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02/11/2023, 15:20 Humor brasileiro reflete a nossa falta de identidade, diz historiador | VEJA

Cultura

Humor brasileiro reflete a nossa falta de identidade, diz historiador


Autor do livro As Raízes do Riso, sobre a gênese do humor no país, mostra como características culturais estão impregnadas no
nosso jeito de fazer rir
Por Rodrigo Levino
4 nov 2011, 22h22

As personagens Valéria (Rodrigo Sant'Anna) e Janete (Thalita Carauta), do quadro 'Metrô Zorra Brasil', do 'Zorra Total', da Globo. No programa, Janete sofre assédio e é encorajada pela
transexual Valéria a aceitar: 'Aproveita, que você não pode escolher muito, sua estranha' (Renato Rocha Miranda/Divulgação/TV Globo/VEJA)

Há um humor tipicamente brasileiro? Baseado em formatos importados e de história relativamente recente, o humor
nacional não parece muito descolado de seus modelos estrangeiros. Mas ele tem, sim, as suas particularidades. De
acordo com Elias Thomé Saliba, titular de teoria da história da Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro As
Raízes do Riso (editora Companhia das Letras, 366 páginas), que investiga a gênese do humor no Brasil, o cômico
feito no país é impregnado da nossa cultura. Estão presentes nele duas características marcantes da sociedade
brasileira: a confusão entre as esferas pública e privada e a vocação para tratar tudo de maneira emocional – ou
cordial, como diria Sérgio Buarque de Hollanda. “O humor brasileiro é reflexo da nossa falta de identidade”, diz Saliba.

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02/11/2023, 15:20 Humor brasileiro reflete a nossa falta de identidade, diz historiador | VEJA

Nas trincheiras do humor

Piada x grosseria: a diferença entre o humor e o bullying

Segundo o historiador, foi na Belle Époque brasileira – período compreendido entre as duas décadas finais do século
XIX e o fim da 1ª. Guerra Mundial, em 1918 – que surgiu esse humor, no esteio do jornalismo moderno e suas seções
fixas de humor e de caricaturas. Mais tarde, no teatro, no rádio e no cinema, o humor frutificou. A partir do
abrasileiramento de formatos ingleses e italianos já consagrados, surgiram programas hoje clássicos como o Balança
Mas Não Cai, sucesso do rádio nos anos 1930 e 1940 que lançou personagens até hoje usados pela televisão como
Ofélia e Fernandinho. E o cinema das chanchadas, da lendária produtora Atlântica, que mesclava musicais com o
humor radiofônico. A partir da década de 1950, essas mídias forneceram para a televisão atores, diretores, textos e
formatos.

Na segunda etapa do século, viradas se deram com o Pasquim, jornal que cutucou a ditadura militar com humor e
picardia, e com a influência do Monthy Python, que na Inglaterra emparedou o conservadorismo político, no final da
década de 1970, e aqui deu impulso a programas como a TV Pirata e o Casseta & Planeta, levados ao ar entre o fim
dos anos 1980 e o início dos 1990. Até hoje, pouco há de renovação nesses formatos consagrados. Há um quê de
humor de rádio em programas como Zorra Total e A Praça É Nossa, por exemplo. “Em algumas épocas, sobretudo as
de forte censura, o humor funcionou como válvula de escape, já que possui vocação intrínseca para revelar verdades
escondidas sob o véu da mera diversão”, diz Saliba.

O stand up, embora só agora tenha virado febre no país, já está por aqui desde a década de 1960, representado pelo
recém-falecido humorista José Vasconcellos. E não só com ele. Outros veteranos do humor experimentaram o gênero.
Conhecidos principalmente por seus trabalhos na televisão, como os já clássicos Chico City, Satiricom e Planeta dos
Homens, nomes como Jô Soares e Chico Anysio já faziam uso do formato desde os anos 1960. Na antiga TV Tupi,
Anysio enfrentava a plateia munido de um microfone – e de verve.

Renascido como novidade em meados dos anos 2000 com auxílio da internet, o gênero revelou uma nova leva de
humoristas que, assim como se deu no começo do século passado com o rádio e o cinema, migraram da web para a
televisão. Na TV, o humor de clubes e pequenos palcos ganhou amplitude nacional com os participantes do CQC,
exibido pela Band, assim como o grupo em torno de Marcelo Adnet, que levou elementos desse formato para a MTV. O
movimento deu aos humoristas audiência, mas também limitações e riscos, além de críticas e debates sobre os textos
que criam ou improvisam. Piadas com teor de bullying são defendidas pelos autores como o sagrado direito ao
politicamente correto, quando o que está em jogo é, na realidade, a qualidade artística do texto.

As discussões de hoje são, segundo o autor de As Raízes do Riso, um fato raro no Brasil, onde os debates em torno do
humor se instalaram, mais comumente, em períodos de crise política e institucional. Mais um exemplo do jeitinho
brasileiro de lidar com as coisas, por certo. Confira abaixo os melhores momentos da entrevista de Elias Thomé Saliba.

Capa do livro 'As Raízes do Riso', de Elias Thomé Saliba

Capa do livro ‘As Raízes do Riso’, de Elias Thomé Saliba (VEJA)

https://veja.abril.com.br/cultura/humor-brasileiro-reflete-a-nossa-falta-de-identidade-diz-historiador 2/2

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