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2. A chave química
como aquando da sua nomeação como médico municipal em 1527, mas eram
de curta duração devido ao seu temperamento precipitado. Fazia um esforço
para disfarçar o seu desprezo pelas universidades e os seus árculos académicos.
Quanto aos médicos, quase não era necessário considerá-los:
Figura 2.1. O verdadeiro filósofo químico aprende com a revelação divina e com os estudos quí-
micos. De Heinrich Khunrath, Amphitheatrum sapientiae (1609). Da colecção do autor.
Figura 2.2. A primeira ilustração de uma balança analítica fechada pode ser encontrada nesta ima-
gem de um laboratório alquímico. De Theatrum Chemicum Britannicum, ed. Elias Ashmole ( 1652).
Cortesia do Department of Special Collections, Universidade de Chicago.
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para os três princípios como meio de explicação. Alguns eram atraídos pela
analogia trinitária de corpo, mente e espírito, enquanto outros buscavam uma
alternativa aos humores. Para os químicos teóricos, representavam substân-
cias filosóficas que jamais poderiam ser isoladas na realidade, enquanto que
para o farmacêutico prático não eram mais do que produtos de destilação.
Não era fora do vulgar que uma erva medicinal produzisse uma fleuma
aquosa, um óleo inflamável e um sólido e sentia-se que estes indicavam, pelo
menos, a presença dos princípios básicos do mercúrio, do enxofre e do sal.
O conceito de universo químico ia além da interpretação química da Cria-
ção e dos problemas da teoria dos elementos. Os autores interessados em
meteorologia explicavam o trovão e o raio como uma combinação entre o
enxofre aéreo e o nitrato, em analogia com a explosão de enxofre e salitre na
pólvora. Similarmente, os autores paracelsistas foram os primeiros a fornecer
uma hipótese importante para o desenvolvimento da agricultura química.
Procurando uma causa dos efeitos benéficos do estrume na lavoura, postula-
ram, correctamente, que o mesmo fornecia sais solúveis essenciais ao solo.
De facto, os paracelsistas encaravam a terra como um vasto laboratório
químico, o que explicava a origem dos vulcões, das fontes termais, das fontes
de montanha e o crescimento dos metais. O velho conceito de fogo interior
era apresentado como explicação dos vulcões, que seriam erupções de matéria
derretida através de fissuras superficiais (Figura 2.3.). As correntes de monta-
nha eram explicadas de maneira análoga. Neste caso, argumentavam que
reservatórios de água subterrânea eram destilados pelo calor do fogo central.
Quando este vapor atingia a superfície, as montanhas serviam como alambi-
ques químicos e o resultado era uma corrente de montanha "destilada". Não
obstante, havia quem rejeitasse a possibilidade de tal fogo, argumentando que
o ar necessário para uma tal conflagração não existia no interior da terra.
Henri de Rochas (fl. 1620-1640) sugeriu que o calor de nascentes de água
mineral provinha da reacção do enxofre com um sal nitroso na terra. O
médico inglês Edward Jorden (1569-1632) ofereceu uma alternativa química
mais abrangente. Sendo um vitalista meticuloso, tal como a maioria dos quí-
micos da época, Jorden aceitou a noção do crescimento dos metais vulgar-
mente defendida na época, mas explicou-a de uma nova maneira. Socorreu-se
do processo alquímico da "fermentação", que definiu como uma reacção exo-
térmica que não requeria ar. Jorden argumentava que devia ser esta a causa
do crescimento inorgânico. Esta nova fonte de calor permitia compreender
vulcões e correntes de montanha sem a perturbadora noção do fogo central.
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Figura 2.3. Diagrama representando a relação ent re os vulcões e o fogo central. De Athanasius
Kircher, Mundus subterraneus (1678). Cortesia do Department ofSpecial Collections, Universidade
de Chicago.
Figura 2.4. O homem visto como o microcosmo unido ao seu criador pelas cadeias da natureza,
representada como uma jovem mulher. Observem-se os retratos de Hermes e Paracelso, para além
dos diagramas dos quatro elementos e dos três princípios. De Tobias Schütz, Harmonia macro-
cosmi cum microcosmi ( 1654). Cortesia do Department of Special Collections, Universidade de
Chicago.
30 1 O HOMEM E A NATUREZA NO RENASCIMENTO
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Figura 2.5. Homem sitiado no seu castelo de saúde. De Robert Fludd, Integrum Morborum
Mysterium (1631 ). Da colecção do autor.
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nesta argumentação, mas o seu interesse especial pela química como guia para o
estudo do Homem e do Universo distingue-os de outros filósofos renascentistas
da natureza. A sua ampla utilização de equipamento químico e a sua constante
referência a analogias químicas como meio de compreender a totalidade dos
fenómenos naturais coloca-os de direito na tradição hermético-alquímica.
A medicina dos paracelsistas era fortemente matizada pela química, mas
não pela matemática. Embora pudessem, cinicamente, prestar homenagem à
certeza da prova matemática, o seu conceito de quantificação encontrava-se
mais próximo do misticismo neopitagórico ou das pesagens práticas. Abstrac-
ções matemáticas dos fenómenos naturais ou provas geométricas sugeriam a
escolástica, que se devia manifestamente evitar. Suspeitava-se que a própria
lógica era um género de ciência e medicina "matemáticas" da Antiguidade.
A ciência médica dos paracelsistas tendia, assim, a constituir uma aproxima-
ção matematizada da natureza inferior à do passado.
As opiniões destes químicos médicos eram expostas com convicção, mas
frequentemente com pouco tacto. Desacreditavam a confiança excessiva
comum na Antiguidade. Apelavam a uma nova medicina e a uma nova filoso-
fia natural baseadas em observações e experiências quimicamente orientadas.
Exigiam reformas educativas, de modo que o seu conceito "cristão" da natu-
reza pudesse ser ensinado nas universidades. Nestes aspectos entravam em
conflito directo com a tradição. No entanto, discutiam entre eles próprios não
menos veementemente. Debatiam questões como o lugar da matemática na
formação da nova filosofia, a verdade dos elementos, a realidade da analogia
macrocosmo-microcosmo e o significado das emanações astrais. Avanços
específicos podem ser, evidentemente, creditados aos paracelsistas - o seu
conceito de doença ou o reconhecimento da importância da química para a
medicina (como base para a compreensão dos processos fisiológicos e como
uma nova fonte de preparação de remédios) servem como excelentes exem-
plos. Além disso, existem poucas dúvidas de que alguns dos conceitos
"modernos" do final do século XVII se enraízam nos conceitos "não moder-
nos" dos iatroquímicos do século anterior. Contudo, foi essencialmente por
definirem a visão de uma nova ciência baseada na observação e interpretada
através da química que participaram num debate que viria a influenciar a
definição de aspectos significativos da ciência moderna.