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Diálogos com a História 2

Trabalhos apresentados na 3ª Semana de História da UFF


(março de 2015)

Márcia Maria Menendes Motta | Alan Dutra Cardoso


Sarah Vanessa Santos Correia | Vanessa Costa Ferreira
Organizadores

ISBN: 978-85-63735-20-1
Capítulo 15: PROBLEMÁTICAS DA HISTORIOGRAFIA DA ALQUIMIA

Bruno Sousa Silva Godinho1

O propósito deste texto, como indica seu título, é apontar as problemáticas da


historiografia da alquimia e debater seus princípios teóricos e metodológicos. Como
objeto de estudo, a alquimia sempre teve uma grande gama de pesquisadores. No
entanto, os historiadores só a estão resgatando como tema de pesquisa em tempos
mais recentes. Em geral, vemos um certo afunilamento dos pesquisadores, com boa
parte dos trabalhos emanando de pesquisadores da história da ciência – resgatando
na alquimia as bases de algumas ciências modernas, como a química e a medicina.

De nossa parte, embora reconhecendo os esforços destes historiadores da


ciência, visamos aqui uma abordagem que traga a alquimia para uma “modalidade”
da História na qual suas características tenham maior acolhimento: a saber, a História
do Imaginário. Para isso, traremos uma discussão acerca das vertentes
historiográficas da alquimia, com base em texto de Lawrence M. Principe e William R.
Newman, e por oposição a esse, texto de George-Florin Calian.

Embora a alquimia tenha ganhado destaque entre os círculos intelectuais


como objeto de estudo nos séculos XVII e XVIII2, suas principais vertentes
historiográficas começaram a surgir em meados do século XIX. Elencadas por
Lawrence Principe e William Newman em artigo publicado em obra coletiva, dirigida
por Anthony Grafton e William R. Newman3, são elas: a interpretação setecentista; a
espiritual; a jungiana; a pampsíquica; e, finalmente, a positivista ou presentista.

Segundo os autores, a interpretação setecentista da alquimia visava uma


separação entre a alquimia e a nova ciência da química. Segundo os autores, as
palavras “alquimia” e “química” eram utilizadas indistintamente para se referir a

1
Graduando em História pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO. Bolsista do
DAE/UNIRIO.
2
Elias Ashmole é um dos principais estudiosos da alquimia do século XVII, tendo sido responsável por
uma grande compilação de textos alquímicos, o Theatrum Chemicum Britannicum. A obra ainda é
republicada, em edição fac-símile. Cf. Elias Ashmole, Theatrum Chemicum Britannicum, Kessinger
Publishing, 2010.
3
GRAFTON, Anthony; NEWMAN, William R (orgs.). Secrets of nature. Cambridge, 2001.

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uma mesma prática. No século XVIII, a alquimia teria significado um verdadeiro
charlatanismo para a maioria dos autores.4

A escola esotérica, situada no século XIX, considera que as operações


apresentadas em textos alquímicos se referem apenas de forma superficial ou até
mesmo não se referem a processos físicos. Na verdade, nessa interpretação a
terminologia utilizada seria alegórica, de maneira a acomodar processos de
transformação mística, moral ou espiritual. Neste sentido, a obtenção do ouro pelos
alquimistas seria na realidade uma forma de enobrecimento moral ou espiritual.5

Na interpretação do psicanalista Carl Gustav Jung, a alquimia lida não com


experimentações químicas, mas na verdade com processos psíquicos que,
textualmente, são representados em uma linguagem pseudo-química. Logo, a
interpretação jungiana também vê na alquimia uma espécie de infraestrutura que se
organiza sob o pretexto de uma outra linguagem. Porém, para Jung, não se trata de
uma questão moral ou espiritual, e sim do desenlace de processos psíquicos.6

According to Jung, alchemists were concerned less with


chemical reactions than with psychic stats taking place within
the practitioner. The practice of alchemy involved the use of
“active imagination” on the part of the would-be adept, which
led to a hallucinatory state in which he “projected” the
contents of his psyche onto the matter within his alembic.7

Interessa notar que a linguagem utilizada pelos alquimistas era ora


considerada alegórica (pela escola esotérica), ora elusiva (por Jung). Quando utilizada
alegoricamente, aludia aos astros (daí sua recorrente associação com a astronomia e
astrologia) para o estabelecimento do paralelo entre o mundo celeste e o mundo
terreno. Já o psicanalista acreditava que as evocações de dragões, reis moribundos e
casais copulando seria uma forma de projeção do subconsciente na matéria. Note-se
que embora essas diferentes categorias simbólicas (astros e supostas projeções) sejam

4
PRINCIPE, Lawrence M.; NEWMAN, William R. Some problems with the historiography of alchemy.
In: GRAFTON, Anthony; NEWMAN, William R. Secrets of nature. Cambridge, 2001, p. 386.
5
Op. cit., p. 388.
6
Op. cit., p. 401.
7
Op. cit., p. 402. “De acordo com Jung, os alquimistas estariam menos preocupados com reações
químicas do que com estados psíquicos ocorrendo dentro do praticante. A prática de alquimia envolvia
o uso de “imaginação ativa” da parte do aspirante a adepto, que levava a um estado alucinatório em
que ele “projetava” os conteúdos de sua psique na matéria contida em seu alambique” (Nossa
tradução).

160
privilegiadas por um e outro estudioso, não eram categorias simbólicas exclusivas.
Muito pelo contrário, eram utilizadas correntemente em um mesmo texto.

A interpretação pampsíquica, por sua vez, reúne elementos das duas


anteriores. Mircea Eliade, principal expoente, acreditava que a alquimia encerrava
uma relação entre os elementos do mundo – os astros teriam correspondentes
terrenos – e, assim como Jung, acreditava que os adeptos alcançavam certos
patamares da consciência inacessíveis àqueles não iniciados. Para Eliade, a alquimia
funcionava de acordo com uma lógica em que o mundo era orgânico. O advento do
mecanicismo da ciência moderna teria sido a morte não só da alquimia, mas da visão
cósmica de mundo.8

Eliade stressed that the chemical side of alchemy became


pronounced only when the discipline “decayed” or
“degenerated” from its primeval simplicity. As the “sacred”
side of alchemy declined, the ecstatic experiences of the adept
abated, making it possible for the newly “profane” science of
chemistry to emerge and for precise laboratory observations
to be made. This division of sacred alchemy from profane
chemistry also recalls the spiritual interpretation of alchemy.9

Finalmente, a interpretação positivista ou presentista traduz-se numa visão


limitada da alquimia. Os autores entendem que os presentistas fazem parte de uma
tradição historiográfica que privilegia ideias históricas com base em um nível de
conexão ou similaridade com as atuais tendências científicas, desqualificando o
contexto histórico e cultural destas ideias. Essa tendência, doravante, levou a uma
marginalização dos estudos acadêmicos (e propriamente históricos) da alquimia.10

George-Florin Calian, em texto de 2010, reflete sobre as críticas de Principe e


Newman sobre as vertentes historiográficas. Para ele, a crítica dos autores
anteriormente estudados é uma rejeição comum vinda do campo da história da
ciência. Segundo Calian, a tese dos autores está bem difundida atualmente e pode ser
descrita como

8
Op. cit., p. 409.
9
Op. cit. “Eliade enfatizou que o lado químico da alquimia se tornou evidente apenas quando a
disciplina “decaiu” ou “degenerou” de sua simplicidade inicial. Com o declínio do caráter “sagrado”
da alquimia, as experiências extáticas do adepto diminuíram, tornando possível que a nova “profana”
ciência da química emergisse e que observações de laboratório precisas fossem feitas” (Nossa
tradução).
10
Op. cit., p. 415-16.

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an attempt to introduce a kind of exclusivist position (it can
be called eliminativism) into the field of scholarly research on
alchemy, the assumption being that alchemy does not have
strong enough spiritual component to it within the scope of
the history of religion or similar fields of research.11

Para eles, a interpretação espiritual – incluindo C.G. Jung e Mircea Eliade –


emanaria de uma visão do “senso comum” sobre a alquimia, de tal maneira que lhe
restaria apenas a história da ciência como matriz acadêmica.12

Calian indica que, na realidade, o “senso comum” corresponde à própria


interpretação da dupla de autores: que o alquimista é um homem de laboratório.
Poucas pessoas estariam familiarizadas com as interpretações de Jung e Eliade; na
verdade, apenas pelo esoterismo ou pelo olhar de autores tradicionalistas como Titus
Burckhardt teria a interpretação espiritual sido difundida. E Principe e Newman
falham em apontar que autores como Burckhardt rejeitaram a interpretação
jungiana, por sua metodologia psicológica, que retirava da alquimia seus
componentes metafísicos e os transferiam à psique.13

The hypothesis of the psychologists evaporates as soon as one


realizes that the true alchemists were never ensnared in any
wish-fulfilling dream of making gold, and that they did not
pursue their goal like sleepwalkers or by means of passive
‘projections’ of the unconscious contents of their souls! On the
contrary, they followed a deliberate method, of which the
metallurgical expression – the art of transmuting base metals
in silver or gold – had admittedly misled many uninitiated
enquirers, although in itself it is logical and, what is more,
truly profound.14
Na esteira da análise de Calian, consideramos que seja da maior importância
evitar interpretações exclusivistas como as de Principe e Newman, que tentam

11
CALIAN, George-Florin. Alkimia operativa and alkimia speculativa. Some modern controversies on
the historiography of alchemy. Annual of Medieval Studies. Budapeste, 2010, p. 170. “uma tentativa de
introduzir um posicionamento exclusivista (pode ser chamado eliminativismo) no campo da pesquisa
acadêmica sobre alquimia, tendo por pressuposto que a alquimia não possui um componente espiritual
forte o suficiente que a coloque no escopo da história da religião ou campos de pesquisa similares”
(Nossa tradução).
12
Op. cit., p. 175.
13
Op. cit.
14
BURCKHARDT, Titus. Alchemy. Shaftesbury, 1986, p. 9. “A hipótese dos psicólogos desaparece a partir
do momento em que se percebe que os verdadeiros alquimistas nunca estiveram entrelaçados em
nenhuma desilusão de produzir ouro, e que eles nunca perseguiram seu propósito como sonâmbulos
ou por meio de projeções passivas dos desejos inconscientes de suas almas! Ao contrário, eles seguiam
um método intencional, do qual a expressão metalúrgica – a arte de transmutar metais comuns em
prata e ouro – reconhecidamente enganou muitos pesquisadores não-iniciados, embora em si mesmo
seja lógico e, ademais, verdadeiramente profundo” (Nossa tradução).

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atribuir à alquimia importância menor dentro de um espectro cultural tão diverso e
complexo. A alquimia, considerada pelos próprios adeptos como uma espécie de “arte
régia”15, deveria ter como sua matriz acadêmica não a história da ciência que a reduz
aos experimentos de laboratório, mas sim uma abordagem que possibilite uma
construção teórica e metodológica mais ampla.

Roger Chartier, ao pensar a história cultural, propõe que “aquilo que é real,
efectivamente, não é (ou não é apenas) a realidade visada pelo texto, mas a própria
maneira como ele a cria, na historicidade de sua produção e na intencionalidade da
sua escrita”16. Há de se levar em consideração que, apesar de possuir uma
transversalidade que abarca elementos da filosofia medieval, da iconografia cristã, da
cabala, do hermetismo e tantas outras manifestações culturais, os textos alquímicos
possuem uma forma própria de representar e conceber o mundo. Levando-se em
consideração as palavras de Chartier, podemos evocar a chamada “história do
imaginário”, nas palavras de Jacques Le Goff:

O imaginário pertence ao campo da representação mas ocupa


nele a parte da tradução não reprodutora, não simplesmente
transposta em imagem do espírito mas criadora, poética no
sentido etimológico da palavra.17

Em ensaio publicado em obra coletiva, dirigida por Jacques Le Goff, a


historiadora Evelyne Patlagean dá uma definição ainda mais precisa e referida pelo
próprio Le Goff posteriormente no prefácio de seu O imaginário medieval:

O domínio do imaginário é aquele constituído pelo conjunto


das representações que exorbitam do limite colocado pelas
constatações da experiência e pelos encadeamentos dedutivos
que estas autorizam. Isto é, cada cultura, portanto cada
sociedade, e até mesmo cada nível de uma sociedade
complexa, tem seu imaginário.18

15
Op. cit., p. 23. “Alchemy too was called an art – even the ‘royal art’ (ars regia) – by its masters, and,
with its image of the transmutation of base metals into the noble metals gold and silver, serves as a
highly evocative symbol of the inward process referred to”. “Alquimia também era chamada uma arte
– mesmo uma ‘arte real’ (ars regia) – por seus mestres, e, com sua imagem da transmutação dos metais
comuns nos metais nobres ouro e prata, serve como grande símbolo evocativo do processo interior a
que nos referimos” (Nossa tradução).
16
CHARTIER, Roger. A história cultural. Entre práticas e representações. Lisboa, 2002, p. 63.
17
LE GOFF, Jacques. O imaginário medieval. Lisboa, 1994, p. 12.
18
PATLAGEAN, Evelyne. A história do imaginário. In: LE GOFF, Jacques. A História Nova, São Paulo, 1990,
p. 291.

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A história do imaginário oferece uma área privilegiada para o estudo da
alquimia, pois devido a suas intensas trocas culturais – que podem ser traçadas aos
primeiros séculos do Islã medieval19 – podem ser formados não um, mas vários
imaginários alquímicos em função da diferenciada historicidade da alquimia.
Podemos citar por exemplo pensadores ocidentais da Idade Média reconhecidos como
alquimistas em pelos menos três séculos: Alberto Magno, no século XIII20; George
Ripley, no século XV21; e Paracelso, no século XVI.22

A alquimia é, por excelência, uma das mais fortes formas de representação que
a Idade Média teve, desde seus primórdios remotos. Em cada momento e em cada
sociedade que ela esteve presente, sua forma de compreensão e representação do
mundo foi muito própria e ligada a elementos diversos. A alquimia árabe, por
exemplo, ligava-se aos conceitos teológicos do islã:

A alquimia não constitui um simples saber acerca dos


minerais, uma disciplina entre outras. Representa o saber dos
saberes, a ciência que contém a chave de todas as
compreensões possíveis nesse mundo; é a sabedoria por
excelência. Sua origem não é humana; ela é parte, como já
expusemos no início, de saberes esotéricos transmitidos por
Deus aos profetas, aos Imãs e aos grandes santos. A alquimia
revela o segredo íntimo do mundo que é a própria estrutura
humana. Constitui, a exemplo do Corão e de outros livros
sagrados, o saber último do Homem Perfeito, do próprio Imã.
Nesse sentido, o conhecimento da Pedra Filosofal é
comparável ao encontro com o Irã e opera a transmutação do
próprio alquimista em gnóstico perfeito, em “órfão” adotado:
isso em razão de uma doutrina jābiriana que aqui não poderá
ser abordada, ou seja, a da transformação por intermédio do
conhecimento, o conhecedor se adequando interiormente ao
que ele compreende.23

Principe e Newman afirmam em seu texto que o interesse pela alquimia esteja
retornando; todavia, não se pode deixar que seja retomado sob a batuta doutrinadora
e centralizadora de uma história da ciência que limite esse tema a uma espécie de

19
Cf., por exemplo: LORY, Pierre. A alquimia islâmica: uma ciência do devir humano. In: PEREIRA, R.H.
de S. Busca do conhecimento. Ensaios de filosofia medieval do Islã. São Paulo, 2007.
20
Cf. verbete “Albertus Magnus, St. (c. 1206-1280)”. In: GUILEY, Rosemary Ellen. The encyclopedia of
magic and alchemy. Nova Iorque, 2006.
21
Cf. verbete “Ripley, George (c. 1415-1490)”. In: GUILEY, Rosemary Ellen. The encyclopedia of magic and
alchemy. Nova Iorque, 2006.
22
Cf. verbete “Paracelsus (1493-1541)”. In: GUILEY, Rosemary Ellen. The encyclopedia of magic and
alchemy. Nova Iorque, 2006.
23
LORY, Pierre. A alquimia islâmica: uma ciência do devir humano. In: PEREIRA, R. H. de S. Busca do
conhecimento. Ensaios de filosofia medieval do Islã, São Paulo, 2007, p. 99.

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“proto-ciência”, subsumido à química moderna.24 É necessário compreender que as
diferentes historicidades da alquimia geram diferentes formas de representação,
portanto, diferenciados imaginários. Essa história da ciência privilegiada pelos
autores vai na contramão dos estudos que ficaram relegados à margem, como
explicado a seguir por Claude-Gilbert Dubois:

Devido ao imperialismo exercido pelos modos de raciocínio


predominantes que exaltaram as virtudes da “razão” e do
“realismo”, negligenciou-se a produção cultivada nos
ambientes populares, ou por hereges e marginais, que não se
integrava no quadro estrito do raciocínio codificado segundo
normas reconhecidas, ou que perdia o contato com o real para
propor utopias inviáveis.25

Mais uma forma de comprovar a validade da história do imaginário para o


estudo da alquimia, é evocar a interpretação jungiana do tema. Como colocado por
Calian,

From a historiographical point of view and from a scholarly


perspective, the most problematic issue in the Jungian
approach is that he does not have a clearly defined historical
approach. He puts together medieval and Renaissance
alchemical ideas in an almost infra-historical understanding.
His differentiation between medieval and Renaissance
alchemy is seen as pointing to the difference between
unconscious and conscious mystical implications of processes
for an alchemist. He is not interested in the “history of
alchemy” as part of historiography; for Jung, alchemy is a
science that can stand in a way beyond its historical
manifestation and its contextualization does not clarify too
much concerning aspects of the cryptic symbols as androgyny
or the animus-anima relation.26
Deve-se respeitar que a alquimia possui formas de representação de mundo
próprias, diferente do que pensava Jung. Podemos tomar como exemplo Nicolau

24
CALIAN, George-Florin. Alkimia operativa and alkimia speculativa. Some modern controversies on
the historiography of alchemy. Annual of Medieval Studies. Budapeste, 2010, p. 177.
25
DUBOIS, Claude-Gilbert. O imaginário da Renascença. Brasília, 1994, p. 12.
26
CALIAN, George-Florin. Alkimia operativa and alkimia speculativa. Some modern controversies on
the historiography of alchemy. Annual of Medieval Studies. Budapeste, 2010, p. 172. “De um ponto de
vista historiográfico e de uma perspectiva acadêmica, a questão mais problemática na interpretação
jungiana é que ele não possui uma abordagem histórica propriamente definida. Ele junta as alquimias
medieval e renascentista em uma compreensão quase supra-histórica. Sua diferenciação entre a
alquimia medieval e a renascentista é vista como um apontamento da diferença entre implicações
místicas inconscientes e conscientes para um alquimista. Ele não está interesse na “história da
alquimia” como parte da historiografia; para Jung, alquimia é uma ciência que consegue se manter
para além de sua manifestação histórica e sua contextualização não esclarece muito no que se refere a
aspectos dos símbolos crípticos como androginia ou a relação animus-anima” (Nossa tradução).

165
Flamel, mítico alquimista, que era cristão e utilizava-se da linguagem de sua religião
para expressar seus trabalhos alquímicos. Para ele, a prática da alquimia afasta os
males do homem, e transforma-o em generoso, piedoso, crente e temente a Deus.
Desse momento em diante, ele será preenchido com a graça e piedade que recebeu de
Deus.27 É necessário, portanto, que não se faça apenas um histórico da alquimia, mas
sim o que se chama de uma “história-problema”, relacionando as práticas alquímicas
a seu determinado contexto de produção. Como colocado por José D’Assunção Barros,

O historiador do Imaginário começa a fazer uma história


problematizada quando relaciona as imagens, os símbolos, os
mitos, as visões de mundo a questões sociais e políticas de
maior interesse – quando trabalha os elementos do Imaginário
não como um fim em si mesmos, mas como elementos para a
compreensão da vida social, econômica, política, cultural e
religiosa. O imaginário deve fornecer materiais para o
estabelecimento de inter-conexões diversas.28

À guisa de conclusão, lembramos que há muitas décadas já foi abandonada a


alcunha de Idade das Trevas para a Idade Média. Na maior parte de sua historicidade,
a alquimia está ligada a essa periodização da história. Todavia, é possível identificar
sua sobrevivência nas épocas moderna e contemporânea. Autores como Goethe e
James Joyce interessavam-se pelo tema. E, curiosamente, um dos grandes
admiradores dessa ars regia era Isaac Newton. Depois de René Descartes, Newton foi
talvez o maior revolucionário da física e ciência modernas com suas descobertas. Se
Mircea Eliade considerava o universo cartesiano como a morte da alquimia, que diria
ele do universo newtoniano?

Se mesmo um dos pilares da física moderna se interessava pela alquimia, como


poderíamos ignorá-la? Compete-nos, portanto, como muitos outros historiadores já
fizeram e continuam fazendo, fazer o esforço teórico e metodológico de retirar da
margem da história uma das suas mais preciosas formas de representação de mundo
e trazê-la à luz, encontrando para ela um espaço no palco do imaginário.

27
BURCKHARDT, Titus. Alchemy. Shaftesbury, 1986, p. 25.
28
BARROS, José d’Assunção. Imaginário, mentalidades, psico-história – uma discussão historiográfica.
Labirinto, online, 2005.

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