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ISBN: 978-85-63735-20-1
Capítulo 15: PROBLEMÁTICAS DA HISTORIOGRAFIA DA ALQUIMIA
1
Graduando em História pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO. Bolsista do
DAE/UNIRIO.
2
Elias Ashmole é um dos principais estudiosos da alquimia do século XVII, tendo sido responsável por
uma grande compilação de textos alquímicos, o Theatrum Chemicum Britannicum. A obra ainda é
republicada, em edição fac-símile. Cf. Elias Ashmole, Theatrum Chemicum Britannicum, Kessinger
Publishing, 2010.
3
GRAFTON, Anthony; NEWMAN, William R (orgs.). Secrets of nature. Cambridge, 2001.
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uma mesma prática. No século XVIII, a alquimia teria significado um verdadeiro
charlatanismo para a maioria dos autores.4
4
PRINCIPE, Lawrence M.; NEWMAN, William R. Some problems with the historiography of alchemy.
In: GRAFTON, Anthony; NEWMAN, William R. Secrets of nature. Cambridge, 2001, p. 386.
5
Op. cit., p. 388.
6
Op. cit., p. 401.
7
Op. cit., p. 402. “De acordo com Jung, os alquimistas estariam menos preocupados com reações
químicas do que com estados psíquicos ocorrendo dentro do praticante. A prática de alquimia envolvia
o uso de “imaginação ativa” da parte do aspirante a adepto, que levava a um estado alucinatório em
que ele “projetava” os conteúdos de sua psique na matéria contida em seu alambique” (Nossa
tradução).
160
privilegiadas por um e outro estudioso, não eram categorias simbólicas exclusivas.
Muito pelo contrário, eram utilizadas correntemente em um mesmo texto.
8
Op. cit., p. 409.
9
Op. cit. “Eliade enfatizou que o lado químico da alquimia se tornou evidente apenas quando a
disciplina “decaiu” ou “degenerou” de sua simplicidade inicial. Com o declínio do caráter “sagrado”
da alquimia, as experiências extáticas do adepto diminuíram, tornando possível que a nova “profana”
ciência da química emergisse e que observações de laboratório precisas fossem feitas” (Nossa
tradução).
10
Op. cit., p. 415-16.
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an attempt to introduce a kind of exclusivist position (it can
be called eliminativism) into the field of scholarly research on
alchemy, the assumption being that alchemy does not have
strong enough spiritual component to it within the scope of
the history of religion or similar fields of research.11
11
CALIAN, George-Florin. Alkimia operativa and alkimia speculativa. Some modern controversies on
the historiography of alchemy. Annual of Medieval Studies. Budapeste, 2010, p. 170. “uma tentativa de
introduzir um posicionamento exclusivista (pode ser chamado eliminativismo) no campo da pesquisa
acadêmica sobre alquimia, tendo por pressuposto que a alquimia não possui um componente espiritual
forte o suficiente que a coloque no escopo da história da religião ou campos de pesquisa similares”
(Nossa tradução).
12
Op. cit., p. 175.
13
Op. cit.
14
BURCKHARDT, Titus. Alchemy. Shaftesbury, 1986, p. 9. “A hipótese dos psicólogos desaparece a partir
do momento em que se percebe que os verdadeiros alquimistas nunca estiveram entrelaçados em
nenhuma desilusão de produzir ouro, e que eles nunca perseguiram seu propósito como sonâmbulos
ou por meio de projeções passivas dos desejos inconscientes de suas almas! Ao contrário, eles seguiam
um método intencional, do qual a expressão metalúrgica – a arte de transmutar metais comuns em
prata e ouro – reconhecidamente enganou muitos pesquisadores não-iniciados, embora em si mesmo
seja lógico e, ademais, verdadeiramente profundo” (Nossa tradução).
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atribuir à alquimia importância menor dentro de um espectro cultural tão diverso e
complexo. A alquimia, considerada pelos próprios adeptos como uma espécie de “arte
régia”15, deveria ter como sua matriz acadêmica não a história da ciência que a reduz
aos experimentos de laboratório, mas sim uma abordagem que possibilite uma
construção teórica e metodológica mais ampla.
Roger Chartier, ao pensar a história cultural, propõe que “aquilo que é real,
efectivamente, não é (ou não é apenas) a realidade visada pelo texto, mas a própria
maneira como ele a cria, na historicidade de sua produção e na intencionalidade da
sua escrita”16. Há de se levar em consideração que, apesar de possuir uma
transversalidade que abarca elementos da filosofia medieval, da iconografia cristã, da
cabala, do hermetismo e tantas outras manifestações culturais, os textos alquímicos
possuem uma forma própria de representar e conceber o mundo. Levando-se em
consideração as palavras de Chartier, podemos evocar a chamada “história do
imaginário”, nas palavras de Jacques Le Goff:
15
Op. cit., p. 23. “Alchemy too was called an art – even the ‘royal art’ (ars regia) – by its masters, and,
with its image of the transmutation of base metals into the noble metals gold and silver, serves as a
highly evocative symbol of the inward process referred to”. “Alquimia também era chamada uma arte
– mesmo uma ‘arte real’ (ars regia) – por seus mestres, e, com sua imagem da transmutação dos metais
comuns nos metais nobres ouro e prata, serve como grande símbolo evocativo do processo interior a
que nos referimos” (Nossa tradução).
16
CHARTIER, Roger. A história cultural. Entre práticas e representações. Lisboa, 2002, p. 63.
17
LE GOFF, Jacques. O imaginário medieval. Lisboa, 1994, p. 12.
18
PATLAGEAN, Evelyne. A história do imaginário. In: LE GOFF, Jacques. A História Nova, São Paulo, 1990,
p. 291.
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A história do imaginário oferece uma área privilegiada para o estudo da
alquimia, pois devido a suas intensas trocas culturais – que podem ser traçadas aos
primeiros séculos do Islã medieval19 – podem ser formados não um, mas vários
imaginários alquímicos em função da diferenciada historicidade da alquimia.
Podemos citar por exemplo pensadores ocidentais da Idade Média reconhecidos como
alquimistas em pelos menos três séculos: Alberto Magno, no século XIII20; George
Ripley, no século XV21; e Paracelso, no século XVI.22
A alquimia é, por excelência, uma das mais fortes formas de representação que
a Idade Média teve, desde seus primórdios remotos. Em cada momento e em cada
sociedade que ela esteve presente, sua forma de compreensão e representação do
mundo foi muito própria e ligada a elementos diversos. A alquimia árabe, por
exemplo, ligava-se aos conceitos teológicos do islã:
Principe e Newman afirmam em seu texto que o interesse pela alquimia esteja
retornando; todavia, não se pode deixar que seja retomado sob a batuta doutrinadora
e centralizadora de uma história da ciência que limite esse tema a uma espécie de
19
Cf., por exemplo: LORY, Pierre. A alquimia islâmica: uma ciência do devir humano. In: PEREIRA, R.H.
de S. Busca do conhecimento. Ensaios de filosofia medieval do Islã. São Paulo, 2007.
20
Cf. verbete “Albertus Magnus, St. (c. 1206-1280)”. In: GUILEY, Rosemary Ellen. The encyclopedia of
magic and alchemy. Nova Iorque, 2006.
21
Cf. verbete “Ripley, George (c. 1415-1490)”. In: GUILEY, Rosemary Ellen. The encyclopedia of magic and
alchemy. Nova Iorque, 2006.
22
Cf. verbete “Paracelsus (1493-1541)”. In: GUILEY, Rosemary Ellen. The encyclopedia of magic and
alchemy. Nova Iorque, 2006.
23
LORY, Pierre. A alquimia islâmica: uma ciência do devir humano. In: PEREIRA, R. H. de S. Busca do
conhecimento. Ensaios de filosofia medieval do Islã, São Paulo, 2007, p. 99.
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“proto-ciência”, subsumido à química moderna.24 É necessário compreender que as
diferentes historicidades da alquimia geram diferentes formas de representação,
portanto, diferenciados imaginários. Essa história da ciência privilegiada pelos
autores vai na contramão dos estudos que ficaram relegados à margem, como
explicado a seguir por Claude-Gilbert Dubois:
24
CALIAN, George-Florin. Alkimia operativa and alkimia speculativa. Some modern controversies on
the historiography of alchemy. Annual of Medieval Studies. Budapeste, 2010, p. 177.
25
DUBOIS, Claude-Gilbert. O imaginário da Renascença. Brasília, 1994, p. 12.
26
CALIAN, George-Florin. Alkimia operativa and alkimia speculativa. Some modern controversies on
the historiography of alchemy. Annual of Medieval Studies. Budapeste, 2010, p. 172. “De um ponto de
vista historiográfico e de uma perspectiva acadêmica, a questão mais problemática na interpretação
jungiana é que ele não possui uma abordagem histórica propriamente definida. Ele junta as alquimias
medieval e renascentista em uma compreensão quase supra-histórica. Sua diferenciação entre a
alquimia medieval e a renascentista é vista como um apontamento da diferença entre implicações
místicas inconscientes e conscientes para um alquimista. Ele não está interesse na “história da
alquimia” como parte da historiografia; para Jung, alquimia é uma ciência que consegue se manter
para além de sua manifestação histórica e sua contextualização não esclarece muito no que se refere a
aspectos dos símbolos crípticos como androginia ou a relação animus-anima” (Nossa tradução).
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Flamel, mítico alquimista, que era cristão e utilizava-se da linguagem de sua religião
para expressar seus trabalhos alquímicos. Para ele, a prática da alquimia afasta os
males do homem, e transforma-o em generoso, piedoso, crente e temente a Deus.
Desse momento em diante, ele será preenchido com a graça e piedade que recebeu de
Deus.27 É necessário, portanto, que não se faça apenas um histórico da alquimia, mas
sim o que se chama de uma “história-problema”, relacionando as práticas alquímicas
a seu determinado contexto de produção. Como colocado por José D’Assunção Barros,
27
BURCKHARDT, Titus. Alchemy. Shaftesbury, 1986, p. 25.
28
BARROS, José d’Assunção. Imaginário, mentalidades, psico-história – uma discussão historiográfica.
Labirinto, online, 2005.
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