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ARTE NO MUNDO
Ao longo da história da arte ocidental, podemos constatar diversas instâncias em que artistas e
estudiosos olharam para as obras do passado em busca de alguma revelação acerca de um
problema cultural de seu presente. Após a Idade Média e o declínio do sistema feudal, o
teocentrismo foi colocado em cheque. A sociedade se modernizava científica e culturalmente,
transformando o pensamento social da crença na centralidade de Deus para a crença no ser
humano enquanto agente de ação e produção de conhecimento. Esta visão, considerada
humanista, leva estes estudiosos e artistas a olharem para as obras das civilizações antigas,
especialmente as greco-romanas, dado que foram produzidas no interior de uma cultura
humanista. Os produtos desta cultura passaram a ser tidos como “clássicos” e serviram de
modelo e inspiração para a arte que se desenvolveu na sociedade dos séculos 15 e 16 na
Europa: a arte do Renascimento.
A Arte do Renascimento
O Renascimento foi um período histórico que seguiu os vários séculos da Idade Média, sendo
esboçado já no final do século 14. O que caracteriza esse período é a revitalização em diversos
países da Europa, mas principalmente na Itália, dos métodos e valores atribuídos aos mestres
da arte greco-romana antiga, ou clássica, a qual artistas e estudiosos do período consideravam
a forma ideal da arte, isto é, a representação fiel e idealizada da realidade visível. Os italianos,
em particular, olharam para a arte da antiguidade romana com o intuito de recuperar a glória
e a beleza para uma cultura que se via estagnada desde a queda do Império Romano no século
6. Tal intuito provocou uma série de transformações na arte italiana a partir do final do século
14, atingindo seu apogeu no século 16, especialmente na pintura e na escultura, linguagens
artísticas que se distanciaram das formas esquemáticas e pouco realistas da arte gótica ou
medieval, e passaram a se dedicar à representação naturalista do espaço tridimensional e dos
corpos humanos, carregando um ideal de beleza tal qual sugerido pelas formas clássicas.
Antes desse momento, tal discussão foi institucionalizada pelas Academias de Belas Artes e
pela arte Neoclássica que dominaram os padrões estéticos até, pelo menos, o final do século
19 na Europa. As Academias foram fundadas a partir do século 17, ganhando máxima
autoridade nos séculos seguintes com a realização de Salões e premiações; seus métodos de
ensino e produção, assim como seus critérios para julgar o valor artístico, voltaram-se mais
uma vez para a arte clássica, partindo da noção instaurada no Renascimento de que a
representação de uma natureza bela e ideal – científica e completamente desvendável – é a
vocação máxima da arte. Por esse motivo, os pintores da Academia e seus discípulos
consideravam os artistas renascentistas “mestres” das belas artes.
Portrait of Lisa Gherardini, wife of Francesco del Giocondo, known as "Monna Lisa, la
Gioconda" or "Mona Lisa", 1503-1519 - Leonardo di ser Piero DA VINCI, dit Léonard de Vinci
(1452 -
Leonardo da Vinci, Mona Lisa (1503), óleo sobre madeira. Acervo Musée du Louvre, Paris,
França. Imagem: reprodução da internet, Google Arts & Culture
O grande percursor do Renascimento na Itália foi Giotto, um pintor de Florença que ficou
amplamente conhecido por utilizar de modo pioneiro técnicas para criar a ilusão de
tridimensionalidade nos afrescos que realizou no interior de igrejas. Tais técnicas, ainda muito
simples e ligadas ao proto-Renascimento, permitiam ao pintor uma representação mais
parecida com a realidade, e preludiaram as pinturas renascentistas dos séculos seguintes,
quando a semelhança viria a ser tanta que seriam chamadas de “janelas para o mundo”. Ainda
que herdeiro da tradição gótica de contornos e formas suavizadas, Giotto espantou seus
contemporâneos pela tamanha proximidade que suas pinturas de cenas religiosas
aparentavam ter com cenas da vida real, especialmente através da representação realista das
figuras humanas. Até então, não era comum na arte cristã que as figuras fossem representadas
com a expressividade emocional e corporal presente num dos afrescos que Giotto realizou em
uma igrejinha em Pádua, no norte da Itália, em que a comoção das figuras em torno do corpo
de Cristo é palpável, evidente, e até mesmo contagiante.
Giotto di Bondone, A lamentação de Cristo (c. 1305). Pintura afresco na Capela Scrovegni,
Pádua, Itália. Imagem: reprodução da internet, Wikimedia Commons.
Com as inovações propostas pela pintura de Giotto, foi no século 15 que artistas, arquitetos e
estudiosos florentinos buscaram, de maneira vigorosa, renovar a tradição da arte italiana em
coerência com a beleza idealizada pelos antigos, distanciando-se definitivamente da arte
gótica. Entre esses artistas estava o escultor Donatello, cuja escultura de São Jorge, uma de
suas primeiras e mais célebres obras, evidencia a atenção ao estudo do corpo humano tal qual
os antigos greco-romanos, ainda que suas linhas sejam mais angulares e resolutas que aquelas
das obras clássicas. De fato, muitos artistas do Renascimento se voltaram para as esculturas
clássicas como objetos de estudo, buscando nos resquícios da arte da antiguidade, assim como
buscavam nas pesquisas científicas e nas observações da natureza, meios de promover o
renascimento humanista da arte.
Donatello, São Jorge (c. 1415-1416), réplica do original em mármore. Imagem: reprodução da
internet, direitos reservados a Zvonimir Atletic/Shutterstock.com
Sandro Botticelli, O nascimento de Vênus (1483-1485), têmpera sobre tela. Acervo Gallerie
Uffizi, Florença, Itália. Imagem: reprodução da internet, Wikimedia Commons.
Rafael, Madonna del Granduca (c. 1505), óleo sobre madeira. Acervo Galeria Palatina-Palácio
Pitti, Florença, Itália. Imagem: reprodução da internet, Wikimedia Commons.
File:Tizian 034.jpg
Ticiano, La Bella (1536), óleo sobre tela. Acervo Galeria Palatina-Palácio Pitti, Florença, Itália.
Imagem: reprodução da internet, Wikimedia Commons.
Ainda que tenha alcançado certo apogeu com os mestres italianos, a arte do Renascimento
não se restringiu àquele país. As inovações pictóricas como as que decorreram do uso
compositivo da perspectiva geométrica para causar a ilusão de profundidade não demoraram
para alcançar países mais ao norte da Europa, cujos artistas vinham de uma tradição gótica
muito mais enraizada que na Itália, mas também buscavam uma nova arte que fosse mais fiel à
natureza.
Um dos artistas que revolucionou esses esforços foi o pintor belga Jan Van Eyck (1390?-1441),
a quem é atribuído o uso pioneiro da tinta à óleo. Van Eyck é admirado pela paciência de sua
observação e representação da natureza, buscando reproduzir as minúcias de suas formas com
grande precisão. Foi justamente essa busca por precisão que o teria levado a misturar os
pigmentos de tinta com óleo, que permitia transições mais suaves de cor e retoques mais
demorados do que a tinta têmpera (pigmento em pó misturado com ovos). Uma de suas obras
mais famosas é o retrato dos noivos Arnolfini, onde o caráter realista da representação é tal
que pode ser considerado como um testemunho ou registro visual do noivado, sendo,
inclusive, assinado pelo pintor sobre o pequeno espelho que centraliza a composição e
expande seu espaço para além da própria imagem, pois reflete a figura do artista extraquadro.
Além de Van Eyck, outros artistas célebres da arte renascentista fora da Itália incluem os
alemães Albrecht Dürer (1471-1528) e Hans Holbein (1497 ou 1498-1543), e o grego que serviu
à corte espanhola no Renascimento tardio, El Greco (1541-1614).
Jan Van Eyck, O casal Arnolfini (1434), óleo sobre carvalho. Acervo National Gallery, Londres,
Reino Unido. Imagem: reprodução da internet, DASARTES
Gabriela Gotoda é pesquisadora e crítica de arte, interessada nas relações entre a produção
artística e as transformações político-culturais ao longo da história.
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Maravilhosa reportagem.
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