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INTRODUÇÃO À HISTÓRIA DA ARTE

Aula 11. História da História da arte


-Giorgio Vasari e a sua herança-
A História da Arte como História dos Artistas

[História da arte biográfica]

Dupla finalidade

a) Individualizam e enaltecem a figura do artista, na medida que deixam

para a posteridade informações relativas ao percurso e à prática da arte

que desenvolveu;

b) Tornam-se num louvor e elogio à(s) arte(s), uma vez que apresentam

muitas vezes estas vidas como exemplo e modelo. Discurso laudatório

frequentemente associado ao sentimento “patriótico”, de identidade e

pertença.

Giorgio Vasari

(Arezzo, 30 -07-1511
/
Florença, 27-06- 1574)
Giorgio Vasari, Seis Poetas toscanos [Six
toscanian poets], 1544 (from left to
right: Marsilio Ficino, Cristoforo Landino,
Francesco Petrarca, Giovanni Boccaccio,
Dante Alighieri e Guido Cavalcanti).
Minneapolis Institute of Art,
Minneapolis, EUA.

“Pai fundador da História da Arte”

● Recolha de fontes bibliográficas e documentais


● Registo de relatos
● Observação das obras de arte

Giorgio Vasari, Auto-Retrato (entre


1550-67) Galeria Uffizi, Florença
Descrição da vida de artistas, associando
acontecimentos externos com a atividade
produtiva - imagem do criador individual

A sequência de biografias é um método


adaptado da Antiguidade, que considera
que a história é feita pelos indivíduos e
não pelos povos

Recurso a anedotas, elementos da fantasia popular e da tradição oral, que para


ele têm o mesmo valor que os documentos históricos.

● Uso frequente da literatura artística anterior a ele e


atenção dada aos testemunhos materiais:
preocupação com a origem da informação e a
sua fundamentação.

● Método Descritivo-Analítico, fazendo de algumas


obras descrições precisas e comentários

Leonardo da Vinci, A última ceia, 1495-1498

Refeitório do convento dominicano de Santa

Maria delle Grazie, Milão.

“…de Cimabué aos nossos tempos…”


Arte e a sua história como um processo evolutivo
Infância: a partir de 1250, todo o Trecento

Cimabué, Maestà di Santa

Trinita,

entre 1280-1300

Galleria Uffizi, Florença Giotto, The adoration of the Magi, 1304-06 Capela Arena, Pádua

Maturidade: Quattrocento / início Cinquencento

Rafael Sanzio, The three Graces, 1503-04

Musée Condé, Chantilly


Maturidade (apogeu / perfeição): Cinquencento

Miguel Ângelo’s tomb, conceived by


Vasari Basilica di Santa Croce, Florence
Historiografia da Arte de Vasari

● Desqualifica a Idade Média, “o caos antes do Renascimento”. Para Vasari, a arte tem

apenas dois referentes: a maniera buona Antica (Antiguidade clássica) e buona maniera

moderna (Renascimento);

● Deprecia tudo o que não se inclua no eixo Roma-Florença;

● Considera o período a que pertence como “maneirista”, depois do apogeu atingido pela

síntese heróica de Miguel Ângelo;

● Chega a retorcer alguns factos (datas, acontecimentos) para chegar a uma demonstração

pessoal;

● Importância do conhecimento técnico: não existe criação artística sem um conhecimento

aprofundado de um ofício.

Germain Bazin (1901-1990) viria a comentar que “Vasari não escreveu a


história da arte, mas o romance da história da arte”
A obra de Vasari não teve sucessores imediatos, mas uma série de biógrafos
seguiram a sua metodologia nos séculos seguintes.

Karel Van Mander

(1548, Meulebeke, Belgium - 1606,

Amsterdam, Netherlands)

Foi o primeiro a seguir o modelo vasariano no norte da Europa ao escrever uma biografia
de artistas flamengos, holandeses e alemães, Het Schilder-Boeck (1604).

France :
ANDRÉ FELIBIEN, Entretiens sur les vies et les ouvrages des plus excellens peintres,
anciens et modernes, Paris, 1666-1668
Germain:
JOACHIN VON SANDART, Deutsche Academie der Edlen Bau-Bild und Malerei Künste,
Nuremberg, 1675
Spain:
FRANCISCO PACHECO, Arte de la pintura, Sevilla, 1649.
JUSEPE MARTÍNEZ, Discursos practicables del nobilísimo arte de la pintura, Zaragoza,
1675
ANTONIO PALOMINO, El museo pictórico y la escala óptica, Madrid, 1715-1724
England
HORACE WALPOLE, Anecdotes of Painting in England , London, 1762–1780
WILLIAM BECKFORD, Biographical Memoirs of Extraordinary Painters, London, 1780

A TRADIÇÃO BIOGRÁFICA NO SÉCULO XX EUROPEU

Ao longo do século XX a biografia continua a ser um campo amplamente


cultivado pela historiografia da arte.
ULRICH THIEME-BECKER, Allgemeines Lexikon der bildenden Künstler von der Antike bis
zur Gegenwart (Inglês: General Dictionary of Artists from Antiquity to the Present),
1907- 1950, 37 vols.

EMMANUEL BÉNÉZIT, Dictionnaire critique et documentaire des peintres, sculpteurs,


dessinateurs et graveurs de tous les temps et de tous les pays, Paris, 1924

GUIDO BOLAFFI, Dizionario enciclopedico dei pittori e degli incisori italiani dell’XI al XX
seculo, Turim, 1972-1976, 10 vols.

FERNANDO DE PAMPLONA, Dicionário de Pintores e Escultores Portugueses ou que


trabalharam em Portugal, Lisboa, 1954-1959 (1.ª edição)

Dicionário universal de pintores, escultures y arquitectos, Barcelona, 1970.


CARLOS CAVALCANTI (org.), Dicionário Brasileiro de Artistas Plásticos, Brasília, 1973.

As monografias artísticas mais recentes usam por norma critérios de


seleção documental e estudos rigorosos das fontes, tomando em atenção
os contextos históricos, com vista a inserir a produção de cada artista no
âmbito da sua vida privada e social.
Fazer uma História da Arte como uma História dos Artistas pode ser apenas
válido para épocas mais recentes e /ou em certas áreas da cultura ocidental, em que
é mais fácil conhecer a vida dos artistas…

Unknown, Pintora no seu atelier [Painter


in her studio] Séc. XV / 15th century.
Iluminura, França

Mestre de Cabestany
Escultor ativo no século XII. O seu nome verdadeiro é desconhecido

- Atribuição de autoria através de afinidades formais


Tímpano da Igreja de Notre-Dame-des-Anges,
Cabestany (França) Capitel na Abadia de Sant'Antimo
(Toscana, Itália)

“Master of the Prayer Books of


around 1500”

O nome “Mestre dos livros de horas de


cerca de 1500” foi utilizado para o autor
de um grupo de manuscritos devocionais
iluminados pela mesma mão, que data
dos anos c.1500.

História da Arte Biográfica


abordagem geracional
“contemporaneidade do não-
contemporâneo”

Os artistas contemporâneos são os de idades


diferentes que vivem no mesmo tempo; os
coetâneos são aqueles que têm a mesma
idade. Todos os artistas vivem com os seus
coetâneos e com os seus contemporâneos,
mas apenas formam geração com os
primeiros

WILHELM PINDER (1878-1947)

Abordagem geracional
As gerações formam ciclos mais pequenos dos que as épocas. Cada época, por conseguinte,
é composta por várias gerações.

Henri Matisse (1869-1954), 1931

Frida Kahlo (1907-1954), 1931

A individualidade dos artistas é importante, mas não pode ser estudada desligada do
seu fundo geracional. O contexto histórico é comum aos artistas, sejam eles
contemporâneos ou coetâneos.
KWY group. Paris, 1958
René Bertholo, Gonçalo Duarte,
José Escada, Lourdes Castro, Costa Pinheiro,
João Vieira, Jan Voss e ChristoW

ILHELM PINDER , Das Problem der Generation in der Kunstgeschichte Europas.


Berlin: Frankfurter Verlagsanstalt, 1926
[about this approach and Pinder’s concept:
http://www.history.ucsb.edu/faculty/marcuse/classes/201/articles/85JaegerGenInHistHIST
THEOCrOCR.pdf ]

Visão Geracional da História da Arte

A história da arte biográfica tende a ser baseada na existência de uma série de


passos marcados por marcos (os grandes mestres), em torno dos quais se
formaram “escolas” (ou uma geração).

Link:
WILHELM PINDER , Das Problem der Generation in der Kunstgeschichte Europas.
Berlin: Frankfurter Verlagsanstalt, 1926

Visão Geracional da História da Arte

Para entender a Arte e o desenvolvimento histórico, será necessário compreender


a interação entre as gerações mais jovens e mais velhas de artistas;
Necessidade de biografia expandida para esse grupo, que chamamos geração.
Em Portugal, por exemplo, esta
abordagem foi seguida pelo historiador e
crítico de arte José-Augusto França
(n. 1922), que na sua análise à Arte em
Portugal do século XX identifica e
caracteriza as diversas gerações do
modernismo português.

História da Arte Biográfica


Abordagem psico-analítica
● Tenta explicar a obra de arte a partir do conhecimento aprofundado do
artista, num ponto de vista psicológico

Duas aproximações metodológicas:

a) Explicação psicológica da obra de arte, como resultado de uma


personalidade criativa (que por sua vez produz efeitos psicológicos sobre o
espetador)

b) Explicação da imagem a partir da perspetiva da Psicanálise


a) Explicação psicológica da
obra de arte

Considera-se que a imagem tem um


conteúdo humano, pessoal, refletindo o
caráter e a natureza do artista criador.
Nas obras de arte, portanto, poder-se-á
quantificar e caracterizar a vida do artista
com todo o seu conteúdo humano,
temperamental e mental. A obra de arte
é, assim, feita à imagem e semelhança
dele próprio.

Vincent van Gogh, Self-portrait,


September 1889, Saint-Rémy.
Musée d'Orsay, Paris

a) Explicação Psicológica da Obra de Arte

RENÉ HUYGUE (Arras,1906 –


Paris,1997)

Dialogue avec le visible


(1955)

Les Puissances de l’image

(1965)

Cada imagem é um sinal. Pode-se encontrar, como num rosto, para além da beleza,
a inscrição de uma alma. Um homem está lá (na imagem): cabe a nós decifrá-lo
a) Explicação psicológica da obra de arte
Psicologia da Arte – crítica
● Pressupõe um desvio do objeto específico da história da arte, isto é, das
próprias obras.
● O próprio R. Huyghe atendeu a essa objeção, propondo a natureza
instrumental da psicologia da arte, mas reconhecendo as suas
limitações.

b) Explicação da imagem a partir da perspetiva da Psicanálise


Abordagem proposta por Sigmund Freud e seguida
posteriormente por alguns elementos da Escola de
Viena.

Psicanálise – Investigação psicológica que tem por


fim fazer trazer à consciência os sentimentos mais
complexos e obscuros, relegados pela mente para
um plano longínquo, num estado de adormecimento.

Para Freud, a arte é uma forma de rodeio, graças ao


qual o sonho torna-se uma realidade. O artista, que está
insatisfeito, concentra todo o seu interesse e libido
nas formas imaginativas, criadas como reação
psicológica do seu inconsciente.

Magritte, The son of Man, 1964

b) Explicação da imagem, a partir da perspetiva da Psicanálise


S. FREUD, Eine Kindheitserinnerung des Leonardo da
Vinci, 19[Leonardo da Vinci and a Memory of His
Childhood

ERNST GOMBRICH
(Viena, 1909 - London, 2001) Defende que uma obra de arte não pode ser "psicanalizada".
Contudo, reconhece que uma obra de arte tem o caráter de
um “sonho compartilhado”. É nesse sentido que a História da
Arte se aproxima à abordagem da Psicanálise, porque
ambas têm que decifrar um sonho.

A diferença é que uma interroga um sujeito e


a outra um objeto
ROLAND BARTHES Reflexão feita no âmbito da literatura, mas pode
ser aplicada a qualquer área da criação humana

(Cherbourg, 1915

Paris, 1980)

La mort de l'auteur - 1968

● Questiona a importância do autor na obra;


● Defende a ideia de que uma obra é sempre
dependente do leitor/espectador.

História da Arte como História dos Artistas


[História da arte biográfica]
● Resultado de um modelo biográfico que insiste em que as obras têm
de ser analisadas a partir do ponto de vista dos seus criadores.
● O conhecimento da vida do artista, a partir de diferentes perspectivas, é
um trabalho auxiliar do historiador de arte, e o método biográfico é, em
certa medida, necessário.
● Mas, como método de análise histórico-artístico, não pode ser
entendido como suficiente e tem de ser complementado com outras
abordagens.
● O cunho individual dos artistas contemporâneos destaca a importância
prática deste modelo de fazer a História da Arte.

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