Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Filosofia
Ver artigo principal: Filosofia
Ídolos
No que se refere ao Novum Organum, Bacon preocupou-se inicialmente com a análise
de falsas noções (ídolos) que se revelam responsáveis pelos erros cometidos pela ciência
ou pelos homens que dizem fazer ciência. É um dos aspectos mais fascinantes e de
interesse permanente na filosofia de Bacon. Esses ídolos foram classificados em quatro
grupos:[carece de fontes]
O método, no entanto, possui pelo menos duas falhas importantes. Em primeiro lugar,
Bacon não dá muito valor à hipótese. De acordo com seu método, a simples disposição
ordenada dos dados nas três tábuas acabaria por levar à hipótese correta. Isso, contudo,
raramente ocorre. Em segundo lugar, Bacon não imaginou a importância da dedução
matemática para o avanço das ciências. A origem para isso, talvez, foi o fato de ter
estudado em Cambridge, reduto platônico que costumava ligar a matemática ao uso que
dela fizera Platão.[carece de fontes]
Obras[carece de fontes]
A produção intelectual de Bacon foi vasta e variada. De modo geral, pode ser dividida
em três partes: jurídica, literária e filosófica.
Obras jurídicas
Figuram entre seus principais trabalhos jurídicos os seguintes títulos: The Elements of
the common lawes of England (Elementos das leis comuns da Inglaterra), Cases of
treason (Casos de traição), The Learned reading of Sir Francis Bacon upon the statute
os uses (Douta leitura do código de costumes por Sir Francis Bacon).
Obras literárias
Sua obra literária fundamental são os Essays (Ensaios), publicados
em 1597, 1612 e 1625 e cujo tema é familiar e prático. Alguns de seus ditos tornaram-se
proverbiais e os Essays tornaram-se tão famosos quanto os de Montaigne. Outros
opúsculos, no âmbito literário: Colours of good and evil (Estandartes do bem e do
mal), De sapientia veterum (Da sabedoria dos antigos). No âmbito histórico destaca-
se History of Henry VII (História de Henrique VII).
Obras filosóficas
As obras filosóficas mais importantes de Bacon são Instauratio magna (Grande
restauração) e Novum organum. Nesta última, Bacon apresenta e descreve seu método
para as ciências. Este novo método deverá substituir o Organon aristotélico.
Seus escritos no âmbito filosófico podem ser agrupados do seguinte modo:
Bacon, Sylva sylvarum
Francis Bacon esteve envolvido com investigações naturais até o fim de sua vida,
tentando realizar na prática seu método. No inverno de 1626, estava envolvido com
experiências sobre o frio e a conservação. Desejava saber por quanto tempo o frio
poderia preservar a carne. A idade havia debilitado a saúde do filósofo e ele acabou não
resistindo ao rigoroso inverno daquele ano. Morreu em 9 de abril, vítima de uma
bronquite. Encontra-se sepultado em St Michael Churchyard, St
Albans, Hertfordshire na Inglaterra.[carece de fontes]
Efetivamente, Bacon não realizou nenhum grande progresso nas ciências naturais. Mas
foi ele quem primeiro esboçou uma metodologia racional para a atividade científica.
Sua teoria dos idola antecipa, pelo menos potencialmente, a moderna Sociologia do
Conhecimento. Foi um pioneiro no campo científico e um marco entre o homem
da Idade Média e o homem moderno. Ademais, Bacon foi um escritor notável.
Seus Essays são os primeiros modelos da prosa inglesa moderna. Há muitos que
acreditam que tenha sido ele o verdadeiro autor das peças de Shakespeare, teoria surgida
há séculos, na chamada Questão da autoria de Shakespeare.[carece de fontes]
Galileu Galilei
Galileo di Vincenzo Bonaulti de Galilei, mais conhecido como Galileu Galilei (Pisa,
15 de fevereiro de 1564 — Florença, 8 de janeiro de 1642), foi
um astrônomo, físico e engenheiro florentino, às vezes descrito como polímata.
[2]
Frequentemente é referenciado como "pai da astronomia observacional",[3] "pai da
física moderna",[4][5] "pai do método científico"[6] e "pai da ciência moderna".[7]
Galileu estudou o princípio da relatividade e fenômenos como a rapidez e a velocidade,
a gravidade e a queda livre, a inércia e o movimento de projéteis, mas também trabalhou
em ciência e tecnologia aplicadas. Nesse âmbito, ele descreveu as propriedades
de pêndulos e "balanços hidrostáticos", inventou o termoscópio e várias bússolas
militares, e usou o telescópio para observações científicas de objetos celestes. Suas
contribuições à astronomia observacional incluem a confirmação visual das fases de
Vênus, a observação dos quatro maiores satélites de Júpiter, a observação dos anéis de
Saturno e, a análise das manchas solares.
Galileu defendeu os controversos heliocentrismo e copernicanismo, quando a maioria
adotava modelos geocêntricos, como o sistema ticônico (combinação dos sistemas
Copernicano e Ptolemaico).[8] Ele teve a oposição de astrônomos, que duvidavam do
heliocentrismo por conta da ausência da observação de uma paralaxe estelar.[8] O
assunto foi então investigado em 1615 pela igreja através da Inquisição Romana, que
concluiu que o tema era "tolo e absurdo em filosofia e formalmente herético, pois
contradiz explicitamente em muitos lugares o sentido da Sagrada Escritura".[8][9][10]
Mais tarde, Galileu defendeu suas opiniões no Diálogo sobre os Dois Principais
Sistemas Mundiais (1632), que parecia atacar o papa Urbano VIII e, assim, alienou-o
dos jesuítas, que até então o haviam apoiado. [8] Foi julgado pela Inquisição, considerado
"veementemente suspeito de heresia" e forçado a se retratar, e passou o resto de sua vida
em prisão domiciliar.[11][12] Enquanto estava preso, escreveu a obra Duas Novas
Ciências, na qual resumiu o trabalho feito, cerca de quarenta anos antes, nas duas
ciências atualmente designadas cinemática e força dos materiais.[13]
Nome
Galileu costumava referir-se a si mesmo apenas pelo seu primeiro nome. Na época, os
sobrenomes eram opcionais na Itália, e seu nome próprio tinha a mesma origem que seu
nome de família, Galilei. Esse seu sobrenome deriva, em última análise, de um
ancestral, Galileo Bonaiuti, um importante médico, professor e político em Florença no
século XV.[17][18] Galileu Bonaiuti foi enterrado na Basílica de Santa Cruz, em Florença,
a mesma igreja onde, cerca de duzentos anos mais tarde, seu descendente mais famoso,
Galileu Galilei, também foi enterrado.[19]
Quando referia-se a si mesmo com mais de um nome, por vezes o fazia com o nome
"Galileo Galilei Linceo", uma referência à Academia de Lincei, uma organização pró-
ciência de elite na Itália, da qual era membro. Era comum as famílias da Toscana de
meados do século XVI nomearem o filho mais velho com o sobrenome dos pais.
[20]
Portanto, Galileu Galilei não recebeu necessariamente o nome de seu ancestral
Galileo Bonaiuti. O nome italiano masculino "Galileu" (daí o sobrenome "Galilei")
deriva do latim "Galilæus", que significa "Galiléia", uma região biblicamente
significativa no norte de Israel.[21][17]
As raízes bíblicas do nome e sobrenome de Galileu se tornariam objeto de um famoso
trocadilho.[22] Em 1614, durante o caso Galileu, um dos oponentes de Galileu, o padre
dominicano Tommaso Caccini, proferiu contra Galileu um sermão controverso e
influente em que citou o versículo bíblico de Atos 1:11: "Vocês, homens da Galileia,
por que estão olhando para o céu?".[23]
Filhos
pois um médico tinha uma renda mais alta que um matemático. No entanto, depois de
assistir acidentalmente a uma palestra sobre geometria, ele convenceu seu relutante pai
a deixá-lo estudar matemática e filosofia natural em vez de medicina. Ele criou
um termoscópio, um precursor do termômetro, e, em 1586, publicou um pequeno livro
sobre o projeto de uma balança hidrostática que ele havia inventado (o que o levou à
atenção do mundo acadêmico). Galileu também estudou disegno, um termo que
englobava belas artes e, em 1588, obteve o cargo de instrutor na Accademia delle Arti
del Disegno, em Florença, ensinando perspectiva e chiaroscuro. Inspirado na tradição
artística da cidade e nas obras dos artistas renascentistas, Galileu adquiriu
uma mentalidade estética. Enquanto jovem professor na Accademia, iniciou uma
amizade, que carregaria para o resto da vida, com o pintor florentino Cigoli, que incluiu
as observações lunares de Galileu em uma de suas pinturas.[31][32]
Em 1589, ele foi nomeado para a cátedra de matemática em Pisa. Em 1591, seu pai
morreu e ele foi encarregado dos cuidados de seu irmão mais novo, Michelagnolo. Em
1592, ele se mudou para a Universidade de Pádua, onde ensinou geometria, mecânica e
astronomia até 1610.[33] Durante esse período, Galileu fez descobertas significativas
tanto em pesquisa fundamental (por exemplo, na cinemática do movimento e na
astronomia), quanto em ciência aplicada (por exemplo, resistência dos materiais e como
pioneiro do telescópio). Seus múltiplos interesses incluíam o estudo da astrologia, que
na época era uma disciplina ligada aos estudos de matemática e astronomia.[34]
Métodos científicos
Ver artigo principal: Método científico
Galileu fez contribuições originais para a ciência do movimento por meio de uma
combinação inovadora de experimentos e matemática.[35] Mais típicos da ciência na
época eram os estudos qualitativos de William Gilbert, sobre magnetismo e eletricidade.
O pai de Galileu, Vincenzo Galilei, um lutenista e teórico da música, realizou
experimentos estabelecendo talvez a mais antiga relação não linear conhecida na física:
para uma corda esticada, o tom varia como a raiz quadrada da tensão. [36] Essas
observações se enquadram no quadro da tradição musical pitagórica, bem conhecida
pelos fabricantes de instrumentos, que inclui o fato de que subdividir uma corda por um
número inteiro produz uma escala harmoniosa. Assim, uma quantidade limitada de
matemática relacionava música e ciências físicas há muito tempo e o jovem Galileu
pôde ver as observações de seu próprio pai expandir essa tradição.[37]
Galileu foi um dos primeiros pensadores modernos a afirmar claramente que as leis da
natureza são matemáticas. Em Il Saggiatore, ele escreveu "A filosofia está escrita neste
grande livro, o universo ... Está escrito na linguagem da matemática e seus caracteres
são triângulos, círculos e outras figuras geométricas; ... ".[38] Suas análises matemáticas
são um desenvolvimento adicional de uma tradição empregada pelos filósofos
naturais escolásticos tardios, que Galileu aprendeu quando ele estudou filosofia.[39]
Galileu mostrou uma apreciação moderna pela relação adequada entre matemática,
física teórica e física experimental. Ele entendeu a parábola, tanto em termos de seções
cônicas quanto em termos das ordenadas (y) variando como o quadrado da abcissa (x).
Galileu afirmou ainda que a parábola era a trajetória teoricamente ideal de um projétil
uniformemente acelerado na ausência de resistência do ar ou de outros distúrbios. Ele
admitiu que há limites para a validade dessa teoria, observando, com base teórica, que
uma trajetória de projétil de tamanho comparável ao da Terra não poderia ser uma
parábola,[40][41][42] mas mesmo assim ele manteve que, para distâncias até o alcance da
artilharia de sua época, o desvio da trajetória de um projétil de uma parábola seria muito
pequeno.[40][43][44]
Astronomia
Foi nesta página que Galileu registrou pela primeira vez uma observação
das luas de Júpiter, o que perturbou a noção de que todos os corpos celestes devem girar
em torno da Terra. Galileu publicou uma descrição completa em Sidereus Nuncius, em
março de 1610
As fases de Vênus, observadas por Galileu em 1610
Baseado apenas em descrições incertas do primeiro telescópio prático que Hans
Lippershey tentou patentear na Holanda em 1608,[45] Galileu, no ano seguinte, fez um
telescópio com ampliação de cerca de três vezes. Mais tarde, ele criou versões
aprimoradas com ampliação de até trinta vezes.[46] Com um telescópio refractor, o
observador podia ver imagens ampliadas e retas na Terra - o que geralmente é
conhecido como telescópio terrestre ou luneta. Ele também poderia usá-lo para observar
o céu; por um tempo ele foi um dos que conseguiu construir telescópios bons o
suficiente para esse fim. Em 25 de agosto de 1609, ele demonstrou um de seus
primeiros telescópios, com uma ampliação de cerca de oito ou nove vezes, aos
legisladores venezianos. Seus telescópios também eram uma linha lateral lucrativa para
Galileu, que os vendia a comerciantes que os consideravam úteis no mar e como itens
de troca. Ele publicou suas observações astronômicas telescópicas iniciais em março de
1610 em um breve tratado intitulado Sidereus Nuncius (Mensageiro Estrelado).[47]
Supernova de Kepler
Tycho e outros observaram uma supernova de 1572. A carta de Ottavio Brenzoni, de 15
de janeiro de 1605, a Galileu trouxe a supernova de 1572 e a nova menos brilhante de
1601 ao conhecimento de Galileu. Galileu observou e discutiu a supernova de
Kepler em 1604. Como essas novas estrelas não exibiam paralaxe diurna detectável,
Galileu concluiu que eram estrelas distantes e, portanto, refutou a crença aristotélica na
imutabilidade dos céus.[48]
As luas de Júpiter
Em 7 de janeiro de 1610, Galileu observou com seu telescópio o que ele descreveu na
época como "três estrelas fixas, totalmente invisíveis[a] por sua pequenez", todas
próximas a Júpiter e em uma linha reta através dele.[49] Observações nas noites
subsequentes mostraram que as posições dessas "estrelas" em relação a Júpiter estavam
mudando de uma maneira que seria inexplicável se fossem realmente estrelas fixas . Em
10 de janeiro, Galileu observou que uma delas havia desaparecido, uma observação que
ele atribuiu ao fato de estar escondida atrás de Júpiter. Dentro de alguns dias, ele
concluiu que elas estavam orbitando Júpiter: ele havia descoberto três das quatro
maiores luas de Júpiter.[50] Ele descobriu a quarta lua em 13 de janeiro. Galileu nomeou
o grupo das quatro estrelas mediceanas, em homenagem a seu futuro patrono, Cosme II
de Médici, grão-duque da Toscana, e os três irmãos de Cosimo.[51] Mais tarde, os
astrônomos os renomearam como satélites galileus em homenagem a seu descobridor.
Esses satélites foram descobertos independentemente por Simon Marius em 8 de janeiro
de 1610 e agora são chamados Io, Europa, Ganymede e Callisto, os nomes dados por
Marius em sua obra Mundus Iovialis publicada em 1614.[52]
As observações de Galileu sobre os satélites de Júpiter causaram uma revolução na
astronomia: um planeta com planetas menores em órbita não estava em conformidade
com os princípios da cosmologia aristotélica, que sustentava que todos os corpos
celestes deveriam circular a Terra[53][54] e muitos astrônomos e filósofos inicialmente se
recusaram a acreditar que Galileu poderia ter descoberto uma coisa dessas.[55][56] Suas
observações foram confirmadas pelo observatório de Cristóvão Clávio e ele recebeu
boas-vindas de um herói quando visitou Roma em 1611.[57] Galileu continuou a observar
os satélites nos dezoito meses seguintes e em meados de 1611, ele havia obtido
estimativas extraordinariamente precisas para seus períodos - um feito
que Kepler julgara impossível.[58][59]
Manchas solares
Lua
Engenharia
Bússola geométrica e militar de Galileu, pensada para ter sido feita c. 1604, por seu
fabricante de instrumentos pessoais Marc'Antonio Mazzoleni
Galileu fez uma série de contribuições para o que hoje é conhecido como engenharia,
distinta da física pura. Entre 1595 e 1598, Galileu concebeu e melhorou uma bússola
geométrica e militar adequada para uso por artilheiros e topógrafos. Isto expandiu os
instrumentos anteriores projetados por Niccolò Tartaglia e Guidobaldo del Monte. Para
os atiradores, ofereceu, além de uma maneira nova e segura de elevar os canhões
com precisão, uma maneira de calcular rapidamente a carga
de pólvora para balas de canhão de diferentes tamanhos e materiais. Como instrumento
geométrico, permitiu a construção de qualquer polígono regular, o cálculo da área de
qualquer polígono ou setor circular e uma variedade de outros cálculos. Sob a direção
de Galileu, o fabricante de instrumentos Marc'Antonio Mazzoleni produziu mais de 100
dessas bússolas, que Galileu vendeu (junto com um manual de instruções que ele
escreveu) por 50 liras e ofereceu um curso de instrução no uso das bússolas por
120 liras.[85]
Uma réplica do telescópio sobrevivente mais antigo atribuído a Galileu Galilei, em
exibição no Observatório Griffith
Em 1609, Galileu foi, juntamente com o inglês Thomas Harriot e outros, um dos
primeiros a usar um telescópio refrator como instrumento para observar estrelas,
planetas ou luas. O nome "telescópio" foi cunhado para o instrumento de Galileu por
um matemático grego, Giovanni Demisiani,[86][87] em um banquete realizado em 1611
pelo príncipe Federico Cesi para fazer de Galileu um membro de sua Accademia dei
Lincei.[88] Em 1610, ele usou um telescópio a curta distância para ampliar as partes de
insetos.[89][90] Em 1624, Galileu havia usado um microscópio composto. Ele entregou um
desses instrumentos ao cardeal Zollern em maio daquele ano para apresentação ao
duque da Baviera[91] e, em setembro, enviou outro ao príncipe Cesi.
[92]
Os linceanos desempenharam novamente um papel ao nomear o "microscópio" um
ano depois, quando o colega Giovanni Faber cunhou a palavra para a invenção de
Galileu a partir das palavras gregas μικρόν (mícron) que significa "pequeno"
e σκοπεῖν (skopein) "olhar para". A palavra deveria ser análoga a "telescópio". [93]
[94]
Ilustrações de insetos feitas com um dos microscópios de Galileu e publicadas em
1625, parecem ter sido a primeira documentação clara do uso de um microscópio
composto.[92]
Em 1612, tendo determinado os períodos orbitais dos satélites de Júpiter, Galileu propôs
que, com um conhecimento suficientemente preciso de suas órbitas, alguém pudesse
usar suas posições como um relógio universal, o que tornaria possível a determinação
da longitude. Ele trabalhou nesse problema de tempos em tempos durante o resto de sua
vida, mas os problemas práticos eram graves. O método foi aplicado com sucesso
por Giovanni Domenico Cassini em 1681 e mais tarde foi amplamente utilizado para
grandes levantamentos de terra; esse método, por exemplo, foi usado para analisar a
França e, mais tarde, por Zebulon Pike, o centro-oeste dos Estados Unidos, em 1806.
Para a navegação marítima, onde as observações telescópicas delicadas eram mais
difíceis, o problema da longitude acabou exigindo o desenvolvimento de
um cronômetro marinho portátil prático, como o de John Harrison.[95]
Galileu foi convidado em várias ocasiões para aconselhar sobre esquemas de engenharia
para aliviar as inundações nos rios. Em 1630, Mario Guiducci provavelmente foi
fundamental para garantir que ele fosse consultado por Bartolotti sobre um plano para
cortar um novo canal para o rio Bisenzio, perto de Florença.[96]
Física
Galileu e Viviani, 1892, Tito Lessi
Corpos em queda
Uma biografia de Galileu feita por seu aluno, Vincenzo Viviani, afirmou que ele havia
jogado bolas do mesmo material, mas de massas diferentes, da Torre Inclinada de
Pisa para demonstrar que o tempo de descida era independente da massa.[101] Isto era
contrário ao que Aristóteles havia ensinado: que objetos pesados caem mais rápido que
objetos mais leves, em proporção direta ao peso.[102][103] Embora essa história tenha sido
recontada em relatos populares, o próprio Galileu não relata tal experimento e
geralmente é aceito pelos historiadores que foi no máximo um experimento mental que
realmente não ocorreu.[104] Uma exceção é Drake,[105] que argumenta que o experimento
aconteceu, mais ou menos como Viviani descreveu. O experimento descrito foi
realmente realizado por Simon Stevin (vulgarmente conhecido como Stevinus) e Jan
Cornets de Groot,[30] embora o edifício usado tenha sido a torre da igreja em Delft em
1586.[106] No entanto, a maioria de seus experimentos com corpos em queda foram
realizados usando planos inclinados, onde as questões de tempo e resistência do ar eram
muito reduzidas.[107] Em qualquer caso, observações de objetos de tamanhos
semelhantes de diferentes pesos caíram na mesma velocidade são documentadas em
obras tão antigas quanto as de João Filopono, no século VI, e das quais Galileu estava
ciente.[108][109]
0:48CC
Durante a missão Apollo 15 em 1971, o astronauta David Scott mostrou que Galileu
estava certo: a aceleração é a mesma para todos os corpos sujeitos à gravidade na Lua,
mesmo que seja um martelo e uma pena.
Em Discorsi, de 1638, o personagem de Galileu, Salviati, amplamente considerado o
porta-voz de Galileu, sustentava que todos os pesos desiguais cairiam com a mesma
velocidade finita no vácuo. Mas isso havia sido proposto anteriormente
por Lucrécio[110] e Simon Stevin.[nota 1]
Galileu propôs que um corpo em queda caísse com uma aceleração uniforme, desde que
a resistência do meio pelo qual ele caísse permanecesse insignificante, como no caso do
vácuo.[112][113] Ele também derivou a lei cinemática correta para a distância percorrida
durante uma aceleração uniforme a partir do repouso — a saber, que é proporcional ao
quadrado do tempo decorrido (d ∝ t 2).[114][115] Antes de Galileu, Nicole d'Oresme, no
século XIV, tinha derivado a lei do tempo ao quadrado para mudanças uniformemente
aceleradas[116][117] e Domingo de Soto havia sugerido no século XVII que corpos caindo
através de um meio homogêneo seria uniformemente acelerado.[114]
Ele também concluiu que os objetos retêm sua velocidade na ausência de impedimentos
ao movimento,[118] contradizendo assim a hipótese aristotélica geralmente aceita de que
um corpo só poderia permanecer em chamados movimentos "violentos", "não naturais"
ou "forçados" enquanto um agente de mudança (o "motor") continuasse a agir sobre ele.
[119]
Ideias filosóficas relacionadas à inércia foram propostas por João Filopono e Jean
Buridan. Galileu afirmou: "Imagine qualquer partícula projetada ao longo de um plano
horizontal sem atrito; então sabemos, pelo que foi explicado mais detalhadamente nas
páginas anteriores, que essa partícula se moverá ao longo do mesmo plano com um
movimento uniforme e perpétuo, desde que o plano não tenha limites".[120] Isto foi
incorporado às leis do movimento de Newton (primeira lei), exceto na direção do
movimento: a de Newton é reta, a de Galileu é circular (por exemplo, o movimento dos
planetas em torno do Sol, que segundo ele, e diferentemente de Newton, ocorre na
ausência de gravidade).[121]
Retrato, atribuído a Murillo, de Galileu olhando para as palavras "E pur si muove" (E,
no entanto, ela se move) (não legível nesta imagem) arranhado na parede da cela da
prisão
Segundo a lenda popular, depois de retratar sua teoria de que a Terra se movia ao redor
do Sol, Galileu supostamente murmurou a frase rebelde "E ainda assim se move". Uma
pintura de 1640 do pintor espanhol Bartolomé Esteban Murillo ou um artista de sua
escola, na qual as palavras foram ocultas até a restauração em 1911, retrata um Galileu
encarcerado, aparentemente contemplando as palavras "E pur si muove" escritas na
parede de sua masmorra. O relato escrito mais antigo conhecido da lenda data de um
século após sua morte, mas Stillman Drake escreve "não há dúvida agora que as
famosas palavras já eram atribuídas a Galileu antes de sua morte".[190]
Depois de um período com o amigável Ascanio Piccolomini (o arcebispo de Siena),
Galileu foi autorizado a voltar para sua casa em Arcetri, perto de Florença, em 1634,
onde passou parte de sua vida em prisão domiciliar. Galileu recebeu ordem de ler os
sete salmos penitenciais uma vez por semana pelos três anos seguintes. No entanto, sua
filha Maria Celeste o aliviou do fardo depois de obter permissão eclesiástica para
assumir o cumprimento da ordem.[191]
Foi enquanto Galileu estava em prisão domiciliar que dedicou seu tempo a uma de suas
melhores obras, Duas Novas Ciências. Aqui, ele resumiu o trabalho que havia feito
cerca de quarenta anos antes, nas duas ciências agora denominadas cinemática e força
dos materiais, publicadas nos Países Baixos para evitar os censores. Este livro recebeu
muitos elogios de Albert Einstein.[nota 2] Como resultado deste trabalho, Galileu é
frequentemente chamado de "pai da física moderna". Ele ficou completamente cego em
1638 e sofria de uma hérnia e insônia dolorosas, por isso foi autorizado a viajar para
Florença para aconselhamento médico.[192]
Dava Sobel argumenta que antes do julgamento de Galileu em 1633, o papa Urbano
VIII havia se preocupado com as intrigas da corte e os problemas de Estado, e começou
a temer perseguição ou ameaças à própria vida. Nesse contexto, Sobel argumenta que o
problema de Galileu foi apresentado ao papa por membros da corte e inimigos de
Galileu. Tendo sido acusado de fraqueza na defesa da igreja, Urbano reagiu contra
Galileu por raiva e medo.[193]
Morte
Legado
Reavaliações posteriores da Igreja
O caso Galileu foi amplamente esquecido após a morte dele e a controvérsia se
acalmou. A proibição da Inquisição de reimprimir as obras de Galileu foi levantada em
1718, quando foi concedida permissão para publicar uma edição de suas obras
(excluindo o condenado Diálogo) em Florença.[203] Em 1741, o Papa Bento
XIV autorizou a publicação de uma edição dos trabalhos científicos completos de
Galileu[204] que incluíam uma versão levemente censurada do Diálogo.[205][204] Em 1758,
a proibição geral contra obras que defendiam o heliocentrismo foi removida do Index
Librorum Prohibitorum, embora a proibição específica de versões sem censura
do Diálogo e De Revolutionibus, de Copernicus, tenha permanecido.[206][204] Todos os
vestígios de oposição oficial ao heliocentrismo pela igreja desapareceram em 1835,
quando essas obras foram finalmente retiradas do Index.[207][208]
Galileu durante o seu julgamento pela Inquisição
O interesse pelo caso Galileu foi revivido no início do século XIX, quando os
polemistas protestantes o usaram (e outros eventos como a Inquisição Espanhola e o
mito da Terra plana) para atacar o catolicismo romano.[8] O interesse por ele aumentou e
diminuiu desde então. Em 1939, o papa Pio XII, em seu primeiro discurso na Pontifícia
Academia das Ciências, poucos meses após sua eleição para o papado, descreveu
Galileu como um dos "heróis mais audaciosos da pesquisa ... sem medo dos obstáculos.
e os riscos a caminho, nem temeroso dos monumentos funerários". [209] Seu conselheiro
próximo de 40 anos, o professor Robert Leiber, escreveu: "Pio XII teve muito cuidado
para não fechar prematuramente nenhuma porta (à ciência). Ele foi enérgico nesse ponto
e lamentou isso no caso de Galileu."[210]
Em 15 de fevereiro de 1990, em um discurso proferido na Universidade Sapienza de
Roma,[211][212] o cardeal Ratzinger (mais tarde Papa Bento XVI ) citou alguns pontos de
vista atuais sobre o caso Galileu como formando o que ele chamou de "um caso
sintomático que nos permite para ver quão profunda é a dúvida da idade moderna, da
ciência e da tecnologia hoje".[213] Algumas das opiniões que ele citou foram as do
filósofo Paul Feyerabend, a quem ele citou como tendo dito: "A Igreja na época de
Galileu mantinha muito mais proximidade com a razão do que o próprio Galileu e ela
também levou em consideração as consequências éticas e sociais dos ensinamentos de
Galileu. Seu veredicto contra Galileu foi racional e justo e a revisão desse veredicto só
pode ser justificada com base no que é politicamente oportuno".[213] O cardeal não
indicou claramente se ele concordava ou discordava das afirmações de Feyerabend. Ele
disse, no entanto: "Seria tolice construir uma apologética impulsiva com base nessas
visões".[213]
Em 31 de outubro de 1992, o papa João Paulo II reconheceu que a Igreja havia errado
ao condenar Galileu por afirmar que a Terra gira em torno do Sol. "João Paulo disse que
os teólogos que condenaram Galileu não reconheceram a distinção formal entre a Bíblia
e sua interpretação".[214]
Em março de 2008, o chefe da Pontifícia Academia de Ciências, Nicola Cabibbo,
anunciou um plano para homenagear Galileu erguendo uma estátua dele dentro das
paredes do Vaticano.[215] Em dezembro do mesmo ano, durante os eventos que
marcaram o 400º aniversário das primeiras observações telescópicas de Galileu, o Papa
Bento XVI elogiou suas contribuições à astronomia.[216] Um mês depois, no entanto, o
chefe do Pontifício Conselho para a Cultura, Gianfranco Ravasi, revelou que o plano de
erguer uma estátua de Galileu nos terrenos do Vaticano havia sido suspenso.[217]
Escritos
Estátua de Galileu do lado de fora de Uffizi, Florença
as luas galileanas;
a aspereza da superfície da Lua;
a existência de um grande número de estrelas invisíveis a olho nu, principalmente as
responsáveis pelo surgimento da Via Láctea;
diferenças entre as aparências dos planetas e as das estrelas fixas - as primeiras
aparecendo como pequenos discos, enquanto as últimas apareciam como pontos de
luz não ampliados.[230]
Galileu publicou uma descrição das manchas solares em 1613, intitulada Cartas sobre
as Manchas Solares[231] sugerindo que o Sol e o céu são corruptíveis. As Cartas também
relataram suas observações telescópicas de 1610 de todo o conjunto de fases de Vênus e
sua descoberta dos intrigantes "apêndices" de Saturno e seu desaparecimento
subsequente, ainda mais intrigante. Em 1615, Galileu preparou um manuscrito
conhecido como "Carta à Grã-duquesa Christina", que não foi publicada em formato
impresso até 1636. Essa carta era uma versão revisada da Carta a Castelli, denunciada
pela Inquisição como uma incursão na teologia, defendendo o copernicanismo como
fisicamente verdadeiro e consistente com as Escrituras.[232] Em 1616, após a ordem da
Inquisição de Galileu de não manter ou defender a posição copernicana, Galileu
escreveu o "Discurso sobre as Marés" (Discorso sul flusso e o refluxo del mare) baseado
na terra copernicana, na forma de um carta particular ao cardeal Orsini. [233] Em 1619,
Mario Guiducci, aluno de Galileu, publicou uma palestra escrita em grande parte por
Galileu, sob o título Discurso sobre os Cometas (Discorso Delle Comete),
argumentando contra a interpretação jesuíta dos cometas.[234]
Em 1623, Galileu publicou Il Saggiatore, que atacava teorias baseadas na autoridade de
Aristóteles e promovia a experimentação e a formulação matemática de ideias
científicas. O livro foi muito bem-sucedido e até encontrou apoio entre os escalões mais
altos da igreja cristã.[235]
Publicações
As principais obras escritas de Galileu são as seguintes:
La Bilancetta (1586);[236]
De Motu Antiquiora (c. 1590);[237]
Le mecaniche (c. 1600);[238]
Le operazioni del compasso geometrico et militare (1606);[239]
Sidereus Nuncius (1610);[230]
Discorso intorno alle cose che stanno in su l'acqua, o che in quella si
muovono (1612);[240]
Istoria e dimostrazioni intorno alle macchie solari (1613; trabalho baseado em Tre
lettere sulle macchie solari, 1612);[241]
Lettera a Madama Cristina di Lorena granduchessa di Toscana (1615; publicado
em 1636);[242]
Discorso del flusso e reflusso del mare (1616);[233]
Discorso delle Comete (1619);[243]
Il Saggiatore (1623);[244]
Dialogo sopra i due massimi sistemi del mondo (1632);[245]
Discorsi e Dimostrazioni Matematiche, intorno a due nuove scienze (1638).[246]
Ver também
Vida
Infância e família
Nascido em 27 de agosto de 1770, Hegel foi o primeiro filho de Georg Ludwig Hegel,
um secretário protestante da repartição de receitas do Ducado de
Württemberg sob Carlos Eugênio, com Maria Magdalena Louisa Hegel.[3] Nesse mesmo
ano, os estados protestantes do Ducado de Württemberg haviam alcançado uma
resolução constitucional da disputa acerca dos direitos tradicionais de suas populações e
as respectivas funções dos vários ramos institucionais do governo, que havia sido
apresentada no tribunal do Sacro Império Romano-Germânico tardio e sucedeu em
forçar o reconhecimento de sua relativa autonomia por parte do duque católico de
inclinação absolutista. Essa consolidação legal permeou o clima cultural e político da
região nos anos posteriores, sendo considerada uma vitória do povo protestante dentro
de um sistema único em sua mistura de características feudais e modernas.[3] Outra
característica de Württemberg durante a infância e juventude de Wilhelm era a
prevalência de um estrutura comunitária, que permeava aspectos sociais e informais da
vida dos indivíduos, inspirando-lhes um forte senso de pertencimento e dever, enquanto
que funcionava também como elemento jurídico de manutenção de direitos tradicionais,
algo que o filósofo descreveria mais tarde como um tipo de 'segunda família'.[4] A
continuidade dessas formas de vida seriam mais tarde ameaçadas pelas tendências
modernizantes que influenciadas pela Revolução Francesa.[5]
A família de Hegel pertencia à uma linhagem moderadamente próspera de cidadãos do
ducado. Sua pai havia estudado direito na Universidade de Tubinga, e descendia de
imigrantes austríacos protestantes do século XVI, cujo ancestral Johannes Hegel decidiu
sair da Áustria em razão da pressão de converção ao catolicismo praticada pelo governo
de então, para manter a religiosidade luterana. Várias gerações seguintes ocuparam
funções de pastores Württemberg. Sua mãe era filha de uma advogado da alta corte de
Württemberg, cuja família possuía uma longa tradição em Stuttgart.[6] Além de Hegel, o
casal teve outras cinco filhos, dos quais apenas dois sobreviveram até a vida adulta, sua
irmã Christiane Luise e seu irmão Georg Ludwig, dado a alta taxa de mortalidade por
doenças como a varíola, alguma das quais o filósofo contraiu na juventude e lhe
causaram prolongados efeitos na saúde. Sua mãe morreu quando tinha onze anos,
em 1781, em razão de uma febre denominada 'biliosa' na época, que causou muitas
mortes na região e ameaçou o próprio Hegel. A morte da mãe afetou a personalidade do
filósofo, que passou à demonstrar sinais de dificuldade na fala.[6]
A educação era muito valorizada na família de Hegel, que o inscreveu na
chamada Escola Alemã aos três anos de idade, passando pela Escola Latina aos cinco,
onde entrou já com algum domínio da língua, em razão das lições dadas por sua mãe,
cuja erudição era rara entre as mulheres da época. Ela foi, presumivelmente, uma
inspiração para a personalidade de Hegel e sua dedicação ao estudo. Além disso, o
filósofo teve aulas privadas de geometria aos dez anos, por um tutor contratado por seu
pai, um matemático local relativamente notório chamado K. A. F. Duttenhofer. A
família assinava também uma importante revista do Iluminismo alemão, o Allgemeine
deutsche Bibliothek, onde apareceram algumas das primeiras discussões sobre a
filosofia de Immanuel Kant, o que demonstra o alto nível de contato com as correntes
culturais que existia em sua casa.[7] Posteriormente teria mais tutores arranjados Ludwig
Hegel, através dos quais provavelmente aprendeu francês. Biógrafos especulam que,
durante esse período após a morte de Maria Magdalena, prevaleceu um sentimento de
alienação no núcleo familiar, especialmente sentida por Wilhelm, evidência disso é a
dedicação que teve aos estudos, sendo um ávido leitor e um aluno de alto desempenho,
como também, como também um frequentador da biblioteca pública do ducado, não
muito distante de sua casa, onde passava a totalidade das quartas feiras e dos dias de
sábado.[7] Todos esses elementos formam uma imagem de uma família ligada às
correntes do Iluminismo alemão ao mesmo tempo que se situava nas tradições culturais
e políticas de Württemberg, ainda que deslocada do catolicismo da nobreza, próxima,
mesmo sem pertencer, de membros do Ehrbarkeit, um círculo social de uma elite sem
títulos de nobreza que formava os quadros do adminstrativos e intelectuais do ducado.
Em suma, uma família cujo status social se sustentava mais em sua formação e
capacidade do que em conexões familiares.[5]
Estudos
Em 1784, Ludwig decidiu inscrever Wilhelm no Gymnasium Illustre de Stuttgart, uma
escola relativamente precária, onde, não obstante, existia uma moderada presença
do pensamento iluminista ao lado de uma tradição do humanismo protestante. A
passagem por essa escola divergia da trajetória preferida pelos estudantes conduzido à
seguir uma formação em teologia, como era provavelmente o caso de Hegel, dado que
tendiam à ser enviados para escolas de mosteiros. Ainda assim, a Universidade de
Tubinga reservava uma quantidade menor de vagas para egressos do Gymnasium
Illustre, o que conciliava o interesse por uma educação iluminista com a formação
teológica.[8] A opção pelo ginásio permitiu que Wilhelm permanecesse vivendo jundo da
família, ao mesmo tempo que cultivava uma extensiva educação humanística - como
nos clássicos, línguas antigas e modernas, matemática e ciências.[9]
Os diários do filósofo nesse período revelam uma dedicação acima de tudo ao estudo,
com transcrições de passagens de sua leituras e exposições sobre as ideias que
encontrava e entretinha. Temas da vida sentimental são significativamente reduzidos
nesses diários, revelando por um lado a vivência de sua juventudo, como a auto-imagem
que cultivava. Mais tarde, na Universidade de Tubinga, seria apelidado pelos amigos de
'o homem velho'. Ainda assim, sua irmã deixou registros afirmando que Hegel possuia
muitos amigos, apesar de ter pouca 'agilidade corporal' na ginástica, que por outro lado
gostava de praticar. Além disso, era 'desajeitado' na dança.[10] Suas leituras atestadas
nesse período incluiam livros de história mundial, autores da época como Friedrich
Gottlieb Klopstock, livros do relevante 'filósofo popular' Christian Garve, e de figuras
do iluminismo - curiosamente, Hegel transcrevia diversas passagens onde esses autores
elaboravam definições de 'iluminismo'. Além disso, demonstrava alguma familiaridade
com o pensamento de Rousseau, possivelmente através das obras de J. G. Feder, como
também do jurista de Württemberg Johann Jakob Moser e, timidamente, da filosofia
de Immanuel Kant.[11] Um aspecto importante desse período, com uma influência
permanente na vida de Hegel, foi sua amizade com Jacob Friedrich von Abel, que foi
uma espécie de mentor do jovem estudante. Abel era um filósofo relativamente notório,
amigo de Schiller e um participante do debate em torno da filosofia de Kant, contra a
qual tomou uma atitude crítica, e de defesa da metafísica racionalista tradicional,
especialmente de seus elementos religiosos.[11] Outro autor igualmente influente nesse
período foi Gotthold Ephraim Lessing, cuja concepção de iluminismo enquanto
cosmopolitismo e tolerância cultural e religiosa, implantada nos personagens de suas
peças, serviria de paradigma para Hegel da personalidade iluminista.[12]
Pensamento
G. W. F. Hegel
Pensadores (Precursores)
Jakob Böhme
Baruch Spinoza
Immanuel Kant
Johann Wolfgang von Goethe
Johann Gottlieb Fichte
Friedrich Hölderlin
Friedrich Schelling
Pensadores (Posteriores)
Arthur Schopenhauer
Ludwig Feuerbach
Søren Kierkegaard
Alexandre Kojève
Obras
Fenomenologia do Espírito
Ciência da Lógica
Enciclopédia
Princípios da Filosofia do Direito
Curso de Estética
Filosofia da História
Escolas
Hegelianismo
Idealismo absoluto
Idealismo britânico / Idealismo alemão
Dialética
Dialética Senhor-Escravo
Tópicos relacionados
Hegelianos de direita
Jovens hegelianos
v
d
e
As obras de Hegel têm fama de difíceis graças à amplitude dos temas que pretendem
abarcar. Hegel introduziu um sistema para entender a história da filosofia e o próprio
mundo, chamado amiúde de "dialética": uma progressão na qual cada movimento
sucessivo surge como solução das contradições inerentes ao movimento anterior. Por
exemplo, a Revolução Francesa constitui, para Hegel, pela primeira vez na história, a
introdução da verdadeira liberdade nas sociedades ocidentais.
Entretanto, precisamente por sua novidade absoluta, é também absolutamente radical:
por um lado, o aumento abrupto da violência – que fez falta para realizar a revolução –
não pode deixar de ser o que é; e, por outro lado, já consumiu seu oponente. A
revolução, por conseguinte, já não tem mais para onde volver-se além de seu próprio
resultado: a liberdade conquistada com tantas penúrias é consumida por um brutal
Reinado de Terror. A história, não obstante, progride aprendendo com seus próprios
erros: somente depois desta experiência, e precisamente por ela, pode se postular a
existência de um Estado constitucional de cidadãos livres, que consagra tanto o poder
organizador benévolo (supostamente) do governo racional e os ideais revolucionários da
liberdade e da igualdade. "A liberdade reside no pensamento".
Nas explicações contemporâneas do hegelianismo – para as classes pré-universitárias,
por exemplo –, a dialética de Hegel frequentemente aparece fragmentada, por
comodidade, em três momentos, chamados: tese (em nosso exemplo, a
revolução), antítese (o terror subsequente) e síntese (o estado constitucional de
cidadãos livres). Contudo, Hegel não empregou pessoalmente esta classificação em
absoluto; na verdade, ela foi criada anteriormente, por Fichte, em sua explicação mais
ou menos análoga da relação entre o indivíduo e o mundo. Os estudiosos sérios de
Hegel não reconhecem, genericamente, a validez desta classificação, conquanto
provavelmente tenha algum valor pedagógico (vide: Tríade dialética).
O historicismo cresceu significativamente durante a filosofia de Hegel. Da mesma
maneira que outros expoentes do historicismo, considerava que o estudo da História era
o método adequado para abordar o estudo da ciência da sociedade, já que revelaria
algumas tendências do desenvolvimento histórico. Em sua filosofia, a história não
somente oferece a chave para a compreensão da sociedade e das mudanças sociais,
como também é considerada tribunal de justiça do mundo.
A filosofia de Hegel afirmava que tudo o que é real, é também racional; e, por corolário,
tudo o que é racional, é real. O fim da história era, para Hegel, a parusia do espírito; e o
desenvolvimento histórico podia ser equiparado ao desenvolvimento de um organismo
(os componentes têm funções definidas, sendo que enquanto trabalham, afetam o
restante). Hegel acredita em uma norma divina, fulcrada no princípio de que em tudo se
encontra a volição de Deus, a qual é conduzir o homem para a liberdade; porquanto é
panteísta. Justifica, então, a desgraça histórica: todo o sangue e a dor, a pobreza e as
guerras, constituem "o preço" necessário a ser pago para alcançar a liberdade da
humanidade.
Hegel valeu-se deste sistema para explicar toda a história da filosofia, da ciência, da
arte, da política e da religião; no entanto, muitos críticos modernos assinalam que Hegel
constantemente parece ignorar as realidades da história a fim de fazê-las encaixar em
seu molde dialético. Seu pressuposto histórico de que o pensamento dos povos orientais
era necessariamente imperfeito e pré-filosófico o levou a negar a existência de uma
verdadeira filosofia, na Índia.[14]
Karl Popper, crítico de Hegel em A sociedade aberta e seus inimigos, opina que o
sistema de Hegel constitui uma justificação vagamente dissimulada do governo de
Frederico Guillermo III e da ideia hegeliana de que o objetivo ulterior da história é
chegar a um Estado que se aproxima ao da Prússia do decênio de 1831. Esta visão de
Hegel como apólogo do poder estatal e precursor do totalitarismo do século XX foi
criticada minuciosamente por Herbert Marcuse em Razão e revolução: Hegel e o
surgimento da teoria social, arguindo que Hegel não foi apólogo nem do Estado nem da
forma de autoridade, simplesmente porque estes existiram; para Hegel, o Estado deve
ser sempre racional. Arthur Schopenhauer desprezou Hegel por seu historicismo e
tachou sua obra de pseudofilosofia.
A filosofia da história de Hegel está também marcada pelos conceitos da "astúcia da
razão" e do "escárnio da história". A história conduz os homens que creem se
conduzir de per si, como indivíduos e como sociedades, castigando suas pretensões, de
modo que a história-mundo, ao fazer troça deles, produz resultados exatamente
contrários e paradoxais aos pretendidos por seus autores, a despeito de, nos períodos
finais, a história se reordenar e, em um cacho fantástico, retroceder sobre si mesma e,
com sua gozação sarcástica e paradoxal convertida em mecanismo de criptografia, cria
também ela mesma, sem querer, realidades e símbolos ocultos ao mundo e acessíveis
tão-somente aos cognoscentes, id est, àqueles que querem conhecer.
Princípio fundamental
Tudo é inteligível para o ser que, idêntico no seu fundo com o Espírito ou a Ideia
infinita, se manifesta no universo concreto graças ao movimento dialéctico: tese,
antítese, síntese.
A intuição fundamental de Hegel, fiel ao panteísmo idealista, é que, no universo, todas
as riquezas de fenómenos e de indivíduos concretos, com a humanidade e todos os
acontecimentos da sua história, são apenas as manifestações necessárias, inteligíveis a
priori, duma realidade única: o Espírito infinito que, sendo de ordem ideal, não pode
conter elemento algum irracional ou inexplicável, de direito: "Todo o real, diz ele, é
racional". A sua filosofia não foi senão um esforço para esclarecer até nos seus mínimos
pormenores esta vista central.
Para isso, Hegel escolheu judiciosamente como ponto de partida o Ser, a noção mais
simples e mais abstracta, luz inteligível que ilumina todas as outras ideias; e conforme o
postulado panteísta quer mostrar que a lei fundamental deste ser, única realidade, o leva
necessariamente a manifestar-se nos múltiplos objectos e fenómenos concretos tais
como os verificam a nossa experiência e as nossas ciências positivas.
Aliás, não dá a esta dedução o sentido duma teogonia ou duma emanação real, como se
pretendesse que "o mais sai do menos" e que "o abstracto engendra o concreto": quer
simplesmente libertar a lei ideal que torna inteligível o universo concreto desenvolvido
sob o nosso olhar, mostrando como cada um dos seus pormenores decorre
inevitavelmente da única realidade subjacente às múltiplas aparências: o Espírito ou
Ideia que é o ser absoluto (*). As noções muito gerais que constituem as primeiras fases
da dedução têm pois a sua origem nos factos mais ricos e mais reais, como a ideia
abstracta é tirada do concreto; e é preciso distinguir duas séries; uma ideal, descrita em
filosofia, a outra, real, verificada nas ciências positivas. Notemos, contudo, que o
idealismo torna precária e pouco inteligível esta distinção; porque afirma a coincidência
entre a ideia e a realidade. "Tudo o que é racional é real", diz ainda Hegel. Mas, a seu
parecer, basta para isso que a correspondência perfeita entre o sistema a priori e a
experiência se verifique no termo da dedução, sem exigir, em todas as fases, um
paralelismo total entre as ideias e os factos.(B)
Ora a lei cujo desenvolvimento necessário engendra todo o universo é a da dialéctica,
segundo a qual toda ideia abstracta, a começar pela de ser, considerada no seu estado de
abstracção, afirma necessariamente a sua negação, a sua antítese, de modo que esta
contradição exige para se resolver a afirmação de uma síntese mais compreensiva que
constitui uma nova ideia, rica, ao mesmo tempo, do conteúdo das duas outras. Esta
marcha para diante, segundo Hegel, não é arbitrária; está inserida na própria essência da
noção abstracta bem analisada; e enquanto a ideia sintética assim obtida guardar um
lado abstracto, manifesta à reflexão uma nova identidade com o seu contrário, uma nova
exigência de progresso, até que enfim a última síntese exprime o facto de experiência
concreto, único a existir realmente. Trata-se pois, para o filósofo, de abranger num só
olhar o imenso desenvolvimento das realidades concretas que formam o universo, de
remontar daí, por mil caminhos diversos mas convergentes, através das fases cada vez
mais abstractas até a origem comum do ser ou do Espírito absoluto; e, terminada esta
análise preliminar, o sistema consiste em tomarmos posse do desenvolvimento a
priori destas cascatas de noções caindo umas das outras por trilogias, com uma
necessidade lógica tão rigorosa como a dedução dos modos em Spinozismo. Hegel teve
a audácia de tentar esta síntese, depois de se ter abundantemente documentado sobre o
estado de todas as ciências positivas do seu tempo cujo conteúdo experimental devia ser
incorporado no seu sistema; e concebeu este num sentido evolucionista, graças ao
método dialéctico.
Esta "dialéctica" bem compreendida não parece ser, como se disse, a negação do
princípio de contradição; é, pelo contrário, esforço para escapar à contradição passando
à noção sintética que reconcilia a tese com a antítese; mas, nestas fases preliminares,
Hegel é de opinião que o nosso espírito pensa verdadeiramente a contradição; e tal é
bem o caso, efectivamente de toda ideia abstracta, se a interpretarmos segundo o
idealismo absoluto.
Para o mostrar, tomemos o exemplo da primeira trilogia da qual todas as outras são
apenas uma aplicação; a do ser, a do não-ser e a do devir. O ser puramente abstracto,
que não é senão ser, sem qualquer precisão, nem qualidade nem relação, não é mais que
a forma vazia da afirmação. É "aquilo por que" tudo o que é real é real; mas em si
mesmo nada é pois que se identifica ao mesmo tempo com realidades que se excluem: o
círculo é ser e o quadrado também; o branco e o negro são ser; a árvore viva é ser e a
pedra inerte também; e o ser é o que constitui, ao mesmo tempo, a realidade de cada um
deles. Como a matéria-prima não é acto algum, mas sim potência pura, porque pode
tornar-se todas as coisas corporais, assim o ser não é ser algum, porque pode tornar-se
todos os seres. Pensá-lo é pensar, ao mesmo tempo, o nada absoluto: a própria
contradição.
"Em tomismo, escapa-se a esta contradição notando que a natureza pensada, conquanto
ficando a mesma em si, se encontra em dois estados diferentes e opostos: no estado
de natureza concreta no real individual, por exemplo, a natureza animal neste cão; - e
no estado de natureza abstracta na ideia universal, por exemplo, no conceito de
animalidade. Assim, a natureza de ser, ficando o que é (notando que aqui o conteúdo da
ideia é uma natureza abstracta imperfeitamente que se realiza dum
modo análogo somente nos seus inferiores, e não univocamente, como a natureza
animal), esta natureza pode identificar-se efectivamente com os modos de ser os mais
diversos e os mais exclusivos e isso ao mesmo tempo e sem contradição, porque de
si ela é indiferente: indiferente, por exemplo, ao infinito e ao finito, à vida e à morte;
para ser não é necessário ter a vida nem excluí-la, mas pode exigir-se (se se é árvore,
por exemplo) ou excluí-la (se se é pedra). O estado ideal ou abstracto desta natureza de
ser, isto é, o que lhe convém como pensada por nós permite-lhe esta indiferença que
não pode ter se a tomamos no seu estado real, no ser actualmente existente".
Mas estas distinções que definem a teoria do realismo moderado, tão conforme ao bom
senso, perdem todo o valor em idealismo onde o real e o ideal são a mesma coisa. Se
nesta hipótese tentamos pensar o ser abstracto, devemos necessariamente concebê-lo
como idêntico realmente a objectos que se excluem, o que é a própria contradição.
Contudo, o nosso pensamento não pode instalar-se na contradição: é psicologicamente
impossível; por isso, pensar no ser, idêntico a tudo, é não pensar em nada: a tese arrasta
a antítese e o ser muda-se em não-ser. Hegel conclui daqui que o que realmente é ser é
uma síntese destas duas contraditórias. O que já é, sem ser ainda plenamente, é o
que devém. O fundo do universo não é, pois, uma realidade estática, mas dinâmica; não
é o ser, mas o devir que vai pôr ordem na multidão formigante dos modos de ser
contraditórios, todos idênticos ao ser abstracto e que vai torná-los todos inteligíveis
indicando o seu lugar no inflexível desenrolar das virtualidades do ser.
É a análise deste desenrolar que Hegel chama a "dedução das categorias (**) do ser";
cada uma das três fases da trilogia fundamental será fonte de numerosas aplicações,
onde encontraremos todas as ciências humanas interpretadas segundo o idealismo
absoluto e distribuídas em um triplo domínio: o da lógica, que é também uma ontologia;
o da natureza; o da moral e da religião.
(**) Alusão à dedução transcendental das categorias de Kant; mas este não fizera este
trabalho senão para as ciências positivas, enquanto Hegel quer fazê-lo para todo o saber
humano: substitui o idealismo absoluto ao idealismo transcendental, mais moderado, de
Kant.
[F.-J. Thonnard, A. A. Compêndio de História de Filosofia]
Teoria
Filósofo da totalidade, do saber absoluto, do fim da história, da dedução de toda a
realidade a partir do conceito, da identidade que não concebe espaço para o contingente,
para a diferença; filósofo do estado prussiano, que hipostasiou o Estado - todas essas
são algumas das recepções da filosofia de Hegel na contemporaneidade. É difícil dizer
até que ponto essas qualificações são justas para com a filosofia hegeliana.
Ademais, as obras de Hegel possuem a fama de serem difíceis, devido à amplitude dos
temas que pretendem abarcar. Diz a anedota (possivelmente verdadeira) que, quando
saiu a tradução francesa da Fenomenologia do Espírito, muitos estudiosos alemães
foram tentar estudar a Fenomenologia pela tradução francesa, para "ver se entendiam
melhor" o árido texto hegeliano.(A) O fato é que sua filosofia é realmente difícil, embora
isso não se deva necessariamente a uma confusão na escrita. Afinal, Hegel era crítico
das filosofias claras e distintas, uma vez que, para ele, o negativo era constitutivo
da ontologia. Neste sentido, a clareza não seria adequada para conceituar o objeto.
Introduziu um sistema para compreender a história da filosofia e do mundo mesmo,
chamado geralmente dialética: uma progressão na qual cada movimento sucessivo surge
como solução das contradições inerentes ao movimento anterior.
Gonçal Mayos examina a evolução da dialética da periodização da história:[15] Hegel
mudou o seu ideal grego juvenil e, gradualmente, vê a realização do princípio da
reconciliação não mais na Revolução francesa, mas na Reforma protestante. A
Revolução Francesa, precisamente por sua novidade absoluta, é também absolutamente
radical: por um lado, o aumento abrupto da violência que fez falta para realizar
a revolução, não pode deixar de ser o que é, e, por outro lado, já consumiu seu
oponente. A revolução, por conseguinte, já não pode voltar-se para nada além de seu
resultado: a liberdade conquistada com tantas penúrias é consumida por um brutal
Reinado do Terror. A história, não obstante, progride aprendendo com seus erros:
somente depois desta experiência, e precisamente por causa dela, pode-se postular a
existência de um Estado constitucional de cidadãos livres, que consagra tanto o poder
organizador benévolo (supostamente) do governo racional e os ideais revolucionários da
liberdade e da igualdade.
Segundo Umberto Padovani e Luis Castagnola, em "A história da Filosofia":
"A Lógica tradicional afirma que o ser é idêntico a si mesmo e exclui o seu oposto
(principio da identidade e de contradição); ao passo que a lógica hegeliana sustenta
que a realidade é essencialmente mudança, devir, passagem de um elemento ao seu
oposto."
De todo modo, a dialética é uma das muitas partes do sistema hegeliano que foi objeto
de má compreensão ao longo do tempo. Possivelmente, uma das razões para isto é que,
para Hegel, é preciso abandonar a ideia de que a contradição produz um objeto vazio de
conteúdo. Ou seja, Hegel dá dignidade ontológica à contradição, bem como ao negativo.
Por outro lado, Hegel não queria com isso dizer que absurdos como, por exemplo,
pensar que um quadrado redondo fosse possível ou que um som fosse cheiroso. Talvez
um melhor exemplo da dignidade ontológica da contradição é pensarmos nos
conceitos aristotélicos de potência e ato (um ser que é ao mesmo tempo potência e ato)
ou então na concepção dos objetos como unos e múltiplos ao mesmo tempo.
Nas explicações contemporâneas do hegelianismo - para os estudantes universitários,
por exemplo - a dialética de Hegel geralmente aparece fragmentada, por comodismo,
em três momentos chamados: tese (em nosso exemplo, a revolução), antítese (o terror
subsequente) e a síntese (o estado constitucional de cidadãos livres). No entanto, Hegel
não empregou pessoalmente essa classificação absolutamente; ela foi criada
anteriormente por Fichte em sua explicação mais ou menos análoga à relação entre o
indivíduo e o mundo. Os estudiosos sérios de Hegel não reconhecem, em geral, a
validade desta classificação, ainda que possivelmente tenha algum valor pedagógico.
Hegel utilizou-se deste sistema para explicar toda a história da filosofia, da ciência, da
arte, da política e da religião, mas muitos críticos modernos assinalam que Hegel
geralmente parece analisar superficialmente as realidades da história a fim de encaixá-
las em seu modelo dialético. Karl Popper, crítico de Hegel em A Sociedade Aberta e
Seus Inimigos, opina que o sistema de Hegel constitui uma justificação velada do
governo de Frederico Guilherme III e da ideia de que o objetivo ulterior da história é
chegar a um Estado semelhante à Prússia dos anos 1830. Esta visão de Hegel como
apologista do poder estatal e precursor do totalitarismo do século XX foi criticada
minuciosamente por Herbert Marcuse em Razão e Revolução: Hegel e o surgimento da
teoria social. Segundo Marcuse, Hegel não fez apologia a nenhum Estado ou forma de
autoridade, simplesmente porque existia: para Hegel, o Estado tem que ser sempre
racional. Já Arthur Schopenhauer desprezou Hegel por seu historicismo e tachou a obra
de Hegel de pseudo-filosofia.
Como se vê, a obra hegeliana é fonte de inúmeras controvérsias, mas, sem dúvida, a
filosofia, na maior parte dos casos, não deixa de se referir a Hegel - mesmo quando é
anti-hegeliana. Por outro lado, várias vertentes filosóficas inserem-se no legado
hegeliano - embora em geral não se auto intitulem hegelianas - a exemplo
do Pragmatismo, da Escola de Frankfurt e do Marxismo.
Posterioridade
Seguidores
Após a morte de Hegel seus seguidores dividiram-se em dois campos principais e
contrários. Os hegelianos de direita, discípulos diretos do filósofo na Universidade de
Berlim, defenderam a ortodoxia evangélica e o conservadorismo político do período
posterior à restauração napoleônica.
Os hegelianos de esquerda, chamados jovens Hegelianos, interpretaram Hegel em um
sentido revolucionário, o que os levou a se aterem ao ateísmo na religião e
ao socialismo na política. Entre os hegelianos de esquerda encontra-se Ludwig
Feuerbach, David Friedrich Strauss, Max Stirner e, o mais famoso, Karl Marx. Os
múltiplos cismas nesta facção levaram, finalmente, ao individualismo egoísta
de Stirner e à versão marxiana do comunismo.
No século XX a filosofia de Hegel experimentou um grande renascimento: tal fato
deveu-se em parte por ter sido descoberto e reavaliado como progenitor filosófico do
marxismo por marxistas de orientação filosófica, em parte devido a um ressurgimento
da perspectiva histórica que Hegel colocou em tudo, e em parte ao crescente
reconhecimento da importância de seu método dialético. Algumas figuras que
relacionam-se com este renascimento são Georg Lukács, Herbert Marcuse, Theodor
Adorno, Ernst Bloch, Alexandre Kojève e Gotthard Günther. O renascimento de Hegel
também colocou em relevo a importância de suas primeiras obras, ou seja, as publicadas
antes da Fenomenologia do Espírito.
Mas não só os teóricos da escola de Frankfurt viram um renascimento da filosofia
hegeliana, como também muitos filosófos na França, em geral após o curso hoje famoso
de Kojève. Dentre estes, podemos citar Sartre, Maurice Merleau-Ponty, Lacan,
Hippolyte entre outros.
Do mesmo modo, os teóricos pragmatistas como Robert Brandon, aproveitaram os
aspectos comunitaristas da filosofia hegeliana. Na verdade, esta apropriação de Hegel
pelos pragmatistas começou com os primeiros filósofos pragmatistas.
Obra
A primeira e a mais importante das obras maiores de Hegel é sua Fenomenologia do
Espírito. Em vida, Hegel ainda viu publicada a Enciclopédia das Ciências Filosóficas,
a Ciência da Lógica, e os Princípios (Elementos da) Filosofia do Direito. Várias outras
obras sobre filosofia da história, religião, estética e história da filosofia foram
compiladas a partir de anotações feitas por seus estudantes, tendo sido publicadas
postumamente
Fenomenologia do Espírito (Phänomenologie des Geistes), 1807
A Ciência da Lógica (Wissenschaft der Logik), 1812–1816
Enciclopédia das Ciências Filosóficas (Enzyklopädie der philosophischen
Wissenschaften), 1817–1830
Princípios da Filosofia do Direito (Grundlinien der Philosophie des Rechts), 1817–
1830
Ver também
Hegelianos de direita
Hegelianos de esquerda
Hegelianismo
Notas
Nota (A): Até 1850 todos os escritores alemães tinham as suas obras publicadas em
francês, pois até mesmo eles consideravam a língua bárbara, por conta de toda a
influência napoleônica. Até o presente ano, a Alemanha não estava unificada e tudo
o que existia eram vários dialetos de um futuro "alemão". Daí a tradução francesa.
David Hume
David Hume (Edimburgo, 7 de maio (ou 26 de abril-Antigo) de 1711 – Edimburgo, 25 de
Agosto de 1776) foi um filósofo, historiador e ensaísta britânico nascido na Escócia,
que se tornou célebre pelo seu empirismo radical e ceticismo filosófico. Ao lado
de John Locke e George Berkeley, David Hume compõe a famosa tríade do empirismo
britânico, sendo considerado um dos mais importantes pensadores do
chamado iluminismo escocês e da própria história da filosofia.[1][2]
David Hume elaborou um pensamento crítico ao cartesianismo e às filosofias que
consideravam o espírito humano desde um ponto de vista teológico-metafísico. Assim
David Hume abriu caminho à aplicação do método experimental aos fenômenos
mentais.[3] A sua importância no desenvolvimento do pensamento contemporâneo é
considerável. Teve profunda influência sobre Kant, sobre a filosofia analítica do início
do século XX e sobre a fenomenologia.
O estudo da sua obra tem oscilado entre aqueles que colocam ênfase no lado cético (tais
como Reid, Greene, e os positivistas lógicos) e aqueles que enfatizam o lado naturalista
(como Kemp Smith, Stroud e Galen Strawson). Por muito tempo apenas se destacou
através do seu pensamento o ceticismo destrutivo. Somente no fim do século XX os
comentadores se empenharam em mostrar o caráter positivo e construtivo do seu projeto
filosófico.[4]
David Hume foi um leitor voraz. Entre as suas fontes, incluem-se tanto a Filosofia
antiga como o pensamento científico de sua época, ilustrado pela física e pela filosofia
empirista. Fortemente influenciado por Locke e Berkeley mas também por vários
filósofos franceses, como Pierre Bayle e Nicolas Malebranche, e diversas figuras dos
círculos intelectuais ingleses, como Samuel Clarke, Francis Hutcheson (seu professor)
e Joseph Butler (a quem ele enviou o seu primeiro trabalho para apreciação),[5] é
entretanto a Newton que Hume deve o seu método de análise, conforme assinalado no
subtítulo do Tratado da Natureza Humana – Uma Tentativa de Introduzir o Método
Experimental de Raciocínio nos Assuntos Morais.
Seguindo atentamente os acontecimentos nas colônias americanas, tomou partido
da independência americana. Em 1775, disse a Benjamin Franklin: "sou americano nos
meus princípios".
Biografia
Nasceu em Edimburgo, em 26 de abril de 1711. Passou sua infância numa casa da
família na vila de Chirnside, não muito distante de Berwickshire.[6] Filho de Joseph
Hume de Chirnside, advogado, e de Katherine Falconer. Seu pai faleceu quando tinha
apenas dois anos, deixando o pequeno David Hume, seu irmão mais velho e sua irmã
sob os cuidados exclusivos de sua mãe. A família, apesar de não ser rica, teve condições
de pagar por tutores particulares para David e John. Estudaram, nesse
período, latim e literatura, e provavelmente também a língua francesa.[6] Já no outono de
1721, com 10 anos, partiu, junto com seu irmão, 12 anos, para o Colégio de Edimburgo.
Lá, Hume seguiu o curso ordinário de artes, e não se graduou. Nessa época, sua família
decidiu que ele deveria se tornar um advogado, como seu pai. Assim, o autor passou
algum tempo lendo livros de direito, e frequentando as aulas da faculdade de direito de
Edimburgo. Porém, não se interessou pela área. Em 1742, Hume descreveu o direito
como uma 'ocupação trabalhosa' e 'incompatível com qualquer outro estudo ou
profissão'.[6]
Hume não ficou impressionado com a educação que recebeu em Edimburgo, não
obstante, além de seu contato com línguas e literaturas clássicas, foi também exposto à
cultura da filosofia natural experimental e à jurisprudência moderna e protestante, que
se tornariam influências constantes no seu pensamento.[7] Seu encontro com a obra
de Shaftesbury, logo após sua saída da universidade, foi igualmente marcante na
orientação que o Hume tomaria, especialmente a obra Characteristicks of Men,
Manners, Opinions, Times (Características dos Homens, Costumes, Opiniões, Épocas).
O projeto de renovação da filosofia moral estoica elaborado pelo conde de Shaftesbury
seria compartilhado por Hume, que leu extensamente a literatura estoica disponível
naquele momento, como Cicero, Sêneca e Plutarco, tomando desses pensadores uma
inspiração para a educar a mente a as paixões.[7] Esse ideal moral teria, porém,
influência na dedicação excessiva que Hume exerceu no período, e no colapso
emocional que se seguiu, o que lhe despertou, também, uma reação crítica.[8]
Após abandonar o curso sem muita resistência da família, Hume teve um período de
tempo livre, durante o qual leu vigorosamente, e formou a vontade de seguir uma
carreira literária. No início de 1729, já havia decidido que iria se dedicar inteiramente a
leitura e a escrita. Entretanto, seis meses depois, entrou num estado de colapso,
sentindo-se fatigado após dedicar-se demais nos estudos, e incapaz de continuar no
mesmo ritmo, desgostoso do trabalho de ler, faltando-lhe a concentração necessária.
Passou dois anos para recuperar seu vigor, enquanto aprendia à equilibrar melhor seu
esforço intelectual com atividades físicas e períodos de socialização.[6]
Tratado da Natureza Humana
Universidade de Edimburgo
No verão de 1731, novamente autoconfiante, Hume começou à cultivar um novo projeto
intelectual, em que pretendia tomar a natureza humana como foco de estudo,
abordando-a de maneira original em relação aos antigos, por favorecer acima de tudo a
investigação através da experiência. Pretendia, assim, oferecer perspectivas
independentes das teses moralistas e religiosas prevalentes. Passou os três anos
seguintes desenvolvendo seu projeto de uma nova ciência da natureza humana, durante
os quais falhou e recomeçou diversas vezes.[9]
Em 1734, durante a primavera, Hume relatou à um médico de Londres que ainda sentia
os efeitos de seu colapso nervoso, e solicitou auxílio diante da sua atual dificuldade de
se concentrar e organizar seus pensamentos. Decidiu então dar uma pausa em seu
trabalho intelectual e dedicar-se à outras atividades. Arrumou um trabalho com um
comerciante de açúcar em Bristol. Não obstante, alguns meses depois Hume já
declarava que descobriu ser totalmente incompatível com aquele ambiente.[9] Logo
viajou para a França, buscando continuar seus estudos. Lá escreveria o primeiro núcleo
de sua obra Tratado da Natureza Humana.[9]
Em 1737, Hume retorna à Inglaterra e trabalha diligentemente para publicar o seu livro.
Em 1739, consegue publicar os dois primeiros volumes de seu Tratado, e em 1740 é
publicado o terceiro e último volume. Apesar de ser hoje considerado a sua principal
obra e um dos livros mais importantes da história da filosofia, o Tratado não causou
impressão à época de sua publicação. Hume tinha esperado um ataque às ideias
apresentadas no livro e preparava uma defesa apaixonada. Para sua surpresa, a
publicação do livro passou quase despercebida; e, recordando a indiferença do público,
Hume escreveu que "nenhuma tentativa literária foi mais desafortunada que
meu Tratado da Natureza Humana", na verdade, "saiu da gráfica natimorto, sem
alcançar sequer a distinção de estimular os murmúrios dos fanáticos". Diante da
reclamação de que o livro era "abstrato e ininteligível", [10] Hume recorreu ao artifício,
ainda em 1740, de publicar uma sinopse anônima, na qual apresentava de forma mais
clara e direta algumas das ideias fundamentais do Tratado. No entanto, embora já
permitisse antever os elegantes argumentos da Investigação sobre o entendimento
Humano,[11] a sinopse de pouco serviu para mudar a consideração geral em relação
ao Tratado.
Em 1742, é publicada em Edimburgo a primeira parte de seus Ensaios, que mereceram
considerável atenção do público e, segundo o próprio Hume, fizeram-no esquecer a
decepção provocada pelo Tratado. Em 1744, concorre à cátedra de Filosofia
Pneumática e Moral[12] da Universidade de Edimburgo, mas sua candidatura enfrenta
forte oposição devido à sua fama de ateísta e acaba por ser rejeitada.
Depois dessa conturbada candidatura a um posto acadêmico e de uma experiência
infeliz como tutor de um jovem inglês, de linhagem nobre e mente desajustada, Hume é
convidado pelo general James St. Clair a ser seu secretário numa expedição militar.
Inicialmente a expedição tinha como alvo o Canadá, mas terminou por realizar uma
incursão à costa da França. Hume também acompanhou o general St. Clair em missões
diplomáticas a Viena e Turim. Tendo retornado da Itália, Hume muda-se para a
propriedade rural de sua família em 1749, e aí permanece por dois anos. Em 1751, vai
morar na cidade, "o verdadeiro cenário de um homem de letras", e faz uma nova
tentativa de obter um cargo acadêmico: a cátedra de Lógica da Universidade de
Glasgow. Mas, novamente, sua candidatura é rejeitada.
Convencido de que o problema do Tratado era mais uma questão de forma que de
conteúdo, ele resumiu o Livro I do Tratado (“Sobre o Entendimento”), dando-lhe um
estilo mais ágil e acessível. Desse trabalho surgiu a Investigação sobre o entendimento
Humano, que, embora tenha encontrado receptividade maior que a do livro que lhe deu
origem, esteve longe de ser um sucesso de vendas. A mesma recepção fria teve uma
nova edição dos Ensaios. A falta de reconhecimento, porém, não prejudicou o seu
trabalho literário. Hume escreveu a segunda parte de seus Ensaios e, tal como havia
feito anteriormente, reescreveu aquelas partes do Tratado relacionadas a questões
morais. Esses novos textos sobre moral vieram a público com o título de Investigação
sobre os Princípios da Moral – livro que na opinião do próprio Hume era, de todos os
seus escritos, “históricos, filosóficos ou literários, incomparavelmente o melhor”.
Em 1752, Hume é convidado a dirigir a biblioteca da Faculdade dos Advogados de
Edimburgo. Embora fosse escassamente remunerada, a função colocava à disposição de
Hume as fontes bibliográficas para um novo projeto: a elaboração da História da
Inglaterra. Essa obra historiográfica monumental foi publicada em seis volumes, nos
anos de 1754, 1756, 1759 e 1762. Esse esforço de uma década foi recompensado. Os
volumes da História da Inglaterra valeram ao seu autor a tão almejada celebridade
literária e, além disso, proporcionaram-lhe bons retornos pecuniários.[11]
Mas Hume não ficou livre dos ataques de seus adversários. Em 1754, ele foi acusado de
encomendar “livros indecentes” para a biblioteca, e houve uma movimentação para
destituí-lo do cargo. Diante das pressões, os membros do conselho diretor cancelaram as
encomendas dos livros considerados ofensivos – decisão que Hume tomou como uma
ofensa pessoal. Como precisava do acervo da biblioteca para prosseguir as suas
pesquisas para a História da Inglaterra, ele adiou seu pedido de demissão, mas reverteu
os pagamentos de seu salário em benefício de Thomas Blacklock – poeta cego que
decidira ajudar. Antes de pedir sua demissão em 1757, Hume ainda foi alvo de um
processo mal sucedido de excomunhão em 1756.[11]
Pensamento
A "ciência do homem"
Estátua de David Hume na Royal Mile, Edimburgo
Por muito tempo os estudos sobre Hume destacaram apenas o lado céptico-destrutivo de
sua filosofia. A grande realização do filósofo teria sido eminentemente negativa: teria
ele explicitado a impossibilidade de se alcançar alguma certeza ou verdade absoluta nas
ciências indutivas, além de ter mostrado a impossibilidade de se provar filosoficamente
a existência do mundo exterior ou de se identificar uma substância constitutiva do ego.
Mesmo em seus próprios dias, essa foi a leitura predominante da obra de
Hume. Thomas Reid considerava-a uma espécie de redução ao absurdo da filosofia das
ideias iniciada por Descartes e reorientada ao empirismo pelos britânicos John Locke e
George Berkeley. Segundo Reid, Hume teria mostrado que os pressupostos assumidos
pela teoria das ideias como meio representacional conduziam inevitavelmente ao
cepticismo generalizado – e essa consequência indesejável revelaria que os pressupostos
não poderiam estar corretos.[19] Os historiadores da filosofia, sobretudo os influenciados
pelo idealismo alemão, viram a obra de Hume apenas como elaboração de uma antítese
que, mais tarde, seria superada pela síntese kantiana.
Embora as teses negativas mereçam atenção, elas não constituem toda a filosofia de
Hume. No século XX, os comentadores voltaram a destacar o lado propositivo do
pensamento humano,[20] que já se anunciava no próprio subtítulo de sua obra-prima:
"uma tentativa de introduzir o método experimental de raciocínio nos assuntos morais".
Para Hume, os assuntos morais abrangiam todos aqueles temas que hoje consideramos
como pertencentes às humanidades - como, p. ex., a política, o direito, a moral, a
psicologia e a crítica das artes.
À época de Hume, as ciências naturais já haviam conseguido grandes realizações, tendo
sido a física newtoniana inquestionavelmente a mais notável. Mas, ao lado de
explicações inteiramente quantificadas dos fenômenos naturais, convivia uma
abordagem completamente diferente em relação às produções do espírito humano. Em
parte inspirados pelo dualismo cartesiano, os filósofos tendiam a ver as questões
especificamente humanas como pertencentes a um domínio separado do conjunto dos
fenômenos naturais; para eles, enquanto esses últimos estavam sujeitos a leis e a
rigorosos encadeamentos causais, as primeiras eram resultado da absoluta liberdade de
escolha dos seres humanos. Em termos práticos, essa concepção de mundo excluía do
âmbito da investigação científica os comportamentos, emoções, ações e realizações
culturais da espécie humana. Ao propor que a natureza humana fosse investigada
conforme os mesmos métodos já testados e aprovados em outros âmbitos de
investigação, Hume não estava apenas inaugurando uma nova forma de tentar entendê-
la; também está rompendo com uma concepção de natureza humana tradicional e
influente. De certa forma, Hume pretende fazer no âmbito da ciência do homem, o
mesmo que Newton realizou no âmbito da ciência natural: explicitar as leis e princípios
básicos que inexoravelmente comandam os modos de pensar, de sentir e de conviver
dos seres humanos.
O problema da causalidade
Hume é conhecido por aplicar o padrão de que não há ideias inatas e que todo o
conhecimento vem da experiência rigorosamente ao nexo de causalidade e necessidade.
Em vez de tomar a noção de causalidade como normalmente concedido, Hume desafia-
nos a considerar o que a experiência nos permite saber sobre causa e efeito.
Normalmente, quando um evento provoca um outro evento, a maioria das pessoas
pensam que estamos conscientes de uma "causa" em conexão entre os dois que faz com
que o segundo siga o primeiro. Hume mostra que a experiência não nos diz muito. De
dois eventos, A e B, dizemos que A causa B, quando os dois sempre ocorrem
conjuntamente, ou seja, são constantemente conjugados. Sempre quando encontramos
A, também encontramos B ligado a ele, e temos a certeza de que este conjunto vai
continuar a acontecer. Quando ficamos convencidos de que "A deve trazer B" é
equivalente meramente "Devido à sua conjunção constante, estamos psicologicamente
certos que B seguirá A", então ficamos com uma noção muito fraca de necessidade.
Este tênue sobre a eficácia causal ajuda a dar origem a um problema da indução - que
não estamos razoavelmente justificada em fazer qualquer inferência indutiva sobre o
mundo.[21]
As contribuições mais importantes de Hume à filosofia de causalidade são encontrados
no Tratado da Natureza Humana, e Investigação sobre o entendimento Humano, este
último, geralmente visto como uma reformulação parcial do primeiro. Ambas as obras
começam com o axioma empírico central de Hume conhecido como "o princípio de
cópia".[nota 1] Vagamente, ele afirma que todos os componentes de nossos pensamentos
provêm de experiência e não existe uma causa entre um evento A e um evento B,
consequentemente, Hume nota que, com isso, não estamos justificados racionalmente
em projetar para o futuro as regularidades do passado (porque não temos uma prova do
princípio de uniformidade).[23]
Mausoléu de David Hume, por Robert Adam na Old Calton Burial Ground, Edimburgo
O problema da indução
Ver artigo principal: Problema da indução
De fato o termo indução não aparece no argumento de Hume - nem no Tratado da
Natureza Humana, nem na Investigação. A preocupação de Hume é com as inferências
que se fazem nas conexões causais, as quais, segundo ele, são as únicas conexões "que
podem nos levar além das impressões imediatas da memória e dos sentidos" (TNH, 89).
No entanto, a diferença entre essas inferências e o que hoje conhecemos como indução é
mera questão de terminologia. Hume divide todos os raciocínios em demonstrativos (no
sentido de dedutivos), e probabilísticos, referindo-se à generalização, por indução, de
um raciocínio do tipo causa-efeito.[11]
Todos nós cremos que o passado é um guia confiável para o futuro. Por exemplo: as leis
da física descrevem como as órbitas celestes funcionam para a descrição do
comportamento planetário até aos dias de hoje. Desse modo presumimos que vão
funcionar para a descrição no futuro também. Mas como podemos justificar esta
presunção, o princípio da indução?
Hume sugeriu duas justificações possíveis e rejeitou ambas. A primeira justificativa é
que, por razões de necessidade lógica, o futuro tem de ser semelhante ao passado.
Porém, Hume nota que podemos conceber um mundo errático e caótico onde o futuro
não tem nada que ver com o passado ou então um mundo tal como o nosso até ao
presente, até que em certo ponto as coisas mudam completamente.
A segunda justificação, mais modestamente, apela apenas para a segurança passada da
indução: sempre funcionou assim, por isso é provável que continue a funcionar. No
entanto, como Hume lembrou, esta justificação apenas usa um raciocínio circular,
justificando a indução por um apelo que requer a indução para ter efeito.
O conhecimento seria, na prática, resultado do hábito e, este, por sua vez, seria derivado
de um processo inerente à natureza humana, de associar dois fenômenos independentes,
vinculando-os em termos de causalidade, por se terem mostrado de maneira encadeada
diante dos nossos sentidos. O argumento de Hume implica a impossibilidade do fazer
científico, entendendo-se ciência como saber irrefutável. Já no século XX, Karl
Popper retoma o que ele chama de "o problema de Hume". Popper concorda que "o
mecanismo psicológico da associação força tais pessoas a acreditarem, por costume ou
hábito, que aquilo que aconteceu no passado acontecerá no futuro" mas procura separar
o que considera válido daquilo que seria equivocado na proposta de Hume, procurando
restaurar o status da ciência como forma de conhecimento racional. Argumentando em
favor de um empirismo racionalista crítico, sem o menor espaço para a indução, Popper
destaca a característica essencial da ciência, a saber, a falseabilidade, bem como a
natureza conjetural do conhecimento científico.[24]
De todo modo, o problema da indução ainda permanece. A visão de Hume parece ser
que nós (como outros animais) temos uma crença instintiva que o nosso futuro será
semelhante ao passado, com base no desenvolvimento de hábitos do nosso sistema
nervoso. Uma crença que não podemos eliminar mas que não podemos provar ser
verdadeira por qualquer tipo de argumento, dedutivo ou indutivo, tal como é o caso com
respeito à nossa crença na realidade do mundo exterior.
Utilitarismo
Foi provavelmente Hume quem, juntamente com os seus colegas
do Iluminismo escocês, avançou pela primeira vez a ideia de que a explicação dos
princípios morais deverá ser procurada na utilidade que eles tendem a promover. O
papel de Hume não deverá ser descrito com exagero, claro; foi o seu
compatriota Francis Hutcheson que cunhou o slogan utilitarista "a maior felicidade para
o maior número". Mas foi através da leitura do "Tratado" de Hume que Jeremy
Bentham sentiu pela primeira vez a força do sistema utilitário: ele "sentiu como se
escamas tivessem caído dos seus olhos". No entanto, o "proto-utilitarismo" de Hume é
muito peculiar, da nossa perspetiva. Ele não pensa que a agregação de unidades
cardinais de utilidade será a fórmula para atingir a verdade moral.
Pelo contrário, Hume era um sentimentalista moral e, como tal, achava que princípios
morais não podem ser justificados intelectualmente. Alguns princípios simplesmente
são-nos apelativos e outros não o são. E a razão porque princípios utilitaristas da moral
são apelativos é que eles promovem os nossos interesses e os dos nossos companheiros
com os quais simpatizamos.
Os humanos são pouco flexíveis a aprovar coisas que ajudam a sociedade-utilidade
pública. Hume usou este dado para explicar como ele avaliava um vasto campo de
fenómenos, desde instituições sociais e políticas governamentais até traços de caráter e
talentos.
O problema dos milagres
Uma forma de apoiar a religião é por apelo a milagres. Mas Hume argumentou que no
mínimo, os milagres não poderiam conferir muito apoio à religião. Há vários
argumentos sugeridos pelo ensaio de Hume, todos eles à volta do seu conceito de
milagre: nomeadamente a violação por Deus das leis da Natureza. Um argumento é o de
que é impossível violar as leis da Natureza. Outro argumento afirma que o testemunho
humano nunca poderia ser suficientemente fiável para contra-ordenar a evidência que
temos das leis da Natureza. Outro argumento, menos irredutível, mais defensável, é que
devido à forte evidência que temos das leis da natureza, qualquer pretensão de milagre
está sobre pressão desde o início e precisa de provas fortes para derrotar as nossas
expectativas iniciais. Este ponto tem sido aplicado sobretudo na questão da ressurreição
de Jesus, onde Hume sem dúvida perguntaria "o que é que é mais provável? que um
homem se erga dos mortos ou que este testemunho esteja incorreto de uma forma ou de
outra?". Ou mais suavemente, "o que é mais provável? que o Uri Geller pode realmente
fazer dobrar colheres com a sua mente ou que isso seja algum tipo de truque?". Este
argumento é a base do movimento céptico e um assunto fundamental aos históricos da
religião.[25]
O argumento teleológico
Um dos argumentos mais antigos e populares para a existência de Deus é o argumento
teleológico - que toda a ordem e "objetivo" do mundo evidencia uma origem divina.
Hume usou o criticismo clássico do argumento teleológico, e apesar do assunto estar
longe de estar esgotado, muitos estão convencidos de que Hume resolveu a questão
definitivamente. Aqui alguns dos seus pontos:
Teoria da Oscilação
Hume rejeita a ideia de uma evolução linear desde o politeísmo para o monoteísmo
como um sumário da evolução histórica dos últimos 2000 anos.
Na verdade, Hume acredita que o que a história mostra é antes um oscilar irracional
entre politeísmo e monoteísmo. Chama-lhe um "flux and reflux" (fluxo e refluxo, um
oscilar) entre as duas opções. Nas palavras de Hume: "a mente humana mostra uma
tendência maravilhosa para oscilar entre diferentes tipos de religião: eleva-se do
politeísmo para o monoteísmo para voltar a afundar-se na idolatria"
Como Gellner afirma, esta oscilação não é o resultado de qualquer racionalidade, mas
sim dos "mecanismos do medo, incerteza, da superioridade e inferioridade".
Posterioridade
Influência de Hume na constituição americana
Como Douglass Adair sugeriu, o livro de David Hume, "Essays, Moral, Political and
Literary" terá influenciado diretamente James Madison na formulação da Constituição
Americana. No ensaio ali contido "Idea of a Perfect Commonwealth", Hume refuta a
ideia de Montesquieu de que uma grande nação está condenada a ser corrupta e
ingovernável. Pelo contrário, afirma Hume, uma nação extensa pode ser, devido à sua
diversidade geográfica e sócio-económica, bem mais estável do que nações pequenas.
Hume escreve: "Apesar de as pessoas como um órgão serem incapazes de governar,
caso elas se dispersarem em pequenas unidades (tais como colónias individuais ou
estados) elas são mais susceptíveis de se submeter à razão e à ordem; a força das
correntes populares (populismo) e marés é, em grande medida, quebrada". A elite
conspiradora necessitará de passar mais tempo a coordenar os movimentos das várias
partes do todo, do que a planear o derrube. "Ao mesmo tempo, as partes estão tão
distantes e remotas que é muito difícil, seja por intriga ou paixão, levá-las a tomar
medidas contra o interesse público." James Madison, que estudara em Princeton, e ali
tinha tomado contacto com a obra de Hume, incorporou esta visão no seu "Notes on the
Confederacy", publicado em Abril de 1787, 8 meses antes dele ter escrito o ensaio
defendendo a Constituição, como parte dos "Federalist Papers". Kant faz sua
discordância a Hume principalmente no que se refere a forma como se produz o
conhecimento. Kant explicita esta percepção:
“O meu próprio trabalho, na Crítica da Razão Pura, foi ocasionado pelos pontos de vista
céticos de Hume, mas prossegui muito além e discuti toda a problemática da razão
teórica pura em seu sentido sintético, incluindo aquilo que é comumente chamado de
Metafísica".[27]
Críticas
Segundo Kant, em Crítica da Razão Pura, só podemos pensar nas coisas em uma relação
de causa e efeito porque a causalidade está no sujeito, não no mundo, ao contrário de
Hume, que a considerava a causalidade um hábito.[28] Em Kant as formas a priori do
entendimento (os conceitos puros) são as categorias. O conceito de causalidade faz parte
dessas categorias. Dessa forma, não podemos conceber a sucessão dos fenômenos a não
ser como sucessão causal. Ou seja, sabemos a priori que todo fenômeno é causado e que
em toda mudança alguma coisa nunca muda (essa é a sua condição de possibilidade).
[29]
Ou seja, o conceito de causa e efeito preexiste em nós anteriormente a qualquer
experiência, como uma categoria a priori, por meio da qual a relação entre causa e efeito
é pensada como necessária.[30]
John Searle refuta a imagem humiana de que nunca percebemos causalidade. A sua
primeira prova de que nós percebemos e temos experiência de causalidade o tempo todo
é a gravidade. Searle diz que este é um caso de causalidade constante, tal qual todos os
tipos de crescimento, envelhecimento, ou outras formas de processos biológicos que vão
no corpo humano. Searle acredita que estes são exemplos de forças causais.
Em segundo lugar, Hume argumenta que toda declaração causal deve instanciar uma lei
universal. Searle considera essa proposta falsa porque não há nenhuma conexão
necessária por conta de alguma lei entre dois eventos.
Em terceiro lugar, Searle refuta a visão humiana de que a causação intencional é um
caso ilusório. Searle diz que causação intencional não é uma ilusão, pelo contrário, ele
acredita que a causalidade intencional é o caso mais básico da causalidade: onde nós
realmente experimentamos o paradigma de nós mesmos fazendo coisa acontecer, e as
coisas acontecendo conosco.[31]
Obras
A obra filosófica de Hume tem duas fases: há uma obra pretensiosa feita na juventude,
que é o Tratado da Natureza Humana. Hume negaria esta obra, e publicaria outros
títulos filosóficos que integrariam os Ensaios e tratados sobre vários assuntos. Tudo o
que não é póstumo viria a integrá-la.
Tratado da Natureza Humana (1739-1740)
Ver artigo principal: Tratado da Natureza Humana
Os dois primeiros livros foram publicados quando Hume tinha 28 anos, mas ele não
teve êxito.[32]
Investigação sobre o Entendimento Humano (1748)
Ver artigo principal: Investigação sobre o Entendimento Humano
São reformulados os pontos principais do livro I do Tratado, com a adição de material
sobre a livre vontade, milagres e o argumento teleológico.
Investigação sobre os Princípios da Moral (1751)
Ver artigo principal: Investigação sobre os Princípios da Moral
São reformulados os pontos principais do livro III do Tratado. Hume considerou esta
como a melhor das suas obras filosóficas, quer quanto às ideias filosóficas como no seu
estilo literário.
Ensaios Morais, Políticos e Literários (1741-1742)
Ver artigo principal: Ensaios Morais, Políticos e Literários
Uma série de ensaios, revistos várias vezes ao longo da sua vida, e editados pela
primeira vez entre 1741 e 1742. A história relativa a que ensaios foram adicionados ou
removidos parece menos relevante. "Sobre a estação média da vida", "Que a política
possa ser reduzida a uma ciência", "Da origem do governo", "Da liberdade civil", "Do
comércio", "Da densidade populacional de nações antigas", e "Sobre o suicídio", para
nomear apenas alguns.
A História da Inglaterra (1754-1762)
Ver artigo principal: A História da Inglaterra
Esta é mais uma categoria de livros do que uma única obra. Uma história monumental,
"desde a invasão de Júlio César até à Revolução Gloriosa de 1688".
Foi também a obra melhor conhecida de Hume durante a sua vida, tendo tido mais de
100 edições. Foi considerada por muitos como a referência essencial da História da
Inglaterra até à publicação da monumental "História de Inglaterra" de Thomas
Macaulay.
Quatro Dissertações (1757)
Ver artigo principal: Quatro Dissertações
Inclui a História natural da religião, Dissertação sobre as paixões (onde se reformula o
livro II do Tratado), Da tragédia e Do padrão do gosto. Estes dois últimos figurariam
também nos Ensaios morais políticos e literários. A História Natural da
Religião também seria título independente.
História Natural da Religião (1757)
Este livro é considerado por alguns como a primeira obra científica a debruçar-se sobre
a sociologia da religião. Ernest Gellner diz que este livro permanece um dos melhores
tratados deste tipo, talvez mesmo o melhor.
Diálogos sobre a Religião Natural (póstumo)
Ver artigo principal: Diálogos sobre a Religião Natural
Uma discussão entre três personagens ficcionais - Cleantes, Fílon, e Demea - acerca do
argumento teleológico, o argumento cosmológico, o problema do mal e as relações entre
a religião e a moral.
A obra é um forte ataque à tentativa de estabelecer a existência de Deus por processos
racionais e tem servido de inspiração a muitos críticos modernos da religião. Apesar de
haver alguma controvérsia, a maioria dos académicos acredita que Fílon é a personagem
que melhor reflete as ideias de Hume.
Do suicídio e da imortalidade da alma (póstumo)
São ensaios que deveriam aparecer nas Quatro dissertações, mas, por pressão
de William Warburton, foram suprimidos.
Cronologia
Immanuel Kant
Biografia
Túmulo de Immanuel Kant em Kaliningrado (antiga Königsberg)
Kant nasceu, viveu e morreu em Königsberg (atual Kaliningrado), na altura pertencente
ao Reino da Prússia. Foi o quarto dos nove filhos de Johann Georg Kant, um artesão
fabricante de correias (componente das carroças de então) e da mulher Regina. Nascido
numa família protestante (luterana), teve uma educação austera numa escola pietista,
que frequentou graças à intervenção de um pastor. Contudo, tornou-se muito cético
relativamente à religião organizada na sua vida adulta embora preservasse a crença em
Deus.[carece de fontes]
Passou grande parte da adolescência como estudante, sólido mas não espetacular,
preferindo o bilhar ao estudo. Tinha a convicção curiosa de que uma pessoa não podia
ter uma direção firme na vida enquanto não atingisse os 39 anos. Com essa idade, era
apenas um metafísico menor numa universidade prussiana, mas foi então que uma breve
crise existencial o assomou. Pode argumentar-se que teve influência na posterior
direção.[7]
Foi um competente professor universitário durante quase toda a vida, mas nada do que
fez antes dos 50 anos lhe garantiria qualquer reputação histórica. Viveu uma vida
extremamente regulada: era acordado todos os dias às 5h00 da manhã por seu
criado Martin Lampe[8] e o passeio que fazia às 15h30 todas as tardes era tão pontual
que as mulheres domésticas das redondezas podiam acertar os relógios por ele.
Kant nunca deixou a Prússia e raramente saiu da cidade natal. Apesar da reputação que
ganhou, era considerado uma pessoa muito sociável: recebia convidados para jantar com
regularidade, insistindo que a companhia era boa para a constituição física.
Por volta de 1770, com 46 anos, Kant leu a obra do filósofo escocês David Hume.
Hume é por muitos considerados um empirista ou um cético, muitos autores o
consideram um naturalista.[carece de fontes]
Kant sentiu-se profundamente inquietado. Achava o argumento de Hume irrefutável,
mas as conclusões inaceitáveis. Durante dez anos não publicou nada e, então, em 1781
publicou a Crítica da Razão Pura, um dos livros mais importantes e influentes
da moderna filosofia.[carece de fontes]
Neste livro, ele desenvolveu a noção de um argumento transcendental para mostrar que,
em suma, apesar de não podermos saber necessariamente verdades sobre o mundo
"como ele é em si", estamos forçados a percepcionar e a pensar acerca do mundo de
certas formas: podemos saber com certeza um grande número de coisas sobre "o mundo
como ele nos aparece". Por exemplo, que cada evento estará causalmente conectado
com outros, que aparições no espaço e no tempo obedecem a leis da geometria,
da aritmética, da física, etc.[carece de fontes]
Nos cerca de vinte anos seguintes, até a morte em 1804, a produção de Kant foi
incessante. O seu edifício da filosofia crítica foi completado com a Crítica da Razão
Prática, que lidava com a moralidade de forma similar ao modo como a primeira crítica
lidava com o conhecimento; e a Crítica do Julgamento, que lidava com os vários usos
dos nossos poderes mentais, que não conferem conhecimento factual e nem nos obrigam
a agir: o julgamento estético (do Belo e Sublime) e julgamento teleológico (Construção
de Coisas Como Tendo "Fins"). Como Kant os entendeu, o julgamento estético e
teleológico conectam os nossos julgamentos morais e empíricos um ao outro, unificando
o seu sistema. [carece de fontes]
Uma das obras, em particular, atinge hoje em dia grande destaque entre os estudiosos da
filosofia moral. "A Fundamentação da Metafísica dos Costumes" é considerada por
muitos filósofos a mais importante obra já escrita sobre a moral. É nesta obra que o
filósofo delimita as funções da ação moralmente fundamentada e
apresenta conceitos como o Imperativo categórico e a Boa vontade. [carece de fontes]
Os trabalhos de Kant são a sustentação e ponto de início da moderna filosofia alemã;
como diz Georg Wilhelm Friedrich Hegel, frutificou com força e riqueza só
comparáveis à do socratismo na história da filosofia grega. Johann Gottlieb Fichte,
Hegel, Friedrich Wilhelm Joseph von Schelling, Arthur Schopenhauer, para indicar
apenas os maiores, inscrevem-se na linhagem desse pensamento que representa uma
etapa decisiva na história da filosofia e está longe de ter esgotado a sua fecundidade.[9]
Kant escreveu alguns ensaios medianamente populares sobre história, política e a
aplicação da filosofia à vida. Quando morreu, estava a trabalhar numa projetada "quarta
crítica", por ter chegado à conclusão de que seu sistema estava incompleto; este
manuscrito foi então publicado como Opus Postumum. Morreu em 12 de fevereiro de
1804 na mesma cidade em que nasceu e permaneceu durante toda sua vida. Encontra-se
sepultado no Cemitério do Caliningrado, Caliningrado, Oblast de
Kaliningrado na Rússia.[10]
Contexto
Kant e a Revolução Francesa
Estátua de Immanuel Kant na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG
Em 1784, no seu ensaio "Uma resposta à questão: o que é o Iluminismo?", Kant visava
vários grupos que tinham levado o racionalismo longe demais: os metafísicos que
pretendiam tudo compreender acerca de Deus e da imortalidade; os cientistas que
presumiam nos seus resultados a mais profunda e exacta descrição da natureza; os
cépticos que diziam que a crença em Deus, na liberdade, e na imortalidade, eram
irracionais.
Kant mantinha-se no entanto optimista, começando por ver na Revolução Francesa uma
tentativa de instaurar o domínio da razão e da liberdade. Toda a Europa do iluminismo
contemplava então fascinada os acontecimentos revolucionários em França.
A Revolução Francesa, no entanto, foi um marco de viragem, também na filosofia de
Kant. Observando a evolução e as realizações práticas, Kant volta a reflectir sobre a
prometida razão e liberdade.
No plano religioso, em 1792, Kant, ao escrever a obra Der Sieg des guten Prinzips über
das böse und die Gründung eines Reichs Gottes auf Erden (A vitória do princípio bom
sobre o princípio mau e a constituição de um reino de Deus sobre a terra), afirma ainda
cheio de optimismo: "A passagem gradual da fé eclesiástica ao domínio exclusivo da
pura fé religiosa constitui a aproximação do reino de Deus".[11]
Nessa obra, o "reino de Deus" anunciado nos Evangelhos recebia como que uma nova
definição e uma nova presença: a revolução podia apressar a passagem da fé eclesiástica
à fé racional; onde chegasse a Revolução a "fé eclesiástica" seria superada e substituída
pela "fé religiosa", ou seja, pela "mera fé racional."
Em 1795, no livro Das Ende aller Dinge ("O fim de todas as coisas"), a perspectiva é já
completamente diferente. Kant toma agora em consideração a possibilidade de que, a
par do fim natural de todas as coisas, se verifique também um fim contrário à natureza,
perverso:
Se acontecesse um dia chegar o cristianismo a não ser mais digno de amor, então o
pensamento dominante dos homens deveria tomar a forma de rejeição e de oposição
contra ele; e o anticristo [...] inauguraria o seu regime, mesmo que breve (baseado
presumivelmente sobre o medo e o egoísmo). Em seguida, porém, visto que o
cristianismo, embora destinado a ser a religião universal, de facto não teria sido
ajudado pelo destino a sê-lo, poderia verificar-se, sob o aspecto moral, o fim (perverso)
de todas as coisas.[12]
Face à violência inaudita da Revolução Francesa, e ao novo tipo de autoritarismo que se
firmava nas "Luzes" da razão, Kant vai também reflectir acerca dos seus conceitos
políticos.[13]
Pensamento
Criticismo
Heróis da Paz
Kant esculpido em estátua equestre
O "criticismo" kantiano[14] parte na confluência do racionalismo, do empirismo inglês
(David Hume) e a ciência física-matemática de Isaac Newton. Seu caminho histórico
está assinalado pelo governo de Frederico II, a independência americana e a Revolução
Francesa.
As questões de partida do kantismo são o problema do conhecimento, e a ciência, tal
como existe. A ciência se arranja de juízos que podem ser analíticos e sintéticos. Nos
primeiros (o quadrado tem quatro lados e quatro ângulos internos), fundados no
princípio de identidade, o predicado aponta um atributo contido no sujeito. Tais juízos
independem da experiência, são universais e necessários. Os sintéticos, a
posteriori resultam da experiência e sobrepõem ao sujeito no predicado um atributo que
nele não se acha previamente contido (o calor dilata os corpos), sendo, por isso,
privados e incertos.[carece de fontes]
Uma indagação iminente que o levara à sintetização do pensar: Que juízos constituem a
ciência físico matemática? Caso fossem analíticos, a ciência sempre diria o mesmo (e
não é assim), e, se fossem sintéticos um hábito sem fundamento (o calor dilata os corpos
porque costuma dilatá-los). Os juízos da ciência devem ser, ao mesmo tempo, a priori,
quer dizer, universais e necessários, e sintéticos objetivos, fundados na experiência.
Trata-se pois, de saber como são possíveis os juízos sintéticos a priori na matemática e
na física ("Estética transcendental" e "Analítica transcendental"), e se são possíveis
na metafísica ("Dialética transcendental", partes da Crítica da razão pura).[carece de fontes]
Para os juízos sintéticos a priori são admissíveis na matemática porque essa ciência se
fundamenta no espaço e no tempo, formas a priori da sensibilidade, intuições puras e
não conceitos de coisas como objetos. O espaço é a priori, não deriva da experiência,
mas é sua condição de possibilidade. Podemos pensar o espaço sem coisas, mas não
coisa sem espaço. O espaço é o objeto de intuição e não conceito, pois não podemos
ter intuição do objeto de um conceito (pedra, carro, cavalo, etc.), gênero ou espécie.
Ora, o espaço não é nem uma coisa nem outra, e só há um espaço (o nada, referindo ao
espaço).[carece de fontes]
Na apresentação transcendental do espaço, Kant determina as condições subjetivas ou
transcendentais da objetividade. Se o conhecimento é relação, ou relacionamento (do
sujeito com o objeto), não, pode conhecer as coisas "em si", mas "para nós".[carece de fontes]
A geometria pura, quando aplicada, coincide totalmente com a experiência, porque o
espaço é a forma a priori da sensibilidade externa. O tempo é, também, a priori.
Podemos concebê-lo sem acontecimentos, internos ou externos, mas não podemos
conceber os acontecimentos fora do tempo. Objeto de intuição, não pode ser conceito.
Forma vazia, intuição pura, torna possíveis por exemplo os juízos sintéticos a priori na
aritmética, cujas operações (soma, subtração, etc.), ocorrendo sucessivamente, o
pressupõem. O tempo é, pois, a forma a priori da sensibilidade interna e externa.[carece de
fontes]
A menoridade humana
Kant define a palavra esclarecimento como a saída do homem de sua menoridade.
Segundo esse pensador, o homem é responsável por sua saída da menoridade. Kant
define essa menoridade como a incapacidade do homem de fazer uso do seu próprio
entendimento autonomamente, ou seja, sem a tutela de uma razão alheia.[carece de fontes][16]
A permanência do homem na menoridade se deve ao fato de ele não ousar pensar. A
covardia e a preguiça são as causas que levam os homens a permanecerem na
menoridade. Um outro motivo é o comodismo. É bastante cômodo permanecer na área
de conforto. É cômodo que existam pessoas e objetos que pensem e façam tudo e
tomem decisões em nosso lugar. É mais fácil que alguém o faça, do que fazer
determinado esforço, pois já existem outros que podem fazer por mim. Os homens
quando permanecem na menoridade, são incapazes de fazer uso das próprias pernas, são
incapazes de tomar suas próprias decisões e fazer suas próprias escolhas.[carece de fontes]
Em seu texto "Resposta à pergunta: o que é esclarecimento?", Kant sintetiza seu
otimismo iluminista[17] em relação à possibilidade de o homem seguir por sua própria
razão, sem deixar enganar pelas crenças, tradições e opiniões alheias. Nele, descreve o
processo de ilustração como sendo "a saída do homem de sua menoridade", ou seja, um
momento em que o ser humano, como uma criança que cresce e amadurece, se torna
consciente da força e inteligência para fundamentar, sob o conhecimento a priori, a sua
própria maneira de agir, sem a doutrina ou tutela de outrem.
Kant afirma que é difícil para o homem sozinho livrar-se dessa menoridade, pois ela se
apossou dele como uma segunda natureza. Aquele que tentar sozinho terá inúmeros
impedimentos, pois seus tutores sempre tentarão impedir que ele experimente tal
liberdade. Para Kant, são poucos aqueles que conseguem pelo exercício do próprio
espírito libertar-se da menoridade.[carece de fontes]
Juízos
Juízo analítico
É formado quando o predicado repete o conteúdo formal do sujeito, desenvolvendo-o.
Thonnard dá o exemplo da frase ”o corpo é uma substância extensa”, que representa
uma tautologia e é incapaz de fazer progredir a ciência, pois não é um juízo científico,
mas analítico. A frase mencionada, para Kant não passa de um princípio de contradição,
que é apenas a regra negativa dos juízos. A conclusão à que chegamos é que todo o
juízo implicando contradição é errôneo, mas a ausência de contradição não basta para
que um juízo seja verdadeiro ou científico, porque, segundo Thonnard, o puro conceito,
mesmo analisado, não contém verdade alguma.
Juízo sintético
É formado quando o predicado é estranho ao conteúdo formal do sujeito e lhe é
atribuído por uma razão diferente da análise desse conteúdo. A frase ” todo ser é
inteligível” é um juízo sintético, pois a inteligibilidade é um fato especial da
inteligência, que não é necessariamente exigida pela noção de ser. O juízo sintético é
àquele que vai enriquecer e avançar a ciência.
Juízo estético
Immanuel Kant
Por J. L. Raab, baseado em pintura de Döbler
O juízo estético é abordado no livro "Crítica da Faculdade do Juízo". De acordo com
Kant para se ter uma investigação crítica a respeito do belo, devemos estar orientados
pelo poder de julgar. E a indagação básica que move essa investigação crítica a respeito
do belo é: existe algum valor universal que conceitue o belo e que reivindique que
outras pessoas, a partir da minha apreciação de uma forma bela da natureza ou da arte,
confirmem essa posição? Ou então somos obrigados a admitir que todo objeto que
julgamos como sendo belo é uma valoração subjetiva?
O poder de julgar, pertencendo a todo sujeito, é universal e congraça o julgamento
estético, especulativo e prático. Portanto a investigação crítica que Kant se refere diz
respeito às possibilidades e limitações das faculdades subjetivas que agem sob
princípios formulados e que pertencem à essência do pensamento.
Como podemos desnudar o fenômeno que explica o nosso gosto? Se fizermos uma
experiência com vários indivíduos e o defrontarmos com um objeto de arte,
observaremos que as impressões causadas serão as mais diversas. Então chegaremos à
conclusão de que a observação atenta e valorativa daquele objeto, somada as diferentes
opiniões que foram apresentadas pelos indivíduos, nos dá respaldo para afirmar que o
gosto tem que ser discutido. Para Kant apenas sobre gosto se discute, ao passo que,
representa uma reivindicação para tornar universal um juízo subjetivo.
A universalidade do juízo estético é detectada por envolver um exercício persuasivo de
convencimento de outro sujeito que aquela determinada forma da natureza ou da arte é
bela. E, dessa forma, torna aquele valor universal. Os sujeitos têm em comum um
princípio de avaliação moral livre que determina a avaliação estética e, portanto, julga o
belo como universal.
O juízo estético está relacionado ao prazer ou desprazer que o objeto analisado nos
imprime e, como se refere Kant, o belo "é o que agrada universalmente, sem relação
com qualquer conceito". Essa situação fica bem evidente quando visitamos um museu.
Digamos que essa experiência fosse realizada no Museu do Louvre, em Paris, com o
quadro Monalisa. Se nos colocarmos como observador, perceberemos que os mais
diversos comentários serão tecidos a cerca dessa obra tão famosa.
Detendo-nos na análise dos comentários favoráveis notaremos que, ratificando Kant, o
belo não está arraigado em nenhum conceito. Pois, dos vários indivíduos que vão
apreciar a obra de Leonardo da Vinci, encontraremos desde pessoas especializadas em
arte até leigos, como eu ou você, que vão empregar cada qual um conceito, de acordo
com a percepção, após a contemplação da Monalisa. Então isso comprova que não
existe uma definição exata a cerca do belo, mas sim um sentimento que é universal e
necessário.
Em sua "Crítica da Faculdade do Juízo", Kant também discorre sobre o Juízo
Reflexionante, no tocante à observação da natureza. Kant reconhece que, nas ciências
baseadas na observação empírica, existem diversas leis, padrões e comportamentos
regulares que não são determinados analiticamente a partir das leis a priori do
entendimento. Para garantir a necessidade dessas leis empíricas, ele lança mão do juízo
reflexionante, o qual, “comparável à indução científica, [...] procede da diversidade
particular das leis a um princípio unificador transcendental”. [18] Esse ideal de
organização sistemática nos encaminha a considerar a existência de um propósito maior,
que possibilite uma experiência unificada para o entendimento da natureza.[19] Tal
raciocínio leva esse filósofo a reconhecer a necessidade de uma ideia de finalidade que
englobe toda a natureza enquanto tal (e que, no caso tratado, seria também responsável
pela harmonia observável no mundo natural).[18]
Note-se que a referida ideia de finalidade atribuída ao mundo natural é apenas um
princípio regulador, sem meios de ser comprovada a priori por nosso aparato cognitivo,
mas a qual precisamos adotar para resolver nossas questões práticas de conhecimento.
[20]
Devemos estar sempre conscientes de que se trata de uma pressuposição, mas não de
imputação como tal. Em vez de afirmar que existe realmente essa finalidade,
afirmaríamos que tudo se passa como se a mesma existisse.[18]
É nesses termos que se torna coerente a tese de que nunca poderia haver um “Newton
dos Talos de Grama”, pois a Física, definida com base em conceitos puros do
entendimento a priori, estaria em um grau de certeza superior aos conhecimentos que
necessitam da suposição de um princípio regulador teleológico (visto ser necessário
supor que a grama tem como finalidade o seu próprio crescimento).[20]
O juízo teleológico terá uma importância primordial na obra kantiana, visto que
somente a partir dele será possível intermediar a causalidade natural com a finalidade
moral. Enfim, o juízo teleológico conseguirá transitar da ideia de uma harmonia interna
ao sujeito transcendental (das faculdades mentais subjetivas, que é a pressuposição para
o juízo estético), para uma harmonia que resida na própria natureza.[20] E para falar de
uma finalidade em um objeto da natureza, é preciso que esse objeto seja causa final de
si mesmo, de maneira que o “nexo das partes seja tal que cada parte pareça determinada
pelo todo; e o todo, por seu turno, não seja possível senão pelas partes”. [18] Os principais
exemplos dos objetos em questão serão os seres orgânicos, os quais se organizam a si
mesmos e, no contexto mais amplo, formam uma harmonia maior: o ambiente natural.
Consequencialmente, Kant define dois métodos para se investigar a natureza. Primeiro,
o conhecimento discursivo fundado nas causas eficientes e, portanto, no determinismo
causal, cujo exemplo é a física; e, em segundo lugar, de um entendimento intuitivo, que
inicia por supor finalidades em um ser vivo, ou mesmo na natureza enquanto todo
orgânico para, em seguida, investigar suas partes.[20]
O juízo teleológico que, como vimos, está ancorado no juízo reflexionante, é
imprescindível para o estudo concernente aos fenômenos vitais. Embora não possamos
aplicá-lo com o rigor de uma causa eficiente, conforme se faz na física, o juízo em foco
deve ser um fio condutor para o cientista da natureza, para que ele compreenda os seres
vivos e o ambiente natural.[20]
A paz perpétua
A paz perpétua trata que o direito cosmopolítico deve circunscrever-se às condições de
uma hospitalidade universal. Dessa forma, Kant traz no terceiro artigo definitivo de um
tratado de paz perpétua, o fato de que existe um direito cosmopolitano relacionado com
os diferentes modos do conflito dos indivíduos intervirem nas relações com outros
indivíduos. A pessoa que está em seu território, no seu domínio, pode repelir o visitante
se este interfere em seu domínio.
No entanto, caso o visitante mantenha-se pacífico, não seria possível hostilizá-lo.
Também, não se trata de um direito que obrigatoriamente o visitante poderia exigir
daquele que o tem assim, mas sim, de um direito que persiste em todos os homens, o do
direito de apresentar-se na sociedade.
O direito de cada um na superfície terrestre pode ser limitada no sentido da superfície.
Já o indivíduo deve tolerar a presença do outro, sem interferir nele, visto que tal direito
persiste a toda espécie humana. Então, o direito da posse comunitária da superfície
terrestre pertence a todos aqueles que gozam da condição humana, existindo uma
tolerância de todos a fim de que se alcance uma convivência plena.
Veja que o ato de hostilidade está presente no ato do direito de hospitalidade. Mesmo
que o espaço seja limitado, os indivíduos devem se comportar pacificamente com o
intuito de se alcançar a paz de convívio mútuo. O relacionamento entre as pessoas está
na construção dos direitos de cada um, sendo indispensável para a compreensão do
direito cosmopolítico de modo a garantir as condições necessárias para termos uma
hospitalidade universal.
Por fim, a não violação do direito cosmopolitano e o direito público da humanidade
criará condições para o favorecimento da paz perpétua, proporcionando a esperança de
uma possível aproximação do estado pacífico.
Crítica
Só a crítica pode cortar pela raiz o materialismo, Kant, Crítica da
o fatalismo, o ateísmo, a incredulidade dos espíritos razão pura, B
fortes, o fanatismo e a superstição, que se podem tornar
nocivos a todos e, por último, também o idealismo e
XXXIV.[21]
o cepticismo, que são sobretudo perigosos para as
escolas e dificilmente se propagam no público.
Apesar de ter adaptado a ideia de uma filosofia crítica, cujo objectivo primário era
"criticar" as limitações das nossas capacidades intelectuais, Kant foi um dos grandes
construtores de sistemas, levando a cabo a ideia de crítica nos seus estudos da
metafísica, ética e estética.
Uma citação famosa - "o céu estrelado sobre mim e a lei moral dentro de mim" - é um
resumo dos seus esforços: ele pretendia explicar, numa teoria sistemática, aquelas duas
áreas. Isaac Newton tinha desenvolvido a teoria da física sob a qual Kant queria edificar
a filosofia. Esta teoria envolvia a assunção de forças naturais de que os homens não se
apercebem, mas que são usadas para explicar o movimento de corpos físicos.
O seu interesse na ciência também o levou a propor em 1755 que o sistema solar fora
criado a partir de uma nuvem de gás na qual os objectos se condensaram devido
à gravidade. Esta Hipótese Nebular é amplamente reconhecida como a primeira teoria
moderna da formação do sistema solar e é precursora das actuais teorias da formação
estelar.
“ Até aqui, foi assumido que todo o nosso conhecimento deve conformar-se aos
objectos. Mas todas as nossas tentativas de estender o nosso conhecimento de
objectos pelo estabelecer de qualquer coisa a priori a seu respeito, por meios
de conceitos, acabaram, nesta suposição, por falhar. Temos pois, por
tentativas, que ver se temos ou não mais sucesso nas tarefas da metafísica, se
supusermos que os objectos devem corresponder ao nosso conhecimento. ”
Filosofia moral
Immanuel Kant desenvolveu a filosofia moral em três obras: "Fundamentação da
Metafísica dos Costumes" (1785), 'Crítica da Razão Prática" (1788) e "Crítica do
Julgamento" (1790).
Nesta área, Kant é provavelmente mais bem conhecido pela teoria sobre uma obrigação
moral única e geral, que explica todas as outras obrigações morais que temos:
o imperativo categórico.
“ Age de tal modo que a máxima da tua ação se possa tornar princípio de uma
legislação universal. ”
A geografia em Kant
Além de seu trabalho filosófico, Kant também foi professor
de física, antropologia, geografia, lógica, metafísica e outras disciplinas. A contribuição
de Kant à geografia deu-se tanto por seu trabalho como professor geógrafo, quanto
também por suas reflexões sobre o papel da geografia no estudo dos fenômenos
naturais, dentro de seu sistema filosófico sobre o conhecimento humano.
O curso de Geografia Física, ministrado por Kant, era ofertado no período inicial dos
cursos universitários e tinha como proposta apresentar aos alunos um “sumário da
natureza”, ou seja, um quadro geral do saber humano mostrando ser possível conhecer o
mundo de uma maneira integrada e sistemática. Esse quadro geral, além de propiciar ao
aluno uma base de conhecimentos empíricos, necessários para os raciocínios e pesquisas
científicos posteriores de seu curso, também consistiria em um primeiro contato com o
que seria uma propedêutica do conhecimento científico do mundo.[22]
Kant nunca publicou um livro específico sobre o seu curso de geografia. Porém, ao fim
de sua vida, permitiu que um antigo aluno publicasse uma obra contendo as notas de sua
disciplina. Essa publicação autorizada condensa muito do conhecimento geográfico
existente na época de Kant e torna-se um dos livros referenciais na história do
pensamento geográfico.[23]
Kant identificava a geografia em cinco partes, a saber: Geografia Matemática (forma,
dimensão, e movimento da Terra), Geografia Moral (os costumes e o caráter do homem
em relação ao meio ambiente), Política, Mercantil (comercial), e Teológica (a
distribuição das religiões).[24]
Em sua obra filosófica, cumpre destacar duas grandes contribuições à geografia: a
classificação da geografia como ciência dentro do esquema do conhecimento humano e
as obras kantianas que tratam sobre o tema da observação e do estudo dos fenômenos
naturais.[25]
Kant nos apresenta duas definições da geografia. Na primeira, nos define a geografia
como a ciência da diferenciação da crosta terrestre. Na segunda, seria a ciência
responsável pela descrição das coisas em termos de espaço.[24] Essa segunda definição
será de grande relevância para classificação científica da geografia dentro do sistema
kantiano, devido à importância da intuição de espaço na teoria do conhecimento de sua
obra “Crítica da Razão Pura”. Enquanto a história seria a responsável pela descrição
temporal dos fenômenos, cabe à geografia a descrição dos dados em sua organização
espacial.[26] Essa organização confere um status de especificidade ao método geográfico
(descrição espacial), que lhe assegura um lugar no rol das ciências.
Kant também classificou as ciências quanto ao seu objeto, dividindo-as em ciências
específicas (de um só objeto) e ciências de síntese, sendo que estas últimas seriam
responsáveis por aglutinar e integrar os conhecimentos das demais ciências. À geografia
cabe o título de ciência de síntese dos fenômenos naturais, [22] enquanto à antropologia
cabe o de síntese dos conhecimentos sobre a estrutura humana. Nesse tocante, cabe
ressaltar que os fenômenos naturais, objeto da geografia, abarcavam todos os
fenômenos perceptíveis, inclusive a observação da sociedade humana sobre o espaço.[27]
Influência e legado
A influência de Kant no pensamento ocidental foi profunda.[b] Embora os princípios
básicos do idealismo transcendental de Kant (ou seja, que o espaço e o tempo são
formas a priori da percepção humana em vez de propriedades reais e a afirmação de que
a lógica formal e a lógica transcendental coincidem) tenham sido considerados
falsificados pela ciência moderna e lógica,[28][29][30] e não mais definir a agenda
intelectual dos filósofos contemporâneos, Kant é creditado por ter inovado a maneira
como a investigação filosófica foi realizada pelo menos até o início do século XIX.
Obras
Ver artigo principal: Lista de obras de Immanuel Kant
Salvo indicação em contrário, todas as citações são de The Cambridge Edition of the
Works of Immanuel Kant in English Translation, 16 vols., ed. Guyer, Paul, and Wood,
Allen W. Cambridge: Cambridge University Press, 1992. As citações no artigo são de
obras individuais por abreviaturas na Lista de obras principais abaixo.
Notas
1. ↑ "Até agora foi assumido que todo o nosso conhecimento deve se conformar
aos objetos; mas todas as tentativas de descobrir algo sobre eles a priori por
meio de conceitos que estenderiam nosso conhecimento, com base nessa
pressuposição, não deram em nada. Portanto, vamos tentar uma vez se não
avançamos nos problemas da metafísica, assumindo que os objetos devem se
conformar à nossa cognição, o que concordaria melhor com a possibilidade
solicitada de uma cognição a priori deles, que é estabelecer algo sobre os
objetos antes que eles nos sejam dados. Isso seria exatamente como os
primeiros pensamentos de Copérnico, que, quando ele não fez um bom
progresso na explicação dos movimentos celestes se ele assumiu que toda a
hoste celeste gira em torno do observador, tentou ver se ele poderia não teria
maior sucesso se fizesse o observador girar e deixasse as estrelas em repouso.
Agora, na metafísica, podemos tentar de maneira semelhante em relação à
intuição dos objetos. Se a intuição tem de se conformar à constituição dos
objetos, então não vejo como podemos conhecer algo deles a priori; mas se o
objeto (como um objeto dos sentidos) se conforma à constituição de nossa
faculdade de intuição, então posso muito bem representar essa possibilidade
para mim mesmo."[5]
2. ↑ O Prof. Oliver A. Johnson afirma que, "com a possível exceção da República
de Platão, (Crítica da Razão Pura) é o livro filosófico mais importante já
escrito." Artigo sobre Kant na coleção "Grandes Pensadores do Mundo
Ocidental", Ian P. McGreal, Ed., HarperCollins, 1992.
3. ↑ Disponível online no Bonner Kant-Korpus Arquivado em 6 março 2016
no Wayback Machine.
4. ↑ As noted by Allen W. Wood in his Introduction, p. 12. Wood further
speculates that the lectures themselves were delivered in the Winter of 1783–84.
Montesquieu
Charles-Louis de Secondat, barão de La Brède e de Montesquieu, conhecido
como Montesquieu (castelo de La Brède, próximo a Bordéus, 18 de
janeiro de 1689 — Paris, 10 de fevereiro de 1755), foi
um político, filósofo e escritor francês. Ficou famoso pela sua teoria da separação dos
poderes,[1] atualmente consagrada em muitas das modernas constituições internacionais,
inclusive a Constituição Brasileira.[2]
Aristocrata, filho de família nobre, nasceu no dia 18 de janeiro de 1689. Logo cedo teve
formação iluminista com padres oratorianos. Revelou-se um crítico severo e irônico
da monarquia absolutista, bem como do clero católico.[1] Adquiriu sólidos
conhecimentos humanísticos e jurídicos, mas também frequentou em Paris os círculos
da boêmia literária. Em 1714, entrou para o tribunal provincial de Bordéus, que presidiu
de 1716 a 1726. Fez longas viagens pela Europa e, de 1729 a 1731, esteve na Inglaterra.
Proficiente escritor, concebeu livros importantes e influentes, como Cartas
persas (1721), Considerações sobre as causas da grandeza dos romanos e de sua
decadência (1734) e O Espírito das leis (1748), a sua mais famosa obra. Contribuiu
também para a célebre Enciclopédia, juntamente com Diderot e D'Alembert.
Biografia
Château de La Brède, local de nascimento de Montesquieu
Formas de Governoː
o Aristocracia (Princípio – Moderação);
o Monarquia (Princípio – Honra);
o Despotismo (Princípio – Terror).
Montesquieu atribuiu mais algumas classificações a estas formas de governo, tais como:
Formas Puras:
o Monarquia: Governo de um só (Princípio – Honra);
o Aristocracia: Governo de vários;
o Democracia: Governo do povo (Princípio – Virtude).
Formas Impuras:
o Tirania: Corrupção da Monarquia;
o Oligarquia: Corrupção da Aristocracia;
o Demagogia: Corrupção da Democracia.
Publicações
La Damnation éternelle des païens (1711)
Éloge de la sincérité (1717)
Lettres persanes (1721)
Le Temple de Gnide (1725), poema
Histoire Véritable
Arsace et Isménie[6]
Considérations sur les causes de la grandeur des Romains et de leur
décadence (1734) - Gallica
Arsace et Isménie (1742)
De l'esprit des lois (1748)
Défense de l'Esprit des lois (1750)
Essai sur le goût (1757)
Pensées (coleção de reflexões pessoais)
Spicilège (coleção de notas, anedotas, etc.)
Discours sur la cause de l'écho
Discours sur l'usage des glandes rénales
Discours sur la cause de la pesanteur des corps
Mémoire sur le principe et la nature du mouvement (anteriormente
intitulada: Dissertation sur le mouvement relatif)
Thomas Hobbes
Thomas Hobbes (5 de abril de 1588 – 4 de dezembro de 1679) foi
um matemático, teórico político e filósofo inglês, autor de Leviatã (1651) e Do
cidadão (1642). Na obra Leviatã, explanou os seus pontos de vista sobre a natureza
humana e sobre a necessidade de um governo e de uma sociedade forte. No estado
natural, embora alguns homens possam ser mais fortes ou mais inteligentes do que
outros, nenhum se ergue tão acima dos demais de forma a estar isento do medo de que
outro homem lhe possa fazer mal. Por isso, cada um de nós tem direito a tudo e, uma
vez que todas as coisas são escassas, existe uma constante guerra de todos contra todos
(Bellum omnia omnes). No entanto, os homens têm um desejo, que é também em
interesse próprio, de acabar com a guerra e, por isso, formam sociedades através de
um contrato social.[1]
De acordo com Hobbes, tal sociedade necessita de uma autoridade à qual todos os
membros devem render o suficiente da sua liberdade natural, de forma que a autoridade
possa assegurar a paz interna e a defesa comum. Este soberano, quer seja
um monarca ou uma assembleia (que pode, até mesmo, ser composta de todos, caso em
que seria uma democracia), deveria ser o Leviatã, uma autoridade inquestionável. A
teoria política do Leviatã mantém, no essencial, as ideias de suas duas obras
anteriores, Os elementos da lei e Do cidadão (em que tratou a questão das relações
entre Igreja e Estado).
Thomas Hobbes defendia a ideia segundo a qual os homens só podem viver em paz se
concordarem em submeter-se a um poder absoluto e centralizado. O Estado não pode
estar sujeito às leis por ele criadas pois isso seria infringir sua soberania. Para ele, a
Igreja cristã e o Estado cristão formavam um mesmo corpo, encabeçado pelo monarca,
que teria o direito de interpretar as Escrituras, decidir questões religiosas[2] e presidir
o culto. Neste sentido, critica a livre interpretação da Bíblia na Reforma Protestante por,
de certa forma, enfraquecer o monarca. Sua filosofia política foi analisada pelo cientista
político Richard Tuck como uma resposta para os problemas que o método
cartesiano introduziu para a filosofia moral. Hobbes argumenta que só podemos
conhecer algo do mundo exterior a partir das impressões sensoriais que temos dele ("Só
existe o que meus sentidos percebem"). Esta filosofia é vista como uma tentativa de
embasar uma teoria coerente de uma formação social puramente no fato das impressões
em si, a partir da tese de que as impressões sensoriais são suficientes para o homem agir
no sentido de preservar sua própria vida. A partir desse imperativo, Hobbes constrói
toda sua filosofia política.
Segundo Hobbes, o ser humano não nasce livre, pois somente podemos nos considerar
realmente livres quando somos capazes de avaliar as consequências, boas ou más, das
nossas ações.
Hobbes ainda escreveu muitos outros livros falando sobre filosofia política e outros
assuntos, oferecendo uma descrição da natureza humana como cooperação em interesse
próprio. Foi contemporâneo de Descartes e escreveu uma das respostas para a
obra Meditações sobre filosofia primeira, deste último.
Contexto
Nascido em 1588, na Inglaterra dos Tudors, Thomas Hobbes foi influenciado
pela Reforma Anglicana, que ocorrera cinco décadas antes. A cisão com a Igreja
Católica fez com que a Espanha interviesse nos assuntos ingleses enviando a Invencível
Armada (Grande y Felicíssima Armada), fato que, mais tarde, seria relatado por Hobbes
em sua autobiografia e que teria grande influência sobre sua obra. O século XVII foi de
grande importância para a Inglaterra pois marca o começo do expansionismo
colonialista ultramarino inglês, com a fundação de Jamestown, a primeira colônia
inglesa nas Américas, em 1607. É também no século XVII que são lançadas as bases
do capitalismo industrial na Inglaterra com a Revolução Gloriosa já na década de 80 do
século XVII. É durante esse período que a Marinha Inglesa irá se consolidar como a
maior e mais bem equipada marinha do mundo, só perdendo a posição para os Estados
Unidos no pós-2ª Guerra Mundial. A poderosa marinha irá contribuir para o acúmulo
de capitais que irá financiar o expansionismo colonial e, mais tarde, o expansionismo
industrial inglês.
A Batalha de Marston Moor (1644) marca uma vitória decisiva das forças parlamentares
durante a guerra civil inglesa
O século XVII na Europa continental é o marco do absolutismo monárquico
(representado na Inglaterra pela Reforma Inglesa), tendo sido, seu expoente
máximo, Luís XIV de França, o "Rei Sol", que ficou famoso pela frase L'État c'est
moi ("O estado sou eu"). A filosofia do barroco se baseava no dualismo existente entre
o hedonismo e o medo do pecado (ou fervor religioso) – enquanto que a busca pelo
essencialmente humano já havia começado no renascimento; havia o receio do
divino sobrenatural, que poderia punir o terreno e transitório.
Quando Hobbes tinha 30 anos e já havia visitado a Europa continental pela primeira
vez, uma revolta na Boêmia daria início à Guerra dos Trinta Anos, fato que irá reforçar,
para Hobbes, a sua própria visão pessimista acerca da destrutiva natureza humana.
Apenas 12 anos após o início da guerra no continente europeu, disputas políticas entre o
Parlamento e o Rei inglês dão início a uma guerra civil na Inglaterra que perdurará por
10 anos.
Biografia
Hobbes alegou, em sua autobiografia, que "ao nascer, sua mãe teria dado a luz
a gêmeos: Hobbes e o medo", já que a mãe de Hobbes havia entrado em trabalho
de parto prematuro com medo da Armada Espanhola (a Invencível Armada), que estava
prestes a atacar a Inglaterra. Embora os temas do medo e do seu poder avassalador
fossem aparecer mais tarde em suas obras, os primeiros anos de vida de Hobbes foram,
em grande parte, livres de ansiedade. Seu pai era o vigário de Charlton e Westport,
cidades próximas de Malmesbury, mas uma disputa com outro vigário o levou a se
mudar para Londres. Como resultado, aos sete anos de idade, Thomas Hobbes ficou sob
a tutela de seu tio Francisco. Hobbes fez seus primeiros estudos em Malmesbury e mais
tarde em Westport, onde exibiu seus dotes intelectuais em estudos clássicos. Aos
quatorze anos, em 1603, seu tio Francisco financiou os seus estudos, permitindo que
Hobbes entrasse na Magdalen Hall, onde predominava o ensino da escolástica de
inspiração aristotélica, no qual Hobbes, no entanto, não demonstrou grande interesse.