
Público tem como objetivo promover e disseminar e também divulgado por e-mail e mídias sociais.
práticas inovadoras na gestão pública brasileira Em segundo lugar, as inscrições são submetidas,
e recompensar servidores públicos a fim de geralmente, entre junho e agosto, por meio do
promover abordagens práticas para melhorar a preenchimento de um formulário com questões
eficácia do governo. Além do objetivo do valor descritivas e uma autoavaliação dos resultados
público, o Cisp tem proporcionado uma grande e contribuição. Em média, mais de uma centena
fonte de dados para estudos e pesquisas que de inscrições é feita em todo o país. Em seguida,
visam aumentar o conhecimento sobre inovação os processos de avaliação são iniciados. Os
em gestão pública. membros da comissão julgadora, composta por
servidores seniores, acadêmicos e consultores
O prêmio é resultado do movimento de reforma especializados em inovação do setor público,
que o Brasil experimentou durante a década de avaliam cada iniciativa validada, com base nos
1990, altamente influenciada por pressupostos seguintes critérios de classificação.
do new public management. Ao longo dos anos, o
Cisp passou por algumas modificações e, desde Uso eficiente de recursos
2007, reconhece a inovação como mudanças
em práticas anteriores, incorporando novos • grau de sustentabilidade da implementação
elementos da administração pública ou uma da iniciativa e resultados;

129
• impacto dos resultados da iniciativa em submetida a uma série de mudanças (Ferrarezi
termos de: resolução de problemas, aten- e Amorim, 2007), mas desde 2007 passou a
dimento à demanda do público-alvo ou dos seguir os mesmos critérios, categorias e pro-
direitos dos cidadãos; cessos, assim o capítulo cobre um período de
nove anos (2007-2015).
• inovação sobre práticas anteriores (novos
elementos e processos); Os relatórios foram categorizados por aná-
lise de conteúdo, com base em três etapas:
• integração com outras iniciativas internas, i) construção de categorias e variáveis; ii)
externas ou parcerias; análise e categorização de cada iniciativa por
três assistentes de pesquisa separadamente e
• participação e envolvimento dos servidores guiada pela descrição do protocolo; e iii) vali-
públicos; e dação pelos autores em caso de divergências.
O protocolo inclui as seguintes variáveis: área
• promoção da transparência, participação temática, setor de política, estágio, aborda-
ou controle social. gem de tomada de decisão, tipo, localização
da organização, objetivos, resultados e, acima
Esse processo é seguido pela seleção de vinte de tudo, os fatores de influência (indutores ou
iniciativas finalistas do ano que são visitadas facilitadores) listados na figura 1. O banco de
por membros da comissão técnica, neste caso, dados é composto de variáveis dummy (binário
composta por funcionários selecionados com dicotômica) com 0 se a característica não é
pós-graduação e considerável experiência prática relatada e 1 em caso de presença. Os quadros
em diferentes campos da administração pública. (A.1, A.2, A.3 e A.4) do anexo A apresentam os
Durante a visita, os líderes da inovação devem aspectos mais importantes e suas descrições.
responder a diversas perguntas formuladas pre- Então, o capítulo emprega análise descritiva
viamente pelo comitê julgador e demonstrar os para avaliar quão provável seja que qualquer
resultados das iniciativas. No fim do ano, ambos diferença observada entre os conjuntos de
os comitês encontram-se e discutem todos os dados tenha surgido por acaso.
vinte finalistas e, finalmente, o comitê julgador
seleciona as dez iniciativas mais inovadoras. Em A tabela 1 mostra a distribuição dos fina-
março, uma cerimônia oficial é realizada com a listas e premiados pelo Cisp por estágio de
apresentação dos vencedores e da classificação inovação, localização, abordagem de tomada
final. Além de seus troféus, os mais bem classi- de decisão e área temática. Começando com a
ficados normalmente são recompensados com fase de inovação, surpreendentemente, quase
as visitas técnicas internacionais oferecidas por 60% das iniciativas foram geradas dentro da
embaixadas estrangeiras. organização. Inovações implementadas por
causa de processos de difusão, ou seja, ideias
3.2 Visão geral dos tipos de inovação, externas incorporadas pelos ministérios fede-
resultados e determinantes rais e agências, no total, representam cerca de
30%. Comparando os finalistas e vencedores,
Para analisar os determinantes da inovação, uma diferença substancial é evidente. Este
formulamos um protocolo específico direcionado último apresenta uma maior concentração das
para a identificação da presença ou ausência inovações geradas do que o anterior. Apesar de
de uma gama de aspectos nos relatórios dos a constatação diferir da visão da literatura na
finalistas e vencedores do Concurso Inovação predominância de adoção (De Vries, Bekkers
no Setor Público. A metodologia do prêmio foi e Tummers, 2016), é razoável considerar que

130
TABELA 1
Distribuição por estágio, localização, abordagem e área temática

Aspecto Premiado Classificado Total


Número Número % Número % Número %

Estágios de Geração 52 58 77 86 129 72


inovação Adoção 38 42 13 14 51 28

Distrito Federal 73 81 62 69 135 75


Localização
Outros estados 17 19 28 31 45 25

Top-down 49 54 25 28 74 41

Abordagem Horizontal 38 42 56 62 94 52

Bottom-up 3 3 9 10 12 7

Acordos institucionais 28 31 19 21 47 26

Melhoria de processos 18 20 19 21 37 21

Gestão da informação 16 18 18 20 34 19
Área temática Serviço ao cidadão 14 16 9 10 23 13

Avaliação e monitoramento 8 9 7 8 15 8

Planejamento e orçamento 3 3 12 13 15 8

Gestão de RH 3 3 6 7 9 5

Fonte: Concurso Inovação da Gestão Pública Federal (CIGPF).


Elaboração dos autores.

alguns relatórios podem exagerar a singularida- do Distrito Federal e outros estados, detalhada
de das iniciativas para aumentar suas chances no anexo A, suporta esta explicação, uma vez
de ganhar. que a proporção é de quase 50%. Ainda, isso
também rompe um possível argumento de que
A maioria das iniciativas está altamente con- as agências federais fora do Distrito Federal
centrada no Distrito Federal (75%), enquanto são mal informadas sobre o Cisp.
25% são efetuados por agências federais,
espalhadas nos outros 26 estados. Mesmo Tratando-se dos fundamentos dos processos
que uma parte significativa do serviço civil de decisão, os resultados convergem com a
brasileiro funcione fora do Distrito Federal, o principal abordagem sobre como desenvolver
resultado parece razoável devido ao fato de ou implementar essas inovações organizacio-
que os mais importantes departamentos e nais, uma vez que 93% de todas as iniciativas
agências e, por conseguinte, os altos funcio- analisadas surgiram a partir de decisões de po-
nários, estão localizados na capital Brasília. líticos/gestores ou funcionários de alto escalão
Essa explicação é reforçada pelo fato de que as (top-down) ou de processos de cocriação entre
inovações premiadas tendem a se concentrar funcionários de nível baixo/médio e seus líderes
ainda mais no Distrito Federal, mais de 80%. A (horizontal). Por sua vez, apenas um número
diferença entre a porcentagem de candidatos reduzido de inovações foram concebidas pelo

131
engajamento de funcionários/equipe de baixo Quando examinamos as inovações pelo setor
escalão, sem o envolvimento dos líderes. Esta de política, conforme ilustrado no gráfico 1, os
conclusão reforça a relevância da liderança dados destacam uma diversidade significativa.
destacada por muitos estudiosos, alguns deles: Vinte e dois ministérios foram nomeados e ga-
Damanpour e Schneider (2008), Vigoda-Gadot nharam o prêmio pelo menos uma vez ao longo
et al. (2008), Fernandez e Wise (2010), European do período analisado. No entanto, as distribuições
Comission (2012), Hansen (2011), Borins (2014), estão longe de serem iguais.
Puttick, Baeck e Colligan (2014) e OCDE (2015).
Da mesma forma, a presença considerável das Como a literatura defende, tamanho organi-
abordagens horizontais entre premiados (42%) zacional e complexidade importam (European
e candidatos (62%) mostra que os processos Comission, 2010; Fernandez e Wise, 2010; Hansen,
coletivos influenciam na inovação do setor pú- 2012). Neste caso específico, Educação, Saúde
blico (Choi e Chang, 2009). e Justiça, que não só têm as maiores estruturas
do gabinete ministerial brasileiro, mas também
Finalmente, sobre a área temática, de um lado, são as pastas mais antigas, lideram o ranking
podemos observar uma predominância de iniciativas com quatorze, treze e onze práticas vencedoras
relacionadas a acordos institucionais, melhoria durante o período analisado.
de processo e gerenciamento de informações.
Por outro lado, áreas tais como planejamento, Ao contrário, ministérios menores e mais re-
orçamento e gestão de recursos humanos são centes, como Cidades e Esportes, nunca foram
menos comuns. Diferente dos aspectos anterio- premiados. Também notamos que normalmente
res, um padrão semelhante prevalece entre as o número de iniciativas candidatas e premiadas
inovações dos candidatos e premiados. são relativamente próximos. No entanto, alguns

GRÁFICO 1
Setores da política
Cidades
Esportes
Relações Exteriores
Interior
Turismo
Defesa
Procuradoria Geral
Cultura
Energia
Transporte
Ciência e Tecnologia
Trabalho
Desenvolvimento agrário
Meio ambiente
Desenvolvimento Econômico
Controladoria geral
Agricultura
Comunicações
Seguridade Social
Presidência
Planejamento
Desenvolvimento Social
Justiça
Economia
Educação
Saúde

0 2 4 6 8 10 12 14 16
Classificado Premiado

Fonte: Concurso Inovação da Gestão Pública Federal (CIGPF).


Elaboração dos autores.

132
ministérios têm uma maior taxa de sucesso (mais Descobertas interessantes e previstas se
vencedores do que pré-selecionados), tais como relacionam com os objetivos e resultados das
Educação e Meio Ambiente, enquanto outros inovações. O gráfico 2 demonstra como foi a
estão no lado oposto, como Fazenda e Cultura. conversão dessas duas dimensões em quase
todos os casos. Exceções foram observadas em
A análise geral das inscrições por setor, relação ao envolvimento social e à satisfação dos
descrita no anexo A, suporta o argumento usuários (premiados) e economia (candidatos).
que tamanho e complexidade organizacional Além da sugestão visual, também empregamos
importam, considerando que a diferença de testes de qui-quadrado de Person, que confir-
candidatos e semifinalistas é, na maioria dos maram que as relações entre metas e resultados
casos, muito residual, com exceção de alguns apresentaram resultados significativos.
ministérios. Por exemplo, em uma extremidade, o
Ministério do Desenvolvimento Social inscreveu Como esperados, os objetivos mais comuns,
vinte iniciativas com treze delas alcançando a identificados na literatura (De Vries, Bekkers e
etapa final; no outro extremo, o Ministério da Tummers, 2016), também são os resultados para
Defesa inscreveu 52 práticas e tem apenas inovação mais mencionados pelos vencedores e
uma finalista. Este último, juntamente com vice-colocados do Cisp. Os objetivos de inovação
Relações Exteriores, é bem conhecido por sua ligados à melhoria do desempenho organizacio-
burocracia profissionalizada, no entanto, não nal, tal como qualidade, são citados pela maioria
parece relevante em termos de capacidade de das iniciativas. O mesmo acontece com eficácia
inovação. Por último, vale a pena mencionar para os candidatos e eficiência para as inovações
como os ministérios que trabalham naturalmente premiadas. Neste último caso, a resposta ao am-
promovendo a inovação no setor privado, tal biente externo está presente em quatorze casos
como Ciência e Tecnologia, Minas e Energia e ou 16%, seguido por satisfação do usuário com
Defesa, tem performances ruins. treze (14%). Por seu turno, o objetivo relacionado

GRÁFICO 2
Resultados e objetivos da inovação
Qualidade

Eficácia

Eficiência

Economia

Envolvimento social

Satisfação do usuário

Resposta ao ambiente externo

0 20 40 60 80

Classificado (fora) Classificado (final) Premiado (fora) Premiado (final)

Fonte: Concurso Inovação da Gestão Pública Federal (CIGPF).


Elaboração dos autores.

133
ao envolvimento social raramente é menciona- dados de duas maneiras, agregando por ven-
do nos relatórios de inovação dos vencedores; cedores/candidatos (gráfico 3) e por tipos de
apenas 4% se referiam a ele como um objetivo inovação (tabela 2). Para começar, cada fator
inicial. Este resultado chama a atenção porque a de influência, usado para preencher o proto-
administração pública brasileira é bem conhecida colo de dados, foi identificado em finalistas do
por sua formulação de políticas participativas; por Cisp. Obviamente, os resultados são altamente
sua vez, isso pode ser explicado pelo fato de que diversificados. Em geral, agregando por níveis,
o Cisp é um prêmio mais dedicado a iniciativas fatores ligados às características da inovação
de gestão do que de política pública stricto sensu estão nos relatórios de quase todos os casos.
ou porque a participação social está há tanto Isso é inesperado, considerando que o conheci-
tempo na agenda de governo, desde o processo mento sobre as características da inovação como
de democratização na década de 1980, que isso preditoras é escasso (Damanpour e Schneider,
não é mais visto como inovador. Em relação às 2008). Em seguida, vêm os indutores dos níveis
iniciativas classificadas, qualidade (73 casos) e organizacionais, ambientais e individuais. Isto
eficácia (53) são os mais mencionados, enquanto demonstra como é apropriada para o governo
resposta ao ambiente externo foi citada apenas brasileiro a suposição de que a inovação é uma
em duas experiências que também podem ser consequência da combinação de fatores, e não
explicadas pelo argumento anterior. uma construção isolada, conforme discutido na
seção anterior. Analisando os determinantes
O mesmo padrão é observado nos resultados, agrupados por vencedores/finalistas (gráfico 3),
de forma semelhante a descobertas recentes de algumas semelhanças de fatores de influência
pesquisadores (De Vries, Bekkers e Tummers, entre eles tornam-se muito claras. No entanto,
2016), melhores serviços e políticas públicas – também observamos distinções em algumas
percebidas pela eficiência, qualidade, eficácia e abordagens. Primeiro, as iniciativas premiadas
economia – lideram o ranking dos resultados da agregam um número maior de fatores de influ-
inovação no governo federal brasileiro. Também ência citados em seus relatórios (496) do que
vale a pena destacar que a satisfação do usuário os finalistas (429), indicando que quanto maior
é identificada como um resultado em 27% das a quantidade de indutores, maiores serão as
iniciativas vencedoras, mesmo que não tenha sido chances de se tornar uma inovação reconhecida.
mencionada como um objetivo em quase metade Em segundo lugar, os cinco fatores mais citados
delas. Isso converge com a suposição de Osborne mostram padrão diferente. Enquanto liderança
e Brown (2013) de que a natureza da inovação e vantagem relativa são mais mencionadas em
não é um processo virtuosamente consciente. O relatórios de inovação dos vencedores; custo
resultado para os vencedores difere dos finalistas, benefício, folga organizacional e rede/cooperação
uma vez que a satisfação do usuário não parece são destacadas em relatórios dos candidatos.
ser tão relevante para o último grupo, como foi Além disso, a criatividade, replicabilidade, pressão
identificado em apenas 13% deles. externa, aspectos regulatórios e isomorfismo
tendem a ser mais importante para as práticas
A comparação também demonstra que eficiência serem premiadas. No outro extremo, concorrên-
e economia são consideradas mais importantes cia, prêmios/incentivos, autonomia funcional e
pelos juízes do prêmio ao avaliar as iniciativas, aversão ao risco parecem afetar residualmente
uma vez que são mencionadas regularmente pelo as inovações do setor público.
relatório dos vencedores, enquanto a qualidade
e a eficácia são destacadas pelos finalistas. Outra suposição relevante consiste na teoria
da configuração que defende que a inovação é,
Sobre os determinantes da inovação, o ob- normalmente, uma consequência das relações
jetivo principal deste trabalho, descrevemos os entre indutores e tipos de inovação (Walker, 2007).

134
GRÁFICO 3
Fatores de influência
Vantagem relativa (caract.)
Custo benefício (caract.)
Recursos escassos (org.)
Rede e cooperação interorganizacional (amb.)
Estilo de liderança (org.)
Estrutura organizacional (org.)
Aceitação da inovação (ind.)
Compatibilidade (caract.)
Conhecimento e talento (ind.)
Criatividade
Replicabilidade (caract.)
Pressão externa (amb.)
Aspectos regulatórios(amb.)
Isomorfismo (amb.)
Condições profissionais (ind.)
Compromisso / satisfação (ind.)
Facilidade (caract.)
Aversão ao risco / espaço para aprender (org.)
Autonomia funcional (ind.)
Incentivos / prêmios (org.)
Concorrência (amb.)

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90
Classificado Premiado

Fonte: Concurso Inovação da Gestão Pública Federal (CIGPF).


Elaboração dos autores.

Portanto, a tabela 2 mostra como os fatores ramente foram citadas. Embora em inovação
de influência variam entre os quatro tipos de de serviço observássemos mais semelhanças
inovação coletados pelo protocolo: serviço; entre fatores no tipo de processo tecnológico,
processo; processo tecnológico e proces- a liderança e a estrutura organizacional, por
so administrativo. O tipo mais mencionado, exemplo, mostram o quão diferentes elas são
processo tecnológico (38 vencedores e 29 percebidas nos relatórios.
finalistas) também é muito influenciado pelos
quatro fatores enfatizados anteriormente; no Sobre inovação em processos dentro das
entanto, dois indutores individuais, aceitação organizações, observa-se um padrão semelhante
da inovação e conhecimento/talento também de facilitadores como os fatores mais citados
são relevantes neste tipo particular. Também que são altamente influentes. Esses indutores
vale a pena mencionar que havia diferenças parecem ser mais influentes para os premia-
significativas entre os vencedores e indicados dos, enquanto o impacto do segundo grupo
na maioria dos indutores de inovações de pro- de fatores mais importante (conhecimento e
cessos tecnológicos. talento; aceitação; estrutura organizacional e
compatibilidade) é bastante homogênea entre
Inovações de serviço, com 21 casos em cada os vencedores e candidatos.
situação (vencedores e finalistas), também pa-
recem ser afetadas por vários níveis de fatores. Finalmente, inovações no processo admi-
Vantagem relativa, rede/cooperação e liderança nistrativo correspondem a menos de 15% dos
estão presentes na maioria destas iniciativas. No vencedores do Cisp e 30% dos candidatos. Nesse
entanto, alguns indutores em nível individual e sentido, podemos supor que as inovações intra-
organizacional, como compromisso/satisfação, organizacionais parecem ser menos valorizadas
autonomia funcional e incentivos/prêmios ra- pelos comitês do prêmio entre os quatro tipos.

135
TABELA 2
Fatores de influência e tipos de inovação
Inovação de processo Inovação de processo
Inovação de serviço Inovação de processo
tecnológico administrativo

Premiada Classificada Premiada Classificada Premiada Classificada Premiada Classificada

Vantagem relativa (características) 32 20 18 14 16 10 13 17


Recursos escassos
19 23 8 10 12 6 10 20
(organizacionais)
Custo benefício (características) 23 15 6 8 10 4 10 11
Rede e cooperação
20 16 13 15 11 9 3 12
interorganizacional (ambientais)
Estilo de liderança
16 8 14 5 10 5 4 14
(organizacionais)
Conhecimento e talento
11 14 4 5 4 4 2 3
(individuais)
Aceitação de inovação (individuais) 15 16 6 8 8 8 1 2
Estrutura organizacional
17 15 4 9 7 7 4 12
(organizacionais)
Compatibilidade (características) 10 4 6 7 7 6 3 6
Criatividade (individuais) 9 2 4 2 3 0 2 2
Isomorfismo (ambientais) 6 2 2 2 3 0 2 2
Replicabilidade (características) 9 1 1 2 3 1 3 1
Aspectos regulatórios(ambientais) 3 1 4 1 1 2 6 1
Pressão externa (ambientais) 4 1 6 1 4 0 2 0
Facilidade (características) 2 2 2 1 2 0 2 1
Condições profissionais
5 7 1 2 1 2 2 3
(individuais)
Compromisso/satisfação
4 4 0 1 3 4 1 2
(individuais)
Aversão ao risco/espaço para
5 0 0 0 0 0 3 0
aprender (organizacionais)
Incentivos/prêmios
0 1 1 0 1 0 1 0
(organizacionais)
Autonomia funcional (individuais) 1 2 0 0 2 2 2 3
Concorrência (ambientais) 1 0 0 0 0 0 0 0

Fonte: Concurso Inovação da Gestão Pública Federal (CIGPF).


Elaboração dos autores.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS longe de ser simples, uma vez que a inovação é


uma construção complexa.
O objetivo principal deste trabalho foi investigar
aspectos cruciais relativos à inovação na gestão O status do fenômeno tem escalado na
pública, principalmente, seus fatores de influência administração pública nos últimos vinte anos,
ou indutores. Essencialmente, este objetivo está especialmente, porque os governos têm priorizado

136
estrategicamente soluções de “melhorias Obviamente a pesquisa, como qualquer inves-
em pequena escala” para questões públicas tigação científica de um complexo fenômeno da
em vez de ampla reforma. Em tal contexto, ciência social, enfrenta restrições. Em primeiro
organizações públicas adaptaram-se a fim de lugar, a base empírica vem das equipes de ini-
lidar com mudanças frequentes em um mundo ciativas que naturalmente tendem a enfatizar
mais globalizado e conectado, restringidas por aspectos positivos da inovação e subestimar os
crescentes expectativas do cidadão, problemas negativos. Em segundo lugar, os resultados da
complexos e orçamentos apertados. Seus focos análise de conteúdo são produtivos, porém não
estratégicos podem variar, mas geralmente os têm suficiente variabilidade quantitativa para
governos focam em executar melhor, melhorando permitir uma análise estatística mais sofisticada.
suas entregas. O último aspecto que merece consideração diz
respeito ao objeto de análise. Em vez de considerar
De um lado, parece ser um tema corrente na a inovação baseada em finalistas do prêmio ou
administração pública, por outro lado, prevalece em “campeões” como pesquisa tendenciosa,
a falta de conhecimento empírico sobre as di- acreditamos fortemente que é uma questão
ferentes dimensões de inovação, que dificulta a de escolha da pesquisa. Temos de reconhecer
capacidade do Estado para inovar e, em conse- que os finalistas do prêmio não são as únicas
quência, fornecer serviços de melhor qualidade. inovações no governo, uma vez que nem todas
Com a intenção de contribuir para este debate as agências, burocratas e funcionários públicos
relevante, desenvolvemos uma investigação estão dispostos a candidatar-se, devido a uma
sistemática sobre quais são os tipos, processos variedade de razões. Entretanto, seguindo uma
decisórios subjacentes, objetivos/resultados robusta subárea do estudo da inovação que foi
e, principalmente, determinantes da inovação. neste sentido, Borins (2014) discute que o foco
nos “campeões” não pode ser a única estratégia
Para isso, criamos um protocolo de dados que da análise, mas ele é definitivamente um assunto
quantificou os relatórios dos finalistas do Cisp abundante de investigação para compreender
e verificou a diversidade entre eles no período melhor a inovação no setor público.
analisado de nove anos. Depois de empregar
análise descritiva, as conclusões da pesquisa Nesse sentido, concluímos que este capítulo
confirmam que a inovação é consequência de cumpriu seu objetivo e, subsequentemente,
uma combinação de fatores e não uma cons- produziu algum conhecimento empíricos e in-
trução isolada. Esses indutores da inovação têm sights importantes ao debate da gestão pública.
diferentes níveis de impacto, dependendo do No entanto, os resultados devem ser tratados
tipo de inovação; no entanto, todos os quatro como preliminares desta linha mais abrangente
níveis de fatores de influência são comuns no de pesquisa e, portanto, merecem pesquisas
caso brasileiro. Em suma, os mais recorrentes futuras. Eles, certamente, confirmaram nossa
são vantagem relativa; custo benefício; folga percepção de que a inovação no setor público
organizacional; rede/cooperação; e liderança. é um assunto complexo e desafiador neste
Observou-se também que, contrariamente ao abrangente campo de pesquisa. Para progre-
senso comum, a maioria das práticas de ges- dir sobre os determinantes da inovação, as
tão foram geradas dentro das organizações próximas etapas da pesquisa devem ser para
públicas. Elas estão altamente concentradas analisar comparativamente todos os candidatos
nas agências e nos ministérios localizados na Concurso Inovação da Gestão Pública Federal,
capital, Brasília. Finalmente, como prevê a lite- investigar tendências de gestão ao longo da
ratura, complexidade e tamanho organizacional última década e analisar a inovação em outros
importam de fato. ramos e níveis de governo.

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140
ANEXO A

TABELA A.1
Iniciativas do Concurso Inovação da Gestão Pública Federal por área temática e setor de políticas
Participantes Premiados Classificados
Aspecto
Número % Número % Número %
Distrito Federal 577 56 73 81 62 69
Localização
Outros estados 457 44 17 19 28 31
Acordos institucionais 210 20 28 31 19 21
Melhoria de processos 260 25 18 20 19 21
Gestão da informação 159 15 16 18 18 20
Área
Serviço ao cidadão 99 10 14 16 9 10
temática
Avaliação e monitoramento 50 5 8 9 7 8
Planejamento e orçamento 114 11 3 3 12 13
Gestão de RH 141 14 3 3 6 7
Educação 154 15 14 16 10 11
Economia 112 11 4 4 15 17
Saúde 159 15 13 14 15 17
Seguro social 54 5 4 4 4 4
Presidência 56 5 6 7 5 6
Comunicações 71 7 4 4 4 4
Defesa 52 5 0 0 1 1
Justiça 58 6 11 12 7 8
Planejamento 47 5 8 9 4 4
Trabalho 30 3 2 2 1 1
Energia 29 3 1 1 1 1
Agricultura 29 3 2 2 3 3
Políticas Desenvolvimento econômico 35 3 2 2 2 2
setoriais Meio ambiente 24 2 3 3 1 1
Ciência e tecnologia 20 2 1 1 2 2
Desenvolvimento agrário 12 1 2 2 2 2
Transporte 14 1 3 3 0 0
Desenvolvimento social 20 2 6 7 7 8
Cultura 11 1 0 0 2 2
Interior 4 0 0 0 0 0
Turismo 9 1 1 1 0 0
Relações exteriores 4 0 0 0 0 0
Esporte 4 0 0 0 0 0
Cidades 4 0 0 0 0 0
Controladoria-geral 6 1 2 2 3 3
Advocacia geral 16 2 1 1 1 1

141
QUADRO A.1
Descrição das abordagens da tomada de decisão
Tomada de decisão Descrição

Top down Inovação como resultado de políticas/oficiais; decisões dos superiores ou compromisso.
Horizontal Inovação como um processo de cocriação entre funcionários de baixo e médio escalão; equipe com líderes.
Bottom up Inovação produzida por funcionários de baixo escalão; equipes sem o envolvimento de líderes.

QUADRO A.2
Descrição dos tipos

Tipo Descrição

A introdução de novos serviços aos clientes existentes ou aos novos clientes e a oferta de serviços
Inovação em serviço
existentes a novos clientes.
Foco interno e visa aumentar a eficiência e eficácia de processos organizacionais internos para
Inovação em processo
facilitar a produção e entrega de bens ou serviços aos clientes.
Inovação em processo Novos elementos são introduzidos no sistema de produção de uma organização ou serviços de
tecnológico operação para produzir seus produtos ou prestar seus serviços aos cidadãos.
Inovação em processo Novas abordagens e práticas para motivar e premiar membros organizacionais, planejar estratégia
administrativo e estrutura de tarefas e unidades e modificar os processos de gerenciamento da organização.

QUADRO A.3
Descrição dos objetivos e resultados
Objetivo/resultado Descrição

Eficácia O grau em que algo é bem-sucedido na produção de um resultado desejado

Eficiência Resultados máximos com recursos mínimos, energia ou tempo – produtividade

Qualidade O grau de excelência de alguma ação (padrões elevados ou resultados melhorados)

Economia Minimizando os custos de uma atividade sem comprometer os padrões de qualidade

Resposta ao ambiente externo Atender demandas externas à organização

Satisfação do usuário Melhorar a percepção do serviço

Envolvimento social Participação de setores de fora da organização (cidadãos, empresas ou terceiro setor)

142
QUADRO A.4
Descrição dos níveis e fatores de influência
Nível Fator Descrição
Disponibilidade de recursos financeiros, de pessoal, de tempo, estrutura
Escassez de recursos
e/ou tecnologia
Estilo de liderança Apoio e visão dos líderes

Organizacionais Aversão ao risco/espaço para aprender Cultura organizacional que valoriza “tentativa e erro”

Incentivos/prêmios Política de incentivos e/ou prêmios contínuos para funcionários

Estrutura organizacional Organização com metas estruturais claras e efetivas

Pressão externa Atenção à mídia e/ou demandas políticas/sociais


Inovação como resultado da participação das redes e/ou outras relações
Rede e cooperação interorganizacional
entre organizações
Ambientais Isomorfismo Organização semelhante que adota a mesma inovação

Concorrência Concorrência entre organizações

Aspectos regulatórios Necessidade de adaptação às mudanças no sistema legal

Facilidade Fácil implementação, baixa complexidade

Vantagem relativa Mais vantajoso que o anterior processo/serviço

Compatibilidade Compatível com o modus operandi da organização/política


Características
Replicabilidade Possibilidade de replicação em outras instituições

Custo benefício Custo relativamente baixo em comparação com os benefícios da inovação

Autonomia funcional Empoderamento, voz e influência da equipe

Condições profissionais Estabilidade, mobilidade e flexibilidade no trabalho

Conhecimento e talento Experiência e qualificação profissional


Individuais
Criatividade Capacidade de criar novas ideias/soluções para resolver problemas

Compromisso/satisfação Pessoal comprometido e/ou satisfeito no local de trabalho

Aceitação da inovação Satisfação com os resultados

143
CAPÍTULO 7
BARREIRAS À INOVAÇÃO EM GESTÃO EM
ORGANIZAÇÕES PÚBLICAS DO GOVERNO FEDERAL
BRASILEIRO: análise da percepção de dirigentes
Soraya Monteiro Brandão1 | Maria de Fátima Bruno-Faria2

1 INTRODUÇÃO analisar a relação entre as iniciativas premiadas


e as transformações no âmbito político-adminis-
A inovação vem ganhando cada vez mais espaço trativo do Estado brasileiro e nas características
como tema estratégico para a administração pú- da gestão pública (Ferrarezi e Amorim, 2007),
blica (Mulgan e Albury, 2003; Walker et al., 2007; verificar a sustentabilidade das iniciativas pre-
Vigoda-Gadot et al., 2008) na busca por oferecer miadas ao longo do tempo (Ferrarezi, Amorim
serviços de melhor qualidade à sociedade. No e Tomacheski, 2010) e identificar a dissemina-
entanto, a pouca disponibilidade de evidências ção de inovações para outros órgãos públicos
empíricas sobre o tema, dificulta a compreensão (Vargas, 2010). Outro foco de pesquisa refere-se
e a promoção da inovação no setor público. Re- à identificação dos fatores que contribuem para
sende Jr., Guimarães e Bilhim (2013) ressaltam a disseminação de políticas públicas, programas
que, em grande parte dos estudos disponíveis, e práticas de gestão inovadoras no poder local
a ênfase recai no setor privado, que prioriza o (Farah, 2008).
lucro, enquanto o setor público visa ao interesse
coletivo. Walker et al. (2007) argumentam que, Nesse contexto, evidencia-se que os enten-
embora crescente, a produção científica ainda dimentos existentes sobre a natureza das inova-
se mantém limitada neste campo e, portanto, se ções e suas consequências sobre a melhoria dos
faz necessário que pesquisadores desenvolvam serviços públicos no Brasil são ainda limitados.
mais conhecimento sobre a natureza da inovação Há necessidade de se explorar os tipos de inovação
no serviço público, especialmente, no âmbito mais frequentes no setor público brasileiro, qual
federal, foco deste estudo. o perfil de quem as desenvolve, se há políticas de
incentivos, que fatores facilitam ou dificultam a
No Brasil, alguns autores têm se dedicado a sua implementação e quais os reais efeitos que
estudar as inovações premiadas do Concurso têm sido alcançados.
Inovação na Gestão Pública Federal, promovido
pela Escola Nacional de Administração Públi- Assim, considerou-se relevante identificar
ca (Enap) e pelo Ministério do Planejamento, os fatores que exercem o papel de barreiras à
Desenvolvimento e Gestão (MP), órgão respon- inovação em gestão em organizações públicas
sável pelo planejamento e melhoria da gestão do governo federal brasileiro, a fim de contribuir
pública no país. Estudos recentes buscaram para o avanço de conhecimentos sobre o tema,

1. Especialista em políticas públicas e gestão governamental e atualmente coordenadora de carreiras transversais do


Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (MP).
2. Professora associada do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, Estratégia e Desenvolvimento
(PPED) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Departamento de Administração (FACC/UFRJ).
bem como para a proposição de ações de ino- Na literatura sobre inovação, há estudos sobre uma
vação no setor público. Na pesquisa empírica, grande variedade de tipos de inovação: produto,
buscou-se ouvir a opinião de dirigentes de or- processo, serviço, em gestão, em comunicação,
ganizações públicas federais e foram analisados entre outros. Este estudo irá focar em inovação
documentos que fornecessem informações em gestão, que também pode ser identificada
relevantes sobre o tema. na literatura como inovação administrativa ou
organizacional. É importante ressaltar que,
A opção por focar em inovações em gestão embora possa haver sutis diferenças semânticas
justifica-se por esta exercer um papel fundamen- entre tais termos, nesta pesquisa, optou-se por
tal no processo de mudança das organizações, tratá-los como sinônimos.
facilitando a adaptação ao ambiente externo
e aumentando a eficiência e a efetividade de Inovação em gestão tem sido o tipo mais
seus processos internos (Walker, Damanpour identificado em pesquisas nacionais sobre o tema.
e Devece, 2010). A escolha por estudar inova- Sousa et al. (2015), por exemplo, ao pesquisarem
ções em gestão a partir da percepção de seus o concurso de inovação promovido pela Enap, a
dirigentes justifica-se por estes possuírem um partir da análise de 323 experiências de inovação
papel estratégico e multiplicador de novos co- no serviço público federal no Brasil, no período
nhecimentos e abordagens, em razão de sua de 1995 a 2012, identificaram o predomínio de
posição de comando e que “são eles também que inovação organizacional seguida pela inovação
podem criar ambientes favoráveis à inovação na de processos; sendo a maioria de âmbito nacional
administração pública” (Kerr do Amaral e Licio, (51,7%) e na área de saúde (18,3%).
2008, p. 5). Já o foco na administração pública
federal deve-se a sua importância no processo Birkinshaw, Hamel e Mol (2008, p. 829) re-
de formulação e coordenação da implementação visaram a literatura em inovação em gestão e a
de políticas públicas, e pela facilidade de acesso definiram operacionalmente como “a geração e
a dados, organizações e dirigentes por parte implementação de práticas gerenciais, processos,
das autoras deste estudo, que são servidoras estruturas ou técnicas que são novas para o
públicas federais. estado da arte e que pretendem potencializar os
objetivos organizacionais”. Segundo os autores,
Este capítulo foi organizado em quatro seções, a inovação em gestão é concebida como um
além desta introdução. Na segunda seção, é construto multidimensional que inclui processos
apresentado o referencial teórico sobre o tema. estruturantes, operacionais e administrativos.
Na terceira, é descrita a abordagem metodológica Além disso, como o grau de novidade é definido
adotada na pesquisa. A quarta seção analisa e como o “estado da arte”, estas inovações são
discute os resultados da pesquisa empírica e, por radicais e sua adoção pode resultar em mudan-
último, são apresentadas as considerações finais. ças mais significativas nos sistemas e processos
gerenciais da organização.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
Walker, Damanpour e Devece (2010) fazem
2.1 Inovação em gestão dois comentários em relação à definição proposta
por Birkinshaw, Hamel e Mol (2008). A primeira é
Um importante aspecto da conceituação da que enquanto algumas organizações podem gerar,
inovação no setor público diz respeito à distinção adotar e implementar uma inovação, também
entre os diferentes tipos de inovação, levando-se é comum que a inovação seja gerada em uma
em consideração que estes possuem caracte- organização e adotada por outra. A segunda é
rísticas distintas e podem ser influenciados por que a definição do grau de novidade não precisa
diferentes fatores ambientais e organizacionais. necessariamente estar sempre relacionada ao

146
“estado da arte”, podendo também ser enten- No entanto, Storey (2000) argumenta que
dida como nova para a organização adotante. enquanto a necessidade por mais inovação
Para Carayannis, Gonzalez e Wetter (2003), a é intensivamente proclamada, as respostas
inovação administrativa é compreendida como das organizações estão aquém do esperado.
mudanças nas características dos elementos Uma das abordagens para examinar as razões
organizacionais e institucionais, como políticas, desse baixo rendimento, refere-se ao estudo
estrutura ou alocação de recursos, entre outros. dos fatores que se constituem como barreiras
às atividades de inovação.
No contexto de organizações públicas, ino-
vações organizacionais ou administrativas são Segundo Hadjimanolis (2003, p. 560), bar-
novas abordagens e práticas que modificam reira à inovação é “qualquer fator que influencia
as relações entre membros da organização e negativamente o processo de inovação”. Para a
afetam regras, papeis, procedimentos, estrutu- OCDE (2005), por sua vez, incluem-se fatores
ras, comunicações e relações de troca com o econômicos, como custos elevados e deficiências
ambiente externo (Walker, 2006; Walker et al., de demanda; fatores específicos a uma empresa,
2007; Damanpour, Walker e Avellaneda, 2009). como a carência de pessoal especializado ou de
Concentram-se basicamente em estruturas, pro- conhecimentos; e fatores legais, como regulações
cessos, sistemas administrativos, conhecimento ou regras tributárias.
usado para o trabalho de gestão e habilidades
gerenciais que permitem à organização funcio- Barreiras à inovação podem ser classificadas
nar e ser bem-sucedida no uso de recursos de de diferentes maneiras e existem atualmente di-
maneira efetiva. ferentes tipologias em uso. Segundo Hadjimanolis
(2003, p. 560), uma classificação útil é aquela
Para operacionalização do conceito no âmbito que distingue entre barreiras internas e externas
desta pesquisa, optou-se pela definição apresen- à firma. Segundo o autor, “barreiras externas têm
tada por Birkinshaw, Hamel e Mol (2008, p. 829) sua origem no ambiente externo e não podem
com algumas alterações, resultando na seguinte ser influenciadas pela organização, enquanto
proposta: inovação em gestão é a implementação as internas podem ser objeto de ação direta da
de práticas gerenciais, processos, estruturas ou firma”. O autor identifica como barreiras externas
técnicas que são novas para a unidade adotante as relacionadas ao mercado, ao governo ou a
e que pretendem potencializar os objetivos or- outros atores como fornecedores, consumidores,
ganizacionais. A primeira alteração, em relação redes interorganizacionais, entre outros. Já as
à definição original proposta pelos autores, foi barreiras internas podem ser relacionadas às
a retirada do foco na “geração” da inovação, pessoas, à estrutura ou à estratégia.
substituindo o termo por “implementação”, a
fim de abarcar tanto inovações geradas quanto O quadro 1 a seguir descreve alguns exem-
adotadas. A segunda alteração refere-se à ne- plos de barreiras internas e externas à inovação
cessidade de relacionar o grau de novidade da propostas por Hadjimanolis (2003).
inovação à unidade adotante e não ao estado
da arte, a fim de incluir tanto inovações radicais Algumas das barreiras relacionadas ao
quanto incrementais. mercado identificadas por Hadjimanolis (2003,
p. 561-563) referem-se à pouca habilidade
2.2 Barreiras à inovação no setor público das organizações de se apropriar dos ganhos
criados por inovações, o foco em retornos
A importância da inovação para a competi- de curto prazo e dificuldade para conseguir
tividade das empresas e para a melhoria dos financiamento. Já as barreiras relacionadas
serviços públicos é amplamente reconhecida. ao governo incluem políticas, leis, padrões e

147
QUADRO 1
Barreiras externas e internas à inovação
Externas Internas
1. Relacionadas ao mercado (dificuldade em capturar rendas e 1. Relacionadas às pessoas (percepções, falta de motivação, deficit de
lucros das inovações, risco de mercado, tamanho inadequado habilidades, existência de interesses e objetivos pessoais diferentes
de pesquisa e desenvolvimento (P&D), foco no curto prazo, da organização, falta de comprometimento de dirigentes, falta de
disponibilidade de financiamento). iniciativa, medo do desconhecido).
2. Relacionadas ao governo (políticas, leis, padrões, regula- 2. Relacionadas à estrutura (fluxos de comunicação inadequados,
mentações). sistemas de incentivo inadequados, obstruções por parte de outros
departamentos, centralização do poder, falta de tempo, inércia
cultural e jogos políticos internos, falha na busca por informação
em fontes externas).
3. Outras (tecnologia; propriedade intelectual; relações socie- 3. Relacionadas à estratégia (falta de conhecimento sobre estratégias e
tárias; relações com fornecedores, consumidores e redes objetivos, aversão ao risco, falta de recursos e capacidades difíceis de
interorganizacionais). serem imitadas pelos concorrentes, falta de recursos orçamentários).

Fonte: adaptado de Hadjimanolis (2003, p. 561).


Elaboração das autoras.

regulamentações que dificultam a atuação VanGundy (2007), ao analisar as diversas


da empresa. Outras fontes de barreiras à modalidades de barreiras à inovação, classificou-
inovação podem ser barreiras técnicas as em cinco grandes grupos: estruturais; sociais
(padrões tecnológicos específicos, obsolescência e políticas; processuais; de recursos; e individu-
de tecnologias, escala de capital insuficiente ais. Barreiras estruturais são aquelas em que se
etc.), societárias (normas e valores de uma destaca a formalização, ou seja, o grau em que a
sociedade que determinam um clima favorável organização enfatiza o seguimento de regras e
ou não a mudanças) e interorganizacionais procedimentos no desempenho do papel de seus
(dificuldade de cooperação com fornecedores, membros. Outra barreira de natureza estrutural
consumidores e redes interorganizacionais). seria a centralização, ou seja, a concentração
Por seu turno, as barreiras internas se relacio- de poder e autoridade.
nam com as características das pessoas, da
organização e da gestão da inovação como um VanGundy (2007) destaca que uma ênfase
processo de mudança. As barreiras relacionadas exagerada nas relações de poder e na diferen-
a pessoas baseiam-se nas percepções quanto ciação de status pode afetar negativamente a
à falta de motivação, deficit de habilidades, introdução de inovações. Barreiras processuais
existência de interesses e objetivos pessoais estão ligadas a procedimentos e regulamenta-
diferentes dos da organização, entre outros. ções que frequentemente inibem a inovação,
Barreiras relacionadas a estruturas afetam o com a ênfase na manutenção do status quo e
comportamento de membros da organização o desestímulo à realização das tarefas de for-
durante o processo de inovação e determinam ma diferente das usuais. Barreiras de recursos
a capacidade de resolução de problemas da agrupam a carência de profissionais, tempo
firma. Obstáculos estruturais incluem proces- disponível, recursos financeiros e informações.
sos de comunicação e sistemas de incentivo Por fim, as barreiras individuais estão relacionadas
inadequados, excessiva centralização de poder a atitudes de membros individuais da organização
ou falhas na busca de informações em fontes ou ao seu clima. Alguns exemplos são aversão
externas. Por fim, as barreiras relacionadas à ao risco, falta de flexibilidade, entre outros.
estratégia referem-se à dificuldade das firmas
em desenvolverem capacidades e recursos Carayannis e Gonzalez (2003, p. 595-598),
adequados aos seus objetivos de longo prazo. por sua vez, identificaram como fatores que

148
dificultam a inovação: resistência por perda de baixos níveis de criatividade e aversão ao risco
poder, resistência em contexto cultural, senso de (Mulgan, 2007).
acomodação, orientação para manter o status
quo, priorização de resultados de curto prazo, Corroborando os aspectos identificados
rigidez de estruturas hierárquicas, ausência de por Mulgan (2007), a pesquisa sobre inovação
gestão por resultados. em organizações públicas de países nórdicos
(Bloch, 2011) identificou a aversão ao risco como
Estudos específicos sobre fatores que se cons- uma barreira central à inovação, especialmente
tituem barreiras à inovação no setor público são se a instituição teve uma má experiência (falha)
encontrados ainda em pequeno número. Potts e em projetos anteriores. Outras barreiras identi-
Kastelle (2010) argumentam, por exemplo, que ficadas foram recursos orçamentários escassos
a separação entre empreendedorismo político para o desenvolvimento de novos produtos e
e a implementação de políticas públicas, a qual serviços, falta de coordenação entre unidades
geralmente recebe mais atenção quando falha que deveriam interagir em diferentes níveis dentro
do que quando é bem-sucedida, pode configurar- do mesmo setor (por exemplo, entre serviços
-se como barreira para a inovação. Segundo os de saúde locais e regionais), falta de incentivos
autores, ideias no âmbito do empreendedorismo para que gerentes e equipes inovem, risco de
político são passadas para que o corpo técnico falhar durante o processo de inovação e medo
as desenvolva e implemente, que, por sua vez, de que inovações que diminuem custos levem a
busca minimizar riscos, já que falhas são muito reduções no orçamento da organização.
onerosas devido ao constante monitoramento da
mídia e da oposição. Assim, evitar falhas costuma Bommert (2010) afirma que aspectos or-
ser uma prioridade organizacional e o sucesso ganizacionais, tais como hierarquia, estruturas
por meio da inovação é menos valorizado, já que em silos e processos fechados e top-down ca-
os políticos costumam levar os créditos e não racterizam governos burocráticos e impactam
os técnicos envolvidos. negativamente o ciclo de inovação e que, devido
a estas características, o ciclo de inovação é
Mulgan (2007) identifica como principais bar- restrito a um número limitado de participantes
reiras à inovação no setor público aversão ao risco, no interior do governo. O autor aponta ainda
excesso de regras, incerteza quanto aos resultados, que além das barreiras organizacionais para
baixa integração entre os departamentos e estru- a inovação no setor público, há as restrições
turas inadequadas. Segundo o autor, o ambiente culturais. Um obstáculo fundamental é a cultu-
em que o governo opera coloca mais peso em ra de aversão ao risco que limita a liderança, o
desencorajar o risco do que premiá-lo. A mídia, financiamento e a experimentação necessários
por exemplo, desempenha um papel importante para gerar, selecionar, implementar e difundir
nesse processo, dando mais destaque às falhas ideias (Bommert, 2010, p. 21).
que aos sucessos do serviço público. Bommert
(2010, p. 21) corrobora essa afirmação ao con- Bommert salienta também que
cluir que “uma razão para a aversão ao risco é o
medo de ser considerado culpado publicamente inovações ocorrem principalmente em res-
pelo fracasso ou a imagem de que o governo faz posta a ameaças iminentes. Nesses casos,
apostas arriscadas com o dinheiro público”. a conscientização pública, a mídia e o apoio
político criam um ambiente no qual assumir
A busca pela previsibilidade das ações por riscos é legitimado, liderança e financiamento
meio da imposição de regras (sistematização, são disponibilizados e a experimentação é
formalização e especificação de como as coisas possível. Inversamente, se qualquer um dos
devem ser realizadas) também contribui para três está faltando a janela de oportunidade

149
para inovações se reduz e o ciclo de inovação Na pesquisa do The Gallup Organization
retarda ou se quebra (Bommert, 2010, p. 21). (2010), 78% das organizações públicas euro-
peias apontaram a falta de pessoal ou recursos
Pedrosi Filho e Coelho (2013, p. 387) in- financeiros como principais barreiras à inovação.
vestigaram as barreiras à criação de spin-offs Os outros fatores citados foram requisitos rígidos
acadêmicas em universidades, compreendidas de regulamentações, falta de apoio gerencial,
no estudo como “uma empresa criada para falta de incentivos, resistência das equipes,
explorar uma propriedade intelectual gerada a incerteza quanto à aceitação dos usuários e
partir de um trabalho de pesquisa desenvolvido cultura de aversão ao risco.
em uma instituição acadêmica”.
Hughes, Moore e Kataria (2011), por sua
Dentre as barreiras a esse tipo de inovação, vez, identificaram que o impacto das regulações
evidenciadas por Pedrosi Filho e Coelho (2013, na inovação depende do setor. Em governos
p. 392-394), destacam-se a cultura da universi- locais do Reino Unido, a regulação é vista tanto
dade que considera como únicas possibilidades como barreira como indutora à inovação. Em
de explorar o conhecimento, as publicações e a serviços de saúde, a regulação é vista mais
educação, sem valorização da aplicação prática. como um indutor.
Uma vez que se avaliam pesquisadores por sua
produção e disseminação do conhecimento, Salge e Vera (2012) realizaram um estudo
pouca importância se atribui às patentes e com foco em orientação para o cliente e para a
transferência para a empresa. Outra barreira aprendizagem em um hospital público na Ingla-
analisada pelos autores diz respeito às “políticas terra. Eles centraram a atenção nas atividades
restritivas de licença para movimentação dos organizacionais voltadas para a geração de
pesquisadores acadêmicos entre universidade inovações a partir de uma visão de contingência
e setor privado”. A implementação da ideia de que considera a importância de atributos da
uma universidade empreendedora pode ter organização e do ambiente quando se trata do
como restrição os conflitos pela competição setor público. Entre esses atributos, destacam
de recursos escassos, pelo conservadorismo a relevância da cultura organizacional para tra-
na gestão de pesquisa e desenvolvimento ou duzir tais atividades de inovação em melhoria
falta de oportunidades de comercialização da de desempenho tangível.
tecnologia gerada. A “falta de experiência em-
presarial” dos pesquisadores pode também se Resende Junior, Guimarães e Bilhim
constituir em obstáculo a spin-off acadêmicos. (2013, p. 6) analisaram duas diferentes dimen-
A não disponibilidade de serviços tais como os sões no processo de gestão da inovação no setor
de propriedade intelectual podem ser obstáculos público: indução à inovação e comportamento
a serem enfrentados. Quando não se tem uma reativo à inovação. Esse último tratava de “ca-
equipe de pesquisadores com competências racterísticas organizacionais de resistência à
diversas necessárias aos diferentes estágios inovação” e foram identificadas as seguintes:
do desenvolvimento da inovação, o êxito da
inovação pode ser comprometido. Outras bar- • práticas culturais de resistência ao novo;
reiras destacadas pelos autores são mentais:
“padrões de percepções entre os investidores • liderança passiva;
e potenciais empreendedores até o acesso aos
diferentes recursos e serviços”, “conflitos entre • ausência de práticas de fomento à inovação;
os diferentes stakeholders”, “acesso a recursos
financeiros para entrada em novos negócios”. • resistência à mudança de paradigmas;

150
• descontinuidade das equipes e dos projetos à inovação mais significativas e o aspecto mais
exitosos, devido à alternância do poder na comum encontrado foi o papel do líder sênior.
gestão pública; Observaram ainda uma correlação significativa
das barreiras com dimensões de inovação mais
• ausência de planejamento para transferência relevantes, o que eles mencionam que pode não
de conhecimento, prejudicando a formação se tratar de impedimentos reais, mas denotar que
de novas equipes; os empregados percebem as barreiras e a partir
de suas experiências e estratégias adotadas são
• falta de política corporativa que estimule o capazes de enfrentá-las.
processo inovador e o desenvolvimento de
lideranças com perfil inovador, corroborando Por fim, pesquisa quantitativa realizada por
a tendência à acomodação e manutenção Ferreira, Rocha e Carvalhais (2015) também in-
das rotinas, comum no serviço público. cluiu gestores públicos brasileiros, como realizado
nesta pesquisa, porém o foco recaiu naqueles
DeVries, Bekkers e Tummers (2016, p. 153) envolvidos em projetos relacionados à estraté-
desenvolveram um amplo levantamento da lite- gia e inovação em Minas Gerais. Esses autores
ratura recente (60% dos artigos publicados entre analisaram um conjunto de fatores apontados na
2009 e 2014) sobre inovação no setor público, literatura científica que podem exercer influência
incluindo especialmente artigos científicos que no ambiente inovador no setor público. Embora
retratassem resultados de pesquisas empíricas. os gestores tenham assinalado a importância
Esses autores adotaram na classificação de tipos desses fatores, nem sempre consideravam que
de inovação a ideia de inovações de processos estavam presentes no setor pesquisado. Dentre
administrativos como subcategoria da inovação os fatores críticos apontados está a gestão do
de processos e esta se refere “a ideias de reforma processo de inovação, sendo apresentada uma
como a New Public Management (NPM)”. Dentre diferença significativa entre a percepção de
os antecedentes de inovação de processo, os au- gestores de nível estratégico, que apresenta-
tores destacam quatro categorias e quatro níveis ram uma visão mais otimista, daqueles de nível
categorizados em indutores e barreiras. Os níveis tático, que se encarregavam de implementar
e seus significados encontram-se no quadro 2. as iniciativas de inovação concebidas pelos de
nível estratégico.
Torugsa e Arundel (2016) analisaram inovações
mais significativas no nível de grupos de trabalho Um ponto destacado por Ferreira, Rocha e
em um survey de larga escala envolvendo em- Carvalhais (2015) como preocupante refere-se
pregados da administração pública na Austrália. à pouca importância atribuída pelos gestores do
Um dos objetivos do estudo era evidenciar barreiras nível estratégico ao fator “recursos para inovação”.

QUADRO 2
Níveis e significados dos antecedentes do processo de inovação no setor público
Níveis Significados
Ambiental Contexto externo (exemplo: mandato político)
Organizacional Aspectos que incluem aspectos estruturais e culturais de uma organização (exemplo: falta de recursos)
Inovação Atributos intrínsecos de uma inovação (exemplo: complexidade da inovação)
Individual/empregado Características dos indivíduos que inovam (exemplo: empoderamento)

Fonte: baseado em DeVries, Bekkers e Tummers (2016, p. 155).


Elaboração das autoras.

151
Em síntese, analisando-se a literatura revisada e fundacional, para efeitos de capacitação, são
neste capítulo, evidenciam-se como principais identificados como dirigentes os agentes públicos
barreiras à inovação no setor público: rigidez ocupantes de cargos em comissão que exercem
de regulamentações, falta de pessoal, recursos funções de direção, chefia e assessoramento.
financeiros insuficientes, falta de coordenação
e interação entre departamentos, alocação O Grupo de Direção e Assessoramento Supe-
inadequada de tempo para a inovação, falta de rior (DAS) compreende os cargos de provimento
incentivos, aversão ao risco, incerteza quanto em comissão inerentes a atividades de planeja-
aos resultados e resistência de usuários. mento, orientação, coordenação e controle, no
mais alto nível da hierarquia administrativa dos
3 METODOLOGIA E CARACTERIZAÇÃO órgãos da administração federal direta e das
DA AMOSTRA autarquias federais, com vistas à formulação de
programas, normas e critérios que deverão ser
Esta pesquisa teve como objetivo identificar observados pelos demais escalões hierárquicos
barreiras à inovação em gestão em organizações (Brasil, 1972).
públicas do governo federal brasileiro na percep-
ção de dirigentes. É uma pesquisa exploratória Os cargos são compostos por seis níveis
e descritiva, por meio da abordagem qualitativa, hierárquicos (DAS 1, 2, 3, 4, 5 e 6) e cada nível
tendo sido empregadas as técnicas de pesquisa possui níveis de remuneração e responsabili-
documental e entrevistas semiestruturadas. dades diferenciadas a depender dos seguintes
fatores: i) importância da atividade para o
A pesquisa documental baseou-se na análise desenvolvimento nacional; ii) complexidade e
de dados do Concurso Inovação da Enap e nos responsabilidade das atribuições exercidas; e
livros que descrevem as iniciativas premiadas iii) qualificações requeridas para o desempenho
entre 2008 e 2010, a fim de identificar e ca- das atribuições.
racterizar inovações em gestão e selecionar
participantes para as entrevistas individuais. Os cargos de direção, chefia e assessora-
Os sítios das organizações públicas selecionadas mento superior são compostos por diferentes
para as entrevistas também foram analisados categorias de funções, a saber: DAS 1 (chefe
a fim de apoiar o processo de caracterização de serviço, auxiliar); DAS 2 (chefe de divisão,
das inovações. assistente); DAS 3 (coordenador, assessor); DAS
4 (assessor, gerente de projeto, coordenador
Foram objeto desta pesquisa: organizações geral, chefe de assessoria, chefe de gabinete);
públicas federais de diferentes setores (edu- DAS 5 (assessor especial de ministro, chefe de
cação, previdência, saúde, dentre outros) e gabinete do ministro, diretor) e DAS 6 (secretário
personalidades jurídicas (administração direta executivo, secretário).
ou indireta) para permitir uma maior amplitude
do campo de análise da percepção de barreiras Para efeitos desta pesquisa, foram selecio-
à inovação em gestão. nados dirigentes ocupantes de DAS 4, 5 e 6,
pois estes exerciam funções mais estratégicas
Como respondentes da pesquisa, optou-se na gestão de organizações públicas do governo
por focar nos dirigentes dessas organizações, federal em relação aos DAS 1, 2 e 3.
entendendo que estes possuem papel estratégico
e multiplicador de novos conhecimentos e abor- As entrevistas individuais foram realizadas
dagens, em razão de sua posição de comando. no período de 5 a 16 de dezembro de 2011
Carvalho e Marques (2009) destacam que na com onze dirigentes de diversas instituições
administração pública federal direta, autárquica públicas do governo federal brasileiro. Entre os

152
entrevistados, sete participaram da implementação identificadas mais duas inovações em gestão que
de inovações em gestão premiadas no Concurso atendessem aos critérios estabelecidos, resul-
Inovação da Enap (ou seja, relataram experiências tando em dez iniciativas no total selecionadas
bem-sucedidas de inovação) e quatro foram para entrevistas individuais.
escolhidos por não terem participado de iniciativas
inovadoras premiadas, permitindo assim obter O quadro 3 indica as iniciativas inovadoras
também relatos de tentativas frustradas de que atenderam aos critérios de seleção para as
inovação. O número de participantes foi definido entrevistas individuais.
pelo critério de saturação, tendo sido encerrado
o agendamento de novas entrevistas à medida Entre as dez iniciativas premiadas no
que foi sendo identificada a reincidência de Concurso Inovação, foram efetivamente rea-
informações e saturação dos dados, pois, como lizadas entrevistas com sete gestores de seis
recomenda Zanelli (2002, p. 85), a decisão de iniciativas diferentes. Os fatores que impediram
quando concluir as entrevistas está vinculada a realização das entrevistas com representantes
ao momento em que “os dados começam a das outras quatro iniciativas foram: gestores que
ressurgir e o pesquisador já articula argumentos participaram do surgimento e da implementação
descritivos da realidade com certo desembaraço das inovações já não trabalhavam mais no órgão
ou, em outras palavras, as respostas que buscava e indisponibilidade de agenda (alguns gestores
se mostram com relativa evidência”. encontravam-se afastados por motivos de
saúde ou de férias no período estipulado para
Para a seleção dos participantes, primeira- as entrevistas).
mente, foi realizada uma pesquisa documental
na base de dados do Concurso Inovação da Enap Aliada à dificuldade de agendamento das
para identificar os responsáveis por inovações entrevistas em quatro órgãos, as informações
em gestão premiadas nos últimos dois anos. começaram a se repetir no público-alvo selecio-
Depois foi realizada a leitura dos relatos das nado após a quinta entrevista. Assim, optou-se
iniciativas premiadas,3 tal qual apresentados na por buscar entrevistar também dirigentes da
ocasião da inscrição no concurso. O objetivo foi administração pública federal que não haviam
conhecer um pouco mais sobre as inovações, participado de iniciativas premiadas no Concurso
a fim de subsidiar o contato com os gestores e Inovação, a fim de obter um olhar diferenciado
verificar quais inovações poderiam ser classi- sobre os fatores que atuam como barreiras à
ficadas como inovação em gestão, segundo o inovação em gestão. Nesta perspectiva, foram
conceito adotado nesta pesquisa. entrevistados mais quatro dirigentes da Escola
Nacional de Administração Pública, do Ministério
Entre as vinte iniciativas premiadas nos últi- do Meio Ambiente e do Ministério do Planeja-
mos dois anos pelo Concurso Inovação (2010 e mento, Desenvolvimento e Gestão. A tabela 1 a
2009), apenas oito atenderam simultaneamente seguir apresenta o número final de entrevistados
os três critérios de seleção previamente estabe- e suas respectivas instituições.
lecidos: i) responsáveis residentes em Brasília;
ii) iniciativas classificadas como inovação em A amostra de participantes foi composta por
gestão de acordo com o conceito adotado nesta 45% do sexo feminino e 55% do sexo masculino.
pesquisa; iii) iniciativas inovadoras implantadas Em relação à faixa etária, 46% encontravam-se
em ministérios, fundações ou autarquias do na faixa de 36 a 50 anos. Pode-se perceber um
governo federal. Optou-se, então, por analisar alto grau de escolaridade dos entrevistados, sen-
também as iniciativas premiadas em 2008, sendo do que 27% possuíam nível superior completo,

3. Disponíveis no site: <http://inovacao.enap.gov.br>.

153
QUADRO 3
Iniciativas inovadoras selecionadas para as entrevistas individuais
Iniciativa Tema Instituição

Arranjos institucionais para coordenação e/ou


Projeto Pensando o Direito Ministério da Justiça
implementação de políticas públicas

Agenda Social Registro Civil de Nascimento


Arranjos institucionais para coordenação e/ou Secretaria de Direitos Humanos da Presidência
e Documentação Básica: Comitês Gestores
implementação de políticas públicas da República
da Agenda Social.

Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência Arranjos institucionais para coordenação e/ou


Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres
contra a Mulher implementação de políticas públicas

Índice de Desenvolvimento da Educação Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas


Avaliação e monitoramento de políticas públicas
Básica (Ideb) Educacionais Anísio Teixeira (Inep)

Gestão de Condicionalidades e Acompanha- Arranjos institucionais para coordenação e/ou Ministério do Desenvolvimento Social e Com-
mento das Famílias do Programa Bolsa Família implementação de políticas públicas bate à Fome

Rede Nacional de Altos Estudos em Segurança


Gestão e desenvolvimento de pessoas Ministério da Justiça
Pública (Renaesp)

Acompanhamento da Frequência Escolar de


Avaliação e monitoramento de políticas públicas Ministério da Educação
Crianças e Adolescentes em Vulnerabilidade

Arranjos institucionais para coordenação e/ou


A Estratégia de Saúde da Família Ministério da Saúde
implementação de políticas públicas

Arranjos institucionais para coordenação e/ou Fundo Nacional de Desenvolvimento da


Programa Caminho da Escola
implementação de políticas públicas Educação (FNDE)

Programa de Documentação da Trabalhadora Arranjos institucionais para coordenação e/ou


Ministério do Desenvolvimento Agrário
Rural implementação de políticas públicas

Elaboração das autoras.

9% especialização completa, 37% mestrado especial de ministro, chefe de gabinete do ministro


completo e 27% doutorado completo. ou diretor e 18% secretário executivo ou secretário.

Quanto ao vínculo com o serviço público, 55% Em relação ao tempo na organização, 55%
eram concursados, 36% ocupantes de cargo co- dos entrevistados estavam entre um e cinco
missionado (sem vínculo) e 9% possuíam vínculo anos na mesma organização, 27% de seis a dez
temporário. Em relação aos cargos de chefia, anos e 18% acima de dez anos. Já em relação
apenas 9% não possuíam função de direção, ao tempo acumulado em cargos de direção,
chefia e assessoramento, 9% exerciam função de chefia e assessoramento, 27% informaram ter
coordenador técnico, 46% de assessor, gerente entre um e cinco anos, 18%, de seis a dez anos
de projeto ou coordenador geral, 18% assessor e 55%, mais de dez anos.

154
TABELA 1
Número final de entrevistados e respectivas instituições
Instituição Número de entrevistados
Ministério da Justiça 1
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República 1
Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres 1
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) 1
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome 1
Ministério da Educação 2
Ministério do Meio Ambiente 1
Escola Nacional de Administração Pública 2
Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão 1
Total 11

Elaboração das autoras.

Para a condução das entrevistas, foi elaborado à Universidade de Brasília. Tal grupo Lattes
um roteiro com três perguntas, criadas com o passou a ser vinculado à Universidade Fede-
intuito de identificar como surgiu a inovação, a ral do Rio de Janeiro e o nome passou a ser
participação do entrevistado no processo e quais Criatividade, inovação e cultura de inovação,
as principais barreiras identificadas. ainda liderado pela mesma docente. Na
ocasião da pesquisa, o grupo era formado
Após as entrevistas, os dados obtidos por alunos do mestrado e doutorado do Pro-
foram submetidos à análise de conteúdo grama de Pós-Graduação em Administração
em três etapas: i) pré-análise; ii) exploração (PPGA/UnB) e alguns docentes da UnB de
do material; e iii) tratamento dos resultados diferentes áreas do conhecimento. O grupo
e interpretação (Caregnato e Mutti, 2006). de estudantes atuava da mesma forma com
As respostas dos sujeitos foram categori- suas pesquisas, isto é, submetia material de
zadas por temas principais e secundários e entrevistas para a análise dos demais colegas,
os aspectos considerados como barreiras à sob a orientação da professora líder do grupo.
inovação foram identificados. No intuito de
contribuir com a validade dos resultados da Após análise individual, foi realizado um amplo
pesquisa e melhorar o nível de compreensão debate a fim de que o processo se constituísse
do fenômeno estudado, optou-se por utilizar como um momento de aprendizagem para
a abordagem de triangulação de pesquisa- todos que necessitavam realizar análise de
dores, a qual consiste no envolvimento de conteúdo para seus estudos. Foi solicitado que
dois ou mais pesquisadores na análise dos os pesquisadores dessem sugestões de nomes
dados das entrevistas (Farmer et al., 2006). de categorias para os agrupamentos e que, ha-
Assim, trechos previamente selecionados das vendo necessidade, poderiam juntar categorias
entrevistas foram agrupados e enviados para ou desmembrar os agrupamentos existentes em
quatro4 integrantes do grupo de pesquisa mais de uma categoria.
registrado na plataforma Lattes denominado
Criatividade e inovação, liderado por uma das As categorias propostas pelos pesquisado-
autoras deste capítulo, na época vinculado res da triangulação foram comparadas com as

4. Nossos agradecimentos a Paulo Zandonadi, Érica Danna, Cecília César e Ana Tereza Colnagno por suas contribuições
à análise de conteúdo das entrevistas.

155
categorias preliminarmente identificadas pelas 4.1 Barreiras
pesquisadoras, a fim de verificar convergências
e divergências. Houve concordância total ou No quadro 4, a seguir, são apresentadas as
parcial em 68% das categorias e divergências definições constitutivas dos construtos dos
significativas em 32% das categorias analisadas. fatores identificados como barreiras à inovação
Os itens com maior divergência foram submeti- em gestão.
dos a um processo de discussão e análise com
os participantes da triangulação e à medida Na tabela 2, encontra-se a distribuição da
que os consensos foram sendo construídos, frequência dos fatores que exercem o papel de
algumas categorias foram reformuladas e novas barreiras à inovação em gestão.
categorias foram criadas.
Entre os fatores apontados pelos responden-
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO tes como barreiras à inovação em gestão em
organizações públicas federais, as que mais se
Os temas mais frequentes identificados na aná- destacaram foram: dificuldade de articulação
lise de conteúdo das entrevistas, balizados pela intersetorial (20%), restrições legais (16%),
literatura revisada neste estudo, foram o ponto estrutura organizacional verticalizada (16%) e
de partida para a construção das categorias resistência à inovação e aversão ao risco (12%).
de fatores que refletem os propósitos desta
pesquisa. Foram identificados nove fatores que Primeiramente, a relação entre intersetoriali-
atuam como barreiras à inovação em gestão. dade de políticas públicas e inovação em gestão
QUADRO 4
Definições constitutivas dos fatores que exercem o papel de barreiras à inovação em gestão
Barreiras Definições
Dificuldade de coordenação e articulação de políticas públicas de caráter transversal e intersetorial
Dificuldade de articulação intersetorial
que envolvem órgãos de diferentes setores.
Exigências legais e normativas que geram obstáculos ao desenvolvimento de novos procedimentos,
Restrições legais
produtos, serviços e políticas públicas.
Modelo verticalizado de ordenamento e agrupamento de atividades e recursos que geram estruturas
Estrutura organizacional verticalizada hierárquicas rígidas e podem tornar o processo de comunicação e de tomada de decisão lentos e
ineficientes.
Conjunto de hábitos, crenças, valores e atitudes compartilhados pelos membros da organização e
Resistência à inovação e aversão ao risco
que se expressam pela maneira como os indivíduos reagem negativamente à inovação.
Baixa capacidade técnica de estados Baixo nível de qualificação técnica das equipes de estados e municípios e infraestrutura física e
e municípios tecnológica inadequadas ou insuficientes.
Flexibilidade no sistema de seleção de dirigentes que permite a rotatividade periódica de gestores
Rotatividade de dirigentes
e, por consequência, dificulta a proposição e a implementação de inovações.
Diversidade social, cultural e econô- Pluralidade de condições culturais, sociais e de desenvolvimento político e econômico da população
mica do país em um país de dimensões continentais como o Brasil.
Recursos orçamentários e financeiros
Insuficiência de recursos orçamentários e financeiros para financiamento de inovações.
limitados
Falta de incentivos à inovação Falta de apoio e suporte da organização à inovação.

Elaboração das autoras.

156
TABELA 2
Barreiras à inovação em gestão
Categoria Barreiras Frequência Porcentagem (%)
1 Dificuldade de articulação intersetorial 5 20
2 Restrições legais 4 16
3 Estrutura organizacional verticalizada 4 16
4 Resistência à inovação e aversão ao risco 3 12
5 Baixa capacidade técnica dos estados e municípios 3 12
6 Rotatividade de dirigentes 2 8
7 Diversidade social, cultural e econômica do país 2 8
8 Recursos orçamentários e financeiros limitados 1 4
9 Falta de incentivos à inovação 1 4
Total 25 100

Elaboração das autoras.

caracteriza-se como uma questão importante já que a inovação depende de outros órgãos que
no Brasil, uma vez que a administração pública têm suas próprias prioridades.
federal tem a responsabilidade pela formulação
e coordenação da implementação de políticas “A gente define a política, mas eles executam
públicas que são, em alguns casos, executadas muitas vezes no formato deles que pode até ser
por estados e municípios. Neste contexto, prejudicial. Então isso é uma barreira, na verdade,
para os temas transversais. Como não se executa,
os desafios da coordenação governamental não se tem controle, falta governabilidade sobre
impõem-se fortemente quando o assunto é os resultados” (E1).
formulação e implementação de políticas de
governo, uma vez que a compatibilização entre “Conduzir um trabalho intersetorial não é fácil, a
desenvolvimento e democracia contemplam gente tem que sair das nossas caixinhas e é difícil de
relações intra e intergovernamentais bastante sair do nosso quadradinho, de ceder para os outros
intrincadas, no contexto dos processos simul- e conversar com os outros e compartilhar” (E6).
tâneos de descentralização, de regionalização
e de globalização (Enap, 2010, p. 10). Oliveira e Lotta (2015, p. 116), por seu tur-
no, buscaram avaliar a atuação da burocracia
Também contribui para a importância da inter- denominada de médio escalão (cargos comis-
setorialidade, o sistema federal de planejamento, sionados intermediários – de 1 a 5) em uma
operacionalizado por meio do Plano Plurianual inovação decorrente da implementação de uma
de Investimentos (PPA), o qual se baseia na ter- nova política pública, isto é, o Programa Bolsa
ritorialidade e intersetorialidade dos programas Família, destacando a importância da “capa-
para focalizar os investimentos públicos. Alguns cidade e liberdade para inovações de gestão”.
relatos dos entrevistados revelam a complexidade No lugar de uma competição na burocracia da
da coordenação governamental e o quanto que secretaria responsável pela administração do
isso tem impacto na capacidade de inovar na referido programa, destacaram “uma relação
gestão de políticas públicas. Um dos principais de complementariedade”. Tal relação pode ser
argumentos apontados pelos entrevistados reside advinda, de acordo com os autores, da capaci-
na falta de governabilidade sobre os resultados, dade de esses burocratas transitarem entre o

157
mundo da administração e o político. Oliveira não evoluiu muito nos últimos anos. Ele dificulta
e Lotta (2015, p. 125-126) acrescentam que você ter gerentes inseridos de uma forma que eles
“o trânsito facilitado que muitos deles relatam possam fazer mudanças, fazer acontecer” (E5).
junto a políticos e/ou a membros do alto escalão
é essencial para o bom desempenho da organi- Mulgan (2007) e Bloch (2011) afirmam que
zação e para a viabilidade da intersetorialidade”. estruturas inadequadas e a baixa integração
entre departamentos costumam gerar obstá-
No que diz respeito às restrições legais culos à inovação no setor público. O relato do
atuarem como barreiras à inovação em gestão, entrevistado 9 confirma esse ponto de vista:
pesquisas anteriores confirmam que requisitos
rígidos de regulamentações dificultam o desen- “Outra questão eu acho que é também porque
volvimento de novos procedimentos, produtos, a inovação de uma área ela é interdependente
serviços e políticas públicas (Mulgan, 2007; The com as áreas. Então uma equipe muito inovado-
Gallup Organization, 2010). Nos relatos a seguir, ra, ela vai encontrar barreiras ao transpor este
é possível perceber claramente essa questão: processo. Se um macroprocesso envolve mais de
uma área, ao transpor esse processo pra outra
“Como grande parte dos processos, das rotinas, área, você pode também encontrar resistência
das atividades da administração pública está fun- em adotar coisas diferentes” (E9).
damentada em um arcabouço de leis e de normas,
em geral qualquer mudança que se queira fazer de Outros fatores bastante apontados pelos
processo ou de estrutura, fatalmente vai esbarrar estudiosos como dificultadores à inovação no
na necessidade de mudar norma ou mudar lei. setor público estão relacionados a atitudes de
E se tem que mexer em algum dispositivo legal, membros individuais da organização ou ao seu
complica consideravelmente, porque aí eu depen- clima como resistência à inovação e aversão ao
do do Congresso, eu dependo da Presidência da risco (Mulgan, 2007; VanGundy, 2007; Bloch,
República” (E5). 2011). Nos relatos dos entrevistados, questões
como custo de aprendizagem e aversão ao risco
“O ambiente da administração pública é um por parte de dirigentes apareceram fortemente
ambiente de inibição da inovação. Toda inovação nos depoimentos.
na administração pública já nasce ilegal. Ela não
tá especificada em lugar nenhum, não existe “Eu acho que um dos fatores inibidores é a re-
antes. Então ela enfrenta um ambiente hostil no sistência dos servidores em implementar alguma
nascedouro” (E4). mudança, uma coisa nova, porque ela gera um
período de aprendizagem e com isso você gera
De maneira similar, estruturas organizacionais muito retorno e mais tempo pra fazer as tarefas
verticalizadas e rígidas também contribuem no princípio... Eu acho também que barreira é a
para dificultar o surgimento de inovações no capacidade que a organização tem, seus dirigen-
setor público. Isto acontece porque estruturas tes, de assumir riscos. Eu acho que toda vez que
hierárquicas rígidas podem tornar o processo de eu me deparei com um superior que não estava
comunicação e de tomada de decisão lentos e a fim de assumir riscos, apesar de a gente ter
ineficientes. A fala do entrevistado 5 é bastante identificado quais eram os riscos, de saber e até
ilustrativa dessa questão: contingenciar esses riscos, a gente, eu pelo menos,
nunca consegui levar adiante” (E9).
“Mas a estrutura que a gente tem ai é muito tradi-
cional e é um modelo verticalizado. Cada ministério É importante ressaltar que a análise de risco é
é como se fosse uma grande divisão com muita uma importante etapa do processo de concepção
autonomia e esse modelo é difícil mexer nele. Ele de programas e políticas públicas, visto que a

158
sua implementação afeta a vida de milhões de Já a rotatividade de dirigentes foi citada,
pessoas e vivemos num ambiente de restrição tanto como indutor, como barreira à inovação
orçamentária e de busca constante pela melhoria em gestão:
da qualidade dos gastos. Towsend (2013, p. 23)
argumenta, por exemplo, que é fundamental “Mudou o gestor, a gente tem que começar do
para o processo de inovação “a compreensão de zero. Essa ideia de que porque tem um acordo
como atores e organizações públicas percebem o assinado, porque tem um projeto em andamen-
risco” e aponta como fator-chave para encorajar to e isso vai se manter, não necessariamente.
o comportamento inovador o cálculo do risco A gente tá sempre recomeçando” (E1).
pelos servidores públicos. Para isso, os gestores
públicos devem encorajar a experimentação e Também foi apontada pelos entrevistados
perceber que a inovação é algo benéfico para o a questão da renovação do corpo político e
setor público; constatar a necessidade de mudar gerencial a cada ciclo eleitoral que dificulta a
a cultura organizacional, a fim de se tolerar o continuidade das mudanças propostas. Por sua
fracasso que se dá em prol do interesse público vez, alguns entrevistados relataram que a troca
e empoderar os gestores de nível médio, além periódica de dirigentes traz novas perspectivas
de outras ações. e pode gerar bons impulsos à inovação.

Outro fator ressaltado pelos entrevistados, Em relação à rotatividade, Lopez, Bugarin e


mas sem registros em pesquisas anteriores, Bugarin (2015) ao analisarem variáveis relacionadas
consiste na baixa capacidade técnica de a mudanças político-partidárias e rotatividade em
estados e municípios como fator dificultador cargos de confiança, no período compreendido
da inovação na administração pública federal. entre 1999 e 2013, abrangendo os três últimos
No Brasil, estados e municípios têm a sua au- governos brasileiros, indicam que, apesar de ser
tonomia garantida constitucionalmente, mas um pouco menos de 30% é considerada uma alta
grande parte das políticas públicas do governo taxa. Identificaram “uma lógica bastante previ-
federal é realizada com descentralização de sível” em que o mais alto índice de rotatividade
recursos para esses governos subnacionais. ocorre no primeiro ano de mandato presidencial
E é neste momento que o baixo nível de qualifi- e vai gradativamente diminuindo. Além disso,
cação técnica das equipes de estados e muni- evidenciaram que a mudança de partido político
cípios e as infraestruturas física e tecnológica “no comando político dos ministérios amplia
inadequadas ou insuficientes geram barreiras consideravelmente a taxa média de rotatividade
à inovação na gestão de políticas públicas anual nos respectivos órgãos” (Lopes, Bugarin
federais. Neste contexto, ao comentar sobre e Bugarin, 2015, p. 64). Dessa forma, pode-se
as dificuldades de desenvolver inovações no hipotetizar que essas mudanças tanto podem
governo federal, os entrevistados deram os se constituir em oportunidades de uma gestão
seguintes depoimentos: mais flexível e receptiva à inovação quanto à
descontinuidade nos processos de mudança.
“Baixa institucionalização das políticas em alguns
estados. “Baixo envolvimento político local, equi- Outro fator identificado pelos entrevistados,
pes pequenas ou com baixa qualificação, falta de mas sem referências na literatura revisada, se
conhecimento sobre o tema” (E2). relaciona com a diversidade cultural, social e de
desenvolvimento político e econômico em um
“Falta de acesso dos pequenos municípios, principal- país de dimensões continentais como o Brasil
mente do norte e nordeste a telefone, computador, (organizado em 27 Unidades Federativas, em uma
internet” (E7). área total de 8.514.876 km2). Os entrevistados

159
relataram em diversos momentos as dificuldades Um fator bastante discutido em pesquisas
de propor inovações na gestão de políticas anteriores refere-se à falta de incentivos para
públicas federais devido à grande dificuldade que gerentes e equipes inovem no setor público
de encontrar soluções únicas para um país com (The Gallup Organization, 2010; Bloch, 2011).
características regionais tão diversas: Potts e Kastelle (2010) argumentam, por exem-
plo, que políticos ou partidos costumam levar os
“Agora evidentemente que a gente tem dificuldade créditos de políticas públicas bem-sucedidas e
operativa num país territorial como o nosso, com que o corpo técnico só costuma ser lembrado
uma diversidade e com uma desigualdade como a quando há falhas ou fracassos. A falta de reco-
nossa em que você tem que conduzir uma política nhecimento das chefias ou de remunerações
que tenha um padrão unitário de ação. E ai você variáveis vinculadas ao desempenho também
esbarra nas diferenças, nas diversidades regionais são fatores que contribuem para um ambiente
de concepções, geografias e culturas” (E6). pouco inovador em organizações públicas.
O entrevistado 9 aponta algumas reflexões
No entanto, alguns entrevistados ponderaram sobre esse tema:
também que a administração pública federal
brasileira tem o desafio de implantar políticas “Eu acho que as pessoas não estão muito incen-
públicas voltadas para a redução das desigualda- tivadas a inovar. Não sei como é que eu explico
des regionais e que isso passa necessariamente isso. Qual o ganho? Não tá muito claro qual é o
pela busca por inovações em gestão. Assim, ganho da minha proposta de inovação. Não tem
pode se concluir que a diversidade e a extensão um ambiente de inovação” (E9).
geográfica do país, ademais de atuarem como
ameaças, podem também ser consideradas como Duas questões também foram identificadas
boas oportunidades para estimular a inovação na literatura, mas não apareceram nos relatos
no setor público brasileiro. dos entrevistados como barreiras à inovação no
setor público. A primeira diz respeito à falta de
A insuficiência de recursos orçamentários apoio da liderança política ou de dirigentes do
para financiamento de inovações vem sendo alto escalão a determinado tema ou iniciativa
apontado pela literatura como um importante inovadora (Potts e Kastelle, 2010). O outro fator
obstáculo à inovação (The Gallup Organization, é a oferta insuficiente de capacitação para que
2010; Bloch, 2011). Diferentemente das grandes servidores públicos desempenhem adequadamente
empresas privadas, que possuem departamen- suas funções, tenham contato com novas ideias
tos de pesquisa e desenvolvimento de novos ou para facilitar o processo de implementação de
produtos e processos e possuem orçamentos uma inovação. VanGundy (2007) e The Gallup
específicos para a inovação, no setor público Organization (2010) destacam, por exemplo,
as regras orçamentárias rígidas, a escassez de a carência de profissionais qualificados como
recursos financeiros e os constantes contin- um fator que desestimula a inovação em orga-
genciamentos de recursos tendem a dificultar nizações públicas. Assim, itens relativos à falta
a proposição de inovações. de apoio das lideranças à inovação e à falta de
capacitação foram incluídos na elaboração da
“Este é um problema grande porque primeiro, escala de barreiras à inovação.
a gente não tem dinheiro. Mas a gente é que tá
oferecendo pros estados que tem menos ainda. Outro aspecto apontado por Pedrosi Filho e
A gente repassa recursos, mas o nosso recurso Coelho (2013) no estudo da inovação no setor
é muito limitado, a limitação é extrema e não dá público trata da necessidade de se considerar
conta de nada” (E1). a relação entre pesquisa básica e aplicada e na

160
aproximação entre universidades, governos, aversão ao risco; baixa capacidade técnica dos
empresas e sociedade civil para se favorecer estados e municípios; rotatividade de dirigentes;
inovações. diversidade social, cultural e econômica do país;
recursos orçamentários e financeiros limitados
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS e falta de incentivos à inovação. Entretanto, a
literatura revisada evidenciou um conjunto variado
Este estudo teve como objetivo evidenciar a de aspectos que podem atuar como barreiras à
percepção de dirigentes sobre os fatores que inovação no setor público de diferentes tipos e
atuam como barreiras à inovação em gestão revelou ainda a necessidade de se atentar para
em organizações públicas do governo federal as especificidades das organizações e dos países.
brasileiro.
Com base nos resultados dessa pesquisa,
Em relação à revisão da literatura, cabe sa- foi possível corroborar estudos anteriores e
lientar o que foi apontado por DeVries, Bekkers e também identificar aspectos específicos do
Tummers (2016) sobre o predomínio de pesquisas contexto governamental brasileiro no que diz
qualitativas a respeito da inovação no setor público respeito à inovação no setor público. As barreiras
e a necessidade de realizar estudos envolvendo identificadas nas entrevistas, mas que não vêm
múltiplos métodos e envolvendo diferentes países sendo exploradas em pesquisas anteriores são:
e setores. Reforçam a importância da inovação dificuldade de articulação intersetorial; baixa
no setor público como um tópico importante capacidade técnica dos estados e municípios;
tanto para os que elaboram políticas quanto para rotatividade de dirigentes (que apareceu tanto
a academia em um tempo “de austeridade” em como indutor quanto como barreira) e diversi-
que se defrontam com problemas difíceis. dade social, cultural e econômica do país. Estes
aspectos podem estar relacionados com os
Salge e Vera (2012), por sua vez, ressaltam desafios de um Estado federativo e de grande
que a qualidade do serviço público está associada extensão territorial como o Brasil e poderia ser
ao tempo e recursos para incrementar atividades objeto de pesquisas futuras em outros países
de inovações. E que os gestores deveriam buscar com características similares.
desenvolver uma cultura que valorize o cliente
e a aprendizagem. Dentre as limitações deste estudo, é importante
destacar que embora o número de entrevistados
Um desafio para a pesquisa sobre o tema possa parecer relativamente pequeno, o uso da
apontado por Torugsa e Arundel (2016, p. 217) amostragem por saturação permite que os dados
refere-se à dificuldade de distinguir os efeitos aqui apresentados contribuam para a represen-
dos diferentes tipos de inovação, especialmente tação da opinião dos dirigentes governamentais
quando um tipo complementa o outro. Sugerem brasileiros sobre o tema estudado. A realização de
que “inovação bem-sucedida requer uma abor- levantamentos de dados (survey), incluindo uma
dagem holística e sistemática”. Desse modo, ampla amostra de dirigentes públicos, poderia
cabe verificar as barreiras que podem ocorrer enriquecer o debate sobre o tema. Outro aspecto
em diferentes tipos de inovação e em diferentes a ser considerado, diz respeito ao fato de esta
realidades do setor público. pesquisa ter sido conduzida em organizações da
administração pública federal (ministérios, fun-
Na pesquisa empírica realizada neste estudo, dações, autarquias), sugerindo que nem todos os
foram identificadas nove categorias de barreiras resultados possam ser generalizados para outros
à inovação em gestão: dificuldade de articulação tipos de organização e outros níveis de governo
intersetorial; restrições legais; estrutura organi- (estados e municípios), sendo necessários assim,
zacional verticalizada; resistência à inovação e novos estudos específicos sobre o tema com o

161
emprego de diferentes metodologias, identifican- CARVALHO, P.; MARQUES, P. Formação de diri-
do e comparando a opinião de não dirigentes e gentes da administração pública federal brasileira:
explorando as especificidades de governos subna- a visão da Escola Nacional de Administração
cionais, a fim de trazer novas contribuições para Pública (Enap). In: II Encontro de Escolas de Go-
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164
CAPÍTULO 8
INOVAÇÃO NO SETOR PÚBLICO: evidências
da gestão pública federal brasileira
no período 1999-2014
Antonio Isidro-Filho1

1 INTRODUÇÃO 1
aberta e flexível, contrapondo os movimentos
mais “sisudos” das ondas de reforma do Estado
O desafio da inovação no setor público tem sido (Lynn, 2013).
observado em diversos países de diferentes
níveis socioeconômicos, sobretudo aqueles que O projeto Mensurando a Inovação no Setor
buscam atrair investimentos privados e competir Público em Países Nórdicos (Mepin – em inglês,
em mercados altamente integrados e concorren- Measuring Public Innovation in the Nordic Coun-
tes. A busca pelo desenvolvimento econômico tries), o Innovation Unit e o National Endowement
e bem-estar social faz com que frameworks de for Science Technology and the Arts (Nesta), no
inovação surjam para organizar e direcionar os Reino Unido, e o projeto Indicadores da Inovação
esforços organizacionais públicos e privados, no no Setor Público Australiano (APSS – Australian
sentido de entregar novos produtos e serviços Public Sector Innovation Indicators Project), na
para a sociedade. Austrália, são exemplos de como países têm en-
vidado esforços para institucionalizar a inovação
Os movimentos de reforma no setor público em termos conceituais e metodológicos, a fim
são marcados por diferentes modelos que preco- de criar condições para a melhoria contínua de
nizam princípios de organização e funcionamento serviços públicos e cidadania. Em tentativa de
do Estado; suas instituições e organizações comparar as experiências de organizações pú-
públicas, de modo geral. Nova administração blicas brasileiras à luz dos referenciais teóricos
pública, governo empreendedor, novo serviço internacionais, identifica-se a oportunidade
público, entre outros, são exemplos de esforços de de estabelecer um framework que abarque os
gestores públicos, especialistas, pesquisadores, construtos constituintes da inovação no setor
profissionais e políticos, com o intuito de trans- público (Bugge e Bloch, 2016; Arundel, Bloch e
formar “para melhor” os elementos constituintes Ferguson, 2016), que representem adequada-
do Estado, dos governos e das administrações mente as características particulares da gestão
públicas. No cerne dos movimentos de reforma, pública federal, sem perder ressonância com os
percebe-se a inovação como fio condutor de principais modelos institucionais identificados
transformações em estruturas e processos de na literatura.
organizações públicas. Nos últimos anos, apesar
dos referenciais conhecidos de reforma, obser- Este capítulo tem por objetivo caracterizar
va-se que a inovação no setor público passa a inovação na gestão pública federal, a partir
a ser reconhecida como iniciativa mais leve, de experiências organizacionais premiadas no

1. Doutor em administração, coordenador do Laboratório de Inovação e Estratégia em Governo (LineGov), do Programa


de Pós-Graduação em Administração, do Departamento de Administração da Universidade de Brasília (UnB). E-mail:
<isidro@unb.br>, <antonio.isidro.filho@gmail.com>. Disponível em: <www.linegov.com.br>.
período 1999-2014. A pesquisa utilizou-se de mentada ou desempenhada por uma entidade
dados recolhidos a partir de relatos de experiências (organização, unidade, departamento etc.), no
inovadoras premiadas no Concurso Inovação na âmbito dos seus objetivos e suas atividades,
Gestão Pública Federal, promovido pela Escola representando a descontinuidade com padrões
Nacional de Administração Pública (Enap). Para anteriores. A implementação de inovações no
alcançar o objetivo geral, procedeu-se à elaboração setor público induz oportunidades importantes
de framework de inovação no setor público, à luz para o crescimento econômico, o bem-estar
dos referencias institucionais e científicos pesqui- social e a atração de investimentos (Avlonitis,
sados na literatura, sobretudo aqueles contidos Papastathopoulou e Gounaris, 2001).
nos trabalhos de Bloch (2011), Bloch et al. (2008;
2009), Bloch e Bugge (2013), Bugge et al. (2010), Gallouj e Zanfei (2013) mostram lacunas
Bugge, Mortensen e Bloch (2011), Hughes, Moore teóricas, empíricas, metodológicas e políticas
e Kataria (2011), APSII (2011), The Innovation Unit na literatura do tema, e sugerem a realização
(2009) e Djellal, Gallouj e Miles (2013). de mais estudos acerca dos serviços públicos.
Djellal, Gallouj e Miles (2013) argumentam que
De posse da estrutura analítica da inovação a inovação no setor público é paradoxal e que
no setor público, procedeu-se à construção de as administrações públicas são ambivalentes
base de dados acerca das experiências inovadoras no sentido de apoiarem as inovações, mas não
da Enap, que operacionalizasse os construtos e aproveitarem seus benefícios diretos e indiretos.
as variáveis constituintes do framework de ino- Esses autores mostram ainda que existem seto-
vação proposto. Por fim, realizaram-se análises res específicos nos serviços públicos em que as
descritivas da inovação na gestão pública federal. inovações são indiscutíveis e bem documentadas,
O capítulo está organizado em cinco seções, tais como universidades públicas e serviços de
sendo a primeira dedicada a esta introdução. A saúde. Nota-se que a heterogeneidade atinente
segunda seção trata do marco teórico da pes- ao setor público faz com que seja necessário
quisa em que se descreve a literatura do tema um entendimento mais apurado e transversal
e o framework de inovação no setor público. A ao tema da inovação no contexto público.
terceira refere-se ao método empregado para a
construção da base de dados e o cotejamento Bloch e Bugge (2013), Bugge e Bloch (2016)
dos resultados da pesquisa. A quarta seção e Arundel, Bloch e Ferguson (2016), entre outros
trata especificamente dos resultados, e a quinta autores, afirmam que vários esforços têm sido
concerne às conclusões do capítulo e ao apon- empreendidos para compreender a natureza da
tamento de direções para pesquisas futuras. inovação no setor público, sobretudo na busca por
indicadores e frameworks de análise que permitam
2 INOVAÇÃO NO SETOR PÚBLICO E a construção de medidas acerca da inovação. Outro
FRAMEWORK DE ANÁLISE desafio da inovação no setor público é a criação de
valor, por meio da colaboração entre o Estado e o
A inovação no setor público tem sido abordada, cidadão. Crosby, Hart e Torfing (2016) destacam
de modo geral, como a criação e a implemen- que os problemas complexos (wicked problems)
tação de novos processos, produtos e serviços da sociedade moderna devem ser enfrentados por
– bem como de novos métodos e técnicas de intermédio de estratégias de rede e colaboração
prestação de serviços públicos –, que impliquem com diferentes atores da sociedade e de governo,
melhoria significativa na eficiência, na eficácia para que se possa catalizar soluções viáveis e que
e na efetividade de resultados do setor público potencializem o valor público percebido.
para a sociedade (Mulgan e Albury, 2003; Albury,
2005). Para Koch e Hauknes (2005), a inovação Modelos ou frameworks ajudam a organizar
significa uma nova forma de ação social imple- conceitualmente e classificar ideias e visões

166
sobre inovação no setor público, conforme dos agentes envolvidos na inovação reflete a
destaca a Organização para a Cooperação e dinâmica desses elementos, na produção de
Desenvolvimento Econômico (OCDE) (OECD, produtos/serviços percebidos como valorosos
2015), em sua proposta de inovação. O Mepin pelo consumidor ou usuário final.
nos países nórdicos, o Nesta, no Reino Unido, e
o APSII, na Austrália, são exemplos de iniciativas O intuito de construir um framework aplicado
de organização conceitual e metodológica de ao contexto brasileiro foi apoiado na análise dos
arcabouços que sustentam a compreensão da modelos apresentados anteriormente, a fim de
inovação no setor público. identificar os elementos transversais aos modelos
de inovação, embasando-se a construção do
Koch e Hauknes (2005), bem como Djellal, framework aplicado ao Poder Executivo federal.
Gallouj e Miles (2013), mostram que arcabouços Nota-se que os modelos estudados abordam,
teóricos acerca de inovação, no sentido lato, em geral, inovação como processo (Bugge e
podem contribuir para a consolidação do tema Bloch, 2016) composto por: i) antecedentes
no setor público. Nesse sentido, observa-se que da inovação; ii) atividades relativas ao ciclo de
a abordagem integradora da inovação – proposta inovação; iii) capacidades ou recursos para ino-
por Gallouj e Weinstein (1997) e aperfeiçoada vação; e iv) resultados ou impactos da inovação.
por Gallouj (2002), Gallouj e Savona (2009) e Entretanto, sabe-se que a literatura sugere que
Djellal, Gallouj e Miles (2013) – contribui enquanto outras variáveis estão presentes na inovação
quadro analítico ampliado para serviços públicos, e merecem destaque, tais como: indutores,
favorecendo a compreensão da inovação quando barreiras e facilitadores, tipologias de inovação,
as fronteiras entre serviços públicos e privados coprodução e/ou cocriação da inovação. De
se tornam mais turvas. A interação de compe- posse de diferentes elementos constituintes
tências e características materiais e imateriais da inovação, propõe-se o framework a seguir.

FIGURA 1
Framework da inovação no setor público

Antecedentes da Determinantes Processo de Resultados da


inovação da inovação inovação inovação

Indutores orientados a problema Barreiras e facilitadores Ideação, seleção,


à inovação Melhoria na entrega e/ou na
E não-orientados a problema implementação e difusão

Impulso político, imposição legal Co-criação da inovação Co-criação da inovação Melhoria na gestão e no clima

Fatores tecnológicos Capacidades de inovação Capacidades de inovação Melhoria na imagens e relações

Elaboração do autor.

Os antecedentes da inovação são comumente como fatores-chave que condicionam o pro-


chamados de indutores, razões ou drivers da cesso de inovação (Bloch, 2011). Na literatura,
inovação e podem ser caracterizados como podem-se destacar alguns tipos de indutores
influências que são mobilizadas para gerar que fazem parte deste trabalho, conforme o
inovação (Tidd, Bessant e Pavitt, 1997), ou quadro 1.

167
QUADRO 1
Antecedentes da inovação: indutores
Indutores Definição
Introdução de inovações para responder a um ou mais problemas específicos, tais como fatores demográficos,
Orientado a problema
envelhecimento da população, obesidade infantil, entre outros.
Não orientado a
Necessidade de melhorias em relação a uma situação anterior, em vez do tratamento de problema específico.
problema
Mudanças estratégicas no serviço público que requerem decisões fortes do topo para a base. Pode ser base-
Impulso político ada em ideologia ou em resposta a eventos críticos e pressões. Também pode refletir-se através da imposição
de metas de desempenho.
Surgimento ou disponibilidade de novas tecnologias de informação e comunicação (TICs), que proporcionam
Fatores tecnológicos
oportunidades de inovação.
Criação de normativos, regulação, lei, decreto, emenda constitucional ou ação governamental que induzem
Imposição legal
inovação.
Fonte: Halvorsen et al. (2005), Koch e Hauknes (2005) e Agolla e Lill (2013).
Elaboração do autor.

O processo de inovação é constituído de ção representa quatro tipos: produto/serviço,


atividades que caracterizam o ciclo (da ge- processo, organização e comunicação. Os tipos
ração à difusão), bem como elementos que sugeridos por esse autor são específicos para
descrevem a natureza e o lócus da inovação, o setor público, mas guardam relação com o
conforme sugerem Gallouj e Savona (2009) e Manual de Oslo da OCDE.
Bloch (2011). Hughes, Moore e Kataria (2011)
definem as atividades de inovação como Condicionantes ou determinantes do processo
ondas de ideias circulantes na organização e de inovação – conforme Read (2000) –, foram
a efetividade destas em relação à inovação. identificados na literatura e abordados neste es-
Neste trabalho, as atividades de inovação são: tudo como barreiras à inovação e facilitadores de
ideação, bem como seleção, implementação inovação, coprodução da inovação e capacidade
e difusão de ideias. À luz da abordagem inte- e inovação. Barreiras à inovação e facilitadores da
gradora destacada anteriormente, a inovação inovação são definidos por Isidro-Filho, Guimarães
pode ser caracterizada em cinco modelos: e Perin (2011), respectivamente, como variáveis
radical, incremental, melhoria, recombinação individuais e organizacionais – que incidem negati-
e formalização. Neste estudo, empregam-se vamente sobre a inovação – e variáveis individuais
três modelos de inovação (radical, incremental e organizacionais – que se aplicam positivamente
e melhoria) para estudo dos casos estudados. sobre a inovação.

Segundo Gallouj e Savona (2009), a inova- A coprodução da inovação, na visão de Brudney


ção radical representa novas competências ou e England (1983), pode ser definida como um
novas características técnicas da organização. grau de sobreposição entre dois conjuntos de
A inovação incremental representa a adição, a participantes de uma relação, em que o resultado
subtração ou a substituição de competências da sobreposição representa a produção conjunta
ou de características técnicas existentes na por esses dois grupos. Em outras palavras, a
organização; a inovação de melhoria significa o inovação coproduzida tangibiliza características
aprimoramento de competências ou de carac- resultantes de interações entre stakeholders,
terísticas técnicas existentes na organização. aumentando a chance de percepção de valor.
De acordo com Bloch (2011), o lócus da inova- Neste trabalho, a coprodução é estudada sob

168
o enfoque das relações entre organizações e analisaram diversos estudos acerca do tema e
seus parceiros (O2P) e entre organizações e os propuseram uma síntese de sete capacidades
usuários ou cidadãos (O2C), em se tratando de que apresentam aderência aos contextos público
organizações públicas. e privado. A revisão realizada por esses autores
sistematizou capacidades de inovação, conforme
No que tange à capacidade de inovação, o quadro 2.
Valladares, Vasconcelos e Di Serio (2014)

QUADRO 2
Capacidades de inovação
Capacidade Definição
Liderança transforma- Aquela que torna seus seguidores mais conscientes da importância e do valor do trabalho, ativa suas necessi-
dora dades de ordem superior e os induz a transcender seus interesses pessoais em prol da organização.
Intenção estratégica de Grau que a organização está disposta a assumir riscos para favorecer a mudança, o desenvolvimento tecnoló-
inovar gico e a inovação, estabelecendo-os por meio de sua estratégia.
Orientação da gestão de pessoas para a inovação, provendo a concessão de liberdade ou autonomia de
Gestão de pessoas
atuação aos empregados, estabelecendo metas desafiadoras, permitindo que decidam como alcançá-las e
para inovação
favorecendo a autorrealização e o comprometimento com os objetivos da organização.
Conhecimento do usu- Habilidade para detectar os eventos, as necessidades, as expectativas, as mudanças significativas e as
ário e do ambiente tendências dos usuários e do ambiente.
Gestão estratégica da Gestão do processo de criação e desenvolvimento de tecnologias, com vistas à criação de valor. O processo de
tecnologia gestão tecnológica compreende cinco etapas: identificação, seleção, aquisição, exploração e proteção.
Grau em que a estrutura é caracterizada por concessão de autonomia, controles flexíveis, comunicação
Organicidade da estru- horizontal desimpedida, valorização do conhecimento e da experiência e informalidade nas relações pessoais.
tura organizacional Estrutura ditas orgânicas permitem resposta mais rápida às mudanças no ambiente externo que as denomina-
das mecanicistas.
Planejamento, provisão dos recursos, execução e controle do processo de inovação. Inclui cuidadosa avalia-
Gestão de projetos ção dos projetos, análise e planejamento, com vistas a, principalmente, ganhar compreensão, compromisso e
apoio tanto corporativo quanto do pessoal que estará envolvido no projeto.
Fonte: Valladares, Vasconcellos e Di Serio (2014).
Elaboração do autor.

Os resultados da inovação no setor público Mortensen e Bloch (2011) e De Vries, Bekkers


representam, sobretudo, a percepção de melhoria e Tummers (2016). Vieira (2015) sintetiza os
dos serviços públicos por parte da sociedade, resultados de inovação no setor público a partir
conforme destacam Bloch (2011), Bugge, de revisão teórica, conforme o quadro 3.

QUADRO 3
Resultados da inovação
Resultado Definição
Melhoria na entrega
Impactos positivos sobre os mecanismos de entrega de serviços e/ou nos próprios serviços, incluindo-se
e/ou qualidade dos
aumento da satisfação e do envolvimento dos usuários.
serviços
(Continua)

169
(Continuação)
Resultado Definição
Melhoria da gestão Impactos positivos sobre a eficiência e a efetividade da organização, incluindo-se ganhos de produtividade e
organizacional melhores resultados em indicadores de desempenho.
Melhoria da imagem Impactos positivos sobre a imagem da organização e no relacionamento com outras organizações, incluin-
e das relações institu- do-se melhoria na capacidade de resolução de desafios sociais, aumento do prestígio da organização e
cionais envolvimento de parceiros.
Melhoria do clima orga- Impactos positivos sobre o clima da organização, incluindo-se melhorias nas condições de trabalho, satisfa-
nizacional ção dos colaboradores e aprimoramento da cultura de inovação.
Fonte: Vieira (2015).
Elaboração do autor.

O framework de análise das experiências de considerar que os relatos são avaliados por um
inovação no setor público federal brasileiro permite comitê julgador composto por especialistas em
descrever e comparar os elementos constituintes gestão pública (critério de avaliação externa). Os
da inovação, com base em referenciais consoli- relatos também possuem representatividade, pois
dados e amplamente difundidos em diferentes apresentam todas as informações necessárias
países. Tem-se uma proposta processual que para descrever uma experiência de inovação. Há
busca oferecer uma visão da cadeia de valor de significado, em razão de as informações serem
inovação, e perpassa atores, práticas e evidências claras e permitirem uma boa compreensão para
de como as organizações públicas e os serviços a realização da pesquisa atinente ao contexto
públicos podem ser transformados. Sabe-se que da inovação.
há limitações na proposta apresentada, sejam
teóricas ou metodológicas, mas a iniciativa de Para o alcance do objetivo deste trabalho,
oferecer uma lente de interpretação do tema no foi construída uma base de dados acerca das
Brasil pode contribuir para o avanço da pesquisa experiências premiadas de inovação na gestão
em campo de protagonismo acadêmico recente pública federal, conforme concurso organizado
no país. pela Enap. Foram coletados dados acerca das
experiências finalistas e premiadas por essa
3 MÉTODO escola entre 1999 e 2014, em um total de
286 casos. Duas fontes de informação foram
Este estudo se trata de pesquisa exploratória- utilizadas para a coleta dos dados: i) os relatos
-descritiva, a partir dos dados disponíveis nos das experiências premiadas; e ii) os relatos das
relatos das experiências inovadoras no âmbito experiências finalistas. Ambos os documentos
da administração pública federal, relatadas e possuem os mesmos tipos de dados, que incluem
selecionadas pelo concurso de inovação da as informações necessárias para identificar as
Escola Nacional de Administração Pública. Scott variáveis de interesse deste estudo.
(1990) sugere quatro critérios para avaliar a
qualidade dos documentos a serem utilizados Os relatos das experiências selecionadas
em uma pesquisa: i) autenticidade; ii) credibi- passaram por análise de conteúdo proposta
lidade; iii) representatividade; e iv) significado. por Bardin (2006). Inicialmente, realizou-se a
Considerou-se que os relatos das experiências do pré-análise, consistente da leitura flutuante dos
prêmio da Enap passam pelos critérios propostos documentos. Em seguida, fez-se a exploração
por esse autor. Em termos de autenticidade, os do material, a fim de identificar as informações
relatos são dispostos pelos próprios idealizadores de interesse do estudo. Para esse autor, a cate-
e executores dos projetos de inovação; logo, a gorização das informações pode basear-se em
origem dos documentos pode ser considerada dois processos: o sistema de categorias forneci-
autêntica. Em relação à credibilidade, deve-se das, ou ex ante, ou o sistema de categorias não

170
fornecidas, ou ex post. Procederam-se às duas Por fim, a base de dados conta com 286 ex-
formas de categorização, para que se pudesse periências de inovação analisadas e codificadas.
cotejar dados relativos aos construtos e às Cada ano da base (1999-2014) conta com vinte
variáveis do framework de análise da inovação casos, em média, e permite uma descrição lon-
no setor público. gitudinal da inovação na gestão pública federal.
Anualmente, o LineGov/UnB faz a atualização
Com vista a um maior nível de confiabilidade dos dados, considerando a edição mais nova das
ao processo de coleta de dados, utilizou-se a experiências finalistas e premiadas.
técnica de triangulação de pesquisadores. De
acordo com Denzin (1989), diferentes pesqui- 4 RESULTADOS
sadores são empregados para detectar ou mini-
mizar vieses do pesquisador enquanto pessoa. Os resultados desta pesquisa caracterizam-se
Para este estudo, a codificação das variáveis por exploratórios e descritivos, tendo em vista
foi realizada por um grupo de integrantes do a proposição de um framework de análise, bem
Laboratório de Inovação e Estratégia em Governo como a descrição de diferentes construtos em
(LineGov) da Universidade de Brasília (UnB). termos de evidências empíricas no contexto
Os pesquisadores realizaram a codificação de do Concurso Inovação da Enap. Inicialmente,
forma independente, e as informações foram descreve-se que 64% das experiências de
comparadas para obtenção dos dados finais inovação se concentram em organizações do
utilizados nas análises. Poder Executivo federal – localizado em Brasí-
lia-DF, na sede do governo federal – e 36% se
Por meio da análise de conteúdo, identificou- encontram em unidades descentralizadas de
-se a ocorrência das categorias específicas das organizações públicas federais – situadas nos
variáveis do framework proposto nos relatos das diferentes estados da Federação.
experiências, a partir de leitura de cada caso
e checagem com as variáveis integrantes do As inovações ocorrem em organizações que
protocolo de codificação e do preenchimento atuam, principalmente, em setores como saúde
da tabela de codificação, criados para organi- (16,1%), transporte e logística (9,1%), educação
zação e registro dos dados. As variáveis foram (8,4%) e regulação (7%). As demais experiências
codificadas como variáveis dicotômicas binárias, estão distribuídas nas demais áreas de serviços
sendo 1 a presença da categoria no relato da públicos e políticas públicas. As áreas temáticas
experiência e 0 a ausência dessa categoria. principais da inovação – conforme a premiação
A escolha do formato binário foi baseada nas da Enap – são melhoria de processos de trabalho
variáveis que não possuem categorias mutu- (17,5%), gestão da tecnologia da informação
almente exclusivas, tais como capacidades, (TI) (15,7%), atendimento ao cidadão (15,7%),
indutores e resultados de inovação. Para essas planejamento e gestão estratégica (13,6%) e
variáveis, era possível identificar nenhuma, uma, arranjos institucionais para políticas públicas
ou mais de uma categoria no mesmo caso. (13,3%). 61,2% das experiências de inovação
Para a variável modelo de inovação, apenas ocorreram em unidades-meio (back-office),
uma categoria tinha de ser selecionada por enquanto 38,8% ocorreram em áreas finalísticas
experiência. Além das variáveis presentes no das organizações.
protocolo de codificação, foram também co-
letados dados referentes ao nível de atuação Os indutores da inovação no setor público
do governo, às estruturas administrativas e às analisado, conforme os dados da pesquisa, podem
áreas temáticas. Esses dados foram fornecidos ser caracterizados como orientados a problema
nos relatos e não precisaram ser tratados pelo (37,4%) e não orientados a problema (47,2%).
procedimento de codificação. Percebe-se que os esforços de inovação são

171
induzidos ou motivados por problemas especí- inovações de processo (31,1%), de serviço
ficos ou por intenção em melhoria contínua de (29,7%) e organizacional (27,3%) são recorren-
processos, rotinas e serviços. Em relação ao ciclo tes nas organizações estudadas. A inovação de
de inovação (atividades), conforme sugerem comunicação (11,9%) mostra-se como a menos
Bloch (2011) e Hughes, Moore e Kataria (2011), frequente nos casos analisados. Percebe-se
os dados mostram que 78% das experiências que há ressonância entre os modelos de ino-
relatam a ocorrência das atividades de ideação, vação e o lócus da inovação, pois as inovações
seleção, implementação e difusão de ideias de melhoria e incremental tendem a ocorrer
como esforços de inovação. Destaca-se ainda mais em processos e em aspectos da gestão,
que há recorrência nos dados da atividade de conforme destacam Damanpour e Schneider
implementação de ideias como a principal fonte (2009) e De Vries, Bekkers e Tummers (2016).
de evidências das inovações.
Entre os condicionantes ou determinantes
Quanto aos modelos de inovação – confor- da inovação – tais como barreiras, facilitadores,
me preconizados por Gallouj e Savona (2009) coprodução/cocriação e capacidade de inovação,
e outros autores –, os dados mostram que a propostos no framework de análise neste capítulo
inovação de melhoria (44,4%) e a inovação –, destaca-se uma etapa qualitativa, em que
incremental (43,7%) são as principais formas foram extratídos dos relatos das experências as
como as organizações públicas analisadas evidências das principais barreiras à inovação e
inovam, o que mostra o esforço de melhorar facilitadores da inovação. Pesquisadores do Line-
ou modificar elementos existentes nas estru- Gov/UnB analisaram, identificaram, codificaram
turas organizacionais. Ressalta-se que apenas e triangularam dados textuais. Os resultados
11,9% das inovações são radicais. Seguindo a encontrados acerca de facilitadores de inovação
tipologia de Bloch (2011), chamada de Manu- e barreiras à inovação são corroborados por De
al de Copenhagen, os dados revelam que as Vries, Bekkers e Tummers (2016).

QUADRO 4
Barreiras à inovação e facilitadores da inovação
Barreiras
Categoria Palavras-chave pesquisadas %
Desconfiança, insegurança, falta de comprometimento, mudança cultural, instabilida-
Resistência à inovação 41,3
de profissional, medo, descrença etc.
Lacunas de competências e qualificações, rotatividade de pessoal, inexperiência,
Limitações de recursos humanos (RH) 26,6
sobrecarga de trabalho etc.
Limitações materiais, tecnológicas e Falta de materiais, equipamentos, tecnologias e informações estruturadas; uso limita-
23,4
de infraestrutura do de ferramentas de trabalho etc.
Conflitos de interesse Interesses divergentes, visões de mundo contraditórias, modelos de gestão pública etc. 20,3
Falta de padronização e integração de bases de dados e sistemas, falta de registro e
Fragmentação de dados e sistemas codificação de dados e informações, inconsistência de dados e sistemas, limitação de 17,8
coleta de dados, obsolescência de informações etc.
Barreiras
Categoria Palavras-chave pesquisadas %
Burocracia, falta de padronização de processos, limitações de métodos e técnicas
Fragmentação de rotinas e processos 19,6
relativos aos processos, descontinuidade etc.
Falta de recursos financeiros, falta de previsão orçamentária, contingenciamento de
Limitações orçamentária e financeira 11,9
recursos etc.
(Continua)

172
(Continuação)

Atrasos na resposta às demandas, falta de planejamento de prazo, falta de compro-


Limitação de prazo 5,2
metimento com prazos, tempestividade de prazos etc.
Facilitadores
Categoria Palavras-chave %
Disponibilidade de recursos Internet, recursos orçamentários e financeiros, uso de tecnologias open source etc. 52,1
Diálogo constante, cooperação, trabalho interdepartamental, gestão compartilhada,
Trabalho em equipe 52,4
descentralização, envolvimento de parceiros e stakeholders etc.
Motivação para o trabalho, compromisso, responsabilidade, suporte organizacional,
Legitimação e comprometimento 43,7
comprometimento da alta administração, dedicação de líderes, interesse pessoal etc.
Desenvolvimento de pessoas e
Treinamento, capacitação, aprendizagem contínua, aprendizagem organizacional etc. 32,2
competências
Comunicação organizacional, transparência, disseminação de informações, abertura
Comunicação institutional 22,4
ao diálogo etc.
Metodologias padronizadas, disseminação de melhores práticas, mapeamento de proces-
Padronização de dados e processos 16,8
sos, registro e controle de processos, identificação e correção de problemas no trabalho etc.
Elaboração do autor.

A coprodução/cocriação da inovação mos- que atuaram como codesenvolvedores da


tra-se relevante para o sucesso de experi- inovação (48,6%). Percebe-se que há busca
ências organizacionais inovadoras, uma vez por experiências exitosas no setor público, com
que permite a transação de recursos, conhe- fonte de informações e modelos de referências
cimentos e competências entre parceiros e para direcionamento dos esforços inovadores,
atores envolvidos e interessados na inovação. conforme sugerem Brudney e England (1983).
Os dados mostram que 57,3% das inovações Os dados reforçam que a inovação no setor
ocorreram em relações de coprodução entre público se dá em contextos de colaboração e
parceiros organizacionais, sobretudo relações relações interorganizacionais, o que corrobora
com outras organizações públicas (52,8%) Crosby, Hart e Torfing (2016).

TABELA 1
Resultados da capacidade de inovação
Capacidade de inovação %
Gestão de pessoas para inovação 75,5
Gestão de projetos 71,0
Gestão estratégica da tecnologia 59,8
Liderança transformadora 57,0
Organicidade da estrutura organizacional 53,8
Conhecimento do usuário e do ambiente 46,9
Intenção estratégica de inovar 18,9
Elaboração do autor.

Os dados relativos à capacidade de inovação capacidades de inovação identificadas nos


mostram que as organizações públicas orientam casos analisados.
seus recursos e suas competências para suporte
às atividades e às práticas atinentes aos projetos Os resultados mostram que as inovações
inovadores. A tabela 1 descreve as diferentes ocorrem em contextos organizacionais em

173
que há capacidades e competências relativas 5 CONCLUSÕES
à gestão de pessoas e projetos, principalmente.
Percebe-se, adicionalmente, que a liderança e O objetivo deste trabalho foi caracterizar a
as TIs exercem papel importante em habilitar inovação na gestão pública federal, a partir
as organizações públicas para a inovação. Des- de experiências organizacionais premiadas no
taca-se também a importância de estruturas período 1999-2014. A consecução do referido
organizacionais mais flexíveis e responsivas, objetivo foi possível ao propor-se um framework
para que os anseios da sociedade possam ser de análise da inovação, com base em referenciais
rapidamente percebidos e atendidos pelo setor teóricos e institucionais identificados na literatura
público, conforme sugerem Bloch (2011), Blo- do tema. Dessa forma, os elementos constituintes
ch et al. (2008; 2009), Bloch e Bugge (2013), da estrutura analítica proposta foram descritos
Bloch et al. (2009), Bugge et al. (2010), Bugge, com base nos casos de inovação circunscritos
Mortensen e Bloch (2011), Hughes, Moore e ao prêmio realizado pela Enap.
Kataria (2011), bem como Gallouj e Zanfei
(2013) e Djellal, Gallouj e Miles (2013). Os resultados mostram, de forma geral, que
as inovações ocorrem por iniciativa de melhoria
As organizações públicas inovadoras bus- contínua, além de que buscam realizar solução
cam gerar impactos diretos e indiretos em seu de problemas em processos, serviços e gestão.
ambiente interno e externo, preconizando a per- Os esforços de inovação implicam a realização de
cepção de valor por parte de seus stakeholders. atividades que vão da geração à difusão de ideias
Os dados mostram que os principais resultados orientadas à inovação, sobretudo com destaque
das inovações analisadas se referem à melhoria para atividades relativas à implementação das
da imagem e/ou relações institucionais, ao me- inovações nas organizações analisadas. Inovações
lhoramento da entrega/qualidade dos serviços de melhoria e incrementais são mais frequentes
públicos, à melhoria da gestão organizacional do que inovação radical e ocorrem em processos,
e ao melhoramento do clima organizacional. As serviços públicos e modelos de gestão pública.
evidências mais relatadas mostram que 69,2%
das experiências inovadoras geraram melhoria A coprodução/cocriação e as capacidades
nos serviços públicos e 69,6% das experiências de inovação mostraram-se presentes nas expe-
analisadas também relataram melhoria da gestão riências analisadas e sinalizam comportamento
organizacional. de aprendizagem interorganizacional entre
as organizações públicas que transacionam
Conforme Bloch (2011), Bloch e Bugge conhecimentos, tecnologias e competências
(2013), Bugge et al. (2010), Bugge, Mortensen orientadas à inovação. As organizações copro-
e Bloch (2011), Hughes, Moore e Kataria (2011) duzem inovações e atuam como codesenvolve-
e Djellal, Gallouj e Miles (2013), a inovação no doras de soluções e ideias. Entre as principais
setor público deve priorizar a melhoria da vida capacidades, destaca-se a gestão de pessoas e
das pessoas por meio dos serviços públicos de projetos como recorrente nas inovações objetos
qualidade e acessíveis. Reforça-se, com base de estudo. Em adição, as principais barreiras
nos dados, que a melhoria da gestão de orga- foram a resistência à inovação e as limitações de
nizações públicas é um meio importante para recursos humanos (RH), enquanto os principais
que os Poderes Executivos federal, estadual e facilitadores, a disponibilidade de recursos e o
municipal possam otimizar suas estruturas e trabalho em equipe. Dessa forma, confirma-se a
processos, a fim de gerar impactos desejáveis importância de pessoas, competências e atuação
e criar valor público percebido pela sociedade compartilhada, para que a inovação se torne uma
(Crosby, Hart e Torfing, 2016). realidade nas organizações públicas.

174
Os resultados da inovação mostraram-se REFERÊNCIAS
evidentes na pesquisa em relação à melhoria
dos serviços públicos e da gestão organizacional, AGOLLA, J. E.; VAN LILL, J. B. Public sector
mantendo ressonância com os estudos de Bugge, innovation drivers: a process model. Journal of
Mortensen e Bloch (2011) e De Vries, Bekkers e Social Sciences, v. 34, n. 2, p. 165-176, 2013.
Tummers (2016). As limitações deste trabalho
incluem aspectos teóricos e metodológicos. ALBURY, D. Fostering innovation in public ser-
As tipologias selecionadas para as variáveis vices. Public Money & Management, v. 25, n.
não esgotam outras classificações presentes 1, p. 51-56, 2005.
na literatura. A coleta de dados foi limitada aos
relatos das experiências e relatórios de visita APSII – AUSTRALIAN PUBLIC SECTOR IN-
às organizações participantes. As variáveis do NOVATION INDICATORS. Working towards a
framework foram codificadas de modo binário, measurement framework for public sector
não descrevendo de modo ordinal e categórico a innovation in Australia. Sydney: DIISR; APSII,
ocorrência das variáveis constituintes do estudo. June, 2011. (APSII Draft Discussion Paper for
SRG Meeting 156.doc).
A agenda futura de estudos indica analisar
iniciativas em organizações públicas diferentes ARUNDEL, A.; BLOCH, C.; FERGUSON, B. Me-
(estaduais e municipais), utilizando-se de bases de asuring innovation in the public sector. Paris:
dados ou coletas com fontes primárias de dados OECD Publishing, 2016.
para obtenção de informações complementares
às utilizadas neste trabalho. Recomenda-se a AVLONITIS, G. J.; PAPASTATHOPOULOU, P. G.;
inclusão de outros construtos relacionados à GOUNARIS, S. P. An empirically-based typolo-
inovação, como variáveis de estratégia e con- gy of product innovativeness for new financial
texto. Em termos de recomendações práticas services: success and failure scenarios. Journal
e gerenciais, sugere-se que gestores públicos of Product Innovation Management, v. 18, n.
motivados em inovar observem os dados da 5, p. 324-342, Sept. 2001.
pesquisa e mobilizem esforços e recursos para
oferecer condições para que inovações sejam BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa:
implementadas e difundidas no setor público. Edições 70, 2006.
Recomenda-se a observância das principais
capacidades, barreiras e facilitadores, para que BLOCH, C. Measuring public innovation in
as organizações públicas realizem processos the Nordic countries: Copenhagen Manual.
efetivos de inovação. A realização de pesquisas Copenhagen: Mepin, 2011.
de opinião acerca de inovação e levantamento
de ideias é importante para que resistências aos BLOCH, C.; BUGGE, M. M. Public sector innova-
processos de mudança possam ser minimizadas tion: from theory to measurement. Structural
e o apoio da alta administração seja conquistado Change and Economic Dynamics, v. 27, p.
por equipes de inovação e gestores públicos. In- 133-145, Dec. 2013.
terações constantes entre organizações públicas
permitem que pessoas e equipes troquem conhe- BLOCH, C. et al. Service innovation in the
cimentos, ferramentas, ideias e competências, Nordic countries: key factors for policy design.
que potencializam os impactos positivos dos Final report. Denmark: University of Aarhus,
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177
CAPÍTULO 9
DESCOBRINDO LABORATÓRIOS DE INOVAÇÃO
NO SETOR PÚBLICO1,2

Piret Tõnurist3 | Rainer Kattel4 |Veiko Lember5

1 INTRODUÇÃO1 2345
unidades no setor público não são amplamente
examinadas. Com este capítulo, pretendemos dar
Os laboratórios de inovação (i-labs) têm se torna- um primeiro passo para preencher essa lacuna na
do cada vez mais populares no setor público. Em literatura acadêmica.
2013, o Parsons Desis Lab – laboratório Parson de
Design para Inovação Social e Sustentabilidade –, Há processos tecnológicos e sociais ob-
criado pela New School, publicou a Constelação viamente mais amplos e relativamente bem
1.0 de Laboratórios de Inovação do Governo, conhecidos que levaram a uma onda de i-labs
cobrindo dezesseis conjuntos de inovações. Sub- no setor público. Primeiro, as reformas recentes
sequentemente, a Fundação de Inovação Nesta, no setor público, e possivelmente, mais ainda,
do Reino Unido, e a norte-americana Bloomberg as discussões acadêmicas dessas reformas –
Philanthropies publicaram um relatório sobre la- a nova governança pública – focam cada vez
boratórios do setor de inovação pública cobrindo mais os processos e resultados do serviço
vinte dessas unidades pelo mundo (Puttick, Baeck e (Osborne, 2013). Isso abriu o setor público
Colligan, 2014). Esses relatórios foram de natureza para a entrada de vários métodos orientados
informativa, uma vez que há pouca pesquisa sobre para o processo, tais como o design thinking,
os laboratórios de inovação no setor público além que se concentra na experiência do usuário,
de panoramas descritivos e, às vezes, normativos. em experimentação frequente e em múltiplas
Os i-labs, principalmente, estão descritos como perspectivas analíticas (Bason, 2010). Isso é
versões de várias organizações existentes: como bem típico em organizações como a Mindlab,
híbridas de grupo de pensadores (think tanks), la- na Dinamarca.
boratórios digitais de pesquisa e desenvolvimento
(P&D), empreendimentos sociais e organizações Em segundo lugar, muitos governos funcionam
beneficentes (Williamson, 2014). A natureza, a com restrição fiscal, o que reforça o foco nos
estrutura organizacional e as necessidades dessas processos de serviço público para aumento da

1. Esse artigo foi originalmente publicado em TONURIST, P.; KATTEL, R.; LEMBER, V. Discovering Innovation Labs in the
Public Sector. Working Papers in Technology Governance and Economic Dynamics, n. 61, 2015.
2. Este capítulo é baseado parcialmente em Tõnurist, Kattel e Lember (2017).
3. A pesquisa que resultou neste trabalho recebeu financiamento da União Europeia, por meio do Projeto Learning
from Innovation in Public Sector Environments (Lipse), do Ministério de Educação e Pesquisa da Estônia, da Fundação
de Ciências da Estônia e do Institute for New Economic Thinking (Inet). Esta versão da pesquisa foi apresentada na
Conferência de Pesquisa de Inovação Social (Sirc), realizada em Xangai, na China, nos dias 21 e 22 de maio de 2015.
4. Analista de políticas no Observatório da Inovação do Setor Público na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE). E-mail: <piret.tonurist@ttu.ee>.
5.Professor pesquisador no Departamento de Inovação e Governança Ragnar Nurkse da Universidade de Tecnologia de
Tallinn, na Estônia. E-mail: <rainer.kattel@ttu.ee>.
5.Pesquisador investigador sênior na Universidade de Tecnologia de Tallinn, na Estônia. E-mail: <veiko.lember@ttu.ee>.
produtividade e da confiança do cidadão, simul- inovação disruptiva popularizada por Christensen
taneamente (por exemplo, por meio da experiên- (1997) deve ser mencionada nesse contexto.
cia do usuário com métodos de coprodução da Em suma, as tecnologias que produzem ruptura
participação). No outro extremo dos argumentos são significativamente diferentes das tecnolo-
das restrições fiscais, estão as discussões sobre gias tradicionais e, ao mesmo tempo em que
o Estado empresarial, que se concentra no papel são inicialmente inferiores às tecnologias tra-
do setor público, engendrando novas gerações dicionais em critérios de desempenho – que,
de revoluções tecnológicas (Mazzucato, 2013). na maioria das vezes, são valorizados pelos
Aqui, o foco muda para tipos diferentes de expe- principais clientes –, as tecnologias disruptivas
rimentações de política, por exemplo, as aquisi- são capazes de criar novos mercados e fornecer
ções públicas inovadoras e outras, denominadas novas funcionalidades.
políticas de inovação, do lado da demanda, que
buscam criar novos mercados (Lember, Kattel e Essas tecnologias destroem a estrutura de
Kalvet, 2014). mercado existente e, no nível organizacional,
destroem competências (Christensen, 1997).
Em terceiro lugar, talvez o mais importante, Assim, reconheceu-se que as empresas esta-
os governos estão sitiados pela adoção e difusão belecidas tendem a se destacar na inovação
das tecnologias de informação e comunicação incremental, mas não quando confrontadas
(TICs) e as possibilidades criadas por elas, desde com inovações disruptivas (Tushman e An-
mecanismos de retroalimentação participativos derson, 1986).
até a utilização de web analytics e megadados.
Presume-se que empresas menores estejam
Além disso, o surgimento dos i-labs no se- mais adequadas para os avanços tecnológicos
tor público pode ser ligado a debates teóricos (Baumol, 2004). Ainda que a morte organiza-
mais amplos sobre inovações organizacionais cional possa ser parte legítima da perspectiva
e tecnológicas (radicais). Primeiramente, We- evolucionária da economia, ela levou os pes-
ber (2009, p. 154-155) argumentou que as quisadores de gestão a perguntar como firmas
novas formas organizacionais (ou a mudança responsáveis podem lidar com esses desafios
de uma forma para outra) surgem por meio organizacionais e quais soluções pode haver
de conflitos entre os líderes antigos e novos para o dilema do inovador. Schumpeter (1934)
e a equipe. Particularmente interessante para já havia argumentado que essas mudanças
nosso contexto é a organização carismática causadoras de rupturas trazem valores sociais
de Weber, conforme sucintamente resumida totalmente novos incorporados por novas em-
por Samier (2005): presas e por outras novas organizações, tais
como novos partidos políticos, movimentos
Uma organização carismática é consistente com artísticos etc.
seus próprios princípios, ou seja, uma nova organi-
zação com sua própria linguagem, costumes, mitos A teoria dos paradigmas tecnoeconômicos de
e papéis derivados da personalidade e do sistema de Perez (2002) mostra como ondas sucessivas de
crenças do fundador carismático, afetando a equipe, revoluções tecnológicas trazem um novo senso
os padrões de trabalho, o comportamento social e comum de organização do trabalho. Assim, de
o ambiente material (op. cit., p. 71). acordo com esse autor, organizações paradigmas
de produção em massa tenderam a estar hierar-
Essas organizações carismáticas novas quicamente integradas e focadas na economia
podem estar ligadas à inovação disruptiva ou de escala, conforme resumido por Henry Ford,
revolucionária (Yu e Hang, 2010). A teoria de citado por Perez (2002, p. 3): “qualquer cliente

180
pode mandar pintar o carro de qualquer cor exemplo da organização ambidestra (Tushman
que queira desde que seja preto”. Por sua vez, e O’Reilly, 2002), criando unidades autônomas
sob o paradigma das TICs, as organizações se de inovação a partir da empresa mãe, em termos
tornaram mais uniformes, as redes de produção de valor e estruturas de recurso (Christensen e
e inovação abrangem regiões mais amplas e Raynor, 2003) ou estabelecendo unidades de
há um forte foco na diversidade de produtos negócios autônomas, agentes de mudança ou
(customização etc.) (Perez, 2006). grupos de trabalhos não convencionais (skunk
works) (Christensen, 2006; Rogers, 1995). As-
Em resumo, podemos esperar que os proces- sim, hoje, não é surpreendente encontrar uma
sos organizacionais evolutivos orientados para infinidade de escritórios de inovação corporativa
a tecnologia também causem um impacto no no setor privado.
setor público, em especial quando os governos
funcionam com restrições fiscais e com novo A literatura existente sobre os i-labs mostra
foco nos processos de serviço. que a onda de laboratórios de inovação, também
no setor público, pode estar ligada a abordagens
Como tentativa de estruturar processos de abertas e centradas no usuário, por exemplo,
mudança nas organizações públicas, os i-labs cocriação, co-design e coprodução (Bason, 2013;
não são um fenômeno inteiramente novo, como Mulgan, 2014). Desse modo, a proliferação de
afirma Thompson (1998) em relação aos labo- inovações orientadas para usuários (Von Hillpe,
ratórios de reinvenção dos Estados Unidos nos 1986; 2005) tem sido uma importante contri-
anos 1990. As diferenças no caso da onda atual buição para a disseminação dos laboratórios de
de i-labs dizem respeito ao contexto e à lógica inovação. Além disso, esses modelos ganharam
pelas quais essas estruturas surgiram, ou seja, projeção graças à popularidade de algumas
à combinação de lógica de produção de serviço formas de inovação criadas durante a década
orientado ao usuário e ao poder crescente da anterior (Chesbrough, 2003; 2006). A chave foi
computação e da austeridade fiscal. Como a usar a inovação colaborativa.
mudança do setor público é sempre contextual
(Pollitt, 2009), existe, portanto, uma necessi- No contexto do setor público, a diferença
dade de se obter melhor entendimento sobre a reside em não existirem mecanismos de re-
natureza e o potencial dos i-labs. troalimentação direta do mercado, o que força
as empresas a mudarem e adquirirem novas
A literatura voltada para o setor privado habilidades para permanecerem ou perecerem.
aponta que os efeitos de ruptura da tecnologia Assim, o setor público tem o luxo de se auto-
e das inovações trazem à tona a importância absorver, o que significa dizer que a discussão
dos recursos humanos, da cultura e da estru- que envolve inovação no setor oscilou entre
tura organizacional, bem como da alocação desempenho interno e ganhos de eficiência
de recursos (Yu e Hang, 2010). Isso levou a e legitimidade externa (Borins, 2001), não se
enfatizar novamente os usuários principais, o restringindo apenas a preocupações baseadas
design dirigido pelo usuário (Von Hippel, 1986; no valor público (conferir mais sobre a perspec-
2005) e os trabalhadores da linha de frente tiva evolutiva da inovação do setor público em
(Christensen e Raynor, 2003), novas estratégias Kattel et al., 2014).
de colaboração interorganizacional (Gilson,
Sabel e Scott, 2009), modelos de inovação Isso torna o setor público um ambiente muito
abertos (Chesbrough e Crowther, 2006) e específico para inovação, com muitas barreiras
modelos organizacionais de inovações interna ao comportamento inovador (Lynn Junior, 2013;
e externa, como novos modelos de gestão, a Osborne e Brown, 2013; Meijer, 2014).

181
Para começar, o setor público atrai indivídu- vista como necessária, diante dos problemas
os adversos ao risco (Pfeifer, 2010; Noussair, complexos da sociedade e da reforma do tra-
Trautmann e Van De Kuilen, 2014) e apoia a dicional Estado de bem-estar (Osborne, 2010;
cultura organizacional adversa ao risco, limitando Sorensen e Torfing, 2012; Torfing e Triantafillou,
a experimentação (Borins, 2001; Brown, 2010; 2013). Como tal, a nova governança pública
Osborne e Brown, 2011; Kay e Goldspink, 2012; e as literaturas de inovação no setor público
Torugsa e Arundel, 2015). Isso é ampliado por enfatizam a necessidade de incorporar princí-
políticos e pelo escrutínio da mídia em políticas pios de tecnologia de serviço na gestão e na
que falharam (Potts e Kastelle, 2010). Assim, administração pública (Osborne e Brown, 2013).
propõe-se que os servidores públicos avessos ao Aqui, a colaboração com stakeholders (partes
risco, de fato, favoreçam mudanças incremen- interessadas) externos é vista como essencial
tais em relação às inovações transformadoras (Pärna e Von Tunzelmann, 2007; Kim, 2010).
(Osborne e Brown, 2011) ou tentem minimizar o
risco (Osborne e Brown, 2013). Mesmo assim, há As explicações teóricas e conceituais sobre
evidência crescente de que o setor público inova a mudança no setor público são muitas; mesmo
constantemente (Albury, 2005; Borins, 2008; assim, tendem a estar vagamente vinculadas
Fuglsang e Sorenson, 2011; Schultz Larsen, (Fernandez e Rainey, 2006; Pollitt, 2009). A
2014). Embora não possamos desconsiderar agencificação no setor público, por exemplo,
o setor público como a fonte das tecnologias pode ser vista como um processo por meio do
mais fundamentais do mundo de hoje, os tipos qual o setor buscou inovação organizacional e
de inovações que o setor adota internamente de serviço. Dessa forma, o setor público não
podem ser menos radicais e mais incrementais se mostra alheio a organizações híbridas: há
no momento da sua difusão. uma difusão farta de trabalhos sobre órgãos
públicos não departamentais, organizações
As organizações do setor público estão não governamentais quase autônomas (quasi
usando novas possibilidades tecnológicas, mas, autonomous non-governamental organizations
até agora, suas habilidades de inovação estão – quangos) e organizações públicas quase au-
primariamente concentradas em processos tônomas sob a teoria de agência (Christensen
administrativos internos (Eggers e Singh, 2009), e Laegreid, 2006).
e, portanto, a diversidade em abordagens e
projetos é baixa e concentrada em mudanças A agencificação no setor público descreve
incrementais (Bessant, 2005; Brown, 2009). tanto a especialização quanto a autonomiza-
Não é de surpreender que Carstensen e Bason ção (Verhoest et al., 2010; Wynen et al., 2014).
(2012) aleguem que os esforços de inovação no Segundo a nova gestão pública (new public
setor público sejam conduzidos atualmente por management – NPM), uma das razões para a
indivíduos específicos em instituições estabele- agencificação foi a busca por menor gestão
cidas e mais dependentes de seus recursos do hierárquica e influência política em suas opera-
que na colaboração aberta com os cidadãos e ções diárias, com aumento da orientação para o
outras partes interessadas. cliente, flexibilidade, inovação e comportamento
de risco (Wynen et al., 2014).
No nível municipal, a cidade inteligente e
outras abordagens inovadoras e novas soluções Há alguma evidência que sugere que, de fato,
de serviços têm sido lideradas principalmente autonomia gerencial e menos burocracia levam
pela indústria (Hillgren, 2013). O setor públi- a uma maior cultura inovadora (Boyne, 2002;
co, no entanto, não é alheio ao uso de testes Verhoest, Verschuere e Buuckaert, 2007; Van
de pequena escala (Boyne et al., 2005). Ao Thiel e Van der Wal, 2010; Laegreid, Roness
mesmo tempo, a inovação do setor público é e Verhoest, 2011; Bysted e Jespersen, 2014).

182
Igualmente, estudos organizacionais salientam o depende de normas existentes, valores, estruturas
efeito positivo de menor centralização e forma- e tradições de um determinado setor público
lização para a inovação (Slater e Narver, 1995; (James e Van Thiel, 2011; Pollitt, 2004). Pode
Koch e Hauknes, 2005; Vigoda-Gadot, 2009). As haver processos isomórficos em jogo, com
agências, no entanto, variam consideravelmente as organizações se tornando similares com o
pelos países e culturas organizacionais (Verhoest tempo, para ganhar legitimidade e sobreviver
et al., 2010) e, dependendo de sua forma e suas (DiMaggio e Powell, 1991). Ao mesmo tempo,
tarefas, sua originalidade pode diferir considera- a agencificação pode refletir a dinâmica de
velmente também (Laegreid, Roness e Verhoest, tradições político-administrativas mais amplas,
2011). Ao mesmo tempo, os anos recentes teste- tradições legais, condições econômicas e o
munharam um aumento de desagencificação no histórico do setor público, o que a torna sujeita
setor público, causado por crescentes problemas a dependências da trajetória (Christensen e
de coordenação e facilitado por TICs. Com a Laegreid, 2006).
ajuda das especificações da tecnologia e mais
acesso a dados, os serviços públicos se tornaram É importante, principalmente tendo em
mais modulares e abertos à terceirização e ao vista a onda internacional atual de formação
decréscimo da necessidade da gestão média de i-labs, não ignorar o papel da tecnologia
(Langlois, 2007) e, assim, conseguiram abertura como uma variável independente no proces-
a maiores mudanças internas, sem a obrigação so de agencificação. A tecnologia foi o fator
de se ter de rearrumar o sistema de serviço. central para o entendimento das mudanças
Organizações mais achatadas têm aparecido no nas organizações do setor privado (Langlois,
setor público, onde anteriormente proliferavam 2007; Gilson, Sabel e Scott, 2009), mas não
agências públicas autônomas, que estão sendo tanto na literatura sobre administração pública
fundidas e reincorporadas a agências com nível (Pollittt, 2010; Margetts e Dunlealvy, 2013).
superior (Verhoest et al., 2011). Conforme descrito anteriormente, a criação
de laboratórios de inovação no setor público
No nível conceitual, ainda é questionável também pode estar ligada à difusão e absorção
explicar a emergência das estruturas dedica- de tecnologias disruptivas – atualmente TICs
das do setor público (Pollitt, 2004). Há duas – que desafiam as formas e normas organiza-
abordagens amplas para explicar a mudança cionais atuais. Novas soluções tecnológicas
de estrutura no setor. A primeira, de acordo adaptativas criam a possibilidade de perso-
com a perspectiva racional (sumarizada, por nalizar serviços, usando novos mecanismos
exemplo, por teorias de delegação, como agente de retroalimentação para atualizá-los. A ideia
principal, e teorias de modelagem) envolve o desses laboratórios é facilitar inovações de
foco dos interessados na utilidade da agencifi- baixo para cima. Assim sendo, os laboratórios
cação (James e Van Thiel, 2011; Pollitt, 2004). de inovação são utilizados para iniciar o uso de
Formar contratos explícitos com unidades novas ferramentas de computação, de modo
estruturais do nível mais baixo deve facilitar a a se criar um amplo leque de possibilidades
eficiência da entrega do serviço público (por para utilizar a análise de rede e megadados
meio de autonomia, especialização e pressão do que ainda não são totalmente captados no
mercado) e a maior credibilidade dos políticos setor público.
e dos benefícios relativos ao trabalho para os
criadores de políticas, através da delegação e Ainda que a pesquisa acadêmica sobre
despolitização de tarefas públicas específicas. outros formatos de laboratórios de inovação e
espaços ainda seja esparsa, há uma variedade
Em segundo lugar, conforme as explicações de guias práticos para estabelecer laboratórios
institucionalistas, a natureza da agencificação em geral (Doorley e Witthoft, 2012; Ståhlbröst

183
e Holst, 2013; Unicef, 2012; Puttick, 2014) ou cidade e no nível nacional), e foram criados
até mesmo fechá-los (Roberts, 2014). Uma predominantemente na virada do milênio. Os
das origens organizacionais dos laboratórios i-labs geralmente são menos hierárquicos do
de inovação no setor público pode ser vista que outras unidades do setor público, encon-
na cultura think tank, predominante na política tram-se normalmente em um espaço físico
anglo-americana (Williamson, 2014). Com isso, separado, e possuem um número pequeno de
foram descritos como grupos de pensadores e empregados com baixos níveis de rotatividade.
realizadores orientados com tal propósito (Bel- Ordinariamente, desfrutam de um alto nível
lefontaine, 2012). Formam um híbrido frouxo de apoio da gerência sênior e, sendo assim,
do think tank, o empreendimento social e a não são considerados segundo objetivos de
organização beneficente, fundindo aspectos do gestão de curto prazo, com financiamento
laboratório digital de P&D – os quais são, eles tradicional e com estruturas de controle de
próprios, formas organizacionais emergentes, custo (John, 2014).
contestadas e elásticas.
Essas unidades de inovação são descritas
Características amplas de base dos i-labs são como intermediárias de inovação (Horne, 2008,
discutidas em vários relatórios e trabalhos (Westley p. 20) – organizações híbridas que combinam ati-
et al., 2011; Torjman, 2012; John, 2014; Puttick, vismo comunitário, acesso à mídia, lobby político
Baeck e Colligan, 2014). Esforços para analisar os e P&D de alta tecnologia. A metáfora “unindo as
laboratórios de inovação incluem categorizá-los abelhas às árvores” tem sido usada para ilustrar
por seu segmento de especialidade, por exemplo, o movimento de empresários de pequena escala
com foco no design ou baseados em tecnologia; ou inovadores em direção às instituições estabe-
por setor, por exemplo, assistência médica ou lecidas (Murray, Caulier-Grice e Mulgan, 2010,
educação; se são dirigidos ou capacitados pelo p. 125). Elas também podem ser vistas como
governo; ou se seu nível potencial de mudança ambientes de teste seguro, onde novas propos-
é incremental ou sistemático (Armstrong et al., tas e serviços podem ser testados juntamente
2014; Parsons Desis lab, 2013). com cidadãos, especialistas e representantes do
governo (Bason, 2010; Mulgan, 2014).
Conforme Puttick, Baeck e Colligan (2014),
em uma das visões gerais, a Nesta e a Bloom- Os laboratórios de inovação são vistos como
berg Philantropies dividiram os i-labs em quatro formas experimentais de governo, agindo como
categorias: catalisadores de inovação (Carstensen e Bason,
2012). Seu fundamento é baseado no engaja-
• desenvolvedores e criadores de inovação mento do usuário, na colaboração entre setores,
– os que atendem a desafios específicos; na inovação aberta e em novas formas de coletar
dados e percepções (Puttick, Baeck e Colligan,
• capacitadores – os que trazem percepções 2014). Assim, devem abordar problemas de
de fora para o setor público; formas não hierárquicas e operar de uma ma-
neira mais horizontal, por meio de stakeholders
• educadores – transformadores dos pro- e pela inclusão de profissionais com variedade
cessos, habilidades e cultura; e de conhecimentos.

• arquitetos – concentrados na mudança de Com o rótulo de espaços de inovação, segundo


sistema e de nível de política. Bloom e Faulkner (2015), há agora milhares de
laboratórios liderados por comunidades (hackers-
Os laboratórios estão na cidade, nos ní- paces) e pirateando amigavelmente, por exemplo,
veis regional e nacional (principalmente na La 27e Région approach (Hillgren, 2013).

184
Com a moda dos i-labs no setor público se específicas e recursos de gestão. Dessa for-
acelerando, as organizações internacionais tam- ma, ao pesquisar i-labs, precisamos entender
bém fazem o mesmo. Por exemplo, agências da como eles são criados (utilidade racional
Organização das Nações Unidas (ONU) estabele- como hipótese competitiva ao isomorfismo)
ceram uma variedade de laboratórios de inovação e coordenados (autonomia e especialização
ao redor do mundo (Bloom e Faulkner, 2015). como hipótese).
Os efeitos atuais e o uso desses laboratórios,
no entanto, se encontram em sua tenra idade 3) A pesquisa no setor público mostra que as
(Gathege e Moraa, 2013; Tiesinga e Berkhout, agências tendem a ter baixos índices de
2014). Isso é ainda mais importante hoje, já que mortalidade, enquanto os i-labs, lidando
muitos dos i-labs recém-criados tendem a ser com tecnologias de mudanças rápidas,
conduzidos pelo mercado do setor público em tendem a ser mais fluidos e ter algum nível
vez de mudar os motivos (Townsend, 2013) e, mais elevado de índices de mortalidade.
portanto, tendem a ser organizações bastante Para entender os i-labs, é importante testar
fluidas, que são abandonadas e fechadas com a hipótese de mortalidade, assim como
mais facilidade do que organizações tradicionais compreender o que os mantém. Podemos
de serviços públicos. esperar que seja essencial, na sua longe-
vidade, a autonomia na seleção do projeto
Dessa forma, a partir de pesquisas ante- que reflete a evolução de suas capacidades
riores, tiramos algumas expectativas teóricas de inovação (habilidades de inovação como
para explicar a ascensão dos i-labs, conforme hipótese).
a seguir descrito.
4) A literatura sobre agencificação, até agora,
1) A emergência mundial e a difusão dos i-labs prestou apenas um simulacro de apoio à
representam a última moda ou mania na ges- tecnologia como uma variável independente
tão pública. Como um processo isomórfico, da alteração estrutural do setor público.
a proliferação de i-labs pode ser entendida Assim, os i-labs podem ser usados para se
como difusão e imitação de práticas orga- entender a influência do desenvolvimento
nizacionais da moda, que são percebidas tecnológico na administração pública (tec-
como o novo senso comum. Resumindo, nologia como hipótese).
os i-labs do setor público são criados para
ganhar legitimidade (isomorfismo como 2 METODOLOGIA
hipótese), e aumentam a credibilidade das
elites políticas e de políticas (hipótese de No total, os laboratórios de inovação, tanto
credibilidade). no setor público quanto no privado, são muito
heterogêneos – em termos de suas atividades,
2) Para fazer frente à demanda crescente sua escala e suas estruturas organizacionais –,
de serviços personalizados em tempos de o que dificulta mapeá-los e analisá-los. Assim,
austeridade e de mudanças tecnológicas decidimos basear a pesquisa em uma abor-
rápidas, os i-labs representam uma tentativa dagem de dois passos. Primeiro, foi realizada
de criar um espaço de experimentação no uma enquete abrangente, direcionada para a
setor público. Sua lógica de utilidade, assim gestão, seguida de uma entrevista detalhada
como sua eficiência, pode ser entendida e extensa com os gestores do i-lab. A enquete
como função do alto nível de autonomia e se baseia em uma pesquisa de longo prazo e de
especialização, que, por sua vez, presume larga escala em organizações do setor público
a presença de habilidades organizacionais na Europa, o projeto de pesquisa Comparative

185
Public Organization Data Base for Research and do âmbito desta pesquisa. Além disso, os i-labs
Analysis (Cobra).6 estabelecidos pelas Nações Unidas – inclusive
o laboratório do Programa das Nações Unidas
Baseado em estrutura e lógica comprova- para o Desenvolvimento (Pnud) – não foram
das, o questionário Cobra trata da autonomia considerados na pesquisa.
das agências com relação a seus principais
elementos políticos e administrativos, em di- Antes da enquete e das entrevistas, fizemos
mensões diferentes. O questionário também um perfil de todos os i-labs em nossa amostra,
ajuda a esclarecer sobre como as agências são com base em análise de documentos. Dos 35
controladas por seus diretores e que tipo de i-labs previamente mencionados, fomos capazes
ferramentas de gestão interna a agência usa. de entrar em contato direto com 25 laborató-
Isso nos ajuda a comparar os i-labs a outras rios, dos quais dezesseis responderam ao nosso
organizações semiautônomas e autônomas do pedido inicial de entrevista. No final, onze i-labs
setor público. Devido à natureza específica dos se juntaram ao estudo, dos quais três fecharam
i-labs, no entanto, o questionário teve que ser até o momento de nosso estudo detalhado (a
atualizado de forma significativa para se adequar lista de entrevistas está no apêndice A). Nosso
a nossos propósitos de pesquisa.7 estudo inclui seis i-labs da Europa, quatro da
América do Norte e um da Austrália.
A pesquisa foi seguida por uma entrevista
detalhada, na qual cobrimos de forma mais 3 LABORATÓRIOS DE INOVAÇÃO NO SETOR
específica as razões da criação do laboratório, PÚBLICO
as características da equipe e das ferramentas
principais, os parceiros de rede, as atividades e 3.1 Características gerais
os objetivos, os resultados, e o direcionamento
e o controle. O desenho da pesquisa foi testado Os onze laboratórios de inovação de nossa
anteriormente a seu uso, com o representante amostra se estabeleceram entre 1999 e
da unidade de projetos de inovação do governo 2013, sendo sete dos i-labs criados depois
da Dinamarca, a Mindlab. de 2010. Dos 35 i-labs da amostra total,
cerca de um terço foi estabelecido no nível
Com base em relatórios anteriores produzidos municipal, enquanto outros foram criados
pela Nesta, pela IBM Center for The Business no nível estadual ou federal. Se tivéssemos
of Government (Puttick, Baeck e Colligan, considerado representantes de inovação nas
2014; Burstein e Black, 2014), pela Parsons cidades dos Estados Unidos da América como
Gov Innovation Labs Constellation 1.0 e em parte dos i-labs, então essa proporção teria
pesquisas baseadas na internet, identificamos sido muito mais elevada. Aproximadamente
35 i-labs dentro ou diretamente financiados metade dos i-labs de nossa amostra tiveram
pelo setor público. A maioria deles pode ser sua própria personalidade legal separada de
encontrada na Europa e na América do Norte, sua organização superior, ambas com garantia
embora a Ásia também apresente um número legal na lei pública e privada. Outros foram
crescente desses laboratórios. Em países em identificados como partes independentes
desenvolvimento, esses laboratórios (principal- de um ministério ou departamento municipal
mente os de inovação social) geralmente são (por exemplo, o DesignGov e o Laboratorio
encontrados no terceiro setor e, portanto, fora para la Ciudad) ou não existiram de nenhuma

6. Mais detalhes podem ser encontrados em: <http://soc.kuleuven.be/io/cost/survey/>. Acesso em: 30 jul. 2014.
7. Somos muito gratos ao professor Koen Verhoest, da Universidade de Antuérpia, por sua ajuda na atualização do
questionário.

186
maneira na organização formal, como o caso baseado no próprio projeto, sendo que, para
de um dos mais conhecidos i-labs, o Helsinki mais da metade dos laboratórios em análise, isso
Design Lab (HDL) – no fundo finlandês de constituiu mais da metade de seu orçamento
inovação, Sitra. (gráfico 1), embora seguidos de perto por
transferências orçamentárias diretas do governo.
Os i-labs de nossa amostra empregaram de Em muitos casos, o financiamento interno, além
duas a dezessete pessoas, com um tamanho dos custos operacionais, vem de um projeto
médio de equipe entre seis e sete pessoas. específico ou de parceiros do programa no
Como foi difícil para alguns i-labs diferenciar seu setor público. Essa estrutura de finanças foi
orçamento do orçamento geral da organização, considerada importante por executivos dos i-labs:
o limite máximo de nossa amostra é de € 1,5 enquanto o financiamento interno estimula a
milhão no ano financeiro anterior. Para mais propriedade de projetos dentro do setor público,
de 60% das equipes, a primeira fonte de renda o financiamento externo dá flexibilidade para
era autogerada, ou seja, o financiamento era que os i-labs tentem coisas novas.

GRÁFICO 1
Fonte de renda que fornece mais do que a metade do orçamento total
(% de i-labs)
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
Destinação direta de orçamento pela vigilância Transferências por outros níveis Renda autogerada
do governo/autoridade envolvida governamentais (incluindo os Estados Unidos
ou outras autoridades supranacionais)

Sim Não

Elaboração dos autores.

Isso também dá uma indicação do poder e tornar o resultado dos laboratórios mensurável
das relações de controle que separam essas (figuras 6 e 7 e gráficos do apêndice B). Isso
equipes do restante do setor público. Renda torna a maioria dos i-labs pequenos e ágeis e é
autogerada e orçamentos operacionais baixos visto como necessário pela maioria dos gerentes
significam que a maioria dos i-labs não proíbem entrevistados. A estrutura enxuta, tipo startup,
avaliações de desempenho vigoroso nem a ne- permite uma comunicação bem mais rápida,
cessidade de coletar métricas quantitativas para força o laboratório a fazer coisas rápidas e talvez

187
imprecisas – por exemplo, algum trabalho com diferentes e desenvolver, testar e melhorar os
um cronograma de tempo de investigação de protótipos para sua aplicação principal (Van
seis semanas, desenho de uma nova solução Helden e Lemke, no prelo). Nossas entrevistas
de serviço em doze –, porque não há pessoas mostraram que os i-labs empregaram tanto
suficientes nem orçamento para prolongar o pessoas com experiências geralmente novas no
processo. Quando os projetos se tornam grandes setor público – design, antropologia, etnografia,
demais internamente, então, invariavelmente os geografia social – quanto com habilidades mais
i-labs vão de encontro a estruturas existentes tradicionais – ciência política, sociologia, comuni-
– por exemplo os departamentos de tecnologia cação etc. Surpreendente é que, enquanto esses
da informação (TI) e a arquitetura de TICs e laboratórios frequentemente estão associados
regras de aquisição. Isso foi visto como causa a novas soluções de TICs e hackathons, não
para perda do pique propício, já que os padrões houve muitos engenheiros de TI presentes nos
existentes se sobrepõem a tudo. laboratórios em nossa amostra – essas habili-
dades foram adquiridas de parceiros externos.
Geralmente, os i-labs são construídos em Em algum sentido, isso pode ser visto como uma
torno de um método orientado para o design tentativa para tornar a tecnologia subserviente
do usuário, como um desenho centrado no à mudança social, em vez de deixar a tecnologia
humano (MindLab), o método Friendly Hacker ser a catalisadora da última (ver Townsend, 2013
(La 27e Région) ou o modelo Entrega de Ino- sobre essa questão). Ao mesmo tempo, a causa
vação de Quatro Passos (Equipe de Entrega para isso foi também o fato de que, durante o
de Inovação Nova Orleans) (Puttick, Baeck e período de austeridade fiscal, não era permitido
Colligan, 2014). Quando se trata de técnicas contratar fora do setor público.
de análise e habilidades específicas, no entanto,
os i-labs usam uma variedade de abordagens: 3.2 Natureza colaborativa dos i-labs
experimentos com controle randomizado, et-
nografia ou pesquisa de ação para trabalhar No geral, os i-labs foram criados para permitir
diretamente com as pessoas que são afetadas abordagens interdisciplinares e orientadas ao
por problemas sociais, e uma variedade de téc- cidadão, enquanto, ao mesmo tempo, produzem
nicas (contação de histórias e quadrinhos, perfis a maior parte de seu trabalho para (ou com) os
de personagens, jornadas de serviço, mapas de departamentos ministeriais e outras entidades
experiência, mapa de atores, mesas interativas do governo (gráfico 2). Isso se dá pelo fato de
e pranchetas, cabeçalhos e cartões postais do o setor público financiar uma grande parcela
futuro e previsão) para aumentar a empatia com de atividades de i-lab. Assim, os resultados da
o grupo-alvo e a questão social (Bellefontaine, enquete mostraram que a organização principal
2012; Puttick, Baeck e Colligan, 2014). Isso (ministério ou departamento municipal) e o pú-
também significa que os laboratórios têm que blico em geral influenciaram mais a direção e a
incorporar uma variedade de habilidades para estratégia dos i-labs em nossa amostra, enquanto
acomodar essas abordagens. parceiros industriais, empresas e consultores
privados influenciaram menos. Dependendo do
Desse modo, os laboratórios de inovação nível em que o laboratório de inovação foi esta-
geralmente reúnem equipes de pesquisadores belecido – local ou nacional –, o parlamento e o
heterogêneas, designers e pessoas interessadas departamento de serviço civil desempenharam
em descobrir e analisar os problemas por ângulos o papel central na estratégia dos i-labs.

188
GRÁFICO 2
Grupos-alvo de i-labs
Entidades supranacionais
Privado – individual
Organizações/sindicatos voluntários
Empresas privadas/ companhias/fundações
Unidades em nível administrativo nacional/regional
Unidades em nível administrativo local
Agências governamentais
Secretaria estadual do governo
Departamentos ministeriais
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

Elaboração dos autores.


Obs.: Usuários relevantes das atividades, serviços e/ou produtos dos i-labs.

O nível de colaboração entre os grupos-alvo recente da IBM sobre os centros de inovação


também se altera de acordo com a orientação no setor público, uma divisão mais extensa de
do laboratório (por exemplo, processos internos unidades foi criada nos Estados Unidos, incluindo
do setor público). Burstein e Black (2014) dis- laboratórios, facilitadores (internos), consultores,
tinguem entre centros de inovações com foco reconstruções, ligações e unidades patroci-
interno ou externo no contexto do governo de nadas (Burnstein e Black, 2014, p. 8). Mesmo
uma cidade nos Estados Unidos. Enquanto os assim, o nível de colaboração é elevado, devido
centros de inovação com foco externo enga- às abordagens centradas no usuário que os
jam principalmente o público em projetos de i-labs empregam.
crowdsourcing, coleta de dados comunitários e
experimentação, aqueles com foco interno são Assim, a colaboração – tanto dentro como fora
orientados a aumentar a eficiência administra- do setor público – e a capacidade de coordenar
tiva (e.g., o trabalho da maioria das equipes de as necessidades interdisciplinares dos usuários
inovação – as i-equipes), produzir uma altera- entre diferentes parceiros são essenciais para os
ção de cultura organizacional em organizações i-labs. Dessa forma, não é de surpreender que as
maiores (competição de inovação e programas características autorrelatadas dos i-labs sejam
de talento de residentes – ver Aleinikoff, 2014), a concentração de atividade na construção da
e para introduzir processos de inovação e proto- confiança, os aspectos individuais e relacionais,
colos dentro das organizações. Em um relatório a cooperação e a empatia (figura 1).

189
FIGURA 1
Características autorrelatadas de i-labs

Foco no cumprimento da tarefa Inovação


Cooperação com outros
Relação com os clientes 70 Treinamento
Orientação para equipe Confiança
60
Desenvolvimento de carreira pessoal Respeito por direitos individuais
50
Manter promessas Orientação no detalhe
40
Criatividade Ênfase na qualidade de entrega
30 do serviço
Compensação relacionada Promoção na organização
à prestação 20

Orientação nos resultados 10 Boa recompensa financeira


0
Espírito de equipe Apoio aos funcionários

Precisão Assumir riscos

Cuidado dispensados aos empregados Dar aos clientes o que eles esperam
Possibilidades de avanço Trabalhar com afinco
Precisão Empatia com os empregados
(Disposição para) experimentar Integridade
Orientado para objetivo Recompensas iguais
Compensação justa Honestidade
Cooperação entre colegas
Valorização do cliente

1 - Muito incomum 2 - Não comum 3 - Um tanto incomum


4 - Neutro 5 - Um tanto comum 6 - Comum
7 - Muito comum

Elaboração dos autores.

Mais de 60% dos gestores de i-labs de nossa pranacionais e organizações internacionais. Ao


amostra concordaram com a necessidade de o mesmo tempo, todos os i-labs concordaram que
laboratório ter uma coordenação com outras precisavam coordenar suas atividades com os
entidades governamentais em nível nacional; e stakeholders do setor privado, organizações de
70%, com a coordenação com o governo local/ interesse, grupos de usuários e organizações da
regional. Metade dos i-labs achou necessário sociedade civil. O gráfico 3 ilustra os parceiros
coordenar suas atividades com entidades su- mais importantes para os i-labs em nossa amostra.

190
GRÁFICO 3
Os participantes mais relevantes em redes fora da organização de origem

Entidades supranacionais/internacionais

Privado – individual

Organizações/sindicatos voluntários

Empresas privadas/companhias/fundações

Unidades em nível administrativo nacional/regional

Unidades em nível administrativo local

Companhias governamentais/fundações/agências

Secretaria estadual do governo

Departamentos ministeriais

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

Elaboração dos autores.

Os i-labs tentam incluir uma variedade de rede) informal (conversas em cafezinho) e estar
pessoas de experiências profissionais diferentes presente e visto em organizações parceiras foi
(designers de serviço, etnógrafos, antropólogos, considerado como muito importante (segundo
arquitetos participativos, especialistas em víde- um dos respondentes, “quando construímos uma
os, comediantes etc., além de servidores civis e relação, jamais pedimos que as pessoas venham
representantes do topo do setor público) em seu até nós – sempre vamos até elas”). Nessa linha,
trabalho ou nas redes mais amplas. Os labora- o objetivo final pode ser criar uma infraestrutura
tórios, em sua maioria, trabalhavam por meio de (Hillgren, Seravalli e Emilson, 2011), o processo
departamentos ou agências do governo, alguns cunhado para denotar a construção de relações
(tais como o Mindlab)estavam estabelecidos em longo prazo (qualidade relacional) com
sob diferentes ministérios. Contudo, devido vários atores sem prazos e sem objetivos pre-
à natureza de suas atividades e dos métodos determinados, e com projetos que vão além de
usados, geralmente não são compreendidos objetivos específicos. Como foi bem mais fácil
em departamentos tradicionais (por exemplo, para os i-labs incluir os stakeholders externos,
planejamento urbano ou TI). eles usaram relações pessoais (tanto dentro
como fora do setor público) como ferramentas
Os laboratórios reconheceram que a cultura para alavancar apoio ao projeto e à organização.
da organização era difícil de ser modificada
por eles (ou até mesmo impossível, perante 3.3 O dilema da autonomia e sobrevivência
as condições de serviços públicos sólidos e
atitudes negativas dos gerentes do setor pú- Voltando às características do poder para agir,
blico). A solução para avançar foi direcionar as um dos aspectos mais importantes dos i-labs é o
equipes individuais e levá-las a liderar e tomar nível de autonomia que deve permitir às unidades
posse de ideias específicas, programas e so- perseguir inovações descontínuas e que causam
luções práticas. Isso foi chamado por um dos rupturas sem interferência direta de estruturas or-
executivos de i-lab como a estratégia do cavalo ganizacionais tradicionais. A enquete delineou que
de Troia. Consequentemente, o networking (a os i-labs de nossa amostra foram, em sua maioria,

191
caracterizados por altos níveis de autonomia, com Os indicadores usados geralmente descrevem
o maior número das unidades tomando a parte das o desempenho de atividades e a tarefa, medin-
decisões elas próprias, com o departamento de do a qualidade de serviços, e são de natureza
ministério ou empresa principal apenas levemente tanto qualitativa quanto quantitativa. Por seu
envolvido. Metade dos laboratórios pesquisados turno, quando os orçamentos são maiores e as
considerou sua autonomia suficiente até certo atividades se tornam mais visíveis, é necessário
grau, e outros acharam totalmente suficiente ou um controle mais preciso, e surgem medidas de
difícil de avaliar. Quando olhamos especificamente um desempenho significativo – conferir no caso
para diferentes fatores de autonomia, podemos ver do laboratório Office of Personnel Management
que dois terços dos laboratórios tinham controle (OPM) em Government Accountability Office
no estabelecimento de salários e na designação (GAO) (2014). Essa também é a razão pela
e avaliação da maior parte de sua equipe. Além qual, conforme mencionado anteriormente, a
disso, a maioria das organizações estabeleceu maioria dos executivos considerou o pequeno
seus próprios objetivos, com apenas um terço tamanho de i-labs essencial para o sucesso de
dos i-labs tendo que consultar a organização suas atividades, pois, do contrário, o centro de
principal relativamente a isso. O mesmo se aplica controle iria para outra parte, e o direcionamento
a negociações com atores externos, inclusive de dos i-labs seria mais padronizado, influencian-
nível internacional. do invariavelmente o cerne das atividades do
próprio laboratório.
Geralmente, indicadores formais são usados
para comunicar resultados, mensalmente ou a Aqui é importante esboçar as fontes desse
cada três meses, entre a organização principal alto nível de autonomia. Conforme exemplificado
e os i-labs, enquanto métodos mais etnográfi- em décadas de discussão sobre os problemas de
cos (descrição de atividades, diários em vídeo, agente-principal no contexto de agencificação,
blogging etc.) são usados internamente e para o nível alto de autonomia é basicamente não
comunicar resultados para uma rede mais aceito de imediato no âmbito do setor público.
ampla de parceiros do laboratório. Os métodos As entrevistas detalhadas deram uma ideia de
etnográficos são usados mais para legitimar as como essa margem de manoba é garantida
atividades do laboratório aos olhos do público em dentro do setor público: a fonte essencial de
geral. O atingimento de objetivos é geralmente autonomia é o apoio do Executivo ou do polí-
avaliado dentro da própria organização, e não tico de alto escalão do serviço civil (ministro,
há recompensas diretas por desempenho ou por prefeito etc.). Consequentemente, segundo o
resultados obtidos (além do possível aumento relatado, nossa enquete mostrou um nível de
no orçamento em poucos dos casos analisados). apoio alto à organização do ministro ou chefe
da administração local. Surgiram, no entanto,
Em termos de finanças, no entanto, o controle resultados mais ambivalentes quando gestores
externo dos i-labs é mais rigoroso, significando que do laboratório tiveram que avaliar todo o apoio
o investimento e os orçamentos anuais têm que da organização (ministério ou departamento)
ser coordenados com o departamento principal ao laboratório.
ou o departamento de finanças. A maioria está
sujeita a auditoria externa, que se concentra em Embora os i-labs do setor público tentem
questões financeiras, legalidade e conformidade legitimar suas atividades junto ao público em
a regras. Um terço dos i-labs revelou que o uso geral por sua presença ativa na mídia ou através
de recursos é avaliado em grande extensão, e de redes de base ampla – por exemplo, através
outro terço, em alguma extensão. Alvos mensu- da mídia social –, isso não se mostrou capaz de
ráveis, contudo, geralmente não estão ligados a evitar o fechamento de i-labs em três casos de
alocação de orçamento, e o último é estabelecido, nossa amostra (HDL, DesignGov, The Studio). O
na maioria dos casos, para uso interno apenas. fator mais significativo de sobrevivência nesses

192
casos – também identificado por laboratórios público, em atividades com base mais ampla –
de trabalho – foi o apoio do executivo-chefe. exemplos da Nesta, no Reino Unido, ou mesmo
Quando isso se perdeu – através de processo da Mindlab, na Dinamarca, que teve diferentes
político ou mudança de liderança –, então o ondas de atividades.
obstáculo ou benefício dessas unidades co-
meçou a surgir. As características principais Os que trabalham em laboratórios de menor
do laboratório – pequeno tamanho, separação escala veem os i-labs mais como um formato
(física), autonomia – começam a agir contra os de “guerra de guerrilha” ou de um exército de
laboratórios sem a presença de um patrocinador profissionais amadores que lutam para expandir
organizacional: “não éramos grandes o bastante o espaço político (Leadbeater e Miller, 2004, p.
para dificultar nosso fechamento. O resto da 59; Mulgan, 2006), e, assim, temporalidade não
organização não entendia o que fazíamos, não é um problema. Nesse sentido, eles podem ser
estávamos interligados ao sistema”, como afirma vistos como um antagonismo expandido, ques-
um dos respondentes do survey. tionando o sistema atual, o que pode ser ligado
aos espaços agonísticos de Mouffe (2000). Os
Há várias reações a isso. Alguns laboratórios laboratórios de inovação, tanto no ambiente
de inovação viam sua existência claramente público quanto no privado, devem manter o
como temporária, percebendo que, em longo potencial de ruptura das organizações existen-
prazo, teriam que mudar muito para cumprir tes, de modo que as rotinas, normas e cultura
sua tarefa inicial, ou formas de colaboração organizacional existentes não seriam capazes
mais institucionalizadas não teriam o interesse de trabalhar imediatamente contra a mudança.
das pessoas envolvidas (designers, arquitetos, Bason (2013) descreve esses laboratórios como
especialistas em vídeo), principalmente no caso ambientes autorizadores, e algumas dessas equipes
de uma liderança de fora ser trazida para o setor possuem amplo suporte da mídia (John, 2014).
público para construir o i-lab (por exemplo, o
Laboratorio para la Ciudad). Alguns entrevistados O que surpreende no contexto mencio-
citaram seus próprios resultados de trabalho de nado – autonomia criada por apoio político
avaliação de i-labs similares, enfatizando que o de alto nível e a natureza antagônica de suas
ciclo de vida médio dessas unidades era de três atividades em termos da cultura organiza-
a quatro anos, basicamente o ciclo de vida de cional prevalente – é que os i-labs em geral
um diretor executivo (chief executive officer – não reconhecem (nem o fizeram em nossas
CEO) de alto nível. entrevistas) a natureza política de sua exis-
tência; e, em vez disso, enfatizam a natureza
Algumas unidades de inovação começaram a objetiva ou neutra de suas atividades. Isso foi
existir com uma cláusula de caducidade (a unidade previamente chamado de ponto cego político
Behavioural Insights Team BIT no Reino Unido, dos i-labs (Kieboom, 2014).
por exemplo), mas conseguiram ultrapassar a
análise inicial devido à documentação rigorosa A maioria das atividades de laboratório, todavia,
de seus resultados e ao desenvolvimento de estava em alguma extensão, ou em grande extensão,
métricas para fundamentá-los – o que, para a ligada ao desenvolvimento de política ou fazendo
maioria dos i-labs atuais, significaria mudança (ver propostas a respeito disso. No entanto, quando
exemplo no caso de Nesta em Puttick, 2014) – e se tratou de tarefas políticas – proporcionando
renovar seu mandato político, enquanto outras, conselho a ministro ou prefeito, ou ajudando a
em condições diferentes, não conseguiram, como esboçar documentos de política –, estas estavam
o DesignGov, na Austrália, por exemplo. Assim, geralmente fora do escopo dos i-labs.
para uma sobrevivência maior dos i-labs, seria
necessário, provavelmente, mudar suas organi- O ponto cego político pode, de fato, ser
zações, e eles precisariam se engajar no setor igualmente um formato de estratégia de

193
sobrevivência. Quando as coisas vão para justificar sua existência e estão sujeitos a mudan-
escrutínio político de alto nível ou há conflito ças. Portanto, não é de surpreender que muitos
entre ministérios – “então o jogo é totalmente i-labs estejam lutando para encontrar um lugar
diferente”, afirmou um entrevistado –, os i-labs na infraestrutura de criação de políticas (Bason,
tendem a se desengajar dos projetos ou considerá- 2013). Conforme já foi dito, as principais tarefas
los como possíveis insucessos. Os executivos das organizações eram centradas no serviço
entrevistados reconheceram parcialmente que (no desenvolvimento de protótipos, na criação
o patrocínio político é, às vezes, acompanhado de novas soluções e na geração de capacidade
de projetos politicamente definidos que não são de construção de redes fora do serviço público
bem pensados nem bem propostos, por causa – gráfico 4), principalmente para os laborató-
da relação entre o ministério e os parceiros rios de inovação no nível municipal, que lidam
sociais. Quando isso não tem êxito, há mais com inovação social. Assim sendo, o papel dos
escrutínio das atividades do i-lab, e quanto i-labs pode diferir à medida que são chamados
mais as atividades se tornam orientadas para para testar e redesenhar serviços e processos
a política, mais resistência encontram dentro e existentes, apreciando a causa do declínio dos
fora do setor público. trabalhos mentalmente ou, primariamente, dando
poder aos cidadãos e às empresas para causar
3.4 Papel dos i-labs no setor público mudança – inovação por meio do setor público
–, em uma mentalidade de inovação aberta. Essa
A discussão comentada na subseção anterior última é exemplificada por orçamentos bastante
mostra que os i-labs, por sua natureza, existem enxutos, crowdsourcing (colaboração coletiva)
em ambientes turbulentos e conflitantes (seja e estruturas também enxutas, conforme o caso
em termos de mudança tecnológica, seja em de New Urban Mechanics, citado em Townsend
culturas organizacionais contraditórias), têm que (2013, p. 214-215).

GRÁFICO 4
Atividades selecionadas características de i-labs

Colaboração com PS para serviço integrado

Terceirização de tarefas não essenciais para o privado

Lojas únicas ou virtuais de pontos de serviço

Análise e gestão de risco

Reengenharia de processo de negócios

Extensão de entrega do serviço para pagamento

Desenvolvimento de produtos/serviços inovadores

0 20 40 60 80 100

Nenhum Em pequena medida Difícil de avaliar Até certo ponto Em grande medida

Elaboração dos autores.

194
Em geral, os i-labs consideram suas tarefas social, conforme Kieboom (2014). Assim sendo,
no setor público como únicas, sem qualquer nesse sentido, o encontro de simples soluções
unidade ou organização similar em termos de (protótipos rápidos, abordagens rápidas e nem
tarefas, desempenho e resultados. Ao mesmo sempre precisas) assume o comando, enquanto
tempo, nossa enquete com os gestores mostrou a dinâmica de um sistema complexo pode ser
que eles identificam que a concorrência a suas subestimada, principalmente em termos de
tarefas vem tanto de dentro do setor público inovação social, na qual alguns consideram mais
como de empresas privadas (por exemplo, con- importante um engajamento em longo prazo, para
sultorias, think tanks). Na maioria dos casos, no que haja um impacto real (Mulgan, 2009; 2010).
entanto, a perspectiva internalizada dos i-labs foi
a preferida – o que significa que os i-labs do setor Os i-labs, então, tentam se beneficiar da
público não devem ser criados como consultorias tendência crescente de aplicativos cívicos
financiadas pelo setor público. baseados em dados abertos, já que mudanças
políticas mais complexas estão fora de seu con-
Os principais benefícios discutidos durante trole. Enquanto a maioria dos i-labs não mediu
as entrevistas foram em relação à experiência os efeitos de sua atividade em longo prazo,
específica do setor público e quanto ao acesso avaliando seus resultados e o impacto de três a
ao conhecimento e aos tomadores de decisões. seis meses depois dos projetos, vários gestores
Além disso, alguns entrevistados disseram temer reconheceram que o protótipo e a mudança que
que os efeitos de aprendizado, acompanhando o acompanham podem somente se manifestar
a experimentação e o desenvolvimento dentro depois de alguns anos. Por conseguinte, em
do setor público, não seriam tão grandes se o muitos casos, há elevado tempo de execução
modelo fosse externado. Aqueles com expe- entre o projeto e a implantação.
riência prévia no serviço público enfatizaram
também a motivação específica do serviço Os i-labs tentam documentar e tornar pú-
público comparada à motivação financeira que blico, tanto quanto possível, seu envolvimento
assumiu o comando, em alguns casos, e começou em blogs na mídia social. Enquanto o impacto
a interferir nos objetivos do i-lab – por exemplo, dos laboratórios pode ser medido em diferentes
membros do i-lab colaborando de perto com níveis – o próprio laboratório, as obras narrativas
parceiros externos. que cria, inovações e inovadores que apoiam o
discurso de inovação e o ajudam a se estabelecer
Enquanto, em geral, os objetivos mencionados (Tiesinga e Berkhout, 2014, p. 106) –, resultados
durante as entrevistas se referiam a desafios transversais (redes, alteração de discurso etc.)
complexos que requerem mudança de sistemas são, segundo o próprio relato dos i-labs, mais
(ver tabela do apêndice C), as atividades foram fáceis de obter. Ao mesmo tempo, permanece a
direcionadas para programas, projetos e serviços pergunta de quão aptos são os i-labs em facilitar
singulares. Em alguns casos, quando o i-lab devia a alteração em nível de sistema ou se há um papel
trabalhar com mudança de política de nível mais no setor público mais conectado a um projeto
alto, a organização não obteve êxito. específico, como exemplos e legitimadores de
mais mudanças em outras partes da organização
Somente um terço dos i-labs de nossa amostra do setor público.
assumiu alguma implantação de tarefas. Dessa
forma, eles se engajaram primariamente em um 4 DISCUSSÃO E CONCLUSÕES
protótipo rápido e se mostraram menos inte-
ressados em um engajamento em longo prazo, Nossa enquete mostra que os i-labs tendem
embora a escalabilidade seja um dos aspectos a confirmar bastante as organizações caris-
mais enfatizados nas novas soluções de inovação máticas de Weber. Em detalhe, para resumir

195
nossos resultados, podemos descrever os é até mesmo preferido pelos i-labs, já que isso
i-labs conforme a seguir. lhes permite manter agilidade e autonomia, pois,
com orçamentos maiores, o controle hierárquico
1) Do modo como são criados hoje, são mais tende a aumentar. De forma interessante, as ha-
singulares em sua missão, com a previsão bilidades de TI parecem não estar presentes de
de agirem como agentes de mudança no forma destacada nos i-labs estudados.
setor público e disporem de ampla auto-
nomia no estabelecimento de seus alvos e Os i-labs, embora proeminentes em muitas
métodos de trabalho. estratégias de gestão pública modernas, ainda
estão longe de ser tornarem parte orgânica do
2) São estruturados separadamente do resto setor público. A principal fonte de autonomia,
do setor público e com previsão de serem assim como de sobrevivência, é o apoio político
capazes de atrair financiamento externo, e/ou administrativo de alto nível, significando
assim como de vender suas ideias e soluções que, quando um laboratório perde seus pa-
ao setor público. No entanto, dependendo trocinadores, suas chances de sobrevivência
do contexto, sua construção organizacional diminuem radicalmente. Isso criou um para-
pode diferir consideravelmente. doxo curioso: i-labs menores são mais fáceis
de fechar, enquanto os maiores enfrentam o
3) Como regra, não têm autoridade sobre risco de perder a flexibilidade e a liberdade de
as estruturas do setor público; assim, sua ação. Uma das consequências desse paradoxo
efetividade depende fortemente de sua tem sido o ciclo de vida bem curto dos i-labs
capacidade de comunicar e persuadir experimentais.
outras unidades do setor público por meio
de um networking informal. Isso lhes for- Comparando-se os resultados empíricos às
nece autonomia, bem como incentivo para expectativas teóricas, podemos argumentar,
experimentar novas soluções e processos. em primeiro lugar, que, de um lado, a difusão
dos laboratórios de inovação no setor público
4) Além disso, tipicamente, possuem orçamen- pode ser vista como uma moda ou um cos-
tos relativamente baixos e são geralmente tume após o sucesso de mídia e publicidade
organizações fluidas e, portanto, dependentes em círculos de política de alguns dos primei-
dos recursos (fundos, recursos humanos) ros i-labs (por exemplo, Mindlabs). Por outro
que puderem obter externamente. lado, os i-labs através do mundo são muito
diferentes. Pode haver alguns modelos que
Mesmo assim, esse tipo de cenário também sejam isomórficos, com pequenas unidades
limita a capacidade de os i-labs catalisarem e geralmente dependentes de funcionários
levarem a cabo mudanças amplas no setor públi- do laboratório e de conjuntos específicos de
co. Os i-labs tendem a ser estruturas pequenas, habilidades e interesses que tenham.
especializadas em experimentos rápidos, que
geralmente não têm a capacidade e a autoridade Em segundo lugar, uma das tarefas desses
de influenciar de forma significativa a melhoria de espaços semiautônomos é, de fato, catalisar e
novas soluções e processos. As principais habili- legitimar a mudança no setor público. A conces-
dades dos i-labs são sua capacidade de revitali- são de suficiente autonomia aos i-labs, dando a
zar ou exibir serviços orientados para o usuário, eles incentivo para se especializarem em expe-
redesenhar projetos, enquanto a capacidade de rimentos orientados ao usuário e forçando-os
fazê-lo frequentemente se baseia em uma atitude a desenvolver as capacidades respectivas,
antagônica da equipe que está motivada pela opor- tornou-os agentes de mudança úteis no setor
tunidade de criar protótipos em vez de padronizar público. Todavia, conforme arguido anterior-
novas soluções. Além disso, o tamanho pequeno mente, o risco de diminuir a autonomia, a falta

196
de cultura de apoio e a autoridade para criação BAUMOL, W. J. Entrepreneurial enterprises, large
de rotina de novas soluções limita o potencial established firms and other components of the
de os i-labs representarem o papel de agentes free-market growth machine. Small Business
de mudança. Economics, v. 23, n. 1, p. 9-21, 2004.

Em terceiro lugar, os i-labs realmente tendem BELLEFONTAINE, T. Innovation labs: bridging


a ser unidades do setor público com um índice think tanks and do tanks. Policy Horizons Ca-
de mortalidade um pouco mais alto do que as nada, [s.l.], 2012.
agências públicas comuns.
BESSANT, J. Enabling continuous and discon-
Em quarto lugar, a tecnologia tem um papel tinuous innovation: learning from the private
central na formação dos i-labs. Muitas das tare- sector. Public Money and Management, [s.l.],
fas que os laboratórios realizam estão direta ou v. 25, n. 1, p. 35-42, 2005.
indiretamente relacionadas ao desenvolvimento
de soluções baseadas em TICs para os cidadãos, BLOOM, L.; FAULKNER, R. Innovation spaces:
assim como para o setor público. No entanto, transforming humanitarian practice in the United
curiosamente, muitos dos i-labs dependem, em Nations. Oxford: University of Oxford, 2015.
grande medida, de capacidades externas de (Working Paper Series, n. 107).
TICs, obtidas por meio da terceirização ou do
crowdsourcing. Embora criados para catalisar BORINS, S. Innovations in government: re-
mudança no setor público, os próprios i-labs search, recognition, and replication. Washington:
precisam sobreviver no contexto do setor pú- Brookings Institution, 2008.
blico, para o qual as habilidades relacionais e de
desenho de serviço parecem ser mais vitais do ______. Encouraging innovation in the public
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202
APÊNDICE A
LISTA DOS I-LABS ENTREVISTADOS
1) C. Bason, Mindlab, Dinamarca. Em 7 de 7) A. Calderón Mariscal, Digital Nation Mexico,
outubro de 2014. Open Mexico, México. Em 10 de novembro
de 2014.
2) A. Roberts, DesignGov, Canberra, Austrália.
Em 16 de outubro de 2014 (fechado). 8) G. Gómez-Mont, Mexico City’s Laboratorio
para la Ciudad, or LabPLC, Mexico City,
3) S. Vincent, La 27e Region, Paris, França. México. Em 13 de novembro de 2014.
Em 17 de outubro de 2014.
9) M. Kieboom, Kennisland, Amsterdam, Holan-
4) E. Barrett, Silk, Kent, Reino Unido. Em 2 de da. Em 26 de novembro de 2014.
dezembro de 2014.
10) M. Steinberg, Helsinki Design Lab, Sitra,
5) C. Mauldin, Public Policy Lab, New York, Helsinki, Finlândia. Em 27 de novembro de
Estados Unidos. Em 27 de outubro de 2014. 2014 (fechado).

6) J. van den Steenhoven, Director, MaRS 11) D. Ni Raghallaigh, The Studio, Dublin, Irlanda.
Solutions Lab, Toronto, Canadá. Em 30 de Em 2 de dezembro de 2014 (fechado).
outubro de 2014.

APÊNDICE B

GRÁFICO B.1
Atividades selecionadas características de i-labs: planejamento, avaliação e medição
Medidas de poupança por causa de crise
financeira e de orçamento
O desenvolvimento com outras organizações públicas
de serviços compartilhados para apoio à gestão
Avaliação/estimativa de desempenho

Desempenho de sistemas de cálculo de custo


Desenvolvimento de resultados orientados para HMR
(pagamento relacionado ao desempenho)
Gestão de autonomia interna estendida para
níveis mais baixos de gerência
Desenvolvimento de relatório interno e sistemas de avaliação como
base de avaliação de resultados pela administração
Destinação interna de orçamento e recursos financeiros
a unidades organizacionais com base em resultados
Gerenciamento interno com base em objetivos e resultados

Planejamento para vários anos

0 20 40 60 80 100

Nenhuma Em pequena extensão Difícil de avaliar Em alguma extensão Em ampla extensão

Elaboração dos autores.

203
GRÁFICO B.2
Modos de avaliação tradicionais

Painéis de usuário ou cliente

Unidades internas monitorando qualidade

Sistemas de gestão de qualidade (como ISO < BSC)

Pesquisas com o cliente

Padrões de qualidade para produção e entrega de serviço

Relatório público de desempenho da organização em relatórios anuais

0 100

Nenhuma Em pequena extensão Difícil de avaliar Em alguma extensão Em ampla extensão

Elaboração dos autores.

APÊNDICE C

RESULTADOS DE I-LABS

TABELA C.1
Avaliação da pertinência dos resultados dos i-labs sobre a melhoria dos seguintes critérios¹
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Eficiência 0 0 0 16.67 0 0 0 33.33 16.67 33.33 0

Eficácia 0 0 0 16.67 0 0 16.67 16.67 16.67 33.33 0

Qualidade 0 0 0 0 0 16.67 0 33.33 16.67 16.67 16.67

Motivação 0 0 0 0 0 16.67 0 16.67 16.67 33.33 16.67

Satisfação da equipe 0 0 0 0 0 16.67 16.67 16.67 16.67 16.67 16.67

Qualidade da gerência 0 0 0 0 0 16.67 0 33.33 16.67 16.67 16.67

Coesão interna 0 0 0 0 0 16.67 0 33.33 16.67 16.67 16.67

Estabilidade da organização no ambiente 0 0 16.67 0 0 0 0 33.33 33.33 0 16.67

Flexibilidade da organização 0 0 0 0 0 0 16.67 33.33 33.33 0 16.67

Reatividade à sociedade 0 0 0 0 0 0 0 33.33 33.33 0 33.33

Prestação de contas para a sociedade 0 0 0 0 16.67 0 0 16.67 33.33 0 33.33

Entrega de serviço de nível democrático 0 0 0 0 16.67 0 0 33.33 0 16.67 33.33

Elaboração dos autores.


Nota: ¹ Sendo 0 o valor mais baixo, e 10 o valor mais alto.

204
CAPÍTULO 10
FÁBRICA DE IDEIAS: a experiência da Anvisa
como estratégia para fomentar e incorporar a
inovação como método de trabalho no ambiente
institucional
Gustavo Henrique Trindade da Silva1 | Danitza Passamai Rojas Buvinich2

1 INTRODUÇÃO E seu grande desafio, além de mobilizar as


pessoas para investir seu capital intelectual,
A inovação, nas palavras de Tidd, Bessant e está ligado justamente à capacidade de gerar
Pavitt (2008, p. 23), “é movida pela habilidade valor com a mudança. Tal desafio se torna ainda
de estabelecer relações, detectar oportunidades maior nas organizações públicas, em razão de
e tirar proveito das mesmas”. Nesse sentido, a suas estruturas segmentadas, hierarquizadas e
gestão da inovação dependerá da capacidade extremamente avessas ao erro.
das instituições de transformar as incertezas
do processo criativo (inventivo e inovativo) em Este capítulo tem por objetivo apresentar a
conhecimento, e este, em novos serviços, pro- experiência da Agência Nacional de Vigilância
dutos ou processos para melhoria de resultados Sanitária (Anvisa) na inserção da abordagem de
e respostas às necessidades impostas por uma inovação como método de trabalho, a partir da
sociedade cada vez mais dinâmica, plural e implementação do projeto da Fábrica de Ideias.
consciente de seus direitos e deveres.
O texto está organizado em quatro seções,
Inovar é, portanto, mais que conceber uma além desta introdução e das considerações finais.
ideia: é o processo de desenvolver e viabilizar Na primeira seção, são detalhados o contexto e a
seu uso prático. Depende tanto do capital motivação para o desenvolvimento do projeto. Na
intelectual de seus colaboradores, quanto da segunda, são explicitados o conceito e o desafio
estruturação de um ambiente favorável à troca, inicial da estratégia adotada. Na terceira seção,
à transferência, à adaptação e à aplicação das é compartilhado o histórico de implantação da
ideias. Se compreendermos apenas parte do iniciativa. Na quarta seção, são compartilhadas
processo de inovação (a invenção), as práticas lições aprendidas até o momento.
adotadas para gerenciamento da inovação tam-
bém serão propensas a serem parcialmente úteis Esperamos, com isso, poder contribuir com
(Tidd, Bessant e Pavitt, 2008, p. 85) e tenderão a agenda de pesquisa de inovação no setor pú-
ao declínio com o tempo. blico (ISP). Ao compartilhar essa experiência da
Anvisa, queremos lançar luz sobre o desafio de
Para a estruturação de um modelo robusto de implantar modelos de gestão da inovação em
gestão da inovação, é determinante consolidar um organizações públicas àqueles que desejam trilhar
processo sustentável de criação colaborativa e esse caminho e contribuir com a modernização
aplicação prática de ideias no ambiente corporativo. e a melhoria dos serviços prestados à população.

1. Especialista em regulação e vigilância sanitária da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).


2. Gerente-geral de conhecimento, inovação e pesquisa da Anvisa.
2 BREVE CONTEXTO SOBRE COMO SURGIU desconhecidas ou minimamente satisfatórias
O PROJETO DA FÁBRICA DE IDEIAS (Brown, 2010).

A Anvisa, criada pela Lei no 9.782, de 26 de ja- Foi a partir dessa concepção formativa que
neiro de 1999, possui como atribuição e missão a Anvisa propôs, ainda em 2014, a criação do
proteger a saúde da população, por meio da Programa de Formação Aplicada dos Servidores
intervenção em setores de interesse sanitário da Anvisa (PFA). Esse programa pretendeu não
para redução dos riscos decorrentes da produção apenas informar sobre a inter-relação entre po-
e do uso de produtos e serviços ligados direta líticas públicas de saúde e desenvolvimento, e a
ou indiretamente à saúde das pessoas. Seu construção de uma perspectiva econômica que
foco de atuação regulatória é bastante amplo viabilizasse a percepção dos impactos regulatórios
e complexo, pois lida com o acesso a bens e nos processos produtivos do mercado industrial
serviços essenciais e o controle sanitário em da saúde, mas, sobretudo, inserir uma mudança
diversos setores da economia, que abrangem de foco nas práticas regulatórias adotadas pela
parte significativa do produto interno bruto (PIB) agência, passando de uma perspectiva endógena
brasileiro e o cotidiano de milhões de pessoas, (insulada) a uma prática interacional. Dessa forma,
não apenas no Brasil, mas também em países foram reunidos os setores regulados pela Anvisa
com os quais mantemos algum tipo de vínculo. e por outras instituições públicas de interface
com a atuação regulatória no campo da saúde
Tamanho desafio requer que a produção de pública, para debater e evidenciar as dificuldades
conhecimento e a formação de seus reguladores encontradas na interação entre atores-chave do
ocorram em um ambiente de maior convergência ecossistema de regulação sanitária.
entre os objetivos institucionais de proteção e
defesa da saúde baseada no risco; e os benefícios De forma resumida, o programa foi desenha-
sociais e econômicos advindos da intervenção do com uma abordagem de imersão, em que
estatal sob sua responsabilidade. Para tanto, o servidores participam de ciclos de palestras,
conhecimento deve se apoiar em uma concepção debates e visitas técnicas às fábricas dos setores
de desenvolvimento, que, para além da formação de alimentos, medicamentos e equipamentos
técnica, propicie uma compreensão sistêmica sobre médicos, para ter contato mais próximo com a
o papel e a atuação da agência, que estimule o realidade da regulação fora do ambiente organi-
pensamento crítico e fomente a cultura de inovação zacional. Ao final, são desafiados e estimulados
como método de trabalho para modernização da a formular propostas de melhoria da regulação,
gestão regulatória (Lopes et al., 2015). por meio de projetos de intervenção.

É preciso que agentes públicos estejam No segundo ano de realização do PFA, um


preparados não apenas com embasamento dos grupos de servidores participantes elaborou
técnico, mas também com facilidade para adotar uma proposta de intervenção em uma atividade
novas formas de pensar, agir e interagir com a de turma, originando a Fábrica de Ideias. De
sociedade. Estas novas formas são necessárias conceito simples, a proposta estava baseada
diante da tendência de complexidade crescente em um conjunto de estratégias para promover o
dos problemas a serem enfrentados pelo poder melhor aproveitamento do capital intelectual na
público para melhor atender às necessidades agência, para além dos limites da hierarquia e da
do cidadão – isto é, de forma mais responsiva departamentalização, compreendidos naquela
e com maior equidade. Isso leva a buscas de ocasião como barreiras ao desenvolvimento de
novas soluções para problemas já conhecidos ideias e soluções criativas e inovadoras para
e a novas maneiras de lidar com desafios ainda os problemas identificados durante a etapa de
não enfrentados, ou com soluções ainda imersão vivenciadas ao longo do programa. Ela

206
visava solucionar problemas percebidos pelo O objetivo era descobrir como promover o
corpo funcional, pois havia pouca interação melhor aproveitamento do capital intelectual
interna e reduzida oportunidade de socialização e possibilitar a geração e o aproveitamento de
do conhecimento, bem como insuficiência de ideias, utilizando o potencial criativo dos servi-
incentivos para atuação colaborativa em projetos dores de forma sistêmica e institucionalizada,
institucionais multidisciplinares, o que acabava para além de uma mera caixa de sugestões e
gerando distanciamento, desmotivação, falta de independente de sua unidade de lotação – ou
comprometimento e perdas no aproveitamento seja, o foco não estava restrito à qualificação do
do potencial criativo dos colaboradores internos, processo de trabalho, ele ia além, ao pretender
com desperdício de oportunidades de inovação estabelecer espaços relacionais que viabilizassem
para melhoria dos serviços públicos prestados a troca de experiência e conhecimento, para
à sociedade. assim qualificar a atividade regulatória.

Tal percepção foi confirmada na pesquisa A iniciativa foi inspirada na própria experiência
de diagnóstico interno realizada para subsidiar do PFA, que possibilitou ambiente favorável à
a elaboração do Planejamento Estratégico da interação, à reflexão e ao surgimento, embora
Anvisa, em 2015. Nesta pesquisa, mais de 75% embrionário, de uma variedade de ideias para
dos servidores avaliaram como ruim ou péssimos solucionar problemas identificados ao longo do
os mecanismos de incentivo para aplicação de programa, mas sem perspectiva de desdobra-
práticas inovadoras no processo de trabalho; e mentos efetivos após a sua finalização. A Fábrica
mais de 67%, como ruim ou péssimo o grau de de Ideias foi então idealizada como uma rede
abertura para inovação na forma com que os corporativa, criada para mobilizar o capital inte-
serviços são prestados pela agência. lectual, a fim de gerar oportunidades de inovação
no ambiente institucional de forma centrada nas
Essa realidade reforçava uma cultura burocrá- pessoas e na valorização do conhecimento e da
tica caracterizada pela gestão focada em metas criatividade, na expectativa de promover ideias
operacionais e dificultava o processo de trans- para gerar valor público e melhorar a experiência
formação do conhecimento tácito em resultados dos usuários dos serviços prestados pela Anvisa.
institucionais de forma sistêmica, sobretudo no
médio e no longo prazos. Boas ideias também Na prática, o projeto foi desenhado com quatro
costumavam concorrer com urgências e priorida- frentes de trabalho, a saber: i) fomento à cultura
des de curto prazo e acabavam se perdendo, por de inovação; ii) desenvolvimento de capacidades
falta de mecanismos apropriados e de incentivos técnicas e gerenciais para gestão do processo
para o aproveitamento do capital intelectual. de inovação; iii) criação de ambientes colabo-
rativos para cocriação de ideias; e iv) mentoria
3 CONCEITO E DESAFIO INICIAL DO para desenvolvimento de projetos inovadores.
PROJETO Com a missão de conectar pessoas para criar
soluções, os principais valores adotados para
A ideia inicial era instituir uma dinâmica que pos- nortear essa iniciativa foram conhecimento,
sibilitasse a geração e a socialização sistêmica do transparência, iniciativa, criatividade, cooperação,
conhecimento tácito no ambiente corporativo. Além relacionamento interpessoal, reconhecimento e
disso, idealizava-se proporcionar engajamento compromisso com resultados.
de pessoas motivadas pelo propósito de fazer
diferente e de aprimorar processos e práticas A abordagem metodológica utilizada na criação
em sua rotina de trabalho, como estratégia para e no desenvolvimento do projeto foi inspirada
o melhor aproveitamento do capital intelectual no design thinking e nos processos de inovação
no enfrentamento dos desafios institucionais. disseminados pelas escolas de design de Paris e

207
de Stanford, bem como no modelo generativo do iniciativa para o desenvolvimento institucional da
processo de design da IDEO, difundido por Tim Anvisa com o menor custo operacional em todos
Brown (2010). Eles se alinham ao que podemos os níveis de gestão. Para isso, foram idealizados
chamar de uma onda global de modernização arranjos matriciais com atuação colaborativa e
da gestão, marcada pela disseminação de labo- papéis diferenciados e bem definidos nos níveis
ratórios de inovação em serviços públicos em estratégico, tático e operacional para as funções
diversos países, inclusive o Brasil. de organização e funcionamento da Fábrica.

4 TIRANDO A FÁBRICA DO PAPEL: a história A governança do piloto foi composta por uma
do piloto comissão executiva, formada por representantes
da Diretoria de Gestão Institucional (Diges), da
Em fevereiro de 2016, a Fábrica de Ideias foi Assessoria de Planejamento (Aplan), da Assessoria
institucionalizada como projeto-piloto por meio de Comunicação (Ascom), da Gerência-Geral de
da Portaria Anvisa no 157, com tempo de duração Gestão de Pessoas (GGPES), da Gerência-Geral
de um ano. O objetivo de instituir o projeto como de Conhecimento, Inovação e Pesquisa (GGCIP)
um piloto visava testar em quais condições de e dos servidores idealizadores do projeto da
governança e metodologia a proposta melhor se Fábrica de Ideias. Estes cumprindo um papel
adequaria às condições culturais da organização, transversal para apoiar a Diges na coordenação
possibilitando aprendizado e oportunidade para e no acompanhamento da implementação do
refinar e validar hipóteses inicialmente idealiza- projeto-piloto.
das, bem como sua aderência às necessidades
institucionais. Como estratégia de produção, era A coordenação da gestão operacional da
necessário criar espaços e oportunidades de Fábrica ficou a cargo da GGCIP. Ela atuou
socialização e externalização do conhecimento, como secretaria executiva da comissão, além
a partir da implementação de um conjunto de de realizar o planejamento e apoiar a execu-
novas práticas e ferramentas de integração e ção, o acompanhamento e a avaliação das
compartilhamento de experiências e informa- atividades do piloto, bem como a seleção e o
ções, incentivando a inovação (Buvinich, 2013). refinamento das ideias; a definição de times
de inovação e do escopo dos projetos que
Por esse motivo, optou-se que, para a fase do seriam incubados pela Fábrica como parte
piloto, o principal lócus para fomento à inovação da experiência-piloto.
em processos e serviços prestados pela agência
se daria naquele momento, a partir das turmas Os times dos projetos selecionados eram for-
do PFA, em razão da estrutura e da dinâmica já mados por equipes multidisciplinares designadas
existentes. Isto se deu não apenas por razões para cada atividade da Fábrica, compostas por
de economicidade e sinergia, mas também por servidores de várias áreas que seriam responsáveis
serem bastante similares ao processo de inovação pelo desenvolvimento dos projetos, com foco na
preconizado pela abordagem de design thinking, criação de soluções, respeitando basicamente
o que facilitou a sua implantação, minimizando quatro papéis fundamentais, presentes no box 1.
esforços e otimizando a utilização dos recursos
institucionais já existentes. 4.1 Lançamento do projeto
O projeto também contou com uma estrutura O lançamento do projeto foi marcado por uma
de governança formalmente institucionalizada, palestra sobre experiências de inovação no setor
por meio do normativo que criou a Fábrica de público. Após, houve uma roda de conversa, no
Ideias. O desafio do modelo de governança pro- período da tarde, com o objetivo de sensibilizar e
posto foi conciliar a relevância estratégica desta promover diálogo aberto sobre a problematização

208
BOX 1
Papéis fundamentais dos times de inovação da Fábrica de Ideias
• Líder do time: é o servidor vinculado à área do projeto, com conhecimento e acesso ao líder executivo.
• Facilitador: é o servidor capacitado pela Fábrica de Ideias, com conhecimento e experiência na abordagem metodológica e nos processos
de trabalho para desenvolvimento do projeto.
• Idealizadores: são os servidores que integram o time do projeto, sendo os principais geradores de ideias. Eles podem ser lotados em
qualquer área da Anvisa.
• Time ampliado: em determinadas etapas, há possibilidade de trabalho com participação de convidados e colaboradores eventuais,
como áreas de interface, experts, monitores, mentores etc.

Elaboração dos autores.

dos temas, com ampla participação dos servidores, fatores fora da governabilidade do projeto que
inclusive na organização do evento. impossibilitaram a realização da última turma.

A fim de incentivar e engajar o público interno Ao todo, participaram sessenta servidores


no lançamento, foi necessário desenvolver um com atuação em diferentes áreas da Anvisa, e a
plano de divulgação das atividades do piloto da iniciativa resultou em um total de dez propostas
Fábrica de Ideias. Para tanto, foi realizada uma de melhoria em diversos setores da agência. As
campanha a partir de um teaser da programa- ideias geradas nas oficinas foram posteriormente
ção do evento, seguida de uma estratégia de apresentadas no concurso de ideias da Fábrica;
e-mail marketing com gamificação por meio de outra estratégia utilizada para disseminar a
recompensa. cultura de inovação e promover o engajamento
do público interno da agência durante o piloto,
Os e-mails permitiram diferentes níveis de para além dos participantes do PFA. Esse mó-
interação para instigar servidores sobre a temática dulo foi muito importante para aprendizagem e
de inovação no setor público. As recompensas desenvolvimento de capacidades técnicas do
possuíam um valor simbólico, como a entrega núcleo do projeto em relação à abordagem me-
de balões amarelos a gás nas estações de tra- todológica, bem como de processos e técnicas
balho, simbolizando o pensamento inspirador da para promover a geração e o aproveitamento de
inovação. Cada balão continha uma mensagem, ideias. Tal módulo também foi determinante para
e os destinatários recebiam um convite para a construção do modelo de gestão da inovação
participar da roda de conversa, após a palestra para o ambiente corporativo.
de lançamento do piloto.
4.3 Primeira turma de formação de gestores
4.2 Oficinas de inovação com design thinking
Após as oficinas de inovação no PFA da Anvisa,
Na sequência do lançamento, foram realizadas iniciou-se a implementação da estratégia de de-
as oficinas do PFA daquele ano. Nesse sentido, o senvolvimento de capacidades e sensibilização
terceiro módulo do programa, que era dedicado dos gestores da agência, por meio da oferta do
à produção de um projeto de intervenção para curso Inovação: Teoria e Métodos, desenvolvido
melhoria das práticas regulatórias, seria agora em parceria com servidores do Ipea. Esse curso
realizado com o apoio da Fábrica de Ideias, com foi viabilizado por intermédio de pagamento de
uso da abordagem metodológica do design gratificação por encargo de curso ou concurso,
thinking. Inicialmente, estavam previstas três regulamentada pelo Decreto no 6.114, de 15
oficinas, sendo duas com foco em temas finalís- de maio de 2007, e contou com apoio logístico
ticos e uma, em desafios de gestão, mas apenas da Escola Nacional de Administração Pública
as duas primeiras foram realizadas, devido a (Enap), vinculada ao Ministério do Planejamento,

209
Desenvolvimento e Gestão (MP). As capacitações inovadoras formuladas pelos participantes e
e oficinas realizadas tinham por diretriz o ciclo engajar outros servidores para além do PFA.
de geração de ideias (inspiração-ideação-imple-
mentação) e contaram com o uso de técnicas e A estratégia utilizada foi selecionar as pro-
ferramentas de design, como empatia, persona, postas por meio da realização de um concurso
ponto de vista, brainstorming, matriz factibilida- de ideias, com participação de servidores,
de versus resolutividade, prototipação e teste, gestores e dirigentes em diferentes etapas do
iteração, prova de conceito, canvas de inovação, processo de seleção, envolvendo diversos níveis
storytelling, pitch, entre outras. de gestão. A iniciativa também contemplou uma
etapa de premiação e reconhecimento ao final
A ideia inicial era sensibilizar gestores de áreas do processo, conforme ilustra a figura 1.
cujos servidores estariam participando do PFA,
a fim de possibilitar uma base de comunicação O concurso foi regulamento pela Portaria no
mínima para favorecer o diálogo da gramática 1.693, de 29 de agosto de 2016, e os critérios
de inovação entre servidores e suas respectivas de seleção das ideias estavam baseados nos
chefias. Essa iniciativa foi bastante importante princípios de desejabilidade, factibilidade, re-
para sensibilização do nível de gerenciamento solutividade e criatividade.
executivo da agência e contou com a adesão de
lideranças importantes da organização, como A primeira etapa (triagem preliminar) foi
adjuntos de diretores e gerentes-gerais, favore- realizada pela comissão executiva, que avaliou
cendo a obtenção de apoio inicial para o projeto. 28 ideias geradas durante as turmas do PFA,
incluindo ideias apresentadas no ano anterior
4.4 Seleção e priorização de ideias para ao concurso, em 2015, e selecionou as dez
o piloto ideias com maior alinhamento aos objetivos
estratégicos e potencial de desenvolvimento
De agosto a outubro de 2016, foi iniciada uma nova com apoio da Fábrica de Ideias.
etapa do projeto, baseada no desenvolvimento de
estratégias e rotinas para seleção das propostas Na segunda etapa (qualificação e priori-
idealizadas durante as oficinas do PFA. O objetivo zação), as dez ideias pré-selecionadas foram
era priorizar uma entre as iniciativas idealizadas apresentadas pelos seus idealizadores por
para refinamento e prototipação com apoio da meio de um vídeo de até três minutos e dispo-
Fábrica de Ideias, a fim de adquirir competências nibilizadas para votação aberta dos servidores
técnicas e gerenciais para gestão da inovação em uma plataforma de comunicação interna.
no ambiente corporativo, divulgar as iniciativas Nesta etapa, foram contabilizados 729 votos

FIGURA 1
Processo de seleção de ideias da Fábrica

Levantamento de ideias Triagem preliminar Qualificação e priorização Avaliação final


PFA 2015-2016 Comissão Executiva Votação na plataforma Seleção do piloto e premiação
Top10 Entrevistas com gestores Diretoria Colegiada

Elaboração dos autores.

210
nas ideias apresentadas, em apenas quatro Anvisa (Univisa), que já promovia regularmente
dias de votação, o que representa a proporção um prêmio de reconhecimento de propostas de
de aproximadamente 12% de engajamento de melhoria de processos no âmbito da Anvisa.
toda a força de trabalho da agência, incluindo
servidores lotados fora de Brasília.3 Atualmente, o projeto está na fase de de-
senvolvimento das ideias premiadas e avaliação
Para estimular o engajamento dos servidores, a dos resultados alcançados até o momento. Para
principal estratégia foi a construção de incentivos esse propósito, a Fábrica de Ideias tem conta-
de reconhecimento e recompensa. Os primeiros do com o apoio do Laboratório de Inovação
foram baseados em transparência e atributos que em Governo (G.NOVA), por meio de oficinas
conferem reputação, inspirados em abordagens e mentorias realizadas no âmbito da parceria
de gamificação, tais como a formação de times firmada em outubro de 2016 entre a Anvisa e
de inovação, a utilização de plataforma para a Enap. A expectativa é que os resultados mais
divulgação e votação das ideias, a identificação relevantes dessa experiência sejam alcançados
e valorização pública dos idealizadores, bem até o final de 2017.
como a realização de eventos comemorativos,
exposições etc. (Brasil, 2017). Os incentivos de 5 FABRICANDO LIÇÕES
recompensa foram baseados em premiações
financeiras e não financeiras, como previsão de Apesar de o projeto ainda estar em sua fase-piloto
pagamento de prêmio em dinheiro – obtido com e estarmos em fase de avaliação das atividades
patrocínio da associação de servidores da agência realizadas até o momento, já é possível contabilizar
–, participação em visitas técnicas e atividades resultados promissores e muitas lições apren-
de desenvolvimento da ideia selecionada, opor- didas. No que se refere ao desenvolvimento de
tunidades de capacitação e concessão de vaga capacidades técnicas e gerenciais para gestão
privativa compartilhada entre os vencedores do do processo de inovação, já foram registradas
concurso (op. cit.). 941 participações nas diversas atividades de
disseminação da cultura de inovação, além do
A terceira e última etapa (avaliação final) foi envolvimento de 39 gestores e lideranças na
a escolha da ideia vencedora pelos diretores da primeira iniciativa de formação sobre temáticas
Anvisa, realizada em sessão ordinária da direto- e abordagens metodológicas a serem utilizadas
ria colegiada. Nesta reunião, duas ideias foram no projeto, abarcando diferentes níveis de gestão
contempladas para obter o suporte da Fábrica da organização.
de Ideias por meio de protótipos a serem desen-
volvidos para refinamento e teste das propostas Também foram mobilizados sessenta servidores
idealizadas. A premiação dos idealizadores ocor- para um primeiro contato com a metodologia, que
reu na VI Semana do Conhecimento4 e contou passou a ser utilizada em caráter experimental
com apoio da Associação dos Servidores da no PFA, servindo como um protótipo funcional

3. De acordo com o regulamento aprovado, os idealizadores apresentaram suas ideias em formato de resumo, acompanhado
de um vídeo de até três minutos para a etapa de votação dos servidores. Cada servidor poderia utilizar até três votos para
selecionar as melhores ideias; todavia, nem todos que votaram os utilizaram. Estima-se que o percentual de engajamento
na etapa de votação das ideias foi superior a 12%, mas como não houve detalhamento na análise da quantidade de votos
por servidor, optou-se pelo resultado mais conservador, que considera como se todos os participantes tivessem utilizado
a totalidade dos três votos. O processo de seleção contou ainda com entrevistas com os gestores das áreas relacionadas
com o tema das ideias e avaliação da comissão executiva para priorização e seleção da diretoria colegiada da agência.
4. A Semana do Conhecimento é um evento realizado regularmente pela Anvisa, com o objetivo de promover a atualização
técnica e científica dos servidores da agência, a partir tanto da disseminação da sua produção interna quanto da catalisação
das inovações nacionais e internacionais promovidas por centros de pesquisa e outras agências reguladoras internacionais.

211
para definição do modus operandi da Fábrica na disseminação da metodologia e na incorpo-
de Ideias em suas atividades futuras. Os testes ração do modelo mental (mindset) de inovação
de reação aplicados durante as atividades da como método de trabalho. Eles foram – e são
Fábrica ao longo do piloto indicaram que 72% – a essência do processo criativo, fundamental
dos respondentes manifestaram interesse em se para a inovação acontecer.
aprofundar no tema, e que 85% recomendaram
a disseminação dessas atividades na agência, o Quanto ao objetivo citado (fomento à cultura
que sinaliza que o projeto apresenta potencial de de inovação), um importante resultado foi aferido
alinhamento com as expectativas das pessoas durante as atividades de avaliação do projeto-piloto.5
que atuam na organização e, ao menos em um Um total de 72% dos respondentes da pesquisa
primeiro momento, há boa receptividade para avaliou positivamente o impacto do projeto, e o
formação de uma cultura de inovação no am- nível de abertura para inovação nos processos
biente corporativo. de trabalho também foi bem avaliado, como bom
ou ótimo, para 55% dos respondentes, chegando
Quanto à criação de ambientes colabora- a 67% entre os que tiveram contato direto com
tivos para cocriação de ideias, ficou evidente alguma atividade do piloto. Um resultado oposto
a necessidade de organização de um espaço foi observado em 2015, no diagnóstico realizado
físico que proporcione a interação para troca antes do projeto para o planejamento estratégico
de experiências e produção colaborativa, bem da agência, quando o resultado foi avaliado como
como a promoção de estratégias relacionais para ruim ou péssimo para 62,7%.
momentos de troca de conhecimento. Durante o
piloto, foi essencial poder contar com o espaço No quesito sensibilização das lideranças em
do G.NOVA e da Enap. Para a próxima fase do relação ao conceito e à importância da inovação
projeto, foi enfatizada a necessidade de construir para a Anvisa, foi possível observar disparidade em
um espaço similar na Anvisa. relação ao perfil dos respondentes. As lideranças
que tiveram contato com o projeto foram melhor
No que se refere à mentoria para desenvolvi- avaliadas, e aqueles que não tiveram contato com o
mento de projetos inovadores, o apoio fornecido piloto, em geral, foram avaliados mais negativamente,
pelo G.NOVA e pela Enap também tem sido es- com uma diferença de 28% em relação ao outro
sencial ao processo de aprendizagem. O suporte grupo. Isso sinaliza algum tipo de ganho positivo
de instituições ou profissionais que dominem para a imagem das lideranças que dele participaram
técnicas de cocriação e fomento à inovação tem diretamente, ainda que de forma pontual.
contribuído para o empoderamento da equipe
do projeto e para que ele ganhe escala. A despeito de os resultados iniciais serem
favoráveis aos objetivos inicialmente pretendidos,
Por último, no que se refere ao fomento à ainda subsistem grandes desafios e questões a
cultura de inovação, podemos dizer que o co- serem exploradas e certamente aperfeiçoadas.
ração do projeto foi marcado pelo envolvimento O box 2 contempla uma breve síntese dos princi-
de pessoas com potencial de mobilização, que pais aspectos que têm favorecido a implantação
atuaram de forma proativa como catalisadores na dessa iniciativa na agência ao longo de sua curta,
formação de uma rede de servidores engajados porém rica, jornada.

5. O projeto-piloto está em fase de avaliação, conduzida por um pesquisador externo e com uso de diversos instrumentos,
como análise documental, entrevistas e grupo focal. Além disso, também foi realizada uma pesquisa de opinião
direcionada a todos os servidores da agência, com o objetivo de conhecer a percepção dos respondentes em relação às
atividades realizadas no projeto-piloto da Fábrica de Ideias até o momento. Foram 102 respondentes, no período de 24
de março a 4 de abril de 2017, dos quais 63% não tinham participado de nenhuma das atividades do piloto da Fábrica.

212
Consideramos importante compartilhar al- a rigidez dos processos de controle de remo-
guns dos principais desafios relativos ao piloto ções e cessões, a capacidade de utilização de
da Fábrica de Ideias, resumidos no box 3, para metodologias que promovam o entendimento
contribuir com a reflexão e a superação de do problema a partir de diversos pontos de
barreiras à inovação no setor público. vista, a riqueza da inclusão de outras visões,
a possibilidade de produção de resultados
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS por meio de processos mais descontraídos,
tudo isso tem contribuído para que o projeto
A formatação de um projeto como experiência-pi- despertasse atenção e interesse de quem
loto foi de grande valia para o amadurecimento da dele participou.
capacidade de gestão do processo de inovação
na Anvisa. Com isso, foi possível, de forma mais Nesse momento, o piloto está em fase de
segura, identificar as necessidades institucionais construção de sua estratégia de institucionalização
e perceber qual o caminho mais promissor para como processo de trabalho perene e enfrenta
a institucionalização da proposta. o desafio de ancorar um processo matricial e
coletivo em uma estrutura hierárquica. Para
Nesse sentido, a experiência tem demonstrado isso, precisaremos coordenar estratégia, comu-
que a maior demanda da agência está focada na nicação, bem como gestão do conhecimento,
inovação de seus processos internos de trabalho. de pessoas e de processos organizacionais de
Apesar do potencial de desenvolvimento de forma harmônica e integrada.
inovações em serviços – e, consequentemente
,no processo de regulação em si –, é para dentro Na Fábrica de Ideias há uma máxima que
que a agência tem demandado que a estratégia ilustra a missão do projeto: conectar pessoas
de inovação seja direcionada nesta fase inicial, para encontrar soluções. É dessa maneira que
mais focada no campo da modernização da esperamos prosseguir no desenvolvimento do
gestão e do fomento à cultura de inovação e projeto em sua nova etapa. Que o compartilha-
não da geração de inovações em si. mento dessa experiência também possa contri-
buir para inspirar outras iniciativas capazes de
A possibilidade de troca de experiências conectar e gerar novas ideias e soluções ainda
na própria instituição e de aproveitamento melhores para promover a inovação no setor
de expertises internas de maneira fluida sem público. Siga em frente, vamos inovar!
BOX 2
Aspectos favoráveis à implantação do projeto na Anvisa
• Início de uma nova liderança na área de gestão institucional da agência.
• Alinhamento de propósitos com a agenda estratégica e as prioridades de gestão.
• Apoio institucional da alta direção.
• Tecnologia e métodos de baixo custo e fácil incorporação.
• Receptividade e engajamento do corpo técnico e gerencial.
• Referencial de uso de práticas de inovação na experiência internacional.
• Formação nacional de uma agenda de modernização da gestão e da rede de inovação no setor público.
• Sinergia e alinhamento com iniciativas já em andamento para eficiência e redução de esforços.
• Implantação gradual em ambiente controlado por meio de piloto antes de gerar escala.
• Uso da abordagem de inovação para desenvolvimento, acompanhamento e avaliação do próprio projeto.
Elaboração dos autores.

213
BOX 3
Principais desafios relativos ao projeto da Fábrica de Ideias
• A cultura burocrática de agentes públicos pode prejudicar ou desencorajar iniciativas e práticas inovadoras no ambiente organizacional.
• A confusão entre o processo de gestão da inovação com escritório de projetos, processos, gestão da qualidade ou planejamento es-
tratégico, delimitando seu espaço como lócus para promover e apoiar a geração, a experimentação e a validação de ideias para testar
práticas inovadoras e minimizar incertezas inerentes ao processo de inovação.
• A necessidade de ampliar a cobertura das iniciativas de formação de competências técnicas e gerenciais, para que a gestão do processo
de inovação ocorra de forma sustentável.
• A criação de incentivos e estratégias de engajamento do nível intermediário de gestão, para evitar barreiras de mobilidade no apro-
veitamento do capital intelectual; geralmente restrito aos departamentos que são pressionados por uma visão imediatista, devido
à escassez de recursos humanos e à necessidade de cumprimento de metas operacionais de desempenho junto a seus superiores.
• A criação de oportunidades para geração de ideias, com o intuito de desenvolver um modelo de gestão da inovação não é suficiente.
Também é preciso institucionalizar uma sistemática de avaliação e apoio à implantação de ideias, que promova mudanças com per-
cepção de valor para o contexto organizacional.
• A institucionalização e a ampliação de mecanismos de reconhecimento e recompensa no serviço público como incentivo de alta per-
formance, para geração de ideias inovadoras para além das metas e das tradicionais avaliações de desempenho.
• Os critérios e toda a sistemática de avaliação devem ser transparentes e consistentes para gerar credibilidade e engajamento junto aos
idealizadores ao longo do tempo.
• O desenvolvimento de estratégias para incorporação e disseminação das abordagens metodológicas como método de trabalho, a fim
de gerar escala no processo de gestão da inovação após o piloto. Atualmente, o conhecimento encontra-se relativamente centralizado e
baseado na colaboração voluntária de profissionais engajados como disseminadores do projeto em diferentes unidades da organização,
por não dispor de estrutura própria – inclusive física – para ampliar sua capacidade de resposta, o que foi temporariamente mitigado
por meio de parceria firmada com o G.NOVA.
• A interação intragovernamental nas iniciativas de inovação ainda é incipiente – para não dizer quase inexistente – e não ocorre de forma
sistemática e fluida, o que limita a capacidade de aproveitamento do capital intelectual do próprio poder público. Isto também ocorre
nos departamentos internos das organizações públicas, incluída a Anvisa.
• A necessidade de idealizar mecanismos de inovação aberta que possibilitem segurança jurídica e maior interação com a sociedade para
fortalecimento da empatia entre agentes públicos e cidadãos, além de ampliação do potencial de inovação para além das fronteiras
institucionais, sem colocar em risco questões relativas a um provável conflito de interesses.
• A falta de precedentes ou um marco jurídico muito claro com relação aos órgãos e mecanismos de controle frente aos projetos de inova-
ção. Isto pode limitar o nível de risco assumido pelos agentes públicos devido à possibilidade de erros em menor escala e, consequen-
temente, o grau de inovação dos projetos e seus resultados – mesmo por aqueles que compreendem os ganhos do modelo de gestão
da inovação –, justamente para minimizar eventuais impactos negativos de políticas públicas ou programas imperfeitos ou limitados.

Elaboração dos autores.

REFERÊNCIAS DEMOCRACIA, POLÍTICAS PÚBLICAS – ENCON-


TRO INTERNACIONAL UNESP, 2013, Araraquara,
BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitá- São Paulo. Anais... Araraquara: Unesp, 2013. v. 1.
ria. Relatório de registro e sistematização do
desenvolvimento do projeto de inovação da LOPES, A. V. et al. Novas perspectivas de apren-
Fábrica de Ideias. Brasília: Anvisa, 2017. No prelo. dizado em regulação: a experiência do Programa
de Formação Aplicada dos Servidores da Anvi-
BROWN, T. Design thinking: uma metodologia sa. In: BRASIL. Agência Nacional de Vigilância
poderosa para decretar o fim das velhas ideias. Sanitária. Programa de Formação Aplicada:
Tradução de Cristina Yamagami. Rio de Janeiro: regulação no divã. Brasília: Anvisa, 2015.
Elsevier, 2010.
TIDD, J.; BESSANT, J.; PAVITT, K. Gestão da
BUVINICH, D. P. R. O mapeamento da institucionali- inovação: integrando tecnologia, mercado e
zação dos conselhos gestores de políticas públicas mudança organizacional. 3. ed. Porto Alegre:
nos municípios brasileiros. In: PARTICIPAÇÃO, Bookman, 2008.

214
CAPÍTULO 11
INCENTIVOS A STARTUPS NO BRASIL: os casos
do Startup Brasil, InovAtiva e InovApps
Luanna Sant’Anna Roncaratti1

1 INTRODUÇÃO 1
a popularização da internet e de tecnologias
móveis favoreceu e acelerou o processo de
As últimas décadas foram marcadas por in- criação e adoção de novas tecnologias.
tensas transformações e uma impactante re-
volução tecnológica. A internet promoveu im- De acordo com Rammer e Müller (2012), a
portantes mudanças no modo como vivemos experiência do Vale do Silício e a observação
atualmente, principalmente no que se refere de que um alto nível de atividade de startups
às nossas formas de comunicação, interação caminha paralelamente ao progresso econô-
e obtenção de informações. Nesse contexto, mico na atualidade orientaram inúmeros países
o tema da inovação ganha destaque, sinali- a estabelecerem uma ampla gama de progra-
zando que o conhecimento e a inovação de- mas de apoio a startups e pequenas e médias
sempenham um papel essencial nas econo- empresas. Para Pena e Mazzucato (2016), o
mias contemporâneas. sucesso do Vale do Silício se deve à habilidade
que essas organizações têm de aceitar o risco
O papel que o governo e as políticas pú- e a incerteza que existem em toda a cadeia de
blicas devem desempenhar nesse cenário inovação, estando dispostas a experimentar e
também se torna relevante. Para Pena e Ma- aprender a partir de tentativas e erros.
zzucato (2016), vários países estão buscando
alcançar um crescimento econômico que seja A partir dos anos 2000, surgem e propagam-
inteligente (guiado pela inovação), inclusivo e -se por inúmeros países políticas voltadas para
sustentável. Tal objetivo requer que o gover- incentivar as startups e a inovação com base
no e as políticas públicas, com relação à eco- nessas empresas. Iniciativas desse tipo foram
nomia, tenham o papel catalisador de criar e observadas em diversos países, como: Estados
“moldar” mercados por meio de parcerias pú- Unidos, Israel, Chile, Colômbia, Coreia do Sul,
blico-privadas dinâmicas. Singapura, Índia, União Europeia, Hungria, Irlan-
da, Lituânia, Áustria, Portugal, entre outros.
No atual cenário de inovação e revolução
tecnológica, as startups surgem como ato- No Brasil, programas recentes foram lan-
res relevantes e uma das principais fontes de çados para incentivar startups em diversos ní-
inovação. Conforme Kon et al. (2014), grande veis de governo e por diferentes organizações.
parte das inovações surgidas, no século XX, Além do Distrito Federal, podemos citar os
na indústria de alta tecnologia, era gerada seguintes estados que fazem parte de progra-
em médias e grandes empresas. Entretanto, mas de incentivo: São Paulo, Santa Catarina,

1. Especialista em políticas pública e gestão governamental em atuação no Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (MP).
Minas Gerais, Rio de Janeiro e Maranhão. No documentos oficiais e nos dados levantados a
governo federal, há várias iniciativas operadas partir de relatos e entrevistas com os gestores
por ministérios, por bancos públicos – Caixa responsáveis pelas respectivas iniciativas.
Econômica Federal (CEF) e Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (BN- 2 TIPOLOGIA E INSTRUMENTOS DE
DES) – e pela Agência Brasileira de Desenvol- INCENTIVO DE STARTUPS
vimento Industrial (ABDI), cada uma delas com
desenho, objetivos e instrumentos específicos. Os conceitos e definições de startups são
variados. Blank e Dorf (2012 apud Kon et al.,
Este capítulo tem como objetivo analisar 2014) definem startup como uma organização
e comparar três iniciativas do governo fede- temporária em busca de modelo de negócio
ral brasileiro, desenhadas e executadas pela escalável, repetitivo e lucrativo. Já para Ries
administração direta, ou seja, ministérios, que (2012), startup é um empreendimento huma-
tiveram como foco o incentivo ao empreende- no formado para criar novos produtos e servi-
dorismo e ao desenvolvimento tecnológico a ços em condições de extrema incerteza. Por
partir de startups: isso são utilizadas metodologias ágeis de de-
senvolvimento de produtos, que buscam evitar
• o programa Startup Brasil, implementado desperdício de esforços e retrabalho, sendo
pelo então Ministério da Ciência, Tecno- rápidas, adaptativas, aproximando o cliente
logia e Inovação (MCTI); do processo de desenvolvimento, que envolve
entregas incrementais, frequentes, periódicas
• o programa InovAtiva, executado pelo e funcionais. O processo de uma startup se
então Ministério do Desenvolvimento, In- adapta às necessidades das pessoas, e não
dústria e Comércio Exterior (Mdic); e o contrário. A competência, a colaboração, a
autonomia e a auto-organização são caracte-
• o programa InovApps, implementado pelo rísticas valorizadas e necessárias nessas em-
então Ministério das Comunicações. presas.

A seleção dessas iniciativas justifica-se por Nem todas as startups, porém, são pareci-
terem começado quase paralelamente entre das, e cada uma delas demanda estratégias
os anos 2012 e 2014, com objetivos próximos, de desenvolvimento e incentivos específicos.
e por serem conhecidas como experiências Rammer e Müller (2012) apresentam uma ti-
inovadoras nesse campo. Este capítulo busca- pologia para a compreensão e a classificação
rá apresentar e comparar os aspectos centrais da ampla gama de startups existentes, confor-
de cada iniciativa, incluindo os seus objetivos, me a seguir.
os instrumentos de incentivo utilizados, os ar-
ranjos e as parcerias construídas para viabili- 1) Empresas baseadas em nova tecnologia
zar os programas, os seus eventuais elementos (new technology-based firms – NTBFs),
de mudança ou inovação, bem como os desa- isto é, em novos procedimentos para a
fios enfrentados e as lições aprendidas. produção de bens e serviços (como Goo-
gle, Amazon), e caracterizadas por alta
Para tanto, será utilizada como referên- intensidade de conhecimento.
cia a classificação de startups e instrumentos
de incentivos do estudo de Rammer e Müller 2) Startups baseadas em oportunidade:
(2012). A metodologia utilizada será essen- são empresas lançadas por pessoas
cialmente qualitativa, considerando as espe- que querem explorar uma oportunida-
cificidades de cada caso, baseando-se nos de de mercado. Muitos dos fundadores

216
dessas startups são ex-funcionários • fase de expansão – compreende o perío-
que identificaram novas ideias de ne- do posterior ao lançamento bem-sucedi-
gócios, mas não foram capazes de ex- do de um produto no mercado, em que o
plorá-las plenamente em suas empre- volume de produção é aumentado para
sas anteriores. uma escala ótima.

3) Copycat startups (ou startups de imita- Rammer e Müller (2012) destacam que,
ção): são empresas motivadas principal- como qualquer ferramenta de política pública,
mente pelo desejo de seus fundadores de a promoção de startups não pode simplesmen-
trabalhar por conta própria e caracteriza- te se justificar pela existência delas mesmas.
das pela imitação de ideias de negócio de Se as atividades do setor privado resultarem
empresas existentes. Normalmente, não em um número e uma composição ideais de
se baseiam em qualquer nova tecnologia, startups para toda a economia, não há neces-
nem tentam explorar uma oportunidade sidade de intervenções políticas, porém não é
de mercado, sendo frequentemente en- uma tarefa simples determinar se existem pou-
contradas em setores nos quais os custos cas ou muitas startups em uma economia, ou
de começar um negócio são baixos, como qual seria a composição ótima dos seus dife-
comércio e outros serviços orientados rentes tipos. Em geral, assume-se que há muito
para o consumidor. poucas startups nos países desenvolvidos, en-
quanto nos países em desenvolvimento o pro-
4) Startups impulsionadas pelo desemprego blema não seria tanto a falta de startups, mas
e outras necessidades de seus fundado- o número desproporcionalmente alto de em-
res: são normalmente estabelecidas em presas surgidas por necessidade em compa-
setores com baixas barreiras de entrada e ração com aquelas baseadas em oportunidade
baixos requisitos de qualificação. e NTBFs. Considerando esses fatores, há dife-
rentes objetivos e estratégias envolvidos nesse
As iniciativas e os instrumentos de incenti- campo de política pública, como: i) a criação de
vo a startups usualmente levam em conta suas novos empregos e a redução do desemprego;
diferentes fases de maturação. O processo de ii) o aumento da competição e da eficiência do
estabelecimento de um novo negócio costuma mercado; iii) a promoção da inovação e o de-
ser dividido em quatro estágios, cada um com senvolvimento de novas tecnologias; iv) a ace-
desafios específicos: leração de mudanças estruturais na economia;
e v) o desenvolvimento econômico local.
• fase da ideia – os empresários identificam
oportunidades para um negócio e deci- No mesmo trabalho, os autores oferecem
dem se envolver na atividade empresarial; um panorama dos instrumentos de promoção
de startups em uso nos países da Organização
• fase semente – os empresários avaliam para a Cooperação e Desenvolvimento Econô-
o mercado, desenvolvem um modelo de mico (OCDE). Eles podem ser agregados em
negócio e identificam os aspectos essen- quatro tipos principais, conforme a seguir.
ciais necessários para executá-lo;
1) Apoio financeiro: envolve recursos para
• fase startup – estabelecimento do negó- desenvolvimento de ideias e produtos,
cio, incluindo a criação oficial da empresa, empréstimos, garantias, provisão de
a contratação de funcionários, o aluguel capital de risco, isenções ou descontos
de escritório ou de espaço de produção e fiscais ou de contribuições sociais para
a aquisição de equipamentos; e novos negócios.

217
2) Consultoria: inclui aconselhamento legal incubadoras e parques científicos que
e de gestão sem custos; infraestrutura, mostrem aos estudantes as oportunida-
como centros para startups com espaço des e os desafios de executar um negócio;
e serviços baratos para novos negócios; e treinamento em habilidades negociais.
apoio mercadológico, como feiras para
apresentar novos negócios e ajuda para 3 STARTUP BRASIL
entrar em mercados externos; e apoio
para redes de investidores-anjo e para a O Startup Brasil,2 Programa Nacional de
cogestão de startups. Aceleração de startups, foi instituído em
2012 pelo MCTI, com o objetivo de apoiar
3) Construção de modelos: podem ser prê- o desenvolvimento de startups, entendidas
mios para startups bem-sucedidas; com- como empresas principiantes de base tec-
petições de planos de negócios que es- nológica, que atuem nas áreas de software,
timulem outros a segui-los; e atividades hardware e serviços de tecnologia da infor-
e campanhas para aumentar a atenção mação (TI), ou ainda startups que se pro-
pública e promover a importância do em- ponham a utilizar essas tecnologias como
preendedorismo. elementos do seu esforço de inovação.
A iniciativa foi uma das dez premiadas pela
4) Treinamento: podem ser atividades em 20a edição do Concurso Inovação em Ges-
universidades para melhorar as condi- tão Pública Federal da Escola Nacional de
ções para estudantes iniciarem negócios; Administração Pública (Enap).3

QUADRO 1
Principais elementos do Startup Brasil
Nome da iniciativa Startup Brasil
Responsável pelo desenho e adoção da iniciativa Governo federal – MCTI
Apoiar o desenvolvimento de startups que atuem nas áreas de
software, hardware e serviços de TI, ou ainda startups que se
Objetivo declarado
proponham a utilizar essas tecnologias como elementos do seu
esforço de inovação.
Objetivo estratégico Promoção da inovação e desenvolvimento de novas tecnologias.
Ano de implantação 2012.
Empresas baseadas em nova tecnologia, startups baseadas em
Tipo de startup incentivada
oportunidade.
Estágio do estabelecimento do negócio promovido Semente e startup.
Apoio financeiro por meio de recursos não reembolsáveis (bolsas) e
Tipo de instrumento investimentos em capital de risco (equity), aconselhamento legal e de
gestão, infraestrutura, apoio de marketing e acesso a mercados.
Montante financeiro por projeto ou startup aportado pelo governo R$ 200 mil.
Investimentos em capital de risco e aconselhamento/mentoria de
Participação da iniciativa privada ou do setor acadêmico
aceleradoras.
(Continua)

2. Informações sobre o programa estão disponíveis no portal: <http://startupbrasil.org.br/>.


3. O programa recebeu alguns outros reconhecimentos, tendo sido i) selecionado como uma das cinco iniciativas que mais contribuíram
para o ecossistema de startups do Brasil em 2013 e 2014, em eleição promovida pelo Startupi (principal blog de startups do país); e
ii) citado como boa prática internacional de acesso a investimento em estudo elaborado pela Ernst & Young sobre empreendedorismo
para a juventude. Também foi apresentado no Startup Nations Summit 2014, na Coreia do Sul, e considerado inspiração para a criação
do programa do governo de Buenos Aires com aceleradoras.

218
(Continuação)
Nome da iniciativa Startup Brasil
Construção de arranjo entre entidades públicas e privadas para a
aceleração das empresas, ofertando recursos financeiros diretos
Inovação ou diferencial da iniciativa
não reembolsáveis, investimentos das aceleradoras, capacitação,
mentoria e conexão com clientes, investidores e outras startups.
i) Escassez de pessoal especializado; ii) regras para contratação na
Desafios encontrados administração pública; iii) concentração regional de aceleradoras e
projetos; iv) mudanças políticas; e v) restrições orçamentárias.
Elaboração da autora.

Para formular o programa, o MCTI realizou • bolsas de pesquisa, desenvolvimento e


pesquisa que identificou três fatores que limi- inovação, oferecidas pelo Conselho Na-
tavam o desenvolvimento dessas empresas: i) a cional de Desenvolvimento Científico e
necessidade de os empreendedores dividirem Tecnológico (CNPq), no valor de até R$
seu tempo entre a startup e outras atividades 200 mil, para os empreendedores (líderes
profissionais; ii) a dificuldade em atrair e reter das startups) e para a atração de recursos
talentos; e iii) o pouco conhecimento do mer- humanos;
cado-alvo. Esse estudo ajudou os formulado-
res do programa a compreenderem que, para • apoio (aceleração) de aceleradoras situa-
incentivar startups e aumentar sua taxa de das no país e qualificadas pelo programa,
sucesso, seria necessário que combinassem o incluindo orientação (mentoria), espaço
aporte de recursos financeiros para atração de de trabalho, conexões, serviços de negó-
talentos e o auxílio no acesso ao mercado. cios, acesso a mercado e a investidores e
investimento de capital em troca de uma
Além disso, o programa levou em conta o participação no capital da startup;
novo modelo de apoio a startups, surgido nos
Estados Unidos, em 2005, que ia além dos • acesso a escritórios internacionais em
modelos existentes à época (incubadoras de São Francisco, Nova Iorque e Singapura,
empresas), combinando a oferta de capital- por meio das parcerias;4 e
-semente com um programa de capacitação e
mentoria por meio de aceleradoras de empre- • participação nos eventos de apresen-
sas. A figura da aceleradora surge como um tação para investidores no Brasil e no
agente fortemente orientado ao mercado, ge- exterior (Demodays).
ralmente de origem privada e com capacidade
de investimento financeiro, que tem a função No período de 2013 a 2015, foram apoia-
de direcionar e potencializar o desenvolvi- das quatro turmas em duas edições anuais,
mento das startups. com recursos públicos no montante total de
R$ 34 milhões. O Startup Brasil recebeu 2.855
O programa Startup Brasil foi então lan- inscrições de 24 estados e mais de 57 países.
çado em 2012, dispondo de um conjunto de Das inscritas, 183 empresas de dezessete es-
instrumentos às startups selecionadas durante tados e treze países foram selecionadas para
um período de doze meses, incluindo: receber o apoio do programa.

4. Essas parcerias foram promovidas pelo programa por meio da Associação para Promoção da Excelência do Software Brasileiro
(Softex), da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) e do Ministério das Relações Exteriores
(MRE).

219
A principal inovação do programa, segun- para a formulação e a execução da iniciativa, e
do seus próprios gestores, foi a construção de contratação de Oscip, a Softex, por meio de
de um arranjo institucional complexo entre termo de parceria para a gestão operacional
entidades públicas e privadas para a ace- do programa. Outra dificuldade encontrada se
leração de empresas principiantes de base referiu à concentração regional de acelerado-
tecnológica, ofertando recursos financeiros ras e projetos, que estavam majoritariamente
diretos e não reembolsáveis, na forma de bol- reunidas na região Sudeste. Por fim, o progra-
sas de pesquisa, desenvolvimento e inovação ma também encontrou desafios resultantes
(PD&I), investimentos por parte das acele- das mudanças estruturais pelas quais o MCTI
radoras, bem como capacitação, mentoria e passou no período 2015-2016, e das restri-
conexão com clientes, investidores e outras ções orçamentárias que impactaram a regula-
startups. Nesse arranjo, o governo federal e as ridade no lançamento dos editais do programa.
aceleradoras atuam como coinvestidores nas
startups apoiadas, sendo o recurso público Como lições aprendidas, os gestores citam
não reembolsável, e o privado, investimento a importância da parceria entre o governo e
direto. As aceleradoras conectam as startups a iniciativa privada para o sucesso do progra-
com potenciais investidores e, como sócias ma, tanto por meio das aceleradoras como por
da startup, são remuneradas apenas quando meio de pessoas experientes em startups que
a participação acionária no capital da empre- integraram a equipe de operações do progra-
sa for vendida no futuro. ma. Os gestores também ressaltam a relevân-
cia de metodologia própria, que envolveu a
Além da parceria com as aceleradoras, o clara separação das atribuições das equipes
programa contou com o envolvimento de ou- envolvidas no programa: i) à equipe do minis-
tros órgãos, entre os quais: i) uma organização tério cabiam a coordenação, o planejamen-
da sociedade civil de interesse público (Oscip), to, a alocação e a priorização de recursos; ii)
a Softex, instituição responsável pela gestão à equipe do CNPq, a realização do fomento,
operacional do programa, e de outros órgãos com a seleção dos beneficiários e o repasse de
públicos federais; ii) o MCTI; iii) a Apex-Brasil; recursos; e iii) à equipe da Softex, o acompa-
iv) o CNPq; e v) o MRE. nhamento e a articulação com aceleradoras e
startups beneficiadas.
Os principais desafios encontrados na exe-
cução do programa foram a escassez de pes- 4 INOVATIVA BRASIL
soal na equipe técnica do ministério com ex-
pertise e preparo para trabalhar com esse setor O programa InovAtiva Brasil,5 lançado pelo
bastante especializado e as restrições das re- Mdic, foi um dos premiados pela 19a edição
gras para contratação de equipes flexíveis e do Concurso Inovação em Gestão Pública Fe-
com capacidade para operar o programa. Com deral da Enap. O programa teve sua edição-
isso, o ministério teve de lançar mão de con- -piloto lançada em 2013 e se volta para a ca-
sultorias, contratadas por meio de projeto de pacitação e a mentoria em larga escala para
cooperação técnica com a Organização das startups, entendidas como negócios inovado-
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a res em desenvolvimento ou nos seus primeiros
Cultura (Unesco), para contratar profissionais anos de vida.

5. Informações sobre o programa estão disponíveis em: <http://www.inovativabrasil.com.br/>.

220
QUADRO 2
Principais elementos do InovAtiva Brasil
Nome da iniciativa InovAtiva Brasil
Responsável pelo desenho e adoção da iniciativa Governo federal – Mdic
Capacitação e mentoria em larga escala para startups, entendidas
Objetivo declarado como negócios inovadores em desenvolvimento ou nos primeiros
anos de vida.
Criação de novas oportunidades de trabalho e aceleração de
Objetivo estratégico
mudanças estruturais na economia.
Ano de implantação 2013.
Empresas baseadas em nova tecnologia, startups baseadas em
Tipo de startup incentivada oportunidade, copycat startups e startups impulsionadas por
necessidades.
Estágio do estabelecimento do negócio promovido Ideia e semente.
Treinamento, aconselhamento legal e de gestão, apoio de marke-
Tipo de instrumento
ting e acesso a mercados.
Montante financeiro por projeto ou startup aportado pelo governo Não oferece recursos financeiros.
Instituições públicas e privadas, órgãos do terceiro setor e executi-
Participação da iniciativa privada ou do setor acadêmico
vos ofertam gratuitamente serviços e orientação para startups.
Uso intensivo de tecnologia da informação para oferecer serviços
e construção de rede colaborativa entre atores de diferentes
Inovação ou diferencial da iniciativa
segmentos, ofertando capacitação, mentoria, aconselhamento e
conexão com clientes, investidores e outras startups.
i) Comprovação do conceito do programa; ii) atração de mentores
Desafios encontrados voluntários; iii) escassez de pessoal especializado; e iv) regras
para contratação na administração pública.
Elaboração da autora.

O InovAtiva busca alcançar empreendedores • fortalecer a conexão dos melhores proje-


que dispõem de conhecimento técnico e de tec- tos com outras iniciativas públicas e pri-
nologias interessantes, mas que possuem difi- vadas de fomento ao empreendedorismo
culdades e pouca experiência em gestão, estru- inovador;
turação de negócios, modelagem financeira etc.
Para tanto, inspirou-se no modelo do Vale do • formar uma rede de mentores em nível
Silício para preencher essas lacunas do merca- nacional e internacional, disponibilizada,
do brasileiro, oferecendo capacitação e contato também, para outras iniciativas do gover-
com mentores experientes para auxiliar os em- no; e
preendedores em fase inicial de seus negócios.
• conectar todos os atores (usuários, em-
Os objetivos essenciais do programa são: preendedores, mentores, investidores)
numa rede virtual perene e ativa.
• capacitar e acelerar, em larga escala, em-
preendedores de negócios de alto impac- O acesso ao conteúdo do programa é fei-
to, com a maior qualidade possível, gra- to pela internet na modalidade de cursos do
tuitamente, onde quer que eles estejam; tipo massive on-line open courses (Mooc),6

6. Tipo de curso aberto ofertado por meio de ambientes virtuais de aprendizagem, ferramentas da Web 2.0 ou redes sociais que
visam oferecer para um grande número de alunos a oportunidade de ampliar seus conhecimentos num processo de coprodução.

221
por meio de uma plataforma que reúne ma- os gestores se articularam com instituições
terial em vídeos e textos focados em práticas públicas e privadas, órgãos do terceiro setor
empresariais. Os empreendedores interessa- e entidades de apoio ao empreendedorismo e
dos podem acessar todo o conteúdo de ca- à inovação, conseguindo criar uma rede cola-
pacitação e submeter projetos, sendo os me- borativa em que executivos doam seu tempo
lhores selecionados para participar das fases para ajudar empreendedores e startups que
semipresenciais do programa, com mentoria estão iniciando seus trabalhos.
e atendimento individualizado com consulto-
res e executivos para preparar a empresa para Alguns desafios importantes foram encon-
estruturação do modelo de negócios, apresen- trados na gestão do programa. O primeiro se
tação a investidores e acesso a instrumentos referiu à formulação do programa e à com-
públicos de fomento. provação do seu conceito, tanto interna como
externamente ao ministério, junto aos agentes
O InovAtiva tem conseguido atender a uma do mercado, já que a ideia de mentoria predo-
demanda crescente de projetos desde 2013, minante à época era que deveria ser pequena
totalizando 7.464 projetos já apresentados ao e não poderia ser feita em larga escala. O se-
programa, dos quais 1.205 foram selecionados gundo desafio se referiu a atrair empresários
para a etapa 1. As empresas que tiveram pro- reconhecidos para atuarem como mentores
jetos selecionados foram atendidas com dois voluntários no programa, o que impôs a ne-
meses de mentoria individual, além de cursos cessidade de uma seleção e preparação de
de capacitação on-line e a possibilidade de startups de alto nível e a manutenção de uma
participar de um evento presencial de mento- complexa operação para garantir a qualidade
ria e treinamento. Desse grupo, foram filtradas e o reconhecimento do programa. O outro de-
415 startups finalistas, que, então, apresenta- safio se referiu às normas de contratação da
ram seu negócio a investidores e grandes em- administração pública brasileira, que oferece
presas no Demoday InovAtiva. Startups ace- pouca flexibilidade para a atração e a incor-
leradas são apenas aquelas que completam o poração de talentos e expertises específicas.
ciclo, mas todas as que participam da primeira A equipe técnica envolvida no programa não
etapa são consideradas beneficiadas pela ini- dispunha das competências necessárias para
ciativa, que não oferece o repasse de recursos formatá-lo e executá-lo com todas as especi-
financeiros para os projetos apoiados. ficidades requeridas. Para tanto, o ministério
teve de se articular com empresários e or-
O programa trouxe inovações7 ao utilizar ganizações privadas, por meio de convênios
intensamente a tecnologia para expandir o al- e consultorias contratadas a partir de proje-
cance e o impacto, democratizando o acesso to de cooperação com a Unesco. A equipe
da informação de nível mundial, a mentoria e também enfrentou dificuldade para desen-
as conexões para empreendedores de qual- volver ou incorporar uma plataforma on-line
quer lugar do Brasil. Com o uso de internet, capaz de suportar a capacitação em larga
eles podem estar em qualquer lugar do mundo escala pretendida. Em decorrência, os ges-
e utilizar Skype, Google Hangouts ou qualquer tores tiveram de buscar formas alternativas
outra ferramenta de contato. Outro elemento de contratação para viabilizar a atração das
inovador do InovAtiva foi a articulação insti- competências e a incorporação de soluções
tucional desenvolvida para a viabilização do necessárias, o que produziu complexidade à
projeto. Para que o programa se concretizasse, execução do programa.

7. Segundo as informações apontadas pelo Mdic no documento disponível em: <https://goo.gl/XEKRxm>.

222
Os gestores do programa destacaram três O concurso surge após o Programa Nacional
lições aprendidas: i) a necessidade de dispor de Banda Larga (PNBL), criado pelo Decreto no
de formas de contratação flexíveis e de dispo- 7.175/2010, com o objetivo principal de massi-
nibilidade de recursos para testar e validar o ficar o acesso à internet em banda larga no país,
conceito do programa; ii) a absorção do mo- compondo a Política Nacional para Conteúdos
delo de gestão das startups, mais ágil e enxuta, Digitais Criativos do Ministério das Comunica-
para a gestão do programa em si; e iii) a im- ções. Essa política complementava o foco em
portância da comunicação próxima com o pú- infraestrutura e acesso à internet e tinha o obje-
blico-alvo, incorporando as novas tendências tivo de apoiar o desenvolvimento de aplicativos
tecnológicas, como o Whatsapp, nesta tarefa. e conteúdos nacionais para dispositivos digitais,
estimulando pequenos desenvolvedores e em-
5 INOVAPPS presas da área da economia criativa. A iniciativa
alinha-se também à política nacional de uso de
O Ministério das Comunicações lançou, em software livre, com a previsão de que smartpho-
2014, o Concurso INOVApps,8 com o objetivo nes beneficiados com isenção fiscal tenham um
de apoiar o desenvolvimento de aplicativos e pacote mínimo de aplicativos nacionais embar-
jogos sérios9 de interesse público para disposi- cados, e à necessidade de se gerarem conteú-
tivos móveis e TVs digitais conectadas. dos para equipamentos de TV digital.

QUADRO 3
Principais elementos do InovApps
Nome da iniciativa InovApps
Responsável pelo desenho e adoção da iniciativa Governo federal – Ministério das Comunicações
Apoiar o desenvolvimento de aplicativos e jogos sérios de interesse
Objetivo declarado
público para dispositivos móveis e TVs digitais conectadas.
Promoção da inovação e desenvolvimento de novas tecnologias e
Objetivo estratégico
aumento da competição e da eficiência do mercado.
Ano de implantação 2014.
Empresas baseadas em nova tecnologia, startups baseadas em
Tipo de startup incentivada
oportunidade.
Estágio do estabelecimento do negócio promovido Ideia e semente.
Tipo de instrumento Apoio financeiro, por meio de recursos não reembolsáveis.
Montante financeiro por projeto ou startup aportado pelo governo R$ 100 mil na primeira edição e R$ 50 mil na segunda edição.
Instituições do setor acadêmico participam do processo de sele-
Participação da iniciativa privada ou do setor acadêmico
ção de projetos e execução da iniciativa.
Apoia ideias e projetos, promovendo o desenvolvimento e a
incorporação de soluções de utilidade pública em dispositivos
Inovação ou diferencial da iniciativa
móveis, viabilizando a disponibilização gratuita dos produtos para
os cidadãos.
i) Comprovação do conceito do programa; ii) escassez de pessoal
Desafios encontrados especializado; iii) regras para contratação na administração públi-
ca; e iv) mudanças políticas.
Elaboração da autora.

8. Informações disponíveis em: <https://goo.gl/VAZ4m8>.


9. Jogos sérios são definidos como jogos que, desenvolvidos a partir dos processos usuais de game design, têm como objetivo principal
a transmissão de conteúdos de cunho educacional e informativo, visando à aplicação em contextos externos ao jogo.

223
Os objetivos específicos do InovApps são: se tornaram mais acessíveis após o PNBL.
i) fomentar nacionalmente a produção e a pro- As propostas de projetos submetidas à ava-
moção de novos aplicativos e jogos eletrônicos; liação deviam estar enquadradas em um dos
ii) difundir o uso e o desenvolvimento de sof- seguintes temas: educação/ensino; saúde;
tware livre e de código aberto, como um novo mobilidade urbana; segurança pública; aces-
modelo de negócios; iii) fortalecer as políticas sibilidade/direitos humanos; aferição da qua-
públicas do governo federal de incentivo a con- lidade de serviços e políticas públicas; as-
teúdos digitais criativos; iv) promover e elevar sistência social; cultura; direitos e defesa do
a qualidade da produção científica e tecnoló- consumidor; melhoria da gestão no setor pú-
gica relacionada com aplicativos e jogos digi- blico; turismo e grandes eventos; tratamento
tais voltados para cenários pedagógicos; e v) de indicadores de políticas públicas (dados
potencializar a criação de novas empresas de abertos); participação social; trabalho e ren-
aplicativos e de jogos eletrônicos no Brasil. da; e meio ambiente.

O concurso seleciona projetos inéditos e Assim, o concurso apoiou o desenvolvimen-


originais que sejam de interesse público para to de aplicativos e conteúdos para dispositivos
dispositivos móveis, oferecendo um prêmio digitais, estimulando a criação e o desenvolvi-
financeiro para cada aplicativo selecionado, e mento em áreas de interesse público e depois
o Ministério das Comunicações passa a dis- disponibilizando-os para amplo acesso. Dessa
por do direito sobre as atualizações da versão maneira, o setor privado é incentivado a pen-
gratuita por um período de dois anos após a sar e desenvolver soluções inovadoras, e tam-
entrega e a aprovação do produto da proposta bém se prevê uma forma de incorporação dos
premiada. O proponente fica com a permissão direitos sobre essas soluções pelo Estado e a
para produzir e comercializar novas versões disponibilização gratuita para os cidadãos e a
e extensões do produto. Podem participar do sociedade de modo geral.
concurso pessoas físicas e empresas enqua-
dradas como microempreendedoras individu- Outro elemento de inovação se refere ao
ais, micro, pequenas e médias empresas. arranjo de procedimentos utilizados pela ini-
ciativa, que combina: i) elementos de política
Em 2014, o concurso contou com a ins- de fomento ao desenvolvimento e à inovação
crição de 2.464 projetos: 865 foram habilita- para o setor, uma vez que beneficia projetos
dos e cinquenta aplicativos, premiados com de aplicativos que ainda serão desenvolvidos,
o valor de R$ 100 mil cada. O investimento e não produtos prontos; ii) procedimentos de
total da iniciativa naquele ano foi de R$ 4,5 concurso previstos na Lei de Licitações, Lei
milhões. O edital de 2015 contou com 933 no 8.666, possibilitando a premiação com re-
inscritos, entre os quais 529 foram habilitados cursos financeiros aos melhores projetos; e
e cem aplicativos de utilidade pública foram iii) regras para o compartilhamento dos direi-
selecionados para premiação no valor de R$ tos de uso das soluções desenvolvidas com o
50 mil, totalizando investimentos públicos de Estado, o que não é comum em iniciativas de
R$ 5 milhões. fomento no Brasil. Esse arranjo diferenciado
também impôs a necessidade de articulação
Um importante elemento de inovação do com vários órgãos do governo federal para a
concurso é que foi concebido para não ape- avaliação das iniciativas nos diversos temas
nas promover o desenvolvimento, mas tam- de utilidade pública, bem como a parceria com
bém possibilitar a incorporação de soluções atores e organizações do setor acadêmico que
de utilidade pública em equipamentos que contribuem para a execução do concurso.

224
No que se refere aos desafios encontrados, o a divisão da premiação, aumentando o número
primeiro mencionado pelos gestores da iniciativa de beneficiários e buscando maior utilidade
se relaciona às regras de contratação da admi- nos aplicativos. Outra lição se referiu à impor-
nistração pública. A iniciativa buscava incentivar tância da articulação com o setor privado para
o desenvolvimento de aplicativos que fossem operação e monitoramento de mais alto nível
úteis, sem direcionar o que deveriam ser ou solu- do programa, incluindo o acompanhamento e
cionar. Houve dificuldade para formatar um mo- o contato com os beneficiários, que permiti-
delo que viabilizasse a incorporação e a disponi- riam a retroalimentação de informações para
bilização das soluções desenvolvidas, bem como a melhoria constante da iniciativa.
que previsse a devida remuneração aos desen-
volvedores. Apresentou-se também o desafio de 6 COMPARAÇÃO DAS INICIATIVAS
conseguir a comprovação do conceito e o pa-
trocínio interno no momento da formulação e do As três iniciativas em análise, Startup Brasil, Ino-
lançamento da iniciativa. Outro desafio se referiu vAtiva Brasil e InovApps, apesar de lançadas e
ao fato de a equipe técnica do ministério não dis- executadas em curto espaço de tempo, foram
por de pessoal técnico suficiente para operar o criadas e lançadas pelo governo federal por
programa e acompanhar os beneficiários, soma- ministérios diferentes e de forma independen-
do à dificuldade de contratar ou firmar convênios te. Cada uma tem seu objetivo e seu modo de
com entidades do terceiro setor ou da iniciativa atuar específico, tendo surgido dentro de deter-
privada para auxiliar nessa tarefa. Diferentemen- minados setores de política pública, com valores
te dos outros programas analisados, o InovApps e objetivos próprios de seus órgãos responsá-
não contou com o apoio de organizações pri- veis,10 ou seja, cada iniciativa traduz de alguma
vadas, entidades do terceiro setor ou consulto- maneira a atribuição formal do ministério que a
res contratados via projetos de cooperação in- patrocinou. Ainda que não se perceba uma inter-
ternacional para a sua formulação e operação. dependência entre os programas, eles se com-
A iniciativa também foi afetada pelas mudanças plementam, em alguma medida, no que se refere
estruturais que ocorreram no Ministério das Co- aos seus instrumentos e ao público atendido.
municações em 2015 e 2016, as quais resulta- Além disso, guardam semelhanças importantes
ram em ajustes nos programas em execução e no processo de formulação da política pública.
maior disputa pelos recursos orçamentários.
No que se refere aos elementos principais
Como lições aprendidas, destacam-se a ne- das iniciativas, a complementaridade perce-
cessidade de avaliação e a correção de rumos bida pode ser resultado da interação infor-
entre uma edição e outra da iniciativa. Com mal entre atores e do aprendizado gerado a
a experiência da primeira edição, foi possível partir daí, bem como das inúmeras iniciativas
simplificar e aprimorar a segunda, melhorando semelhantes em execução em todo o mundo.

10. O Startup Brasil foi criado e gerido pelo MCTI, que tem como competências os seguintes assuntos: i) política nacional
de pesquisa científica, tecnológica e inovação; ii) planejamento, coordenação, supervisão e controle das atividades da
ciência e tecnologia; iii) política de desenvolvimento de informática e automação; iv) política nacional de biossegurança;
v) política espacial; e vi) política nuclear e controle da exportação de bens e serviços sensíveis. Já o InovAtiva Brasil
foi criado e gerido pelo Mdic, cuja atribuição é formular, executar e avaliar políticas públicas para a promoção da
competitividade, do comércio exterior, do investimento e da inovação nas empresas e do bem-estar do consumidor.
E o InovApps foi criado e gerido pelo Ministério das Comunicações, que tinha como missão elaborar, implementar e
monitorar políticas públicas transparentes e participativas que promovessem o acesso aos serviços de comunicações
e contribuíssem para o desenvolvimento econômico e tecnológico, a democratização e a inclusão social no Brasil. O
Minicom foi extinto em 2016, por meio da Medida Provisória no 726, de 12 de maio desse mesmo ano, passando sua
estrutura a integrar o MCTI. Informações disponíveis em: <http://www.mcti.gov.br/institucional> e <http://www.mdic.
gov.br/institucional>.

225
Os principais componentes das iniciativas são Quanto ao estágio do estabelecimento do
comparados a seguir. negócio em que as startups se encontram, o
Startup Brasil atua essencialmente nas fases
Quanto aos objetivos estratégicos, perce- semente e startup, enquanto o InovAtiva Brasil
be-se que o Startup Brasil e o InovApps expli- e o InovApps voltam-se para negócios em fase
citam a busca por desenvolvimento tecnológi- menos madura, com ênfase nos estágios ideia
co. O InovApps traz ainda a ideia de aumento e semente. Ou seja, o Startup Brasil é bastan-
da competição e da eficiência do mercado, en- te útil para empresas com produto definido,
quanto o InovAtiva volta-se com mais ênfase para que consigam se estabelecer e se inserir
à criação de novas oportunidades de trabalho no mercado; já os outros dois programas ofe-
e promoção de mudanças no setor industrial. recem ajuda em uma fase anterior, quando as
Esses objetivos se relacionam com as missões ideias ainda estão em elaboração, e os empre-
formais de seus órgãos executores e se tradu- endedores precisam entender mais sobre o
zem também nos instrumentos e serviços ofe- mercado em que pretendem ingressar.
recidos por cada programa.
Enfim, ainda que tenham sido lançados em
O Startup Brasil e o InovApps oferecem re- períodos próximos e que sejam voltados para
cursos financeiros não reembolsáveis para o de- o incentivo a startups, os três programas guar-
senvolvimento dos produtos e projetos. O Star- dam diferenças e especificidades importantes
tup Brasil oferece ainda um conjunto de apoios quanto aos seus objetivos estratégicos, ao tipo
para viabilizar a sustentabilidade das empresas de startup que visam beneficiar e aos instru-
e a devida inclusão mercadológica dos produ- mentos disponibilizados ao seu público-alvo, o
tos. Por sua vez, o InovApps oferece, ao final que torna perceptível uma certa complemen-
do processo de apoio aos desenvolvedores, taridade entre as iniciativas.
formas de acesso aos produtos pelos usuários
de equipamentos móveis, promovendo a vitali- No que se refere ao processo de formulação
dade e a competição no mercado de geração e desenho da política pública, há importantes
de conteúdos de utilidade pública. O InovAtiva, semelhanças. As três iniciativas buscaram uma
entretanto, não oferece recursos financeiros, atuação mais “inteligente”, conforme propõe
mas, sim, treinamento e articulação de redes de Mazzucato (2014), e diferenciada do poder
empreendedores e investidores gratuitos e com público em relação aos programas então exis-
amplo alcance, preparando e apontando novas tentes para o incentivo ao empreendedorismo
oportunidades para empresas principiantes. e ao desenvolvimento tecnológico. Os formula-
dores dessas iniciativas procuraram conhecer
Outro elemento importante a ser compa- o cenário em que buscavam intervir e criaram
rado se refere ao tipo de startup apoiada por desenhos inovadores de políticas públicas para
cada programa. Como o objetivo do desen- incentivar startups e pequenos empreendedo-
volvimento tecnológico é muito enfatizado res no Brasil. As três iniciativas buscaram criar
no Startup Brasil e no InovApps, os tipos de arranjos com a participação de diferentes seto-
startups apoiadas por eles são essencialmen- res, principalmente do setor privado, para ofe-
te aquelas baseadas em novas tecnologias e recer serviços mais atraentes às startups e com
em oportunidades de mercado. Já o InovAtiva maiores chances de sucesso. Todas também
tem condições de contemplar todos os tipos buscaram oferecer combinações de instrumen-
de startups, pois seu foco maior é a criação de tos que atendessem às necessidades verifica-
novas oportunidades e o incentivo ao empre- das do público-alvo, sem ficar atadas ao que
endedorismo de modo geral, oferecendo ca- seus ministérios já tinham experiência prática
pacitação para este fim. ou normativa em oferecer. Daí a constatação de

226
construções diferenciadas e inovadoras no que propício para aproveitar as fontes de inovação
se refere a normativos e parcerias utilizados em disponíveis. Assim, inúmeras políticas públicas
cada iniciativa, ou seja, empenharam-se em de- voltadas para o incentivo a startups têm sido
senvolver soluções com foco nas necessidades lançadas e executadas, em formatos variados,
do público-alvo, considerando o contexto de com objetivos e instrumentos específicos.
mudança tecnológica e de novos negócios que
se apresenta na atualidade. O mesmo fenômeno tem sido observado
no Brasil.
Ao se compararem os desafios encon-
trados e as lições aprendidas na gestão das Neste capítulo, buscou-se analisar e com-
iniciativas, verificam-se também pontos em parar três iniciativas do governo federal: o
comum. A escassez de pessoal especializado Startup Brasil, o InovAtiva Brasil e o InovApps.
nas equipes dos ministérios e as limitações A análise realizada apontou que as três iniciati-
impostas pelas regras de contratação da ad- vas procuraram incentivar o empreendedoris-
ministração pública foram as principais difi- mo e o desenvolvimento tecnológico por meio
culdades encontradas nos três programas e de startups de formas distintas, mas igualmen-
exigiram a busca por soluções diferenciadas e te criativas. O capítulo não pretendeu anali-
inovadoras por seus gestores. A importância sar seus resultados ou impactos, mas focou
da articulação e do envolvimento do governo a análise e a comparação de seus processos
com outros setores, principalmente a iniciati- de formulação, seus desenhos, instrumentos e
va privada, e a necessidade de metodologia serviços oferecidos para o público-alvo. A aná-
própria e operação diferenciada e de alto nível lise comparativa com esse enfoque contribui
foram as principais lições trazidas pelas expe- para a compreensão dos efeitos da revolução
riências estudadas. tecnológica sobre a forma como os governos
atuam e formulam as políticas públicas para
7 CONCLUSÃO lidar com as novas demandas.

As últimas décadas trouxeram importantes


mudanças nas nossas formas de comunica- REFERÊNCIAS
ção e interação, decorrentes da era da inter-
net. A revolução tecnológica recente promo- KON, F. et al. A panorama of the Israeli softwa-
veu também novos negócios e novas formas re start-up ecosystem. SSRN Eletronic Jour-
de se gerar inovação, a partir de metodolo- nal. Nova Iorque, 2014.
gias mais ágeis, dinâmicas, em empresas pe-
quenas e principiantes. MAZZUCATO, M. O Estado empreendedor:
desmascarando o mito do setor público vs. o se-
Essas mudanças tão significativas também tor privado. São Paulo: Porfolio-Penguin, 2014.
trouxeram novas demandas para o setor pú-
blico. O governo e as políticas públicas podem PENA, C.; MAZZUCATO, M. The Brazilian in-
ter papel relevante para moldar um cenário novation system: a mission-oriented policy
interativo entre diferentes atores, e profícuo proposal. Brasília: CGEE, 2016.
para a geração de inovação e crescimento
econômico sustentável. Em resposta a todos RAMMER, C.; MÜLLER, B. Start-up promotion
esses desafios, governos de vários locais e de instruments in OECD countries and their
diferentes níveis vêm buscando atuar de for- application to developing countries. German:
ma inteligente e elaborar arranjos e estruturas GIZ, 2012. Disponível em: <https://goo.gl/av-
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229
CAPÍTULO 12
INOVAÇÃO ABERTA NO SETOR PÚBLICO:
como o Ministério da Educação utilizou o
crowdstorming para impulsionar a prospecção
de soluções inovadoras1
Wagner Vilas Boas de Souza2 |Paulo Henrique de Souza Bermejo3
Carolina Cristina Martins Cavalcante4 | Rebeca Nonato Domingos5

1 INTRODUÇÃO 1234
a fim de prospectar junto a essas instituições
a implementação de soluções inovadoras para
As organizações reconhecem que a inovação é um redução desses gastos.
dos caminhos mais importantes para o sucesso,
com a qual podem aumentar seu desempenho O termo inovação aberta foi cunhado em
e promover sua sobrevivência em ambientes 2003 por Henry Chesbrough, referindo-se à
competitivos (Bigliardi e Galati, 2013; Inauen e abertura das fronteiras das organizações, no
Schenker-Wicki, 2011). sentido de permitir o uso de ideias internas e
externas nos processos de inovação por essas
As instituições federais de ensino (IFEs) no organizações (Chesbrough, 2003a). A aplicação
Brasil se veem diante de demandas por raciona- da inovação aberta com o objetivo de gerar
lização de recursos naturais exponencialmente ideias inovadoras define o crowdstorming, ou
consumidos, representando a ordem de R$ 400 tempestade colaborativa de ideias, que promove a
milhões só no ano de 2014. Então, diante dessa interação de um grande número de participantes
demanda, o Ministério da Educação (MEC) criou para identificar e avaliar soluções (Abrahamson,
o projeto Desafio da Sustentabilidade, com o Ryder e Unterberg, 2013).
objetivo de inovar identificando e prospec-
tando soluções para redução dos gastos com A inovação no setor público, com enfoque na
o consumo de água e energia elétrica nessas melhoria do rendimento do serviço e na adição de
instituições. valor em termos de benefício público (Lee, Hwang
e Choi, 2012), pode ser potencializada por meio
Diferentes concepções foram desenvolvidas da aplicação da inovação aberta. O crowdstorming
a respeito da inovação, estando a maioria rela- destaca-se por poder gerar resultados positivos
cionada à aplicação de novas ideias, conceitos ao envolver um grande número de pessoas para
e conhecimentos sobre produtos, processos, discussão de um problema. Entretanto, no caso
serviços e procedimentos inovadores (Hage, de iniciativas mal planejadas, pode resultar em
1999). Com base nisso, o projeto baseou-se em consequências negativas, como o crescimento
conceitos de inovação aberta e crowdstorming, exponencial (Souza et al., 2014).

1. Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, Brasil) – Processo
402789/2015-6 por seu apoio a esta pesquisa.
2. Especialista em regulação na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
3. Professor adjunto do Departamento de Administração da Universidade de Brasília (UnB).
4.Técnica em assuntos educacionais no Ministério da Educação (MEC).
5. Analista de sistemas na Accenture do Brasil.
Assim, considerando as potenciais con- A inovação aberta considera o conhecimento
tribuições de crowdstorming para promover e as tecnologias externas à organização como
inovações e melhorias no setor público e o parcelas do processo de inovação, ou seja, as
seu potencial para envolver os cidadãos, fica fronteiras do conhecimento entre organizações
bastante clara a importância deste processo ao e o ambiente externo tornam-se permeáveis
ser aplicado às instituições públicas com vistas (Ghisetti, Marzucchi e Montresor, 2015). Para
à prospecção de inovações. Dessa forma, o tanto, a abertura se define, em parte, pela diver-
projeto Desafio da Sustentabilidade, produzido sidade de relacionamentos com atores externos
entre 2014 e 2015, caracterizou-se como um e seu acoplamento na empresa (Dahlander e
estudo aplicado de natureza qualitativa, tendo Gann, 2010).
como fase preliminar o estudo metodológico
da inovação aberta e do crowdstorming, e pos- O modelo de inovação aberta foi apresentado
teriormente foi organizado em quatro etapas: em Chesbrough (2003b). Segundo o autor, o con-
i) identificação de soluções inovadoras por ceito de abertura é baseado na ideia de que uma
meio de consulta pública; ii) recomendação às organização não pode inovar de forma isolada,
IFEs para implementação dessas soluções; iii) uma vez que depende de diversos parceiros para
avaliação periódica da obtenção de resultados; adquirir ideias e recursos. Também afirmou que a
e iv) estímulo e acompanhamento da implemen- inovação aberta pode ser considerada uma nova
tação de projetos inovadores de alto impacto abordagem de aperfeiçoamento, caracterizada
para eficiência do gasto público. pela abertura das fronteiras das organizações,
proporcionando o estabelecimento de cooperações
O trabalho foi dividido em cinco seções, in- e o compartilhamento de tecnologia e conheci-
cluindo esta introdução. Na segunda seção, será mento com parceiros, instituições de pesquisa e
explicitado o referencial teórico da pesquisa, e universidades.
na terceira, a metodologia, em que será tratada
a organização do projeto. A quarta expõe os re- Entre seus diversos significados, inovação
sultados, na qual serão apresentados os números aberta também pode ser entendida como um
alcançados, e, ao final, a conclusão do trabalho. processo em que ocorrem fluxos de conhecimento
por meio das fronteiras organizacionais (West
2 REFERENCIAL TEÓRICO et al., 2014), que aceleram o aprimoramento
interno e expandem os mercados para utiliza-
2.1 Inovação aberta ção externa. Estes fluxos, de entrada e saída de
conhecimento, são, respectivamente, o fluxo
Ciclos de aperfeiçoamento mais curtos, in- inbound – de fora para dentro da organização,
vestigação industrial, aumento de custos de que acelera o desenvolvimento interno mediante
desenvolvimento e escassez de recursos são as fontes de conhecimento adquiridas externamen-
razões pelas quais as empresas estão procuran- te – e o fluxo outbound – de dentro para fora da
do novas estratégias de inovação (Gassmann organização, que fornece as ideias e tecnologias
e Enkel, 2004). Neste sentido, emerge o para- como propriedade intelectual, patentes e licen-
digma de inovação aberta, que geralmente vai ças, desenvolvidas internamente para agentes
de encontro ao modelo tradicional de inovação externos (Chesbrough e Crowther, 2006).
fechada, focado na integração vertical, em que
as atividades de pesquisa e desenvolvimento Chesbrough e Bogers (2014) abordam em
são desenvolvidas e disseminadas pelas orga- seus estudos que, quando o livro precursor da
nizações sem cooperação de terceiros (West e teoria de inovação aberta de Chersbrough foi
Gallagher, 2006). lançado no mercado, realizou-se uma pesquisa

232
no Google sobre o termo inovação aberta, propriedade intelectual. Neste sentido, Almirall,
com aproximadamente duzentos resultados Lee e Ajchrzak (2014) destacaram que a inova-
referentes ao tema. Já em abril de 2012 uma ção aberta tende a ter sucesso somente quando
nova pesquisa no Google produziu 483 milhões as necessidades do sistema inteiro de fontes
de resultados, demonstrando que a sociedade e apoiadores estiverem organizadas de forma
testemunha um novo e diferente modelo de a promover a concorrência e a colaboração.
renovação e indicando que a inovação aberta
tornou-se um termo amplamente conhecido e O trabalho de Ghisetti, Marzucchi e Montre-
pesquisado. sor (2015) ressaltou que a maneira como uma
organização busca o conhecimento externo
Os estudos de Henry Chesbrough contribuíram para inovar representa o primeiro pilar no modo
para o aprofundamento da temática por abordar da inovação aberta. Nessa direção, Huggins et
vários tópicos, desde a direção dos fluxos de al. (2010) afirmaram que a proximidade com
conhecimento (interna ou externa), passando as principais fontes de conhecimento é tida
pelas formas de abertura (alianças, redes, joint como importante motivo para o aumento da
ventures5 etc.) e partes envolvidas (concor- competividade de algumas cidades e regiões
rentes, fornecedores, usuários, comunidades), bem-sucedidas no mundo. Segundo Linders
até o impacto de abertura em desempenho da (2012), o surgimento de novas tecnologias de
inovação (Gambardella e Panico, 2014). informação tem sido fundamental para a mas-
sificação dessa nova metodologia de inovação,
O estudo empírico de Gassmann e Enkel permitindo que cidadãos comuns participem
(2004) contribuiu com essa temática ao utilizar mais ativamente dos processos de inovação de
dados de 124 empresas, de forma a identificar e empresas e governos.
mostrar o impacto de três processos centrais da
inovação aberta em uma empresa: i) o processo 2.2 Crowdstorming
de fora para dentro (outside-in), que enriquece
a base de conhecimento da própria empresa No contexto atual de globalização, em que a
por meio da integração de fornecedores, clien- inovação está relacionada a um mundo cada
tes e terceirização do conhecimento externo, vez mais conectado, a inovação aberta en-
aumentando sua capacidade de inovação; ii) o globa, conecta e integra várias estratégias
processo de dentro para fora (inside-out), que (Hopkins, 2011). A sua aplicação, com o objetivo
pode propiciar lucros com a transferência de de gerar ideias revolucionárias, caracteriza-se
ideias internas para o ambiente exterior; e iii) o como um processo de crowdstorm, termo cunhado
processo acoplado (coupled process), que propor- por Abrahamson, Ryder e Unterberg (2013) com
ciona alianças com parceiros complementares, base na observação de desafios de ideias realiza-
promovendo trocas de conhecimento cruciais dos por diversas empresas. Abordagens abertas
para o sucesso. de aprimoramento dependem de atividades de
crowdsourcing, que são uma forma de alavancar
Wang, Vanhaverbeke e Roijakkers (2012) a inteligência coletiva das comunidades on-line
acrescentaram que as atividades de inova- para atender aos objetivos de negócio, melhorar a
ção aberta são influenciadas por diversos participação pública na governança de produtos
elementos, como fornecimento sucessivo de e resolver problemas.
conhecimento, pessoal altamente capacitado,
recursos financeiros, aparelhos jurídicos efica- Criado por Howe (2006), o termo crowdsourcing
zes e instituições que protegem os direitos de teve por base a palavra outsourcing, que significa

5. Cooperação econômica ou estrutural entre duas ou mais empresas.

233
terceirização, e mostra que o primeiro se dife- tentam fazer maior uso de fontes de conhe-
rencia do segundo porque não há a contratação cimento externo para adicionar valor ao bem
formal de um número de pessoas terceirizadas, público, de modo que, como resultado, exista
mas sim uma colaboração, sem que haja uma uma reestruturação generalizada das formas de
relação formal para a geração de conteúdo. organização no setor (Lee, Hwang e Choi, 2012).
Para isto, as agências públicas precisam obter
Ainda segundo Howe (2006), este termo é um alto grau de liberdade para gerar soluções
essencialmente associado à colaboração em inovadoras (Mergel e Desouza, 2013).
massa, à produção coletiva e aos processos co-
operativos, colaborativos, voluntários, gratuitos Zuppo et al. (2016) identificaram excelentes
e de autoria não identificada. Segundo Seltzer e oportunidades para futuras pesquisas acerca da
Mahmoudi (2012), o crowdsourcing pode ser visto inovação aberta. Entre as possibilidades está
como um sistema de inteligência coletiva carac- a lacuna que existe em pesquisas no serviço
terizado por três componentes: uma organização público com enfoque no fluxo outbond dessa
que se beneficia diretamente a partir do trabalho inovação, tais como os efeitos de acordos de
da multidão, a multidão em si, e, finalmente, uma cooperação entre universidades, fundações,
plataforma capaz de ligar os dois. setor privado e comunidades.

2.3 Inovação aberta no setor público com o No contexto do serviço público, as políticas
crowdstorming de inovação aberta podem ser definidas como
as ações públicas que influenciam nos processos
Enquanto a inovação no setor privado é cen- de inovação de um país ou estabelecimento
trada no desenvolvimento de novos produtos, público daquele país (Chaminade e Edquist,
a inovação no setor público, em geral, possui 2006). Neste sentido, cada vez mais governos
um foco diferente, não se concentrando no estão desenvolvendo políticas de inovação
desenvolvimento de artefatos físicos, mas sim aberta para se reunir a parceiros externos com
em serviços (Bommert, 2010). A inovação no capacidades específicas, a fim de integrar suas
setor privado chega principalmente para gerar contribuições aos seus processos internos (Lee,
uma vantagem competitiva e um valor adicio- Hwang e Choi, 2012).
nado em termos de rendas mais altas para as
empresas, enquanto a inovação no setor público Segundo Lee, Hwang e Choi (2012), entre os
é dirigida para melhorar o rendimento do ser- benefícios de utilizar estas redes, incluem-se a
viço e adicionar valor em termos de benefício melhoria da qualidade do serviço, a redução do
público (Lee, Hwang e Choi, 2012). Assim, a investimento dos recursos públicos e uma maior
implementação das metodologias de inovação qualidade na mobilização dos recursos públicos.
aberta no setor público pode ter uma infinidade Neste sentido, os autores explicam que existem
de benefícios positivos, incluindo a melhoria da dois tipos de governança em rede: governança
sensibilização para os problemas sociais, prá- em rede dirigida pelo governo e pelos cidadãos.
ticas mais efetivas baseadas nas experiências O primeiro tipo pode ser categorizado como um
dos cidadãos e incremento na confiança entre enfoque de cima para baixo, em que o gover-
governo e cidadãos (Gaventa e Barrett, 2010). no assume o papel dominante social e lidera
o projeto de renovação, enquanto o segundo
Um número crescente de organizações do pode ser categorizado como ascendente, em
serviço público está utilizando ideias inovadoras que os indivíduos participantes são chamados
do mundo todo para prestar novas formas de de líderes de informação, e a chefia tende a ser
serviços. Todavia, em vez de inovar com seus distribuída livremente entre os membros da rede
recursos e conhecimentos internos, as agências sem que o governo tenha um papel dominante.

234
Curiosamente, as inovações de baixo para cima detectar possíveis propostas inovadoras para
acontecem com uma frequência maior no setor a redução dos custos nas IFEs, tendo como
público que no privado (Borins, 2001). pressupostos a participação social, a sustenta-
bilidade e a eficiência dos gastos públicos. Ao
A inovação aberta aplicada ao serviço público realizar o projeto Desafio da Sustentabilidade,
pode promover o aperfeiçoamento utilizando um foi empregado o conceito de crowdstorm de
dos métodos que mais se destacam ao envolver um acordo com a definição de Abrahamson, Ryder e
grande número de pessoas: o crowdsourcing. Ele Unterberg (2013), e também foram incorporadas
está começando em um nível básico, oferecendo as adaptações para o setor público cunhadas
plataformas on-line, nas quais as pessoas podem por Souza et al. (2014). Para esta finalidade,
interagir com, por exemplo, sua administração foram desenvolvidas quatro fases, que serão
local. Por meio da plataforma, os cidadãos podem apresentadas nas próximas subseções.
reportar problemas relacionados a iluminação
pública, tráfego, infraestrutura rodoviária, defeitos 3.1 Fase 1: identificação de soluções
de construção, contraordenações, entre outros inovadoras por meio de consulta pública
(Hilgers e Ihl, 2010).
A fim de viabilizar a aplicação dos conceitos de
Especificamente, o crowdsourcing de ideias inovação aberta ante o propósito do trabalho,
é utilizado por governos, como o de Singapu- foram envolvidas 104 IFEs nesta fase. Elas teriam
ra e Estados Unidos (Linders, 2012), ou por o papel fundamental na divulgação do projeto
instituições públicas, como a Polícia Militar de por meio de suas mídias e da comunidade aca-
Minas Gerais (Martins e Bermejo, 2014) e o dêmica, constituída por estudantes, docentes
MEC, para gerar ideias de inovação, bem como e servidores.
interagir com o público na busca da abertura
das instituições. Ao aplicar o Desafio da Sustentabilidade nestas
instituições, teve-se como objetivo coletar ideias
3 METODOLOGIA DE TRABALHO capazes de gerar economia de gastos com água
e energia no contexto das IFEs de todo o país,
Inicialmente, foram elaborados um estudo e uma por meio de consulta pública que incentivou a
revisão de literatura sobre o uso do crowdsourcing inovação aberta.
nas organizações públicas e, a partir disso, surgiu
o projeto Desafio da Sustentabilidade. Este projeto 3.2 Fase 2: recomendação às IFEs para
iniciou-se com uma consulta pública promovida implementação dessas soluções
pelo MEC, por meio da Subsecretaria de Plane-
jamento e Orçamento (SPO), da Secretaria de Nesta fase foi constituída uma comissão composta
Educação Superior (SESu) e da Secretaria de por técnicos do MEC, professores, pesquisadores
Educação Profissional e Tecnológica (Setec), e especialistas das IFEs com experiência nas áreas
em parceria com a Universidade Federal de de energia, recursos hídricos e sustentabilidade.
Lavras (UFLA), e teve por finalidade identificar e Essa equipe técnica desenvolveu a coletânea De-
avaliar ideias e boas práticas para a redução de safio da Sustentabilidade e realizou a moderação
gastos e a promoção da sustentabilidade. Para das ideias e dos comentários, para assegurar que
isso, apresentou-se a seguinte questão para os conteúdos recebidos atendessem aos critérios
a comunidade: como reduzir os gastos com o estabelecidos no edital. O objetivo da coletânea
consumo de água e energia elétrica nas IFEs? é disponibilizar aos gestores das IFEs e de outros
órgãos e instituições, bem como à sociedade em
Foi feita uma pesquisa de natureza tecno- geral, ideias e boas práticas para a redução de
lógica, qualitativa e de ação, com o objetivo de gastos com consumo de água e energia elétrica.

235
3.3 Fase 3: avaliação periódica da obtenção reduzir gastos com água e energia elétrica nas
de resultados IFEs. Ao todo, 13.525 pessoas – representando
100% das universidades federais e institutos
Foi aplicado, nesta fase, o questionário de boas federais de ensino – realizaram 3,7 milhões de
práticas de gestão a todas as IFEs, a fim de rea- interações na plataforma adotada pelo programa,
lizar o diagnóstico de implantação das ações. A denominada PrêmioIdeia, enviando, curtindo e
investigação tinha como conteúdo as soluções comentando ideias. Houve, ainda, ampla divul-
da coletânea do Desafio da Sustentabilidade e gação espontânea do projeto pela mídia.
outras soluções propostas.
Após encerrada a fase de interação com o
O MEC, então, efetuou junto às IFEs um público, ou seja, o prazo para enviar ideias e
diagnóstico com o objetivo de avaliar a adoção votações ter sido finalizado, iniciou-se a fase
de ações de eficiência do gasto público com 2 do projeto, na qual foi selecionado um grupo
água e energia elétrica em 2015. O resultado para moderar as ideias enviadas, trabalhando
completo foi inserido no Anuário da Eficiência do para avaliá-las mediante os critérios de via-
Gasto Público com Água e Energia Elétrica nas bilidade técnica, custo-benefício, eficiência
Instituições Federais de Ensino: ano de 2015.6 Por e aplicação correta ao ambiente das IFEs.
meio dele, foi possível obter um relato do atual Importante salientar que as ideias incompletas
cenário das IFEs no tocante à sustentabilidade. foram desconsideradas. Ao final do desafio,
foram selecionadas 1.428 ideias (sendo 787
3.4 Fase 4: estímulo e acompanhamento da de energia e 641 de água).
implementação de projetos inovadores
de alto impacto para a eficiência do Após a primeira seleção, fez-se uma análise
gasto público mais apurada, na qual foi constatado que, das
ideias anteriormente selecionadas, 168 foram
Estimular e apoiar a implantação de medidas de sinalizadas como viáveis de serem aplicadas.
eficiência energética nas IFEs foi o objetivo desta Em seguida, executou-se ainda uma segunda
fase. As ações previstas foram: i) instalação de análise, em que foram selecionadas 142 propos-
miniusina de geração fotovoltaica; ii) criação de tas com grande possibilidade de implantação.
grupo de eficiência energética em cada IFE; iii) Ao final, as ideias com proposições parecidas
viabilização de fontes de financiamento para ações eram comparadas e, em caso de se referirem
de maior custo; iv) implantação de medidores a um mesmo tema, somente uma permanecia.
em cada prédio das IFEs; v) estabelecimento de Assim, a coletânea compõe-se ao todo de 107
metas de redução e concessão de etiqueta de ideias vindas do Desafio da Sustentabilidade.
eficiência; vi) implementação de contratos de
desempenho nos quais a economia remunera A fase 3 foi aplicada no período de 4 de
a empresa prestadora de serviço; e vii) editais janeiro a 19 de fevereiro de 2016, com 59
da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) universidades (92,2%) e 39 institutos (97,5%),
com foco na economia de energia nas IFEs. totalizando 98 instituições. Todas responderam
ao questionário de participação do diagnóstico
4 RESULTADOS de ações de eficiência e forneceram informações
sobre a adoção e a obtenção de resultados a
Na fase 1, entre novembro de 2014 e fevereiro partir da pesquisa qualiquantitativa, contendo
de 2015, houve o desenvolvimento do projeto dezesseis questões semiabertas, com temas
e sua aplicação, que obteve 18.277 ideias para diversos, conforme mostra o box 1.

6. Disponível em: <http://desafiodasustentabilidade.mec.gov.br/anuario.pdf>.

236
BOX 1
Temas das questões semiabertas

Tema 1 – Painéis fotovoltaicos;


Tema 2 – Sistema solar de aquecimento de água;
Tema 3 – Capacitação de servidores e funcionários;
Tema 4 – Consumo consciente de água e energia;
Tema 5 – Adaptação física;
Tema 6 – Técnicas de otimização de irrigação;
Tema 7 – Centrais de água purificada;
Tema 8 – Manutenção preventiva;
Tema 9 – Reutilização de água;
Tema 10 – Práticas de execuções simples;
Tema 11 – Modernização de aparelhos e equipamentos;
Tema 12 – Poço artesiano;
Tema 13 – Energia eólica;
Tema 14 – Registro de consumo individualizado;
Tema 15 – Reaproveitamento de resíduos sólidos; e
Tema 16 – Comissão interna.

Elaboração dos autores.

Entre as soluções propostas, destaca-se a Na fase 4, tem-se: i) a criação de miniusinas


relacionada ao tema 1, em que 11,2% das uni- de geração fotovoltaica, com capacidade apro-
versidades responderam sim, ou seja, utilizam os ximada de 5 MWh. Elas permitirão reduzir em até
painéis fotovoltaicos, e já obtiveram um lucro de 100% os gastos das IFEs com energia elétrica;
R$ 49.450,00 no período de um a três anos de ii) a substituição de equipamentos elétricos por
uso; 81,6% responderam que têm o interesse de versões mais modernas e econômicas; e iii) a
utilizá-los, sendo que 77% destes já estão efetuan- criação de instrumentos colaborativos de apoio
do o estudo para a implantação dessa tecnologia; à gestão estratégica para o desenvolvimento
e os outros 7,2% não responderam à pergunta. institucional. Após doze meses da prospecção
das principais soluções obtidas, 36,4% da solução
Outro destaque é o tema 4, em que 70,4% painel fotovoltaico foi implementada no período,
das instituições declararam desenvolver ações assim como 29% de consumo consciente, 30,8%
para sensibilizar e gerar consumo consciente de de reutilização de água, 25,8% de registro de
água e energia por seus alunos, professores e consumo e 31,8% da comissão interna de gestão.
funcionários. Apenas 25,5% responderam não Percebeu-se também que, somente em 2015,
desenvolver nenhum tipo de ação e 4,1% não 85 novas soluções foram implementadas em 45
responderam. instituições. Este fato contribui para destacar a
importância da mobilização da comunidade aca-
Por fim, o tema 8, em que 77,6% das insti- dêmica iniciada em 2014 pela consulta pública
tuições responderam que adotam esse tipo de do Desafio da Sustentabilidade.
rotina de trabalho para gerar economia de gastos
com a eventual necessidade de reposição de 4.1 Contribuindo para disseminar a cultura
aparelhos ou equipamentos, enquanto 16,3% não da inovação aberta e participativa
adotam essa medida e 6,1% não responderam.
Das universidades que responderam sim, uma Por meio do crowdstorming, o MEC também
delas, a Universidade de São Paulo, percebeu uma impulsionou soluções inovadoras em vários ou-
economia mensal de até R$ 32.539,18 em três tros aspectos da educação. Os novos trabalhos
anos de utilização desta manutenção preventiva. que surgiram foram fruto do projeto anterior

237
e, atualmente, existem várias ações em curso, enviar propostas, curtir, comentar e compartilhar
incluindo áreas finalísticas do ministério. experiências exitosas no combate ao Aedes aegypti,
que serão avaliadas por um comitê formado por
O projeto Inova EJA, por exemplo, nasceu para agentes públicos e especialistas.
promover a elevação da oferta de oportunidades
educacionais para os jovens, adultos e idosos por Todos os participantes foram classificados
meio de um sistema brasileiro de educação ao de acordo com a sua contribuição na consulta
longo da vida. Ele teve início com uma chamada pública, e os melhores classificados serão pre-
pública para o recebimento de propostas de ação miados. A premiação alcançará tanto pessoas
e o compartilhamento de experiências para a físicas, que participarem individualmente, quanto
construção de uma nova política nacional de jurídicas, como os cursos técnicos e de graduação
educação de jovens e adultos (EJA), e favorecerá de institutos federais de educação profissional,
uma ampla discussão com a sociedade por meio científica e tecnológica, cursos técnicos e de
de audiências públicas em todos os estados e no graduação das universidades federais e escolas
Distrito Federal, com vistas ao aperfeiçoamento públicas estaduais e municipais. As melhores
e ao detalhamento desta política. propostas serão selecionadas, organizadas e
recomendadas para a implementação pela po-
Ainda no âmbito da educação, outro projeto pulação e/ou por entidades públicas e privadas.
que merece destaque é o Desafio da Educação
Profissional e Tecnológica. Ele consiste em um 5 CONCLUSÃO
desafio de ideias, também por meio de consulta
pública, no qual os cidadãos podem curtir, comen- Este texto contribuiu com a identificação de
tar, compartilhar e enviar ideias, como em uma soluções inovadoras e a aplicação da inovação
rede social. A cada interação, o cidadão acumula aberta no setor público por meio da participação
pontos para disputar prêmios e ainda contribui social. O desafio também serviu para socializar
para a identificação e a avaliação de inovações ideias, visto que existe grande diversidade nas
com o potencial de impulsionar a qualidade da IFEs e que cada uma gera estratégias próprias
educação profissional e tecnológica no país. para a redução do consumo de água e energia.
Entre os temas abordados pelo projeto estão: i)
construção de mecanismos de integração entre Ainda há pouca representatividade de insti-
o ensino médio e o ensino técnico e profissio- tuições adotantes de soluções de alto impacto
nal; ii) encorajamento a acesso, permanência e que demandem grandes investimentos, como
êxito de estudantes na educação profissional a miniusina de geração fotovoltaica. Com isso,
e tecnológica para inclusão socioprodutiva; iii) considera-se que, uma vez lançados programas
aprimoramento da formação de professores e governamentais específicos para a implantação
gestores do ensino profissional e tecnológico; e dessas soluções, a possibilidade de adesão das
iv) construção de currículos de cursos alinhados IFEs deverá ser grande, devido aos inúmeros
às necessidades do mundo de trabalho. benefícios obtidos com elas.

Mais um exemplo recente de crowdsourcing Este texto pretende contribuir com gestores
para utilizar a participação social a fim de promover e pesquisadores ao demonstrar o crowdstorm
a inovação aberta no setor público é o Desafio como relevante ferramenta para impulsionar a
EducAção #ZikaZero. Este programa está inserido prospecção de inovações no setor público. Além
na Campanha Nacional de Mobilização para o disso, novos estudos podem ser desenvolvidos
Enfrentamento ao Aedes aegypti e à Microcefalia a fim de avaliar o uso dessa técnica em outras
e teve início com uma consulta pública. Por meio instâncias governamentais, como a estadual e a
da plataforma do programa, os cidadãos puderam municipal, que podem obter resultados distintos.

238
É sugerida também a investigação sobre meios CHESBROUGH, H.; BOGERS, M. Explicating
para potencializar o interesse da sociedade na open innovation: clarifying an emerging pa-
implementação de soluções identificadas nessas radigm for understanding innovation. Oxford:
consultas, que beneficiem a sociedade e não de- Oxford University Press, 2014.
pendam do governo para serem implementadas.
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240
CAPÍTULO 13
EXPERIÊNCIAS DA REDE DE INOVAÇÃO NO SETOR
PÚBLICO (INOVAGOV)
Yana de Farias1 | Felipe Bragança Itaborahy2
| Bruno Carvalho Palvarini3 | Iara Cremonesi ​​Endo4

1 OBJETIVO do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Con-


selho de Justiça Federal (CJF), ambos signatários
Inovação parece ser, hoje em dia, um tema primeiros do Acordo de Cooperação Técnica (ACT)
cada vez mais procurado por organizações que que formalizou a rede –, este relato baseou-se na
buscam alavancar seus resultados, realizar suas experiência vivida pelo Inova. Em adição à avaliação
estratégias, preparar-se para o futuro e cum- subjetiva do referido departamento acerca de seu
prir seu papel junto à sociedade. Percebe-se, papel fomentador, o texto conta ainda com dados
no entanto, que as iniciativas no setor público obtidos mediante pesquisa on-line simplificada,
ainda se encontram isoladas e com baixo nível conduzida junto aos integrantes da rede.
de sistematização.
A pesquisa teve como objetivo conhecer
Este capítulo tem como objetivo apresentar o a experiência dos membros na rede, a fim de
percurso do Departamento de Modernização em instigar maior participação e engajamento, e foi
Gestão Pública (Inova), órgão do Ministério do encaminhada via e-mail à totalidade de membros
Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (MP), da InovaGov, que, em outubro de 2016, contava
na ativação da Rede Federal de Inovação no Se- com 38 instituições públicas, representadas por
tor Público (InovaGov), focando, especialmente, 187 pessoas. O questionário foi composto por dez
em conquistas, dificuldades e visão de futuro. perguntas, três das quais de caráter subjetivo, que
remetiam às expectativas positivas e negativas
2 METODOLOGIA mapeadas no primeiro encontro da rede, referentes
aos chamados “desafios mobilizadores” (projetos
O capítulo busca descrever a trajetória e os conduzidos no âmbito da rede) e à forma como
principais marcos da estruturação da Inova- os eventos vêm sendo conduzidos. A pesquisa
Gov. Para tanto, são considerados os aspectos contou com trinta respostas de dezoito órgãos, o
relativos ao contexto político, institucional e que equivale a 16% e 47% dos respectivos totais.
organizacional que orientaram essa trajetória,
com ênfase em suas características, dificuldades 3 O TEMA INOVAÇÃO NO MP
e lições aprendidas.
O MP, órgão central responsável pelo sistema
Embora a InovaGov conte com o forte patrocínio de organização e inovação da administração
de outras instituições públicas – particularmente, pública federal, historicamente realiza ações

1. Especialista em políticas públicas e gestão governamental no Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MP).
2. Especialista em políticas públicas e gestão governamental no MP.
3. Técnico bancário e assessor do MP.
4. Especialista em políticas públicas e gestão governamental no MP.
visando à modernização da gestão de órgãos agentes com potencial de cooperação em torno
e instituições públicas que, ao serem aplicadas, de um ou mais objetivos comuns. Assim, apesar de
têm como objetivo a prestação de melhores as próprias características da inovação em rede
serviços à população brasileira. Recentemente, o prescindirem de uma hierarquia forte ou de um
ministério contou com estruturas voltadas para núcleo central, são fundamentais o compartilha-
a inovação da gestão, como diretorias de pro- mento dos objetivos comuns e uma mobilização
gramas de gestão, de cooperação internacional constante dos atores para o seu alcance.
e de modernização, bem como um escritório
de projetos estratégicos com essa temática. Cabe salientar que a ativação e a energização
Em 2013, foi criada a Assessoria Especial de de uma rede voltada para a inovação no setor
Modernização da Gestão (Asege), responsável público se constitui, ela mesma, em processo
por iniciativas como a mobilização dos órgãos inovador, uma vez que inexiste, no Brasil, inicia-
públicos para a realização de ciclos de plane- tiva dessa natureza que envolva a participação
jamento estratégico e para a revisão de seus espontânea de servidores e instituições públicas.
processos de trabalho críticos. Assim, o próprio processo relatado neste capítulo
se constitui como processo de aprendizado que,
Na reestruturação organizacional ocorrida como tal, está sujeito a riscos, incertezas, erros
ao final de 2015, pela edição do Decreto no e acertos.
8.578, foi criado o Inova, unidade que coordena
as ações referentes ao tema inovação para a 4 A INOVAGOV
gestão pública no âmbito do MP.
A rede InovaGov – batizada assim a partir de
Embora o tema seja recorrente e agentes uma consulta feita junto a seus integrantes –
públicos se encontrem atuando com inovação, começou a se estruturar no fim de 2015, quando
percebe-se a falta de preparo do governo para das primeiras discussões coordenadas pelo MP.
inovar sistematicamente. Isto se verifica pela A realização da I Semana de Inovação em Gestão
inexistência de instrumentos já praticados em Pública, no período de 30 de novembro a 5 de
outros países – como plataformas tecnológicas dezembro de 2015, constituiu-se como marco
que permitem a gestão de competências rela- considerável no reconhecimento de agentes com
cionadas à inovação, a proposição de desafios, a interesse em se engajar na dinâmica da rede,
troca de experiências, a possibilidade de compra particularmente pela interação entre servidores
de inovações e o acompanhamento de resultados dos três poderes da União.
da aplicação de métodos, técnicas e ferramentas–,
seja pela visão de que atuar com inovação não O primeiro evento da InovaGov foi realizado
seria parte da rotina dos órgãos e instituições em março de 2016, contando com a presença
públicas, mas uma carga adicional a ser introdu- de cerca de quarenta representantes de quinze
zida em seu dia a dia, seja, ainda, pelas barreiras instituições públicas federais, os quais puderam
organizacionais culturais que se encontram no expressar suas ideias e expectativas para um
ambiente de trabalho do servidor público. trabalho em rede. Nesse encontro, começaram
a ser estabelecidas e/ou validadas as premissas
Assim, uma das competências atribuídas ao de constituição e funcionamento da rede, tais
MP por seu papel de órgão central é justamente a como os que se seguem.
ativação de uma rede de pessoas e organizações
comprometidas com a inovação no setor público. 1) A rede deve integrar e estimular arranjos
Um arranjo como o desejado se traduz, na verdade, para a inovação no setor público por meio
na identificação de outras sub-redes que já atuam da conexão de múltiplos atores com inte-
em nichos específicos de inovação e de novos resse no tema. A InovaGov é um sistema

242
dinâmico que interage de forma não linear, • concursos e prêmios de inovação: articulação
auto-organizada, autônoma, colaborativa, de iniciativas e programas para inovação;
adaptativa, ágil, flexível e por autoapren-
dizagem. Os atores da rede se movem por • metodologias para inovação; e
conhecimento (intuitivo ou não), confiança,
interesses próprios, objetivos e valores • análise e avaliação de custos e impactos
comuns, de forma alinhada – motivados de projetos de inovação.
pela necessidade de cooperação e com-
prometidos com suas missões. A estratégia de articulação da InovaGov con-
tinuou a ser conduzida com base na realização
2) A InovaGov é formada por organizações do de encontros presenciais e na mobilização virtual
setor público, do setor privado, da sociedade dos atores, por meio do uso de instrumentos
civil e do setor acadêmico interessadas em como o blog e a publicação semanal da Revista
inovação no setor público e em promover o InovaGov. Até dezembro de 2016, haviam sido
intercâmbio de conhecimentos e experiên- realizados sete encontros da rede, além da II
cias, na identificação de boas práticas e no Semana de Inovação em Gestão Pública. Me-
auxílio mútuo para solução de problemas. recem destaque especial os workshops condu-
zidos pelas especialistas internacionais Sabine
3) São (ou serão) produtos/serviços da Inova- Junginger (Inovando Juntos) e Anette Vaering
Gov: a conexão de atores; a realização de (Introdução ao Design Thinking), além da oficina
encontros e atividades; o estabelecimento para apresentação e compartilhamento de oito
de uma rede de laboratórios de inovação; experiências inovadoras de governo, o evento
o desenvolvimento de um observatório Surfando na Onda da Inovação, e a oficina de
de experiências em inovação; a criação fechamento do ano, na qual se buscou trabalhar
e a divulgação de um boletim/revista de os passos necessários para alcance do futuro
informações; a busca de formas de fi- almejado pelos membros da rede.
nanciamento de projetos de inovação; a
coleta e a premiação de soluções para a Um dos aprendizados que se deu de forma
gestão pública; a consolidação de guias quase instantânea ao início dos trabalhos da
de ferramentas e métodos de inovação; o InovaGov diz respeito à própria constituição da
desenvolvimento de programas de capa- rede. Ainda que a necessidade de construção
citação; o desenvolvimento e a difusão de de uma cultura para a inovação ocorra no âm-
pesquisas e estudos de casos; e a criação bito institucional e que, por esse motivo, seja
de um portfólio de soluções tecnológicas absolutamente necessária a institucionalização
para inovações testadas. das relações, é óbvia a personalização dos
interesses. Diferentemente de procedimentos
Ainda no primeiro encontro da rede, foram já consolidados no setor público brasileiro, que
estabelecidos cinco desafios prioritários que exigem a formação de grupos de trabalho em
deveriam ser trabalhados por seus membros, torno de projetos específicos, a inovação no setor
a saber: público ainda é uma pauta que dificilmente se
encontra institucionalizada nos órgãos públicos
• plataforma de colaboração e instrumento e, quando isso ocorre, geralmente o faz de forma
de comunicação da rede; fragmentada e isolada.

• poder de compra do Estado na aquisição Assim, percebe-se, em primeiro lugar, que a


de inovação: propostas de melhoria para InovaGov é formada de pessoas interessadas
incorporação de inovação; na inovação, seja pela necessidade de auxílio na

243
difusão e legitimação da pauta internamente ao incluídas pelos órgãos presentes, que, ao votarem
órgão, seja pelo interesse pessoal do servidor naquelas consideradas mais importantes, tiveram
em explorar novos (e motivadores) meios para a oportunidade de eliminar ideias iniciais colo-
conduzir seus trabalhos e alcançar resultados. cadas pelo Inova. Definiram-se, também, líderes
Essa característica da rede tornou-se clara para cada um dos desafios, visando reforçar o
quando grupos de colaboradores alteraram caráter horizontal da rede, bem como vincular
seus locais de exercício profissional, migrando o assunto do projeto às atribuições específicas
para outros órgãos. Observou-se que o órgão dos órgãos envolvidos no debate.
de origem passou a não mais se envolver nos
debates, enquanto o órgão de destino passou a Foi, no entanto, somente no encontro seguinte,
se destacar. Da mesma forma, por um viés mais facilitado pela especialista Sabine Junginger,
positivo, foi essa a característica da rede que a que os desafios passaram a focar em objetivos
manteve unida apesar das grandes mudanças específicos e puderam se constituir como pro-
político-institucionais sofridas pelo Poder Exe- jetos. Duas ocorrências marcaram os desafios
cutivo federal no decorrer de 2016. mobilizadores a partir de então. Em primeiro
lugar, o desafio classificado como articulação de
Em segundo lugar, observa-se que esses dois iniciativas e programas para inovação teve seu
perfis levaram a duas formas de engajamento: escopo naturalmente alterado pela necessidade
aquele que se confunde com as próprias atribui- da Escola Nacional de Administração Pública
ções dentro da instituição – que é inevitavelmente (Enap) em ver reformulado o seu Prêmio de
mais intenso – e aquele que concorre com as Inovação em Gestão Pública. Assim, enquanto a
atribuições e, por conseguinte, com as tarefas ideia inicial se constituía como estudar, integrar
dos servidores. Esse segundo grupo impõe à e otimizar todos os meios de que dispõe hoje
InovaGov um desafio importante: se, por um lado, a administração para fomento à inovação, o
há o risco constante de ver essas pessoas se projeto final teve seu escopo mais restrito às
perderem em suas tarefas diárias, afastando-as necessidades da escola, o que naturalmente
da rede e, mais importante, do tema inovação, restringiu a participação dos integrantes da
por outro lado, as tarefas diárias constituem o InovaGov. Embora esse não fosse o resultado
principal meio para tornar a inovação uma ferra- esperado, e o desafio provavelmente tenha
menta de trabalho e, portanto, um componente que ser revisitado no futuro, o ocorrido aponta
da nova cultura organizacional do setor público. para o potencial valor dos contatos dentro
Resta clara, assim, a necessidade de união dos de uma rede para resolução de problemas
membros da rede para promover o engajamento específicos: a Enap foi capaz de, no âmbito da
cada vez maior desse grupo de pessoas. InovaGov, identificar aqueles atores que melhor
contribuiriam para solução do seu problema e
5 OS DESAFIOS MOBILIZADORES os ativou em etapa específica de seu projeto
– materializada, no caso, em uma oficina para
Como mencionado, os desafios mobilizadores geração de ideias e percepção do impacto do
foram definidos no primeiro encontro da InovaGov, projeto anterior.
quando o número de pessoas e órgãos ainda era
bastante reduzido. Como ativador inicial da rede, Como segunda ocorrência relacionada aos
o Inova levou para o encontro algumas propostas desafios mobilizadores, chamou atenção a
de atuação da InovaGov que considerava serem baixa adesão de candidatos para trabalhar no
mais estruturantes na promoção de uma cultura projeto que se denominava Poder de Compra do
voltada para a inovação no setor público e que, Estado na Aquisição de Inovação – Propostas
portanto, exigiriam uma atuação transversal de de Melhoria para Incorporação de Inovação.
diversos órgãos. Outras propostas puderam ser Esse fato, agregado à dificuldade que o Inova

244
teria de patrocinar um projeto dessa natureza, dos respondentes, respectivamente, como os
levou o departamento a, inicialmente, descartar o principais temores que se concretizaram no
desafio como mobilizador. No entanto, de forma primeiro ano de operação da InovaGov –, uma
espontânea, o Ministério do Desenvolvimento, vez que a cocriação de projetos ficará facilita-
Indústria e Comércio (MDIC) captou a liderança da, bem como a demonstração de resultados
de projeto voltado a pensar em como aprimorar capazes de fomentar patrocínio.
as alianças entre as áreas pública e privada,
uma vez que o tema já estava sendo priorizado As ocorrências relatadas, somadas aos resul-
internamente ao órgão. O patrocínio do MDIC tados apontados, sugerem uma outra questão:
levou o próprio Inova a se aprofundar na temá- o ingresso de novos membros talvez não tenha
tica, levando-o a estabelecer uma parceria com sido realizado de forma informada. Uma ação
a União Europeia para conhecer suas iniciativas (já em curso no âmbito da própria rede) que
de incorporação de inovações produzidas pela pode alterar essa percepção é a criação de uma
iniciativa privada e, finalmente, inserir a temática plataforma virtual para troca de conhecimentos,
na II Semana de Inovação no Setor Público. O ciclo em que se abordem os projetos em condução e
iniciado pela retração do Inova como membro se permita o ingresso de outras instituições no
“hierarquicamente superior” da rede levou a um debate. Essa visão é reforçada pelo fato de que
resultado bastante positivo que culminou com quase 40% dos membros que responderam à
o envolvimento de outras instituições (Enap e pesquisa conhecem pouco ou sequer ouviram
Serviço Florestal Brasileiro) no projeto. falar dos desafios mobilizadores.

As duas ocorrências relatadas apontam a 6 O IMPACTO DA CULTURA ORGANIZACIONAL


importância de tornar a InovaGov cada vez SOBRE A ATUAÇÃO EM REDE PARA
mais autônoma e horizontal, desatrelando-a INOVAÇÃO
da figura do MP. O desafio, aqui, se institui
na naturalidade com que o serviço público se Apesar de ganhos inequívocos da atuação em
organiza hierarquicamente, exigindo, na maio- rede, já percebidos pelos membros da InovaGov,
ria das vezes, que algum ator atue de forma conforme indicou levantamento conduzido pelo
a coordenar as ações. A estrutura matricial Inova – como o compartilhamento de informa-
exigida na condução de projetos em uma rede ções/conhecimentos (89,7%); compartilhamento
ainda é estranha à cultura do serviço público de metodologias, ferramentas e boas práticas
e exigirá um esforço maior no início das ope- (72,4%); obter apoio/colaboração de outros
rações da InovaGov. Quando os membros da órgãos (58,6%); e melhor aproveitamento do
rede, em pesquisa avaliativa conduzida pelo capital intelectual do governo (44,8%) –, ainda
Inova, apontam a falta de ações concretas de é perceptível por parte dos órgãos uma resistên-
inovação nos órgãos (44,4%) e muita discussão cia à adoção da inovação como uma realidade,
e pouca ação (44,4%) como temores que vêm à abertura de informações e formas de atuar
se concretizando em seus relacionamentos com e à falta de necessidade de formalização de
a InovaGov, percebe-se, ainda mais, a necessi- procedimentos para a ação em rede.
dade de fomentar que as próprias instituições
busquem o apoio de membros específicos da Adentra-se aí em uma outra questão relacio-
rede na condução de seus projetos, sem o ne- nada à cultura organizacional do setor público: a
cessário protagonismo do MP. Essa conquista abertura de informações a outros setores lhe é
será um passo importante para que se combata estranha. É inerente à atuação do servidor público
a falta de integração das bases de informação do o receio de se expor a atores externos, seja por
governo e a falta de apoio interno na instituição considerar que eventuais erros incorrerão em
de trabalho – apontadas por 66,7% e 48,1% críticas, seja pelo próprio caráter regulatório do

245
poder público, seja, ainda, por acreditar que o Curiosamente, como já relatado, as mudan-
dever do Estado não deve ser compartilhado com ças ocorridas ao longo de 2016 tiveram pouco
outros atores. Há, assim, grande desconfiança impacto sobre o andamento dos trabalhos da
acerca das intenções de outros setores. Por sua rede, embora tenham impactado a decisão de
vez, as pessoas que representam as instituições assinatura do ACT pelas autoridades de alguns
integrantes da InovaGov buscam, de certo modo, órgãos. O que parece ocorrer é que o interesse
o rompimento com o status quo, ainda que isso individual na inovação no setor público tem mais
traga algum desconforto. Há também consenso influência sobre os trabalhos do que a formali-
quanto ao caráter inclusivo da rede, haja vista zação, razão pela qual a atuação de instituições
que 30% dos que responderam à pesquisa públicas na InovaGov não deverá ser impedida
conduzida pelo Inova sugeriram a inclusão de em razão da informalidade, pois, de outra for-
novos membros à InovaGov, com destaque para ma, estaria prejudicado o objetivo primeiro da
o setor privado, estados e municípios. O desafio, rede, de fomentar a inovação onde ela existe
nesse ponto, impõe-se no sentido de abarcar as somente de forma desestruturada. Há que se
contribuições de outros setores – muitos dos considerar, no entanto, que a atuação técnica
quais têm a preocupação genuína de apoiar tem suas limitações quando o resultado almejado
a melhoria nos serviços públicos – ao mesmo envolve impactar órgãos como um todo. Assim,
tempo que se minimizam os riscos reais desse vislumbra-se, aqui, mais um desafio: mobilizar as
relacionamento para certas atribuições do Es- autoridades dos diversos órgãos para a agenda
tado. É dessa reflexão que nasce o regulamento de inovação, algo que não será alcançado mera-
de funcionamento da InovaGov que guiará o mente por meio de uma formalidade. Ações que
processo de inclusão de outros parceiros. ofereçam visibilidade aos impactos dos trabalhos
realizados pela InovaGov podem facilitar essa
De forma menos problemática, a cultura mobilização, como sugerido em respostas à
organizacional dos órgãos teve grande impacto pesquisa realizada com seus membros.
na decisão de formalizar a InovaGov. A cultura
de desconfiança em relação ao servidor – que 7 CONCLUSÃO E PRÓXIMOS PASSOS DA
precisa justificar sua participação em reuniões INOVAGOV
externas a seus órgãos –, aliada à sensação de
instabilidade gerada pela fluidez de uma estru- A avaliação que se faz acerca da InovaGov indica
tura em rede – que poderia se desfazer diante que os benefícios nessa forma de atuação vêm
de mudanças em cenários político-institucionais superando seus pontos negativos. Nos diversos
–, levou à assinatura de um ACT entre o MP, o projetos vinculados aos desafios mobilizadores
TCU e o CJF, cada qual representando o poder – estruturantes para a formação de uma cultura
da União que atuará como ponto focal na adesão pró-inovação –, tem-se um número significativo
formal das demais instituições. Os primeiros de instituições envolvidas espontaneamente em
efeitos positivos da formalização foram sentidos debates e tarefas, mesmo antes da formalização
de forma imediata, aumentando o patrocínio das da rede.5
autoridades signatárias sobre a rede e empo-
derando as equipes técnicas do TCU e do CJF A avaliação, no entanto, não implica a ausên-
– ambas com forte histórico em metodologias cia de desafios. Ao final de 2016, foi conduzida
para a inovação – para atuar na energização da uma oficina que apresentava aos membros da
InovaGov juntamente com o Inova. InovaGov, em forma de cenários possíveis, os

5. Até outubro de 2016, quando ocorreu a assinatura do ACT que formalizou a InovaGov, a rede era composta por 38
instituições. A assinatura do acordo não impactou no número de membros, uma vez que as mesmas instituições vêm
formalizando a sua participação desde então.

246
anseios relatados na pesquisa conduzida pelo em rede gera ganhos institucionais é de
Inova. O objetivo desse momento foi coletar vital importância para a sobrevivência da
insights, novas ideias, novas soluções, acerca InovaGov. Ao avaliar as razões para o não
das atitudes a serem tomadas para a otimi- engajamento de alguns órgãos nos desa-
zação do trabalho em rede e das condutas a fios mobilizadores, percebe-se a falta de
serem evitadas para minimização dos riscos de tempo como razão preponderante (30%),
fracasso. Recebeu destaque especial, durante juntamente com o desconhecimento acerca
as reflexões, a utilização de ferramentas que de sua existência e/ou condução (20%).
permitam o envolvimento do cidadão para pos- Assim, para enfrentar tal desafio, algumas
sibilitar a inovação do serviço público, objetivo ações poderão ser conduzidas:
primeiro da abordagem design thinking, que vem
sendo mundialmente adotada por organismos a) desenvolver estratégias para obtenção
envolvidos com inovação. de patrocínio das autoridades dos
órgãos, com destaque para ações
Agregando-se os diversos momentos, foram “vitrine”, capazes de demonstrar o
mapeados e destacados os desafios apresen- valor da InovaGov e da inovação;
tados a seguir.
b) disseminar os projetos vinculados aos
1) Engajamento dos demais setores e da desafios mobilizadores, inclusive quanto
sociedade civil: a otimização do valor da a suas etapas e resultados interme-
InovaGov depende de sua abertura a atores diários, permitindo o envolvimento de
externos ao setor público. Essa visão ins- outras instituições e sendo possível a
pirou a criação da rede, pois considera-se necessidade de aumento do número
que a inovação depende da integração de de encontros, uma vez que a rede vem
valores e percepções distintos, e é natural se estruturando de forma dinâmica e
que, após o envolvimento dos órgãos pú- muitos sequer tiveram a oportunidade
blicos, inicie-se essa abertura. O desafio de se conhecerem (sete órgãos e cerca
que se impõe diz respeito à construção de quarenta pessoas aderiram infor-
de um regulamento capaz de clarificar os malmente à InovaGov desde o último
objetivos da relação dos diversos perfis encontro e 44% dos que responderam
que farão parte da rede e, especialmente, à pesquisa apontaram que a frequência
à definição do limite dessa relação quanto dos encontros poderia ser ampliada –
ao compartilhamento de informações. Há esforço iniciado em oficina realizada
que se lembrar, aqui, a importância da es- em dezembro de 2016);
pontaneidade das relações em rede, que
poderá sofrer limitações caso as instituições c) permitir a proposição de novos desafios
públicas fiquem desconfortáveis em suas mobilizadores que reflitam soluções para
interações na InovaGov. Lembra-se, ainda, as dificuldades encontradas também
da importância de consenso relativo, uma pelos novos membros da rede;
vez que não há hierarquia em relações
dessa natureza. d) oferecer oportunidades para encorajar
as instituições a se apoiarem na Ino-
2) Obtenção de resultados efetivos mediante vaGov para resolução de problemas
atuação em rede: essa questão foi apontada próprios, a exemplo do que fizeram
como problemática para 44% das pessoas a Enap e o MDIC, de modo que tal
que responderam à pesquisa conduzida apoio, se bem planejado e direciona-
pelo Inova. A percepção de que a relação do a determinada etapa do projeto,

247
tenha o potencial de geração rápida públicas e pode ajudar a nivelar as capa-
de resultados; e cidades no âmbito da rede, favorecendo a
horizontalidade das relações.
e) fortalecer a comunicação das ações
da InovaGov, a fim de oferecer maior Diante dos pontos expostos, vislumbra-se
legitimidade e divulgar seu potencial na como próximos passos: i) o fechamento do
resolução de problemas que carecem regulamento de funcionamento da InovaGov,
de visão inovadora. seguido pelo envolvimento dos demais setores,
facilitando a parceria em projetos (devido ao
3) Horizontalização das relações: a hierarquiza- grande potencial inovador, a tendência é iniciar
ção das relações parece ser um movimento a abertura da rede mediante envolvimento das
natural para o setor público, podendo levar startups, sendo possível, no entanto, que esse
ao fracasso dos esforços de uma relação em movimento ocorra de forma paralela ao envol-
rede. Por seu caráter central, o MP buscou vimento das demais esferas governamentais e
ativar a InovaGov, reconhecendo que a da academia, dada a relação que já existe com
necessidade de fomento de atividades e diversos órgãos federais); ii) o fortalecimento
de expansão da rede será uma atribuição das ações de comunicação da rede, favorecen-
sua, do TCU e do CJF, até que essa forma do, inclusive, uma melhor difusão dos desafios
de trabalho se torne habitual. É preciso mobilizadores; iii) a organização de momento
lembrar, no entanto, que o movimento de para a proposição de novos projetos, a fim de
mudança de uma cultura exige esforço, permitir a inclusão real dos novos membros da
sendo necessário pensar estratégias con- rede e, assim, a composição da pauta de dis-
cretas para que o desafio seja vencido. A cussão por projetos que representem interesses
disponibilização de ferramentas de design diversos; e iv) a proposição de projeto mais
thinking, com a respectiva capacitação, é amplo para desenvolvimento da capacidade
vista pelos idealizadores da InovaGov como dos membros da InovaGov, para que apoiem
um potencial catalizador para fortalecer a projetos internos a suas instituições, à luz da
cultura inovadora no âmbito das instituições abordagem design thinking.

248
CONCLUSÃO
INOVAÇÃO NO SETOR PÚBLICO: avanços e caminho
a seguir no Brasil
Pedro Cavalcante1 | Marizaura Camões2

1 INTRODUÇÃO de falhas de mercado e nas suas próprias falhas,


como também orientada a grandes missões e
Este texto tem como finalidade refletir sobre os à construção de ambientes propícios para o
resultados e as perspectivas apresentadas no processo inovador da iniciativa privada e so-
decorrer desta coletânea. Em função do caráter ciedade civil. Esse pressuposto fundamenta a
inédito da publicação, dedicada exclusivamente percepção cada vez mais consensual de que a
à temática de inovação no setor público no Brasil, prática de inovação, que, normalmente, tende
é compreensível que os trabalhos apresentem a gerar resultados positivos em termos de de-
mais questões para investigação futura do que senvolvimento social e econômico, não ocorre
propriamente esgotem o complexo tema. Nesse em países nos quais o setor privado é inovador
sentido, o esforço desta conclusão é justamente e o público não ou vice-versa. A lógica natural
sintetizar os principais achados, indicar agenda é justamente o contrário, isto é, arranjos que
de pesquisa futura e, sobretudo, os caminhos fomentem e criem condições propícias para que
para a construção de cultura inovadora na ad- ambos os setores atuem em prol da criação de
ministração pública brasileira. valores, seja público ou de lucro/competitividade,
a partir da potencialização da cultura inovadora.
Um aspecto que chama a atenção nos dife-
rentes debates presentes nos capítulos envolve O próprio foco schumpeteriano incluía a
a centralidade do Estado no terreno da inovação. preocupação em explicar a relação entre inova-
A despeito dos notórios fatores inibidores da ção tecnológica e desenvolvimento econômico
inovação no setor público, observa-se a supera- (Schumpeter, 1934). No caso do setor público,
ção de visões estigmatizadas e preconceituosas o conceito de destruição criadora pode ser
acerca da capacidade inovadora no governo e relativizado para novas práticas e ênfases nas
se avança para reforçar o seu protagonismo em políticas públicas, tanto para prover serviços
variadas perspectivas. A visão dialética entre o públicos inovadores como também no sentido de
Estado e a iniciativa privada é ultrapassada, na estruturar e catalisar a capacidade da iniciativa
medida em que ambos os setores são não apenas privada e da sociedade em prover inovações nas
fundamentais para o ecossistema de inovação, suas diferentes formas.
mas, principalmente, complementares.
No caso da formulação e implementação das
Prevalece, portanto, a visão da relevância da políticas públicas, reitera-se que a incorporação
atuação estatal, não apenas agindo na correção de inovações não é novidade, uma vez que a

1. Coordenador de estudos e políticas de Estado e democracia na Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições
e da Democracia do Ipea (Diest) do Ipea.
2. Coordenadora-geral de pesquisa na Escola Nacional de Administração Pública (Enap).
realidade da configuração e do funcionamento a sinalizar os gargalos e, especialmente, os
da administração pública se transforma de forma caminhos a serem seguidos pela administração
intensa, em especial, após as ondas de reformas e pública brasileira rumo à institucionalização da
também de processos de melhorias incrementais prática e da cultura de inovação em governo.
das últimas décadas. Tais mudanças afetaram
não apenas o modus operandi dos governos, 2 INOVAÇÃO COMO UM IMPERATIVO
mas, principalmente, as formas de prestação
de serviços públicos que não necessariamente Se na iniciativa privada inovação é como um fator
foram desenvolvidos a partir da referência do de sucesso e, principalmente, de sobrevivência
setor privado. Em muitos casos, as inovações desde os primórdios da teoria schumpeteriana,
organizacionais e nas políticas públicas são no setor público as inúmeras transformações de
construídas a partir de processos altamente diferentes ordens (sociais, econômicas, tecnoló-
endógenos. Apesar de recentes, as mudanças gicas etc.) também vêm provocando crescente
supracitadas permitiram o desenvolvimento pressão sobre os governos para inovar. Embora,
de estudos teóricos e relatos de experiências em sua maioria, não envolva a necessidade de
discutidas nos diferentes capítulos deste livro. lucro e competitividade no mercado, a prática
inovadora na prestação de serviços públicos
Cabe ressaltar que a consecução deste livro segue outros objetivos, por exemplo, a revitali-
se deve aos esforços conjuntos do Instituto de zação da confiança e da legitimidade do Estado
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e da Escola junto aos cidadãos.
Nacional de Administração Pública (Enap) com
diversos pesquisadores e servidores públicos Não obstante, nem sempre essa perspectiva
de instituições que fazem parte da Rede de foi hegemônica. No capítulo 3, Cunha discorre
Inovação no Setor Público (Rede InovaGov), sobre diferentes visões explicativas do processo
como também colaboradores referências inter- inovador que afetaram a construção de agendas
nacionais no campo. Esse empreendimento de de governo e as ações, tanto públicas quanto
caráter colaborativo não apenas converge com as privadas, nas últimas décadas. Os dois primeiros
missões institucionais do Ipea e da Enap, como, estágios foram marcadamente pautados pela
também, é original na medida em que apresenta lógica da linearidade, com evidente protagonismo
uma primeira tentativa de sistematização do do mercado como provedor e fonte de conheci-
conhecimento acerca de teoria, tendências e mento da inovação. Mais recentemente, todavia,
casos de inovação no governo brasileiro. predomina o estágio dos sistemas de inovação
ou ecossistemas nos quais os setores público
Além dessa breve introdução, essa conclu- e privado atuam de forma complementar e, em
são se organiza da seguinte forma. A seção 2, geral, colaborativamente. Com efeito, Cunha
discute, com base na teoria, como a inovação argumenta que tal configuração provocou uma
se tornou um imperativo no setor público e em diversificação nos papéis estatais, que vão desde
que dimensões ela se configura. Em seguida, na restrição à criação de condições para a inovação,
seção 3, procura-se resumir o quanto o Brasil, perpassando pelas funções de catalisador e até
em especial no âmbito federal, vem avançando agente inovador.
na prática inovadora. Para tanto, a seção se sub-
divide em uma parte de trabalhos comparados Na prática, tais papéis que configuram a rela-
que analisam diferentes vertentes, tendo como ção entre setor público e inovação normalmente
base os resultados do Concurso Inovação da não são excludentes, ao contrário, tendem a
Gestão Pública Federal (CIGPF) e, outra, voltada ser cumulativos e com combinações variadas.
a análises de casos e tendências específicas À título de ilustração, no capítulo 1, Cavalcante
de inovação. Finalmente, a seção 4 se dedica e Cunha utilizam o enquadramento elaborado

250
Karo e Kattel (2016) para apresentar os possíveis funcionamento do setor público atualmente envolve
formatos das funções do Estado na temática menos o foco em grandes esforços reformistas
de inovação com exemplos aplicados ao caso e mais a ênfase nas práticas inovadoras a partir
brasileiro, são eles: i) investimento público em da implementação de melhorias pontuais nos
ciência, tecnologia e inovação (exemplo: Empresa processos e serviços públicos. Nesse contexto,
Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa ganham destaques no policymaking a adoção de
e Financiadora de Estudos e Projetos – Finep); ii) tendências de gestão, tais como a atuação em
compras públicas (caso do pregão eletrônico); iii) redes e o e-government, como estratégias de
inovações institucionais econômicas (exemplo inovar no governo. Ademais, o capítulo também
agências reguladoras); iv) inovações institucio- traz uma reflexão sobre a diversificação da
nais políticas (caso do orçamento participativo); atuação governamental no campo da inovação,
v) serviços públicos (exemplo digitalização do em especial a proliferação internacional de
atendimento na saúde); e vi) organizacional laboratórios de inovação e suas variantes, tema
(laboratórios de inovação). que é aprofundado no capítulo 9, de Tõnurist,
Kattel e Lember.
Ademais, Cavalcante e Cunha, no capítulo 1,
trazem importantes dimensões relativas às moti- Ainda no debate teórico, Oliveira e Santos
vações do envolvimento estatal com a inovação, Júnior, no capitulo 2, avançam nas discussões
reconhecendo os contextos dinâmicos em que sobre um componente pouco abordado na
o setor público se encaixa. Nesse sentido, os literatura de inovação – suas consequências.
autores ampliam a visão de atuação inovadora O tema se torna bastante relevante diante do
para além da estratégia de correção das falhas fato de que a inovação, geralmente, sofre, pelo
de mercado. As razões da atuação do Estado seu status de “conceito mágico”, assim como
no ecosistema de inovação incorporam tanto a participação, accountability e governança (Pollit
busca pela construção de sistemas de inovações, e Hupe, 2011). Logo, o caráter nobre e normativo
como também em função das próprias falhas de da inovação, em boa medida, tende a atrapalhar
governo, crescimento de problemas cada vez mais a capacidade dos analistas em aprofundar nas
complexos, transversais, incertos e estruturantes suas limitações.
(wicked problems), além de demandas por mais
e melhores serviços e mais participação social O capítulo 2 traz uma importante contribuição
no processo decisório de políticas públicas. no debate ao desmistificar a percepção de que
a inovação sempre gera impactos ou resultados
O capítulo 1 reitera a visão da priorização positivos. Sem dúvida, a inovação quando bem-
estratégica da inovação como um imperativo -sucedida tende a gerar valor no setor público
da gestão pública contemporânea em todo o sob diferentes formas, mas, muitas vezes, suas
mundo. Esse fenômeno, em grande medida, consequências fogem ao planejado. Assim, as
está relacionado não apenas com as mudanças consequências da inovação podem ser classi-
e os fatores supracitados, mas também com a ficadas de três formas: desejáveis/indesejáveis,
influência dos processos reformistas pautados no diretas/indiretas e não antecipáveis/antecipáveis.
movimento da Nova Gestão Pública ou New Public Nesse sentido, vale lembrar a importância das
Management (NPM). A despeito da percepção análises e avaliações das consequências incor-
crítica quanto aos resultados efetivos, poucos porarem as premissas da teoria de stakeholders,
hão de discordar que o NPM não tenha ao menos uma vez que, dependendo do ponto de vista de
impactado fortemente nos debates acadêmico quem está envolvido no processo inovador, seja
e governamental acerca das disfunções do ele beneficiário, implementador, financiador
modelo tradicional de administração pública. O etc., a percepção quanto aos impactos pode
aspecto mais relevante para se compreender o ser diametricamente oposta.

251
Assim como no debate sobre as consequências, o quanto avançamos na prática inovadora a partir
Djellal, Gallouj e Miles, no capítulo 4, também de duas estratégias analíticas distintas e comple-
afirmam que, dentro da linha de pesquisa, a mentares: abordagens comparativas e estudos
inovação nos serviços tem sido negligenciada. de casos de inovação em políticas públicas.
Como forma de avançar no debate, e conside-
rando o predomínio dos serviços como área de 3.1 Inovação em perspectiva comparada
atuação da administração pública, os autores
analisam o tema a partir de suas caracterís- A primeira estratégia tem como principal fonte
ticas diversificadas e singulares. Para tanto, de informações e dados o Concurso Inovação
eles desenvolvem reflexões aplicadas ao setor da Gestão Pública Federal. Criado em 1996 pela
público a partir das quatro perspectivas teóricas Enap, esta premiação tem como objetivo principal
diferentes da literatura original de inovação em promover e disseminar práticas inovadoras na
serviços, são elas: assimilação, demarcação, gestão pública brasileira e recompensar servi-
inversão e integração. O esforço analítico traz dores públicos, a fim de promover abordagens
contribuições importantes, em especial para práticas para o desempenho governamental.
entendermos que, embora as inovações em Os capítulos abordam as iniciativas do governo
serviços possuam similaridades entre os setores federal, com foco do CIGPF, não incluindo as
públicos e privados, dependendo das pers- experiências dos governos subnacionais que
pectivas, pode-se observar também aspectos também são notoriamente celeiros de políticas
diferenciadores evidentes. inovadoras. Cabe alertar, assim, para a inexis-
tência de atividades de competição e premia-
O texto, publicado originalmente na revista ção para as esferas estaduais e municipais no
Strutural Change and Economic Dynamics e período analisado do concurso, ao contrário do
traduzido para compôr este livro, põe fim a uma que ocorria com o Programa de Gestão Pública
possível incongruência entre os termos “serviço” e Cidadania que, entre 1996 a 2004, premiou
e “inovação”, fruto muitas vezes da carência de e ajudou a disseminar milhares de iniciativas
estudos sobre serviços públicos. Nessa perspec- inovadoras (Jacobi e Pinho, 2006).
tiva, o governo atua tanto na produção quanto
na adoção de inovações científicas e técnicas. É importante salientar ainda que essas po-
Da mesma forma, ressalta a importância dos líticas premiadas são conhecidas no campo de
serviços públicos em seu papel influenciador da estudo como as campeãs (champions), por isso
inovação e que as aquisições públicas (procure- não refletem necessariamente a prática cotidiana
ment) podem guiar as trajetórias de inovação. na gestão pública brasileira. No entanto, essa
tem sido uma estratégia analítica cada vez mais
3 O QUE AVANÇAMOS utilizada em investigações sobre inovações no
setor público (Borins, 2014), investigações que
A prática inovadora no serviço público brasi- ajudam não apenas a analisar e compreender
leiro não é uma novidade, embora careça de o funcionamento da administração pública,
tratamento adequado por parte do governo e mas também a mapear eventuais tendências
da academia com vistas a escalonar e difundir de gestão. Nos casos do concurso inovação e
as boas práticas de gestão. Também exerce o do Programa de Gestão Pública e Cidadania,
papel de enfrentar as visões estereotipadas, suas criações se deram em um contexto de
geralmente negativas, acerca do funcionamento reformas administrativas, muito influenciadas
e dos resultados das políticas públicas no país. pelo movimento gerencialista ou New Public
Management. Não obstante, o CIGPF continua
Diante desse cenário, essa seção se dedica a até os dias atuais e, inclusive, na edição atual,
sintetizar os capítulos da coletânea que discutem passou também a premiar iniciativas dos governos

252
subnacionais. Reforça-se, assim, a percepção de A maioria das práticas de gestão é conside-
que a prática inovadora no governo independe rada de processos internos, sendo a ênfase em
de amplas estratégias reformistas comuns em serviços parcela menos expressiva, pouco mais
décadas passadas. de 20%. Não obstante, isso não significa dizer
que não tenha como objetivo final melhorias dos
Justamente com a finalidade de descrever os serviços prestados pelo órgão. Normalmente, esses
resultados do CIGPF e a produção acadêmica efeitos são indiretos, mas existentes. Quanto aos
que o utiliza como referência, no capítulo 5, objetivos/resultados, predominam dimensões
Camões, Severo e Cavalcante traçam um pa- relacionadas ao desempenho organizacional,
norama das áreas temáticas e das trajetórias isto é, efetividade, eficiência e economicidade,
de inovações desde sua criação, bem como a aspectos bastante valorizados pelo NPM, porém
síntese da literatura. continuam reconhecidos como fundamentais
nos dias de hoje. Por outro lado, dimensões com
Quanto às iniciativas, nas duas décadas de mais limitações na capacidade de se mensurar
existência analisadas, foram apresentadas quase objetivamente, como satisfação do usuário e
2 mil candidaturas por órgãos federais em todo envolvimento social, são menos relatadas como
o Brasil, com predominância dos localizados na objetivos pretendidos pelos implementadores.
capital, Brasília. Os dados indicam que minis-
térios maiores e mais antigos, como Educação, Quando o capítulo 6 analisa os determinantes,
Fazenda e Saúde, historicamente, são os que alguns achados são bastante interessantes para
geram inovações mais valorizadas no concurso, nos ajudar a refletir sobre como inovar no setor
o que reforça uma hipótese bem testada no público brasileiro, porque o conhecimento empi-
campo de que o tamanho da organização im- ricamente válido sobre os indutores de inovação
porta positivamente em processos inovadores é bastante escasso, sobretudo na realidade da
(Comissão Europeia, 2011; Fernandez e Wise, gestão pública brasileira. Com base em refe-
2010; Hansen, 2011). No que tange à produ- rências da literatura, o estudo procura verificar
ção científica, os autores reconhecem o quão a ocorrência de diversos indutores que podem
incipiente e com caráter mais descritivo ainda ser divididos em quatro níveis: organizacional,
são os estudos acadêmicos e profissionais sobre individuais, ambiente externo e características
o tema, mas sinalizam para a sofisticação das da inovação. Os resultados demonstram que
investigações e também para a diversificação uma iniciativa inovadora é consequência de uma
das abordagens. combinação de fatores e não uma construção
isolada, sendo que quanto maior o número de
Essa variação nas pesquisas está, em boa indutores presentes, maiores as probabilidades
medida, exposta nos três capítulos que com- de a prática ser premiada no CIGPF. Além disso,
põem a parte dois da coletânea, e que também no cruzamento dos determinantes com a tipo-
desenvolvem estudos comparativos com base logia de inovação em gestão, o capítulo reforça
nas inovações do governo federal premiadas a percepção de que a criação de condições
pela Enap com enfoques distintos. No capítulo 6, favoráveis ao processo inovador tende a variar
Cavalcante e Camões analisam as experiências de acordo com o seu tipo, uma vez que inovação
finalistas e premiadas entre 2009 e 2015, em de processos difere-se de serviços, assim como
um esforço para identificar padrões e caracte- de processos tecnológicos.
rísticas centrais das inovações, tais como tipos,
objetivos/resultados, estágio e abordagens da Se, por um lado, os principais indutores envol-
implementação das iniciativas. No entanto, o vem os quatro níveis supracitados, com destaque
foco principal é o mapeamento de seus indutores para vantagem relativa, custo benefício, folga
ou determinantes. organizacional, rede/cooperação e liderança;

253
por outro lado, aspectos como concorrência, capacidade técnica dos estados e municípios é
prêmios/incentivos, autonomia funcional e uma barreira à inovação. Essa dimensão também
aversão ao risco são menos influentes. Logo, é fundamental diante do caráter colaborativo
nota-se que estes últimos, normalmente usuais do federalismo brasileiro em diversas políticas
na iniciativa privada, são menos importantes no públicas, especialmente as sociais. Esse achado
caso nacional, o que pode ser explicado pela reforça ainda mais a necessidade de inovar não
forte influência do modelo burocrático rígido e apenas na formulação, mas, principalmente, na
com resquícios patrimonialistas da administração construção de capacidade administrativa nas
pública brasileira. esferas de governo que, de fato, implementam as
políticas públicas. Vale ressaltar que o país, em
Na direção contrária, mas com o mesmo algumas políticas prioritárias, como o Sistema
objetivo de explicar o fenômeno da inovação no Único de Saúde (SUS) e a transferência de renda
setor público brasileiro, no capítulo 7, Brandão e de cidadania, desenvolveu estratégias e arranjos
Bruno-Faria analisam exatamente aqueles fatores institucionais bastante sofisticados e inovadores
que se apresentam barreiras, isto é, variáveis que que não apenas superaram essa barreira como
influenciam negativamente o processo inovador. também geraram impactos positivos à sociedade
As autoras utilizam estratégia metodológica que são reconhecidos internacionalmente.
qualitativa, pesquisa documental e entrevistas
semiestruturadas com gestores responsáveis Com um recorte temporal mais ampliado,
por iniciativas premiadas no CIGPF entre 2008 englobando o período 1999-2014, Isidro-Filho,
e 2010. no capítulo 8, se propõe a utilizar os relatos das
iniciativas do CIGPF com vistas a esboçar um
Os resultados também são muito interessan- modelo analítico de inovação no setor público
tes para elucidar esse fenômeno complexo. As à luz de referências institucionais e científicas.
principais barreiras relatadas são dificuldades de
articulação intersetorial, restrições legais, estrutura Como antecedentes, os resultados da in-
organizacional verticalizada, resistência à inova- vestigação indicam que as inovações ocorrem
ção e aversão ao risco. As três primeiras estão como estratégia de melhorias contínuas, como,
relacionadas também com o padrão burocrático também, impulsionadas à solução de proble-
rígido, muitas vezes insulado, do funcionamento mas em processos, serviços e gestão, sendo
da máquina pública brasileira. Como agravante, o majoritariamente de caráter incremental e não
capítulo 7 ressalta que esses obstáculos se tornam radical. Assim como nos dois capítulos anteriores,
ainda mais relevantes de serem superados, na Isidro-Filho também identifica a tendência de
medida em que parte significativa das políticas colaboração quanto à necessidade de capacidade
públicas do governo federal tende a possuir na inovadora, tanto como determinantes, quanto
intersetorialidade um componente importante como características do processo inovador
do policymaking. Em relação às duas últimas no governo federal. Ou seja, observa-se um
barreiras, o mesmo resultado foi identificado no comportamento de aprendizagem interorga-
capítulo 6, de determinantes da inovação, o que nizacional entre os órgãos públicos a partir da
corrobora para a visão de poucos incentivos e de cocriação e da transação de capacidades de
excessivo receio por parte dos gestores públicos inovação, de conhecimento, de tecnologias e
no governo federal na cultura de tentativa/erro de competências. Do lado oposto, o capítulo 8
ou experimentação, fatores centrais do debate também mapeia a resistência à inovação e as
de inovação. limitações de recursos humanos como barreiras.

Ademais, chama à atenção a percepção Por fim, o modelo analítico sintetiza os resul-
por parte dos burocratas federais de que tados mais presentes nas iniciativas premiadas

254
do CIGPF. A partir dos relatos das inovações, eles geração de soluções de governo para diversas
envolvem as melhorias sob três perspectivas: organizações públicas.
na qualidade da entrega do serviço público; na
gestão e no clima organizacional; e na imagem A iniciativa da Fábrica de Ideias da Agência
e nas relações institucionais. Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), relatada
por Silva e Buvinich no capítulo 10, demonstra
3.2 Estudos de casos de inovação em como um piloto desenvolvido em uma agência
políticas públicas reguladora do governo pode, em pouco tempo,
apresentar evoluções importantes. É interessante
Essa coletânea inicia o relato dos estudos de perceber que, como apontado no capítulo 4
caso com o texto de Tõnurist, Kattel e Lember que trata de inovação em serviços, a demanda
que, no capítulo 9, traçam o panorama de onze da agência ainda tem dificuldade em perceber
laboratórios de inovação no setor público da o potencial de contribuição da inovação em
Europa, América do Norte e Austrália. Os I-labs serviços estando centrada em melhorias de
são organizações que exercem a liderança, processos. Obviamente, a partir do processo de
sendo assim agentes autônomos de mudança, institucionalização que está sendo construído, a
atraem financiamentos privados e possuem alto iniciativa pretende expandir a atuação e lidar com
poder de convencimento no setor público. Na o dilema comum aos I-labs do mundo: garantir
ausência de autoridade hierárquica, os I-labs uma inserção na hierarquia organizacional para
tem como foco a comunicação e a persuasão, a ter legitimidade sem perder a autonomia e as
partir do uso de redes informais, para promoção possibilidades de fomentar o experimentalismo,
da mudança. via exercícios de tentativa e erro.

A despeito dos evidentes resultados gerados O livro também apresenta iniciativas do


pelos laboratórios, os autores encontraram que governo federal brasileiro no sentido de incen-
a presença de um patrocinador político ainda é tivar a inovação. A primeira delas é descrita
vital para a sobrevivência dessas instituições. O no capítulo 11, no qual Roncaratti, a partir da
dilema entre manter autonomia – se mantendo análise comparada dos programas Start-Up
pequeno – e expandir a capacidade de atuação Brasil, InovAtiva Brasil e InovaApps, conclui
– correndo o risco de perda de flexibilidade que a revolução tecnológica tem gerado novos
– também é muito presente nas realidades negócios e novas formas de gerar inovação. As
cotidianas. Os laboratórios também ainda são políticas de incentivo a start-ups estão contribu-
fortemente vistos como uma “moda”, o que indo para aumentar a inteligência na formação
torna mais urgente a necessidade de catalisar de arranjos e estruturas de políticas públicas. O
e legitimar as mudanças propostas. Um fato incentivo ao empreendedorismo e desenvolvi-
curioso é que, apesar da tecnologia ser fator mento tecnológico estão presentes e carecem
crucial para inovação, poucos I-labs possuem de serem estudados com mais profundidade
esta capacidade instalada dependendo de capital para averiguar resultados e impactos diretos e
humano externo. indiretos para a sociedade.

No Brasil, experiências têm surgido no sentido O capítulo 12 contribui com a experiência do


de promover a inovação no setor público por Ministério da Educação (MEC) no uso de crowds-
meio de laboratório de inovação. Na Enap, por torming para prospectar soluções inovadoras,
exemplo, foi criado o laboratório de inovação em em estratégia convergente com a tendência de
governo “GNova” em parceria com o MindLab inovação aberta. Os autores descrevem como
da Dinamarca. O GNova tem usado métodos 100% das universidades federais e dos insti-
oriundos do Design Thinking como estratégia de tutos federais de ensino interagiram no projeto

255
Desafio da Sustentabilidade, cujo objetivo era complexo fenômeno. Nesse sentido, alguns
prospectar ideias e soluções para aumento da importantes achados e reflexões podem ser
sustentabilidade nos campi dessas organizações. reforçados com vistas a sinalizar o caminho
O capítulo descreve também alguns resultados que deve ser seguido para o desenvolvimento
de implementação após apenas doze meses da de uma cultura institucionalizada de inovação
finalização do processo prospecção de soluções. no governo brasileiro.
Ou seja, há avanços para além da etapa de idea-
ção. Apesar de ainda não ter havido tempo hábil A centralidade do Estado é uma premissa
para avaliação da implementação das inovações, que deve ser reconhecida como fundamental
a iniciativa do MEC de utilizar o crowdstorming já em qualquer dimensão ou setor em que as ino-
tem gerado frutos no sentido de incentivar outras vações sejam implementadas. As abordagens
áreas do ministério, incluindo as finalísticas, a tanto históricas quanto atuais superaram as
criarem seus próprios projetos de prospecção de percepções estigmatizadas e míopes que ressal-
soluções, incluindo o envolvimento da sociedade tam a prevalência de dicotomia entre os setores
civil, como são os casos do InovaEJA, do Desafio da público e privado. Nesse contexto, a visão de
Educação Profissional e Tecnológica e do Desafio ecossistema de inovação pressupõe relações
EducAção #ZikaZero. O uso da técnica tem um complementares e colaborativas entre esses
grande potencial de utilização pelas diferentes setores, bem como a sociedade civil, nos quais
áreas de governo e se tornar ferramenta eficaz os papéis do setor público são diversificados.
para impulsionar a inovação no setor público. Embora essas funções variem, de acordo com
as áreas e responsabilidades governamentais, é
A terceira iniciativa descrita diz respeito à consensual que cada vez mais o Estado valorize
Rede InovaGov que, por meio de desafios mo- a prática inovadora, seja dentro ou seja fora do
bilizadores, tem gerado trabalhos colaborativos governo (iniciativa privada e terceiro setor),
de diferentes instituições do governo federal. Um como estratégia para o desenvolvimento em suas
dos resultados evidente é a publicação deste livro, diferentes perspectivas – sociais, econômicas,
que surge a partir da liderança da Enap e do Ipea tecnológicas, ambientais etc.
no desafio Estudos e pesquisas e da convergência
de atores dispostos a relatar suas experiências Nesse cenário, é fundamental reiterar que
e conhecimentos no campo. No capítulo 13, os a inovação como orientação prioritária no
autores relatam os grandes desafios que a rede setor público não advém unicamente de boas
ainda pretende enfrentar, como o engajamento ideias e intenções, mas, sobretudo, de esforços
da sociedade civil e de outros setores para além deliberados e contínuos de construção de
a administração pública; a mensuração e dissemi- capacidades dentro do aparelho do Estado.
nação dos resultados oriundos da rede de forma Isto é, de um quadro funcional qualificado e
a montar uma vitrine e interesse dos dirigentes constantemente preparado para inovar. Não
públicos; e a horizontalização das relações entre se trata, porém, de uma burocracia pública nos
as diferentes organizações vinculadas à rede que moldes tradicional, inflexível e insulada. Assim
ainda percebem no Ministério do Planejamento como outras diretrizes e princípios de gestão,
um papel de coordenador. característicos do atual período de pós New
Public Management (Cavalcante, 2017), tais
4 O CAMINHO A SEGUIR como colaboração, parcerias, redes, entre outros,
o fortalecimento da burocracia segue a tendência
Conforme já mencionamos no início desta internacional de valorização do serviço público
conclusão, o esforço original desta coletânea aberto às mudanças e propenso a interagir com a
era o de avançar na compreensão da inovação sociedade e as empresas em busca de soluções
no setor público sem, contanto, esgotar esse inovadoras para as políticas públicas.

256
No entanto, como ficou evidente no decorrer gestão, sejam oriundos de referências interna-
dos capítulos do livro, a simples definição formal cionais, seja da iniciativa privada, nos moldes
ou o discurso acerca da importância do fomento das abordagens one size fits all (um tamanho
à inovação não são suficientes para torná-la para todos), já se mostraram frustadas quando
cotidiana na realidade governamental. Por um aplicados a contextos institucionais ambíguos
lado, observamos que a persistência da prática e complexos, como é o caso da administração
inovadora no governo federal, analisada sob pública no Brasil. Por essa razão, os resultados
diversas óticas a partir das iniciativas premiadas e as reflexões dessa coletânea corroboram mais
no CIGPF, e mais recentemente na proliferação para uma perspectiva de valorização de fatores
de laboratórios de inovação, inclusive no âmbito facilitadores e necessários para processos ino-
nacional, e as ações de fomento descritas nos vadores que, normalmente, variam conforme
estudos de caso da coletânea, indicam que o tema foco e características das organizações. Vale
é latente na agenda governamental, sobretudo no lembrar, reiterado em diversos capítulos deste
governo federal. Por outro, a baixa capilaridade livro, o caráter multicausal da inovação.
em toda a administração pública do debate atual,
a precariedade do conhecimento científico acerca Portanto, a criação da cultura de inovação
da inovação, suas barreiras e determinantes, ade- nas organizações públicas deve se sustentar
quado à realidade da gestão pública brasileira e, em nove componentes necessários, mas não
por conseguinte, a incapacidade de se promover suficientes. A figura 1 expõe esses componentes,
a disseminação e o escalonamento de inovações que serão discutidos em seguida.
de forma sistemática, apresentam-se como os
grandes desafios à consolidação de uma cultura Um aspecto fundamental que remete os
inovadora no setor público do país. primórdios das inovações são as práticas de
tentativa e erro. As grandes invenções da história,
O caminho, sem dúvida, não é trivial e mui- assim como as políticas públicas bem-sucedidas,
to menos de curto prazo. Do mesmo modo, a envolvem processos, normalmente de longo
opção por receitas únicas e/ou modelos de prazo, de experimentalismo. Nesse sentido, a
FIGURA 1
Componentes da cultura de inovação

Espaço de criatividade
Equipes
interdisciplinares (experimentalismo) Liderança

Incentivos
Cocriação e Cultura de
coprodução inovação Eventos de
aprendizagem

Gestão do Prototipagem e Demonstar


conhecimento projeto piloto resultados
(avaliação)

Elaboração dos autores.

257
constituição de espaços de criatividade nas orga- cursos, palestras e oficinas, por exemplo, serve
nizações ou a frequente utilização destes mesmo para transmitir conhecimento sobre a inovação,
que não estejam dentro das suas instalações é capacitando o corpo funcional e os dirigentes,
uma fator importante tanto para as etapas de como também exerce uma função inspiracional
ideação como às iniciais de implementação. A nas equipes. Embora as inovações tendam a ser,
“fuga” dos afazeres e problemas cotidianos em em sua maioria, consequência de processos
um ambiente propício à interação e à criatividade inconscientes, no sentido de que os resultados
tende a potencializar a capacidade dos funcio- nem sempre advêm daquilo que foi planejado, elas
nários em propor novas ideias, bem como testar também não nascem apenas de boas ideias. Em
e incubar soluções. outras palavras, o processo de implementação
é pré-requisito e nele os recursos, incluindo hu-
O papel da liderança é recorrentemente enfa- manos e de conhecimento, são essenciais, o que
tizado como essencial em qualquer processo de reforça a necessidade estratégica de nivelar e
implementação de políticas públicas. As constantes treinar os funcionários para enfrentar os desafios
barreiras existentes na administração pública, inerentes ao processo inovador.
sejam elas normativas, interorganizacionais, de
recursos, entre outras, por si já dificultam obter Em todas as políticas públicas, independen-
sucesso nas ações governamentais. Isso tende temente de ser da área social, de infraestrutura
a se potencializar em caso de ausência ou pre- ou econômica, a etapa avaliativa é um fator cada
cariedade dos líderes ou dirigentes, sobretudo vez inerente ao policymaking. A avaliação dos
quando o projeto envolve a introdução de uma insumos, processos e impactos tende a permear
processo ou serviço novo. Em outras palavras, todas as etapas clássicas de uma política pública,
realizar o cotidiano já é difícil, inovar é ainda por razões que englobam subsídios aos gestores
um maior desafio e sem o apoio mínimo dos para correção de rumos e o modo de operação
superiores é tarefa quase impossível. e esclarecimentos que ajudam a mobilizar o
engajamento dos colaboradores envolvidos na
Do mesmo modo, os incentivos aos servi- temática, bem como possui a finalidade de per-
dores/colaboradores e às equipes, em formato suasão, isto é, voltada à mobilizar apoio externo e
de premiações, estímulos, reconhecimentos ou dar legitimidade à política pública. O componente
bônus, que não necessariamente precisam ser de demonstrar resultados do processo inovador
pecuniários, também são forte propulsores da no setor público envolve todas essas motivações,
prática inovadora. As organizações que valorizam mas especialmente a última. Alterar o status quo
essas práticas costumam alterar as motivações demanda constante preocupação em comprovar
de seus integrantes e promover incentivos adi- que a mudança trará consequências positivas à
cionais que, geralmente, instigam-os a superar as unidade responsável e, sobretudo, ao público-
práticas e a mentalidade dominada pelo cotidiano alvo da política. Portanto, é essencial que os
e, com isso, criar e implementar ideias novas. envolvidos nas práticas inovadoras dediquem
No caso específico da administração pública parte de seu tempo avaliando e monitorando os
brasileira, bastante rígida e aversa aos riscos, os resultados e impactos obtidos, de modo a manter
líderes possuem uma função importante de criar o apoio e as condições/recursos necessários à
e sustentar essas iniciativas que tendem ainda plena implementação dos projetos.
a melhorar o clima organizacional e promover
o engajamento dos servidores. Como estratégia complementar, as opções
por prototipagem e projeto-piloto se apresentam
O quarto componente, eventos de apren- também como meio de sustentação das iniciati-
dizagem, também exerce funções distintas e vas inovadoras, na medida em que é consensual
complementares. A realização de atividade, como que melhores serão os resultados quando estes

258
forem testados de maneira rápida, barata e o gradual. No entanto, a inovação na administração
quanto antes. A prática de tentativa e erro com pública é uma trajetória irreversível diante das
base na prototipagem e projetos-pilotos tende pressões da sociedade contemporânea por
a ser mais positiva quando acompanhada de mais e melhores serviços públicos. Além desses
gestão do conhecimento, não apenas daquilo componentes supracitados, os capítulos deste
que foi bem-sucedido, como é praxe no setor livro também reforçam a centralidade da dimen-
público, mas principalmente organizar de forma são de pesquisa para melhor compreendermos
sistemática também os conhecimentos das ex- o fenômeno.
periências e dos envolvidos relativas às falhas
dos projetos. Assim, reduzem-se as chances de A agenda futura de pesquisa da inovação no
repetição dos mesmos erros, tanto no âmbito governo, em especial no caso brasileiro, tem um
dessa inovação, quanto nos processos de sua vasto e fértil terreno que pode, dentre outras
difusão para outras unidades ou organizações. abordagens, envolver estudos de casos de ino-
vação focados em diferentes áreas de políticas
Os dois últimos componentes necessários públicas e gestão, como em setores específicos
para fomentar a cultura de inovação também se de políticas sociais, ambientais, infraestrutura
complementam, são eles a cocriação/coprodu- etc. Nesse caso, é importante reconhecer que
ção e a valorização de equipes interdisciplinares. as particularidades de cada um deles tendem a
Os primeiros estão bem alinhadas às práticas refletir também nas barreiras, nos facilitadores
de colaboração e parcerias, uma tendência e na disseminação das inovações.
da gestão contemporânea, e podem ser pro-
movidos tanto no âmbito interno dos órgãos Outro foco importante é a investigação da
públicos quanto nas políticas que envolvem as inovação no âmbito dos governos subnacionais,
relações entre Estado, sociedade e setor priva- essencial no caso brasileiro em função do alto
do. A utilização de cocriação e coprodução se nível de descentralização das ações governa-
tornou um princípio das estratégias inovadoras, mentais. As realidades distintas dos estados
como, por exemplo, nos métodos oriundos e municípios em relação ao governo federal e,
do design thinking, crowdsourcing, inovação principalmente, a potencialidade de processos
aberta, gamificação e amplos processos de de difusão de boas práticas entre eles abrem
digitalização que demandam o envolvimento um amplo espaço para estudos sob diferentes
de diversas organizações como também dos perspectivas da inovação. Ademais, as referências
próprios usuários. Na mesma direção, o caminho e recomendações advindas das nações desen-
para promoção de uma cultura de inovação volvidas são positivas para o aprimoramento da
também exige que se explorem ao máximo os gestão pública, não obstante, é preciso também
diferentes conhecimentos e as habilidades do conhecer com mais profundidade processos
corpo funcional de modo a potencializar sua inovadores em países emergentes como o
capacidade criativa. A diversidade é um valor Brasil. Avançar em estudos comparados com as
a ser perseguido. Nesse sentido, enfatizar a nações em desenvolvimento que compartilham
composição interdisciplinar de equipes ajuda demandas e restrições estruturais semelhantes
a ampliar as perspectivas acerca do problema tende a trazer subsídios ao debate e à prática
e das soluções e, por conseguinte, a superar a inovadora mais adequados a nossa realidade.
predominância de pensamento rígido e hierar-
quizado, sobretudo na burocracia pública, que Em síntese, o desenvolvimento de conheci-
normalmente é inibidor de processos inovativos. mento teórico e empiricamente válido é também
um caminho importante de geração de condições
Sem dúvida, o desafio da institucionalização da para ultrapassarmos as visões superficiais, muitas
cultura de inovação no setor público é complexo e

259
vezes até preconceituosas, que, de fato, consti- HANSEN, M. B. Antecedents of organizational
tuem uma barreira à inovação no setor público. innovation: the diffusion of new public mana-
gement into Danish local government. Public
Administration, v. 89, n. 2, p. 285-306, 2011.
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CAVALCANTE, P. Gestão pública contemporâ- can Bureaucracies innovate? Ineteconomics,
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Brasilia: Ipea, 2017. (Texto de Discussão, n. 2319).
POLLITT, C.; HUPE, P. Talking about government.
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tration. Brussels: DG Enterprise, 2011.
SCHUMPETER, J. A. The theory of economic
FERNANDEZ, S.; WISE, L. An exploration of why development: an inquiry into profits, capital,
public organizations ‘ingest’ innovations. Public credit, interest, and the business cycle. Nova
administration, v. 88, n. 4, p. 979-998, 2010. Brunsvique: Transaction Publishers, 1934.

260
EQUIPE TÉCNICA

PEDRO CAVALCANTE
Especialista em políticas publicas e gestão governamental (Ipea)
Doutor em ciência política

BRUNO QUEIROZ CUNHA


Especialista em políticas publicas e gestão governamental (Ipea)
Doutorando em políticas públicas, estratégias e desenvolvimento

LEONARDO FERREIRA DE OLIVEIRA


Doutorando em administração
Assessor Especial de Inovação e Gestão da Informação do Conselho de Justiça Federal

CARLOS DENNER DOS SANTOS JÚNIOR


Professor adjunto do Departamento de Administração – Universidade de Brasília (UnB)

FARIDAH DJELLAL
Professora na University Lille

FAÏZ GALLOUJ
Professor na University Lille

IAN MILES
Manchester Business School – Divisão de Gestão e Política de Inovação
Manchester Institute of Innovation Research IMP Inovação, Estratégia e Sustentabilidade

MARIZAURA REIS DE SOUZA CAMÕES


Especialista em políticas públicas e gestão governamental – Escola Nacional de Administração
Pública (Enap)
Mestre em administração

WILLBER DA ROCHA SEVERO


Especialista em políticas públicas e gestão governamental (Enap)
Mestre em Poverty Reduction and Development Management
SORAYA MONTEIRO BRANDÃO
Mestre em administração

MARIA DE FÁTIMA BRUNO-FARIA


Professora adjunta na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

ANTONIO ISIDRO-FILHO
Professor adjunto e pesquisador no Departamento de Administração (UnB)

PIRET TÕNURIST
Economista e analista de políticas no Observatório da Inovação do Setor Público na Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)

RAINER KATTEL
Professor pesquisador em Ragnar Nurkse Department of Innovation and Governance

VEIKO LEMBER
Senior research fellow Tallinn University of Technology

GUSTAVO HENRIQUE TRINDADE DA SILVA


Especialista em Regulação e Vigilância Sanitária da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
Mestre em saúde pública

DANITZA PASSAMAI ROJAS BUVINICH


Secretária Executiva da Comissão Científica em Vigilância Sanitária (CCVisa)
Doutoranda em Administração Pública

LUANNA SANT’ANNA RONCARATTI


Doutoranda em ciência política
Especialista em políticas públicas e gestão governamental no Ministério do Planejamento, Desen-
volvimento e Gestão (MP)

WAGNER VILAS BOAS DE SOUZA


Doutorando em administração
Pesquisador do Núcleo de P&D para Excelência e Transformação do Setor Público

PAULO HENRIQUE DE SOUZA BERMEJO


Professor adjunto do Departamento de Administração (UnB)

CAROLINA CRISTINA MARTINS CAVALCANTE


Ministério da Educação (MEC)

262
REBECA NONATO DOMINGOS
Mestrado em engenharia de sistemas e automação

YANA DE FARIAS
Especialista em políticas públicas e gestão governamental (MP)
Mestre em psicologia educacional e do trabalho – Ludwig-Maximilians Univer-sität München

FELIPE BRAGANÇA ITABORAHY


Bacharel em relações internacionais (Irel/UnB)
Especialista em políticas públicas e gestão governamental (MP)

BRUNO CARVALHO PALVARINI


Mestre em engenharia elétrica (UnB)
Técnico bancário e assessor do MP

IARA CREMONESI ENDO


Especialista em políticas públicas e gestão governamental (MP)
Mestre em saúde pública – King´s College London

263
AGRADECIMENTOS

Este trabalho foi resultado de uma parceria entre o Ipea e a Escola Nacional de Administração Públi-
ca (Enap), mas que se concretizou também com o interesse e o voluntarismo dos autores e dos
especialistas convidados a emitir parecer sobre o conteúdo dos artigos. Desta forma, a organização
deste livro agradece a colaboração e sua imprescindível contribuição para este trabalho.

AUTORES E PARECERISTAS “INTERNOS”


ANTONIO ISIDRO-FILHO
Professor adjunto e pesquisador no Departamento de Administração da Universidade de Brasília (UnB)

BRUNO CARVALHO PALVARINI


Mestre em engenharia elétrica (UnB)
Técnico bancário e assessor do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (MP)

DANITZA PASSAMAI ROJAS BUVINICH


Secretária Executiva da Comissão Científica em Vigilância Sanitária (CCVisa)
Doutoranda em administração pública

GUSTAVO HENRIQUE TRINDADE DA SILVA


Especialista em regulação e vigilância sanitária da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
Mestre em saúde pública

MARIA DE FÁTIMA BRUNO-FARIA


Professora adjunta na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

PAULO HENRIQUE DE SOUZA BERMEJO


Professor adjunto do Departamento de Administração (UnB)
PARECERISTAS “EXTERNOS”
ALESSANDRO FREIRE
Doutorando em ciência política (UnB)

AMANDA GOMES MAGALHÃES


Mestre em ciência política (UnB)
Assistente de pesquisa (Ipea)

DANIEL PITANGUEIRA DE AVELINO


Especialista em políticas publicas e gestão governamental (Ipea)
Doutorado em política social (UnB)

FERNANDO KLEIMAN
Especialista em políticas publicas e gestão governamental (MP)
Doutorando na Delft University of Technology

ISABELLA DE ARAUJO GOELLNER


Mestre em sociologia (UnB)
Assistente de pesquisa (Ipea)

LETÍCIA KOEPPEL MENDONÇA


Especialista em políticas publicas e gestão governamental – Escola Nacional de Administração Pública (Enap)
Mestranda em políticas públicas e desenvolvimento (Ipea)

PEDRO LUCAS DE MOURA PALOTTI


Especialista em políticas publicas e gestão governamental (Enap)
Doutor em ciência política (UnB)

SERVIO TULIO CAETANO DA COSTA JUNIOR


Especialista em políticas publicas e gestão governamental (MP)

266
Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

Assessoria de Imprensa e Comunicação

EDITORIAL

Coordenação
Cláudio Passos de Oliveira

Supervisão
Everson da Silva Moura
Leonardo Moreira Vallejo

Revisão
Clícia Silveira Rodrigues
Idalina Barbara de Castro
Marcelo Araujo de Sales Aguiar
Olavo Mesquita de Carvalho
Regina Marta de Aguiar
Reginaldo da Silva Domingos
Ana Clara Escórcio Xavier (estagiária)
Hislla Suellen Moreira Ramalho (estagiária)
Lilian de Lima Gonçalves (estagiária)
Lynda Luanne Almeida Duarte (estagiária)
Luiz Gustavo Campos de Araújo Souza (estagiário)
Paulo Ubiratan Araujo Sobrinho (estagiário)

Editoração
Bernar José Vieira
Cristiano Ferreira de Araújo
Danilo Leite de Macedo Tavares
Herllyson da Silva Souza
Jeovah Herculano Szervinsk Junior
Leonardo Hideki Higa

Capa
Herllyson da Silva Souza

Projeto Gráfico
Leonardo Hideki Higa

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