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Perfeitamente Teu

Janice Diniz
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Copyright© 2015 Janice Diniz

Reservados os direitos de propriedade desta edição e obra para Janice Diniz. É


proibida a distribuição ou cópia de qualquer parte desta obra sem o
consentimento da autora.
A Karla, Matheus e Bonnie com muito amor.

Em especial, às cabritas do Max, leitoras maravilhosas que moram no meu


coração.
“Pessoas feridas são perigosas. Elas sabem que podem sobreviver”.

Do filme Perdas e Danos


Sumário
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Epílogo
Capítulo 1

Matarana
Poucos anos atrás

― Vocês já notaram que na maioria dos filmes


quando aparece um patologista abrindo um defunto, ele tá
comendo um sanduíche? ― indagou Jimmy, sorrindo com
ar zombeteiro. Em seguida, ele tirou o chapéu para
permitir que o vento morno secasse o suor de sua testa e
emendou com ar crítico: ― Eu não sei o que dá nesses
roteiristas, acho que eles querem ser originais e acabam
caindo na “tribo-dos-que-querem-ser-originais” e, aí,
adeus originalidade. ― continuou: ― Isso aparece
também naquelas cenas em que os caras conversam
amenidades, besteiradas sem grandes propósitos, sabe,
como falar sobre os vários modos de se preparar ovos,
por exemplo. ― ele parou, riu-se e completou com ar
divertido: ― Um dos caras diz: “ei, prefiro ovos
mexidos, mas eles têm que cozinhar bem até soltar da
frigideira”, e aí o outro fala: “ovo frito com a gema mole
estourada por cima do arroz, é assim que gosto” e, por
último, o cabra mais caladão encerra a conversa com esta:
“minha avó fazia ovo poché, salpicava queixo ralado por
cima dele numa grossa fatia de pão preto”. E então os três
ficam se olhando e pensando nos ovos, na avó do cara e
também na sua própria infância. Uma cena linda, toca uma
música ao fundo tipo aquelas melancólicas dos anos de
1960 e o primeiro deles, o dos ovos mexidos, suspira
profundamente e baixa os olhos para esconder dos outros
a sua emoção, e é nessa parte de pura comoção que a
câmera mostra a terra vermelha caindo sobre um corpo
sendo enterrado numa cova rasa.
Jimmy parou de falar e tragou o cigarro. Endereçou
seu olhar, através das pálpebras semicerradas, de um
homem para o outro. A fumaça ardia-lhe os olhos e
estreitá-los se tornara um dos seus cacoetes.
Franco puxou as mechas longas e loiras do seu
cabelo e as trouxe para trás, amarrando-as numa tira de
elástico, fazendo um rabo de cavalo baixo.
― Não vejo mais filmes com você, nunca vi um
chato mais chato que o Jimmy, puta merda! ― disse ele
para Eric, rindo-se. ― Põe defeito em tudo! Até se o
personagem cai em câmera lenta enquanto atira... Porra,
mas é filme! Se isso fosse possível de acontecer na vida
real, seria um documentário, não é mesmo? ― debochou,
pisando firme ao socar a terra recém-despejada sobre o
buraco.
― Franco, pensa bem, ― começou Jimmy, o ar de
zombaria não abandonava o seu semblante másculo
quando seguiu a dizer: ― se o filme quer ser considerado
como realista, ele precisa contar com elementos realistas,
ok? Isso é pedir muito?
Ele esperou que Franco respondesse, mas o outro
conferia o que tinha de conferir.
― Alguém amassou bagana de cigarro aqui? ―
perguntou sério.
Instintivamente Jimmy olhou para Eric.
― E?
― Não fumei.
Franco se voltou para o outro à espera da mesma
confirmação.
Mas Jimmy apenas encarou o seu comandante e
continuou sorrindo.
― Fumou? ― o comandante insistiu.
― Acho que o nosso nível de intimidade não atinge
essa área, senhor Dolejal. ― respondeu, sério, embora os
olhos, somente os olhos revelassem o mais puro ar de
troça.
― Saiba que tudo tem que ficar realmente “limpo”,
Jim. Se por acaso a polícia resolver fuxicar atrás do
fugitivo, nem os cães ou qualquer equipamento daqueles
porras poderão encontrar esse corpo. ― falou, incisivo,
sem deixar de sorrir.
― Comi a bagana de cigarro, simplesmente fumei e
comi, apaguei o fogo na língua com a saliva, e engoli o
cigarro.
Ele viu o filho de Thales Dolejal rir muito enquanto
pegava as duas pás usadas e as carregava de volta à
caçamba da picape, balançava a cabeça para os lados
como se pensasse consigo mesmo “esse Jimmy não tem
jeito”.
Antes que Eric pegasse a sua pá e seguisse o patrão,
Jimmy o interpelou:
― Não achou graça, é? ― a pergunta foi feita de
modo seco e direto.
O pistoleiro fitou a mão grande e morena no seu
ombro e depois o encarou, soturno, dizendo mal abrindo a
boca:
― Vi quando você apagou a ponta do cigarro e o
guardou no bolso traseiro do jeans.
Jimmy o encarou por um longo momento, avaliando
a feição do outro, tentando ler a sua alma, por assim dizer.
Não obtendo sucesso, falou:
― Você é muito observador, amigo, não foi à toa
que percebeu que o nosso adubo orgânico aqui embaixo,
― bateu firme com a bota sobre a cova fechada e
continuou: ― mentia sobre não ter torturado e matado sua
ex-namorada grávida.
Eric deu de ombros com displicência e esclareceu:
― Enquanto ele negava com veemência, uma gota
de suor escorreu do couro cabeludo dele.
― Mas, cabra, tá calor, ora! ― exclamou, sorrindo
com deboche.
O outro perguntou friamente:
― Por que acha que limpei a cara do infeliz? ―
Jimmy estreitou os olhos à espera da resposta que veio em
seguida: ― O suor estava frio.
Franco achegou-se até eles.
― Vamos limpar a casa do sujeito agora.
― Certo, comandante. ― disse Jimmy, sem deixar
de encarar quem também o encarava.
Era a primeira vez que ele bancava o faxineiro. Não
fora treinado para isso, ele era um pistoleiro, e dos bons.
Limpar cenas de crime não combinava com sua
personalidade explosiva. Ali, diante de um cadáver
inchado com fluídos escapando do nariz, dos olhos e dos
ouvidos, ele precisava ser cuidadoso e detalhista e
também ficar parado no mesmo lugar por horas.
Aja saco!
― A gente tinha que matar e armazenar os corpos
num freezer, depois enterrar todos de uma vez só, daria
menos trabalho. ― sugeriu Jimmy, num resmungo mal-
humorado.
― Anota a sua sugestão no quadro de avisos do
refeitório, certo? ― ironizou Franco, já diante do volante.
― Por falar nisso, estou com uma fome do caralho.
― reclamou.
Viu quando Eric sentou no banco do passageiro,
coube a ele se ajeitar na caçamba.
O próximo alvo não foi preso em flagrante ao atirar
em um adolescente para lhe roubar os tênis. O assaltante
atirou na cabeça, foi rápido. Jimmy não viu a cena, mas
sabia que o garoto não sofreu antes de morrer. Mas havia
perdido o resto dos anos de sua vida. E também a própria
mãe que, horas depois, perdeu pra sempre a lucidez.
Jimmy pediu ao comandante permissão para matar o
assassino do garoto. Porém, Franco o delegara mais uma
vez a função de mero faxineiro.
Era fato que os Dolejal o estava pondo na geladeira,
como o povo dizia, atribuindo-lhe uma função temporária
e abaixo do seu nível para mantê-lo fora de ação.
Inutilizá-lo. Sim, talvez fosse essa a palavra mais
adequada ao caso.
Ele não era vidente. Contudo, podia apostar o seu
manga-larga roubado que os Dolejal haviam descoberto
tudo sobre o seu passado.
E isso não era nada bom.
Capítulo 2

Santa Fé
Dias Atuais

Ele tinha uma arma na mão e o cano dela


pressionava a têmpora do pistoleiro que fazia a segurança
da Rainha do Cerrado.
Vicente foi arrastado por Viegas desde a guarita
onde foi rendido inesperadamente, tinha o pescoço
envolvido pelo braço do homem que aparentava vinte e
poucos anos. O conjunto facial revelava a disposição de
cometer um ou vários assassinatos caso fosse preciso, ou
seja, se as coisas não saíssem como ele esperava. A arma
apontada para outro ser humano demonstrava não apenas a
intenção de usá-la, mas também a sua índole.
No meio do caminho entre a entrada da fazenda e o
primeiro casarão, o dos Bernard, quatro pistoleiros se
enfileiraram para não permitir o avanço de Viegas ao
interior da propriedade.
O subcomandante estava escondido, camuflado
entre as árvores que ladeavam a estradinha. E era de lá
que ele analisava a situação. Ainda não era possível saber
se Viegas agia sozinho ou se tinha companhia. Um homem
com juízo na cabeça jamais entraria naquela fazenda sem
uma tropa bem treinada. Ou, pelo menos, protegido no
interior de um tanque de guerra.
Antes de tomar qualquer decisão avisou o seu
comandante e, quando o fez, não pensou apenas com o
cérebro e sim também com o coração. Ele jamais deixaria
algo ruim acontecer com Lolla Bernard Romano.
Apertava com força o celular na mão quando a
ligação se completou e tudo que disse foi:
— Proteja a Lolla. Fomos invadidos!
A voz de Lorenzo soou tão fria quanto à de alguém
disposto a queimar mais um ou dois armazéns:
— Quero o Vítor protegendo os meus filhos, e
chama os brutos que já estou chegando aí.
— Eles já foram avisados e estão de prontidão junto
aos casarões. — rebateu, baixinho e seguro, o olhar atento
à cena tensa que se desenrolava num plano a poucos
metros de si.
Pôde ouvir com nitidez a voz de Lolla e ela parecia
que chorava. Sentiu seu coração se apertar. Mas ele sabia
que o comando estava nas mãos de um homem que havia
nascido para vencer.
— Não economiza na munição, Jimmy. — ordenou-
lhe Lorenzo Romano.
Havia uma conexão entre ambos que, muitas vezes,
as palavras eram dispensadas. Como naquele momento,
por exemplo, quando Jimmy destravava a sua Glock,
olhando com desprezo e raiva o cretino que se atrevera a
desafiar os pistoleiros de Santa Fé.
— Sim, comandante, todos serão abatidos. —
respondeu determinado e muito puto da vida.
Quando Jimmy ficava desse jeito, com sangue nos
olhos, quase sempre a terra recebia mais um corpo.
A questão era que ele ainda não sabia se Viegas
havia invadido sozinho a propriedade ou com um bando.
Por isso achou melhor certificar-se antes da real situação.
O invasor fez o favor de revelar suas intenções ao
ver o caminho em direção ao casarão dos Bernard
parcialmente bloqueado:
— Se não saírem da minha frente, vou fazer chover
bala no amigo de vocês aqui. — bradou, apontando para o
segurança.
Um dos pistoleiros, que se chamava José, rebateu
de imediato:
— Você vai morrer! Não negociamos com bandido.
— Mas antes levo esse camarada comigo.
Jimmy se manteve detrás do grosso tronco de uma
árvore, observando a feição obstinada de Vicente, o cano
da pistola contra a sua têmpora e ele não deixava
transparecer emoção alguma. Era um cabra de valor,
considerou, esgueirando-se pela clareira adentro a fim de
retornar à primeira casa-sede, a de Max.
Puxou o radiocomunicador da cintura e ordenou ao
seu imediato, Vítor.
— Fica com os gêmeos.
— Sim, senhor. — concordou e, em seguida,
emendou: — Acabei de receber o retorno dos nossos
homens, e o Viegas está agindo isoladamente. Repito:
isoladamente, subcomandante.
Vince e Lorenzo haviam organizado a segurança da
Rainha do Cerrado, distribuindo os pistoleiros em pontos
estratégicos ao longo dos milhares de hectares, nos
chamados pontos-cegos os quais fugiam à vigilância das
câmeras.
Ainda assim, Viegas conseguiu adentrar a fazenda
armado e fazendo ameaças como o bandido cretino que
é, considerou Jimmy, pensando também que se não fossem
as câmeras na guarita de Vicente, o invasor conseguiria
chegar até o jardim do casarão dos Bernard. E era lá, na
pracinha, que estavam Lake e Leonardo com a pequena
Ava, Maria e o casal Bernard, já que os Romano haviam
retornado às suas casas após a comemoração do
aniversário de Lana.
Desviando dos galhos mais baixos e das raízes
grossas, expostas acima do solo, ele assimilou a
informação de que o traficantezinho entrara na fazenda
somente com a cara e a coragem, coragem essa na forma
de uma pistola.
E, agora, Viegas tinha um refém.
Não podia se dar ao luxo de ficar no meio do mato
filosofando, pensou Jimmy. Precisava voltar e acabar com
a festa do filho da puta. Tencionava não sacrificar a vida
de Vicente, mas jamais deixaria que Viegas avançasse
para o interior da fazenda e fizesse um dos Bernard como
refém.
Antes de chegar à sua posição inicial, detrás da
árvore de onde conseguia uma boa mira para abater o
alvo, ouviu o ronco de uma Silverado.
Era Vince Romano, o articulador dos brutos,
considerou Jimmy, mas também ele era aquele que, ao
longo dos anos como policial e justiceiro, acumulara uma
pilha de corpos alvejados e mortos pela sua arma.

***

Dinho Romano parou diante da mãe e tudo na


expressão de seu rosto dizia que ela não deveria seguir
em frente:
— Não, daqui você não passa!
Valentina trazia consigo uma AK-47, os braços nus
seguravam a portentosa arma, o vestido vermelho
esvoaçava mostrando seus joelhos. Ela tinha o olhar de
uma matadora, o canto dos lábios demonstrava o que
sentia naquele momento: extrema repulsa e extrema
obstinação.
— Você não tem esse direito, sai da minha frente
que vou com seu pai!
— Mas não vai mesmo! A gente sabia que a senhora
e a tia Pink pegariam as armas assim que algo drástico
novamente acontecesse. — afirmou Dinho, determinado.
— Daqui, dessa porra de alpendre, a senhora não passa!
— Não tente! Não vou deixar meu homem se meter
nessa sozinho! — Valentina chorava, gritava por dentro,
mas ninguém iria vê-la abatida assim, por que
simplesmente ela não estava abatida.
Ela era uma guerreira.
E foi Zoe quem percebeu.
— Tia, o pai e os pistoleiros, assim como o
Lorenzo, estão se deslocando para deter o Viegas. É certo
que ele não avançará fazenda adentro...
Valentina interrompeu a afilhada e nora
bruscamente:
— Ele já avançou! O corno tá dentro da Rainha do
Cerrado! — gritou com raiva. — Aqui! No nosso mundo
seguro, no nosso clã impenetrável! Ele corrompeu a nossa
paz!
Viu quando o gogó do filho subiu e desceu e seus
olhos se avermelharam, as palavras haviam-no tocado
fundo. A Rainha do Cerrado era o lar de muita gente, mas
para o seu filho era a extensão do seu organismo, o
oxigênio que lhe chegava aos pulmões, o amor para toda a
vida.
Muito mais do que um simples lar.
— Eu sei, mãe. — disse ele, emocionado, e
continuou: — Mas a senhora é importante demais pra se
machucar. Sinto muito. — afirmou sem sentir muito e, com
um gesto ágil, confiscou-lhe a arma e disse taxativo: —
Agora quem manda na propriedade são os brutos, a
hierarquia de sangue não mais existe, então a senhora
voltará para casa e ficará com a vó.
Ele a olhava com altivez, o seu filho de vinte e
poucos anos com rostinho de anjo loiro.
— Dinho... — tentou ameaçá-lo.
— Não me faça mandar novamente, pois tenho
ordens de levá-la de arrasto para o quarto e trancá-la,
ordens inclusive do presidente do QG, ou seja, do senhor
seu marido. — determinou, inflexível.
Então Valentina encarou-o duramente e disse:
— Se acontecer alguma coisa com seu pai, por
Deus, Dinho, jamais o perdoarei!
Ela falava sério.
O olhar se prolongou por vários segundos enquanto
sua boca se apertava a fim de conter a raiva que sentia por
ter suas ações controladas.
— Estamos preparados para tudo, mãe! Confie nos
brutos.
Ele falava sério.

***

Max encontrou sua esposa municiando a espingarda.


Observou a expressão de seu rosto e, por mais que ela
fosse linda, aquela carranca dos infernos deformava seus
traços femininos.
Rochelle estava disposta a se juntar aos pistoleiros.
Ela se voltou para ele e avisou:
— Vou ficar no alpendre com essa porra e atirar no
primeiro que tentar se aproximar da nossa família!
Ele sentiu o peito inchar de angústia.
— Rochelle, minha filha, você vai acabar matando
um dos nossos. — tentou amenizar o drama todo.
— Vai te foder, ninguém entra aqui! Arranco a
cabeça do filho da puta. — falou, entredentes.
Ele se aproximou para abraçá-la, mas ela o
empurrou.
— Estou aqui e serei eu quem a protegerei e a nossa
família. — foi duro e seco.
— Vou proteger você também, Max. Já disse,
ninguém vai tirar você da minha vida! — agora ela
gritava.
Max fez nova tentativa, conseguindo, dessa vez,
tocá-la na face ao dizer com suavidade:
— Somos guerreiros, minha cabrita, não mais
simples vaqueiros que, de vez em quando, limpavam o
lixo da cidade.
— Ainda assim, um guerreiro mortal. Mortal! —
repetiu, a voz cheia de dor.
— Minha mortalidade serve para me dar a real
dimensão da minha força, o meu coração mortal te guarda
dentro dele e, por isso mesmo, tem que continuar a bater.
— declarou sério, puxando-a enfim para um abraço.
Continuou ao sussurrar-lhe à orelha com um tipo de
irreverência que incluía uma dose de sadismo: — Além
do mais, o Jimmy acabou de confirmar que apenas um
homem, ou melhor, um jegue chamado Viegas, entrou na
fazenda fazendo ameaças, tá com o cu apertado fugindo
dos bolivianos. Penso então que será uma diversão extra
para os brutos essa questão pendente, já que a Lana não
quis o show de mágica no seu aniversário.
A esposa o encarou sondando o seu olhar e, se a
calmaria expressa na voz combinava com o resto do
semblante, com os olhos, por certo, o tom do azul
revelaria a verdade.
Max sorriu, permitindo-se ser investigado.
— Você minimizaria a situação para me poupar? —
indagou, incerta, olhando-o com intensidade.
— Não mais, Rochelle. Se me serviu pra alguma
coisa aquela merda de emboscada, foi para aceitar de uma
vez por todas que tenho uma She-Ra do meu lado. —
sentenciou, todo orgulhoso.
Ela ainda estava tensa, ele podia sentir, quando o
abraçou.
— Temos que usar o Viegas para mandar um recado
aos outros que tentarem se meter conosco. — afirmou
convicta.
Max concordou levemente com a cabeça e, enquanto
a beijava nos cabelos e acariciava-lhe as costas como que
a consolando, assimilava o teor do que ela havia-lhe dito.
Esperava que Rochelle acabasse pedindo para que os
confrontos terminassem e o QG fosse fechado. Podia até
entender que não quisesse mais ver tantos pistoleiros pela
fazenda e que esboçasse a preferência pelo tempo em que
somente eram vistos vaqueiros e demais funcionários. E
ninguém andava armado. A não ser, Vince, que fora
policial.
Mas então Rochelle Bernard solta uma dessas!,
pensou, sorrindo de orelha à meia orelha.
E ela estava coberta de razão.
***

Lolla segurava a mão de Lorenzo enquanto voltavam


pela trilha no meio do mato, deixando o rio para trás e
também a paz daquela tarde de domingo.
As costas do marido estavam eretas, o pescoço
altivo e a linha de sua cabeça mostrava que ele olhava
para um ponto à frente um tanto acima da vegetação
rasteira e bem abaixo das copas das árvores: ele então
olhava reto, sem piscar, e ela tinha certeza de que o que
via era o futuro.
— O Viegas é irmão do Ned, né? — perguntou-lhe,
cuidando para não tropeçar numa raiz, já que suas pernas
estavam trêmulas, e Lorenzo praticamente a arrastava pelo
mato com suas passadas largas.
Viu-o puxar a aba do chapéu de vaqueiro pra baixo
e, em seguida, parou e se voltou para ela, pegando-a no
colo e a pondo dobrada sobre um ombro.
— Desculpa, minha Lolla, mas você tá me
atrasando. — o tom era de leve diversão.
O que a pegou de surpresa. Era estranho que ele
estivesse tão calmo se minutos atrás dera ordem a Jimmy
para abrir fogo.
— É só deixar o soldado lerdo pra trás, ora. —
reclamou e, depois, resolveu não levar a sério a sua
própria reclamação, concentrando-se em algo mais
importante: — Tem certeza de que o Viegas não vai atirar
em ninguém? Digo, ele tá doido, desesperado... Porra, o
cara INVADIU uma fazenda cheia de pistoleiros... Tá me
parecendo um plano suicida, mas aquele tipo que leva um
monte de gente junto com o suicida... Entende? — falou,
fitando a parte detrás do jeans de Lorenzo, embarrada com
respingos da terra vermelha que havia secado no tecido.
— Entendo, amor, mas ele não irá muito longe.
— Como você sabe?
— O nosso subcomandante resolverá da mesma
forma que eu resolveria.
— Imagino que não seja negociando através de
argumentos racionais.
Ouviu-o lançar uma risadinha baixa e rápida.
— Quando um cabra entra numa fazenda em que só
tem macho armado, bem, ele não pretende
necessariamente conversar, não é mesmo? — ironizou.
Ela bufou.
— Meu sangue tá indo todo pra cabeça, estou
tonta...
Levou uma palmada na bunda em resposta, do tipo
estalado que ecoou na clareira, uma vez que eles haviam
chegado à picape.
Ele a pôs no chão.
— Gostei muito do banho de rio com minha esposa
safada. — falou, com um sorrisinho.
Ela o olhou entre intrigada e incrédula.
— Há poucos minutos você estava puto da cara e
agora consegue até fazer piadinha.
— Não é piadinha, — ele aproximou os lábios dos
dela, mas não a beijou, apenas disse bem baixinho: — é
um elogio, você é uma safada que amo pra cacete. Mas
não vou deixar de lhe contar uma piadinha, não. —
afirmou com um sorriso charmoso e prosseguiu: —
Imagina um traficantezinho de merda invadir a fazenda do
comandante dos pistoleiros de Santa Fé a fim de
chantageá-lo para se proteger dos seus antigos
fornecedores de drogas da Bolívia. E é assim que começa
a piada. O que o Viegas precisa é de dinheiro e de um
avião para se mandar. O cara chega com sua pistola, um
olhar raivoso e uma garganta áspera cuspindo palavras
ameaçadoras. E nada mais. Sozinho, de carne e osso, sem
colete à prova de balas, sem capacete blindado, e eu vou
lhe dizer mais, mulher linda, estou é rindo por dentro. A
tensão cabia ao não saber a localização do indivíduo,
imaginei inclusive que o refém fosse o Lake ou o
Leonardo, o que seria cruel demais, mas também bastante
produtivo para o camarada, já que eu daria tudo,
absolutamente TUDO, para ele não fazer mal aos nossos
filhos...
Ela sentiu o chão abrir debaixo dos pés.
— Você disse que isso era impossível de acontecer,
você disse... — acusou-o.
— Nada é impossível. Mas acredito que o tio Max
acabaria com o Viegas antes de ele cruzar o alpendre e, se
ainda assim, ele sobrevivesse, a tia Pink terminaria o
serviço. — afirmou, taxativo.
— Então vocês pretendem matar o refém? —
indagou num fiapo de voz, vendo uma luz metalizada raiar
no azul quase branco que era a cor dos olhos de Lorenzo
quando ele estava em paz.
— Não.
— Não senti firmeza nesse seu “não”.
Ele sorriu e, enquanto abria a porta da picape para
ela, disse-lhe sem ênfase especial na voz:
— O tio Vince é um excelente negociador.
O tio Vince, como Lolla bem o sabia, era um
péssimo negociador. Tinha pavio curto e dedos rápidos
para sacar sua arma e atirar.
— Vocês não podem matar o Viegas.
— E por que não? — indagou, interessado,
afivelando o cinto nela.
— Vão comprar briga com os caras para os quais o
idiota deve dinheiro, acho que esse sim é um bom
argumento.
— Ah, é mesmo. — considerou Lorenzo com um
sorrisinho.
Antes que ele se afastasse para contornar o veículo
e assumir o volante, ela o puxou pela camisa.
— Volta aqui, marido, conheço esse seu sorriso do
capeta! Abre o jogo comigo! — pediu num tom de ordem.
Ele voltou e pôs a cabeça no vão da janela. Lolla
imediatamente baixou o resto do vidro para ouvi-lo falar
com ar de troça:
— O Franco e os pistoleiros de Matarana atraíram o
chefão da família Santana para uma emboscada. Ele e os
seus capangas viraram peneiras humanas de tanta bala que
receberam no corpo. — sorriu e continuou: — Thales
mandou que o corpo do traficante fosse exposto na praça
pública da cidade onde era o reduto dos Santana na
Bolívia, bem do jeito que ele faz em Matarana: mostrando
ao povo para onde vai o dinheiro dos seus impostos. —
ironizou.
— Então não seremos mais atacados por traficantes
armados até os dentes? — perguntou, segurando o ar nos
pulmões.
Ele arqueou uma sobrancelha ao responder:
— Mas se sobraram só os dentes, senhora Romano,
como poderemos ser atacados? — respondeu com
superioridade e, de certo modo, prazer.
— Então o Viegas tá frito. — constatou para, em
seguida, receber um beijo na ponta do nariz e observar
Lorenzo Romano contornar a picape enquanto assobiava
Ich Will, o seu hino particular.

***

A tarefa de Vince Romano era muito simples:


distrair o alvo.
Assim que ele desceu da picape e ajeitou o chapéu,
que escorregava para trás, esquadrinhou o que tinha diante
de si.
Viegas havia obrigado o grupo de pistoleiros a se
desarmar. Revólveres e pistolas no chão. Os homens
afastados do invasor em silêncio e imóveis. O refém
suando tanto quanto o seu raptor.
Vince sentia um gosto amargo debaixo da língua. E
era o sabor do ódio. Durante anos caçara esse tipo de
gente, bandidos do tráfico, bandidos de modo geral,
abatera-os em suas casas, na zona de prostituição, no
lugar que fosse, mas bem longe da Rainha do Cerrado. E
depois os enviara para a Bolívia... Duas pedras
amarradas ao corpo e o fundo do rio. Agora o submundo
invadia o seu lar e trazia a maldade e o pavor para a vida
das mulheres em que nele viviam.
Hoje então era o dia do acerto de contas e do ponto
final. Assim como em Matarana se deixava claro que era
fatal se meter com os Dolejal, em Santa Fé, a mesma regra
se aplicaria aos criminosos locais e internacionais: a
bandidagem não teria mais vez enquanto os Romano e
Bernard protegessem a cidade. O acerto de contas com a
traição de Ned se reverteria no confronto com seu irmão.
E o ponto final se daria ao mostrar a Santa Fé inteira que
aquela terra era a terra dos brutos.
Vince sentiu o vento morno roçar nos seus maxilares
com barba por fazer, olhou ao redor e só precisou de dois
ou três segundos para admirar a vastidão de terras que se
perdia para além daquele ponto.
Aproximou-se dos pistoleiros acuados, tinha os
polegares enfiados no cós dianteiro do jeans, postura essa
que denunciava a sua naturalidade e autoconfiança diante
de um fodido armado.
— Se atirar no Vicente, morrerá junto com ele. —
afirmou, impassível, olhando Viegas nos olhos. — Ao
passo que se libertá-lo, poderemos considerar duas
opções: a primeira... — ele levou o indicador ao polegar
da mão oposta começando uma enumeração: — você se
entrega numa boa e eu o levo à delegacia juntamente com
o Magno. Por certo, serão enviados ao presídio com uma
condenação de poucos anos que cumprirão metade dela e
voltarão a foder com a vida dos cidadãos de bem. Aí, um
dia, eu e o Max o reencontraremos para mandá-los pra
Bolívia.
Viegas o interrompeu:
— Nunca que eu vou pra Bolívia, cau-bói! —
exclamou com arrogância e menosprezo, apertando o cano
da arma contra a cabeça de Vicente.
Vince entortou o canto do lábio num esgar de
resignação.
— Então só lhe caberá aceitar a nossa segunda
opção...
— Que é a “me traz quinhentos mil e um avião para
eu me mandar para a Colômbia”, essa é que é a opção
mais inteligente. Sei que o Vicente é funcionário das
antigas, vaqueiro, tem família morando aqui, não finjam
que não se importam com a vida dele, porque não vai
colar pro meu lado, o Magno já me passou tudo sobre
vocês, os tais brutos, brutos de coração mole, que
palhaçada! O único bruto aqui é o psicopata do Lorenzo,
mas cadê ele afinal? — debochou, os olhos arregalados e
as narinas para trás.
Vince tirou a carteira de cigarros do bolso da
camisa, pegou um deles e o pôs no canto da boca. Não o
acendeu por que estava tentando parar de fumar. Queria
ganhar tempo, isso sim, para tomar uma decisão que
acabaria de vez com aquela chateação.
Cravou seus olhos mansos na agonia esverdeada
que eram os olhos do traficante e falou:
— A segunda opção. Eu teria curiosidade sobre ela.
Viegas riu um riso grosso.
— A única opção que me interessa é aquela em que
saio daqui em segurança e com dinheiro.
— Então assim será, rapaz, sairá daqui. — disse
Vince, ajeitando o chapéu num maneirismo que
demonstrava sua resignação ao fato.
— Até parece! — exclamou o outro, desconfiado,
olhando para os lados. — Quero AGORA a porra do
dinheiro! Não tentem me...
Rápido. Agudo. Seco.
O círculo escuro parecia um pingo de sujeira no
meio da testa de Viegas.
Ele caiu de costas no chão.
Vicente conseguiu se desvencilhar do braço que o
envolvia pelo pescoço e correu em direção aos demais
pistoleiros. Mais tarde, no refeitório, ele lhes diria que
sentira o ar tépido do deslocamento veloz da bala passar
por sua orelha.
Vince aproximou-se do corpo de Viegas e o virou,
deixando-o de bruços. O ponto escuro na testa equivalia,
na parte detrás da cabeça, a um buraco do tamanho de uma
laranja, expondo os miolos ensanguentados em meio ao
esfarelamento do crânio.
Percebeu a chegada do atirador quando duas botas
gastas pararam ao seu lado.
— Somos brutos de coração mole, sim, Viegas. —
aceitou o que parecia uma ofensa tomando-a como um
elogio. — Mas não temos nenhum bruto psicopata entre
nós. — e, pondo-se de pé para estender a mão ao atirador,
completou: — O que temos é um bruto sniper.
Jimmy estendeu o braço e apertou a mão do
presidente do QGB.
Capítulo 3

Vince e Max ocupavam as extremidades da mesa no


escritório do quartel-general.
A ordem do dia se referia à permanência de Magno
na fazenda ou o seu envio de volta a Matarana ou à
Bolívia, a de Vince Romano.
Todos os brutos estavam presentes, inclusive Zoe e
Jimmy. O subcomandante sentou-se ao lado de Dinho, que
o seguiu com o olhar até ele tirar o chapéu, deixá-lo sobre
a mesa com os demais e jogar o corpanzil na cadeira.
O presidente do QGB terminou de tragar o seu
cigarro e calmamente disse:
— Já estamos há algum tempo alimentando o
Magno, agora temos que nos decidir sobre o que faremos
com ele.
— Os bolivianos se foderam nas mãos dos
pistoleiros de Matarana, lá mesmo na fronteira, a
importância dele acabou de despencar. — argumentou
Max antes de sorver um gole do seu uísque.
Jimmy observava a todos com bastante atenção.
Lorenzo ponderou a respeito por alguns minutos e
deu a sua opinião:
— De minha parte, podemos devolvê-lo a Arco
Verde e acatar as determinações dos Dolejal. O Magno
era pistoleiro deles emprestado para nós.
Ali, no QG, o comandante decidia tanto quanto os
demais. Contudo, a sua função de liderança estava abaixo
dos dois presidentes, os brutos mais velhos.
— E desconsiderar que ele o traiu? — perguntou
Jimmy, o olhar duro cravado no comandante.
— Erramos ao aceitá-lo na tropa. Na verdade, fui
eu quem errou. Ele só fez o que é da natureza dele, tirou
proveito da situação. — ponderou Lorenzo.
— O que lhe aconteceu, comandante? — Jimmy
indagou com acidez, estreitando as sobrancelhas e
inclinando o corpo pra frente. — O cabra quase acabou
com a vida de todos vocês e, ainda assim, quer poupar a
dele?
Viu quando Zoe ajeitou uma mecha de cabelo atrás
da orelha, um gesto delicado e feminino, que não
combinou com o que disse a seguir:
— Ned e Viegas foram punidos, então o Magno
também tem que ser. Ele praticou o mesmo crime.
— Também sou dessa mesma opinião, moleca, —
começou Dinho, do outro lado da mesa, de frente para a
esposa. — mas o Magno vem de família influente, não
podemos dar cabo dele e enterrar o corpo como se nada
tivesse acontecido. A família vai mandar detetives aqui e
pressionar a polícia para encontrá-lo. Vão acabar ligando
os últimos dois desaparecimentos, os de Ned e Viegas,
unirão todos os pontos e possivelmente conseguirão
mandados para vasculharem a Rainha do Cerrado.
Foi a vez de Vince interromper o filho:
— Ninguém tá enterrado nas nossas terras.
— Drenarão o rio, pai. — lembrou-lhe com cautela.
— Nem assim.
O caubói loiro franziu o cenho, buscando a
explicação do pai com um olhar interrogativo dirigido a
ele.
Ao que Max respondeu sem deixar de sorrir o seu
melhor sorriso sabichão:
— Nossa técnica tá se aperfeiçoando, Dinho. Agora
nós desmanchamos os alvos mortos num grande barril com
coisa química... — ele se voltou para Vince e indagou: —
Qual é o nome do treco que desmancha tudo?
— Ácido sulfúrico.
— Aprenderam com o Klein? — perguntou Lorenzo,
sorrindo.
— Pois é, filho, nada como usar as armas do mal
para se fazer o bem. — ironizou Vince; em seguida,
argumentou: — O “desmanche” demora um pouco, mas
funciona.
— Com isso, presumo que estou autorizado a matar
o Magno. — afirmou Jimmy, determinado, olhando para
cada um nos olhos.
— Vamos abrir votação, ok? — decidiu o
presidente com um olhar de troça. — Quem quiser enviar
o Magno de volta a Matarana e deixar a punição a critério
dos Dolejal pode dizer um NÃO. Mas quem acha que o
correto é o Magno pagar pelo o que fez aqui na Rainha do
Cerrado, fala SIM.
Todos votaram pelo “sim”.
Max fez uma observação bastante perspicaz:
— Teremos que fazer uma segunda votação. — ele
pegou o martelo e continuou: — O Magno será julgado e
sentenciado pelos brutos. Agora, vamos decidir a sua
pena. Como sabem, ele traficava drogas, além de ter
traído o comandante aqui. Portanto, o código penal dos
brutos estabelece pena de morte para casos que envolvam
assassinato, tentativa de assassinato, pedofilia, sequestro,
estupro e, bem, tráfico de drogas. Todos concordam que
ele deva receber a pena máxima?
Max ergueu o martelo no ar à espera.
— Acho que temos outro SIM. — declarou Zoe,
olhando para cada bruto à mesa.
Todos assentiram concordando com ela.
E Jimmy encerrou a reunião com uma afirmação
obstinada:
— Eu executarei a pena.
Ninguém disse não.
Max bateu o martelo e encerrou a reunião, selando o
destino do traficante.
Capítulo 4

Lorenzo notou a mesa arrumada no terraço da


cobertura. E esse detalhe já evidenciava que Natan
receberia visita masculina. Retesou os maxilares,
contrariado, imaginando em que tipo de encrenca ele se
meteria desta vez.
Parecia que seu pai gostava de ser enganado,
iludido e usado.
Não estava preparado para descobrir que voltara a
namorar, depois de ter terminado com o tal Michel. Era
verdade que Lorenzo também não gostava do tipinho.
Possivelmente o seu pai passaria a vida inteira tentando
se acertar com alguém. Só esperava que no processo não
fosse espancado novamente ou roubado.
— O que a gente faz com um homem que não tem
juízo? — perguntou Lorenzo, apontando o dedo em
direção ao lugar onde supostamente haveria um jantar
romântico.
Natan revirou os olhos, mas não deixou de ir até o
filho e puxá-lo para um abraço.
— Homens assim precisam de muito carinho do
filho! — exclamou, de modo exagerado.
Lorenzo não retribuiu o abraço. Às vezes se cansava
de cuidar da integridade física e emocional de outro
adulto. Parecia que aconselhava as paredes.
— Depois quero saber quem é o seu namorado. —
declarou com secura, afastando-se do outro.
Foi até o aparador de mármore e deixou o chapéu,
entrando em seguida no terraço.
— Você veio aqui para conversarmos sobre a minha
vida afetiva? — a voz era irônica e um pouco magoada.
Ele analisou todo o conjunto: a toalha sofisticada,
as taças de cristal, os talheres de prata, os pratos de
porcelana e os dois castiçais com velas.
Puta merda, o cabra já tá apaixonado de novo!,
constatou entre irritado e resignado. Não havia muito que
se fazer. A partir do momento em que o pai se apaixonava,
contraía na sequência uma virose que o deixava surdo e
com lesão cerebral.
Voltou-se para ele, que o observava da soleira da
porta dupla de vidro, e desferiu à queima-roupa:
— Por que ainda mantém o Eric como seu
segurança?
— Porque ele é um excelente profissional. —
respondeu sem hesitar.
— Ele é um espião dos Dolejal, pai. Infiltrou-se na
nossa família para nos vigiar. — declarou secamente.
Natan foi até a amurada do terraço e, para ganhar
tempo, examinou a paisagem recortada pelo horizonte que
começava a receber as cores pungentes do anoitecer.
— Me sinto seguro com o Eric, Lorenzo.
— Posso arranjar outro guarda-costas pra você. —
determinou, fitando as costas eretas do pai, vestido na
camisa social azul turquesa. — O Vítor, por exemplo, é o
braço direito do Jimmy, um cabra completamente
confiável.
— Confio no Eric.
— Mas eu não confio nele e não o quero perto do
senhor, tampouco infiltrado na nossa família quando o
acompanha até a fazenda. — declarou com rispidez.
Viu-o erguer a cabeça como se puxasse o ar para
reter alguma emoção que não quisesse evidenciar. E isso
incomodou Lorenzo. O pai estava escondendo algo dele.
— Sou um homem adulto, e existe um limite
tolerável para a preocupação de um filho. — virou-se e o
encarou, dizendo com dureza: — Você agora tá casado, é
pai de família, e precisa respeitar o meu espaço. Se eu
quiser fazer mais uma loucura, o direito é meu. Toda vez
que me ajudou foi por que você mesmo quis. Nunca pedi
nada. Sofro minhas quedas sozinho e me levanto também
sozinho, esse é o meu lema.
Lorenzo trincou os maxilares.
— Sinto muito que pense assim.
— Tem pena de mim, é isso? — indagou com
menosprezo. — Esse seu excesso de zelo me parece mais
com controle do que cuidado, se quer saber.
— Pensa o que quiser. — insinuou um bater em
retirada, mas não o fez. — O que lamento é que precise
cair para aprender, da última vez a queda o encheu de
hematomas. — constatou, amargamente.
— São os meus hematomas, filho, e você não pode
percorrer a minha estrada com os seus pés nem me levar
no colo para evitar que eu me machuque. — irritou-se.
— É isso que nos separa, ou melhor, é essa sua
atitude de entrega total aos seus namorados que ergue um
muro entre nós. Toda vez que você encontra o “homem da
sua vida” mais nada ao seu redor importa. Fica obcecado,
maluco e cego, e na maior parte das vezes nem é amor; é
fogo no rabo. — sentenciou com frieza, vendo o outro se
retrair.
Natan esboçou um sorriso triste.
— Me perdoa por não ser fodão como o seu tio
Vince.
— Ninguém nasce “fodão”, pai. — arqueou uma
sobrancelha ao fazer a afirmação, encaminhando-se em
seguida para a sala.
Quando a estridente campainha soou, Natan deu uma
corridinha até o hall de entrada, mas não abriu a porta.
— Espera, filho!
Havia um tom de urgência na voz, que despertou a
desconfiança do caubói.
— Não vai me apresentar ao “dito cujo”? —
indagou irônico.
— Claro que sim, mas acho que não é o meu
namorado que chegou.
Natan ofereceu-lhe um frágil sorriso, do tipo
nervoso ou ansioso, Lorenzo não era tão bom na leitura de
almas como os seus tios.
No minuto seguinte, ele estava frente a frente com
Eric Loredo.
O pistoleiro de Matarana não esboçou reação ao vê-
lo, tirou o chapéu ao passar pelo seu cliente e protegido e
foi tudo que fez.
Havia entre os dois homens altos e extremamente
viris uma aura de rivalidade como quando se colocavam
dois peixes beta num aquário. Era um perigo deixar sob o
mesmo teto pistoleiros rivais.
O mais jovem avançou um passo, seu semblante
demonstrava frieza e autocontrole, embora no fundo de
sua alma ondas gigantescas erguiam-se espumando nas
bordas a fúria controlada.
— Não pensa que entrará novamente na Rainha do
Cerrado. — falou de um jeito manso, segurando firme as
rédeas do seu gênio.
Eric assentiu levemente com a cabeça,
concordando, os olhos se mantiveram no rosto de
Lorenzo, analisando-o, por certo.
Por fim, ele disse num tom bastante profissional:
— A segurança do seu pai é a minha prioridade.
— Estou de olho em você.
— Tudo bem.
Lorenzo avançou mais um passo e parou bem perto
do rosto de Eric.
— Você me conhece, sabe que não gosto de brigar,
minha preferência é por outra atitude, ainda assim, já
rolamos no braço. Portanto, não desafie a minha
paciência. Faça o seu trabalho de segurança e esqueça que
é um dos capachos de Thales Dolejal, certo, a-mi-go?
— Como quiser. — mal descolou os lábios para
falar, encarando o filho de Natan.
O comandante puxou a aba do Stetson preto para
baixo, deixando descoberta a linha dos seus olhos tão
gelados e azuis quanto à pele de um cadáver e sentenciou:
— E não se aproxime do meu subcomandante. O
Jimmy tem licença para te matar, Loredo, licença e a
minha benção, se quer saber. — concluiu, mordaz.
— O Jimmy não tá na minha mira.
Lorenzo bateu a porta atrás de si sem ouvir a
declaração do pistoleiro e tampouco se despedir do pai.
Um dia eles teriam a mesma relação que Vince e
Dinho, talvez algum dia.
Talvez nunca.
Capítulo 5

Natan admirou a figura máscula do pistoleiro no


meio dos móveis caros que decoravam a sua sala. Notou
que Eric havia-se barbeado e, ainda assim, apresentava
um tom azulado nos maxilares, queixo e acima da boca. O
cabelo estava cortado e penteado, detalhe que também
percebeu depois de vê-lo tirar o chapéu e segurá-lo na
mão, deixando o braço solto displicentemente largado ao
longo do corpo.
Viu quando Eric avaliou por cima todo o ambiente,
era uma investigação sem muito cuidado, apenas um
“varrer de olhos”.
Quando os dois enfim se encararam, antes de tudo
que viria a seguir, Natan sentiu uma agitação incomum
dentro do peito e era como se o seu coração acabasse de
criar asas mas, ainda assim, não quisesse voar.
— Andou sumido. — não queria começar a
conversa com uma cobrança, acontecia apenas que as
palavras haviam desaparecido de sua mente, as melhores,
pelo menos.
— Precisava resolver umas coisas antes de
continuar trabalhando pra você. — justificou sem
qualquer inflexão especial na voz.
— Ah, certo, tudo bem. — disse, sem jeito. Apontou
para o terraço e, enquanto se encaminhava para lá,
acrescentou num tom jovial: — Preparei um jantarzinho
pra nós. Na verdade, fiz uma encomenda, sou péssimo na
cozinha.
Eric acompanhou-o de perto, caminhava devagar
ganhando cada centímetro do espaço entre ambos, parecia
agora que analisava tudo ao redor e até mesmo seus
próprios pensamentos. O semblante sério era como uma
porta de aço fechada para quem quisesse ler a sua mente e
investigar os seus sentimentos.
— Ainda bem que parou de chover... — comentou
Natan tolamente. Depois se voltou para o aparador junto à
mesa e falou: — Carneiro ao molho de amêndoas. —
endereçou um olhar ansioso ao pistoleiro e indagou com
um esboço de sorriso: — Acertei no prato?
A feição do caubói era tão fechada e circunspecta,
que Natan considerou a possibilidade de ele estar zangado
ou preocupado com algo. Havia tensão no ar, tensão
sexual, intensa, quase palpável.
Ele não queria pensar agora em todas as vezes que
amou, em todas as vezes que se jogou de um penhasco por
amor, em todas as vezes que rezou para ser amado por
quem ele amava, não, ele não queria pensar...
Queria Eric.
Suspirou profundamente, fitando seus sapatos
franceses pouco abaixo da barra da calça social.
Precisava se controlar, pois estava prestes a declarar seu
amor ao pistoleiro de Matarana e nem fazia ideia do que
aconteceria a seguir. Eles haviam-se beijado, era verdade,
naquele mesmo terraço, pouco mais de um mês atrás. E
depois Eric pedira um tempo para se organizar e retomar
o trabalho.
Lorenzo tinha razão: ele era um idiota iludido.
Fitou as próprias mãos, frias e trêmulas, ao dizer
num fiapo de voz ao homem que amava loucamente:
— Entenda tudo isso como um jantar de negócios.
Precisamos tratar dos seus vencimentos.
Isso mesmo, junte toda sua dignidade. No final do
dia é tudo que lhe resta.
— Odeio carneiro. — afirmou Eric, sem sorrir,
olhando-o diretamente.
— Ah, que merda. — rebateu Natan, desanimado.
— Não acerto uma! — endereçou um olhar desolado para
a travessa de prata com a carne e, voltando-se para o
convidado, emendou num tom esperançoso: — Tenho
lasanha congelada, serve? Quer dizer, não vou servi-la
congelada...
Eric avançou dois passos.
— Chega com isso. ​— ordenou.
— Certo. — resignou-se, sem entender o que Eric
queria.
O que Eric queria?
— Odeio quase tudo.
— Nossa, que vida amarga.
— Odeio amargura.
— Uau, você se superou!
— Odeio histórias de superação.
— Não sei mais o que dizer.
— Odeio o silêncio.
— Meu Santo Onofre!
— Odeio Santo Onofre.
Natan sorriu um sorriso terno que se abriu como um
girassol diante do seu rei.
— Sabe que às vezes eu me odeio. — testou.
Então Eric também sorriu.
— Eu jamais odiaria você.
Natan levou a mão à boca, controlando um soluço
de emoção, às lágrimas molhavam seus olhos com
bastante facilidade. Tinha a sensibilidade de uma grávida
de gêmeos.
O pistoleiro esticou a mão calejada ao empresário
vestido impecavelmente e propôs como um homem
simples e direto que era:
— Chega de conversa e vamos para o seu quarto.
Estou com saudade de você.
Deram-se as mãos, entrelaçando os dedos, olhando-
se nos olhos e sorrindo como um casal que decidia
naquele momento fazer amor.
— Tchau, carneiro! — disse Natan, aconchegando a
cabeça no ombro de Eric enquanto caminhavam lado a
lado.
Capítulo 6

Um ano depois.

Aquela praça não era nenhuma Place du Tertre, de


Paris, mas já servia para Lana Bernard vender ou, pelo
menos, tentar vender os seus quadros.
A feira local acontecia todo sábado. Ao longo da
tarde, diversos artesãos disputavam a freguesia expondo
seus produtos nas pequenas bancas e tendas perfiladas,
lado a lado, na avenida principal do centro de Santa Fé,
que era devidamente isolada.
O trânsito era desviado para uma via secundária, o
que gerava certo desconforto aos motoristas, uma vez que
precisavam circular ainda mais a fim de atravessar a
cidade. No entanto, a maioria levava tal transtorno numa
boa, tendo em vista que a feira de artesanato era a mais
tradicional da cidade.
Lana não tinha uma barraquinha, o seu espaço
ocupava parte da calçada que era dividida com outros
expositores de pinturas e esculturas, além de um
caricaturista. Do outro lado da rua, as senhoras da igreja
luterana vendiam seus bordados e crochês em peças como
colchas e barras de toalhas de banho.
Pela primeira vez era Jimmy quem a trazia à feira,
nas outras duas vezes fora o seu pai. Mas o problema era
que Max Bernard não tinha paciência para ficar sentado
numa cadeira, junto aos quadros na calçada, à espera de
vendê-los ou ao menos aguardar até o final da tarde,
quando a exposição terminava. Ela então se irritava com o
pai e o mandava voltar pra fazenda, já que a sua cara de
poucos amigos não atraía os clientes para aquela parte
específica da calçada: onde ela comercializava dez
quadros dispostos nos cavaletes em semicírculo.
O subcomandante agora estava parado diante de
uma de suas telas, admirando-a demonstrando seriedade,
o Stetson rebaixado à altura das sobrancelhas, os braços
morenos e musculosos cruzados diante do tórax robusto e
as pernas ligeiramente afastadas vestidas no jeans colado
no corpo, um adesivo de tecido puído lavado várias
vezes, que aderia sedutoramente nas suas coxas grossas e
no traseiro pequeno. E, quando ele ficava de frente para
ela, Lana podia notar — o que não deixava de fazê-lo —
o volume considerável do pênis pressionando o tecido.
Ela então erguia rapidamente os olhos para a camiseta
preta, básica, que ele vestia combinando com as botas de
couro cru.
As sobrancelhas grossas e escuras estavam
constantemente arqueadas dando-lhe um ar zombeteiro,
como se a vida fosse uma grande piada e ele estivesse
sempre de prontidão para rir de alguém. Ou debochar, sua
especialidade, como ela bem o sabia, desde que o
subcomandante chegara à Rainha do Cerrado e ganhara a
simpatia não apenas dos brutos, como de todas as
mulheres.
Todas?
Lana não o suportava.
Parou ao lado dele não se intimidando pela
diferença de no mínimo vinte centímetros de altura entre
ambos. Raspou uma pergunta áspera do fundo da garganta
e a jogou debaixo do sol forte daquele horário:
— Tá fingindo que entende de arte?
— E isso é “arte”? — indagou com aquele
sorrisinho antipático que ela tanto detestava, enquanto não
deixava de apontar o dedo indicador para a tela. —
Pensei que fossem uns rabiscos da Ava.
— Realmente não espero que um gorila entenda de
Expressionismo Abstrato. — ela pôs as mãos nos quadris,
virando-se de frente para ele e o encarando para dizer: —
Se quer entender a minha obra, é só digitar Jackson
Pollock no Google, ok? Minha influência como artista
vem da escola desse pintor norte-americano. — emendou
com afetação.
Jimmy a olhou de cima a baixo como se analisasse o
que ela acabava de lhe falar.
— E o coitado do homem sabe disso?
Lana bufou.
— Ele tá morto, ô ignorante!
Ao vê-lo soltar uma gargalhada daquele tipo que a
pessoa deitava a cabeça pra trás, ela se deu conta de que
tinha se autoincriminado.
Meu Deus, como esse cara me irrita!
— Não são rabiscos! — exclamou exasperada. — É
a expressão da minha alma, dos meus sentimentos num
traço livre, fluído, sem regra fixa e lógica como o próprio
fluxo de consciência, sem intermediação, deixando vir à
tona os elementos ocultos e obscuros do meu inconsciente.
— declarou num fôlego só e, em seguida, aceitando o
olhar preguiçoso dele cravado nos seus lábios, acresceu
mordaz: — Se você entendeu a explicação, é só balançar
a cabeça assentindo que lhe presenteio com uma banana.
Ele semicerrou as pálpebras e fechou a cara como
se, enfim, tivesse sido ofendido.
— Parece que tá fazendo poesia com esse monte de
palavra sem sentido.
Mas Jimmy pareceu que estava era se divertindo
com o comportamento um tanto esnobe dela, essa era a
verdade. O seu santo não batia com o do caubói a la
Conan. Ele era rude, tosco, violento e excessivamente
sarcástico. Não tinha sofisticação alguma, parecia um
operário de fábrica, um pedreiro, um estivador... Merda,
ele parecia o que era: um pistoleiro. Além de tudo, era
vulgar e mulherengo. Zoe contara que era chegado numa
caipirinha e, com certo humor malicioso, dera a entender
que eram as caipirinhas de limão e as de carne e osso.
Como não bastasse tantos defeitos, ainda curtia música
sertaneja e, não raras vezes, andava com os vidros da
picape arriados com “Fio de Cabelo” a todo volume.
— Sem sentido para um primata cujo peso do
cérebro não ultrapassa meio quilo. — ironizou.
Jimmy coçou o queixo com pontos de pelos
crescidos, olhou-a com ar divertido, e devolveu num tom
de voz cheio de sarcasmo:
— E sabe qual é o peso da minha mão na tua cara, ô
Bernard? — indagou, voltando-se para ela à espera da sua
resposta.
Ela ergueu o queixo em desafio.
— Acha mesmo que tenho medo de um peão da
fazenda? Por favor, nunca esqueça quem são os meus pais
e quem é o meu protetor!
Dito isso, deu-lhe as costas sem deixar de remexer
as ancas. Afinal, ela usava uma minissaia jeans que cobria
menos da metade de suas coxas torneadas e tinha certeza
absoluta de que Jimmy olhava para elas naquele exato
momento.
Virou-se bruscamente e o pegou em flagrante.
— Sou areia demais pro seu caminhão, ô “sub”! —
jogou na cara dele, franzindo o nariz e voltando a cabeça
pra frente num giro espetacular que lançou um punhado de
cabelo na cara dela. Parte das mechas longas e negras
grudou na boca pintada de vermelho, e ela teve que
separar os fios sem perder o glamour, mastigou alguns
inclusive.
Um rapaz moreno, de barbicha rala e boina xadrez,
bermuda longa de tergal e camisa polo postou-se diante de
uma de suas telas. Expressava um ar crítico, de quem
entendia do negócio. E isso entusiasmou a pintora a se
aproximar e incitar uma conversação de venda com o
provável futuro cliente.
— Você vem sempre aqui? — fez a pergunta num
tom baixo e provocador, endereçando ao rapaz um sorriso
meigo e estudadamente simpático.
Ela não era como suas irmãs “jecas de fazenda”,
Lana gostava de seduzir, do jogo da sedução, aquele vai e
volta de olhares e tiradas maliciosas que se assemelhava
a uma partida de tênis entre conquistado e conquistador.
— Não... — o garoto se voltou para ela ao
responder, acrescentando um sorriso ao completar: —
mas agora me tornarei um frequentador assíduo.
Lana sorriu exibindo todos os dentes, sentindo o
olhar irônico de Jimmy sobre o seu rosto ligeiramente
corado.
Estendeu a mão ao desconhecido e tentou se
apresentar:
— Meu nome...
— É Lana Bernard. — ele a interrompeu e agora
também lhe presenteava com um sorriso e com a face e
corpo totalmente voltados para ela. — Terminei o Ensino
Médio ano passado... — ele parecia desconcertado ao
completar: — Estudamos juntos, digo, não na mesma
turma, mas na mesma escola.
Era verdade, ela acabava de reconhecê-lo através
dos alargadores abertos de madeira, as argolas enterradas
nas orelhas haviam dilatado os lóbulos.
Ele era o “garoto dos alargadores”, filho de um dos
médicos do hospital municipal.
— Me lembrei de você por causa das suas orelhas.
— comentou, oferecendo-lhe um sorriso generoso. —
Embora foram elas também que me levaram a lembrar que
o seu nome é Guilherme e, pelo o que ouvi por aí, está
cursando Medicina na capital.
Agora era o rapaz quem sorria abertamente.
Lana usava e abusava da combinação perfeita de um
sorriso franco, das palavras certas para massagear o ego
masculino e um par de seios estufados contra a camiseta
— já que ela empertigava a coluna com esmero.
Pôs uma mecha de cabelo pra detrás da orelha
enquanto ouvia um bufido baixo de Jimmy. Nem se deu ao
trabalho de dar-lhe atenção.
— Bom, então me sinto mais à vontade para dizer
que foi por causa de suas telas que a reconheci. — falou
em tom de gracejo. — Vou lhe dizer uma coisa, Lana: faz
muito tempo que não vejo quadros tão... — ele lançou um
olhar para o céu como se buscasse a palavra exata e, em
seguida, completou com certa solenidade contemplativa:
— tão desafiadores, verdadeiros, tão instigantes e
profundos.
Ela ficou pasma.
— Tá brincando que viu isso tudo? — perguntou,
demonstrando sua incredulidade e depois caiu na
gargalhada.
— Falo sério, não faço o tipo que bajula garota para
encantá-la. — rebateu com ar divertido. — Você precisa
expor essas obras em uma galeria de arte. — disse, agora,
sério. — Esse material está acima das porcarias
artesanais vendidas nessa feirinha. — fez um movimento
vago com a mão que abarcava o espaço próximo a eles.
— Acho que não é pra tanto. — ela resmungou,
dando de ombros. — Sei que esses quadros têm valor,
mas é mais um valor sentimental.
Ele voltou a se concentrar na pintura que eram
traços soltos e coloridos que se misturavam a outros, mais
grossos, criando várias teias em tons fortes e suaves como
fios de lã entremeados ou como uma trama de
pensamentos soltos e desconexos girando feito um
caleidoscópio dentro da mente.
— Deve ser muito louco o seu processo criativo,
não? — ele perguntou, olhando-a com um sorriso
simpático.
Era a primeira vez que alguém se interessava sobre
o modo como ela pintava, o que a levou sentir-se como
uma artista profissional.
— Olha, pra ser franca, venho de uma família na
qual a palavra loucura soa como algo bastante normal. —
brincou. Vendo-o embaraçado, resolveu emendar
rapidinho: — Mas, sim, sou um pouco excêntrica, por
assim dizer. Não pinto a tela sobre o cavalete, prefiro
deixá-la no chão e respingar a tinta por cima, sabe? Às
vezes caminho sobre a tela como se... Ah, deixa pra lá. —
parou, sentindo as bochechas vermelhas.
— Você está com vergonha de se abrir com um nerd
que sofreu bullying durante toda sua vida escolar
justamente por ser diferente, ou melhor, excêntrico, no
modo de pensar e se vestir?
Nossa, ele é um amor!
— Desculpa, Guilherme. — falou, sem graça.
E era verdade, ela estava sem jeito, constrangida.
— Essa técnica que você usa se chama dripping,
não é mesmo? — era uma pergunta que ele próprio
respondeu: — O gotejamento da tinta sobre a tela. Acho
isso simplesmente fascinante! Lana, se a nossa querida e
enfadonha ex-professora de Arte soubesse desse seu
talento, teria infernizado ainda mais a sua vida. —
brincou.
— Eu dormia nas aulas dela. — admitiu, dando de
ombros. — Eram chatas.
No instante seguinte, Jimmy se pôs entre ambos
como se tivesse acabado de se materializar.
— Começou a pingar, não notou? — arqueou uma
sobrancelha para dar ênfase à informação, apontando o
dedo indicador para cima.
Lana circundou aquele corpão, ignorando-o,
voltando a falar com Guilherme:
— Mas você, pelo visto, prestava atenção às aulas
dela, não? — comentou com entusiasmo. — De minha
parte, só fui conhecer técnicas de pintura quando fiz um
curso em São Paulo. Meus pais e eu ficamos duas semanas
por lá, mas, pra falar a verdade, aprendi mais sozinha,
lendo sobre os pintores e pesquisando na Internet... Nossa,
como eu falo! — exclamou, levando a mão à boca.
— E fez um bom trabalho, suas obras lembram
muito as do Pollock. — falou, voltando-se para a tela,
admirando-a por alguns segundos até se virar para ela e
continuar com espirituosidade: — Assisti a um
documentário sobre ele e acho que foi dessa fonte que
você bebeu.
— Sim, sim! Pollock é o meu mestre!
Talvez ela tenha piscado muito e rápido, mas se
sentia nas nuvens, fazia tempo que não conversava com
alguém tão interessante como Guilherme. Era estranho que
pessoas interessantes sofressem bullying e as idiotas não.
De repente o ar de encanto desapareceu do seu
rosto. Viu Jimmy passar com duas de suas telas debaixo
do braço, encaminhando-se para a picape.
— Ei, aonde vai com isso? — gritou.
— Tá vindo merda do céu. — avisou, emendando, a
seguir, num tom enérgico: — Vamos, se mexe, Bernard, e
ajuda a salvar os rabiscos da Ava!
— Idiota! — falou, irritada. Voltou-se para
Guilherme, que observava o interessante diálogo entre
ambos, e disse: — Ele é um funcionário da fazenda.
O outro pareceu aceitar a resposta e a surpreendeu
com um pedido:
— Seria muita cara de pau minha pedir o seu
telefone?
— Hum, é novo, comprei ontem. — brincou, a
idiota, irmã gêmea de Jimmy.
Ele riu um riso rápido, cravando mais uma vez os
olhos castanhos nos dela.
— Vou passar esse fim de semana na cidade, depois
retornarei à capital, e gostaria muito de conversar com
você de novo. O que acha?
— Anota o meu número. — disse, encarando-o
fixamente, sem deixar de sorrir com os olhos.
A correria entre os expositores e os transeuntes se
tornou desenfreada quando a chuva despencou com tudo.
Foi então que Lana voltou sua atenção para as telas
que ainda estavam nos cavaletes e correu para salvá-las
da torrente, deixando o garoto para trás.
Notou de soslaio que Guilherme havia desaparecido
no meio daquela confusão de gente correndo para se
proteger da chuva e outros, para evitar a destruição de
suas mercadorias à venda.
No minuto seguinte, Jimmy arrancava as telas
debaixo dos seus braços e, com passadas largas,
alcançava a picape. Viu quando ele abriu a porta traseira
da cabine dupla e as depositou sobre o banco junto com as
outras. Em seguida, contornou o veículo e se sentou diante
do volante, aparentando estar à sua espera.
Lana deu uma corridinha e entrou, puxando o cinto e
o afivelando.
— A coisa veio de uma hora pra outra, né? —
comentou, assustada.
— E você, como sempre, estava comendo mosca.
— ele reclamou, pondo a picape para rodar. — Enquanto
paquerava o esquisitinho, deixou de vender aquele seu
quadro grandão, o mais feio deles, para uma senhora que
parecia hipnotizada por ele.
— Não vi ninguém interessado no número 9. —
rebateu com rispidez.
Assim como Pollock, ela não nomeava seus
quadros, identificando-os por meio de uma numeração.
— Bem, sinto muito, mas terei que contar para a
Ava que você não fez direito o seu trabalho de vendedora.
— debochou.
— Credo, como você é irritante, Jimmy.
— Sou mesmo? — ele perguntou, um sorrisinho
malicioso dançava em seus lábios ao acrescentar: — E
você é uma tremenda pilantra, Bernard.
— Pilantra?
— Sim, senhorita.
— Tá maluco, é?
— Aham, sei, não adianta olhar pro outro lado
fingindo que a paisagem na rua tá interessante. — disse,
mordaz. — Pensei que lealdade fosse um traço de caráter
de todos os Bernard, mas parece que você puxou a algum
antepassado problemático. É isso mesmo, sim, vou contar
ao seu namorado a sem-vergonhice com o moleque das
rodinhas na orelha. — escarneceu, sorrindo, embora o tom
de voz fosse de ameaça.
— Não te mete na minha vida! — irritou-se.
— O cabra é meu amigo, preciso alertá-lo, vá que
ele esteja pensando em levá-la a sério, por exemplo. —
falou com maldade.
Por um momento ela considerou que se tivesse algo
grande e pesado para bater na cabeça de Jimmy,
certamente, ele estaria desmaiado agora.
Capítulo 7

Lana observou por um tempo o perfil do motorista


ao volante. Cada traço parecia entalhado com rudeza na
face expressivamente máscula. E até mesmo sentindo
raiva dele — o que era comum — não podia negar que
aquele homem cujo aspecto lembrava um guerreiro
bárbaro indomável era muito bonito.
Jimmy a levava a pensar besteiras, e uma delas era
considerar a sua aparência animalesca e viril como
extremamente sexual.
Ainda assim, detestava-o!
Ele não tinha que se meter com o relacionamento
entre ela e Dion, por exemplo. O fato de conseguir a
permissão dos pais para a aproximação do pistoleiro de
Minas, a fim de se conhecerem melhor, não significava
que estivessem namorando. Afinal, havia pouco mais de
vinte dias que os dois começaram a conversar no alpendre
do casarão debaixo do olhar vigilante de Dinho, que se
oferecera para ficar de olho no rapaz.
Aliás, Dinho era outro metido, considerou, voltando
sua atenção a Jimmy.
— Estamos só “ficando”, se quer saber. —
esclareceu de modo petulante. — Não sei se o pessoal da
sua geração entende esse tipo de relacionamento.
— Olha, moça, não sei que geração você tá falando,
mas a nossa diferença de idade não me coloca no papel do
seu pai, não, viu? — falou, alçando a sobrancelha com ar
superior e depois acresceu num tom de voz com vestígios
de escárnio: — Claro que não estou me referindo à idade
mental, aí já é outra história.
— Você é velho, Jimmy, não tenta se fazer de sonso.
— acusou-o.
Ele riu alto.
— Tenho dois anos a mais que o comandante, sua
pilantra.
— Tá brincando?! — disse incrédula, olhando-o
diretamente e avaliando seu conjunto facial. Ele tinha ruga
pra caramba ao redor dos olhos, linhas longas que se
pronunciavam quando sorria ou se zangava demais. —
Bem, sinto muito, mas a sua aparência é a de um cara de
35, 36 anos, ou seja, beeem velho.
— Homens maduros e experientes aparentam mais
idade do que realmente têm. — falou ele, de modo
displicente e um pouco arrogante também. Em seguida,
estreitou os olhos e emendou: — Mas não desvia o
assunto, ok? Você fica se pegando com o Dion e marcando
coisinha com outros por aí, é feio, Bernard, muito feio.
Dion... Por certo, a mãe do pistoleiro não soubera
soletrar “John” para o funcionário do cartório, pensou
Lana, vendo a torrente de água cair forte no vidro frontal
da picape.
— Que droga de temporal. — comentou baixinho,
mais pra si mesma, sentia um medo absurdo de raios,
trovoadas e ventos fortes. E aquele temporal tinha tudo
isso junto.
Jimmy reduziu a velocidade e, pelo visto, havia
notado que o asfalto se tornara liso e escorregadio.
— Não gosto de dirigir no meio de uma chuvarada
dessas. — resmungou, endereçando um rápido olhar pelo
retrovisor para, depois, ligar o pisca. Ele levou o veículo
para o acostamento e avisou: — Vamos ficar por aqui até
a chuva acalmar.
Lana concordou com ele e acionou o sistema de
som, inundando a cabine dupla com Bitch Better Have My
Money.
Viu quando Jimmy soltou um bufido, escorou a
cabeça contra a parte alta do banco e baixou o chapéu de
modo a esconder o rosto.
— Essa música levanta até defunto! — exclamou
ela, empolgada, rebolando no mesmo lugar, gesticulando
com os braços em paralelo, como se estivesse no meio da
torcida de um time incentivando a galera.
— Não, Bernard, essa música faz o defunto morrer
duas vezes.
— Deixa de ser chato, Jim, a sua rabugice só mostra
o quanto você é velho e antiquado.
— Ai, tá doendo os meus ouvidos! — reclamou,
com ar divertido.
— Então vou pôr mais alto! — implicou com ele.
Quando ela esticou o braço, ele o segurou pelo
pulso e falou:
— Vou lhe mostrar o que é música de verdade.
— Não, por favor, me mostra a de mentira. —
debochou.
Ela conhecia os gostos dele. Havia pelo menos
quase dois anos que o via pela fazenda ouvindo as suas
tais músicas de verdade e eram realmente péssimas.
— Tem alguma chance de eu ser poupada dessa
tortura? — provocou, vendo-o mexer no aparelho de som
até encontrar a playlist intitulada como “Fodonas”.
— Não, nenhuma. — ele apertou o botão do play e a
encarou com um sorriso zombeteiro.
Lana não identificou de imediato os primeiros
acordes, a bateria seguida pela guitarra. No entanto, assim
que a primeira frase foi cantada — e era “Eu não vou
negar que sou louco por você...” — assimilou
rapidamente que era É o Amor. O que a fez torcer o lábio
pra baixo num esgar de reprovação.
— Música sertaneja! Que breguice! — exclamou,
levando as mãos aos ouvidos tapando-os e comentou sem
deixar de alfinetá-lo: — Dizem que todo cara brega é
romântico...
— Não, é o contrário, Bernard. Todo cara
romântico é brega. — debochou e, a seguir, voltou-se para
frente, reclamando: — Quero fumar e não dá pra baixar o
vidro, ô porra.
Ela aproveitou que ele parecia ter deixado em casa
as ferraduras e perguntou a título de curiosidade:
— Tá apaixonado por alguém?
Ele riu um riso rápido e engraçado.
— Por mim. Sou o meu eterno amor. — respondeu
com um sorriso, sem dar importância à pergunta. Pelo
menos foi o que pareceu a Lana.
— Ah, saco, vamos conversar direito! — reclamou,
dando-lhe um tapa fraco no ombro. — A gente tá trancado
nessa cabine sem ter pra onde ir, então dá pra fazermos
um esforço e fingir que nos suportamos, pode ser? —
tentou uma manobra conciliadora, bem, conciliadora ao
estilo Lana Bernard.
— Não, não pode ser nada. Estou impedido
momentaneamente de fumar e ainda obrigado a suportar
uma aborrecente do meu lado.
Ele falava sério.
Era incrível, mas ele falava sério!
— Idiota! Gorila idiota! — xingou-o com mau
humor, deitando a cabeça de lado contra o vidro da janela.
— Você tem bem jeito de homem recalcado que levou pé
na bunda de mulher e agora é sempre grosso, estúpido e
cretino só pra se proteger. — jogou na cara dele, fitando-o
através das pálpebras semicerradas.
— Você acha, é? — indagou, demonstrando
indiferença e pondo um cigarro apagado entre os lábios.
— Tenho certeza, já vi muito filme sobre esse
assunto, se quer saber. — falou num tom de desafio.
— Ah, bom, diante de tamanha cultura e experiência
eu me rendo. — ergueu as mãos de modo teatral, mas, um
segundo depois, admitiu sem deixar de manter o eterno
sorrisinho debochado nos lábios: — Não sei que diabo é
isso de recalque, mas a parte do “pé na bunda” é
verdadeira.
Ela se ajeitou melhor no banco.
— Jura? — perguntou interessada. No fundo, tinha
quase certeza de que aquele tipo de homem, altamente
gostoso, jamais tivesse levado um fora na vida... Apesar
de ser insuportável.
— Aham.
— Mas o que aconteceu? Ela não aguentou a
porcaria da sua personalidade? — perguntou, com
sinceridade.
Ele a avaliou por uns minutos e, considerando que
não era uma provocação, respondeu do mesmo modo
sincero:
— A poucos dias do casamento, minha noiva mudou
de ideia, achando que não era seguro se casar comigo.
— Como se sentiu?
— Péssimo, bebi todas.
— Mas por que ela achou isso?
— Meu jeitão, ora, não levo nada a sério. —
declarou, dando de ombros.
— Ela não o amava. — constatou, vendo-o baixar
um pouco o vidro para acender o cigarro com o fósforo.
— Talvez.
— E o que fez? Foi atrás dela? Nossa, queria muito
vê-lo se humilhar para uma mulher. — disse, aos risos.
— Interessante, abro meu coração e você sapateia.
— declarou, olhando para ela como se estivesse
magoado.
— Não foi essa a minha intenção. — rebateu,
sentida.
— Bernard, como você é trouxa! — ele debochou,
prendendo a ponta do nariz dela entre seus dois dedos. —
Estou brincando. Mas respondendo às suas perguntas, não,
não fui atrás dela. Segui em frente, ora.
— E depois se apaixonou de novo?
— Nem fodendo.
— Imagino que esteja traumatizado. — considerou.
— Sim, claro, se eu fosse veado.
— Ah, tá, até parece que só os gays são sensíveis.
— Hã? — ele a olhou com ar de troça. — A minha
sensibilidade tá guardada no meu coldre.
Ela soltou a respiração.
— Ufa... Pensei que fosse dizer na boxer. —
admitiu, com ar inocente.
— Na boxer, Bernard, só tem maldade. — afirmou,
fitando-a longamente, o sorriso congelado nos lábios, um
ar de sou-bom-de-cama irradiando do tom castanho de
seus olhos.
Lana baixou a cabeça incapaz de sustentar aquele
olhar. Às vezes acontecia isso entre eles, esse tipo de
tensão sexual quando a atração alcançava o nível da
sedução.
Então um dos dois recuava.
— Imagino que essa seja a sua cantada infalível. —
desta vez, foi ela quem resolveu não avançar ao fazer a
afirmação num tom de menosprezo.
— Se fosse uma cantada, você não a teria ouvido,
moça. Não dispenso munição com alvo que não pretendo
abater, seja no meio do mato ou na cama.
Ela se voltou para ele, encarando o olhar
provocador e o esboço de sorriso sarcástico.
— Sempre esqueço que por trás desse monte de
músculos e do mau gosto musical tem um assassino. —
lançou, mordaz. — Tenho sorte de não ser o seu tipo de
mulher. Afinal, quem teria coragem de namorar um cara
que enterrou 49 vezes uma faca no corpo de outro ser
humano?
Ele deixou de sorrir, embora o arzinho superior não
o abandonasse.
— Traficante não é pessoa.
— Quarenta e nove vezes. — ela repetiu devagar,
olhando-o intensamente. — Em algum momento suas mãos
ou talvez os seus braços doeram, se cansaram, e, ainda
assim, continuou a esfaqueá-lo. É possível que a quinta ou
a sexta facada tenha matado o Ned e mesmo assim você
seguiu em frente. O sangue dele em suas mãos e roupas...
— ela então perguntou um tanto séria e desafiadora: —
Ele pediu para que lhe poupasse a vida, Jimmy?
— Sim. — respondeu no mesmo tom.
— Implorou chorando? — a interrogação saiu num
tom baixo quase sussurrante, mas sem emoção.
— Não.
— E fez o mesmo com o Magno?
Jimmy tragou o cigarro sem deixar de fitá-la ao
responder secamente:
— Você não é uma bruta como a Zoe, não precisa
saber de tudo.
Um raio serpenteou no céu gris e, em seguida, o som
da sua explosão ecoou pelo prado. A chuva despencou
ainda mais forte, pingos grossos salpicaram os vidros e a
lataria da picape como grãos de gelo.
— Pensei que os atiradores de elite da polícia
fossem frios e controlados... — insistiu. — Mas quase 50
facadas, Jimmy, isso é quase o caso de um crime
passional. — provocou-o.
Ele abriu um sorriso preguiçoso e perigosamente
sedutor.
— Se quer me beijar, é só vir aqui, eu e a minha
boca estamos à sua disposição.
— Se eu quisesse beijá-lo, caubói, já o teria feito.
— devolveu-lhe, sem sorrir, mas seus olhos sorriam,
riam, riam dele. — A questão é que você nunca foi o meu
“alvo”.
Jimmy virou-se para jogar o cigarro pela janela,
fechou-a em seguida e se voltou para a garota.
— Você é danada de sacana, Bernard. — disse ele,
sorrindo como se realmente a admirasse. — Tenho pena
do coitado que se apaixonar por você, vai perder a
dignidade e o respeito próprio e, pior que isso, nem vai se
importar.
— Eu não sou má, gorila. — falou numa voz
ronronante, bem do jeito que as garotas safadas falavam.
— É má, muito má. — ele rebateu baixinho, olhando
diretamente para a ponta da língua que ela acabava de
deslizar sobre o lábio superior. — Quero ver quando
arrancar as bolas do cabra que vai comer na sua mão, mas
não se esqueça de me chamar para assistir a sua queda
desse pedestal de vidro que o seu ego de fedelha criou pra
você. — desferiu calmamente.
— Se, por acaso, eu cair do pedestal, é evidente
que muitos homens estarão bem debaixo de mim para me
pegar no colo. — ela adorava ver o brilho selvagem nos
olhos dele quando seus egos se confrontavam. Então o
espicaçou: — Sou mais do que uma mulher, condição essa
que me coloca exatamente bem acima de qualquer homem,
sou uma Bernard. — afirmou, com orgulho.
— E é somente por você ser uma Bernard que eu
suporto metade das asneiras que ouço dessa sua boquinha.
— declarou num tom leve e quase divertido. Ele desviou
o olhar dela, concentrando-se na rodovia bastante
movimentada e disse: — Vamos deixar essa conversa
interessantíssima para outra ocasião, tenho coisas pra
fazer na fazenda e a chuva não cederá tão cedo.
A atitude dele, pra variar, irritou-a.
— Bolsinha inútil! — exclamou, cruzando os braços
diante do peito, vendo a água escorrer pelo vidro frontal.
— Hum, esse lance da bolsinha eu já conheço. —
disse, sem se sentir ofendido. Na verdade, parecia mais
bem-humorado do que antes. — Mas não sou sua bolsa,
você não tem cacife pra andar comigo a tiracolo,
pilantrinha. — brincou como se ela fosse uma criança.
— Filho da mãe! — ela deixou escapar numa voz
grossa de raiva, girando o corpo e atacando-o ao se
inclinar por cima da divisória entre os bancos.
Ele a pegou pelos pulsos, segurando seus braços no
alto da cabeça, impedindo-a de agredi-lo:
— Recolha suas garras, mocinha! — debochou sem,
no entanto, sorrir.
Parecia, isso sim, irritado com sua vã tentativa de
esbofeteá-lo, esmurrá-lo, enfiar a mão naquela cara sem-
vergonha dele.
Ela tentou se desvencilhar. O que se mostrou
impossível. As mãos grandes apertaram-na ainda mais e o
olhar de Jimmy demonstrava sua determinação em
subjugá-la.
— Não esqueça que é mero empregado do meu pai.
— falou numa voz baixa e ríspida. — Me larga! Me larga,
AGORA!
— Ainda vou dobrá-la sobre meus joelhos e te dar
umas palmadas, Bernard! Santo Cristo, como pode ser tão
diferente das suas irmãs, acho que é o caso daquelas
combinações erradas de genes ou uma mutação genética,
sei lá. — sentenciou com ar de incredulidade, ainda a
segurando.
Ela empinou os seios ao mesmo tempo que tentou
novamente se soltar.
— A aberração genética aqui é você, gorila! —
gritou, tentando empurrar os braços dele com os seus,
ainda presos.
— Chega de insultos, entendeu? — a voz soou com
rispidez e a expressão do rosto era a mesma quando ele se
incomodava com seus subordinados da tropa.
— Então me solta! — gritou, puxando os braços.
Ele obedeceu-lhe, mas Lana não contava com isso.
Perdeu o equilíbrio ao puxar com força os braços do aro
das mãos dele e, no minuto seguinte, viu-se desabar contra
seu tórax. Não conseguiu proteger a face que colidiu com
a firmeza dos músculos do largo peitoral.
Ouviu o coração de Jimmy e ele batia forte,
cadenciado. Ficou mais um tempo ali, com a bochecha
esmagada contra o peito dele, era um lugar bom de ficar,
macio e firme, seguro como um escudo e arrebatador
como a beira de um penhasco.
Fechou os olhos e gemeu baixinho. Ouvia o barulho
da chuva bater contra a lataria e os vidros da picape. Vez
ou outra um clarão riscava o céu carregado, quase negro,
e as trovoadas reverberavam como se o mundo fosse
acabar.
Mas ela estava bem e abraçava o seu segurança,
envolvendo-o pela cintura e se deixando ficar.
Sentiu quando ele tentou afastá-la de si. Ergueu a
cabeça e o encarou, umedecendo os lábios, já que não
estava segura de que conseguisse emitir palavra.
Tonta. Ela estava tonta e era assim que ficava
quando chegava muito perto de Jimmy.
— Chega, Bernard. — ele disse baixinho, a voz
rouca e grave, profunda e macia.
— Como detesto você. — admitiu, aspirando a
deliciosa fragrância que se desprendia do tecido da roupa
dele e ela sabia que era o cheiro da pele morena, de cada
poro, de cada pedaço daquele homem que ultrapassava a
barreira da trama de fios para penetrar nas suas narinas e
bagunçar a sua cabeça. — Detesto muito você. — gemeu
junto com a respiração.
— E eu nem isso sinto por você, pilantra. —
arrastou as palavras pra fora da boca.
Lana ergueu a cabeça e olhou para os lábios
entreabertos, as narinas arreganhadas, o olhar sério
espreitando-a através das pálpebras semicerradas. Era um
predador, um bicho grande e selvagem que a analisava,
observava cada gesto seu com bastante calma, embora
todo seu conjunto facial — inclusive o resfolegar suave
da respiração — apontasse para a expressão crua de um
homem excitado.
— Mentiroso. — sussurrou, encarando-o.
Ele fez um movimento com os lábios, esticando-os
para os lados como se fosse abrir um de seus sorrisos
irônicos e tal gesto bastou para que Lana sucumbisse a
uma vontade que a perseguia fazia tempo.
Perdeu a partida.
Entregou o jogo.
Beijou-o enfim.
Prendeu-lhe o lábio inferior com seus dentes
frontais, sutilmente, lambendo-o no seu contorno. Não
fechou os olhos, porque queria vê-lo ser beijado por ela.
Ele a olhava sem esboçar intenção de interromper a
carícia. Pelo contrário, beijou-a de volta. Sua boca cobriu
a dela enquanto a mão, enganchada na sua nuca, firmava-a
na cabeça. Teve a língua presa e chupada por outra.
Levou as mãos às laterais do rosto dele, deslizando
os dedos por entre as mechas longas e macias; depois, as
desceu pelo queixo e o pescoço, acariciando a pele
morna, a saliência das veias e a proeminência do gogó.
Quando ele afastou-a de si, visivelmente
contrariado consigo mesmo, falou muito sério:
— Precisamos sair desse acostamento.
— Hã?
Ele mexeu a boca, ela sabia que havia falado algo,
mas o quê?
— Prefiro enfrentar uma carreta desgovernada no
asfalto molhado a passar mais um minuto com você nessa
cabine.
— Medo de não resistir, subcomandante? —
provocou-o.
— Deus, você é uma granada sem pino. — gemeu.
— Mas não será no meu colo que irá explodir.
Dito isso, pegou-a na cintura e a devolveu ao seu
banco. Voltou-se para frente e coçou a sobrancelha como
um gesto de quem ponderava a respeito do que diria a
seguir.
— Foi só um beijo, ok?
— Será que vou engravidar? — perguntou com ar
inocente e, ao vê-lo se voltar para ela com o cenho
franzido, caiu na gargalhada: — Brincadeirinha! Sei que
foi só um beijo, coisa boba, não vou fantasiar.
— Espero que não.
Ele parecia de mau humor.
Cara estranho esse Jimmy!
— Você não é um homem apaixonante, não se
preocupe. — devolveu no mesmo tom.
Ele retornou à rodovia federal, a velocidade em
torno dos 60 km, a atenção concentrada no caminhão que
se arrastava diante deles. Ainda assim, sem encará-la,
rebateu:
— Sei muito bem com quem estou lidando, a cada
trinta dias tá apaixonada por um. Só estou avisando pra
não me pôr na lista.
Agora, sim, ela havia atingido o nível máximo da
incredulidade. Ele realmente estava falando sério, não
havia vestígio de deboche ou ar de arrogância e
superioridade — características essas acopladas ao DNA
do pistoleiro. O que parecia era que ele acreditava estar
lhe fazendo um favor, advertindo-a sobre algo que
possivelmente aconteceria... Na cabeça dele, era evidente.
— Tarde demais. — resolveu não se estressar dessa
vez e brincar com o mais marrento entre todos os caubóis
marrentos de Santa Fé. — Estou loucamente apaixonada
por você.
Ele endereçou-lhe um rápido olhar, contraiu os
lábios com amargor e desferiu sem dó nem piedade:
— Azar o seu.
— Vou persegui-lo no alojamento e nas redes
sociais.
— Então, Bernard, vai para a fila das perseguidoras
loucas e se vira com elas. — agora ele estava sendo o
arrogante de sempre. — E vê se aprende a beijar. —
emendou, limpando o queixo com a mão. — Não curto
beijo babado.
Ela notou uma nota de crueldade à fala, mas estava
envergonhada demais para rebater.
— Idiota! — foi tudo que lhe veio à mente.
Aproveitou para fechar a cara e o ignorou durante o
resto do trajeto.
Os seus beijos não eram babados coisa nenhuma,
pois se isso fosse verdade, quase a metade da tropa dos
pistoleiros do seu cunhado já teria reclamado. Segurou-se
para não jogar tal constatação na cara de Jimmy, até
voltou a cabeça em sua direção para fazê-lo. Contudo, o
que ele disse a seguir a silenciou de vez:
— Sim, sou um idiota, e a sua boca é um pecado de
gostosa.
Capítulo 8

Ela ainda sentia a firme maciez da boca do


subcomandante pressionando a sua, por isso a tocava com
a ponta dos dedos enquanto subia a escadaria em direção
ao seu quarto.
Havia poucos minutos que Jimmy a deixara em
frente ao casarão e se despedira apenas com um sorriso,
sem nada a dizer além de um: “desce logo, sua lesma!”,
num tom jocoso. Em seguida, partiu para fazer as suas
coisas de pistoleiro.
Como ele podia ser tão bonito, sexy e gostoso e
também grosseirão e idiota? Por outro lado, por mais que
a irritasse era com ele que gostava de conversar, além das
suas irmãs. Lorenzo, por exemplo, só tinha olhos para
Lolla desde que se casara, o vínculo entre ambos — que
antes era o de protetor e protegida, agora era o de
cunhado e cunhada, amigos, talvez, mas não muito íntimos.
Ele parecia mais chegado a Zoe em razão da aliança com
seu primo Dinho. Este, por sua vez, sempre tivera franca
preferência por Ava, então nada realmente mudara entre
eles.
Sobrara-lhe Jimmy. O cara sem sobrenome e que
não falava sobre seu passado e família. O cara que
raramente levava algo ou alguém a sério, a menos que se
relacionasse ao seu trabalho como pistoleiro. O cara que
a irritava na mesma medida que a excitava, deixando-a
confusa e sem chão. Não sabia como lidar com isso. No
entanto, intuía que deveria aprender o quanto antes.
O celular tocou assim que ela caiu na cama, depois
de guardar suas telas no estúdio. Era Guilherme, o
estudante de Medicina da capital.
—Que tal uma “festa estranha com gente esquisita”?
— ele perguntou meio que cantando “Eduardo e Mônica”.
— Topo. Onde?
Ela respondeu com a rapidez de quem não tinha que
prestar contas da própria vida aos outros, o que era uma
doce ilusão.
— Meus pais voltarão à cidade na segunda, então
chamei uns amigos da capital, poucos, é verdade, para
uma “noite”.
— Me passa o endereço. — pediu, imaginando que
não seria nada fácil conseguir a permissão de Max e Pink
para passar a noite fora.
E foi o que aconteceu.
Sua mãe, ex-descolada que usara cabelo cor-de-
rosa e piercings, perguntou com ar crítico:
— O que é isso: “noite”?
— É tipo uma reunião entre os jovens, mãe. Não
chega a ser uma festa, pois são poucas pessoas. — teve de
explicar.
Viu quando dona Pink concordou com a cabeça e se
voltou para a sobremesa que preparava.
— Nada feito.
— O que? Mas a senhora concordou! — reclamou.
— Concordei nada. — rebateu, dando-lhe as costas,
a fim de abrir a porta da geladeira atrás dos ingredientes
do doce.
— Vi quando balançou a cabeça, ora! — acusou-a,
pasma.
Pink retirou as frutas da geladeira e olhou para a
filha com ar crítico, dizendo:
— Concordei com a explicação sobre o que é uma
“noite”, Lana. Inclusive entendi que se trata de uma
festinha íntima.
— É, é isso aí, a gente só vai conversar e ouvir
música.
Ela precisava ficar caminhando atrás da mãe pela
cozinha, seguindo-a enquanto a via juntar louças e
ingredientes para organizá-los sobre a mesa.
— Nós conhecemos a família desse tal Guilherme?
— Acho que sim, vocês conhecem todo mundo... —
afirmou para, em seguida, comentar mordaz: — Embora
não se relacionem com ninguém.
— Não seja injusta, eu e a chefinha temos várias
clientes da livraria como amigas.
— Acho que a mãe do Guilherme frequenta a Mon
Refuge.
Hum, será que isso contaria pontos a favor da sua
saída à noite?
— Deixe-me ver. — Pink levou um dedo aos lábios,
estreitando os olhos como se puxasse uma informação da
memória. — Acho que a Melinda me falou algo sobre um
de seus filhos estudar Medicina...
— Sim, sim, a dona Melinda é a mãe do Guilherme,
e essa reuniãozinha será na casa dela, quer dizer, na
cobertura dos pais dele. — evitou repetir a palavra
“festa”, uma vez que era possível ter sua autorização
negada haja vista ela ter o direito de ir somente a uma
festa por mês durante o período de provas finais.
— Interessante. — comentou sem muito interesse, o
pior estava por vir: — Vou telefonar para ela e ver como
será essa festa. — declarou, determinada.
— Não é FESTA, mãe! — bufou.
— Reunião que vai madrugada adentro, pra mim, é
festa. — desferiu sagazmente.
E agora? Os pais de Guilherme não estariam em
casa.
— Não me faça passar vergonha, por favor! Já
tenho 17 anos, pô! A Cíntia Savadirsk se casou aos 16 e
ainda estava grávida, ou seja, ela começou a sua vida
sexual aos 15 anos.
— Ok, Lana. — disse a mãe com toda a calma do
mundo. — Primeiro, quem é a porra dessa Cíntia sei lá o
quê?
— Minha colega de aula. — respondeu com um
beiço enorme.
— E o que ela tem a ver com o meu modo de criar
as minhas filhas, hein?
— Nada, mãe, mas só foi pra mostrar que pessoas
de 17 anos têm vida de gente adulta. Acho o cúmulo a
senhora telefonar para a mãe do Guilherme como se eu
tivesse seis anos de idade!
— Bem, fala com o seu pai então. O que ele decidir,
eu acato.
Era o mesmo que dizer que ela não iria a lugar
nenhum.
Lana encontrou o pai na sala da ordenha.
— Vou à casa de uma amiga da mãe, lá da livraria,
o senhor me leva?
Bem, era preciso se armar de estratégias para se
atingir os seus objetivos, considerou Lana, encarando o
caubói durão que acabava de examinar um leve ferimento
na teta de uma das vacas.
Ele se ergueu do banquinho e, ajeitando o chapéu,
aproximou-se dela.
— Fazer o quê na casa da mulher? — inquiriu.
Ai, saco, tudo de novo!
— Fui convidada para uma reunião e, como vai
demorar um pouquinho, voltarei para casa amanhã cedo.
— jogou, na maior cara de pau, fitando-o sem mexer um
músculo da face.
— Ué, pra que tanto tempo de reunião? Vão
resolver o problema do aquecimento global? — indagou,
desconfiado.
Merda de vida! Pra tudo tenho que dar explicação!
— É que a gente vai passar a noite ouvindo música
e conversando. — tentou parecer inocente.
— Ah, bom, então pode ir. Pensei que se referia
àquelas reuniões que os garotos inventam de fazer para
atrair as meninas e dormirem com elas. Mas já que me
falou que vão apenas conversar e ouvir música fico mais
aliviado. — era evidente o sarcasmo na voz do pai.
— Não vou transar com ninguém, pai! E eu nem
devia estar falando isso para o senhor, já que a minha vida
íntima de mulher é coisa somente minha. — irritou-se.
Max riu.
— Cabrita, ano passado a sua mãe levou você à
ginecologista para justamente deixá-la informada sobre os
procedimentos quando se torna uma moça, uma mocinha
que já faz bebês, pra ser mais preciso. Fizemos isso com a
Zoe e tentamos fazer com a danada da Lolla, mas ela se
rebelou, dizendo que era mais inteligente que a médica...
— o pai parou de falar, pôs as mãos nos quadris e
comentou num tom ácido: — Tão inteligente que é a única
que tem filhos.
— Pai, pelo amor de Deus, só vamos nos reunir, não
é uma suruba!
— Lana!
Ela começou a rir ao ver as bochechas vermelhas
do seu pai.
— Posso pedir pra Zoe me levar?
Ah, por favor, vamos encerrar logo essa conversa
que eu tenho que escolher a minha roupa!
Max estreitou os olhos perigosamente para a filha.
— Quem disse que você vai?
Oh, Deus, não!!! Que inferno! Por que não morro
logo!!!
Ela estava quase gritando, já se imaginava chutando
as portas da sala da ordenha e esmurrando um dos
vaqueiros, quando ouviu o pai dizer:
— Temos uma reunião, — ele parou e emendou com
um ar de deboche: — reunião de verdade no QGB, depois
disso, se o Jimmy quiser levá-la e ficar com você por lá,
tudo bem, tá liberada. — completou com um sorriso,
como se a sua decisão fosse à de um magnânimo pai.
Lana quase gritou: mas é por causa dele que vou à
festa do Guilherme!
Fechou a boca com força, procurando engolir a
raiva e a frustração. Era oficial: meio mundo mandava na
sua vida, menos ela.
Capítulo 9

Lana escolheu um vestido de algodão, florido, o


tecido suave terminava numa barra inglesa, romântica, na
metade das suas coxas. Optou pelas botas de vaqueira no
lugar das sandálias. Prendeu o cabelo longo num rabo de
cavalo alto, pôs um par de brincos longos, de ouro, e
borrifou perfume nos pulsos e na nuca.
Deu um passo para trás e avaliou a própria
aparência. Fez uma careta. Faltava cor nas suas pálpebras,
bochechas e boca. Ela adorava se maquiar, o problema
era que às vezes exagerava um pouco.
Talvez ela fosse exagerada em relação a tudo,
considerou, olhando diretamente para os seios grandes,
apertados no sutiã, a alça dele caindo em um dos ombros.
Ajeitou-a, suspirando resignada.
Havia exagero também na atração física que sentia
por Jimmy. A ideia de ir à casa de Guilherme servia mais
como uma distração, um entretenimento, assim não ficaria
no quarto pensando na boca do pistoleiro, no cheiro e
gosto dele, na quentura acolhedora do seu corpo cheio de
músculos e força... Ela sentia o seu corpo estranho,
diferente, como se os quarenta graus da região estivesse
debaixo da sua pele. Por outro lado, sabia instintivamente
que era a manifestação natural do seu corpo de fêmea
conduzindo-a para a iniciação de sua vida sexual.
Notou que suas mãos tremiam ao abrir a nécessaire.
Fez uma maquiagem para noite, ou seja, exagerou um
pouquinho na sombra cor de chumbo e no batom vermelho
escuro.
Despediu-se dos pais, beijando-os na bochecha.
Não olhou para trás ao descer a escada até onde a
Silverado escura aguardava-a; porém, sabia que tanto
dona Pink como o senhor Max admiravam-na em silêncio.
Puxou a porta e subiu na picape. Obviamente Jimmy
não desceu para abrir educadamente a porta do passageiro
para ela entrar. Isso não a surpreendia, já que ele não era
um Romano e tampouco um parente de Max Bernard.
Ainda assim, não lhe custava nada ser educado e
gentil. E foi o que disse a ele:
— É tão bonito ver um homem abrindo a porta para
a mulher ou afastando a cadeira para ela sentar... Bem,
você podia aprender com os brutos esse tipo de cortesia
charmosa. — alfinetou-o.
Diante do volante, com um cigarro aceso no canto
da boca, ele rebateu:
— Reclama no Procon, ô chata. Vou perder o meu
futebol por sua causa. Não tem prova na segunda, não? —
ele perguntou, sondando-a com ar divertido.
— Era só o que me faltava! — reclamou,
balançando a cabeça.
O que ele tinha a ver com a sua vida escolar?
Nada, absolutamente nada!
Ele acelerou e saiu da fazenda pela estradinha que
levava até a guarita, agora, com três pistoleiros com suas
espingardas descansando no ombro.
Viu-o acenar para os homens, reconhecendo Dion
entre eles. Virou a cabeça na direção do motorista,
constrangida. Por mais que não estivessem namorando,
eles haviam conversado e se beijado muito, o que não os
tornavam dois estranhos.
— Esnobando o namorado?
Jimmy e o seu sarcasmo! Oba, a noite vai ser
divertida! Aham, nunca.
— Cadê a sua namoradinha? — provocou-o.
O moreno sorriu um sorriso preguiçoso e a ignorou,
mantendo a atenção na rodovia federal que os levaria até
o centro de Santa Fé.
Na verdade, acreditava mais na ideia de Jimmy ter
várias amantes do que uma namorada. Ele tinha cara de
homem sem-vergonha que não se apegava a ninguém. O
lance do trauma por causa do noivado desfeito, bem,
aquilo não combinava com a sua personalidade
autoconfiante e, mais do que isso, egocêntrica.
Nossa, ele é um poço de defeitos.
— Precisa parar numa farmácia? — ele perguntou,
pouco depois de ultrapassar um automóvel e pisar fundo
no acelerador.
— Claro que não.
— Tem preservativo aí na “bolsinha”? — o ar de
troça estava nas sobrancelhas arqueadas e o sorriso
irônico dançava nos seus lábios carnudos.
Diabo de homem gostoso!
— Até parece.
— Até parece o que, Bernard? Quer engravidar? —
indagou com secura.
— Deus do céu, você é só um cara lá da fazenda,
não é meu pai nem meu parente! Como pode ser tão
metido! — exclamou numa mistura de sentimentos, todos
estavam ali: incredulidade, irritação e frustração.
— Não quero que o seu pai me culpe por sua
gravidez, só isso.
— O-oque? — quase engasgou.
— Sou eu quem cuida da sua segurança, porra. Se,
por acaso, engravidar de um filho da puta qualquer, terei
que prestar contas aos seus pais e ao comandante. — ele
falou sério e muito profissional.
O que a deixou ainda mais irritada.
— Certo. Vamos colocar as coisas nos seguintes
termos... — ela se virou totalmente para o banco dele ao
continuar: — A minha vagina não precisa da sua proteção.
Ela viu-o franzir o cenho, intrigado.
— Me desculpa, mas é minha responsabilidade
proteger a sua vagina também. — em seguida, voltou-se
para ela e a encarou ao dizer com ar de zombaria
maldosa: — Mas pode liberar a bundinha, assim não
encherá a pança de filho.
— Ai, que nojo, seu nojento!
— O que quer? Enfeitar a merda toda? Sexo é sexo,
só isso, nada demais, mas tem as chamadas
consequências, Bernard. E você é tapada, vive nesse
mundinho romântico de beijos roubados...
— Cala a boca, Jimmy! Pelo amor de Deus, não me
analisa! — gritou, exasperada.
— Não vou analisá-la, — rebateu tranquilamente.
— ainda mais quando é evidente que tá com TPM.
— Só se agora você se chama TPM. — devolveu,
irritada.
— Você se altera por qualquer coisa, nunca a
deixarei que porte armas. — declarou com naturalidade,
como se falasse sobre meias.
— Tenha certeza de que o primeiro tiro seria em
você. — falou, exasperada, voltando-se para frente com
os braços cruzados diante do corpo.
Aquela noite já estava perdida. Nada a faria se
divertir, Jimmy a irritava ao ponto de levá-la a quase
espumar pela boca.
— Não, não. Acho que o Dion levaria bala antes.
— Ah, é mesmo? — ironizou.
— Sou apenas o segurança, não tem por que se
irritar tanto comigo, a não ser que se sinta muito atraída
por mim. É normal as mulheres ficarem putas da cara ao
se apaixonarem por homens inacessíveis para elas.
— É oficial: você é um narcisista idiota. — falou,
amarrando a cara a seguir.
— Tá variando o repertório de xingamentos agora,
é? Gostei de ver, assim amplia o vocabulário e adquire
cultura.
— Vai para o inferno!
— Melhora essa cara, Bernard, tá parecendo uma
mini Drag Queen amarrotada. — provocou-a.
— Cadê o extintor de incêndio? — perguntou,
inclinando pra frente à procura do objeto. — Vou quebrar
essa porra na sua cabeça!
Jimmy riu com vontade, deitando a cabeça para trás
no banco.
— Você me diverte. Puta que pariu, como me
diverte! — declarou aos risos.
— E você é o meu futuro tumor, meu câncer no
pâncreas antes dos vinte e cinco. — reclamou com mau
humor.
Merda de vida! Ele levava tudo na brincadeira e,
ainda por cima, estava sexy vestido de preto, a camiseta
de algodão, o jeans escuro. As roupas que aderiam ao seu
corpo grande e largo.
— Rabugenta! — exclamou, bem-humorado, depois
esticou o braço e pegou o queixo dela entre dedos,
apertando-o do mesmo jeito que fazia com Ava. — Sou
metido, sim, mas só com quem me interessa.
— O que isso quer dizer?
— Quer dizer isso que eu disse, ora.
Ela o olhou com desconfiança.
— Tá, tudo bem, sei que é leal ao meu pai. —
considerou, fitando as próprias mãos deitadas nas coxas.
— E mais leal ainda ao Lorenzo.
— Então tá tudo esclarecido. — ele encerrou a
conversa, piscando o olho pra ela e tornando a se
concentrar no trânsito.
Capítulo 10

Guilherme Benedito Andrades morava em um dos


prédios mais luxuosos da região.
Lana notou quando Jimmy entortou a boca num ricto
de contrariedade ao saber que teriam de usar o elevador
panorâmico para chegar ao último andar, onde o rapaz
morava com os pais.
— Por acaso, você tem claustrofobia? — ela
indagou, assim que entraram no elevador.
— Não, tenho ricofobia, ou melhor, frescofobia.
Conhece? — rebateu, ajeitando o chapéu pra cima e se
posicionando diante do painel para apertar o botão do
número mais alto.
— Sou rica também. — comentou, dando de
ombros, pondo-se de frente para a parede especular,
conferindo a maquiagem e o cabelo.
— Pois é, mas em relação a você é outra fobia, a
pilantrofobia. — debochou, olhando-a de lado. — Tá
engraçadinha, Bernard, não precisa ficar insegura.
— Engraçadinha? — voltou-se para ele, erguendo a
cabeça para mirá-lo nos olhos: — Estou é bonita e
sensual, se quer saber.
— Se você acha. — disse com descaso, dando de
ombros, o sorriso travesso não abandonava seu rosto.
— E você, não acha? — voltou-se para ele, o corpo
inteiro, empertigando a coluna, juntando os seios com os
braços, apertando-os numa pose sensual a “la Marilyn
Monroe”.
Ele a olhou de cima a baixo, demorada e
despudoradamente, mantendo os olhos fixos onde a pele
da garota aparecia, ou seja, entre a metade das coxas até
pouco abaixo dos joelhos, nos braços, ombros e no decote
generoso da faixa de tecido no peito, onde estavam
abertos dois dos três botões. Foi ali mesmo, naquele lugar
secreto, que Jimmy deixou seus olhos parados, um sorriso
de canto e as sobrancelhas arqueadas num ar de demônio
safado.
— É, dá pro gasto. — comentou, arqueando ainda
mais uma das sobrancelhas e era evidente que a
provocava.
— Tá louco de tesão por mim, não tá, Jim? — como
ela gostava de provocá-lo, parecia até uma compulsão, um
transtorno obsessivo.
— Mais ou menos. — ele respondeu, somente os
olhos sorriam.
A resposta atiçou a curiosidade dela.
— Como assim?
Ele parecia sem jeito ao responder:
— Você tá bonita, sim, pilantra. — apontando para
os seios dela, continuou: — E tem esses melões aí... É
bem gata, pra falar a verdade. Mas... — voltou-se para
frente, olhando para o painel e coçando o cavanhaque com
pontos de barba, completou como se o que fosse dizer o
incomodasse: — O problema é que você é a cara do seu
pai, então fica difícil ficar louco de tesão pela versão
compacta e cor-de-rosa de Max Bernard.
Ele estava mentindo! Dava pra notar naquela cara
deslavada sem-vergonha dele!
Ela preparou um palavrão bem cabeludo pra jogar
nas fuças do caubói. Mas foi impedida de continuar
quando as portas do elevador abriram-se dentro do
apartamento de Guilherme.
O rapaz a esperava vestido num jeans gasto e largo,
camiseta colada e a boina xadrez caída num canto da
cabeça. Havia certo charme naquela figurinha, um charme
europeu, afrancesado, mas faltava sex appeal, que, por
sinal, sobrava no brutamonte ao seu lado.
Sorriu, mais para ser educada, ainda estava pasma
com a resposta idiota de Jimmy. Ela nem era tão parecida
assim com o seu pai nem tinha cara de homem, que merda!
Rolava Toro y Moi, que Lana identificou como um
som indie bem ao gosto de Lolla. De sua parte, ela
preferia Rihanna ou Katy Perry, às vezes, Adele, e,
quando pintava, o maravilhoso silêncio.
Tentou não ser fuxiqueira, porém, seus olhos
pularam por cima do ombro de Guilherme e varreram a
sala para dois ambientes, tão sofisticada quanto a do tio
Natan, embora a decoração fosse mais discreta.
— Seja bem-vindo ao meu lar, doce lar! — disse o
rapaz, fazendo uma mesura teatral e, em seguida,
indicando com a cabeça o caminho a eles: — O pessoal tá
no terraço.
Ela viu o olhar que o dono da “noite” lançou a
Jimmy, como se indagasse silenciosamente o motivo dele
estar ali, um cara tão diferente do ambiente do estudante
de Medicina que curtia música legalzinha de descolado.
Sentiu-se na obrigação de esclarecer as coisas.
— Guilherme, na verdade, o Jimmy é o meu guarda-
costas e motorista particular. — deu uma de importante,
assim disfarçava o constrangimento de ter uma babá.
Resolveu não apresentar o amigo ao pistoleiro.
Afinal, Jimmy realmente era apenas um dos empregados
da fazenda.
— Muito prazer... Jimmy? — o rapaz esticou a mão
e ergueu uma sobrancelha de modo interrogativo,
provavelmente, achando estranho que um caipira que
usava chapéu de vaqueiro tivesse nome americano.
O pistoleiro olhou para a mão esticada e depois
para a cara de pastel do futuro médico e sorriu com seu ar
de zombaria ligeiramente maquiavélico.
Lana queria que o carpete abrisse e a enrolasse
todinha nele. Jimmy a matava de vergonha!
Guilherme olhou para sua mão no ar e também
sorriu, recolhendo-a. Depois levou seu braço para o
ombro da garota, conduzindo-a junto de si até onde
estavam seus amigos.
Ela tinha certeza de que Jimmy os acompanhava
com os olhos bem atentos aos dois. Sim, seria vigiada
como uma presidiária pelo carcereiro. Que noite
maravilhosa! Que cretinice! Odiava se sentir atraída pelo
carcereiro!
Havia uma porta de correr que separava o longo
avarandado das salas, através do vidro era possível ver o
pessoal ao redor da piscina e atirado nos sofás e
espreguiçadeiras. Não havia ninguém na água, e eles
também não usavam roupas de banho.
Cerca de doze ou treze jovens conversavam alto e
muito, gesticulando e rindo, segurando suas bebidas
coloridas e balançando suas cabeças cheias de ideias.
Foi como uma espécie de choque cultural para Lana,
ver aquelas pessoas tão diferentes, todas na faixa dos
vinte anos. Era como se tivesse entrado em outro mundo.
Aquela gente se vestia do jeito que se via nos filmes
londrinos rodados no verão. Havia uma aura de
pedantismo no modo como algumas meninas olhavam
umas para as outras e depois ao verem-na entrar no seu
vestidinho e botas de vaqueira.
Sentia-se uma caipira, uma interiorana mais jeca do
que todos os jecas da fazenda. Elas, no entanto, eram
descontraidamente urbanas, segurando seus cigarros entre
os dedos, pouca maquiagem e cortes de cabelo bem
loucos.
Pela primeira vez na vida o ambiente a intimidou.
Lana Bernard perdeu o rebolado e, por isso, meio que se
fechou em concha. Era possível que Guilherme tenha
percebido sua hesitação, pois a puxou mais pra si e disse-
lhe ao ouvido:
— Os meus amigos aí achavam que nós andávamos
a cavalo no centro de Santa Fé e que caçávamos onça pra
comer. Acredita nisso? ​— brincou. — Coloquei todo
mundo no jatinho do meu pai e mostrei a eles como
vivemos nessa terra abençoada. — nesse ponto da
conversa havia um tom de ironia.
— Todos eles estudam Medicina? — ela perguntou
enquanto era conduzida em direção a um dos grupos.
— Todos eles estudam. — disse apenas, rindo-se.
Em seguida, deu-lhe um beijo rápido na boca e completou
com bom humor: — As meninas estão achando essa terra
muito doida com todos esses brucutus de chapéu andando
por aí.
Tentou se afastar de Guilherme, a fim de avaliar a
expressão facial de Jimmy. Uma coisa era ela chamá-lo de
brucutu — sim, às vezes, ela o chamava assim — mas
outra bem diferente era receber uma indireta bem no meio
da cara vinda de um filhinho de papai da cidade. Contudo,
não pôde vê-lo, já que ele estava bem atrás dela.
— Nem todos os caubóis são brucutus. — procurou
amenizar a grosseria de Guilherme.
Eles pararam diante de duas garotas altas, magras,
de olhares vazados; uma delas tinha a lateral da cabeça
raspada e a outra, usava óculos de grau com aro enorme.
— Me digam, Valquíria e Marianne, sobre a teoria
de vocês em relação à serventia dos homens. — pediu a
elas num tom de afetada presunção.
A de cabeça raspada olhou para Lana de cima a
baixo, não transparecendo nada na expressão e declarou:
— Existem dois tipos de homens: os que nos servem
no período fértil para fins de acasalamento, os ditos
“brucutus”, e os que servem para os outros dias, os mais
sensíveis e inteligentes, ou seja, mais próximos da
natureza feminina, que são os para os relacionamentos
afetivos. — concluiu antes de tragar o cigarro e exalar a
fumaça pelas narinas.
Ela só podia ter mais de vinte anos, calculou Lana,
pois já estava toda cheia de teorias como se conhecesse
tudo da vida. Queria muito levá-la para a Rainha do
Cerrado e apresentá-la à vó Margarida, pensou,
segurando-se para não rir.
— Eu, por exemplo, — disse Guilherme, — sou o
homem certo para todos os dias. E você, — ele se voltou
para Jimmy e completou forçando uma simpatia gasta: —
tem a serventia de um touro reprodutor.
Lana segurou a respiração, captando no ar a
provocação do ex-colega de escola. Foi então que ouviu a
voz grave e profundamente masculina de Jimmy e o tom
que ele usou foi o de desafio:
— Quantas de vocês estão agora no período fértil?
Oh, meu Deus...
Ela se obrigou a fitar as garotas que se entreolharam
como se buscassem apoio uma das outras, apoio, por
certo, para dizer que todas estavam ovulando.
— Hum, consegue “cobrir” todas elas, caubói? —
escarneceu Guilherme, devolvendo-lhe o desafio.
Lana se voltou e viu quando Jimmy cruzou os braços
em frente ao corpo, exalando autoconfiança ao responder
sem deixar de sorrir com seus olhos debochados.
— Sim, todas elas e cubro você também.
Uma explosão de gargalhadas se alteou debaixo do
céu negro de Santa Fé. No entanto, Guilherme se recusou a
acompanhar as amigas, as bochechas vermelhas, os olhos
procurando um ponto fixo para pulverizar. Era visível que
ele se negava a participar do evento.
— Imagino que sim. — comentou sem graça,
emendando em seguida, agora, voltando-se para Lana: —
Mas o meu lance é com essa garotinha linda aqui. Vamos
dar um tapa na pantera?
— Hã?
Ela piscou os olhos várias vezes. Há poucos
minutos que o sonso tinha lhe falado da ideia errada que o
pessoal da capital tinha sobre as onças zanzarem
tranquilamente por Santa Fé e, agora, na frente de todo
mundo, ele a convidava pra bater numa pantera!
— Fica aqui, Bernard. — soou a voz grossa num
tom de ordem.
— Relaxa, Jimmy, eu cuido da Laninha. A gente se
conhece há anos, cara.
Hum, o futuro médico tinha bebido todas, como
dizia Jimmy?
Voltou-se para o seu guarda-costas e, segurando-o
no braço, falou diplomática:
— Vou conversar com ele e já volto. Aí vamos
embora, tá?
— Não, você vai se despedir do seu amigo e é
agora.
— E por quê? Por que você quer, é isso? —
indagou num tom baixo e desafiador.
— Olha, caubói, tá tudo em paz, ok? É só um beque
pra ficar sereno. — argumentou Guilherme.
— Acho que a gente precisa mesmo ficar sereno,
Jimmy. — ela reforçou, tentando amenizar a tensão entre
os dois homens.
— Estou sereno e até demais, Bernard. — ele a
pegou pelo antebraço e começou a arrastá-la pra fora do
terraço. — Tão sereno que não vou meter a mão na cara
do seu amigo maconheiro.
— Ele não é maconheiro, é só o jeito de falar,
assim, devagar, arrastado. — reclamou.
— Tudo maconheiro da porra! Até as gostosinhas!
Lana sentiu o rosto arder em chamas.
— Aquelas nojentas com cara de nojo? Metidas.
Vagabundas. Patricinhas. Despeitadas. Tábuas de passar
roupa. — enumerou, tentando se soltar da garra ao redor
do seu antebraço. — Me solta, Jimmy, a gente mal chegou!
— exclamou numa súplica chorosa.
— O que a gente faz lá na fazenda, hein? —
perguntou ele, levando-a de arrasto pela sala. — Que tipo
de gente nós enterramos a sete palmos, me diz? Pra quê
limpar uma cidade de traficantes se a burguesada filha de
uma puta continua consumindo “de boa” os seus produtos?
Enquanto tiver procura haverá a oferta. — sentenciou,
sério.
— Acho que a frase tá invertida. — corrigiu-o,
tentando escapar da garra ao redor do seu braço.
— O cara vai ser médico! Puta que pariu, um
maconheiro estudando pra ser médico, um chapado!
De repente ele parou e a soltou. Lana esfregou o
braço na parte em que estava avermelhada e o viu voltar a
passadas largas até Guilherme.
— Você quer ficar sereno, é? — perguntou,
impondo-se com seu corpo grandalhão, a voz grossa e o
olhar endemoniado.
— Nem vem, caubói, eu luto caratê! — exclamou,
abrindo as pernas e as flexionando enquanto levava às
mãos à frente do corpo, cruzando-as numa posição de
defesa.
O subcomandante pegou-o pela gola da camisa e o
arrastou com facilidade até a borda da amurada de vidro
do terraço. Ergueu meio corpo do rapaz, deitando a
cabeça dele para trás, suspensa no ar a dez andares do
chão.
— Respira fundo e “fica” sereno, barbicha. —
ordenou Jimmy, segurando-o também pelo pescoço. —
Chega de se chapar na maconha, ok? Se não consegue
pegar mulher, relaxa batendo uma, mas nada de foder esse
cérebro de “doutor”.
— Me solta! Vou chamar a polícia! — gritou.
Uma das garotas se aproximou e pegou no braço de
Jimmy, dizendo calmamente, fitando-o nos olhos como se
o paquerasse:
— Ele fez errado em oferecer um fininho, fez
mesmo, a menina é menor de idade, coisa e tal. Mas o Gui
não é um criminoso, ele só fuma pra espairecer, não planta
nem vende droga, viu?
—Tá chapada também, né? — perguntou Jimmy com
rudeza. — Era isso que a sua mãe esperava de você?
— Minha mãe tá em Estocolmo com o namorado de
vinte anos. — rebateu com um sorriso cínico. — Acho
que ela não espera nada de mim.
Jimmy puxou Guilherme pela gola da camisa e o pôs
no chão, sem deixar de encarar a garota de cabelo
raspado.
— E o que importa?
— Nada me importa, só quero me divertir, ora essa.
— retrucou e, em seguida, puxou o fumo.
Ele fez uma cara de menosprezo pra garota. Seguiu
em frente, ignorando-os enquanto se ocupava de pegar
Lana pelo braço e tirá-la daquele ambiente.
Ela ouviu-o dizer do alto de sua autoridade de ex-
policial do BOPE:
— Isso nunca vai ter fim. Enquanto os ricos
continuarem a brincar de se drogar, alimentarão o
mercado dos entorpecentes. E os pobres vão pagar o pato
ao serem assaltados e mortos para sustentar o vício de
quem não tem condições de bancar a droga.
Ele estava muito puto, e ela precisava correr para
acompanhar as suas passadas.
— Não conta pro pai sobre o que viu, tá? — pediu
com cautela, assim que a porta do elevador fechou.
— É essa a sua preocupação? — indagou, ferino.
— No momento, é essa, sim. — concordou,
mordendo o lábio inferior, tensa.
Olhou para ele e notou a coluna empertigada, a
cabeça altiva, o queixo duro e o olhar de amargura.
— Eu jamais usaria drogas, nunca usei, se quer
saber.
— Tudo bem, Bernard, o rolo não foi com você. —
declarou, sério, sem encará-la.
— Nunca dei um tapa na pantera nem chute ou uns
tabefes. — tentou brincar. Não gostava de vê-lo daquele
jeito. Não mais parecia enraivecido, agora era como se
estivesse ruminando algo triste.
Ele se virou e a encarou com um leve sorriso.
— Eu sei sobre a sua origem.
— Mas não sei a sua. — arriscou, sabendo
antecipadamente que ele não falava sobre o seu passado.
— Pois é. — disse, fitando o painel do elevador.
Depois, tornou a sorrir ao se virar para ela e dizer: —
Vamos a um lugar legal para conversar.
Não era um convite.
Nem um encontro.
Estranhamente o coração de Lana acelerou.
Capítulo 11

Jimmy parou diante do Apache, desligou o motor da


picape e ficou olhando para a fachada de pedra e madeira
do estabelecimento enquanto coçava o queixo, pensativo.
— Aqui não é um bar de motoqueiros? — Lana
perguntou, curiosa, inclinando o corpo para frente a fim de
ler o letreiro em neon.
— Aham. — respondeu, ainda pensando se a
levaria para aquele lugar ou ao parque de diversões.
A questão era que ele estava com vontade de beber
uma cerveja gelada e relaxar um pouco.
Notou quando ela se voltou para ele, nem precisou
olhar para o lado, sabia que veria um sorrisinho
endiabrado naquela boca linda.
Ok, Lana era uma gata! E tinha uma boca
desgraçadamente sexy!
— Mas você não tem moto. — constatou.
— Pois é.
— E, ainda por cima, é um caubói.
Agora o tom era o de preocupação. Por isso ele se
voltou para ela e a encarou, sorriu levemente ao falar:
— É verdade, e esses caras odeiam caubóis. —
cruzou os braços em frente ao tórax e, franzindo o cenho,
emendou taxativo: — Acontece apenas que Santa Fé é
praticamente dos Romano e Bernard, e eu entrarei no bar
ao lado da filha de um dos donos da cidade. Você me
protegerá.
— Bom, então me leva pra casa e volta aqui com a
Zoe. Ela é o “segundo macho” dos Bernard e já foi amiga
de um desses motoqueiros. — rebateu, calmamente,
puxando a barra do vestido pra baixo num gesto de
acanhamento.
Jimmy achou graça do jeitinho covarde dela.
Contudo, era só uma brincadeira de sua parte. O Apache
era um bar exclusivo para motoqueiros, mas nenhum deles
fazia parte de gangue ou o diabo. Só tinha homem honesto
e trabalhador ali, que gostava de curtir a estrada montado
nos seus cavalos de aço. Alguns eram professores; outros
bancários e comerciantes. Entretanto, todos enchiam a
cara até a borda e se passavam com a mulherada, que caía
como mangas maduras no colo deles.
— Fica “serena”, Bernard. — debochou, fazendo
uma alusão aos almofadinhas maconheiros e, antes de sair
do veículo, disse: — O povo daqui é legal, só tem um
probleminha...
Contornou o veículo e postou-se já na calçada,
pegou o cigarro engatado detrás da orelha e o acendeu,
esperando Lana achegar-se até ele.
— Qual é esse probleminha, ô “gentleman só-que-
não”?
— Aqui não é um bar como os outros, entende? Não
é como o bar do Gringo ou o Colono Tranquilo, lá de
Matarana... Digo, — merda! Como dizer a uma garota de
17 anos que rolava striptease, que algumas portas
levavam a cabines para se fazer sexo a dois, três, a
vinte, se fosse o caso, e que a mulherada era pra lá de
liberal e alegre com os motoqueiros, mulheres essas, a
maioria, acima dos trinta? — aqui é um bar de adulto,
tarja preta, censurado.
Ela endereçou-lhe um de seus sorrisos pilantras, e
ele estreitou as pálpebras à espera do tiro verbal.
— Minha mentalidade é de adulto, cresci tendo
minhas ideias valorizadas, portanto, posso frequentar
qualquer lugar de entretenimento. — disse, muito solene,
muito séria e muito cheia de si.
Era uma legítima Bernard, criada exclusivamente
para amansar brutos e dominar o mundo!, pensou,
sentindo uma agitação irritante coçar-lhe debaixo da pele.
— Rola orgia. Tá preparada pra isso? — atacou
com brusquidão.
Ela arregalou os olhos e deu um passo pra trás.
Ele sentiu pena da coitada.
— Meu Deus...
— Pra quem quiser, Bernard. — tentou acalmá-la.
— Mas a verdade é que as mulheres avulsas passam de
mão em mão.
— Como assim, “avulsas”? — ela parecia ainda
mais assustada.
— Tem mulher que vem sem homem pra poder se
arranjar aqui.
— Ah.
— Mulheres livres e independentes que querem
arranjar uma transa. Não sei se você faz parte daquele
time de hipócritas preconceituosas, mas acho saudável
uma mulher dar pra todo mundo, inclusive pra mim.
— Tá falando sério?
— Estou rindo?
— Não, mas...
— Direitos iguais, minha filha. — ele a olhou
detidamente e avisou: — Espero que tenha dinheiro aí
nessa sua “bolsinha”, por que o bolsão aqui não pagará a
sua parte da conta.
— Sempre considerei os homens uma raça superior.
— ela jogou na cara dele com ar altivo.
— Calote, pilantra? É isso? — arqueou uma
sobrancelha, interrogativo.
Como essa menina me diverte! Cacete, nunca me
cansa, que coisa estranha! Só podia ser irmã da Lolla!
— Você paga, e o pai repõe no seu salário o que eu
gastar. Pode ser? — perguntou, séria e, por incrível que
parecesse, incomodada.
— Certo, vou pedir um recibo. — afirmou, tocando
na aba no chapéu.
Antes de empurrar as portas duplas e ganhar o
amplo salão, Jimmy estacou, lembrando-se de que não
poderia deixar Lana entrar como se estivesse sozinha, ou
seja, “avulsa”.
— Olha, é o seguinte: ninguém vai se importar com
o fato de você ser menor de idade, não mesmo. Pelo
contrário, o povo adora uma ninfeta. — disse, um tanto
sem jeito. — A questão é que teremos que entrar como se
fôssemos um casal, assim posso garantir que a
respeitarão.
— Como um casal de amantes?
Jimmy viu uma luzinha se acender nos olhos azuis
da garota.
— Não, amigos com benefícios. — provocou-a.
— A vó diz que isso é putaria. — acusou.
— Essa coisa de amante é entre adultos, e você é
uma fedelha. — debochou.
— Então vou entrar sozinha e deixar os caras
passarem a mão na minha bunda!
— Eles vão levá-la para um quartinho e te comer,
Bernard. — afirmou, irritado. — Quer entrar e beber
comigo ou voltamos pra fazenda, e aí você pode dormir
agarrada nos seus ursinhos?
— Namorados, pode ser? — indagou, fingindo um
ar de inocente.
Ele sorriu o seu melhor sorriso sarcástico.
— Nada disso, namoro é coisa séria.
— E daí?
— Tem umas gostosas que eu ainda não peguei, e
você vai me queimar. — declarou com ar divertido.
Ela fechou a cara.
— Não quero ser só uma transa na sua vida. — o
tom era o de lamento e reclamação.
Jimmy arou os cabelos com a mão.
— A gente nunca trepou, Bernard! — exclamou, um
princípio de exasperação engrossou-lhe a voz.
— E, ainda assim, você me trata como uma
qualquer. — fez beiço.
— O que? O que tá falando, sua doida?
— Nunca esqueça que sou filha do Max e a
protegida do comandante! Tenho uma imagem a zelar e
não posso ser apresentada como sua putinha, seu ogro
cabeludo! — irritou-se de vez.
Pior que ela tinha razão.
— É verdade, você é uma pilantrinha de boa
família. — considerou, estendendo a mão e emendando de
modo bastante prático: — Ok, vou apresentá-la como
minha namorada e, no próximo sábado, venho aqui e
encho a cara, dizendo que você terminou tudo comigo, aí
pego todas as gostosas numa noite só.
Pronto! Problema resolvido.
Ela o olhou com um ar de repulsa, aceitando a mão
dele e entrelaçando os dedos.
— Você é um porco nojento, Jimmy.
— Um porco nojento ativo sexualmente, senhorita.
— escarneceu. — Não durmo com ursinhos.
— Não sou uma criança nem uma pré-adolescente!
Nunca esqueça esse detalhe. — sentenciou de modo
ameaçador.
— Tenho certeza de que você nunca me deixará
esquecer. — rebateu, entortando o canto dos lábios para
baixo.
Ele a puxou para mais perto de si, pegando-a firme
na mão, e a conduzindo para o interior do bar.
Capítulo 12

A maioria dos frequentadores parecia fazer parte de


um padrão: o de estar acima dos trinta anos, acima do
peso, vestir jaqueta de couro, fumar e beber pra caramba,
além de gritar em vez de falar quando conversavam.
Havia mesas por todos os lados, na decoração
rústica de madeira de demolição nas paredes apinhadas
de pôsteres de motos clássicas e também com fotografias
que revelavam os grandes momentos do bar.
Através de um corredor, era possível chegar ao
ambiente com pista de dança, globos de luz e paredes de
espelhos. Tudo muito brega. E lá também tinha mais mesas
e cadeiras, um amplo balcão com o atendente do outro
lado e, numa plataforma elevada, uma loira de cabelo
platinado, na faixa dos quarenta, fazia pole dance com os
seios de fora.
Lana parou no meio da pista, admirando os seios
pequenos que mal balançavam enquanto a sua dona subia
e descia da barra vertical. Ela tinha a barriga seca e um
traseiro generoso, as coxas eram firmes, mas não as do
tipo malhadas numa academia.
Jimmy se voltou ao vê-la parada de olho na stripper.
— Ela é hétero, nem adianta tentar coisa. — disse-
lhe, com ar de troça.
Antes que ela pudesse responder, o rapaz que
aparentava ter a mesma idade de Jimmy e que Lana sabia
quem era, aproximou-se sorridente com uma garrafa de
cerveja em uma das mãos. Ele apertou a mão de Jimmy
com o braço dobrado, puxando o caubói contra o seu
corpo num gesto bruto e grosseirão.
Jimmy se jogou pra cima do outro, batendo forte em
suas costas com a mão espalmada, e era um abraço rude
entre homens rudes. Depois ele se voltou para Lana e
apresentou o motoqueiro a ela:
— Esse é o Enzo.
— Eu sei quem ele é. — a garota falou, sorrindo
com charme, e estendendo a mão ao loiro.
— Como tá a Zoe? Ainda casada? — Enzo foi
direto ao ponto, sem deixar de resvalar seus olhos para o
início dos seios que aparecia no decote do vestido dela.
— Muito casada. — rebateu numa voz rouca e, a
seguir, olhando-o nos olhos emendou: — Mas eu estou
solteira.
— É mesmo? — intercedeu Jimmy, pegando-a pelos
ombros e a puxando para si: — O pedido de namoro foi
sério, amorzinho.
Ela notou que ele se esforçava para demonstrar que
era carinhoso. Entretanto, estava disposta a fazê-lo passar
vergonha. O lance de “pegar as gostosas” ainda estava
atravessado na sua garganta.
Por que se irritava tanto com Jimmy?
Por que pegava fogo perto dele?
Abraçou-o de volta, pela cintura, deitando a cabeça
debaixo do seu braço.
— Pensei que fosse só uma foda dura, “amorzão”.
— declarou, alteando a voz para ser ouvida pelas
gostosas ao redor.
Enzo fitou as próprias botas. Pelo visto, seu
comentário deixou-o constrangido.
Mas o caubói riu com vontade, deitando a cabeça
pra trás e abrindo bem a boca, daquele jeito todo seu de
ser: escandaloso. Depois a levou meio que de arrasto,
com os braços ao redor dos ombros dela, para uma mesa
de canto.
Lana nem esperou que Jimmy fosse puxar a cadeira
para ela sentar. Desde criança via o pai fazer esse gesto
para a mãe e também o tio Vince para a tia Valentina.
Então, para ela, era normal os homens serem educados e
corteses. Convivendo com aquele bruto de cara e ombros
largos, ela sabia que ele não era chegado a tais gentilezas.
No minuto em que se acomodaram à mesa, um
camarada loiro, pele avermelhada, nariz curtido do sol e
um abdômen semelhante a um barril de chope achegou-se
até ele, rindo e falando alto como se o xingasse de modo
amistoso.
Jimmy se pôs de pé e o abraçou do mesmo modo
grosseirão que o fez com Enzo.
— E aí, subcomandante, muito ocupado limpando a
sujeirada do mundo? — perguntou, sorrindo com ar
bonachão.
— Se depender de mim, o mundo tá fodido, mas
Santa Fé ficará limpinha. — rebateu, batendo com a mão
no ombro do amigo de um jeito que demonstrava uma
amizade antiga.
— Cara, você tá sumido! — reclamou, examinando
a feição sorridente de Jimmy e, olhando de esguelha pra
garota, falou num tom de provocação: — Se a Maria Inês
e a Claudinha veem essa belezura aí com você, vão armar
um barraco daqueles, as doidas! — em seguida, caiu na
gargalhada.
Era nítido que o motoqueiro estava torto de bêbado.
Lana sentiu o suco gástrico despejar no estômago.
Não podia ser ciúme. O que sentia por Jimmy se restringia
ao campo das sensações, da atração física, não tinha a ver
com sentimentos.
O moreno lançou-lhe um longo olhar, metade do
sorriso permaneceu no rosto, um canto da boca sorria.
— Linda, não é mesmo?
Ela sentiu o rosto pegar fogo.
— Põe linda nisso, subcomandante. — disse o
loiro, que aparentava estar na faixa dos quarenta e,
virando-se novamente para Lana, fez uma mesura e
completou: — Sou amigo de longa data do nosso Jimmy,
desde os tempos de Matarana. — estendeu a mão e
apresentou-se: — Valdério Neves, seu criado,
princesinha.
Lana sorriu e apertou a mão do homem, sentindo o
olhar atento do seu segurança sobre ela.
— Tá em boas mãos, não existe no universo cara
mais gentil com a mulherada que o Jimmy.
Aham, sei.
— Ô Neves, não precisa bancar o cupido que essa
aí eu já fisguei. — afirmou “o cara mais gentil com a
mulherada” bem-humorado, uma sobrancelha arqueada
expressava arrogância.
Teve vontade de contestá-lo e depois esbofeteá-lo.
Mas queria ser o centro de sua atenção e de modo
positivo. De repente, saber que outras duas mulheres
estavam prestes a “fisgá-lo” incomodava-a sobremaneira.
— Sim, totalmente fisgada! — exclamou, fazendo
cara de apaixonada ou de quem acabava de ficar “serena”
dando um tapa na pantera, ou seja, fez cara de idiota.
Ele demonstrou entender que havia uma nota de
divertimento e provocação por parte dela e lançou-lhe um
sorriso charmoso.
— Se não se importa, Neves, vou dar atenção a
minha garota antes que um motoqueiro safado a roube de
mim.
O outro gargalhou.
— Ninguém tira mulher de você, ô grandalhão! —
falou na sua voz grossa de tabagista. Em seguida,
inclinou-se e apertou a bochecha de Lana, dizendo: —
Cuida bem do meu amigo, que ele é maluco, viu? — antes
que ela pudesse expressar reação, ele se voltou para
Jimmy e se despediu, dando-lhe um tapa forte na parte alta
do braço. — Vê se aparece mais, seu filho da puta!
— Pode deixar, corno.
Abraçaram-se amigavelmente e, depois, Neves
aproximou-se da stripper para pôr uma grana na sua
tanguinha fio-dental.
O caubói tornou a se sentar, encarando-a com ar
debochado.
— Hoje vou deixar que me acompanhe no trago.
— Você não faz o tipo politicamente correto, não é
mesmo? — perguntou, estreitando os olhos e imitando a
voz de uma mulher adulta.
— Não faço tipo, qualquer que seja. — informou-a
com um olhar maldoso. — Sou isso aqui mesmo, diante de
você, um cabra sem segredos, um livro aberto, por assim
dizer, é só pôr a mão em mim e me folhear todo. —
completou, olhando diretamente para a boca da garota.
Dito isso, ele se levantou e avisou-a por cima do ombro:
— Esqueci que aqui não tem garçom, vou buscar nossas
bebidas.
Ela ficou olhando para as costas largas e o cabelo
desgrenhado pouco acima dos ombros. O traseiro
estufando o jeans e as coxas, a macheza toda ali, robusta,
forte.
Quando voltou, segurava duas cervejas pelo gargalo
e na outra mão trazia um copo de tequila. Depositou-as
sobre a mesa enquanto se sentava, sem deixar de encará-la
atentamente.
— Me diz, Bernard, onde tá o seu Romano?
Ela notou o tom de escárnio, mas procurou ignorá-lo
ao responder:
— Acabou a safra de Romano. Eu e a Ava
morreremos solteironas. — ironizou.
— Nada disso, ouvi por aí que o Max mandou
investigar sobre o paradeiro de um parente distante do seu
Armando Romano, e se ele tiver descendentes, vão
conseguir um casório pra você. — falou, sem inflexão
especial na voz, era mais como uma conversa jogada fora.
— Acho bastante original as Bernard casarem com os
Romano, assim a propriedade não é dividida em lotes
caso haja divórcio na família. — considerou, crítico.
— O que você tem a ver com isso? — indagou,
secamente.
— Nada, não sou um Romano, ora. — deu de
ombros, com displicência.
— É evidente que não, os Romano são cavalheiros.
— enfatizou, fingindo-se de zangada. Na verdade, gostava
daquele jeitão dele de “tô-me-fodendo-pra-oque-você-
acha. — Ao passo que você, se comporta como um
troglodita.
— Olha pra mim, eu sou um troglodita! —
exclamou categórico, batendo o punho fechado na mesa e
endereçando-lhe um sorriso sacana. — Agora vamos falar
um pouco de você.
— Não, primeiro quero saber sobre você. —
insistiu. — Me conta sobre o seu tempo como sniper.
Matou muita gente?
Ele a olhou detida e avaliativamente como se
quisesse desvendar-lhe a essência da alma, ou seja, se
Lana era uma pessoa boa ou perigosa.
— O que quer saber, pilantra?
— O que fazia no Rio, quer dizer, como sniper?
— Atirava nos traficantes e os matava. Às vezes,
errava e só os aleijava. Aí era um dia ruim. — ele pegou
um cigarro e o pôs entre os lábios: — Hoje faço, em Santa
Fé, o mesmo que fazia como policial. A diferença é que o
meu salário triplicou de valor. — declarou, sem falsa
modéstia.
— Mas na polícia você tinha que seguir alguns
procedimentos, não é?
— Sim, essa merda burocrática que te faz perder a
paciência e acabar atirando em quem não deve.
— Aconteceu com você? — indagou, preocupada.
— Sim. Mirei a cabeça de um vagabundo e acertei a
de outro. Acabei matando o irmão de um dos traficantes.
Ainda assim, o povo ficou no lucro. — disse, com frieza.
— Você odeia traficante igualzinho aos brutos. —
ela constatou, bebendo a sua cerveja gelada.
— E quem gosta deles? Só os malditos viciados.
— Os serenos e os agitados.
Ele riu um riso rápido da tirada dela.
— Existe toda uma corja que sustenta esse tipo de
gente, o buraco é mais embaixo. Eu prendia traficante pé
de chinelo e não chegava nem perto dos grandões, os
executivos do narcotráfico. — considerou, descendo o
copo de tequila garganta abaixo.
— Se cada cidade do interior organizar o seu grupo
de justiceiros, logo o país inteiro estará limpo desse tipo
de lixo. — disse, controlando um arroto levando a mão à
boca.
— É o que tá acontecendo em Santa Fé, depois de
Matarana ter dado o exemplo. — ele emborcou mais um
copo cheio da bebida amarga e completou muito sério: —
Mas o que faremos com a bandidagem de Belo Quinto? Só
soltando uma bomba nuclear no rabo deles.
Ela riu e a cerveja escapou por seu nariz.
— Merda! — pegou um guardanapo de papel e
limpou o rosto, envergonhada.
— Bebe pouco e devagar, Bernard. Como o povo
diz, “a noite é uma criança”. — declarou num tom
enigmático, fitando-a intensamente.
— Pouco nada, quero é me esbaldar. — afirmou
categórica, limpando-se da cerveja que escorrera também
para dentro do decote. Depois se voltou para ele e
retomou o rumo sério da conversa: — Você tem irmãos e
irmãs? Alguém importante que tenha ficado no Rio de
Janeiro? — a última pergunta saiu num fiapo de voz, já
que ela tentou ocultar o interesse pela resposta.
— Não tenho ninguém em lugar nenhum. —
declarou, agora, fitando o resto da tequila parada no fundo
do copo. — Meu irmão se viciou em crack e começou a
vender as coisas lá de casa. Éramos nós três, eu, ele e a
minha mãe, solteira, por sinal. Então o mais novo pegou o
caminho da vagabundagem, começou a farrear, largou a
escola e ficava só no cachimbo, dia e noite. Levei o
moleque para várias clínicas de reabilitação e nada
adiantou. Ele voltava para as ruas e se chapava. — ele
parou de falar e bebeu o resto da tequila. Havia no
semblante a expressão de uma angústia profunda e
sedimentada. Em seguida, continuou: — Quando ele não
conseguiu mais roubar nada de nós, passou a assaltar as
pessoas, gente desconhecida e os nossos vizinhos também.
Andava com uma faca de cozinha na cintura e a cara cheia
de feridas. Minha mãe estava definhando, desolada, quase
morta. Aí chamei uns caras da polícia e o levamos em
cana. O desgraçado do meu irmão se matou na cadeia e a
minha mãe fez o mesmo em casa, pouco tempo depois. Ela
tomou um monte de comprimido, cortou os pulsos e, pra
garantir o serviço, enrolou o pescoço num cinto e o
prendeu na maçaneta da porta. Na verdade, ela foi
assassinada por uma golfada de vento. — ele riu um riso
áspero e emendou com repulsa: — O meu irmão procurou
a droga, não foi a droga que bateu lá na porta de casa.
Mas toda vez que cruzo com alguém que vende essas
merdas, faço questão de ser a golfada de vento dele.
Lana se sentiu no chão, esgotada emocionalmente e
triste. Talvez Jimmy não percebesse a dor que permeava o
seu relato. Às vezes, quando se convivia durante muito
tempo com o sofrimento tinha-se a impressão de que não
se sofria mais. Era o que acontecia em relação à perda da
sua vó Virgínia.
— Então por que deixou de ser policial?
— Acabei de dizer o porquê, Bernard. — afirmou,
entortando o lábio pra baixo num ricto de desagrado.
— Não, não disse.
Ele suspirou fundo e olhou ao redor, na certa para
ver se havia muita fila no balcão do bar, uma vez que seu
copo estava vazio. Voltou-se para ela, erguendo o
corpanzil da cadeira.
— Eu disse, sim, mas você só sabe ficar olhando
pra minha boca, taradinha. — falou sério, embora suas
sobrancelhas estivessem erguidas num ar de escárnio.
Afastou a cadeira fazendo menção de se afastar, mas
antes, com um leve sorriso, esclareceu: — Policial
prende, justiceiro mata. Prender para a justiça soltar,
sinceramente, não é o meu objetivo de vida.
Era o mesmo modo de pensar do tio Vince, também
ex-policial. E, sim, ela não conseguia parar de admirar (e
querer) aquela boca feita exclusivamente para ser beijada.
Mais uma generosa dose de Jose Cuervo e três
cervejas foram deixadas na mesa. Assim que se sentou,
Jimmy disse:
— Mandei trazer uns petiscos, daqui a pouco chega
aqui. Precisa estufar o estômago, não quero ter que
carregar você no colo, vão pensar que perdi meus
colhões.
— Claro que sim, qualquer sinal de cortesia de sua
parte ataca diretamente a sua fama de caubói machão. —
devolveu com azedume.
Ele encheu o copo pequeno, normalmente usado
para beber cachaça e rebateu, sorrindo:
— Ainda bem que sabe a diferença entre um cabra
que meramente usa chapéu de um caubói machão. A sua
geração não é tão sonsa quanto parece.
— Assim falou o velhote.
— Posso até ser “velhote”, mas pelo menos sei
abrir uma garrafa de cerveja. — falou, endereçando um
olhar de troça à garrafa que ela não conseguia girar a
tampa. — Me dá essa porra aqui, Bernard, não quero que
machuque suas mãos de princesinha.
— Cuidado, Jimmy, você tá agindo como um
cavalheiro. — escarneceu, com um sorriso desafiador.
— Não tem problema, essa cortesia de gay não
afetará a minha ereção. — sentenciou, abrindo a cerveja e
despejando parte do conteúdo no copo diante dela.
Lana sentiu o sangue subir às bochechas e ficou
quase roxa de vergonha quando o tinhoso do caubói caiu
na gargalhada ao vê-la constrangida.
— Imagino que seja uma grande ereção. — ela
balbuciou, impulsionada pelo desejo por ele, que sempre
a acompanhava, e também pelo excesso de álcool.
Ele estacou no gesto de levar o copo à boca e a
encarou com seus olhos muito castanhos e provocadores,
dizendo numa voz baixa, devagar e arrastada:
— Sou todo proporcional.
Lana deixou o ar escapar aos poucos dos pulmões e,
sem sucesso, não foi capaz de controlar um gemido rouco.
— Você deve ser muito bonito sem roupa.
Deus do céu, como isso escapou?
Baixou a cabeça, envergonhada. Não era para ter
falado o que acabava de pensar! Não, não era!
— Bonito? — alçou uma sobrancelha e acresceu
numa voz perigosamente maldosa: — Não existe macho
pelado que seja bonito. Sou selvagem e grotesco, garota.
Nossa, quero ver!
O que ele havia-lhe dito era como jogar gasolina na
fogueira, as labaredas aumentaram, e Lana desconfiava
que o tecido da sua calcinha acabava de pegar fogo.
— Você diz... Quer dizer... por causa do tamanho do
seu pênis?
Jesus Cristo!
Bebeu mais um gole da cerveja. Era pouco. Sorveu
o copo inteiro. Insuficiente. Pegou a garrafa pelo gargalo e
permitiu que o líquido amargo e gelado baixasse a
temperatura do seu corpo. Não adiantou.
Assim que secou a última gota da bebida, endereçou
um olhar curioso ao homem que a fitava com um leve
sorriso nos lábios.
— É grande. Muito grande. — ele se inclinou e,
dobrando o dedo indicador em gancho, chamou-a para que
se aproximasse. Feito isso, sussurrou-lhe: — E bem
grosso, Lana.
— Diabos... — gemeu, a respiração ofegante.
— Sim, o diabo tem um pau parecido com o meu,
mas o dele não é tão quente. — piscou o olho pra ela e
tornou a se concentrar na tequila.
Um dos motoqueiros, vestido na jaqueta de couro e
com um pano de prato manchado fazendo as vezes de
avental ao redor do jeans, aproximou-se com a bandeja,
deixando as travessas com os petiscos na mesa.
Lana não estava mais com fome. Só pensava no pau
de Jimmy. No corpo nu, inteiro, tão moreno e grande,
largo, musculoso. Pensava também no quanto ele era
animalesco, rude e experiente...
— Come uma linguiça. — ele ordenou bruscamente.
Ela lançou-lhe um olhar aturdido, e viu-o sorrir de
modo sacana.
— Vamos, Bernard, come alguma coisa. Sou
responsável por sua integridade física, o que inclui evitar
que passe mal em razão de suas bebedeiras.
Então abruptamente ela ouviu as palavras
escaparem de sua boca:
— Sou virgem.
Jimmy recolheu seu sorriso e o ar de troça do olhar
que lhe endereçou, o semblante adquiriu uma seriedade
que não era severa nem sombria, apenas contemplativa e
um tanto surpresa.
— Quer resolver isso? — perguntou, a voz
ligeiramente pastosa, contudo, direta e seca, como se
fosse o subcomandante resolvendo um problema da tropa.
Ela não hesitou.
— Sim.
— Ok.
Nem ele.
Capítulo 13

— A partir desse ponto, desligarei a luz alta e farei


o percurso até o alojamento meio às escuras. — disse ele,
ao volante. — Não se preocupe que sei o caminho de cor.
— A sua casa é distante do alojamento dos
pistoleiros, ninguém vai nos ver. — falou, sentindo-se
ansiosa e nervosa.
— O pessoal aqui é pago para ver tudo. — rebateu,
voltando-se para ela e emendando a seguir: — Ainda
pode cair fora, Bernard. Você tá no controle, é a minha
patroa, por assim dizer. E a sua casa fica logo ali.
Ela olhou para o vulto que era o dedo indicador
dele apontado para o lado esquerdo de ambos. Era
possível ver o muro de alvenaria e o segundo andar do
casarão no alto. E se o pai estivesse admirando a noite,
fumando junto à amurada, talvez conseguisse perceber a
picape do subcomandante — ou, pelo menos, o ruído
baixo e grave do seu motor — avançando pela estradinha
que levava aos alojamentos dos pistoleiros e também ao
condomínio de casas dos vaqueiros e suas famílias.
Sorte sua que Max não ficava à toa admirando a
noite.
— Se não for com você, será com o Dion. Por mim,
tanto faz. — disse, num tom maldoso, erguendo o queixo
com arrogância.
Jimmy pareceu não se importar.
— O Dion é um moleque que mal sabe segurar o
pau pra mijar, acho que vai se decepcionar fazendo sexo
pela primeira vez com esse tipo de cara. — declarou,
impassível.
— De qualquer forma, a primeira vez é ruim, então,
como disse antes, “tanto faz”.
— Por que essa cretinice toda, hein, ô Bernard? —
perguntou, sem se voltar para ela, entrando com a picape
na garagem lateral, fechada. — Por acaso, estou
sequestrando a senhorita para fins de estupro? Só me
ofereci para iniciá-la sexualmente. Se quer saber, uma
dona muito linda fez isso comigo também.
— Oh, que romântico! — debochou, abrindo a
porta.
— Não foi romântico, foi uma foda gostosa e longa,
muito suada. Eu tinha 13 anos e não sabia nada, e a minha
tia divorciada ensinou tudo que ela sabia e a doida sabia
tudo. — o modo como ele falou não demostrava qualquer
trauma ou recordação negativa. Pelo contrário, era
evidente a admiração pela mulher mais velha.
— Por que você tá sempre cercado de violência e
coisas nojentas? — indagou com desdém.
— Porque sou violento e nojento. — respondeu
simplesmente, deixando-a descer do veículo.
E era com esse homem que ela ia perder a
virgindade.
Sentiu-o bem atrás de si — não apenas o cheiro
amadeirado da colônia masculina, como também a tepidez
que emanava de sua pele — e, sem se voltar, pediu:
— Pode ser cortês comigo pelo menos uma vez? —
notou que sua voz tremeu.
— Claro que serei gentil, Lana. — disse numa voz
mansa, pondo as mãos grandes sobre os ombros dela.
Ela notou também que os mamilos ficaram duros e o
ar quase suprimido da atmosfera.
Era com esse homem que ela ia fazer sexo.
Sentiu a pressão de uma boca contra a parte alta de
sua cabeça e, depois, a leve inclinação em direção ao
lóbulo da sua orelha. Ali, ele prendeu seus dentes,
mordiscando-o.
Aspirou o odor da tequila e do cigarro que ele havia
fumado minutos atrás. Deixou escapar um gemido de
insatisfação, quando foi abandonada sem o corpo forte
dando-lhe apoio atrás de si.
Era com esse homem que ela ia...
— Quero ver o seu rosto quando gozar.
Viu o semblante de Jimmy se abrir numa expressão
de desejo e admiração ao ouvi-la ser tão direta e
desavergonhada. Pelo visto, ele gostava que as coisas
fossem ditas sem sutileza. Era um bruto de corpo e alma.
— Não sabe quantas vezes me imaginei dentro de
você. — assumiu, olhando-a profundamente.
Ela sorriu, satisfeita com aquela confissão e, em
seguida, deu uma corridinha, ganhando um pequeno
espaço entre ambos, e pulou para o colo dele.
— Pensei que não se sentisse atraído por mim. —
falou, sem jeito, a bochecha encostada na bochecha dele.
— Sou diferente dos mulherões que você pega.
Ele riu baixinho, enfiando o nariz entre os cabelos
dela, e respondeu:
— Você é diferente de tudo na minha vida. —
depois, desceu as mãos para debaixo do traseiro feminino
e o apertou com força até ela gemer alto e, com um sorriso
sádico, declarou: — Agora vamos pra cama foder.
Ela abraçou-o com força, tentando controlar a
tremedeira, o medo, a ansiedade e, por fim, a expectativa.
O desejo a blindava contra os gritos de sua voz interior.
As palavras mais sensatas não a alcançavam, não
enquanto ela estivesse sendo carregada nos braços do
subcomandante para ser deixada na cama dele.
Assim que entraram na pequena casa de alvenaria,
ela sentiu o cheiro de jasmim, dos produtos de limpeza
que as empregadas usavam no casarão. Embora
estivessem na penumbra — apenas a luz dos postes da rua
iluminava o ambiente, ela observou a arrumação da
cozinha, por onde entraram, e a decoração impecável dos
móveis rústicos e simples.
Imaginava encontrar uma casa bagunçada, com
roupas atiradas para todos os lados e uma pilha de louça
na pia. No entanto, havia-se enganado e o que via, ainda
que parcialmente devido à péssima iluminação, era um
lugar limpo, arejado e decorado como se fosse a moradia
de uma mulher solteira.
Aquele homem era um mistério para ela, pensou
Lana, deitada de costas na cama, vendo-o se movimentar
pela quarto.
Ele jogou longe a camisa e, demonstrando perceber
a curiosidade dela em torno de sua casa, falou com um
sorriso travesso:
— Mais tarde você faz um tour por aí, ok? Pode
futricar à vontade, só coloca as coisas no lugar depois. —
piscou o olho pra ela.
Havia um pequeno abajur sobre o criado-mudo, e
ela somente o viu quando Jimmy se inclinou para acender
a lâmpada de quarenta watts. A frágil iluminação
desvendou a decoração do ambiente. A cabeceira da cama
com grades de madeira e o baú fechado aos pés. O
roupeiro que tomava uma parede, a janela aberta, com a
cortina branca de voile, e um sofá de dois lugares num
canto ao fundo.
Quando terminou de percorrer com os olhos o
quarto do caubói, voltou sua atenção a ele próprio e viu o
corpo avantajado vestido apenas no jeans. Ela conhecia
cada palmo de pele da tez muito morena daquele homem,
havia anos que deslizava seus olhos por sobre o tórax
largo, com poucos pelos, os gomos proeminentes do
abdômen sarado, os braços musculosos e os ombros
ossudos.
— Quer beber alguma coisa? — perguntou,
aproximando-se da cama e se sentando na beirada. —
Suco, água com gás... Tenho mais cervejas também, se
quiser. Isso nunca falta aqui. — completou, sorrindo
jovialmente.
Cacete, ela estava nervosa pra caramba!
— Obrigada. — agradeceu, devolvendo o mesmo
tom delicado, o que era estranho, já que normalmente
falava com Jimmy usando um timbre áspero (para xingá-
lo) e esganiçado (para debochar dele). Lembrou-se então
de que usava botas e podia estar com chulé. Tal
pensamento fez jorrar mais um pouco do suco gástrico no
seu estômago e ela se sentou, dizendo num fôlego só: —
Preciso ir ao banheiro.
— Ok, vou levá-la até lá. — disse, erguendo-se e
estendendo a mão para pegar a dela.
Jimmy cheio de atenções?
Ela aceitou o gesto, prendendo seus dedos nos dele,
e se deixando ser conduzida pelo corredor que levava ao
pequeno banheiro, simples e cheiroso.
Não conseguiu resistir à tentação e matou sua
curiosidade.
— Você paga um extra para as nossas arrumadeiras
limparem a sua casa?
Com o dorso da mão, ele fez um carinho na
bochecha dela ao responder:
— Nada disso, sou um legítimo dono de casa,
Bernard.
— Parece o Dinho, é ele quem limpa o chalé, sabia?
Jimmy riu alto.
— Vou usar essa informação como arma contra o
bruto.
Ela sabia que ele se referia ao fato de ambos não se
toparem. Não eram rivais ou inimigos, nada muito sério,
mas todos sabiam que Dinho não levava fé na lealdade do
subcomandante para com Lorenzo.
— Um dia vocês vão se acertar.
— Talvez. — disse ele, com ar de zombaria. — A
gente se acerta ou nos “acertamos” no tiro.
— Me diz que tá brincando. — pediu, assustada.
— Estou brincando, jamais me voltaria contra um
Romano. — afirmou, agora, incisivo. Afastou-se da porta
e saiu, dizendo por cima do ombro: — Não saia nua do
banheiro, gosto de eu mesmo tirar a roupa da “dama”. —
a ênfase na palavra recebeu um tom de ironia.
Ela fechou a porta e se escorou nela. Respirava
forte e rápido. Seus joelhos pareciam de gelatina quando
caminhou até a privada para se sentar e retirar as botas.
Olhou-se no espelho e viu um par de olhos que
brilhava muito, as bochechas coradas, o cabelo solto
caído nos ombros. Sentia-se bonita e desamparada, ao
mesmo tempo, intimidada e excitada.
Queria que fosse com ele. Sua iniciação sexual com
Jimmy. Só podia acontecer com o subcomandante.
Tomou um rápido banho, sem molhar o cabelo e
vestiu-se novamente.
Ao chegar ao quarto, encontrou um copo de suco
sobre o criado-mudo e Jimmy, sentado, puxando suas
botas e meias e jogando-as para debaixo da cama.
Ele ergueu os olhos e, ao vê-la, sorriu levemente.
— Quer prosseguir, Bernard?
— Sim.
— O quanto você quer? — a voz era lânguida, o
olhar desceu e subiu pelo corpo da garota.
— Muito.
Foi até ele e se sentou ao seu lado. Viu-o pegar o
copo com suco e trazer até ela.
— É maracujá.
— Pra me acalmar? — brincou.
— Não. Gosto dessa fruta e quero sentir esse gosto
quando não parar de beijá-la. — falou, num tom de
promessa.
Ela sorveu rapidamente um grande gole, e ele então
a beijou longa e profundamente, segurando-a na nuca.
Entregou-se à carícia perturbadoramente erótica, a
língua dele procurando, encontrando e sugando a sua,
deflorando sua boca sem pudor, sem carinho ou gentileza,
comendo-a.
O alarme do seu corpo foi acionado pela
efervescência dos seus hormônios. O sangue corria
enlouquecido pelas veias e parte dele desceu para o seu
sexo, incendiando-o, umedecendo o forro de algodão da
calcinha, o sumo que escorria da sua vagina, provocado
pela excitação do beijo daquele homem bruto, deixou-a
molhada e à mercê da própria vontade.
Afastou ligeiramente as pernas, precisava aplacar o
calor irradiado pelo sexo e, que, rapidamente, espalhou-
se como rastilho de pólvora, a chama intensa,
endurecendo os bicos dos seios, estremecendo o ventre,
fazendo pulsar o clitóris, arrepiando a pele, eriçando os
pelos na nuca e nos braços, amolecendo seus ossos,
subjugando nervos e músculos, cedendo cartilagens,
explodindo artérias e veias, apagando neurônios,
desmaterializando-se, em fogo, no fogo, nos braços do
amante sem sobrenome.
Ele a deitou de costas na cama e continuou a beijá-
la. A mão deslizou por cima do vestido, tocando-a
sutilmente, fazendo leve pressão por sobre os seios. Não
os apalpava ou os apertava desajeitadamente como outros
o fizeram. A palma aberta deslizava com suavidade por
sobre o tecido fino do vestido, sondando um seio e depois
o outro, sentindo-os, enquanto tinha a boca devastada por
outra, faminta.
Ouviu-o soltar um gemido rouco e aquele som
também a excitou. Subiu suas mãos para os cabelos dele,
embaralhando os dedos nas mechas lisas e macias.
Arqueou a coluna para senti-lo, e ele entendeu o grau de
sua urgência.
Puxou-a para cima da cama, a cabeça quase se
encostando à cabeceira em cima do travesseiro e, a seguir,
deitou-se ao seu lado. Inclinou meio corpo sobre ela e,
afagando-lhe a face com a mão, falou baixinho:
— Quando parar de tremer e começar a confiar em
mim, saberei que tá pronta. — depois a beijou na ponta do
nariz e completou com uma sugestão de sorriso: — Se
você não fosse especial, eu não arriscaria a minha vida e
o meu emprego trazendo-a para a minha cama.
— Acho que eu precisava ouvir isso. — disse, um
tanto sem graça. Era mais fácil brigar com ele e rebater as
suas provocações do que expor seus sentimentos. Mas a
verdade era que se sentia à vontade com Jimmy, podia ser
ela mesma sem enfeites ou retoques.
Ele sorriu com os olhos, as pálpebras ligeiramente
repuxadas tinham nas comissuras um leve sorriso, quando
baixou a cabeça e seus lábios abriram os dela, a língua a
penetrou. O beijo foi longo e demorado, como se a
beijasse em câmera lenta, enquanto suas mãos testavam a
resistência das alças do vestido. Por fim, ele desistiu de
soltá-las.
— Vamos tentar de um modo mais fácil. — ele
disse, erguendo-a pelos ombros para, assim, ter acesso ao
fecho detrás das costas dela.
Sentiu a mão grande e tépida roçar na pele do seu
dorso ao abrir a sua roupa, baixando-a até a cintura.
O ar não estava frio no quarto, mas ela sentiu a
umidade da atmosfera soprar contra a carne macia dos
mamilos. Agora estava seminua para ele, mostrando os
seios pesados, e não sabia realmente qual reação lhe
causaria. Às vezes, ela se considerava uma sortuda que
nascera com 500 ml de silicone oferecido por sua
genética, mas, na maior parte do tempo, sentia-se uma
aberração, no lugar de seios, ela tinha ubres de vaca,
como Lolla dizia.
Agora Jimmy olhava para os seus seios e, como ela
estava ofegante, eles se mexiam, grandes e escandalosos.
Ele tocou cada um com a mão. Pegou-os por baixo,
no bojo, segurando-os enquanto os polegares bolinavam o
mamilo.
Havia um ar de prazer indecente no olhar dele,
como um bárbaro de posse de um grande tesouro, era
visível que se controlava para não avançar com violência.
— Eu sabia que eram lindos. — sussurrou. —
Assim como sabia que um dia os provaria.
Dito isso, baixou a cabeça e aproximou a boca de
um dos seios. Lana deitou a cabeça para trás, segurando-
se nos ombros dele, respirando rápido ao sentir a
vertigem do antecipado prazer.
A ponta da língua lambeu o bico intumescido, duas
rápidas lambidas e, depois, a ponta dos dentes tomando-o
com leve pressão. Ela deixou o ar escapar numa golfada
alta e forte, e ele afastou a cabeça do seio para, em
seguida, voltar e sugá-lo com vontade, abocanhando o
mamilo todo, apertando sem machucar o farto peito que
cabia inteiro na mão masculina cheia de calos.
— É tão bom... — ela falou meio grogue, fechando
os olhos para mergulhar profundamente na sensação.
Ele então chupou o outro seio e a mão, livre, desceu
até a cintura dela, embarafustou-se para dentro da
calcinha, o dorso empurrando pra cima o elástico do cós.
Gemeu ao senti-lo pegar no seu sexo com a mão
aberta e fechá-la sobre ele. Agradeceu mentalmente a si
mesma por ter-se depilado como, segundo Zoe, as
mulheres modernas o faziam: raspando tudo.
Ele ergueu a cabeça, e ela viu seus olhos
congestionados e as pálpebras inchadas como as de um
bêbado.
— Seu rosto tá diferente. — ela constatou numa voz
cheia de desejo.
— É que estou duro de tesão. — respondeu, arfando
ligeiramente, as narinas arreganhadas para trás. Ele se
afastou e começou a puxar a calcinha pra baixo, retirando-
a pelos pés e a levando ao nariz, cheirando-a de olhos
fechados: — É certo que essa foda vai me foder o juízo.
— o tom era o de prazer, contudo, havia uma nota de
pesar no timbre da voz grave. Depois, pôs a lingerie no
bolso traseiro do jeans e, erguendo a barra do vestido até
a cintura dela, arrastou as palavras pra fora da boca numa
voz de agonia sexual: — Preciso ver sua bocetinha.
E foi o que ele fez.
Lana afastou as pernas e mudou de posição,
fincando os cotovelos no colchão para sustentar metade
do corpo e, assim, conseguir ver o caubói agachado diante
dela, entre as suas pernas, admirando com uma expressão
de bicho no cio a sua vagina de virgem.
Levou a mão até o próprio sexo e, com dois dedos,
separou os lábios, exibindo a carne rosada e úmida, o
clitóris despontando inchado.
— Quando vê uma boceta como a minha,
inexplorada e louca pra ser comida, o que pensa,
subcomandante? — provocou-o.
Ela estava louca, inflamada de desejo, louca por
aquele homem, louca para que ele a fodesse.
— Adorável e má, é certo que tem a boceta mais
deliciosa do planeta. Então eu penso que você vai me
comer vivo. — decretou num tom que lembrava muito o
desespero intenso instigado pelo desejo.
Ele cravou suas mãos debaixo das coxas dela,
puxando-a pra si, o rosto todo se enterrou no vale úmido,
a boca se abriu por sobre as dobras da vagina.
Mordiscou-a na carne macia e lisa, pressionando o
polegar com suavidade por sobre o clitóris. Lambeu toda
a greta, lambeu como se degustasse um mamão papaia
aberto ao meio, lambuzou-se dos seus fluídos, até ela
sentir o dedo longo e grosso massagear a entrada da
vagina, preparando-a para a penetração.
— Eu quero. Quero tudo. — arfou, pediu, implorou.
Ele a masturbou friccionando o botão dilatado, e ela
gozou na boca de Jimmy. Enquanto o fogo formigava por
debaixo da pele, irradiando calor por todo o corpo, ela se
mantinha escorada nos antebraços vendo a cabeça morena
trabalhando na boceta, as mãos segurando-a ao redor das
coxas, pegando-a forte por baixo.
No instante seguinte ele se ergueu e a deitou na
cama, de costas, girando-a sobre si.
Viu o rastro de umidade da sua vagina nos lábios e
maxilares dele.
— O que quer que eu faça? — ela perguntou, servil.
Notou quando um filete de suor pingou da ponta do
bico do seio e acertou o queixo do homem, que o lambeu
com sua língua larga.
A língua que usou pra chupar a sua boceta, Lana
pensou, estremecendo.
— Você vai montar no seu caubói e controlar a
montaria. — informou-a, suavemente. — Assim, quando
sentir dor, pode parar. Entendeu? Não tente me agradar,
Lana. Vai doer, mas é você quem controlará a intensidade
da dor, ok?
Ela fez que sim com a cabeça e ergueu uma perna
para subir sobre o abdômen dele. Tinha suas mãos presas
a dele, firmando os braços estendidos, e a cintura, erguida
no alto, aos poucos, foi abaixando até ficar rente ao pau
grande e grosso, deitado pra trás, pesado, a glande úmida.
Admirou, por um momento, a coroa de pelos
escuros ao redor do pênis.
Ao sentir a glande tocar na sua entrada, parou,
respirando forte.
Jimmy pegou-a na cintura e, inclinando a cabeça
para o lado no travesseiro, avisou-a:
— O preservativo, Lana. — ele ergueu meio corpo
e abriu a gaveta do criado-mudo, retirando a embalagem
escura e discreta.
— Posso colocar?
— Aham. — respondeu, rasgando a embalagem e
entregando-lhe o preservativo. Assim que ela o pegou e
começou a embalar o pênis, ouviu-o perguntar num tom de
brincadeira: — Aprendeu numa banana?
— Que nada, foi assistindo a filme pornô mesmo.
— retrucou com naturalidade, ouvindo-o, em seguida, cair
na gargalhada.
Ela se esmerou ao pôr a camisinha, sem deixar de
calcular mentalmente o tamanho daquele pau.
— 20? — chutou.
— 23. — sorriu, sacana. — Agora monta no cavalo
aqui, vem. — mandou, numa voz cheia de luxúria.
Ela esperava sentir muita dor, mas não esperava que
Jimmy apertasse os seus seios de forma tão sexual, agora,
sim, apalpando-os, pegando-os com firmeza. Depois, ele
pegou o pau na mão e o posicionou pra cima, como uma
estaca de carne quente e pulsante, as veias grossas,
dilatadas, a sedosidade da pele sobre a dureza do
músculo.
Aos poucos, sentiu o espaço entre as paredes da
vagina preenchido. O ardor subiu-lhe à face como se uma
espada a tivesse penetrado debaixo para cima. Sentiu os
dedos de Jimmy ao redor do clitóris, friccionando-o
precisamente, enquanto ela atirava a cabeça para trás
possuída por ondas e ondas de prazer e dor.
— Quando começa a dor forte? — ela quase gritou
numa voz rasgada que vinha da garganta misturada à
respiração entrecortada.
Desceu mais um pouco e podia sentir o pau cravado
dentro dela, entrando e saindo, escapando e voltando,
escravizando sua boceta em torno dele.
Não conseguia abrir os olhos. Cega, cega de
desejo. Deitou as mãos sobre os ombros do homem
buscando apoio e inclinou o corpo pra frente, e depois
voltou a empertigar a coluna, atolando a vagina na dureza
daquela ereção enorme.
As bolas se chocavam contra suas nádegas, quando
ela aumentou o ritmo das subidas e descidas no mastro.
Mordendo o lábio inferior e sentindo o gosto do próprio
sangue na saliva, ela bateu e bateu com o quadril contra o
tronco dele, arrancando tudo que podia do amante
enquanto gozava com os dedos que a bolinavam sem
piedade.
— Quando começa a dor? — gritou, desesperada.
Ela esperou a resposta. Abriu os olhos e o encarou.
Ele estava descabelado, olhando-a fixo, imóvel, a feição
numa expressão de prazer e algo indefinido. Sem vestígio
de sorriso ou deboche.
Parecia apavorado.
Ouviu-o dizer numa voz quase sumida:
— Quando estivermos separados.
Capítulo 14

Lana acordou de um sono profundo e descansado.


Não reconheceu imediatamente o ambiente rústico
iluminado por alguns filetes de sol atravessados pelos
frisos da veneziana de madeira.
Recostou-se nos cotovelos, farejando no ar o cheiro
do café passado na hora e de baunilha morna. E foi assim
que descobriu o motivo do amante não estar na cama ao
lado dela.
Bem, ele estava perdoado, considerou com um
sorrisinho de encanto.
Olhou para o volume do seu corpo debaixo do
lençol, sentindo-o igual e diferente, o que era estranho,
estava relaxada e plena, além de ligeiramente dolorida na
entrada da vagina, uma suave ardência, nada perto do que
imaginara sentir. Mas também havia o leve formigamento
debaixo da pele, como perninhas que caminhavam pelo
seu corpo e a levavam a sorrir bestialmente e a se sentir
emocionada... Não, emocionada, não, considerou sendo
honesta consigo mesma. Ela se sentia era deslumbrada!
Saiu da cama, enrolada no lençol e descalça.
Ajeitou o cabelo com as mãos, embaralhando as mechas
com os dedos para desvencilhar alguns nós. Abriu a porta
e seguiu pelo corredor até a cozinha, descobrindo que no
alojamento dos pistoleiros não tinha um ambiente
específico para uma sala.
Encontrou o dono da casa sentado na cadeira, lendo
o jornal, vestido numa regata branca colada aos músculos.
Parecia concentrado no que lia, uma ruga funda sulcava-
lhe a testa e no canto da boca descansava um cigarro. Ele
lia com as pálpebras semicerradas, suportando a ardência
da fumaça nos olhos. O cabelo estava preso num coque
desgrenhado no meio da parte detrás da cabeça, as mechas
ensaiavam escapar do rolo de cabelos escuros nos quais
foram capturadas.
Assim que entrou na cozinha, ele ergueu a cabeça e
lançou-lhe um sorriso, apontando, a seguir, para a cadeira
vazia à sua frente.
— Bom dia, Lana. — disse, numa voz rouca, que
ela tentou interpretar se havia nuance de carinho ou de
deboche.
Puxou a cadeira e se sentou, sem chegar a qualquer
conclusão.
—Bom dia.
— Vou terminar de ler essa porra aqui e já faço
umas panquecas pra você, ok? — avisou-a, sem tirar os
olhos do jornal.
Ela mexeu no pires debaixo da xícara, constatando
que era de um material que se encontrava nos bazares de
baixo custo, bem como a xícara sobre ele. Uma cestinha
de vime envernizado guarnecia pãezinhos cheirosos sobre
um pano xadrez e também biscoitos de polvilho. Tudo
parecia fresco, como se Jimmy tivesse ido à padaria antes
de ela acordar.
— Você foi à padaria antes de eu acordar? —
perguntou, curiosa, sorrindo o seu sorriso de domingo.
— Hã? Não. — respondeu, sem deixar de prestar
atenção no impresso nas mãos. — Faço pães e biscoitos e
congelo tudo. Depois é só pôr no micro-ondas.
Ela teve que levar a mão à boca para não rir alto.
— Cara, como ainda não tá casado?! — indagou,
impulsivamente.
— Lana... — ele ergueu os olhos pra ela e
completou sério: — Ainda não casei, porque a maioria
das mulheres não me deixa ler em paz o meu jornal.
— Animal. — resmungou, fechando a cara.
Ele deitou o jornal sobre a mesa, dando a entender
que desistia de prosseguir a sua leitura, e se levantou,
indo em direção ao fogão.
— Não banca a fresca comigo, você não é uma
visita. — falou, de costas para ela.
— O que tá fazendo aí? — perguntou, espichando os
olhos para tentar descobrir o que acontecia entre Jimmy e
o fogão.
— As panquecas, ora.
— Não estamos nos Estados Unidos, isso não é café
da manhã. — reclamou.
O caubói se virou com ar de zombaria.
— É uma da tarde, senhorita, entenda então como
um lanchinho. — informou-a.
— Meu Deus! Me fodi toda com os Bernard! — ela
ficou de pé tão rápido que a cadeira caiu pra trás.
Fez menção de voltar correndo para o quarto, mas
foi contida por uma voz masculina que parecia rir da sua
cara:
— Fica “serena”, que já resolvi essa parte. —
informou-a. — Liguei para o Max, logo cedo, e disse que
estava tudo bem e que voltaríamos para a fazenda à
tardinha.
— Vai dar merda, Jim. — ela falou, hesitante. Olhou
ao redor, perdida e confusa. — Mas vão vê-lo na sua
casa...
— Vê alguma janela aberta? Os cabras sabem que
não passo o domingo na fazenda.
— E a picape?
—Tá na garagem fechada. — ele suspirou resignado
e, aproximando-se dela, falou com tranquilidade: —
Tentei arrumar mais tempo pra ficarmos juntos e com
segurança. E se formos levar essa coisa adiante, teremos
que nos preparar pra mentir adoidado, coisa que não faço
com os brutos de jeito nenhum.
— Mas fez.
— Sim, acabei de fazer. — admitiu, o semblante
agora se fechando numa expressão sombria. — Mas vou
abrir o jogo com o comandante e o seu pai, contar tudo,
pode deixar que assumo a empreitada.
Era possível que Lana tivesse arregalado os olhos.
— Tá maluco? Tá afrouxando, subcomandante?
Suas bolas estão quicando pelo piso da cozinha, é? —
praticamente gritava. — Ninguém precisa saber sobre
nós!
Ele retesou os maxilares.
— Sou é muito macho pra assumir que deflorei a
filha do patrão! — falou alto e firme.
— Vá se foder e, além de se foder, cuida da sua
vida! Deve ter comido um milhão de mulheres e
sacaneado tantas outras e agora quer posar de bom-moço!
— falou, irritada. — Olha pra mim, Jimmy, eu sou aquela
mulher que só quer de você minutos de prazer, ok? Todo
homem esbarra numa assim, mas você teve a sorte de
conhecer uma dessas bem no início da vida sexual dela.
— ironizou.
— O meu compromisso moral não é com você, se
quer saber. Ontem deixei meu pau tomar uma decisão que
cabia ao meu cérebro e acabei me desonrando diante dos
brutos. E é isso que me importa. — disse, taxativo.
Lana bufou, girou nos calcanhares e se encaminhou
para o corredor, dizendo por cima do ombro:
— Então a gente fica por aqui, e você volta a ser um
caubói honrado. Agora vou mijar. Tchau!
Entrou no banheiro disposta a fazer o seu xixizinho,
depois tomar um banho e cair fora daquela arapuca. Ela
não era boba nem nada para engolir aquele discursinho
machista do “meu pau pensou por mim”. Até podia ser
jovem demais, mas tivera quatro professoras, quatro
mulheres que amansaram brutos, e Lana aprendera muito
com elas.
Jimmy era lindo e gostoso. O sexo fora melhor do
que o esperado, ainda que fosse sua primeira vez. Mas a
verdade era que os santos deles não batiam.
Girou o registro do chuveiro e jogou longe o lençol,
entrando no boxe. Deixou-se ficar debaixo do jato morno
que lhe massageava a nuca. Sentia que estava tensa, seus
músculos duros por algum motivo. Queria experimentar
Jimmy mais uma vez. Era uma droga que tudo se
resumisse a uma foda só. Intuía que ele seria um dos
melhores amantes da sua vida e poderia aprender muito
durante o tempo em que tivessem um caso.
Um caso.
Isso era chique e europeu. Ter um caso, uma
aventura sexual, um romance erótico. Uau!
De repente os beijos e amassos com Dion pareciam
coisa de caipira, aquele tipo bem sonso e puritano, que
casava virgem, inclusive.
Gargalhou debaixo d’água.
Ela sabia que não era tão moderninha assim. Queria
casar, sempre quisera. Adoraria ter o mesmo tipo de vida
das suas irmãs. Ter uma família, filhos e encher a mesa
dos Bernard, nos almoços de domingo, isso ela também
queria. Assim como trabalhar, ter uma profissão, dirigir
uma picape, administrar o seu dinheiro, pintar e vender
seus quadros...
Bom, mas se ela realmente queria uma vida comum,
por que se aproximara de um mulherengo?
Sexo, era a resposta. Apenas sexo.
Repita, Lana!
Sexo, Jimmy não serve pra casar, só pra fazer
sexo.
Sentiu um movimento atrás de si, não se voltou,
permanecendo debaixo do chuveiro, esfregando a pele do
rosto para retirar os vestígios da maquiagem. Era Jimmy
que havia se postado atrás dela e, no minuto seguinte,
acariciava seu couro cabeludo fazendo aumentar a espuma
do xampu no longo cabelo dela.
— A gente se conhece há anos, Lana, eu não a
peguei no bar ontem à noite pra simplesmente fazer sexo
com você. — a voz demonstrava seriedade, e ela podia
ouvi-la abafada por causa do barulho do chuveiro.
— Quem tá falando comigo agora: o seu cérebro ou
o pau? — escarneceu, embora aceitasse de bom grado que
ele lavasse o seu cabelo.
Deus, podia dormir de pé com aquele cafuné
gostoso!
— Eu não soube me expressar.
— Soube, sim, mas aí bateu o remorso, né? — deu-
lhe nas guampas.
— É verdade, remorso, só isso. — ele puxou uma
mecha dela pra baixo e, depois que ela gritou reclamando,
continuou: — Guarda sua cartilha sobre os homens no
rabo, ok? Parece aquelas duas malucas da festa do
“sereno”, arranjando serventia para os homens como se
fôssemos objetos. — disse, ligeiramente, ríspido.
— Para de puxar o meu cabelo! — reclamou,
tentando escapar dele.
— Então escuta: o que falei se refere ao fato de
querer prosseguir nisso, no que temos agora, nessa nova
relação. Entendeu? Mas sem me colocar numa situação de
deslealdade para com os Romano e o seu pai. — tentou se
explicar.
— Sinceramente, isso não é problema meu. —
falou, indiferente, esboçando um gesto de afastamento.
— Não é mesmo.
Ele a puxou pra debaixo do chuveiro, a fim de
enxaguar o cabelo e continuou massageando a cabeça dela
até retirar os vestígios do xampu. Depois a girou pelos
ombros, e ela o encarou debaixo dos cílios grossos de
água.
O cabelo dele agora estava solto e úmido, os olhos
castanhos pareciam mais escuros e o modo como a olhava
lembrava a obstinação de um conquistador de terras. As
narinas arreganhadas pra trás e o ricto de severidade no
canto da boca não deixavam dúvidas de que Jimmy era
uma fera.
— Você pode espernear à vontade e usar todos os
seus truques de aprendiz de bruta, que eu não vou deixar
de ser a porra do homem da sua vida.
Ela o olhava entre pasma e....
— Tá maluco, Jimmy?
Fascinada.
— É claro que estou, Bernard. — afirmou, pegando-
a no colo, trazendo para junto do seu corpo nu, descendo e
firmando suas mãos debaixo do traseiro dela.
Lana o beijava louca de vontade, voltando a sentir
todas as sensações intensas e quentes da noite anterior e
de todos os últimos anos em que convivera com o
subcomandante andando pela fazenda exalando
testosterona por onde passava. O ódio e a irritação que
sempre sentira em relação ao “gorila” musculoso nada
mais eram que um escudo de proteção, velho clichê que às
vezes pegava de surpresa as garotas mais espertas. No
fundo, sabia que o desejo era maior que o desdém.
Ele a pôs novamente no chão, e ela teve que se
segurar nele ao perder o equilíbrio e quase se chocar
contra a parede de acrílico do boxe. A mão grande a
tomou no pulso e a girou, pondo-a de costas pra ele.
— Você é perfeita demais pra qualquer cabra, até
pra mim, mas sou tinhoso e, depois de provar o seu gosto,
vai ser dureza pra você chutar a minha bunda, pilantra. —
a voz era arrastada num tom que se assemelhava ao
sofrimento físico.
— Você é o maluco; eu, não. Jamais o afastaria de
mim, subcomandante delícia! — exclamou, arfando.
— Agora então vou me servir de você. — falou
junto à orelha dela e, pegando-a por trás, nos ombros,
virou-a de frente para a parede de azulejos. — Inclina a
bundinha pra trás. — ordenou.
Assim que ela o fez, sentindo a frieza da parede
contra os seios e a água respingando da cabeça de Jimmy
contra a cintura, exalou um gemido carregado.
Notou quando ele se abaixou atrás dela, pegando-a
nas coxas e posicionando sua cabeça debaixo da vagina,
como se quisesse beber direto da fonte o seu sumo. E
queria.
— Inclina mais um pouquinho... — pediu.
Ela o fez e, em seguida, sentiu dois dedos afastando
os lábios vaginais, e a língua firme e larga avançou
lambendo-a de cima abaixo como se fosse um picolé
quente. Ele a lavava e a sugava, a boca tomando-a toda
enquanto as mãos se mantinham firmes agora ao redor de
suas coxas, firmando-a para ser chupada.
Não conseguia respirar direito, ofegava e,
instintivamente, abria ainda mais as pernas, oferecendo-
lhe o sexo para ser devastado pelo gigante.
Ele alcançou o clitóris e o rodeou sem pressioná-lo,
deslizando a ponta da língua, saboreando-o por cima no
seu cume. Brincou um tempo por ali, ensaiando chupar o
botão dilatado exposto por entre as dobras, enquanto o
dedo indicador a cutucava na entrada da vagina, entrando
e saindo, movendo-se provocador.
— Jimmy... — ela gemeu.
Em resposta, ele enterrou o dedo grosso na boceta
molhada, sem deixar de bolinar o clitóris, preparando-o
para ser friccionado.
— Jimmy... — pediu, chamou por ele.
Esticou os braços pra cima, na parede, como alguém
o faria caso fosse torturado. Clamava para ser saciada,
ouvindo o barulho do chuveiro e sentindo a descarga
elétrica percorrer-lhe todo o corpo, enfraquecendo suas
panturrilhas.
Quando ele começou a estimular com a boca e a
língua o clitóris, Lana quase fechou as pernas, não
suportando a força daquela sensação, era como se ela
estivesse enlouquecendo enquanto ardia queimando viva e
era bom, muito bom, melhor que tudo no mundo, por isso
então ela gritou. Gritou muito, e quando Jimmy enterrou
dois dedos na sua boceta, ela gritou ainda mais, fustigada
pela penetração rápida e curta, pelo vaivém dentro dela, e
pela fricção da língua no clitóris.
Sentiu que algo saía de si e era o gozo, o líquido do
seu corpo excitado.
— Jimmy... — choramingou, louca de tesão.
Não posso perdê-lo. Ele é meu!
Foi o que pensou no auge do orgasmo.
— Ainda não acabou. — disse, a voz rouca e
arrastada como se estivesse embriagado.
Pegou-a por trás, levantando-a do chão, e a deixou
de pé diante do balcão da pia.
Lana olhou para si mesma e mal reconheceu o rosto
avermelhado, as pálpebras inchadas, os olhos turvos e
congestionados e, principalmente, as marcas arroxeadas
no pescoço e ombros.
— Meu Deus, o que foi isso? — perguntou,
debilmente, apontando para sua imagem refletida.
Jimmy se posicionou atrás dela e, como pôde ver
através do espelho, segurava o pau avantajado pela base,
os dedos fechando no diâmetro grosso, preparado para
entrar em ação.
— “Isso” foram os chupões da última noite. — ele
esclareceu, um leve e maldoso sorriso atenuava a
expressão severa da feição.
Era evidente que estava excitado, e muito, não
apenas o semblante havia-se modificado, as veias na testa
e ao redor dos olhos acentuadas, como também o enorme
pau, num tom rosa escuro que despontava por entre os
pelos púbicos, denunciava a sua necessidade de
extravasamento.
— Vira de costas. — mandou, a voz rouca e grossa.
Ouviu o barulho da gaveta sendo aberta e, depois,
do rompimento da embalagem do preservativo.
Desceu os olhos para as duas mãos que a
envolveram em torno da cintura e, aos poucos,
delicadamente, subiram pelo contorno do seu corpo até
alcançarem os seios e os agarrarem com firmeza.
Ela deixou o ar escapar num jato pelas narinas.
— Vou comer sua boceta. — ele assoprou as
palavras cruas na orelha dela.
— Me come.
Ouviu-o rir um riso rápido e baixo, como se a
considerasse um cordeirinho inocente a caminho da boca
do leão faminto. Mas ela não era inocente.
Ele soltou a mão do quadril dela e, pelo espelho,
viu-o pegar de volta o pênis e posicioná-lo na entrada da
vagina, a glande entrou toda separando os lábios como se
afastasse as pétalas de uma flor para atingir o miolo
ardente.
Ela foi empurrada pra frente e viu no espelho suas
pálpebras semicerradas, as narinas buscando mais ar, os
seios balançando enquanto era golpeada até o fundo pelo
enorme pau. Atrás de si, pôde ver o grandalhão moreno,
cabeludo, rude, um matador, um homem que tirava vidas
humanas, musculoso, forte, invencível, e ele a fodia, metia
forte, retirava quase tudo e voltava a afundar dentro dela,
a expressão de tormento e raiva, era como se ele estivesse
lutando, guerreando, socando e socando e fazendo ecoar
pelo ambiente o som de suas carnes se chocando, os
gemidos de ambos, tão selvagem e gutural, o cheiro da
loucura deles os excitando.
Ele ergueu-lhe uma perna, segurando-a debaixo da
coxa e, assim, a cada estocada o pau roçava no clitóris,
fustigando-o ao limite.
— Agora! — ela gritou.
Algo se desprendeu do seu corpo, uma força
arrebatadora e quente que a açoitou, devastando-a e, em
seguida, explodiu, espraiou-se por cada parte dela,
pulsando forte no centro do seu prazer e avançando
molhado para ao redor do mastro duro e tépido, macio e
dominador do pênis que a preenchia toda como uma
espada de posse cravada dentro dela.
— Goza pra mim... Goza, Lana... — ele gemeu
enquanto expulsava o sêmen num jato denso e forte,
apertando-a contra si, puxando-a pela cintura para se
acoplar ao seu quadril.
Ela tremia da cabeça aos pés, e ele a abraçou por
trás, encapsulando-a num abraço de homem grande. Era
um mundo aquele, dentro do aro dos braços de Jimmy. Era
um mundo, ela considerou. E havia lágrimas em seus
olhos quando pensou sobre isso.
Será que seu estoque de cinismo a protegeria de se
apaixonar pelo subcomandante?, avaliou Lana, erguendo a
cabeça para receber um beijo longo e profundo.
— Ainda quer as panquecas?
— Sim. Quero muito. — respondeu, rindo-se. —
Estou louca de fome.
— Então vai pra cama, que eu levo tudo pra lá... —
ouviu-o dizer, virando a cabeça para fitá-lo, pois havia
percebido um tom brincalhão na voz dele. Ao que Jimmy
completou com ar malicioso: — o seu lanche da tarde e
eu, o seu jantar.
Dito isso, pegou-a no colo, ignorando seu gritinho
esganiçado de susto e a levou pelo corredor até deitá-la
na cama.
Sentou-se na beirada do móvel, ainda nu, e lançou-
lhe um longo e misterioso olhar.
Ela quase falou que gostaria de tê-lo com
exclusividade, quase.
Capítulo 15

Valentina deixou a bandeja com as taças de pavê


italiano sobre a mesa no avarandado do casarão. Lançou
um olhar para a esposa de Alec e, mais uma vez, pensou
no quanto ela era bonita e dependente do marido. Dava
para perceber que Alec era o centro da sua vida e tal
constatação a fez se lembrar de quando Gabrielle lhe
falou sobre a decisão de não ter filhos:
— Quando o conheci, queria ter muitos filhos com
ele, além dos peludos, claro. Mas um dia eu estava de
bobeira pensando na vida e cheguei à conclusão de que
cada filho nosso tiraria um pouco o Alec de mim, exigiria
sua atenção, carinho, dedicação e esse homem é o melhor
pai do mundo, jamais faria o serviço pela metade. Sou
filha única de mãe suicida e pai omisso, preciso de
alguém que me adore, só posso ceder atenção a Diana.
Sorte minha que ela casou cedo! — e riu, alto e claro
como uma menininha.
Quem era ela para julgar uma mulher que desejava
ser o centro das atenções de um homem?, perguntou a si
mesma, ao entregar a taça com o doce a Vince Romano.
Ele agradeceu sem se voltar, concentrado na
informação que Alec lhes passava. No entanto, antes de
ela se afastar, pegou-a no pulso e a puxou para baixo, a
fim de beijá-la.
— Olá, caubói. — ela sussurrou depois do beijo.
— Olá, meu doce. — rebateu, com um sorriso de
canto.
Ao voltar para o seu lugar, sentada diante do marido
e ladeada por Dinho e Lorenzo, ela endereçou um sorriso
ao chefão dos brutos e tentou prestar atenção na conversa
séria que desenrolava à mesa.
— Meu contato na polícia me alertou sobre uma
possível diligência à Rainha do Cerrado. — disse Vince,
olhando especificamente para Alec e isso tinha um
motivo: — A família do Magno contratou um detetive para
investigar o seu desaparecimento, e como ele passou um
tempo com a nossa tropa... Bem, já sabem o resto.
Alec assentiu, contrafeito, e falou:
— O delegado é um filho da puta, me fez uma
visitinha outro dia, lá na fazenda, fingindo se interessar
pelo nosso trabalho recolhendo os cães abandonados. Na
verdade, ele queria que eu trouxesse pra vocês a
informação de que a polícia de Santa Fé está de olho nos
pistoleiros da RC. Disse ainda que aqui não é Matarana e
nunca será. — concluiu com um sorriso sarcástico.
Lorenzo apertou o resto do cigarro no cinzeiro e,
franzindo o cenho expressando a avaliação de uma grave
sentença, deu a sua opinião:
— Desde o ano passado ele tá querendo nos pegar e
parece que agora terá motivo suficiente para conseguir um
mandado.
— Tá tudo limpo. — reiterou Dinho.
Valentina notou o olhar que Max lançou às mulheres
em torno da mesa e determinou:
— Uma reunião agora no QGB, certo?
Vince concordou, pondo-se de pé, sem deixar de
pegar o chapéu na mesa e ajeitá-lo sexy na cabeça. Tudo
nele era sexy, considerou sua mulher.
Viu quando Gabrielle se aconchegou junto ao peito
de Alec, e ele a abraçou, beijando-a na testa. Valentina
podia passar horas analisando aquele casal, a diferença
de idade entre eles a fascinava, além das atitudes de um
para com outro. Eles assumiam todos os papéis sociais
possíveis: pai e filha, amantes, marido e mulher, amigos.
— Você também é um bruto, marido? — perguntou
Gabrielle a Alec.
— Sim. — respondeu Max por ele e emendou
taxativo: — Bruto cascudo da porra! Agora levanta o
rabo, Adams, e vamos pra reunião.
Valentina sorria ao ver a satisfação brilhar nos
olhos de Gabrielle.
— Como se sente sendo casada com um “bruto
cascudo da porra”? — brincou ela.
— É uma grande honra! Agora estou no mesmo
nível que as brutas da Rainha do Cerrado, só falta mesmo
é a coleira de dominadora. — respondeu Gabrielle, com
um sorriso jovial e, ao mesmo tempo, debochado.
Os homens caíram na gargalhada.
Pink olhou feio pra eles.
— O que foi? Ela falou certo, ora!
— É a risada da bebedeira! — provocou-os
Valentina.
Max era o único que ainda se arriscava a bater de
frente com as brutas mais poderosas.
— Nunca vi “dominadora na coleira”! Essa é boa!
— escarneceu.
— Engraçado, né? Daqui eu vejo cinco
dominadores na coleira! Será que bebi demais também?
— devolveu Lolla no alto do seu sarcasmo de nascença.
— É isso, aí. — reforçou Zoe. — Só quem escapa
da coleirinha é o Jimmy.
Vince olhou ao redor e, voltando-se para Max,
perguntou com curiosidade:
— O Jimmy ainda tá fora?
— Ele passa os domingos na casa das mulheres que
cata por aí. — disse Dinho, antes que o tio pudesse
responder.
— Bem que ele faz, é solteiro, ora. — defendeu-o
Lolla.
— Ele tá com a Lana. — informou Max. — Mas
vamos fazer a reunião de qualquer jeito, só não poderá
haver votação.
Mas Dinho não estava satisfeito com algo, e
Valentina sabia que o filho não era o tipo que guardava as
coisas pra si.
— Ele passou a noite com a Lana? — o semblante
demonstrava seriedade inquisidora.
Pink respondeu antes do marido, e Max percebeu
que era o seu dia de ser interrompido.
— Colocando dessa forma parece até que eles
dormiram juntos. — falou, contrafeita. — Ele somente
está acompanhando a Lana numa reunião, festa, noite, sei
lá, numa merda dessas. É o guarda-costas dela, né? —
uma nuance de impaciência aflorou no tom da voz.
— Mas o Jimmy podia ter simplesmente a deixado
na festa para depois buscá-la. Pra quê ficar com ela o
tempo todo? Por que ele não sai da casa de vocês, hein?
Aliás, ele é babá da Lana e dos gêmeos também? Não
consigo entender por que o subcomandante vive grudado
nos Bernard. — disparou, num tom que lembrava o ciúme
e sugeria o ressentimento.
Dinho Romano, desde criança, era o guardião e anjo
protetor das Bernard. Valentina entendia o motivo de ver
seu filho bancar o sonso fazendo um monte de pergunta
sem pé nem cabeça.
Mas foi Pink que tentou confortar o afilhado,
dizendo com um sorriso:
— Você é o protetor da nossa primogênita e isso é
uma grande responsabilidade, ainda mais que ela é
temperamental e anda armada.
— Mãe, o Dinho é mais pavio curto do que eu, tá
sempre pronto pra uma briga, nunca vi coisa igual. — Zoe
comentou com espirituosidade, fazendo uma careta
engraçada.
O loiro parecia frustrado e esboçou o que sentia.
— Se querem saber, a Lana não gosta do Jimmy,
eles estão sempre se pegando, é uma baixaria danada. Faz
mais de anos isso, não tem jeito, jamais se darão bem.
— Foi bom ter tocado no assunto, primo. —
começou Lorenzo, já de pé, com o braço ao redor dos
ombros de Lolla, e continuou: — Se o tio Max concordar,
vou delegar o Vítor pra fazer a segurança da Laninha.
Preciso do Jimmy comigo.
— Por mim, não tem problema, o Vitor dá conta do
recado e também é de confiança.
Valentina pensou se deveria ficar quieta. Só pensou,
mas não levou muito a sério esse pensamento e então
abriu sua boca:
— Antes que vocês se enfiem no QGB pra encher a
cara e jogar sinuca, usando como desculpa uma “tal
reunião”, quero saber como tá situação do Eric Loredo.
— Olha, potranca, esse caso faz parte do
departamento “lavagem de mãos”, entendeu? — disse
Vince, que demonstrava não estar se importando muito
com o assunto. — De minha parte, lavei as mãos quanto
ao fato do Loredo continuar como segurança do Natan, o
problema é dele.
— Pra falar a verdade, acho que tá dando muito
certo. — Max deu a sua opinião.
Valentina endereçou um rápido olhar ao cabra mais
envolvido no assunto.
— Esse sapo tá de difícil digestão, Lollo?
Lorenzo sorriu levemente.
— Há um ano que estou de olho nesse anfíbio, tia.
Infelizmente até agora ele se manteve na linha. — o modo
como falou deu a entender a todos a frustração e amargura
por ter que aceitar o pistoleiro de Matarana trabalhando
para o seu pai.
Ela sentiu o olhar pesado de Pink sobre si, mas não
teve coragem de encará-la. Temia revelar mais do que
devia. As duas e também sua tia Margarida sabiam que
Eric não era somente o guarda-costas de Natan. Os dois
haviam-se acertado enfim. Estavam bem e juntos, mesmo
morando em casas separadas e mantendo o
relacionamento clandestino.
— “Felizmente”, né, ô marido? Era só o que faltava
ele aprontar para o tio Natan. — Lolla parecia
preocupada. — A vida do tio não é fácil. Uma vez saí com
ele e notei que o povo o encara como se visse um
alienígena. Cada um tem o seu jeito de andar, falar e
gesticular. E também de gritar “Meu Santo Onofre”
quando vê uma boa promoção, ora! — completou, rindo.
Com certeza, Natan Romano era único, filosofou
Valentina consigo mesma, vendo o pessoal rindo ao
provavelmente imaginar a cena bizarra.
— Ele precisa de um homem forte ao seu lado. —
disse dona Margarida, terminando o seu pavê e pondo-se
de pé. — Mas um que não o sufoque como você, Lorenzo.
— foi direta e precisa. — Aliás, sei que não visita o seu
pai faz tempo, justamente por causa do Eric. — ela se
virou para Vince e determinou: — Quero o Natan
almoçando conosco no próximo domingo. Com ou sem
Eric! — enfatizou.
— Vó, — começou Lorenzo antes que a senhora se
afastasse da mesa em direção ao quarto para fazer a sua
siesta. — quando me importo, me importo por inteiro,
viro um metido irritante, sim, mas é por uma boa causa. E
Deus sabe o quanto o seu filho, dona Margarida, é
irresponsável.
Lorenzo não costumava poupar as pessoas, mesmo a
avó de noventa e poucos anos, considerou Valentina.
— É o jeito dele, sempre foi assim, um sonhador
pateta. Mas quem sabe agora...
— Gente, acho que entrei na menopausa! — gritou
uma Pink, sorrindo com desespero e olhando para
Valentina quase suplicando por sua ajuda.
— Eu também! — gritou, em seguida, sentindo os
olhos de todos sobre si, principalmente os de Lolla e Zoe,
que pareciam desconfiar de algo.
— Eu também, gente! — imitou-a Ava, gargalhando.
A questão era que a mãe de Natan estava prestes a
entregar o namoro do filho com seu segurança e um dos
desafetos (rival e talvez inimigo) do comandante dos
pistoleiros.
Antes que os brutos se manifestassem, ela os
chispou para fora do alpendre, dizendo que precisavam
conversar sobre reposição hormonal. Vince aceitou a
justificativa com uma ruga funda entre as sobrancelhas e
era possível que ele continuasse pensando sobre o assunto
até esvaziar a primeira garrafa de uísque, depois o assunto
morreria. Max, por sua vez, demonstrava uma curiosidade
incomum, contudo, mais relacionada a uma possível nova
encrenca da senhora Bernard. Ainda assim, seguiu com os
demais para não ter que bater de frente com a chefona das
brutas novamente.
Quando os homens já estavam longe, caminhando
naquele passo gingado de caubói, Zoe atacou na jugular:
— Quem o tio Natan tá namorando agora, hein? —
indagou, olhando para a sua mãe.
Pink sabia que dizer a verdade, às vezes, parecia
mentira.
— O Loredo.
Lolla começou a rir.
Zoe estreitou os olhos, analisando a informação e
também a expressão facial das brutas. Por fim, chegou à
sua conclusão:
— Aham, sei. Não faço ideia do que as duas
estejam aprontando, mas da próxima vez, mãe, vê se
arranja uma mentira melhor.
— Logo o Loredo, machão demais da conta! —
exclamou Lolla, devorando mais uma taça de pavê. —
Dizem por aí que ele é tão macho que faz a barba com um
facão. — dito isso, caiu na gargalhada. — Com facão!
Pode isso?
Valentina achou por bem calar a boca e ajudar as
empregadas a tirarem a mesa. No entanto, sabia que sua
amiga de longa data não deixaria suas filhas bancarem as
espertinhas.
E foi o que aconteceu.
A voz de Rochelle Bernard soou alta e desafiadora
quando confrontou suas cabritas:
— Isso se chama estereótipo, e se querem bancar as
trouxas, é só se agarrar cegamente a ele... Pamonhas! —
completou, com um sorrisinho petulante.
Capítulo 16

Talvez Lana acabasse com seus dias de mulherengo


e até mesmo o influenciasse a considerar levar mais a
sério o seu futuro, não que risse dele, mas realmente não
pensava muito a respeito.
Entretanto, jamais aceitaria que ela começasse a
destruir a sua casa!
— Olha só, tenho uma ideia.
E foi assim que começou.
Lana fez a afirmação enquanto se vestia, e Jimmy
esboçou um sorriso preguiçoso prestando bastante atenção
na garota descabelada e perigosamente linda.
— Aqui quem pensa sou eu, você só tem que ser
bonita. — precisava provocá-la, era mais forte que ele.
Ela pegou a primeira coisa que viu e jogou nele. E
foi assim que acabou quebrando o belíssimo abajur de
vinte reais.
Instintivamente ele riu, mas não estava achando
graça, só que a risada saiu assim mesmo. No minuto
seguinte, ela arremessou o seu despertador contra a
parede. Na verdade, era para acertá-lo na cabeça, só que
a mira de Lana era péssima.
— Não ri de mim, seu idiota! — gritou, numa voz
esganiçada que quase quebrou os vidros das janelas.
— Sabe quanto custou esse despertador? —
perguntou, pegando-a pelos ombros e tentando não rir
novamente; agora, seria um riso de “puta merda, onde fui
amarrar o meu bode?”. — Quinze reais! Quinze malditos
reais!
— Mesquinho!
— Não nasci em berço de ouro, eu ralo pra viver,
princesinha do banhado. — debochou.
— Então se quer continuar vivo, não faça mais
comentários cretinos sobre mim! — ameaçou, fuzilando-o
com o olhar.
— Cadê o seu senso de humor, Bernard? Pra falar a
verdade, isso foi um elogio, ora. — fez-se de inocente.
— Adoro quando me subestima, subcomandante. —
falou, impaciente, ajeitando a calcinha por debaixo do
vestido. — Acontece que estamos numa situação
complicada: como voltarei pra casa se estou saindo do
alojamento dos jagunços e não de fora da fazenda, hein?
Me diz, espertinho!
— Espera! — ele falou e depois a puxou para beijá-
la. Um beijo gostoso e rápido. Ao se afastar, falou entre
os lábios dela: — Quero outro desses antes de nos
separarmos.
***

Lana não queria se afastar da boca de Jimmy e, por


isso, enganchou a mão detrás da nuca dele, puxando-o
para baixo, aprofundando o beijo. E enquanto o beijava
também aspirava o cheiro do xampu que se desprendia do
cabelo molhado do caubói.
Ele se apartou do abraço, embora mantivesse os
braços ao redor da cintura dela, e a encarou com ar
divertido ao indagar:
— Se eu disser que você é muito gata, vai quebrar
alguma coisa na minha cabeça?
Se eu disser que você mexe muito comigo, vai
bagunçar ainda mais a minha cabeça?
— Não, mas tenho garras afiadas, moço. —
provocou-o com um sorrisinho sedutor.
E imediatamente teve a cintura envolvida por um
braço musculoso que a tirou do chão e a puxou contra seu
tronco.
— Então me arranha, Lana, me arranha, arranha
todo. — Jimmy sussurrou numa voz de cama.
Ela sabia o que ia acontecer a seguir. Era inevitável
e estava se tornando compulsivo.
A mão masculina se embarafustou por debaixo do
vestido, pegando-a na nádega, o dedo longo deslizou
sutilmente para a entrada do seu ânus, massageando-o.
Ergueu os olhos para Jimmy e viu-o com as
pálpebras semicerradas, a respiração carregada, aos
pedaços, tudo nele apontava para a direção do sexo cru.
Ele a pôs de quatro na cama e afastou para o lado a
calcinha, bem no fundilho, o ar fresco parecia soprar-lhe
as dobras da vagina. Ela expeliu um ar pesado pela boca
e, junto com ele, um gemido rouco de antecipada
satisfação. Jimmy ia fodê-la novamente. Sim, oh, Deus,
como ela queria e precisava dele!
— Você é o meu novo vício. — ele falou baixinho,
posicionando-a de pernas abertas, a lingerie limitava seus
movimentos. — Um vício tão gostoso quanto fatal. —
emendou, rasgando a calcinha ao meio.
Ela sustentava a parte superior do corpo com os
braços esticados enquanto o sentia afastar ainda mais as
suas coxas, arreganhando-a para o seu bel-prazer.
Jimmy se colocou detrás dela, pegou-a novamente
pelo pescoço como se lhe fosse dar uma gravata e, em
seguida, apoiando o outro braço no colchão, arremeteu o
pau grosso pra dentro dela numa estocada dura e firme.
Ela gritou um som rouco, abafado, cheio de tesão,
tentando inutilmente conter a explosão de fogo ao
comprimir as coxas. Mas havia aquele corpo grande
encaixado entre suas pernas obstruindo-lhe os
movimentos, colando a pele na sua pele, a carne morna
forçando-a pra frente quando o pau a invadiu duro e
grande, explorando a elasticidade de sua entrada,
dilatando-a para caber todo seu volume, as bolas batendo
contra o períneo, o quadril se chocando contra outro.
— Você me deixa louco, menina! — ele rosnou com
a boca junto à orelha dela, a voz grossa carregada de
desejo. — Essa boceta molhada engolindo meu pau... Não
tem como não me enlouquecer, sua danada dos infernos!
Sentiu os bicos endurecerem ao som daquela voz
grave e rude, tão marcadamente masculina, o sopro da
respiração de Jimmy perto do seu pescoço também a
desnorteou, levando-a contrair os músculos vaginais ao
redor do pênis.
Em resposta ele desceu dois dedos que afundaram
na greta encharcada, separando as dobras até alcançar o
botão dilatado, masturbou-o friccionando apenas dando o
ritmo lânguido para levá-la aos poucos ao orgasmo.
— Isso é tão gostoso!
Ele a masturbava e a penetrava, socando curto e
forte, voltando e retirando-se todo para, depois, enfiar-se
até o fundo dela.
Ela ergueu o traseiro e o empurrou para trás,
mexendo os quadris para engolir o membro todo. Sentiu
quando Jimmy se afastou ligeiramente e falou:
— Mexe a bundinha ao redor do meu pau, mexe,
Lana... — a voz parecia vir do fundo do poço de onde um
homem atormentado se flagelava.
Queria vê-lo. Tão forte e viril era o seu amante.
Girou a cabeça para trás e admirou as coxas
morenas, os músculos se estirando a cada estocada, o
quadril arremetendo com violência num vaivém sem
trégua, as nádegas duras subindo e voltando, pra frente e
pra trás.
— Quero ver, Jimmy... — pediu num sopro de voz.
— Quero ver você metendo em mim. — suplicou.
Viu-o sorrir em meio à expressão de agonia.
— Então segura o prazer entre as pernas, minha
gostosa, que já venho. — disse roucamente, com um
sorriso sacana. Depois se retirou dela, gemendo baixinho
para, em seguida, desferir uma boa palmada na nádega tão
branca e macia.
Ela gritou e arfou.
Não pôde deixar de acompanhar os movimentos do
moreno pelo quarto. Havia um espelho ao lado do guarda-
roupa, e ele o tirou da parede onde estava preso,
trazendo-o até a porta. Ajustou-o de modo que os
enquadrassem fazendo sexo na cama.
Quando ela se viu refletida no espelho, acreditou,
por um momento, que fosse outra mulher — selvagem,
corada, ardente — e não mais ela. Os seios brilhavam a
camada de suor, o cabelo longo caído em parte do rosto, a
boca inchada vermelha. E os quadris. Eles se mexiam
numa cadência lânguida, a mão morena em torno de sua
cintura, firmando-a. Os dedos experientes bolinando-a na
ponta de um seio atiçando o bico intumescido.
Por trás e acima dela, o amante. Os olhos de Jimmy
estavam fechados, as rugas acentuadas em torno das
pálpebras, envolvido pelo momento enquanto deslocava
os quadris bem devagar, fodendo-a sem pressa, como se a
degustasse aos poucos.
Ele se retirou para pôr o preservativo, e ela o
segurou no pulso, virando meio corpo para encará-lo ao
falar:
— Que tal você gozar dentro de mim?
— Não quero correr o risco de engravidá-la. — ele
pareceu sério ao argumentar.
— Tomo pílula desde o ano passado. — esclareceu.
Ele a olhou desconfiado. A feição demonstrava o
embate interior. Por fim, suspirou fundo, vencido.
— Ok, vou confiar na sua palavra e gozar bem forte
na sua bocetinha. — decidiu, arfando e gemendo,
penetrando-a fundo enquanto a segurava nos ombros,
cavalgando-a com força.
— Me fode ao estilo matador, Jiiimmy!!! —
suplicou, sentindo-o trabalhando no clitóris com os dedos.
Ela gozou. Gritou. Ardeu em brasa. Deitou a cabeça
pra trás e depois se deixou cair de bruços na cama.
O orgasmo dele veio em seguida, forte, agitado,
insano enquanto galopava montado nela, os braços
firmando-o para não esmagá-la totalmente contra o
colchão.
Ela o viu, através do espelho, e o semblante parecia
o de um bárbaro, um brucutu com fome se esbaldando na
sua boceta enquanto era atingido por um raio.
Ele a puxou para a cama, girando-a sobre si e a
pondo deitada no seu tórax largo e arfante. Teve as
mechas do cabelo afastadas do rosto e recebeu um beijo
rápido nos lábios. Dois braços a envolveram enquanto ele
fitava o teto com um leve sorriso.
— Preciso confessar algo a você. — começou ele.
Lana ergueu a cabeça e encontrou um olhar de troça,
despachou com todas as letras um “lá vem merda” e
voltou a deitar a cabeça no peito dele aguardando a tal
confissão: — Não é merda, não, é só uma coisa que me
deixava encafifado quando conheci o comandante e o
chato do primo dele. — brincou, rindo-se. E emendou,
agora, inclinando a cabeça para fitá-la: — Tá na cara que
os Romano são loucos obcecados por suas... “cabritas”.
Vocês são terríveis, más, mimadas, tinhosas, lindas,
mandonas, sensuais, prepotentes, chatas, inteligentes, ou
seja, as três são praticamente o pesadelo de qualquer
homem livre e independente. — terminou, esboçando um
suspiro resignado.
— Pois é, pra ser nosso homem tem que fazer jus ao
cargo, não é qualquer subcomandante, não.
— Agora você foi maldosa.
Ela o encarou e viu um sorriso debochado.
— Às vezes tenho vontade de arrancar os seus
dentes só pra não ver esse sorrisinho besta. — afirmou,
forçando um menosprezo que estava longe de sentir.
— O seu problema é que não sabe receber um
elogio.
— E o seu problema é que não sabe fazer um
elogio, Jimmy. — reclamou, bufando e tornando a se
deitar colada ao corpo dele.
— Me ensina, Lana? — a voz saiu tão terna que ela
se obrigou a ficar nos cotovelos, olhando-o, pasma. —
Falo sério, Bernard. Não sou um cabra burro, posso
aprender a ser efeminado, se você quiser. — a expressão
profunda cambiou para a sarcástica e ele caiu na
gargalhada, completando: — Faça por merecer um elogio
meu, ora.
Por que ele era assim?
— Você é um idiota superficial!
— Enganei você, por acaso? Alguma vez me viu
lendo um livro de Filosofia? Ou sendo “profundo” pela
fazenda ou com os pistoleiros? — indagou, visivelmente
se divertindo com a cara dela. — Quer profundidade?
Namora aquele rio perto do chalé do “chaDinho” —
escarneceu.
— O Dinho não é chato, o problema é você. —
reclamou. No entanto, uma luz acendeu em sua mente e ela
desferiu sem rodeios: — Então estamos namorando?
Jimmy continuou sorrindo e alçou uma das
sobrancelhas bem daquele seu jeito “o que acha? sou
foda, não?”
— O que acha? — ele disse, por fim, após alguns
minutos de encarada silenciosa.
Lana queria desmanchar na porrada aquela cara de
arrogante! Por outro lado, estranhamente o seu coração
havia acelerado como se estivesse numa pista de Fórmula
Um.
— Não posso namorá-lo, já que estou namorando o
Dion. — afirmou, com um sorriso de falsa inocência
recheado de maldade.
Preferiu espicaçar o caubói a se derreter por ele.
Jimmy a empurrou pra fora da cama.
— Enquanto não terminar essa sem-vergonhice com
o meu soldado, não frequentará mais a cama do alto
escalão, ouviu bem?
Ele falava sério, ela pôde perceber sentada no chão,
nua, incrédula e irritada com o gesto inesperadamente
agressivo dele.
— Isso é violência doméstica! — berrou. — Vou
meter uma Maria da Penha bem na sua cara!
Ele saiu da cama e vestiu a boxer. Voltou até ela e a
pegou por baixo dos braços, com a maior facilidade do
mundo. Manteve-a no seu colo, dobrando-a ao meio sobre
os seus ombros.
— Você é espaçosa, por isso caiu da cama. — falou
e, em seguida, deu-lhe uma palmada na bunda: — E isso é
um tapa de amor, não cabe polícia no meio... — ele
lançou um riso maldoso e emendou: — Mas cabe um ex-
policial enfiado bem dentro desse rabinho. Agora,
Bernard, vou telefonar para o seu pai...
Ela gritou um grito esganiçado e louco.
— Pelo amor de Deus, não me entrega pra ele! —
implorou aos berros.
Levou outra palmada no traseiro, das bem fortes,
por sinal.
— Não cuspa no prato em que comeu! — debochou.
— Não é você, sou eu.
— Cala boca, pilantra, sei que sou gostoso na cama
e fora dela “inadequado para mocinhas de família”. Não
nasci ontem, menina. — falou, sem demonstrar
ressentimento, parecia até que se divertia com a ideia. —
Mas vou telefonar para o Max e dizer que a deixei com o
Dion, depois vocês dois voltam para o casarão. —
afirmou de modo prático, terminando de vestir o jeans e a
camiseta preta sem estampas.
— Pode ser, não consigo pensar em algo melhor. —
admitiu, sem graça.
— Claro que não.
Ouviu-o cair na gargalhada e arremessou o outro
abajur, quebrando-o contra a parede.
Merda, um dia acerto!
Capítulo 17

O delegado entrou na Rainha do Cerrado sem os


agentes, mas também não precisara de mandado da justiça
para fazê-lo. Vince o convidara para beber e conversar, à
tardinha, pouco antes do jantar. Ele sabia que isso tinha
um nome, chamava-se happy hour, mas o caubói também
sabia que mesmo aguentando Esteban por meia hora, nesse
curto tempo ele não seria nem um pouco feliz.
Vince havia sugerido, na reunião do dia anterior,
que a conversa com o oficial da lei fosse travada entre os
brutos mais velhos. Lorenzo era um dos alvos da polícia.
Dinho, por sua vez, já fora fichado pelo mesmo delegado
e, além disso, era esquentadinho demais. Quanto a Jimmy,
agora, era interessante que ele não chamasse a atenção de
Esteban, o cabra que se sentia “o xerife” de Santa Fé, uma
vez que o pistoleiro de Matarana já fora um dos homens
de Thales Dolejal, o cara que normalmente se tornava o
inimigo número um dos bandidos que se mascaravam de
defensores da lei.
Alec esticou as pernas, relaxadamente, ao ver o
delegado subir os degraus até o pátio frontal do casarão
dos Bernard.
Max fizera questão de que a conversa se desse ao
redor do chafariz das pererecas, onde havia algumas
cadeiras debaixo do céu que se prontificaria a escurecer
dali a poucas horas.
Vince tocou na aba do Stetson ao cumprimentar a
autoridade e indicar a sua cadeira entre Max e um Alec
taciturno e avaliador. A cobra criada de Santa Fé não
deixava escapar nada, como Vince sabia, desde a escolha
da roupa do seu adversário à sua linguagem não verbal, o
modo de sentar também, por exemplo, como Esteban fazia
agora, inclinando-se ligeiramente pra frente, devagar,
tendo o tempo necessário para varrer com os olhos o
número de pistoleiros ao redor do casarão, na moita, por
assim dizer, de olho no homem que carregava duas armas
na cintura e uma terceira provavelmente na bota.
— Vamos direto ao assunto. — a visita tomou a
liderança na conversa. — Faz mais de um ano que o
Magno desapareceu, o seu último emprego foi na Rainha
do Cerrado e, portanto, vocês devem ter mais do que um
“ele caiu fora porque quis” para me oferecer, não é
mesmo? A família do moleque agora tá em cima, gente
graúda de Matarana que confiou na família Dolejal
quando permitiram que o filho se juntasse aos homens da
Arco Verde. Então, senhores, se não me disserem onde tá
o cara ou, ao menos, me passarem uma dica quente, terei
que trazer meus agentes para revirarem a propriedade,
drenarem o rio, revirarem o solo e, se for o caso, mandar
abrir a barriga das vacas. — afirmou, com uma
superioridade desdenhosa.
— Deixa as minhas vacas fora disso! — exclamou
Max, jogando o chapéu no chão, a fim de chamar o outro
para uma briga física. — Se mexer nas minhas vacas, eu
mexo com a sua!
— Tá insinuando o quê, cidadão? — perguntou o
delegado, estreitando os olhos perigosamente.
Era visível que ele procurava um motivo para levar
um dos caubóis para detrás das grades.
Mas Vince seguraria o gênio ruim do amigo.
— Essa é uma conversa séria, Max. — tentou
apaziguar os ânimos dando a entender que o Bernard
estava fazendo graça e, depois, voltou-se para Esteban e
falou com serenidade: — O Magno ficou pouco tempo
conosco, era um preguiçoso que não trabalhava direito,
aceitamos a indicação dos Dolejal, mas o garoto
realmente era um bosta. Posso levá-lo até o alojamento
que era dele, talvez encontre uma pista “quente”.
— Depois de um ano do seu desaparecimento? —
ironizou. — Dispenso. Preciso mesmo é que me digam se
ele tá morto.
Alec sorriu um sorriso superior.
— Provavelmente.
— Ah, é mesmo, Sr. Adams? — o delegado se
voltou para o fazendeiro: — Como sabe disso?
Alec continuou sorrindo ao dizer:
— Porque ele era um traficantezinho que negociava
com a família Santana, a mesma que fornecia drogas para
Artur Klein, o presidente da Força da Terra e amante
falecido da sua atual noiva, delegado, a promotora
Bárbara-putinha-de-traficante. — escarneceu com
vestígios de menosprezo.
Esteban empalideceu.
Adams não esperou que ele se recuperasse e atacou
novamente:
— Uma promotora e um fazendeiro que usava a
pista da sua propriedade para a subida e a descida dos
aviões cheios de pasta de coca. E a polícia supostamente
não sabia de nada... Mas a promotora... Bem, ela fingia
não saber. Não é mesmo?
— É esse o trunfo de vocês, difamar a Bárbara? —
ele indagou com um misto de desdém e raiva. — Estão
cheios de si e sem prova alguma.
— A promotora que ganhou do traficante um
Camaro? Sim, é esse o nosso trunfo. — declarou Vince
sagazmente.
O delegado se pôs de pé.
— A Bárbara é uma mulher inteligente e honesta,
jamais se deixaria envolver por um criminoso.
— O envolvimento dela foi com o dinheiro do
criminoso. — alegou Max. — E também, claro, com o
pênis ariano dele, como podemos ver nesse vídeo. — em
seguida, ele entregou o tablet ao delegado e falou: — A
imagem tá muito boa, o Werner foi um espião de primeiro
nível, pode apostar que o cabra tem futuro no ramo da
espionagem, porque como fazendeiro, bem... nós já
comemos as terras dele. — debochou com certo prazer
maldoso Max Bernard.
Esteban viu sua futura esposa com a cabeça
inclinada por sobre um pênis ereto, o pó branco na glande
rosada, e era de lá, da cabeça do pau de Artur Klein, que
a promotora aspirava a cocaína.
Visivelmente incomodado, o delegado se voltou
para os homens sentados displicentemente em suas
cadeiras e perguntou:
— O que vocês querem para esse vídeo não vazar?
Vince inclinou-se para frente e entregou-lhe um
envelope com o timbre da Rainha do Cerrado.
— Aqui estão as ordens do comandante Romano.
E a delegacia de polícia e o poder judiciário de
Santa Fé acabavam de se incorporarem ao emergente
reinado de Lorenzo Romano, considerou Vince, sorrindo
ao compreender que as ambições do afilhado não eram tão
insanas assim.
O próximo passo era a prefeitura municipal.
Precisava colocar alguém de confiança no poder político.
As eleições se dariam no próximo ano, e o povo
necessitava de uma força inovadora e radical que pusesse
por terra as ações criminosas, além de oferecer condições
mais dignas aos menos favorecidos.
Santa Fé precisava de alguém que a administrasse
com sua alma e coração.
Capítulo 18

Dinho aportou na Mon Refuge e encontrou sua sogra


fazendo cálculos e também algumas caretas.
— Estão falidas? — perguntou com bom humor,
aproximando-se dela e a beijando na testa.
— Sua mãe, pra variar, tá comprando mais livros do
que vendendo. Isso não seria problema, senão
estivéssemos reformando a livraria. — reclamou,
ajeitando os óculos de leitura cuja armação era cor-de-
rosa.
Ele afastou a cadeira diante da escrivaninha da tia e
se sentou, interessado em saber o que estava acontecendo
no lugar que frequentava desde pequeno. Na verdade, as
suas visitas à livraria eram mais em razão dos jogos no
computador de quando a Mon Refuge também era um
cyber café. Anos depois, as sócias resolveram retornar às
origens e manter o estabelecimento apenas com livros e,
nessa mesma época, os cavalos fisgaram sua atenção e ele
começou a aprender a domá-los com seu tio Max.
— Precisam de grana, tia? Eu não tenho, mas posso
pedir para o pai. — ofereceu-se, solícito.
— Nunca pedimos dinheiro aos nossos maridos e
não será agora. — afirmou, convicta. Escorando-se contra
o encosto acolchoado de couro da cadeira, emendou: —
Sabe, Dinho, desde que você saiu de casa e logo em
seguida casou com a minha filha, a chefinha meio que se
perdeu na vida... — era possível que sua madrinha tivesse
notado a preocupação em seu olhar, pois logo esclareceu:
— Não quis dizer que se “perdeu” no sentido de ter
virado uma vadia, não é isso.
— Nem pensei que fosse, tia Pink. Cruz credo! —
persignou-se.
Pink riu, mas depois tornou a ficar séria.
— Olha só, sou cheia de filhos, ok? — ele fez que
sim, sem entender aonde aquela conversa ia dar, e ela
continuou: — A Zoe saiu de casa e nada mudou, porque
tenho a Lana e a Ava. Além disso, a Lolla voltou. Para
completar a minha felicidade, tenho dois netos e a minha
filha mais nova tá muito longe de voar pra fora do ninho.
Mas a chefinha... — ela suspirou entristecida: — bem, ela
fala que quer se dedicar ao Vince, voltar a namorá-lo e
tal, só que não vejo mais toda aquela alegria de antes. A
Valentina é uma mãezona que precisa cuidar dos seus
filhotes. Precisa proteger a ninhada, cuidar e lamber a
cria...
— Mas ainda moro na fazenda. — falou,
emocionado com as palavras da tia e preocupado com os
sentimentos da sua mãe.
— Isso é coisa dela. Você não tem que fazer nada.
Encarou-a por um tempo antes de abrir o seu
coração com a mãe da mulher que ele amava:
— Eu também queria ter um filho, tia. O Lorenzo
tem dois e casou depois de mim. Tudo bem que são
gêmeos, mas não deixa de ser dois, né? — riu-se, sem
graça. Baixou os olhos e fitou a aliança na mão esquerda,
completando tristonho: — Mas a Zoe não quer ter filhos.
A tia estendeu a mão por cima da mesa e pegou na
sua ao tentar confortá-lo:
— Dê um tempo a ela, essa coisa de maternidade
não é a mulher quem escolhe, e sim a força da natureza, a
nossa biologia. A Zoe tá focada na faculdade, essa é a
prioridade dela no momento.
— Acontece que a natureza já agiu em mim, me
sinto pronto pra ser pai, até já tive um sonho com isso e
era uma menina. É, tia, sonhei que tinha uma cabritinha
ruiva, sardenta e gorda pra diabo, coisa mais linda. —
falou, emocionado. — Vejo o Lorenzo com o Lake e o
Leo... Puta merda, como eles brincam e jogam bola e... —
ele apertou a boca, comprimindo também a emoção e
continuou: — como aqueles dois adoram o pai deles e,
sabe, tia, quero isso pra mim também. Sou mais velho que
o Lorenzo, porra, já era pra eu ter filho!
Pink apertou a mão dele.
— Conversa direitinho com ela, meu lindo. Vocês
são jovens...
— Nem tanto, tia. — interrompeu-a. — Quero ter
um bebê antes dos trinta! — exclamou, resoluto. —
Preciso é pôr fogo naquelas pílulas da moleca, isso sim.
— Nada disso, Romano! Quem decide quando
vocês terão filhos é a Zoe, é o corpo dela que tá
envolvido no esquema.
— Acontece que a sua filha não quer ser mãe. É, a
senhora ouviu bem, uma mulher linda e com aquelas ancas
gostosas e largas não quer parir! O que vai ser de nós,
meu Deus? Serei eternamente “um tio”? — indagou entre
indignado e magoado. — Até as minhas vacas têm os seus
bezerros, e eu viverei como um garanhão mal utilizado.
Notou que a tia levou a mão à boca, talvez para
controlar uma risada e isso o fez lembrar que ele estava se
comportando como o seu tio Natan, exagerado e histérico.
Sentiu as bochechas pegarem fogo. E, para disfarçar o que
ele considerou como um gafe desonrosa à sua fama de
macho alfa, ergueu-se da cadeira, ajeitou o chapéu na
cabeça e perguntou com voz de macho:
— Onde tá a minha mãe?
Pink tinha um ar divertido quando respondeu:
— Discursando na confeitaria, esse agora é o hobby
da senhora Romano.
Dinho realmente não sabia onde enfiar a cara. Era
só um desabafo, não entendia como de repente tinha
virado todo aquele melodrama.
— Tia...
— Sim, querido.
— A senhora e o tio fizeram as meninas mais lindas
do mundo. — disse o que o seu coração sempre soube e
sentiu. — E eu espero que a moleca me deixe fazer um
monte de filho nela, porque amo demais aquela cabrita
dona de mim.
Viu quando os olhos da sua sogra se encheram de
lágrimas e ela então se pôs de pé, contornou a mesa e o
abraçou, sussurrando-lhe com carinho:
— Sua mãe possessiva e doida que não me escute
falar, mas você é o cabritinho lindo que nunca tive.
Capítulo 19

No caminho para a escola, Lana se voltou para o


motorista da picape e perguntou:
— Sentiu a minha falta?
— A gente não se viu ontem? — Jimmy indagou,
mantendo a atenção na estrada, embora fosse possível
perceber um ar zombeteiro no sorriso de canto e no gesto
de arquear uma das sobrancelhas.
Ela também se voltou para frente e suspirou
resignada. Como podia tirar poesia de uma rocha?
Impossível!, considerou, exalando mais um suspiro.
— Tá com algum problema de saúde, Bernard?
Não precisava encará-lo para saber que ele fazia a
pergunta exibindo um sorriso jocoso. O que podia fazer
era ignorá-lo até chegar à escola. Acontecia apenas que
ela estava louca para lhe dizer que havia rompido com
Dion, embora seus pais ainda acreditassem que os dois
namoravam.
Queria se virar para Jimmy, olhar nos seus olhos e
dizer: “agora poderei voltar a frequentar a cama do alto
escalão”. Contudo, por mais que o seu corpo o desejasse
e a sua mente não parasse de rodar o filminho dos dois
fazendo sexo, ela era orgulhosa demais para alimentar o
ego estratosférico do subcomandante.
Pensava nele, era verdade. Obsessivamente.
Pegava-se fitando o vazio com um talher no ar, sem
comida, vendo dentro da cabeça imagens das horas
passadas no alojamento. Fragmento de conversas, os
beijos, o sexo e, quando se concentrava, podia até mesmo
se lembrar do cheiro e do gosto de Jimmy.
Ela sentia um tipo de necessidade física inédita,
pois todas as suas outras vontades, desejos e ânsias
sempre foram atendidos. Não era uma pessoa
emocionalmente carente de modo algum. Por isso lhe
custava assimilar a ideia de que sentia falta de estar com
um homem que a irritava com facilidade.
— Vou a Matarana. — ouviu-o dizer e fingiu não se
importar. Ele então continuou como se jogasse conversa
fora: — Preciso transferir o meu título, posso fazer isso
depois de buscar você na escola, aí vamos juntos.
— Você vota? — indagou, bestialmente, voltando-se
para encará-lo. O convite a pegou de surpresa, e ela não
soube como reagir. Era mais fácil se irritar e xingar
Jimmy do que aceitar algo bom vindo dele.
— Depende o meu humor. — respondeu, fazendo
uma careta. — Pouco me importa o meu título ou as
futuras eleições, não deu pra perceber que é uma desculpa
pra passar umas horinhas com você? — ele perguntou com
um esboço de sorriso e, sem esperar pela resposta dela,
continuou: — Já planejei todo esquema de segurança.
Conheço um hotel de beira de estrada, a caminho de
Matarana, é meio estilo motel mexicano para bandidos,
mas, na verdade, é um tipo de lugar de encontro entre
caminhoneiros e essas putas de beira de estrada. —
comentou com naturalidade.
— É isso que sou? Uma puta de beira de estrada?
— a pergunta era para ter saído num tom raivoso, mas
foram a decepção e a incredulidade que lhe deram o tom.
Ele parou diante do semáforo e se voltou para ela.
— De jeito nenhum, Lana. — parecia haver doçura
em sua voz. — Só quis descrever o lugar pra você. Sei
que tá na cara que é abaixo do seu nível, muito, por sinal.
Só que não podemos nos encontrar em Santa Fé, somos
muito conhecidos na cidade e também não dá para encarar
Belo Quinto como uma cidade para lazer, a menos que
metade da tropa nos acompanhe. — explicou-lhe
brandamente.
Ela cresceu rodeada de coisas boas e não estava
acostumada a frequentar motel, fosse de luxo ou coisa
pior. Seu rosto deve ter expressado tal pensamento, pois,
no minuto seguinte, Jimmy a tocou debaixo do queixo para
virar sua cabeça para ele.
— Tá tudo errado aqui. — começou, usava uma voz
quase doce que não combinava com o olhar duro, parecia
mais uma vez que ele vivia um dilema. — Eu e você não
combinamos. Deu certo na cama, é verdade, não posso
negar que quero repetir a dose e, de preferência, todos os
dias. Você é linda, jovem demais, rica pra diabo e, com
certeza, em breve conhecerá um Romano e será mais uma
cabrita na coleira. — ela notou que não havia intenção
alguma de provocá-la e sim de ser franco e honesto. —
Desde ontem não consigo parar de pensar em você, chego
a estar meio atordoado como se tivesse enchido a cara,
mas sou experiente e vivido pra saber me colocar no meu
devido lugar na sua vida. Então, Lana, aproveita a sua
chance de ter a melhor foda, ok? E, no momento, só
poderemos fazer sexo em pocilgas.
— Não entendi.
— O que não entendeu? — perguntou ele,
vasculhando-lhe a expressão de seu rosto.
— O que isso quer dizer? Que você vai me treinar
sexualmente para ser boa de cama para o meu futuro
marido Romano? — perguntou com acidez.
Ele endereçou-lhe um sorriso triste.
— Que outra ambição eu poderia ter, hein? — agora
o tom era de uma raiva domesticada. — Sou pobre,
Bernard. Meu único patrimônio é essa picape que levei
quase dois anos para pagar. Moro no alojamento da
fazenda da sua família e vivo do salário pago pela sua
família também. Na minha profissão não existe promoção,
sou justiceiro e morrerei justiceiro, ou seja, continuarei
duro e exercendo uma atividade de risco. Agora, seja
honesta consigo mesma, Lana, e me responda: acha que
tenho condições de me igualar aos Romano que se
casaram com suas irmãs? O Dinho é filho do sócio do seu
pai na Rainha do Cerrado, e o comandante é filho de
empresário. Isso sem mencionar o esquema de casar
Bernard com Romano... Então, garota, não romantize a
nossa aventura sexual, ok? — terminou a última frase com
uma nuance de cinismo.
— O pai aceitou bem o Dion. — argumentou,
tentando se refazer do choque que o excesso de
sinceridade dele lhe causou.
Jimmy riu um riso baixo e áspero, descrente.
— O Max cedeu a um capricho besta da filha, todo
mundo sabia que você se cansaria logo do moleque, era só
não haver qualquer proibição.
Ela avaliou por um segundo o que acabava de ouvir,
vendo-o acelerar em direção à rua da sua escola.
— Vocês conversaram sobre mim?
Era incrível como todo mundo tentava manipular a
sua vida!
— Não conversamos exatamente sobre você.
Tivemos uma reunião no QGB cuja pauta era a sua
segurança pessoal, e foi sugerido que a melhor estratégia
para garantir que o seu namorico com o pistoleiro de
Minas não fosse adiante seria apoiando o relacionamento.
O que deu certo, não é mesmo? — indagou com
arrogância.
Lana estava pasma.
— Meu Deus, isso é tão absurdo, vocês
manipulando a minha vida! — agora, sim, ela estava
irritada. — E se eu tivesse me apaixonado por ele? Iam
matar o rapaz? Você, seu cretino, ia matá-lo como fez com
o Ned, o Viegas e o Magno? Quantos mais você matou? —
ela se virou no banco, ficando de frente para ele e gritou:
— O problema não é você ser pobre e sim um assassino
em série!
Jimmy riu alto.
— Eu e o comandante, você quer dizer. —
debochou. — Sou um pistoleiro, Lana, minha principal
atividade é matar, ora.
Ela lançou um bufido que expressava irritação e
frustração.
— Você só quer transar comigo. — acusou-o,
sustentando o olhar intrigado de Jimmy. — Pelo visto, tem
um bom acervo de desculpas furadas para não assumir
compromisso com as suas “amantes” e, no meu caso, usou
a minha família.
— Lana, deixei claro que me disponibilizava a
iniciá-la sexualmente. — falou, paciente, enquanto
estacionava o veículo diante da escola. — Não a enganei,
e você bem sabe que não tenho namorada e isso significa
que o único compromisso que tenho é comigo mesmo. —
completou sério.
Ela se sentiu magoada e ofendida.
— Por acaso, estou cobrando alguma coisa do
senhor?
— Parece que sim.
— Idiota convencido!
— “Sentiu minha falta?”, “estamos namorando?”...
— imitou a voz dela, mas de modo exagerado. — É assim
que começa a bagunça, Bernard. Não confunda as coisas.
Se quer namoro sério, procura alguém da sua idade, podre
de rico e, de preferência, um Romano, nem que seja do
Paraguai. Comigo, com o assassino em série aqui, só
conseguirá fodas quentes, sujas e suadas, que a tornarão
uma mulher livre, boa de cama e dona dos seus orgasmos.
Mais do que isso é ilusão da sua cabecinha.
Não lhe pareceu justo. Era como se ele tivesse
roubado no jogo. Esperava criar um vínculo entre ambos,
não que se apaixonassem ou algo parecido e profundo,
mas que Jimmy descobrisse que ela era diferente,
especial, digna de ser levada a sério.
— Olha pra mim, Lana. — pediu-lhe, demonstrando
avaliar o seu semblante de decepção, e falou: — Nem
todo homem que passar pela sua vida você terá que levar
a sério, nem todos eles são para namorar, noivar e casar e
têm outros que não servem para se fazer filho com eles.
Eu, por exemplo, não sou um cara legal e você bem sabe
disso. Não sou romântico nem carinhoso, sou egoísta e
desconfiado, além de superficial, como você apontou
inteligentemente. Sou um merda e não quero me meter com
sua família, não vou pedi-la em namoro para o Max e
ainda ter que me sujeitar à aprovação do Dinho. Gosto de
você. Gosto muito de você, Bernard. Mas não a amo. Se
quiser exclusividade sexual, tudo bem, faço sexo somente
com você. O que não significa que eu esteja apaixonado,
entendeu? É uma opção de comportamento, não interprete
mais do que isso. — foi sério e taxativo.
— Não esperava mais do que isso. — falou
baixinho, abrindo a porta para escapar do constrangimento
daquela cena.
Por que deixou que ele se colocasse numa posição
superior a ela?
— Esperava, sim. No fundo, você esperava que eu
fosse homem da sua vida... E sou, mas da sua vida sexual.
Aquele que mulher nenhuma esquece.
— Entendi errado.
Ouviu-o exalar respiração num jato forte, de
cansaço emocional.
Quando ela afastou a porta para descer, ele esticou
o braço e a pegou pelo cotovelo.
— Não, por um momento, eu passei a informação
errada a você, justamente por que tentei não levar em
consideração a nossa realidade. Um dos dois tem que ser
realista e essa tarefa cabe a mim. — ele apertou a boca,
expressando um ricto de amargor.
Queria ficar com ele. Era-lhe difícil admitir essa
vontade e, até mesmo, compreender a lógica desse desejo
(como se desejo tivesse lógica...), mas a verdade era que
queria ficar com Jimmy.
— Aceito as suas condições. — afirmou, resoluta.
— Mesmo que machuque o seu coração de menina
romântica e sonhadora? — perguntou, sorrindo com
carinho.
Ela se sentia estranhamente vazia.
Encarou o caubói e, sem desviar seus olhos dos
dele, revelou com bastante seriedade:
— Se machucar o meu coração, eu quebro toda a
sua casa, risco a lataria da sua picape e depois ponho
fogo nela. — diante do olhar atônito dele, ela o encarou
com altivez e desceu da picape. Antes de se afastar,
emendou: — E se isso não bastar: invento para os brutos
que você me estuprou.
Jimmy fechou a cara.
— Você é uma cretina, Lana. — acusou-a sério,
evitando fitá-la.
Ela enfiou a cabeça entre a janela aberta e rebateu
com um sorriso do capeta:
— Aceita a minha condição?
Ele se voltou para ela e a encarou. Os olhos
castanhos ferviam de vários sentimentos, até mesmo ódio.
Mas sem hesitar ele respondeu:
— Aceito tudo de você. — a voz grossa e arrastada.
Capítulo 20

Lana escreveu o seu nome e sobrenome no


cabeçalho da prova e, logo em seguida, mergulhou em
outra dimensão. Não conseguia parar de pensar na
conversa que tivera com Jimmy. Analisava e destrinchava
raciocínios elaborados fazendo comparações entre suas
palavras ditas e o modo de olhá-la, além da pergunta
constante a martelar sua cabeça: “o que ele queria dizer
com...?” e, no lugar das reticências, cabia como
complemento à indagação toda e qualquer parte das frases
e afirmações que ela ouvira dele. Assim, de posse desse
material, Lana fazia intrincadas analogias numa espécie de
pensamento labiríntico que não a levava a lugar nenhum.
Entretanto, enquanto se perdia nos próprios devaneios não
deixava de fazer desenhos automáticos, sem prestar
atenção neles, mal olhando para o papel da prova. E era
apenas sua mão mexendo os dedos e juntando linhas que
formavam corações, grandes e pequenos, cheios,
quebrados, preenchidos no seu interior com a caneta
esferográfica azul ou vermelha; outros eram corações
vazios, somente o contorno característico e um “J” no
meio, pouco acima de um “L”.
Antes de entregar à professora a prova em branco,
riscou os corações nela desenhados, sentindo as
bochechas pegarem fogo de vergonha.
Desceu a escadaria até o térreo e depois
praticamente voou para a calçada diante do prédio da
escola, onde os pais e motoristas particulares buscavam
os alunos. Sabia que encontraria um moreno alto com o
seu chapéu de vaqueiro, muito preto e de aba baixa, à sua
espera diante do volante da picape. E eles então
passariam algumas horas na cama. Algumas horas felizes,
amando-se fisicamente.
Sorria. Nem precisava forçar os lábios para os
lados, sorria antecipando o momento de ver o
subcomandante.
Então ela sentiu o chão se abrir debaixo dos pés.
— O Jimmy ficou retido na fazenda, Lana. — disse
Vítor, sorrindo enquanto abria a porta do passageiro para
ela entrar.
— Ah. — mais que isso não conseguiu falar,
aceitando a cortesia e entrando no veículo.
À medida que o pistoleiro avançava na estrada em
direção à Rainha do Cerrado, Lana lutava contra um
milhão de sentimentos que se avolumavam em seu peito,
todos eles, rebelando-se entre si como amantes
apaixonados lutando contra a própria paixão. E ela já não
sabia mais o que pensar, se não conseguia nem pensar. Só
sentia, e sentir doía. Antes de Jimmy não, era fácil sentir e
o encanto a deixava flutuando, leve, corada e cheia de luz.
Agora o peso de sentir a oprimia, esmagava as suas
costelas, fazia-lhe mal. Era como se estivesse doente, o
vírus que se espalhava pelo seu corpo endurecia-lhe a
coluna e a deixava febril.
Jimmy se afastara dela por completo. À menção de
ser difamado entre os brutos o fizera deixá-la de vez. Nem
como parceira de aventura sexual ela lhe serviria.
Não podia negar que ficara surpresa com a
desistência dele, a covardia e a rejeição. Sentia-se
frustrada e tremendamente triste. Antes, quando ele pusera
as cartas na mesa ao apontar que eram incompatíveis e
sem chance de futuro juntos, ela se sentira vazia, era
verdade. Um nada absoluto e certeiro a anestesiara até o
momento em que viu um rastro de carinho, terno carinho,
nos olhos do justiceiro. E aquele tipo de olhar mexeu com
seus alicerces de garota sonhadora. Jimmy a conhecia tão
bem que chegava a irritar, considerou, respirando fundo.
Então as lágrimas bloquearam-lhe a visão e ela
sabia que o choro de raiva ameaçava explodir na cabine
da picape da fazenda. Angústia, frustração e raiva, agora,
direcionadas a si mesma, e ela se odiava — Deus do céu
como se odiava! — por descobrir que adorava,
simplesmente adorava, estar com Jimmy.
E isso era horrível!
Talvez ela tivesse nascido para ser a cabrita
iludida, aquela que se apaixonava pelos homens errados.
Toda família tinha uma coitada idiota dessas e,
possivelmente, entre os Bernard, não seria Ava.
Assim que desceu da picape, o celular vibrou.
— O Vitor tá com você? — Jimmy perguntou.
— Ele acabou de me deixar em casa. — disse, a
contragosto.
— Ok.
— Vai à merda, Jimmy! — falou baixinho, com
rispidez, subindo a escadaria até o casarão.
Ouviu-o rir.
— Se você for à merda comigo, eu irei com maior
prazer. — respondeu, espirituoso. — Mas não se zangue
à toa, o comandante designou o Vítor como seu
segurança, Bernard. Fiquei com tanta raiva que nem fui
a Matarana transferir o meu título.
— Não parece que tá com raiva. — acusou com
azedume.
— Lana, passei boa parte da madrugada fumando
e bebendo, pensando num jeito de pôr você na minha
cama de novo, e o comandante vem e me faz uma dessas.
— a voz demonstrava exasperação.
Ela sorriu consigo mesma, sentando-se no deck ao
redor do chafariz das pererecas.
— Será que alguém nos viu juntos e contou para o
Lorenzo? — não estava nem um pouco preocupada ao
fazer tal pergunta.
— Não, nada disso. Acho que o Lorenzo tá
achando que é muito abuso do tio dele usar o seu
subcomandante como babá de uma cabrita desaforada
e... — parou de falar, e ela reconheceu a voz de Lorenzo
do outro lado da linha falando com Jimmy. Em seguida,
ele voltou sua atenção a ela: — Tenho que voltar ao
trabalho...
Ela o interrompeu.
— Tudo bem, mas antes me faça o favor de
completar a frase...
— Que frase?
— A de que eu sou uma cabrita desaforada e... E o
quê mais, hein? — perguntou com uma curiosidade
atrevida.
— Não vai querer saber.
— Quero, sim, por isso perguntei.
— É melhor que não saiba.
Ele estava se divertindo com a cara dela, isso era
evidente!
— Fala, seu covarde! — mandou.
— Você prefere ficar batendo boca feito uma
lavadeira ou me deixar convidá-la para um sexo quente
e gostoso amanhã depois da sua aula? — a voz era tão
macia quanto o roçar de uma boca contra a pele entre as
coxas.
Lana afastou ligeiramente as pernas ao sentir que
umedecia o fundilho da calcinha.
— Vai a Matarana transferir o seu título? — as
palavras saíram como se fossem bolhas de sabão, leves,
soltas no ar.
— Vou a Matarana, sim, mas será pra comer uma
cabrita fogosa.
Ela engoliu um pouco de saliva.
— E o Vítor?
— Laxante.
— O que?
— Não tem outra saída. — foi taxativo.
— Meu Deus!
— Tenho que pôr esse cabra sentado no trono por
umas três horas. — afirmou, rindo-se. — O Vítor é puxa-
saco do comandante, vai grudar em você feito um
adesivo barato. Assim, digo ao Max que passarei em
Matarana depois de buscá-la na escola. Tá avisada
então.
— Jimmy... — chamou-o, hesitante.
Ele a interrompeu como se lesse seus pensamentos:
— Nunca é só sexo, Bernard. Não sou um bicho,
apesar de me chamar de gorila, sua pilantra. —
completou, com ar divertido. — Beijo, minha gata, nos
vemos amanhã.
Ele encerrou a ligação antes de ela se despedir.
Olhou para as esculturas esguichando água na fonte
do jardim e tentou conter um sorriso de encantamento que
insistiu em vingar.
— Matarana... — saboreou o nome da cidade
debaixo da língua como um suspiro italiano se derretendo
na saliva. — Que cidade linda! — murmurou tonta de
emoção.
O celular vibrou novamente.
Era uma mensagem de Jimmy.
Desaforada e... gostosamente peituda.
Ela achou graça e digitou rapidinho com seus
polegares velozes:
Fui mal na prova de hj, pq soh pensava na sua imensa banana,
gorila.
Riu consigo mesma, levando a mão à boca, era uma
pena que não visse a cara dele naquele momento.
Quer ver o q tô guardando p/ vc? Vou mostrar. É bem grande.
Ela parou de rir e arregalou os olhos, muito
interessada no que ele lhe mostraria.
Quero! Mostra!
Deu uma olhada ao redor para conferir a sua
privacidade. Logo em seguida, abriu a imagem que Jimmy
acabava de lhe enviar. Uma caixa dourada com um laço
vermelho, bonito e delicado. Reconheceu a embalagem de
uma loja de chocolates muito frequentada por sua mãe e a
tia.
Jimmy havia-lhe comprado uma CAIXA DE
BOMBOM.
Bombos finos, caros, delicados.
Obrigada! <3 Amo chocolate!
Enviou o SMS sentindo o coração galopar entre as
costelas, querendo pular boca afora, o doido.
Eu sei, já vi vc comer mt disso por aí kkkkk
Ela queria beijá-lo.
Vc disse q não era romântico :/
Pois eh, p/ ver como tô doente da cabeça.
Capítulo 21

Dona Rochelle Bernard tinha uma coleção de


calcinhas safadas e boa parte delas era guardada ainda na
embalagem original, sem qualquer sinal de uso justamente
por que ela não havia usado metade do seu estoque de
lingerie “para noites especiais”.
Lana pegou um dos pacotes, a etiqueta tinha a
logomarca de uma loja de lingeries de São Paulo,
possivelmente, fosse um dos vários presentes sacanas que
o seu pai trazia quando viajava para participar dos leilões
de cavalos.
Tomou banho, depilou-se, escovou os dentes e
depois deslizou uma generosa camada de hidratante pelo
corpo. Prendeu o cabelo longo num rabo de cavalo e
borrifou perfume cítrico no pescoço.
Por baixo do uniforme escolar, ela usava a lingerie
que não passava de uma renda negra que mal cobria o seu
sexo e, na parte detrás, um fio de tecido enterrado entre as
nádegas.
Havia uma aura de imoralidade em cada gesto seu,
ela considerou, olhando para si mesma. E era como se
tentasse disfarçar de freira a vadia louca que gargalhava
autoconfiante antecipando o prazer de ter Jimmy entre as
pernas.
Ela esperava pela chegada dele, sentada em um dos
degraus da longa escadaria diante da portaria da escola,
quando Marjorie apareceu ao seu lado e falou:
— Viu o tamanho da barriga da Melissa? Todo
mundo tá falando que ela tá grávida. — comentou a garota
loira e fuxiqueira.
— E daí? Acho que não sou o pai da criança. —
debochou com indiferença, tornando a se interessar pelo
movimento da rua logo após a calçada.
Marjorie era filha de um vereador local, estudava
como se o mundo fosse acabar no dia seguinte, ou seja,
diante da iminência dessa suposta tragédia, Marjorie não
estudava era nada. Por isso gostava dela. Não era aquele
tipinho chato e ganancioso por notas altas como se fossem
cédulas de dinheiro. Por outro lado, a garota era
fofoqueira pra mais de metro e possuía uma mentalidade
dos nos de 1950.
— Pensa bem, ela tem 16 anos e já engravidou! Que
tipo de idiota engravida tendo tantos métodos
anticoncepcionais por aí? É vergonhoso! Parece até que
fez de propósito pra segurar o namorado... O que não
duvido nadinha, a Melissa não consegue levar adiante
nenhum namoro, todos os caras terminam com ela, vai ver
tem algum tipo de sina ou carma, sabe? Éééé, tem gente
que nasce com o dedo pobre!
— Ok, você expos sua humilde opinião, e agora eu
pergunto: o que nós temos a ver com isso? — acrescentou
um sorriso de troça ao questionamento feito de modo
crítico.
— Acontece que se ela estiver grávida, terá que sair
da escola. O diretor é linha dura e não admite que uma de
suas alunas use o uniforme escolar por cima de uma
barriga de grávida. Pega mal pra imagem da escola, ora!
— Acredita mesmo nisso? — indagou, olhando-a de
modo divertido.
— Tá no manual do aluno. — respondeu com
convicção. — Ainda assim, quando a barriga aumentar de
tamanho, o pessoal vai fazer comentários maldosos e as
fofocas aumentarão, não duvido de que a Melissa acabe
não aguentando a pressão e abandone o colégio. —
declarou, friamente.
— Claro, se gravidez for uma doença e, além disso,
contagiosa...
— Por que tá debochando? — indagou com um
rastilho de irritação na voz. — Onde pensa que estuda?
Onde pensa que vive? Olha ao redor, Lana, essa menina é
uma adolescente que supostamente tá grávida, uma mãe
solteira. Mesmo que o cara assuma e case com ela, o que
será da vida da coitada? Ela é estagiária na farmácia do
seu Chico, ganha uma miséria e é com esse dinheiro que
ajuda a mãe. Aqui ela tem bolsa, mas assim que a barriga
começar a aparecer de verdade, o diretor irá sugerir que
ela procure uma escola pública para concluir os seus
estudos. — falou, havia um tom de amargura e
ressentimento.
— Talvez ela não esteja grávida, pode estar só
gordinha. — ponderou Lana, percebendo com o coração
aos pulos a Silverado preta aproximando-se. Voltou-se
para a colega e concluiu: — Sabe, é por isso que o meu
clã é fechado, a gente tem um estilo de vida tão
interessante que não perdemos tempo lançando olhar pra
vida dos outros.
Levantou-se do degrau, ajeitando a saia azul ao
alisar o tecido para baixo. Já tinha um sorriso secreto nos
lábios para oferecer ao caubói que acabava de estacionar
a picape junto ao meio-fio da calçada e, em seguida,
inclinar a cabeça para o lado a fim de procurá-la com os
olhos.
Nem se despediu de Marjorie. Aliás, todas as
pessoas ao seu redor pareciam ter sido pulverizadas do
planeta, uma vez que seus cinco sentidos estavam
concentrados em Jimmy.
Deu uma corridinha até a porta do passageiro,
abriu-a e entrou. Reconheceu a fragrância da colônia pós-
barba amadeirada misturada ao cheiro do banho recente, e
era por isso que o cabelo longo e escuro estava úmido. A
barba feita, os maxilares lisos. Ele usava uma camiseta
cinza chumbo, sem estampas, e o jeans gasto combinando
com o Stetson preto e as botas velhas de couro cru.
Sentou-se no banco ao lado dele, sem deixar de ver
as coxas grossas e o pau grande comprimidos contra o
jeans.
Ele viu o seu olhar entre guloso e ansioso e mandou
numa voz rouca e quente:
— Levanta a saia.
Obedeceu-lhe, erguendo a barra até aparecer a
renda da calcinha sobre o monte púbico depilado. Viu-o
olhar para o triângulo de tecido entre suas coxas e, em
seguida, voltou sua atenção para o trânsito. A respiração
dele parecia diferente agora, longa e pausada, como se
estivesse se controlando para não avançar pra cima dela.
— Gostou do chocolate? — ele perguntou sério,
ajeitando o chapéu ao puxar a aba pra baixo, sem desviar
os olhos da avenida que levava à estrada federal em
direção a Matarana.
— Posso pôr uma música? — pediu, admirando o
braço musculoso e moreno descansando sobre a perna
dele enquanto dirigia com apenas uma das mãos no
volante. — Tá muito calor.
Sem se voltar para ela, indagou com um sorrisinho
sacana:
— Você quer uma música ou uns cubos de gelo?
Ela não respondeu. Inclinou o corpo pra frente e,
abrindo a mochila, retirou a caixa de bombom. Notou que
Jimmy acompanhava seus gestos com a visão periférica,
atento aos seus movimentos. Pegou um dos quadradinhos
de chocolate com licor de cereja e, com os dentes
frontais, quebrou-o na boca, o líquido cor-de-rosa escuro
escorreu-lhe dos lábios.
— Jimmy... — chamou-o numa voz baixa e
ronronante como uma gata safada balançando o rabo ao
redor do macho, ao mesmo tempo que puxava pra baixo a
lingerie até deixá-la na metade das coxas. — Gostei de
comer o seu chocolate assim ó... — dito isso, afastou um
pouco mais as pernas, dobrando os joelhos e erguendo os
pés do chão, apoiados agora no banco. Deslizou o
bombom pela fenda da boceta, separando os lábios
vaginais.
Viu Jimmy olhar hipnotizado para o seu sexo e
depois para o bombom cuja cobertura marrom exibia a
umidade dos fluídos de sua lubrificação vaginal.
Ela esfregou mais uma vez o chocolate,
friccionando-o ligeiramente sobre o clitóris. Semicerrou
as pálpebras, gemendo baixinho e exalando junto com o
gemido a grossa respiração.
Jimmy se perdeu na troca dos pedais, e o veículo
meio que travou em chofre.
Lana levou um susto, abriu os olhos e sorriu,
entendendo que o havia afetado com seu gesto ousado.
— Me dá esse bombom. — ele ordenou.
Antes de comer o chocolate, Jimmy o lambeu na
cobertura dura, deslizando a língua do mesmo modo que o
fizera ao chupar a sua boceta.
Ela pegou outro bombom e repetiu a dose,
encarando-o com luxúria e desafio.
— Vai comer este também?
Ele a encarou com um olhar de bicho.
— Põe na minha boca.
Ela o fez, sentindo nos dedos a maciez firme e
úmida dos lábios dele.
Jimmy mastigou o bombom devagar, a mão grande
pousou sobre a coxa dela.
— Posso escolher uma música? — tornou a
perguntar, usando uma voz de menininha safada.
Ele esboçou um sorriso e fez que sim com a cabeça.
Escolheu Like a Boy, da Ciara, mostrando ao
subcomandante que a temperatura da cabine subiria.
Deitou o banco para trás, transformando-o numa
cama, assim pôde esticar todo o corpo, livrando-se da
calcinha com um giro preciso do pé por onde ela ainda
estava presa.
— Comporte-se, Bernard. — ele mandou,
incomodado, apertando os dedos firmes ao redor do
volante enquanto a olhava de soslaio e suas narinas se
arreganhavam pra trás, a respiração ofegante, o semblante
sério de um homem massacrado pelo autodomínio que se
perdia a cada curva da estrada.
— Sim, subcomandante. Sou a sua pistoleira do
sexo. — debochou, erguendo a saia colegial e se pondo de
bruços, as nádegas brancas rebolavam ligeiramente
quando ela mexia com os quadris para provocá-lo. —
Gosta da minha bunda, serial killer?
Ele reduziu a velocidade e lançou um olhar quente e
longo para as nádegas que se erguiam do banco num
movimento de vaivém como se a garota estivesse fodendo
alguém debaixo de si. Depois ele deu atenção ao rosto
dela, virado pra ele, observando-o com um sorriso
demoníaco.
— Não sei se gosto, ainda não comi a sua bunda. —
disse, num tom grosso.
Ele parecia zangado, inquieto, agitado de um modo
que ela não entendia.
Afastou as pernas e ergueu a cintura, tocando-se
intimamente.
— Se não se importa... — viu-o se voltar
novamente para ela e, quando seus olhos se encontraram,
completou numa voz de drogada: — vou me masturbar um
pouquinho. O seu cheiro tá me deixando louca, Jimmy.
Ele gemeu alto.
— Quer me deixar doido? Quer que eu bata com o
pau no painel e cause um acidente? — indagou, irritado.
No minuto seguinte, ela sentiu a mão masculina
pegando-a por baixo da boceta, toda ela, apertando-a, a
palma roçando no clitóris, separando os grandes lábios.
— Vou gozar antes de chegar à porra da cidade... até
esqueci o nome do lugar. — ele estava visivelmente
perturbado.
Lana tencionava levá-lo ao limite.
O diabo se agitava dentro dela.
O diabo era uma mulher com fogo no rabo.
— Sou a sua ninfeta, sua vagabunda, me mata com
esse pau grande metido bem fundo na minha bocetinha
desvirginada por você. — gemeu roucamente.
Ele se soltou dela, girando o volante para entrar no
acostamento, desceu o declive com tudo, sacolejando a
lataria, pedras batiam debaixo do assoalho. Avançou para
o interior do matagal, parando à entrada de uma clareira,
alguns metros longe da rodovia asfaltada.
Desligou o motor e se voltou para ela, a feição de
um homem puto da cara.
— Por que tá fazendo isso comigo? Você me
despreza e me seduz. O que quer de mim?
Ela deitou a cabeça no banco, a bochecha esmagada
contra o estofamento, e ficou parada pensando na
pergunta.
Por quê?
Jimmy fez um movimento no banco ao lado e, em
seguida, puxou-a pela cintura, pondo-a sobre suas coxas.
— É assim que vocês laçam os brutos, agindo como
malucas? — perguntou, exasperado.
Acontecia apenas que todas as palavras haviam
fugido de sua mente, uma vez que ela acabava de se dar
conta de que ele baixara o jeans e a cueca, projetando
assim o pau grande e grosso pra trás, pronto pra ação,
pesado, úmido na ponta, delicioso entre os tufos de pelos
púbicos escuros.
Notando para onde ela olhava, acompanhou-lhe o
olhar e perguntou com um esgar de cinismo:
— É isso que quer? — pegou o pau na mão,
segurando-o firme como uma espada e continuou: — Senta
aqui, Lana. Você tá molhada e gostosa, senta e monta, sua
sacana.
Ele a ajudou a passar a perna para o outro lado do
corpo dele e depois a segurou na cintura, enquanto ela
deslizava a boceta pelo pênis duro, preso no aro da mão
dele, enterrando cada pedaço de carne quente pulsante,
preenchendo-a ao ponto de lhe tirar o ar. Sentia-o
percorrendo seu corpo inteiro como uma lança de fogo
fodendo-a duramente.
— Assassino gostoso! — ela gritou, olhando para
os olhos castanhos sérios e, ao mesmo tempo, injetados de
tesão, avermelhadas as órbitas, as pálpebras
semicerradas.
— Você... gosta disso, não é? — ele a firmava na
cintura, puxando-a pra baixo, enterrando o pau fundo nela
para, depois, erguê-la quase a tirando da montaria. —
Saber que fode com um matador... É atraída pela violência
como todos daquela fazenda... — ofegava. — Sexo e
violência. Não é mesmo, Lana? — a pergunta foi feita
com arrogância e desdém e, no minuto seguinte, ele
abocanhou um mamilo, chupando-o com força.
Ela o cavalgou com loucura, firme nos ombros dele,
aspirando o cheiro do cabelo de Jimmy. O clitóris roçava
na pele quente e macia do pau e também um pouco no
tecido áspero do jeans e era uma delícia.
Ele enfiou um dedo longo no ânus dela, e Lana
gritou, jogando-se pra frente, descabelada, pingando suor,
a maquiagem borrada.
Com um gesto brusco, Jimmy abriu a sua porta e
saiu da picape com Lana no colo.
— De quatro. — mandou, ao deixá-la de pé no mato
baixo.
Lana estava zonza, cambaleante, grogue.
— Hã?
Ele a pegou pelos ombros e forçou-a se abaixar.
— Joelhos no chão.
E, assim, de quatro no mato, o subcomandante
agachou-se detrás dela e a penetrou numa estocada dura e
forte, pegando-a pelos ombros e a fodendo sem parar até
arrancar gritos roucos e desesperados de quem acabava
de alcançar o pico agudo do orgasmo.
Na sua vez, ele se permitiu despejar o sêmen num
jato denso enquanto pegava-a nos seios grandes,
apertando-os com força, trazendo o tronco da garota pra
trás feito um arco.
Sentiu-o se estremecer dentro dela, ouvindo-o
gemer alto um “pilantra gostosa”. Ele ainda socou mais
duas, três vezes, arremetendo as bolas contra suas
nádegas.
— Me come toda! — ela gritou, sentindo-o
enlouquecer detrás dela. — Faz o que quiser
comigo...Jimmy! Sou louca por você!
Ele meteu mais e mais e mais. O esperma escorreu
por entre as coxas dela, sentia o líquido grosso deslizar, a
vagina encharcada.
Gritou ao ter um punhado de cabelo puxado pela
mão dele.
— É louca por mim? — ele perguntou, num tom
perigosamente baixo.
Lana fechou os olhos. Respirava com dificuldade e
um bolo de angústia bloqueava a sua garganta.
Sim, eu adoro você.
Sim, sim e sim.
— Como era louca pelos outros? — agora ele
estava irritado. — Como se apaixonou nos últimos anos,
um por mês?
— Tá doendo! — gemeu, tentando soltar a mão dele
do seu cabelo.
— Vagabunda! — exclamou com menosprezo,
empurrando-a pra frente contra o mato.
Ela voltou a ficar de quatro quando quase bateu o
rosto contra o solo.
Juntou uma pedra para arremessar na nuca de
Jimmy, mas ele se voltou, ajoelhando-se ao seu lado e
declarou numa voz de tormento:
— Você não é uma vagabunda.
Voltou-se para vê-lo e seus olhos se encontraram.
— Me perdoa. — ele pediu numa voz arrastada que
ainda tentava se restabelecer do ritmo da foda raivosa. —
Sinto que estou ficando louco também. E isso não é nada
bom. — constatou, balançando a cabeça em negativo. —
Nada bom para um homem violento como eu, Lana. —
emendou sério, encarando-a com firmeza.
Lana soltou a pedra.
Ela também era violenta.
— Nunca senti nada igual, Jimmy, nada perto dessa
confusão infernal que sinto por você. — ao vê-lo arquear
uma sobrancelha com ar superior, ela emendou rapidinho
num tom cínico: — Mas não se preocupe, deve ser o que a
Lolla considera como “amor de pica”. É só fodermos
bastante que passará. — tentou sorrir, não conseguiu.
Esperou vê-lo sorrir com deboche.
— É, deve ser mesmo.
Ele não sorriu. Estendeu-lhe a mão e a ergueu do
chão, pegando-a no colo e a levando para a picape.
Ao deixá-la no banco do passageiro, ajeitou uma
mecha de cabelo detrás da orelha dela. Com o dorso da
mão, fez um carinho na sua bochecha e, balançando a
cabeça como alguém que aceitava amargamente o próprio
destino, ele se afastou, fechando a porta e contornando o
veículo.
Lana sentia o coração pesado de uma dor
desconhecida.
Capítulo 22

Era um quarto impessoal, como Lana constatou


assim que se sentou na beirada da cama com a colcha de
tecido ordinário, um estampado de mau gosto.
Viu quando Jimmy entrou, após trancar a picape, e
fechou a porta do quarto do motel à beira da BR 163.
Jogou a chave no criado-mudo ao lado da cama de casal e
deu uma olhada ao redor, assim, meio que por cima.
— Parece limpo. — constatou, indiferente, indo
averiguar as condições do banheiro. — Tem uma banheira
aqui.
Ela parou ao lado dele, na soleira da porta, e
admirou a banheira limpa ladeada pelo deck com
embalagens de sais para banho.
— Esse deve ser o quarto mais caro do lugar. — ela
disse, abrindo o registro da banheira.
— Caro, em termos, já que é uma pocilga. —
rebateu ele, dando de ombros.
O barulho da água jorrando da torneira e batendo na
louça encheu o ambiente.
Ela jogou um punhado de sais perfumados e despiu-
se.
Jimmy aproximou-se e a envolveu em seus braços
como um grande urso.
— Você é tão delicada que tenho medo de quebrar
os seus ossinhos. — disse, a boca encostada contra o topo
de sua cabeça.
Através do espelho, Lana viu o moreno grandalhão
e lindo, o cabelo escuro escondia-lhe a face, mas era
possível ver um esboço de sorriso nos lábios sensuais.
— É por isso que me come com a delicadeza de um
rinoceronte? — debochou.
Ele riu alto aquele seu riso espontâneo.
Deus, até a risada dele é linda!
— Procuro não deixar marcas na sua pele, Bernard.
— Eu tenho um pai e não um marido. — disse,
irritada, e voltando-se para ele, alfinetou-o: — A não ser
que você tenha que me esconder de alguém do seu
interesse.
Ele a encarou fixamente mantendo um leve sorriso
nos lábios.
— Gostaria muito de escondê-la de todos os outros
homens. — disse, num timbre rouco e insinuante.
— Ou me esconder de alguma vadia lá do Apache.
— ergueu o nariz como se o chamasse para um confronto.
— Minhas vadias se comportam como vadias, o que
significa que podem vadiar com quem elas quiserem. —
comentou, com ar divertido.
— Interessante. — o ciúme a corroía nas entranhas.
— Essa regra não se aplica a você justamente por
que não é uma vadia. — disse ele, com bom humor.
— Quem disse que não sou uma vadia? — indagou
com altivez, sentindo-se imediatamente uma idiota e não
uma vadia.
Ele apontou para a banheira, e ela teve que se virar
para ver o que lhe mostrava. A espuma quase atingia a
borda enquanto a água não deixava de subir.
Fechou o registro e se sentou no deck, encarando-o
decidida.
— Quero ser a sua vadia, Jimmy.
Ele a olhou diretamente, as sobrancelhas arqueadas
num ricto de autoconfiança.
— Nada disso.
— E por que não? — perguntou, frustrada.
— Já estou farto de vadias.
— Ah, entendi, agora você só quer meninas de
família.
— Aham e, de preferência, virgens, as mais safadas.
— ele a olhava com malícia, sorrindo com o canto da
boca.
— Acho que eu era a última virgem de 17 anos de
Santa Fé. — escarneceu, vendo-o também se despir.
Ele deitou na água com espuma e estendeu o braço
para ajudá-la a entrar na banheira.
— Que pena. Terei que passar o resto da minha vida
trepando com garotas de 17 anos até encontrar outra
virgem. — escarneceu com maldade.
Ele a puxou para um abraço, mas ela endureceu o
corpo.
— Cretino! — exclamou, magoada.
— O que foi agora? — ele perguntou bruscamente,
segurando-a nos pulsos. — Por que tá com essa cara de
ofendida?
— Nada. Me larga, Jimmy. Não vou fugir. — sentia-
se magoada, profundamente magoada, o que era estranho
por que o motivo parecia fútil demais para tanto
sentimento envolvido na causa.
— Eu estava brincando, Bernard. — falou,
puxando-a novamente para deitar no seu tórax. — Estou
acostumado a implicar com você, é o tempero do nosso
relacionamento. Mas a verdade é que não há garota ou
mulher no mundo igual a você.
— Obrigada. — agradeceu, comovida.
— Tem as melhores que você, mas isso é outro
departamento. — emendou num tom de provocação.
— Como sempre: i-di-ota! — berrou, tentando
esbofeteá-lo.
Teve a mão presa pela dele, os dedos se
entrelaçaram, e ele conseguiu impedi-la de acertá-la na
bochecha.
Ele pegou o sabonete a fim de lavar o corpo dela,
prontificando-se de pô-la de joelhos, virada para si.
— Agora fica quieta, quero cuidar de você, tinhosa!
Esfregou o sabonete na mão e a deslizou pelo corpo
dela, cada parte e reentrância, não havia pressa, apenas o
movimento lânguido e macio deixando o rastro da espuma
por sua pele.
No minuto seguinte, ele a pôs de quatro na banheira,
ergueu a cintura dela e a penetrou fundo num golpe só. Ela
pendeu pra frente com a força da investida, e ele a
segurou pelos ombros para não bater com a cabeça contra
a parede de azulejos.
— Vou me acabar nessa bocetinha apertada e
gostosa. — gemeu numa voz rasgada, segurando-a na
cintura enquanto batia forte com o pau dentro dela. —
Minha, toda minha... Lana! — arfava.
Precisou se segurar no registro, já que suas mãos
deslizavam nas laterais molhadas da banheira, e ela não
tinha como firmar o corpo pra receber os golpes das
coxas musculosas de Jimmy contra as suas.
A água escapava formando ondas que oscilavam por
cima do deck molhando todo o piso. Lana sentia a pressão
das mãos masculinas agarradas firmemente nos seus
quadris enquanto era subjugada pelo pau avantajado, sem
forças, os olhos fechados, a sanidade se perdendo e tudo
nela gritando de prazer, furor, loucura e uma carga quente
e perigosa chamada paixão.
— Meu! Você é meu! De ninguém mais! Nunca mais!
— ela gritou num grito que parecia uma explosão, gutural,
rouco e profundo.
Gozou tendo a certeza de que morria.
Morria sorrindo e esgotada.
Ele praguejou baixinho e se separou do corpo dela.
Antes que esboçasse reação, foi pega por dois braços que
a deixaram à beira da cama, de bruços, as pernas abertas,
cabelo e corpo encharcados molhando a colcha com
cheiro de amaciante de lavanda.
O vidro da única janela estava aberto e tudo que
entrava era o mormaço das cinco da tarde, quarenta e um
graus, nada de sol, somente a brancura do colchão de
fumaça e a chuva de cinzas.
Não havia ventilador nem ar-condicionado. Era a
água deslizando dos corpos que mantinha a temperatura
suportável, mas logo eles iriam secar, o ar morno e seco
sopraria cada gotícula do banho, deixando o suor porejar
livre nas peles ardentes.
Jimmy afastou nádegas dela e, logo a seguir, ela
sentiu a língua morna lamber o ânus, deslizar toda pela
fenda macia até chegar ao períneo. Usando os dedos,
separou os lábios da vagina e a língua sorveu o clitóris
friccionando suavemente.
Lana empinou o traseiro, gemendo, arfando,
desorientada como se estivesse bêbada.
— Você tá preso, Jimmy. — ela deixou escapar num
jato de respiração pesada.
Ele parou de chupá-la e se pôs de pé novamente,
detrás dela, pegando um punhado dos cabelos longos de
Lana e os enrolando na mão como se fossem as rédeas do
seu cavalo.
— Levanta o rabo! — ele mandou numa voz dura.
Ela riu baixinho.
— Seja educado!
— Levanta o rabo, agora!
Lana inclinou a cabeça para trás e lançou-lhe um
olhar letal. No entanto, o sorriso que viu nos lábios
inchados e molhados com o sumo de sua vagina,
desarmou-a por completo.
— Quer que eu fique de quatro? Gosta muito dessa
posição, não é? — provocou-o numa respiração ofegante.
— É por causa disso... — disse ele, apontando para
o espelho de corpo inteiro preso na parede lateral à cama.
— Me dá tesão ver os nossos contrastes... — ele falou
numa voz arrastada e quente. — Você tão pequena,
branquinha, delicada e feminina e eu... — parou e sorriu
do jeito que o demônio provavelmente sorria no inferno.
— Tão forte, tão grande e animalesco... Tão macho
e poderoso, matador... — começou a falar, enquanto
Jimmy enfiava a cabeça do pau na entrada do seu ânus
virgem. — Aiiii, dói!!! — gemeu e, em seguida, percebeu
quando ele saiu da cama. Ao voltar, viu através do
espelho, ele apertar um tubo contra a palma da mão. — É
lubrificante? — ela segurou o ar nos pulmões diante da
expectativa de ser comida por trás.
— É, Bernard, chegou a hora de perder a virgindade
do rabinho. — havia um tom de maldade na sentença dita,
e ela imaginou se era uma boa ideia fazer sexo anal com
um homem rude dono de um pau avantajado.
Encolheu-se na cama ou, pelo menos, tentou. Ele a
pegou pelo tornozelo e a puxou para a beirada do móvel,
pondo-a novamente de bruços, afastando as suas nádegas
e massageando-lhe o ânus com o gel deliciosamente
gelado.
— Assim vai doer menos. — avisou-a.
— Seja gentil, Jimmy. Você não é um gorila, viu? —
falou, entre nervosa e ansiosa.
Voltou a cabeça para trás e o viu pegando o pau na
mão e o direcionando à sua entrada entre as nádegas. Ele
tinha a expressão de um homem das cavernas louco de
fome.
— Sou, sim, um gorila. — rebateu, deslizando a
glande por entre o aro de músculos constritos e
besuntados no lubrificante.
Lana sentiu uma dor aguda e dilacerante assim que o
pênis começou a penetrá-la. Segurou-se na colcha,
apertando o tecido com os dedos em garra.
— É essa a dor? É tudo isso? Porraaaa!!!! — gemeu
alto, sentindo uma vontade enorme de chorar. — Para!
Para com isso!
Ao contrário da ordem dada, ele desferiu-lhe uma
sonora palmada na nádega.
— Aguenta firme. — disse, secamente, enterrando-
se mais um pouco dentro dela.
Ele meio que se curvou por sobre ela e a masturbou,
rodeando-lhe o clitóris duro. Por mais que ela sentisse
vibrar o miolo duro de tesão, ainda assim não amenizava
a sensação de ardência no ânus.
Virou a cabeça em direção ao espelho e viu o pênis
grosso e escuro entrando na sua bunda. A imagem era tão
crua e violenta que parecia um filme pornográfico. O suor
pingava do cabelo e têmporas de Jimmy, assim como ela
própria tinha as costas molhadas e os seios balançavam
subjugados pela força do subcomandante.
Ele deitou a cabeça pra trás e fechou os olhos, as
mãos na cintura dela, e o quadril projetando-se pra frente.
As rugas ao redor de suas pálpebras se acentuaram, e ele
mordeu o lábio inferior com os dentes frontais. Jimmy
parecia sofrer, sofrer de um prazer imenso. E era ela quem
lhe dava essa sensação, o seu corpo e a sua entrega
irrestrita a ele.
Quando o pênis avançou todo, ultrapassando o aro
sensível dos esfíncteres, ela começou a sentir uma tênue
sensação de fogo, de princípio de labareda. Deixou o ar
escapar pela boca e apertou firmemente os olhos.
— Vou gozar. — avisou-a. — Não conseguirá
chegar ao orgasmo agora, minha Lana, mas prometo um
gozo fodido de bom para a próxima vez. — falou, com
rouquidão na voz.
Ela assentiu, vendo-o trabalhar na sua bunda através
do espelho.
— Põe a bunda mais pra cima, minha tinhosinha. —
pediu, pondo-se de joelhos, a cintura totalmente erguida,
os seios e a cabeça deitados rente à cama.
Viu o reflexo dos seus corpos no espelho. Jimmy
estava por cima dela, cobrindo-a como um touro, os
braços estendidos acima da cabeça dela enquanto movia-
se no vaivém do sexo, fodendo-a no cu. O cabelo longo
caía-lhe no rosto, escondendo a expressão de sua face,
mas ela podia ouvir os gemidos roucos, ofegantes,
animalescos.
Ele gozou forte.
Capítulo 23

Jimmy fumava enquanto zanzava nu pelo quarto.


Havia encontrado cervejas no frigobar e agora procurava
por copos. Não os encontrando, virou-se para ela e
perguntou:
— Direto do gargalo, Bernard?
Ela fez que sim com a cabeça, ainda deitada na
cama, sem roupa e com o esperma de Jimmy deslizando
de sua vagina e do ânus, molhada dele, com ele todo
dentro dela, o seu DNA, o cheiro na pele, a pressão dos
dedos pelo corpo, e um pensamento obsessivo lhe
turvando os pensamentos mais sensatos: Jimmy não
voltará para suas vadias, não mesmo.
— Pode ser. — respondeu, sem fitá-lo, não queria
que ele lesse a intenção criminosa no seu olhar.
Inclinou-se diante do painel na cabeceira da cama e
buscou por uma música no aparelho de som.
— Isso aí não funciona, só pega as rádios locais. —
disse ele, voltando à cama com as cervejas na mão.
— Quer dizer que traz suas putas pra cá, é?
— Claro, vou levar para onde? Pra fazenda da sua
família? — indagou com cinismo.
Ela ficou sem graça, mas jamais o deixaria
perceber.
— O mesmo quarto?
— Sei lá, é tudo igual. — foi indiferente. — Pega
essa merda e bebe, tá falando demais. — provocou-a.
Ela aceitou a cerveja e voltou a fuçar nos botões,
até encontrar Janis Joplin.
— Puta merda, essa é foda! — exclamou, sorrindo.
Aumentou o volume e a rouquidão da cantora encheu o
ambiente, Maybe parecia falar por Lana, a garota
enrubesceu ao notar o quanto havia se deixado envolver
pelo pistoleiro mulherengo.
Tarde demais para pensar a respeito.
— Sabia que é essa a cara que o diabo faz quando
se interessa por uma alma. — ele falou num tom de troça,
apontando em sua direção.
Ela espichou o corpo e suspirou languidamente.
— Pena que a sua não vale nada.
— É verdade.
— E o corpo, bem, qualquer um pode ter igual, é só
se exercitar. — disse com menosprezo... que estava longe
de sentir,
— Genética boa também entra no pacote, não
esqueça. — demonstrou se divertir com o rumo da
conversa.
— Já disse que você não é um homem apaixonante?
— indagou, com falsa inocência.
Ele se voltou para ela e a beijou levemente na boca.
— Sim.
— Ah, só pra ter certeza.
— Mas como então conseguiu a façanha de se
apaixonar por mim, Bernard? — perguntou, com um
sorrisinho cruel.
Ela sentiu os olhos se encheram de água e
respondeu numa voz abafada e cheia de dor.
— Não sei.
A feição de Jimmy mudou drasticamente, do ar de
divertimento e arrogância passou para uma seriedade
contemplativa, como se também tivesse sido surpreendido
pela resposta dela.
Talvez fosse assim que reagisse caso abrisse um
envelope e lesse sobre o resultado dramático de um
exame importante.
— Não seja idiota, Bernard. — a voz saiu num tom
rude. — A gente não precisa dessa complicação.
Ela sentiu o coração explodir em mil pedaços.
Não conseguiria disfarçar, inventar uma mentira,
encarnar um personagem. Não conseguiria atuar, bancar a
independente, a que não se apaixonava, a que não havia se
apaixonado por ele.
Ela se pusera num patamar abaixo dele e pagaria
pela escolha feita.
— O problema é meu, Jimmy. — defendeu-se.
— Até parece. — ele suspirou profundamente,
parecia irritado. — O que você tem, hein? A gente mais
briga do que se entende e agora vem com essa? Precisa de
terapia, garota.
— Talvez. — sentia-se cada vez menor, encolhendo,
sumindo.
O seu celular vibrou e ela leu o nome no visor.
Aquele nome jamais a deixaria se sentir diminuída diante
de ninguém.
Assim que ela atendeu Max Bernard, Jimmy a
encarou com uma cara de poucos amigos.
— Ainda estou em Matarana com o Jimmy. — disse,
forçando-se uma naturalidade, fitando diretamente o
pistoleiro.
— Diz pro cabra esperar o temporal passar,
fiquem por aí até tudo acalmar, ok? — sugeriu seu pai, o
homem mais forte que ela conhecia, o seu parâmetro, a sua
genética.
— Mas aqui não tá chovendo.
— A coisa tá indo pra aí.
— Tá, pai. Quer falar com o Jimmy? — perguntou,
olhando com altivez o amante.
A força voltava às suas veias. Era só isso de que
precisava: lembrar. Lembrar-se de onde vinha, suas
raízes, a potência do caule.
Não havia medo. Nem rejeição. No mundo dos
fortes, as tempestades eram bem-vindas, porque traziam
mudanças.
—Não precisa, cabritinha. Tudo bem com você?
— Sim, tudo certinho, chefe. — brincou.
Depois de encerrar a ligação, ela saiu da cama e
guardou o celular na mochila.
Foi para o banheiro, girou o registro do chuveiro e
tomou um banho demorado, limpando do corpo todos os
vestígios do sexo feito naquele quarto de quinta categoria.
Jimmy abriu a porta de correr do boxe e entrou sem,
no entanto, aproximar-se dela. Manteve-se junto aos
azulejos da parede, olhando-a com sua nova expressão
facial, a séria.
— Não vou mais fazer sexo com você, Jimmy. —
comunicou com frieza.
— Tá no seu direito, Lana. — respondeu, sem
inflexão especial na voz.
Ela se sentia tão triste, tão triste, Deus, tão triste!
Ele não viu quando ela foi pra debaixo do chuveiro
e chorou. Não fez barulho, o seu choro foi silencioso, e a
água levou embora suas lágrimas e isso ele também não
viu.
Ao sair do boxe, ouviu o barulho de um soco contra
a parede e alguns azulejos se quebraram. Ela levou um
susto e deu um pulo pra frente. Voltou-se e viu o sangue
escorrer da mão de Jimmy. Ele estava com a testa
encostada contra a parede, o resto do corpo debaixo do
chuveiro, os olhos fechados.
— Tudo bem? — perguntou-lhe, incerta.
Sem a encarar, respondeu numa voz baixa:
— Sim, só preciso de um tempo. Pode ser?
Ela fez que sim com a cabeça sem entender. Não
precisava nem tentar compreendê-lo. Um dia sua mãe lhe
dissera: “Não tente entender um homem. Se ele não for
claro o suficiente para ser compreendido, então, não perca
seu tempo pensando a respeito: ou é um idiota, ou é um
mentiroso. Ou seja, dois tipos de merdas”.
Que tipo de merda era Jimmy?
Talvez jamais soubesse.

***

A tempestade chegou com tudo, o vento de quase


100 km/h batia contra o vidro da janela e balançava a
veneziana de madeira, assobiando um som agudo
desesperado.
Jimmy pediu comida pelo interfone e depois ficou
em silêncio, deitado na cama ouvindo música.
Lana se sentou numa cadeira em torno da mesa e
tentou começar uma conversa com ele. Dava-lhe nos
nervos ser obrigada a dividir o mesmo teto com alguém
que a ignorava.
— Assim que a chuva acalmar, a gente pode pegar a
estrada. — sugeriu, vendo-o sentar-se na cama e inclinar
o corpo para pegar a carteira de cigarros no criado-mudo.
— É, pode ser. — respondeu, indiferente,
acendendo o cigarro com o isqueiro. — Ou podemos
passar a noite aqui, não nos arriscando a cair numa cratera
no meio da estrada, por exemplo.
Vasculhou-lhe a expressão para ver se encontrava
sinais de que ele quisesse ficar mais um tempo com ela.
Era complicado analisar um homem pelo qual se estava
apaixonada, os olhos enxergavam o que o cérebro
desmentia e, pior ainda, o que o coração desejava ver.
— Mas não vamos transar. — foi taxativa.
Ele tragou fundo o cigarro e a olhou, semicerrando
as pálpebras quando a fumaça foi exalada por suas
narinas.
— Não. Isso acabou.
— Então tudo bem. — rebateu, tentando não
demonstrar suas emoções.
— Mas podemos conversar, se quiser. — ele disse
num tom neutro, sentando-se à mesa. — Jamais
deixaremos de ser ex-amantes. — tentou sorrir, mas tudo
que fez foi puxar o canto dos lábios pra baixo.
— Prefiro pensar que não fomos nada um para o
outro. — rebateu, fitando as próprias mãos. — É tão
medíocre terminar um relacionamento só por que ele se
aprofundou.
— Mas não era esse o objetivo do nosso
relacionamento, Lana. —retrucou ele, calmamente.
— A gente não controla tudo na vida nem em
relação aos nossos sentimentos. — argumentou,
encarando-o. — Acha que não preferia ter-me apaixonado
pelo Dion?
Jimmy suspirou profundamente.
— Talvez mês que vem esteja apaixonada por ele.
— declarou com cinismo.
— Espero que sim. — respondeu no mesmo tom. —
Por isso agradeço tudo que me ensinou na cama.
— Tentei ser o seu melhor professor.
— Eu sei que se esforçou para isso.
— Não, Lana, não foi esforço nenhum. Você é linda,
desejável e tem fogo para a tropa inteira do comandante.
— sentenciou com um sorriso maldoso.
— Assim como você é gostoso e bem dotado o
suficiente para continuar atendendo a demanda das vadias
da cidade.
— Aham, nada mudou.
— É verdade. Meu desprezo por você continua o
mesmo.
— Devia era ter aumentado, já que descobriu faz
algumas horas que tá apaixonada por mim.
— Sou volúvel, Jimmy, não é o que você diz?
Talvez eu nem esteja mais apaixonada por você.
— Eu não ficaria nem um pouco surpreso com isso.
— E se eu te mandar tomar no rabo, você ficaria
surpreso? — agora ela estava com raiva.
Jimmy sorriu com ar superior.
— Lana, minha linda, jamais esquecerei a doçura do
seu rabo.
Ela pegou o vaso de cima da mesa e jogou nele, mas
como Jimmy desviou a cabeça, despedaçou-se contra o
piso.
— Você não me merece mesmo! — gritou,
enfurecida.
— Não.
— Você não merece fazer parte da minha família!
— Não.
— Você é um porco nojento!
Ele sorriu abertamente antes de responder.
— Sim, sou um porco nojento que gozou dentro de
você.
Ela estava tão frustrada e irritada, tão possessa e
puta da cara, que começou a chorar de raiva.
Jimmy contornou a mesa e se agachou ao lado de
Lana. Tomou-lhe as mãos que cobriam seu rosto.
— Não quero que se sinta assim. — disse, a voz tão
macia quanto um lenço de seda. Beijou-a nas mãos e
continuou num tom que lembrava alguém confortando um
ente querido: — Se quiser não ver mais a minha cara pela
fazenda, posso voltar a trabalhar para os Dolejal.
— E o comandante? Você também faz parte do QG
dos brutos. — ela balançou a cabeça em negativo e
emendou emocionada: — E os gêmeos? Aqueles pirralhos
te adoram. — depois de fungar, falou: — Não é justo. Não
quero estragar tudo.
— Lana...
Ela o encarou e viu um olhar carinhoso quase terno.
— Olha como é a minha vida, não tenho porra
nenhuma para lhe oferecer. Se a gente levar a sério nossa
relação, você ficará numa posição de inferioridade em
relação às suas irmãs. É isso que quer? — ele ergueu-se e
voltou a sentar na própria cadeira, dizendo: — Vejo o
quanto briga com a Lolla tentando se impor a ela, e como
a Zoe manda em você. Imagina o que elas farão ao saber
que estamos namorando. No mínimo vão pensar que estou
de olho na sua grana. Isso sem mencionar o resto da sua
família, inclusive os Romano.
— E você se importa com o que os outros pensam?
— Eu, particularmente, não. — respondeu,
pousando seus olhos nela. — Mas não estou sozinho nessa
e me preocupo com você.
Ela o fitou com seus olhos molhados.
— Gosta de mim? — indagou, bruscamente.
— Sim.
— O quanto?
Viu o gogó subir e descer antes de ele responder
com seriedade:
— O suficiente para não ouvir o meu coração e,
com isso, fazer o que é certo. — na última parte da
sentença ele arqueou uma sobrancelha sinalizando a
ênfase de determinação.
— O seu coração tá falando com você? — era
possível notar que ela se enchia de esperança.
— Sim, o idiota tá aqui gaguejando. — admitiu com
um esboço de sorriso triste.
— E o que ele tá dizendo? — perguntou, tentando
sorrir sem, contudo, obter sucesso.
Ele tragou o cigarro e era nítido que queria ganhar
tempo, talvez até fugir da pergunta feita. Depois de exalar
a fumaça pelo nariz, falou num tom firme e decidido:
— Não sei gaguejar.
— Obrigada por essa resposta imbecil. — rebateu
com rispidez.
Jimmy sorriu e, a seguir, ficou sério ao dizer:
— Ele disse que ama você. Gaguejou
evidentemente, travou um pouco, acho até que parou e
voltou a bater. Só estou traduzindo o que o palhaço tá
tentando falar... — ele parou e fingiu tentar ouvir algo no
ambiente, depois se voltou pra ela e continuou: — Amo
você, Bernard. Não estou apaixonadinho como você tá por
mim, essa coisa besta de adolescente, o que sinto é amor
fodido de adulto, de macho, entendeu? Não, você não tem
como entender, porque só se mete com a molecada. Então
é isso. O que não significa nada, não sou irresponsável e
vou acabar com essa porra entre nós aqui mesmo, neste
hotel, nesta merda de mesa, olhando na sua cara. Pode
chorar à vontade, você é nova e logo vai se recuperar.
Ele se levantou, pegou o Stetson da mesa e o
enterrou na cabeça, fazendo menção de bater em retirada.
— Não sabia que me amava. — balbuciou, vendo-o
pegar a chave da picape e se encaminhar até a porta.
— Você não sabe uma porrada de coisas sobre mim.
— falou por cima do ombro, abrindo a porta em seguida
e, voltando-se para ela, falou: — Vamos embora, a chuva
acalmou e quero ver o Leo antes de ele dormir, não vi o
moleque hoje. Levamos a comida pra viagem. —
resmungou, saindo do quarto.
Lana ainda ficou olhando para um Jimmy que não
estava mais na soleira da porta. Então se ergueu e
começou a caminhar, não como antes quando chegara ao
motel, agora caminhava como se arrastasse o seu coração
debaixo dos pés, ferindo-o no asfalto.
Capítulo 24

Ele não queria mais conversar. Ao longo da viagem,


ficou trocando as estações de rádio, a fim de substituir o
silêncio da cabine por uma música e outra, evitando dar-
lhe brecha para começar a falar.
O rosto se manteve numa expressão séria,
concentrada, as sobrancelhas quase juntas e o olhar
severo. Era estranho não ver Jimmy com aquele seu eterno
ar de deboche e divertimento, parecia até outra pessoa,
alguém introspectivo e caladão, mergulhado nos próprios
pensamentos.
Acompanhou-a até o alpendre do casarão e, antes
que ela entrasse, chamou-a num canto e falou:
— Vai ficar tudo bem com você?
Preparou um “que se dane” para meter nas guampas
dele, mas não pôde falar, pois foi interrompida por um
berro do caubói de Minas, que se achegava ao casarão
montado no manga-larga:
— E, aí, Laninha, bora pro Gilley’s hoje? — ele
sorria jovialmente, a camisa azul aberta três botões
mostrando o início do tórax liso e bronzeado, era nítido
que tinha a pele clara tostada pelo sol agressivo do
centro-oeste.
Como dizer a alguém, sem parecer rude ou louca,
que preferia morrer a dançar?
As melhores palavras lhe fugiram da mente, voaram
pelas orelhas, e ela deve ter feito uma cara de sonsa por
que não sabia o que dizer. Havia uma porta entre ela e o
mundo. Essa porta era Jimmy. Fechado pra ela e
separando-a do resto de sua vida.
— Laninha o cacete! — ouviu o dono do seu
coração esbravejar na sua voz de homem gigante. — Pra
você, é Srta. Bernard! E para levá-la sem lá onde tem que
pedir autorização do Sr. Bernard.
Dion ficou vermelho. Era certo que não esperava a
reação agressiva do seu superior da tropa.
— Eu...não sabia, nunca precisei falar com o Max.
Jimmy então voou do alpendre, pulando por cima da
amurada com precisão, um braço sustentou o giro das
pernas longas e, em seguida, ele já estava de pé no chão,
falando como um legítimo bruto nos cascos:
— Você é um soldado, não é? — indagou num tom
alto e exasperado. Sem deixar que o rapaz respondesse
continuou: — Existe uma hierarquia aqui, como bem sabe,
e acima de mim e do comandante têm os brutos chefões.
Aquele a quem você chama de “Max” é um dos
presidentes do QGB e, vocês, pistoleiros, têm que chamá-
lo de senhor, entendeu? Senhor Bernard ou senhor Max.
— ele fez uma careta de repulsa e raiva, apontando para o
chão e ordenou: — Desmonta, Dion, que eu não olho pra
cima para falar com subordinado.
O caubói lançou um rápido olhar para Lana, e ela
entendeu que ele se sentiu humilhado. Jimmy estava
humilhando o rapaz!
O que podia fazer? Absolutamente nada. Até o
momento, o subcomandante estava coberto de razão, mas,
por outro lado, imaginava se tudo aquilo não era uma
retaliação ao fato de ela ter decidido acabar com a
aventura erótica entre ambos.
Talvez fosse uma crise de ciúme.
Lana queria tanto que Jimmy estivesse se corroendo
por dentro, louco de remorso por deixá-la livre, livre,
quem sabe, para envolver-se com outro caubói.
— É raro ver o Jimmy zangado.
Ela se virou e deu de cara com um Lorenzo
sorridente, que trazia Lake sobre os ombros.
Lana apontou para o sobrinho e perguntou
interessada:
— Ele se curou do resfriado?
— Sim, é forte como um touro esse brutinho. —
rebateu com bom humor, em seguida, franziu o cenho ao
ouvir Jimmy mandar Dion fazer 1500 flexões e limpar o
refeitório da fazenda à noite, após ajudar os vaqueiros na
sala da ordenha. — Estranho, é a folga do Dion. —
comentou o comandante.
— O Jimmy deve ter esquecido.
— Não, é ele quem faz as escalas. — afirmou,
convicto. Em seguida, puxou o filho por cima da cabeça e,
antes de pô-lo no chão, girou-o feito um aviãozinho no
espaço, dizendo a Lana: — Alguém pisou nos calos do
nosso subcomandante.
Ela se voltou para o cunhado, a fim de ver se
encontrava algum sinal no semblante dele que mostrasse
que a frase dita se referia à sua pessoa.
— Por que diz isso? — arriscou.
Lorenzo entortou o canto dos lábios para baixo num
ricto de amargura.
— Ele não é assim.
Então eles ouviram Jimmy gritar com Dion.
— Não me importa se é ou não a sua folga! Quero
ver aquela porra de refeitório brilhando como a sua cara
de bunda bem lavada! E se não tá satisfeito com o serviço,
pede pra sair!
— O Jimmy viu oito vezes “Tropa de Elite”. —
Lorenzo comentou, casualmente, sem deixar de sorrir.
Depois, pegou o filho pela mão e falou para ela: — Esse
meu subcomandante é o melhor entre todos, é o meu braço
direito, o meu homem de confiança, mas ele não sabe lidar
com as pessoas e acredito que você estará melhor com o
Vítor, que é menos casca grossa que o Jimmy. —
confessou, mantendo o mesmo sorriso.
— Ele foi excelente. — admitiu.
— Por que então brigam tanto? — indagou,
visivelmente intrigado.
— Não sei.
— E nada de se aproximar da filha do patrão! —
ouviu-se novo berro do moreno, que se voltou para ela e
perguntou com rispidez: — Você não tinha terminado com
esse merdinha?
Sentiu os olhos de Lorenzo pregados no seu rosto à
espera da resposta.
Não sabia o que fazer. Jimmy estava tendo um piti
de namorado raivoso, enciumado, possessivo. E eles nem
eram namorados.
— Que eu lembre não. — respondeu na maior cara
dura, tentou até sorrir, mas provavelmente fez uma careta
esquisita.
Por que, Lana Bernard, hein?
Jimmy estreitou os olhos como se quisesse lhe
arrancar o fígado com os dentes.
— Ah, é assim, é? — ele perguntou, como se a
chamasse para um confronto.
— Não tenho motivo pra terminar meu namoro com
o Dion. — rebateu com altivez, estufando os peitos e
evitando olhar na direção do suposto namorado mais
perdido na história que cego em tiroteio.
Max aportou no alpendre atrás de Lorenzo e, de
esguelha, Lana percebeu que o pai ouvira parte da
conversa. Ao fitá-lo, notou um olhar entre curioso e algo
mais, um tipo de sentimento que os pais mais protetores às
vezes deixavam escapar na feição.
— O que tá acontecendo? — a pergunta foi dirigida
a ela e a Lorenzo.
— Nada sério, tio. — o genro respondeu e era
evidente que, para Lorenzo, aquela conversa sem sentido
não parecia em nada perigosa. — Acho que o senhor
ganhou mais um genro. — completou em tom de
brincadeira.
Max pôs as mãos nos quadris e fechou a cara,
olhando feio para a filha do meio.
— Ah, é? Quem é o filho da mãe que vai tomar um
tiro no meio da testa?
Lana sentiu o rosto inteiro ferver.
— Ora, o senhor sabe... — deu de ombros, tentando
demonstrar indiferença.
Notou de canto de olho quando o pai e o cunhado se
entreolharam e essa atitude a irritou sobremaneira.
— Vocês apoiaram tanto o meu namoro com o Dion,
que resolvemos ficar noivos. — anunciou, tremendo feito
vara verde e sorrindo como uma doida varrida.
Era oficial: a louca das Bernard era ela própria!
— O que? Nunca na vida! Mal completou 17 anos e
nem terminou o Ensino Médio e me vem falar em
noivado? Quer matar a sua mãe do coração, é?
Lana estava afundando no lamaçal.
— Todas as suas cabritas se casaram antes dos vinte
anos. — rebateu em desafio.
— E, por acaso, você acha mesmo que elas estavam
certas? — o pai estreitou os olhos de modo ameaçador. —
Não quero ouvir falar de namoro, noivado, casamento ou
o diabo antes de você me dizer o que vai ser quando
crescer. — a última parte foi dita num tom irônico.
— O que já sou: pintora.
— Ok. Então vou reformular a pergunta: o que você
vai fazer para se sustentar quando crescer.
— O que já faço: vender minha pintura.
— Pretende consumir um copo d’água e uma maçã
por mês? Pagar aluguel com quadros? E o resto das
contas? — Max parou, respirou fundo e disse: —
Enquanto não souber o que quer da vida, não tenta me
fazer acreditar que é madura para ter um relacionamento
sério com alguém.
Lana sentiu os olhos se encherem de lágrimas e
instintivamente olhou para Jimmy. Leu nos olhos do
caubói um “viu, era isso que eu estava tentando lhe dizer”.
— O que a Lolla é, pai? — perguntou, agora,
chorando. Percebeu o interesse de Lorenzo pela pergunta
feita e o olhar recaiu sobre ela: — A Lolla é esposa e
mãe, não tem uma profissão. Mas quando ela se apaixonou
pelo Lorenzo e fugiu de casa pra ficar com ele, o senhor
teve que aceitar. Não quero fugir com ninguém, mas
também espero ser respeitada nas minhas decisões. Eu sou
uma pintora. Eu sou uma artista e vou me sustentar com a
minha arte!
Ela notou que havia ganhado a discussão quando
recebeu um olhar resignado do pai que, a seguir,
sentenciou taxativo a Dion:
— Vai ter que lutar muito pra conseguir tirar essa
cabrita de mim.
Dito isso, Max deu-lhes as costas, emburrado,
voltando para dentro de casa.
— Acho que tá mentindo, Laninha.
Ela se voltou e encontrou o rosto sorridente de
Lorenzo. Leu nos olhos dele uma nota de divertimento e
era como se ele soubesse de tudo, menos da parte
importante: Jimmy.
Antes que pudesse responder ouviu o
subcomandante falar a Dion:
— Arruma suas coisas, tá dispensado da tropa.
O pistoleiro endereçou um olhar tenso e cheio de
perguntas ao comandante que, no minuto seguinte,
questionou a ordem de Jimmy:
— E qual o motivo, posso saber? — sério e
avaliativo, ele analisou a situação aparentando não
encontrar razão para a dispensa.
— Insubordinação.
— A quem precisamente? — questionou-o Lorenzo.
Jimmy se voltou para o seu comandante e tinha a
feição dura, os maxilares marcados debaixo da pele e o
lábio repuxado no canto dando-lhe um ar de arrogância.
— A mim, precisamente.
Lana percebeu que o subcomandante parecia
disposto a desafiar o seu líder e, pelo o que ela sabia da
relação entre ambos, essa era a primeira vez que isso
acontecia.
— Mas... senhor... — Dion ensaiou uma frase que se
perdeu, pois ele estava visivelmente perdido na conversa.
Mas Jimmy pôs as cartas na mesa.
— Ele vai se rebelar a minha próxima ordem,
comandante. — afirmou bem sério.
Lorenzo arqueou uma sobrancelha expressando
interesse e curiosidade.
— E qual será a sua próxima ordem?
— É uma ordem bem específica que prefiro dizê-la
diante do Max, se me permitir.
— Ok. — assentiu Lorenzo e, em seguida, foi até a
porta e, com meio corpo no hall, gritou: — Tio Max, vem
aqui, por favor!
Era evidente que Lorenzo estava mordido de
curiosidade, e ela também. Afinal, Jimmy havia assumido
uma postura de líder no comando peitando Lorenzo e,
agora, chamando um dos brutos mais velhos, o mais
cascudo, o seu pai.
Quando Max aportou na soleira da porta com aquela
sua carranca de quem tentava engolir algo que não lhe
passava pela garganta e, no caso, era o fato de ela e Dion
ficarem noivos, ela desviou seus olhos do pai e viu Jimmy
concordar levemente com a cabeça, encarando um dos
chefes dos brutos.
— Max, peço permissão para dispensar o pistoleiro
Dion.
Max olhou para Lorenzo.
— Sei lá, tio. Não sei a razão. — falou, sem
qualquer preocupação na voz.
Era claro e límpido que ele confiava tanto em
Jimmy, que acataria sua decisão, fosse qual fosse, sem
pestanejar. Mas Lorenzo também estava por demais
curioso, o que dava para notar no seu semblante.
Max pareceu analisar por alguns segundos a questão
e depois disparou num tom seco e direto:
— Por mim, mandava o Dion pra puta que pariu,
subcomandante. Mas se a minha filha quer casar com o
sujeitinho, é melhor deixar o traste aqui na fazenda
mesmo, assim fico de olho nele.
Então Jimmy afastou-se de Dion e se encaminhou
até o alpendre, postou-se diante dos brutos e falou numa
voz firme e obstinada:
— O Dion vai tentar me desobedecer quando eu
mandar o desgramado ficar longe da minha namorada.
Portanto, para evitar mais mortes no meu currículo, por
assim dizer, quero esse miserento bem longe da Lana.
Capítulo 25

Escutei errado. Entendi errado.


Qual outra explicação?
— Lana, minha filha, — começou seu pai, voltando-
se para ela expressando no olhar confusão e
atordoamento, e continuou: — com quantos rapazes você
pretende se casar? Alguém já lhe falou sobre bigamia?
Não pôde fazer mais do que dar de ombros,
expressando um “sei lá o que tá acontecendo”.
— Ela teve um namorico besta com o Dion, mas
terminou para ficar comigo. — Jimmy parou de falar para
deixar as palavras ganharem força no ar e, ao continuar,
manteve o olhar obstinado cravado nos olhos de Max,
dizendo incisivo: — Somos amantes, Max. Sua filha e eu
rolamos no feno e nos apaixonamos. Sei que não sou um
Romano nem tenho grana. Na verdade, sou um pobre
diabo que só tem um cavalo de aço, as roupas do corpo e
umas economias fajutas no banco. Mas estou disposto a
bancar uma pintora. E como a Lana é uma Bernard, tenho
certeza de que terá sucesso na vida, ela tem bons genes e
uma boa criação. — ele então cruzou os braços na frente
do peito largo e desferiu secamente: — Mas não pode
casar com um moleque idiota, tem que ser com um homem
de verdade. — e, apontando o indicador para o próprio
peito, completou agora com a altivez de um líder Huno:
— Eu aqui. Sou eu o cabra que vai lutar com você, chefe,
para pegar essa cabrita pra mim.
Lana queria gritar, pular, gritar, dançar, gritar e
gritar.
Mas tudo que fez ficou no campo da imaginação.
Sorria feito uma idiota sem, contudo, conseguir expressar
em palavras o amor que sentia por aquele homem.
Ele era o subcomandante. Ele estava lutando por
ela.
Max estava de queixo caído.
— Ainda estou processando a parte “somos
amantes”. — declarou ele, notadamente pasmo. — Não
era você quem devia protegê-la dos gaviões e, inclusive,
dificultar o acesso da minha filha à cama do Dion? —
indagou bruscamente, revelando uma incipiente irritação.
— Cumpri a ordem, só que fiz um desvio pra minha
própria cama. — respondeu sem pestanejar e uma
sobrancelha até mesmo se arqueou demonstrando
arrogância e superioridade.
Jimmy definitivamente é doido!
Eu te amo!
Max se voltou para a filha, parecendo entre
apatetado e incomodado, não havia vestígio algum de
irritação. Talvez seu pai estivesse tão perplexo que a ficha
ainda não caíra.
— Mas você não odiava o Jimmy, cacete?
Lana sorriu abertamente.
— A vida dá voltas, pai, e agora eu amo o gorila!
— Tio Max, se eu pudesse escolher alguém para a
Lana, com certeza, seria o meu subcomandante. —
Lorenzo veio em defesa de Jimmy, e Lana teve vontade de
beijá-lo por isso.
— Não é à toa que você é um comandante! —
elogiou-o. — É inteligente e sagaz.
Lorenzo devolveu-lhe o sorriso. No entanto, Lana
sabia que Max não era homem de ser influenciado, a não
ser se quem tivesse falado sobre Jimmy fosse o tio Vince.
De repente a mãe apareceu na sala, pouco antes da
soleira da porta, e trazia no rosto um ar de divertimento
curioso.
— O que estão fazendo aí, hein? O jantar tá servido,
ora. Vão comer no alpendre?
Sem se voltar para a esposa, o bruto fez o anúncio:
— O subcomandante pegou a nossa cabrita.
— Pai! — exclamou Lana, envergonhada.
— O que? Como assim?
— Pegou, pegando, ora! Do jeito que a Lolla fala:
“pegou” pra fazer coisa com ela. — explicou
amargamente; em seguida, balançando a cabeça
demonstrando que estava prestes a perder a paciência,
acresceu: — Se quiser usar a espingarda, cabrita, esse é
um bom momento.
Sorte sua que Rochelle Bernard só era pavio curto
em relação ao marido.
— Você não estava com o Dion? — perguntou-lhe
tranquilamente.
— Nós só “ficamos”, mãe, não rolou nada sério. —
ela se virou para pedir a confirmação do pistoleiro, mas
ele já estava fazendo suas flexões, completamente absorto
da conversa. Voltou-se para a mãe e acrescentou: — O
Jimmy é o homem da minha vida. — afirmou.
— Ah, é mesmo? — Pink indagou sem muita
firmeza, desviando o olhar de Lana para o caubói. — E o
que você pensa a respeito?
— Amo a sua filha e, com certeza, daqui a cinquenta
anos ela ainda estará apaixonada por mim, se é esse o seu
medo, dona Pink. — argumentou, perspicaz.
Pink sorriu.
— Olha, vou ser bem sincera, Jimmy: a Lana é uma
mocinha que tá sempre apaixonada, isso por que ela
nasceu de uma foda na caçamba da picape debaixo de uma
noite estrelada...
— Cabrita, não precisa ser tão detalhista. —
recomendou um Max com as bochechas vermelhas.
— Todo mundo tem uma história dessas pra contar.
— emendou Lorenzo com ar malicioso.
— Então não conte. — ordenou o pai da esposa do
comandante.
— Posso continuar? — Pink perguntou com
irritação.
— Ok, desculpa, vai fundo.
— Obrigada, cabrito. — agradeceu também com um
sorrisinho debochado e, voltando-se para Jimmy,
continuou: — Bem, como eu estava dizendo... A Lana não
tem obrigação alguma de ser “adulta” justamente por que
ela ainda é uma adolescente, e isso significa que você não
poderá cobrar dela equilíbrio emocional, atitudes
coerentes ou qualquer comportamento sensato e maduro
que nós, mulheres adultas, temos...ou que deveríamos ter.
Além disso, ela é filha do Max, o que piora a sua
situação, Jimmy.
— Que tal dizer que não arrumo meu quarto, não sei
cozinhar e que já tive piolho quando era criança? —
perguntou Lana, exasperada. — Sério, mãe, não tem nada
positivo nessa sua lista! Cruz credo! Dá pra disfarçar a
sua preferência pela Lolla? Tá feio, viu! — fez o drama.
— Ah, — começou Pink e, sorrindo de modo
benevolente, emendou: — ela também é um pouco
exagerada e possessiva e, de vez em quando, injusta,
ingrata e birrenta-quase-louca. — completou com um
sorriso.
Lana bufou alto.
— Você a descreveu direitinho, cabrita. — disse
Max, rindo-se. No entanto, a seguir, ele acrescentou com
sobriedade: — Mas a questão é: você merece a minha
filha, subcomandante? E, antes de responder me diga
também, por que acredita que eu vá permitir o namoro
entre os dois, se você seduziu a minha cabrita menor de
idade? — indagou secamente e dos seus olhos chispavam
lascas de gelo.
— Fui eu quem o seduziu, pai! — Lana exclamou
sentindo-se ofendida. — Até parece que alguém me seduz
sem mais nem menos.
— Lana, o seu pai tá certo. — Jimmy assegurou,
sério. E, ao vê-la se voltar para ele irritada, completou
numa voz suave: — A Lana é diferente de todas as garotas
que conheci, é criativa, espontânea, verdadeira e me faz
um bem danado. Sei que é menor de idade, mas não
cometemos nenhum crime. Jamais mancharia a honra dos
Bernard. — foi honesto.
— Sei que não. — disse Pink. — Mas...
— Ah, não!!! Um “mas”! — Lana exclamou de
modo teatral. — Vocês vão continuar falando tão mal de
mim, que o Jimmy não vai mais me querer! — reclamou.
— Nada me fará não querer mais você. — ele
afirmou, convicto, sorrindo pra ela. — Até seus defeitos
são perfeitos. — e, voltando-se para Max e Pink,
completou: — Desde que conheci a dona Romano, no
acampamento do comandante, pensei comigo mesmo, lá no
fundo, que eu queria ter a chance de conhecer uma
Bernard. Até perguntei a Lolla se havia mais cabritas
como ela... — riu-se ao se lembrar da cena e acrescentou:
— Entretanto, ao chegar à Rainha do Cerrado, descobri
que cada cabrita é de um jeito, mas todas são especiais e
dignas de homens fortes, de alfas, vocês bem sabem. —
mirou seu olhar nos pais de Lana a fim de enfatizar a
última parte da sentença.
Lana estendeu a mão para Jimmy e teve seus dedos
entrelaçados aos dele. O caubói puxou-a para si,
beijando-a no topo da cabeça e a envolvendo com seus
braços.
Do alto da escadaria, Lolla Bernard Romano falou:
— Eu sabia!
E caiu na gargalhada.

***

Perto da meia-noite, Jimmy e Lana se sentaram no


sofá do alpendre. Ela deitou a cabeça no tórax dele,
recebendo um cafuné gostoso que era intercalado com
alguns beijos nem um pouco eróticos. Ele parecia
extremamente bem-comportado na casa dos sogros.
— Foi difícil, gorila? — ela perguntou com bom
humor, erguendo a cabeça para fitá-lo. — Ninguém se
importou com as coisas que você achava que fossem
importantes.
Ele sorriu concordando e falou cheio de si:
— E se eles se importassem, eu tinha um plano B
em vista.
— Eu sei, voltar a ser um pistoleiro de Matarana.
— respondeu, contrafeita.
— Nada disso. Por mais que eu tente controlar o
meu gênio tinhoso, raramente consigo. Sou teimoso feito
uma mula, já vou lhe avisando... Acontece que eu não ia
deixá-la pra trás porra nenhuma. Quando disse que a
amava, não foi pra falar palavra bonita e impressioná-la e
não cabe na minha cabeça não fazer as coisas do meu
jeito. — ele parou de falar, e ela se afastou para encará-
lo. Então o ouviu prosseguir: — O Dion acendeu o
rastilho de pólvora, mas eu ia explodir de qualquer jeito,
por que não abro mão de ter a minha cabrita, de ficar com
o meu amor pilantra. — riu-se, por fim, apertando-a entre
os braços até ela gemer. — Para de frescura, Bernard!
Tem que aprender logo a dominar a arte de namorar
macho de grande porte, porra! — brincou.
Ele é adorável! De um jeito rude, bruto e
machão... e adorável!
— Ainda estou besta, Jimmy, mal acredito que tudo
deu certo. — disse, encantada, suspirando fundo e o
abraçando em torno da cintura. — Quero passar a noite
com você.
— Precisa falar com a sua mãe sobre isso, não
podemos abusar da confiança que seus pais depositam em
mim.
Ele falou tão sério e maduro, que ela o encarou
novamente.
— Como é?
— O que ouviu, não vou repetir, ora.
— Acha mesmo que preciso de autorização pra
passar a noite na casa do meu namorado? — perguntou,
olhando para ele, incrédula.
— Acho, sim. Por acaso, a senhorita tem 17 ou 27
anos? Não estou muito bem lembrado, não. — debochou.
— Minha bunda é de 17 ou de 27 anos,
subcomandante? — a pergunta foi feita de modo agressivo
e desafiador.
— Tem garota de 27 com bunda de 17, isso não diz
nada, é genética, academia, essas coisas.
Ele estava se divertindo com a irritação dela!
— Deve entender muito de bunda, não é mesmo?
— Você tá entrando numa estrada perigosa, Bernard.
Se sabe dirigir direito, tudo bem, segue em frente. —
propôs com um olhar de troça.
— Por quê? Não quer falar das bundas das suas ex-
amantes? — provocou-o.
Jimmy mexeu-se no sofá como se fosse levantar-se,
mas apenas ergueu meio corpo a fim de retirar o celular
do bolso do jeans.
— Pega aqui e faz uma faxina, ok? — entregou-lhe o
aparelho, endereçando-lhe um olhar carinhoso e, ao
mesmo tempo, avaliativo. — Quero que se sinta segura ao
meu lado em todos os sentidos.
Ela pegou o celular e ficou olhando para o visor
sem saber como reagir.
Ouviu-o então dizer:
— A conversa sobre bunda é isso, Bernard, sua
insegurança boba em relação à minha vida sexual. — ele
franziu o nariz de um jeito charmoso e continuou: —
Acabou, tá tudo no passado. É só você e a sua bunda que
me interessam.
Sentiu-se uma idiota.
— Vou ter muitas crises de ciúme, viu? Herdei da
minha mãe. — avisou-o, forçando-se um sorriso.
— Sei sobre isso também. — garantiu, piscando o
olho pra ela. — Contudo, ao contrário do que o seu pai
fez, não lhe darei uma espingarda. — brincou.
Lana sorriu com bom humor e, batendo no ombro
dele de modo amistoso, falou:
— Não preciso de uma espingarda. O Dinho me deu
uma Glock .380 e me ensinou a atirar.
Jimmy fez uma careta de dor.
— Caramba, minhas bolas acabaram de se encolher.
Capítulo 26

Lana estava nervosa. Era o primeiro churrasco de


domingo, em família, no qual Jimmy participaria como seu
namorado. Até o momento recebera o apoio e a aprovação
de todos na fazenda, menos (o que já era esperado) de
Dinho Romano.
Desta vez, o evento aconteceria no jardim diante do
casarão dos Romano. A mesa longa e retangular fora
retirada do salão de festas da fazenda e posicionada
debaixo de uma tenda que os protegia do sol de trinta e
poucos graus.
Ela vestiu um short jeans e uma regata branca por
cima do sutiã preto, a alça da lingerie combinava com os
colares de contas pretas e a gargantilha de veludo da
mesma cor. Optou pelo seu estilo preferido de
maquiagem: personagem de telenovela mexicana.
Caprichou no gloss e no perfume sedutor, queria
enlouquecer o seu namorado grandalhão que exalava
testosterona só com o olhar.
Assim que chegou à casa dos padrinhos com Ava,
carregando a torta que sua mãe havia feito, encontrou o
cunhado fumando no alpendre, o chapéu abaixado bem do
jeito que ele deixava quando estava incomodado com
algo. Para o seu azar, o cunhado em questão era aquele
que não engolira direito o seu namoro com o
subcomandante.
— É a famosa torta de chocolate e menta da tia
Pink? — perguntou ele, apontando o dedo para o doce.
— Aham, o pai disse que não aguenta mais pavê,
mesmo com tantas variações. — rebateu com bom humor.
Ele assentiu levemente com a cabeça e se
aproximou, pegando a embalagem com a torta dos braços
dela.
— Deixa que eu levo pra você.
Ao vê-lo dar-lhe as costas, Lana o interpelou:
— Estamos apaixonados, Dinho. — começou num
tom terno, pois queria muito que o seu segundo melhor
amigo aceitasse o seu namoro: — O Jimmy é um cara
legal, de confiança, e a prova disso foi que se vingou do
Ned por ter traído o Lollo. Você o conhece há bastante
tempo e sabe o quanto ele é apegado às nossas famílias e
aos brutos. — argumentou.
— Lana... — ele ia começar a falar, mas viu Ava
prestando atenção na conversa, então, voltou-se para a
garotinha e disse: — Tenho uma surpresa pra você,
loirinha!
— Que surpresa? — perguntou a caçula dos
Bernard expressando ansiedade e antecipada alegria.
Dinho sorriu e, com um gesto de cabeça, indicou-lhe
o corredor, falando:
— É uma surpresa de quatro patas e tá no quarto da
vó Margarida.
Ava disparou casa adentro. Enquanto a menina se
afastava, o caubói se voltou para Lana e deu sua opinião
sobre Jimmy:
— Sabe, Laninha, nós fazemos justiça com as
próprias mãos, por isso somos chamados de justiceiros. A
gente acerta a telha de bandidos, de gente fichada na
polícia por crimes que de um jeito ou de outro atentam à
vida humana, o que inclui na lista assassinos,
estupradores, pedófilos e traficantes de droga. Nunca
matamos inocentes, assim como não torturamos nossos
alvos. — ele fez uma pausa e continuou, num tom direto e
também insinuante: — Você sabe como o Magno foi
executado?
Lana sentiu o suco gástrico queimar as paredes do
seu estômago e esse era um aviso de que era melhor não
saber mais nada.
— Foi uma decisão dos brutos, de todos, e eu não
faço parte do clube de vocês. Portanto, esse assunto não
me interessa. — decidiu.
— Um ano atrás você ficou bastante impressionada
com o fato do Jimmy ter metido quase cinquenta vezes a
faca no corpo do Ned, e eu sei que você não confiava
nele. — ele a fitou diretamente e acresceu com seriedade:
— Mas não será fechando os olhos que manterá intacto o
que sente por ele. O Jimmy é o cabra mais violento que
conheço e, por incrível que pareça, mais até que o
Lorenzo. O meu primo, pelo menos, atira na testa, dois
tiros certeiros e o enviado do inferno é excluído do
planeta. Mas o Jimmy, não. O negócio dele é torturar,
fazer sangrar aos poucos, olhando dentro dos olhos do
alvo agonizando e, se bobear, absorvendo o sofrimento do
outro com um sádico prazer. Particularmente, não confio
em matador de sangue quente, que torna cada alvo uma
espécie de vingança pessoal.
— Porque, para ele, é pessoal. — rebateu
secamente.
— Então não pode continuar conosco. Precisa
resolver as pendências com o seu passado ou fazer
terapia, como diz a Zoe. O que não podemos é manter um
torturador sádico entre nós. — foi incisivo.
— Se você não tivesse nascido em berço de ouro,
com pais que o amam e até mandaram construir uma casa
para tê-lo perto deles, se você não tivesse perdido seu
irmão para as drogas e a própria mãe para a tristeza e a
morte, então, Dinho, eu levaria em consideração a sua
opinião a respeito do Jimmy. O modo de ele executar as
sentenças julgadas pelo QGB deve ser posto em votação
entre vocês, mas em relação a mim, como namorada dele,
não tem a menor importância. — declarou, olhando-o com
firmeza.
— E se essa violência toda se voltar contra você?
— Ele não é louco, assim como você e o Lorenzo
também não são. Os três sabem de onde as cabritas vêm e
os meus pais, os dois, por sinal, pegam nas armas pra
defender a família. — afirmou, forçando-se um sorriso
para não parecer tão ameaçadora.
Dinho devolveu o sorriso; porém, um tanto sem
graça.
— Eu e o meu primo não somos como o Jimmy.
— Claro que não. Aliás, o Lollo já tem uma pilha
de corpos nas costas, não é mesmo? — ironizou.
— Não me refiro a isso, Lana. Falo do fato de
sermos dois Romano, ao passo que Jimmy... Bem, qual é o
sobrenome dele, alguém sabe? —indagou, fazendo-se de
sonso.
Lorenzo aproximou-se dos dois.
— É Arturo, Dinho. — e, voltando-se para Lana
comentou: — Se resolver se casar com o subcomandante,
passará a ser chamada de Lana Bernard Arturo. Que tal?
— perguntou com ar divertido.
— Como sabe? — Dinho o interrompeu
bruscamente.
— Quando o meu subcomandante resolveu assumir
o relacionamento com a cabrita aqui, fui atrás dele e o
interroguei ao estilo Vince Romano. — disse, jovialmente.
— Ele contou um pouco mais do que eu já sabia.
— E checou todas as informações dadas? —
indagou Dinho com desconfiança.
Lorenzo pôs a mão no ombro do primo e,
demonstrando autoconfiança, falou:
— Não, nem as checarei. Ele sabe como nossas
famílias trabalham, por assim dizer.
— E daí? O cabra não tem medo de nada.
— Dinho, baixa um pouco a guarda, pode ser? A
Lolla confia nele e ela é boa em analisar o caráter das
pessoas. — Lorenzo justificou-se.
— E eu o amo, isso também conta, seus jecas! —
exclamou Lana, irritada.
Dinho se voltou para ela e disse na maior cara de
pau:
— Porra nenhuma! Você não tem a experiência da
Zoe nem os poderes da Lolla, só sabe usar pintura na cara
e na tela, além, é claro, de saber como ninguém
representar a teimosia tinhosa do seu pai.
Preparou um palavrão cabeludo pra lançar na cara
de Dinho. Era incrível como sempre a comparavam com
suas irmãs e, pra variar, ela perdia. No entanto, teve de
engolir o palavrão e um pouco do gloss, já que precisou
umedecer os lábios em resposta à secura de sua boca. Um
homem lindo e estonteantemente moreno acabava de
descer do manga-larga. O Stetson preto voou da sua
cabeça revelando os cabelos longos e escuros, o jeitão
selvagem de Jimmy deixava-a sem fôlego. E ela não
precisava de incentivo a mais para correr ao seu encontro.
Ele a pegou no colo, girando-a no ar e a beijando
profundamente. Era um beijo de amante, tão sexual quanto
cheio de amor e saudade. Eles se amavam e, portanto, o
tempo todo sentiam a falta um do outro.
Lana tinha vontade de chorar de emoção, abraçada
ao homem, aspirando o seu cheiro tão inebriante quanto
familiar. Envolveu-lhe o pescoço com seus braços e se
entregou à carícia que a excitava e, ao mesmo tempo,
tirava-a da realidade.
Jimmy corria nas suas veias, não como uma droga
ou um maldito vício, e sim como a seiva vital
impulsionada pelo coração.
— Ei, tudo bem? — ele perguntou, atento e
preocupado, vasculhando-lhe a expressão carregada de
emoção.
— Sim, agora, sim. — respondeu, tornando a beijá-
lo.
Ele não deixou o beijo se prolongar, parecia
desconfiado de que ela estivesse ocultando algo.
Viu-o lançar um olhar ao redor e seguiu o seu olhar,
notando que Dinho e Lorenzo haviam entrado no casarão.
— Lana, o que acha de passar a noite comigo?
— Acho bom demais. — respondeu, sem hesitar.
— E amanhã?
— Combinado, senhor. — brincou, mas a verdade
era que se sentia completamente encantada com a ideia.
Ele a encarou longamente, o semblante pensativo, e,
por fim, perguntou sem rodeios:
— E o resto da sua vida?
Ela precisou de alguns minutos para compreender a
intenção da pergunta.
— Tá me pedindo em casamento? — havia um ar de
incredulidade no questionamento.
Jimmy descansou sua testa na dela e respondeu
numa voz mansa e também entristecida:
— Tá difícil dormir sem você, e pior ainda acordar
sem você.
Ela não queria lhe dizer, temia parecer infantil ou
imatura, mas começara a sofrer de insônia, e isso a partir
da primeira noite em que ficara separada dele, dormindo
no casarão. Contudo, não podia simplesmente passar
todas as noites no alojamento, até mesmo a mentalidade
liberal da mãe tinha o seu limite.
— Isso que a gente mora na mesma fazenda. —
constatou, tentando amenizar a situação.
— Vou pedi-la em casamento para o seu pai. —
falou com uma naturalidade que não combinava com o
teor solene do assunto. — Vamos nos casar com
separação total de bens, assim cada um tem o que é seu e
ponto final.
— Notou então que estou de olho na sua picape? —
fez graça.
— Sim, foi por isso mesmo que mandei redigir um
pacto antenupcial, pilantra. — declarou, sorrindo com
charme. — Vamos casar e morar no alojamento, vou
sustentá-la até conseguir o primeiro milhão com a venda
dos seus quadros. — determinou com um ar divertido,
piscando o olho pra ela.
— Preciso ter talento e depois morrer para os meus
quadros valerem tanto. — disse, rindo-se.
— É sério, viu? — ele a pôs no chão e, ajoelhando-
se diante dela, fez o pedido: — Lana Bernard, aceita se
casar comigo?
Dito isso, retirou do cós traseiro do jeans a caixinha
de uma joalheira, em seguida, abriu-a, exibindo o anel de
ouro com diamante.
Por mais que ela estivesse emocionada, assustada e
bestificada com tal gesto, não pôde deixar de notar a
aglomeração de gente no avarandado da casa dos
Romano. Eram as duas famílias, em peso, observando a
cena típica de um homem propondo uma mulher em
casamento.
Provavelmente Lorenzo chamara todo mundo para
presenciar o pedido de Jimmy. Talvez até mesmo o
namorado tivesse contado antecipadamente ao comandante
sobre sua intenção.
Percebeu o sorriso da mãe e da tia Valentina. Bem,
pelo visto, ela tinha o apoio irrestrito das brutas.
— Dá-lhe, Jimmy! — gritou Lolla, incentivando o
amigo.
E, agora, ela sabia que Lolla também concordava
com o rumo que tomava o relacionamento tão recente.
Todavia, recente ou não, era quase regra naquele clã os
pares se formarem com a rapidez de um foguete e, assim
que se encontravam na cama, pareciam tomados por uma
febre que os levava a se casar. Ninguém ali precisava de
anos de noivado antes de se ajoelharem no altar.
— Aceito o anel e a proposta para dormir com você
o resto de nossas vidas. — afirmou ela, ajoelhando-se
também diante dele. — Quero viver, morar e cuidar de
você. Oferecer meu ombro para consolá-lo, quando
precisar de mim. — ela suspirou profundamente e,
encarando-o determinada, acrescentou brandamente: —
Mas quero primeiro morar com você, antes de nos
casarmos. Certa vez você me disse que não
combinávamos, então acho melhor fazermos uma espécie
de test drive. — sugeriu, oferecendo-lhe um sorriso cheio
de carinho.
— Será como a senhorita quiser. — ele não pareceu
decepcionado ao concordar, puxando-a, a seguir, para um
abraço.
— É, acho que assim combina com o nosso estilo.
— argumentou, o rosto achatado contra o tórax dele.
— Você é menor de idade, precisará de permissão
para juntar seus trapos comigo.
Ela ergueu a cabeça e o encarou com seriedade:
— Não tenho trapos, Jimmy.
— Eu sei, é só modo de falar. — esclareceu, caindo
na gargalhada. — Quero falar com seus pais sobre
morarmos juntos. — decidiu.
— Sou adulta, não precisa falar com eles nada!
— Não posso simplesmente me adonar de você e
levá-la embora.
— Ok, tudo bem. Pode aproveitar e fazer o
comunicado hoje. — ela se afastou para ver a sua reação
ao provocá-lo. — O tio Natan acabou de chegar com o
Loredo, o time todo tá aí pra você encarar.
Ele semicerrou as pálpebras demonstrando perceber
a provocação.
— Deixa comigo então. — falou, determinado. —
Depois do almoço, vamos para o casarão fazer as suas
malas. Quero que se transforme na mulher do
subcomandante o mais rápido possível.
Ela notou o ar de presunção na voz.
— Mulher do segundo em comando. — deixou
escapar a nota de altivez e orgulho.
— Sim, minha mulher. — repetiu, sorrindo como um
garoto, ela bem o notou.
Vê-lo alegre e relaxado a fez pensar sobre a
natureza violenta dele. Considerou que o amor podia
operar milagres, como abrandar uma alma assassina como
a de Jimmy Arturo.
Capítulo 27

Lorenzo sorveu um bom gole da cerveja sem deixar


de manter os olhos em Eric Loredo. O último ano fora
especialmente difícil para ele ter que aceitar o pistoleiro
de Matarana entre eles. Como não pudera fazer com que
seu pai demitisse o segurança, decidiu por visitá-lo o
mínimo possível. No entanto, era impossível impedi-lo de
participar dos churrascos de domingo, em especial,
quando vó Margarida fazia questão de reunir todos os
Romano.
À mesa, a dinâmica dos convidados era um tanto
peculiar. Ele próprio observava o segurança que deveria
estar almoçando no refeitório dos pistoleiros. Porém,
mais uma vez, a matriarca do clã decidira mantê-lo à mesa
entre Natan e Lolla. Tio Vince, por sua vez, ocupava uma
das pontas da mesa, e permitia-se analisar o seu irmão
mais velho e um tanto pedante com ar de quem estava
louco para chutar uma bunda. Ao lado dele, Dinho
amarrava a cara lançando olhares desconfiados e irônicos
para Jimmy que, por sua vez, ignorava o Romano e
concentrava sua atenção em Lana e também em Loredo.
Dona Margarida, sentada à cabeceira da mesa,
forçou-se um pigarro a fim de chamar a atenção de todos.
Em seguida, tomou a palavra e falou na sua voz rouca e
ainda potente:
— Antes de tudo, vamos brindar ao aniversário de
casamento do meu lindo Alec e da minha sempre
menininha Gabrielle. — todos ergueram seus cálices, e
ela continuou: — Minha fé na humanidade se renova toda
vez que vejo um casal atravessar a correnteza da vida
mantendo o mesmo olhar de amor um para o outro. E é o
que vejo acontecer com vocês, Adams, e também com os
Romano e os Bernard.
Lorenzo não pôde deixar de pegar a mão de Lolla e
pô-la entre as suas. E, quando ela se voltou para ele,
sorrindo, baixou a cabeça e a beijou levemente nos lábios.
— Nossa, a vó é muito boa com as palavras! —
exclamou Zoe, abraçando Dinho pelos ombros de um jeito
bastante possessivo. — Eu não saberia expressar de outra
forma esse clima de amor que temos aqui.
Dinho sorriu e abraçou de volta a sua mulher.
Lorenzo notou quando o primo tornou a encarar o
subcomandante. Precisava conversar com o bruto de
pavio curto antes que ele fizesse alguma besteira, pensou
o comandante.
— Temos outros brindes ainda, meu povo, depois
poderemos encher a barriga. — brincou dona Margarida,
dando agora sua atenção a Jimmy e Lana, sentados lado a
lado. — Parece que a Laninha já arranjou o seu caubói
gostoso, hum, e logo o Jimmy! — exclamou ela, juntando
as mãos ao lado do rosto, com ar sonhador.
Todos riram, e Lana ficou vermelha por baixo da
maquiagem. Jimmy puxou-a em direção ao seu tórax meio
que a protegendo do constrangimento, embora fosse nítido
que ele também se divertia com a brincadeira.
— Quando a Pink me falou que você e o Jimmy
estavam namorando, eu pensei: ótimo, não tem mais
Romano sobrando, mas temos um bruto cascudo bem
igualzinho ao meu Max. — comentou Dona Margarida,
com o seu jeito de matrona italiana amorosa.
Max forçou-se um sorriso, Lorenzo bem o notou,
pois a seguir ouviu o tio dizer todo feliz da vida:
— Desculpa, vó, mas o mercado tá em falta de bruto
cascudo como eu. O dia em que o meu genro não Romano
bater o meu recorde de coices bem dados, aí sim,
dividirei o caneco com ele.
— Isso é impossível. — provocou-o Vince.
— É mais fácil um sapo virar príncipe que alguém
superar as cavalices do meu querido amigo ogro de Santa
Fé. — debochou Valentina.
— Eu sei que vocês me amam, mas não precisam
demonstrar em público, assim fico com vergonha, sou
tímido, cacete! — brincou Max, sorrindo abertamente.
— O Jimmy é um amor, um anjo, um jacu lindo. —
disse Lana, com ar apaixonado.
— E foi assim que o subcomandante virou uma
sereia! — Lolla caiu em cima.
— Por falar em “sereia”, Natan, desde quando,
afinal, você e o Eric estão juntos?
Lorenzo custou a assimilar não apenas o teor da
indagação de Fred Romano, como também o seu conteúdo.
A sensação de gelidez percorreu-lhe a corrente sanguínea
juntamente com o sentimento de traição, ressentimento e
absoluta raiva.
Sentiu a mão de Lolla sobre a sua, assim como
sentiu seus molares chocando-se ao retesar os maxilares.
A voz, contudo, saiu baixa e controlada quando se
voltou para o pai e perguntou:
— Tá dormindo com o Eric?
Notou o rosto do pai empalidecer e, para Lorenzo,
isso lhe servia como resposta.
Levantou-se da cadeira com tamanha obstinação que
o móvel caiu para trás. Sentiu a mão forte agarrando-o no
antebraço e era o seu subcomandante detendo-o antes que
se jogasse pra cima de Loredo e terminasse o que deveria
ter feito um ano atrás.
— É esse seu fogo no rabo que acabará com sua
vida. — afirmou, com tamanha raiva que mal conseguia
separar os lábios.
— A gente tá casado. — admitiu Natan, pálido.
— Claro que sim. O Loredo conseguiu se infiltrar
na família para levar tudo quentinho aos Dolejal. —
devolveu, com um rastro de ressentimento e amargor.
— Amor...
— A conversa é entre os Romano, Lolla. — falou
pra ela, por cima do ombro, secamente.
— Ué, diacho, e eu sou o quê? — ela perguntou,
abrindo os braços num gesto de desalento, olhando para
os seus pais.
— Por que vocês não vão até o escritório
conversar, hein? — ponderou Valentina.
— Nada disso, potranca. — determinou Vince
olhando diretamente para Fred. — Vamos resolver essa
questão aqui e agora.
Fred emborcou seu copo de uísque e, sorrindo com
superioridade, rebateu:
— Não tenho culpa de ser mais chegado ao Natan
que você. Eu já sabia sobre o caso dele com o Eric, só o
que fiz foi dar uma forcinha para que ele tivesse coragem
de torná-lo público, aqui, na propriedade dos “machões”
de Santa Fé. — escarneceu, por fim.
— Você é o único que destoa do grupo, tio Fred. —
falou Dinho, encarando-o com a cara amarrada. — Fomos
nós, os machões, que botamos os homofóbicos neonazistas
pra correr...
— Gente, por favor, não briguem! — pediu Natan,
pondo-se de pé, e continuou: — Hoje é o dia especial da
Lana e do Jimmy, não vamos estragá-lo com nossas
lavagens de roupa ao ar livre, ok? — virou-se para o filho
e estendeu-lhe a mão: — Não precisa me amar nem
aceitar o meu relacionamento com o Eric, apenas me
ature, pode ser?
Lorenzo olhou para aquela mão muito branca e
delicada estendida.
— Aturei todos os seus namoros malsucedidos.
Mas, agora, não se trata de tolerância ou o que for, é um
caso de traição. Você sabia que eu não confiava no Loredo
e, mesmo assim, manteve-o debaixo do seu teto durante
todo esse tempo escondido de mim...
— Aprenda a separar as coisas, Romano. — a voz
de Eric era grossa e baixa, e ela se fez notar sem
dificuldade alguma.
Ele continuou sentado com os cotovelos apoiados
na mesa e o cigarro queimando no canto da boca. Sem o
chapéu, o cabelo preto aparecia num corte quase militar, a
nuca exposta e a barba por fazer. Não havia rastro de
melancolia em seu semblante, agora, tão-somente a
serenidade de um homem de bem consigo mesmo.
— Não dirija a palavra a minha pessoa, pistoleiro.
— falou, secamente.
Sentiu outra vez a presença imponente de Jimmy ao
seu lado e era possível que ele estivesse com a mão sobre
o coldre da coxa, descansando-a naturalmente, mas pronto
para sacar a arma.
— Acontece que você tá misturando tudo. —
continuou Eric. — Não somos inimigos nem rivais, a
família Dolejal inclusive os ajudou com os traficantes
bolivianos. — ele declarou, olhando para a fumaça que
subia da ponta do seu cigarro. — Estou com o seu pai por
uma questão particular que só diz respeito a mim e a ele.
— dito isso, lançou um olhar letal a Fred Romano.
— Vamos resolver essa questão e é agora. —
determinou Dona Margarida, terminando de beber o seu
vinho. — Olha só, Lorenzo, o seu pai não sabia que você
era pistoleiro de Matarana até o momento em que você
quis que ele soubesse...
— Não, vó, eu contei pra ele lá no Gilley’s, mas o
seu filho não acreditou em mim. — interrompeu-a, agora,
mais calmo.
Dona Margarida voltou-se para Natan e, fazendo
uma careta feia, disparou:
— Não foi o que me disse, ô pateta!
Natan sorriu sem jeito.
— O Lorenzo tem razão, quase sempre tem, né,
gente? Eu faço uma cagada atrás da outra, puta merda! —
recriminou-se. Depois se aproximou do filho e o pegou no
antebraço, dizendo num tom melancólico: — Tive medo
de você me forçar a romper com o Eric, fui fraco, eu sei,
mas é o primeiro cara que me trata bem... Além de você e
os brutos, claro.
— Que horas vamos almoçar? — Fred parecia
incomodado e, mais do que isso, deslocado do ambiente.
Ninguém fez questão de lhe dar atenção.
Zoe levantou da sua cadeira e abraçou Lorenzo por
trás, dizendo-lhe com carinho:
— Você ama o seu pai, Lollo, e é isso que importa.
— e, sussurrando ao seu ouvido, sentenciou: — Se bancar
o turrão, facilitará ainda mais as coisas para o seu
padrasto.
Ela tinha razão, teve de admitir para si mesmo.
A mão que um dia balançou o berço onde ele
dormia, quando era um bebê recém-adotado, ainda estava
estendida à espera do seu gesto, do gesto de voltar para
casa que era o abraço perfumado e terno do pai.
E Lorenzo voltou.
Abraçou-o com força, mantendo o olhar obstinado
cravado nos olhos dúbios e misteriosos de Eric Loredo.

***

— Max e dona Bernard, eu e a Lana resolvemos


nos casar, mas antes iremos morar junto por um tempo.
Anunciou Jimmy, assim, sem mais nem menos no
meio do almoço, quando tudo tinha voltado à diplomática
calmaria, uma vez que Fred Romano, sentindo-se ofendido
por Vince, resolveu encurtar a visita inventando uma
desculpa qualquer para partir.
Até mesmo sua mãe suspirou aliviada ao vê-lo
entrar no seu carro importado.
Lana lançou um olhar discreto ao pai que, no minuto
seguinte, parou de mastigar.
— Que porra é essa? Vocês já moram junto, ora, que
eu saiba os dois vivem na mesma fazenda! — o olhar era
duro enquanto falava de boca cheia.
— Eu e a Lana vamos testar os nossos gênios antes
de casar. — afirmou um Jimmy muito sério e convicto.
— Tá de palhaçada comigo?
— Pai, preciso dessa experiência antes de assinar
um contrato, entende?
— Ela tá certa. — interveio Lolla, terminando de
cortar um pedaço de carne para Leonardo. — Todos os
casais aqui meio que já se conheciam há anos antes de se
casarem.
— É verdade. — admitiu Pink com um sorrisinho
malicioso. — Eu já estava de olho no seu pai havia dois
longos anos. — em seguida, fixou seus olhos sonhadores
no marido e continuou: — Ele entrava na livraria de
queixo erguido, o Stetson rebaixado, mas, ainda assim era
possível ver seus olhos azuis percorrendo as estantes de
livros sem o menor interesse. Eu simplesmente parava de
pensar e respirar, sentindo coisas que nunca havia sentido
antes e, para disfarçar meu constrangimento, decorava
cada parte do corpo do caubói, do melhor amigo da
paixão da minha chefinha.
— M S O! — soletrou Natan, bem devagar, levando
as mãos ao rosto, visivelmente emocionado.
— Que diabos é isso? — indagou-lhe dona
Margarida.
Ele se voltou para ela e disse um tanto sem graça:
— Meu-Santo-Onofre, mãezinha!
Ela franziu o cenho e depois estalou a língua no céu
da boca num muxoxo que expressava algo como um “deixa
pra lá”.
Max esticou o braço e fez um carinho na face da
esposa, deslizando o indicador para acariciar a coleira
que ela usava.
— E eu também a espionava de canto de olho,
minha cabrita, louco de vontade de roubá-la pra mim.
Os dois se beijaram ao som de um coral de
exclamações de admiração.
Era por isso que Lana queria que sua vida com
Jimmy desse certo. Por amá-lo, era verdade, mas também
por que naquela fazenda nenhum casal havia-se
divorciado. Eram doidos, passionais, ciumentos,
possessivos, haviam-se casado num piscar de olhos e,
ainda assim, dedicavam-se a construir relacionamentos de
amor e lealdade. Todos ali, dos brutos mais velhos ao
mais novo — que era Lorenzo, todos, sem exceção, ou
eram amigos antes de se apaixonarem ou se tornaram
amigos ao longo do casamento. Mas ela e Jimmy ainda
não eram amigos; eram amantes. E ela pensava até que
ponto o amor seguraria a barra de duas pessoas com
personalidades fortes como eles.
— Sinceramente, não vejo diferença entre casar e
morar junto. — opinou Zoe. — É só uma questão de
papelada, burocracia mesmo, porque o compromisso é o
mesmo.
— Tem a questão legal, Zoe. — argumentou Jimmy,
parecendo ter pesquisado a respeito. — A Lana precisa de
autorização pra casar, pelo menos até completar 18 anos.
Assim, fazendo as coisas do jeito que a Lana quer, posso
levá-la pra minha casa hoje mesmo.
— Hoje? Mas por que tão cedo? — perguntou Pink,
assustada.
— Minha linda, a casa do moço é dentro da fazenda,
viu? — brincou Valentina. — E fica mais perto que o
chalé do Dinho.
— Não sei se estou preparada pra perder mais uma
filha. — falou Pink, olhando entristecida para o marido.
— Olha, Rochelle, a Lana tá gamadona no
grandalhão, isso é fato incontestável, conheço a minha
cabritada. O único jeito de aceitar que mais uma vai voar
pra fora do ninho é pensar que ela ainda continuará na
fazenda e com o Jimmy aqui, gente boa que passei a
confiar de olhos fechados. — afirmou Max, encarando o
novo genro com o olhar firme e decidido.
Lana sorriu, aliviada, ao entender que seus pais
apoiavam o seu relacionamento com o subcomandante.
Era importante, para ela, saber que não os havia
decepcionado, apesar de lhes dar bastante trabalho desde
a sua pré-adolescência.
Agora, por exemplo, ela sentiu uma pontada de
orgulho de ser filha de Max e Pink, de ter nascido uma
Bernard e também por notar claramente que a declaração
do bruto — como Jimmy falava, “do alto escalão” —
tinha um alvo certo para atingir: Dinho Romano. A
mensagem era clara: eu confio no Jimmy, então você
também deve confiar nele.
Viu quando seu tio Vince esboçou um sorriso que
expressou sagacidade, afinal, ele conhecia muito bem o
seu melhor amigo e havia posto no mundo um dos caubóis
mais protetores e desconfiados do planeta: o marido de
Zoe.
Capítulo 28

Jimmy entrou na sua casa e depositou as malas de


Lana sobre a mesa da cozinha. Voltou, a seguir, à picape
para descarregar mais meia dúzia de caixas de papelão, e
a mudança da namorada para o alojamento estava
concluída.
Ela olhou ao redor, assim que entrou na casa
simples e arejada, e parecia que era a primeira vez que a
conhecia. Antes, porém, o interesse não estava voltado
aos móveis ou à decoração do ambiente e sim em relação
a quem morava lá.
Optou por trocar de roupa. Queria começar a vida
ao lado de Jimmy de modo especial, como se estivessem
voltando do cartório, por exemplo, pois cabia naquele
momento um ou outro ritual típico de recém-casados.
Então escolhera um vestido curto, de algodão, branco e
rendado. As alças finas escorregavam dos seus ombros
dando-lhe um aspecto sensual.
A noite recaía mormacenta e, embora estivesse
linda tomada por um mundaréu de estrelas que parecia
desabar a qualquer minuto sobre todos, não havia sinal de
vento.
Viu quando Jimmy entrou no quarto e ligou o
ventilador de teto. Depois ele saiu já sem camisa e botas.
O jeans era tão apertado que chamava atenção onde as
coxas grossas o estufavam e, entre elas, o volume
considerável a deixava em dúvida se aquilo enorme era
uma ereção ou apenas o pênis em estado de descanso
apertado na calça.
Ele parou diante dela, arqueou as sobrancelhas de
um jeito que lembrava o diabo com intenções sexuais e
indagou na sua voz grave e grossa:
— Preparada para a sua noite de núpcias?
— Acho que nunca estou preparada pra você e isso
me excita pra caramba. — respondeu, esticando a mão
para tocá-lo na saliência entre as pernas.
Jimmy recuou, evitando que a mão da garota o
tocasse.
— Se pegar o meu pau, vou te comer nessa mesa,
sou louco por você, seu corpo inteiro, e estou sempre com
fome. Mas antes, — parou de falar para, em seguida,
pegá-la no colo e se encaminhar ao quarto, dando um
chute na porta a fim de abri-la um pouco mais. — quero
fazer tudo certo.
Ele a deitou na cama e se manteve de pé diante dela,
olhando-a com um esboço de sorriso de admiração.
— Sou apaixonado pelo comandante. Na verdade,
eu amo aquele cabra demais da conta. — confessou.
Lana piscou várias vezes, confusa.
— Amor? Hã? Como assim?
— Porque ele escolheu casar com uma Bernard. —
afirmou, sorrindo agora, abertamente. — E me levou para
o mundo de vocês. Se eu tivesse continuado com os
Dolejal, jamais teria me tornado o homem feliz e
completo que sou hoje, dona cabritinha. — afirmou, com
carinho.
Ela respirou fundo para firmar a voz ao declarar:
— Preciso admitir que todas as manhãs, a primeira
coisa que faço é pensar em você, e depois eu abro os
olhos.
— Nossa, como estamos floridos. — ele debochou,
soltando o botão do jeans e, logo em seguida, baixando o
zíper. — Pensei em levá-la ao celeiro, mas ele tá trancado
com uma corrente no cadeado, e somente os Romano têm a
chave. — dando de ombros, vencido, comentou: — Eu e o
Max podemos até ser brutos cascudos, mas sem direito ao
celeiro do amor.
— Da sacanagem. — ela corrigiu-o, olhando
hipnotizada para as mãos morenas baixando um pouco a
calça. — Não é celeiro do amor.
— Hum, interessante. — falou simplesmente,
tirando o pênis da boxer escura. Segurou-o na mão,
puxando a delicada pele pra trás, a glande despontou
grossa e úmida. — Vem aqui e me chupa.
Lana gemeu junto com a respiração e foi até ele,
pondo-se de joelhos.
Jimmy a pegou por trás da cabeça, guiando o pau
para sua boca. Abocanhou a maciez tépida que revestia o
mastro duro, fechando os lábios ao redor do seu diâmetro.
O pênis deslizou em direção à garganta, e ela o sentiu
preencher toda sua boca.
— Isso, minha menina... Vai com calma. — a voz
carregada de desejo arrastava as palavras.
Ela ergueu os olhos para o rosto dele e viu o
semblante contraído sofrendo a aflição do prazer. Os
dentes frontais mordiam o lábio inferior e as linhas de
expressão ao redor das pálpebras se acentuavam.
Vê-lo excitado provocou nela um estado de loucura.
Contraiu os lábios ao redor do pau, sugando-o com
vontade, deslizando a boca pra cima e pra baixo até a sua
metade, a saliva o molhava provocando barulhos de
sucção.
Notou o movimento instintivo de vaivém dos
quadris do homem enquanto ele tomava na mão um
punhado dos cabelos dela, puxando-o levemente a fim de
firmá-la junto à sua virilha.
Tentou chupá-lo até a base, engasgou. Afastou-se
para tossir.
— Não vai conseguir. — ele lhe disse, sentando-se
na cama e abrindo as pernas para encaixá-la de joelhos no
vão entre elas. — Lambe ao redor, Lana, passa essa sua
língua gostosa por todo ele. — sugeriu, e ela viu o nível
do seu desejo e excitação nas pálpebras inchadas e
semicerradas dele.
Obedeceu-lhe, lambendo o pau ao longo do
comprimento lentamente, insinuante, até chegar às bolas e
chupá-las com avidez, aspirando o cheiro morno e
selvagem da virilha masculina e a maciez dos pelos
púbicos coroando o pau que, agora, voltava a receber a
sua exclusiva atenção.
— Vem aqui... Deita sobre mim. — mandou,
puxando-a pela parte de cima dos braços e a pondo sobre
si. — Vira, minha gostosinha, quero chupar a sua boceta.
Ela se pôs na posição 69, afastando as pernas, tendo
o fundilho da calcinha puxado para o lado.
— Vou rasgar essa maldita. — ele gemeu com a
boca encostada nos grandes lábios, o ar morno da
respiração bateu contra a vagina, e Lana estremeceu.
No minuto seguinte, Jimmy fez o que havia dito e
rasgou a lingerie, jogando seus pedaços para longe.
Pegou-a pelas laterais das coxas com suas mãos grandes,
apertando-as e as trazendo ao encontro da sua cabeça
deitada nos travesseiros.
Lana gemeu alto ao sentir a língua invadir a sua
intimidade, encharcando-a e instintivamente meteu quase
todo o pau na boca, chupando-o forte em movimentos de
sucção.
Sentia-se febril, o rosto queimando e inchado como
se fosse explodir, o calor era tanto que o suor pingava das
têmporas. Jimmy empurrou a barra do vestido pra cima,
expondo as suas nádegas e a língua explorou também a
fenda entre elas, concentrando-se no ânus, chupando-o ao
redor do aro de músculos constritos.
Ah, como ela gostava quando ele chupava seu cu...
Quando ele rodeou o clitóris com a ponta do
indicador, fazendo suave pressão, sem deixar de lambê-la
entre as nádegas, Lana amoleceu os joelhos e quase caiu
sobre o rosto dele.
Jimmy notou que ela estava bem perto de gozar e
deslizou o dedo longo para dentro da vagina, chupando-a
agora no clitóris, ao seu redor, sacudindo a língua sobre
ele.
Um segundo dedo fez companhia ao outro, ambos
deslizavam pra dentro e pra fora. Lana se agitou
rebolando o quadril a fim de tê-los enterrados até o fundo.
Envolveu o pênis como se sua boca fosse um capuz de
carne deslizando-a até a base. Engasgou novamente, mas
prosseguiu, gemendo em torno do pau.
Masturbou-o com a boca, notando exultante as coxas
morenas de pelos escuros estirar os músculos das pernas
empurrando o quadril para o rosto dela, fodendo-a na
boca.
Num gesto brusco, Jimmy a fez girar sobre si,
deitando-a de costas na cama. Separou-lhe as pernas com
seus joelhos, pondo-se entre eles, baixando a cabeça para
beijá-la na boca com fúria, a fúria quente do sexo.
— Quase me mata com essa chupada. — falou
baixinho e rouco. Tomou um mamilo entre os lábios,
sugando-o enquanto o seio era apalpado e acariciado.
Lana ergueu a cintura para senti-lo, pois os
espasmos elétricos que lhe percorriam o corpo pareciam
chicotadas de fogo, doíam, davam-lhe prazer, doíam
prazerosamente, e ela precisava gozar, ele precisava
deixá-la gozar.
Jimmy sentou-se na cama e a puxou para o seu colo,
abraçando-a. A respiração era pesada, contudo, não
estava ofegante. Era nítido que tinha um excelente
condicionamento físico.
Envolveu-a nos seus braços, beijando-a sem parar.
A glande cutucou a sua entrada, separando as dobras da
vagina e, com um empurrão brusco, penetrou-a,
acomodando-se no fundo.
Ele afastou-se dela para sussurrar:
— Sou o seu cavalo, monta e goza em mim.
Ela jogou a cabeça pra trás, os cabelos se lançaram
contra suas costas e alguns fios grudaram na pele molhada
de suor.
Teve a cintura firmada por duas mãos que a
ajudaram a mantê-la na montaria enquanto o cavalgava
selvagemente, a boca apertada, os maxilares duros, os
olhos congestionados e fixos nos olhos febris de Jimmy.
— Vou gozar! — anunciou num grito rouco vindo
direto da garganta seca. — Jimmy! Jimmy! — chamou-o,
desesperada.
Ele a deitou de costas na cama e, sustentando o
corpo nos braços esticados ao lado dela, a fodeu com
força e brutalidade.
Agarrou-se aos cabelos do pistoleiro, sentindo a
pele se desprender da carne em chamas e a lucidez
abandonando-a em golfadas de êxtase.
Cruzou as pernas ao redor da cintura do homem e
atirou-se no abismo negro e perfeito do orgasmo,
mordendo o lábio inferior até tirar sangue.
Jimmy ejaculou como um animal grande, rústico
encharcado de suor e violentamente gostoso.

***

Lana deslizava os dedos por entre as mechas de


cabelo longas e escuras espalhadas por seu abdômen.
Jimmy tinha a cabeça apoiada nela e os braços
possessivamente ao redor de sua cintura.
Absorviam a calmaria latejante dos momentos que
precediam a relação sexual. Tudo ali naquele quarto trazia
os vestígios da foda violenta, as roupas rasgadas, o lençol
puxado pra fora do colchão, as marcas avermelhadas na
pele de ambos. Havia algo a mais no ambiente, a
atmosfera densa e quase doce — e também brutal, de
quando o amor vinha junto com o sexo.
— Ai, meu Deus, você ouviu isso?
Ele riu um riso abafado, já que estava com a boca
perto demais do ventre dela, quase a beijando. Assentiu
levemente com a cabeça e, erguendo-a pra cima, olhou
para Lana, perguntando com bom humor:
— Tá com fome, Bernard?
— Acho que sim, quer dizer, não estou com vontade
de comer, mas o meu estômago tá fazendo fiasco. —
comentou, intrigada.
— É a fome pós-foda.
— É mesmo? Bom, já vou deixar avisado que
pretendo chegar aos cento e cinquenta quilos. — brincou;
ouvindo-o rir novamente, continuou: — Falo sério,
oficial. Você quis pegar uma novinha, agora terá que dar
conta, viu! — comentou, espirituosa.
Ele a abraçou nos quadris, puxando-a para si e deu-
lhe um beijo estalado no umbigo.
— Dou conta do recado, menina. — afirmou,
autoconfiante. Em seguida, se pôs apoiado nos cotovelos e
lançou-lhe um longo olhar, que ela interpretou como um
longo olhar de amor, e disse: — Fica deitada aqui, que
trarei um búfalo para a senhorita comer.
Ele se sentou na cama e bocejou. O cabelo
desgrenhado dava-lhe um ar de guerrilheiro selvagem, ela
não sabia bem como descrevê-lo, tão lindo e despojado,
tão másculo e seguro de si.
— Vou com você.
— Tudo bem. — disse ele, pegando-a na mão e a
puxando da cama. — Acho que tenho na geladeira um
restinho de buchada de bode...
— Eca! Vou vomitar. — ela fez uma careta.
— Já disse pra não ser fresca, Bernard. —
provocou-a. — Acho que a buchada acabou, mas ainda
tenho uns pedaços de coração de boi, meio requentado, é
da semana passada, e uma salada de quiabo com fungo
que tá uma maravilha. — debochou com ar divertido.
— Coisa horrível! — exclamou, dando-lhe um tapa
no ombro: — Nunca comi nada disso, mas esses nomes
todos me dão arrepios no estômago. — assumiu de um
jeito engraçado.
Os dois foram para a cozinha de mãos dadas e nus.
Jimmy acendeu a lâmpada do lustre e o ambiente se
encheu de uma claridade de 60 watts. A cortina xadrez
protegia-os de serem vistos pelos vizinhos pistoleiros a
poucos metros dali.
Ele abriu a geladeira e afastou-se para lhe dar
espaço a fim de admirar as suas compras recentes.
— Tive que adaptar a minha geladeira para receber
uma adolescente quase adulta acostumada com as coisas
boas da vida.
Voltou-se para ele e o viu sorrindo, satisfeito
consigo mesmo. Ficou na ponta dos pés e o abraçou,
beijando-o.
Iogurtes, congelados, sorvete, pizza, refrigerante,
além de verduras e frutas de que ela gostava. Ficou pasma
e emocionada por saber que ele fora às compras pensando
nela, mais do que isso, pensando em tornar mais
aconchegante sua casa para ela.
— Ainda tá sem vontade de comer? — ele
perguntou com um sorriso de troça.
Diabos, ela adorava torta de frango...
— Não pretendo engordar muito, não, viu... Era
brincadeira. — sorriu, desconcertada. — Olha, estou
longe de ser o tipo de garota que quando casa embaranga
só por que saiu do mercado.
Jimmy riu com vontade, chegando a deitar a cabeça
pra trás. Pegou o queixo dela entre dois dedos e falou:
— Pode engordar, emagrecer, enlouquecer também,
se quiser, que continuarei firme e forte ao seu lado.
— Bom saber. — comentou, suspirando. — Digo o
mesmo pra você, caso crie aquela barriguinha dos trinta
anos. Sabe, né?, aquela de cerveja. Bem, continuarei
achando o meu subcomandante sedutor.
— Barriga de cerveja, Bernard? — ele a olhou de
cima abaixo com malícia. — Bebo todos os dias, às
vezes, o dia inteiro, e minha barriga é um tanque de
guerra. É só se exercitar e ter uma boa genética, sou
descendente dos bárbaros hunos que, de acordo com os
budistas, têm sua origem nos bisões.
— Tá de brincadeira comigo, não é?
— Claro que sim. — ele pegou um seio com a mão
cheia e continuou, arqueando uma sobrancelha: — Às
vezes você é tão inocente que eu me sinto o pervertido
que seduziu a garotinha do papai.
— É mesmo? — ela perguntou preocupada.
— Aham... — admitiu Jimmy e, sorrindo com
maldade, completou: — Me sinto tão pervertido que meu
pau chega a doer de tão duro que fica.
Ela deu-lhe outro tapa no ombro.
— Você não presta! — xingou-o, rindo.
— Presto, sim, para pôr essa torta de frango no
micro-ondas, por exemplo. — defendeu-se, com ar
divertido.
Mais tarde, eles foram para cama e fizeram sexo
novamente. Num dado momento, após o orgasmo, eles se
abraçaram em silêncio.
Ela pensou em lhe dizer que trabalharia duro e com
muita dedicação para que o relacionamento deles desse
certo.
Ele pensou em contar a ela que a amava ainda mais
que antes quando lhe havia declarado o seu amor de modo
grosseiro.
Quietos e introspectivos, beijaram-se e desejaram
mutuamente bons sonhos.
Alguma coisa faltou e a noite se tornou incompleta.
Foram as palavras não ditas.
Capítulo 29

— Ei, hoje é segunda, dia de aula.


Ela acordou do sono profundo, ouvindo a voz de
Jimmy como se viesse do fundo de um longo túnel.
Espreguiçou-se, bocejando alto, ainda nua debaixo do
lençol. A primeira visão que teve foi a da janela aberta e
a claridade da manhã entrando com tudo.
— Só mais cinco minutos... — resmungou baixinho,
piscando os olhos e os fechando novamente.
— OK. — ouviu a voz risonha do namorado. Abriu
um olho e viu-o sentado na beira da cama, tomando café
numa caneca, olhando pra ela com ar divertido. — Daqui
a pouco o Vítor vem buscá-la.
Ela se sentou de supetão, o cabelo jogado no rosto,
atordoada de sono e com um mau humor dos infernos.
Era um crime ter que estudar! Era um crime ter que
acordar às sete da manhã para, puta merda!, estudar!
Olhou ao redor, para a cama de casal com metade
do lençol atirado no chão e, mal abrindo a boca,
perguntou:
— Cadê o meu uniforme?
Jimmy franziu o cenho e acompanhou-lhe o olhar
como se, com isso, encontrasse a roupa que ela não via.
Voltou-se para a garota com um esboço de sorriso e
respondeu:
— Provavelmente na mala que você não desfez.
— Minha mãe deixa meu uniforme pronto pra mim.
— reclamou.
— Sou a sua mãe? — ele parecia se controlar para
não rir. Levantou-se da cama e, num tom de ordem,
determinou: — Vamos, se arruma logo pra não atrasar o
Vítor, ele tem coisa mais importante pra fazer.
Lana bufou.
— Não vou procurar porra de roupa nenhuma
naquela bagunça de malas e caixas na porra da cozinha.
— Então vai pelada pra escola.
O humor do subcomandante havia mudado, como ela
bem notou, pouco se importando com o fato.
Voltou a se deitar na cama, puxando o lençol para
cobrir-se.
— Sem roupa, sem aula. — murmurou, encerrando a
questão.
Bem, era isso que ela esperava fazer.
Teve um dos tornozelos puxado bruscamente e quase
voou pra fora da cama. Berrou de susto, segurando-se na
grade da cabeceira.
— Jimmy!
— Prometi a sua mãe que não ia foder a sua vida e
isso significa que continuará estudando e fazendo tudo
certo como antes.
Definitivamente não era mais o seu amante cheio de
paixão e fogo e sim o subcomandante mandão que a tirava
da cama e puxava-a pela mão em direção à cozinha.
— Me larga! Não vou andar sem roupa pela casa!
— Era só ter se enrolado no lençol, agora vai
mostrar os peitos pra peonada toda. — disse, numa voz
zangada.
Ela sentiu o rosto pegar fogo de vergonha, puxando
com força a mão presa na dele. Ao entrar na cozinha,
notou que as cortinas ainda estavam fechadas, o que não
amenizou a raiva que sentia naquele momento.
— Sádico nojento! — xingou-o.
— Agora abra todas as malas até encontrar o seu
uniforme. — mandou, apontando o dedo para as malas
ladeando a coluna de caixas. — Cinco minutos, Lana.
— Não sou suas pistoleiras vadias, ouviu bem?
Pega esse seu dedo aí e aponta para os teus machos! —
gritou.
Jimmy cruzou os braços em frente ao tórax,
olhando-a com ar avaliativo, como se fosse um homem
imaginando a cilada em que se metera. Pelo menos, foi
assim que Lana interpretou aquele severo olhar.
— Quatro minutos. — disse ele, calmamente.
Lana jogou os cabelos para trás e ergueu o queixo
com altivez.
— Esqueceu que sou filha do seu patrão? — falou
com superioridade.
— Três minutos.
— Mentiroso! Só no planeta dos gorilas um minuto
passa tão rápido! — reclamou, elevando a voz.
— Se eu chegar a perder a minha paciência com
você, chamo o meu patrão para resolver esse seu chilique
de garotinha mimada! — ameaçou-a.
O sangue de Lana gelou. Max Bernard era o rei dos
castigos. Nunca batera nas filhas, mas sabia como
ninguém atingir o ponto fraco das cabritas e privá-las
daquilo que elas mais davam importância, como ficar sem
o celular por um mês, por exemplo, ou não poder sair do
casarão, algo como um cárcere privado, ou também a
punição máxima: limpar a sala da ordenha e os estábulos.
Sim, era verdade, o seu pai era cruel quando queria!
— Deixa o meu pai fora da nossa briga de casal,
que coisa mais imatura. — argumentou, tentando persuadi-
lo da empreitada. Abaixou-se e começou abrir todas as
malas, jogando as roupas pra fora delas, espalhando-as
pelo piso da cozinha. — Ah, que merda, não acho o diabo
da roupa! — e continuou a fazer a maior bagunça, sentindo
o olhar pesado de Jimmy sobre si.
O cara pensa que vai mandar em mim, essa é boa!
Puxou a camiseta branca e a saia azul, balançando-
as no ar. O uniforme estava amarrotado, então ela
perguntou a Jimmy simulando uma inocência de ninfeta:
— Dá um jeito nisso pra mim?
— Na sua cara de pau, você quer dizer? — ele
arqueou a sobrancelha com ar de demônio sarcástico.
Como ele podia ser lindo até mesmo me irritando?
— Não sei fazer essas coisas, Jim... Passar, dobrar
e guardar roupas... muito menos, lavá-las... Não era eu
que fazia isso em casa. — explicou, desolada. — Sou
praticamente uma inútil.
— Mas ainda dá tempo de aprender. — sentenciou,
dando-lhe as costas para encher a caneca com mais café.
— O ferro de passar roupa tá no armário ali. — apontou
para o móvel.
— Passa pra mim? — fez voz de menininha.
Ele nem se voltou ao dizer por cima do ombro:
— Sim, claro, só espera os porcos criarem asas,
ok?
Ela suspirou alto, exasperada.
Levou as roupas para o quarto, esticou-as sobre a
cama e deslizou o ferro sobre elas. O tecido continuava
amarrotado.
— Mais que merda, porra! — irritou-se.
— Tem que ligá-lo na tomada, Lana. — avisou-a,
amenizando a carranca zangada.
— Ah, esqueci. — sentiu-se uma idiota. Ligou o
ferro elétrico e retomou a tarefa, deslizando sobre a
camiseta. — Coisa mais chata de fazer, pura perda de
tempo, vai amassar tudo assim que eu sentar a bunda na
picape...
— Vou levá-la ao cinema à noite, o filme em cartaz
é: “Rabugenta aos 17”. — debochou.
— Depois vamos assistir a “Corno antes dos 30”.
Que tal? — perguntou com um sorrisinho mau, voltando-
se para ele.
Jimmy fechou a cara.
— Quando voltar da escola, arrumará essa bagunça
toda. — determinou.
— Ah, não vai dar, volto com fome e podre de
cansada. Além disso, gosto de dormir até as três da tarde
e depois vou para o estúdio pintar. Sinto muito, mas quero
manter a minha rotina intacta. — falou, terminando de
alisar a saia.
— Nós dois dividimos o mesmo teto. Portanto, a
arrumação da casa é responsabilidade sua também.
Ela vestiu-se e parou diante do espelho do quarto,
ajeitando a roupa e fazendo careta ao ver os vincos de
amasso do tecido. Teria que levar suas roupas para as
meninas do casarão lavarem e as devolverem prontas para
serem usadas.
Ajeitou o cabelo num rabo de cavalo e borrifou
perfume no pescoço e pulsos.
Voltou à cozinha e o encontrou pronto para sair, até
com chapéu na cabeça e a chave da picape na mão.
Sentou-se à mesa e constatou que mais uma vez ele
havia arrumado a mesa do café da manhã com pães,
geleias e frios.
— Ai, que fofo, Jimmy!
Assim que ela pegou um pãozinho, ele disse:
— É, mas acabou o seu tempo. Vai comendo o pão
no caminho, o Vitor chegou.
— Ah, não, nada disso, ele que espere. — falou
com displicência, passando uma camada grossa de
requeijão por cima do pão. — E o meu café? Tá pronto?
— perguntou, voltando a atenção para o homem.
— Sim, é só esquentar no micro-ondas. —
respondeu ele, pegando o vidro do café solúvel e pondo-o
na mesa. — O leite tá na geladeira e o açúcar debaixo dos
seus olhos. É só misturar tudo e pôr pra aquecer naquele
aparelho ali ó, que os humanos usam pra esquentar sua
comida. — debochou.
— Sei o que é um micro-ondas, caubói. — falou
como uma dama ofendida. Levantou-se e fez o seu café,
perguntando interessada: — O que teremos de almoço?
— Não sei, costumo almoçar durante a semana no
refeitório.
— Ah.
Ela não sabia o que dizer, e ele parecia mais
interessado em conferir a munição da sua semiautomática
do que lhe esclarecer como seria o almoço deles.
— Então vou almoçar no casarão. — afirmou,
voltando a se sentar para tomar o seu café.
— Não, vai almoçar comigo aqui. — resolveu ele,
sem tirar os olhos do carregador. — Enquanto você
arruma a bagunça, eu faço o almoço.
— Mas vou voltar louca de fome, eu disse! Quero
chegar e sentar à mesa pra comer e não ter que ficar
esperando você ainda fazer a comida. — reclamou.
— Mas é assim que será. — disse, calmamente.
— Não quero assim, tem que ter outro jeito. —
irritou-se. — Olha só, como vou lavar a minha roupa?
Não vi nenhuma máquina de lavar...
— Uma das funcionárias do casarão lava pra mim,
dou uma grana pra ela, faça o mesmo, ora.
— A minha mesada tá toda comprometida.
— Então lava suas roupas no tanque.
— Jamais!
— Bom, quem sabe você toma seu café logo, hein?
Vai chegar atrasada à escola.
— Vou deixar minhas roupas para as empregadas do
casarão lavar, sou filha do patrão, elas não podem me
cobrar taxa extra por isso. — resolveu.
— Nada disso. — ele guardou a arma no coldre da
coxa. — E outra coisa: nada de mesada dos pais. Você é
minha mulher agora e, até conseguir vender seus quadros,
sou eu quem lhe dará uma mesada.
— Por mim, tudo bem, só não posso ficar sem
dinheiro. — aceitou, dando de ombros com displicência.
— Quanto você ganha?
— Dois mil.
— O que? Pra não fazer nada?
— Compro meus materiais de pintura e os ingressos
para as festas... Ah, e tem as parcelas dos meus três
cartões de crédito, quer dizer, dos cartões da mãe, mas
tenho que pagar as parcelas, né? — forçou-se um sorriso.
— É muito dinheiro. — constatou, pensativo.
— Que nada! Dura quinze dias na minha mão, a
coisa voa, Jimmy! Sinceramente não sei como o povo vive
com um salário mínimo desses. — estalou a língua no céu
da boca, preocupada com a questão.
— Em que país você vive, ô pintora alienada? Acha
mesmo que o salário mínimo é dois mil? — ele balançou
a cabeça como quem pensa “onde fui amarrar meu bode” e
continuou: — Você vive no mundo dos ricos, mas agora
terá que aprender a viver no mundo dos pobres. Sua
mesada será de duzentos reais. — determinou.
— Tá brincando, né? — perguntou, em seguida,
caindo na gargalhada.
— E vai me ajudar a arrumar a casa, fazer as
refeições e também estudar pra valer e pintar os seus
quadros, ou seja, tá na hora de tornar a sua existência
menos fútil.
Ela terminou de comer o pão e beber o café para,
solenemente, levantar da cadeira, alisar a saia, encarar o
namorado e declarar num tom sério e direto:
— Você não vai me ensinar a viver a minha vida. —
dito isso, foi até ele e o beijou na bochecha, emendando:
— Guarde os seus trocados, prefiro continuar com a
mesada dos meus pais, mas obrigada por oferecê-los.
Lana encontrou Vitor ao volante de cara amarrada.
— Tá com dor de barriga, peão armado? —
provocou-o.
— Nunca que chegaremos antes de dar o sinal. —
rebateu, inclinando-se sobre o banco para abrir a porta do
passageiro.
— Que se dane. — resmungou.
Jogou o corpo sobre o banco, suspirando
pesadamente. No minuto, seguinte, Jimmy apareceu do seu
lado, erguendo a mochila para o alto na linha dos olhos
dela.
— Não esqueceu nada, não? — perguntou, sério.
— Ah, que droga. — baixou o vidro, pegando a
mochila e a pondo sobre as pernas. — Estou me sentindo
um caco, vou dormir na aula de geografia. — reclamou.
Notou que os homens se entreolharam e captou a
mensagem silenciosa.
— Não sou mimada nem preguiçosa, só que não é
fácil pra ninguém ficar fodendo até as quatro da manhã e
ter que acordar duas horas depois pra passar quatro horas
sentada fingindo que aprende alguma coisa. — declarou
com rispidez.
— Lana, meu amor, o Vitor não tem interesse algum
na nossa vida privada.
— Só estou me defendendo. — justificou-se.
— Mas ninguém tá atacando você, minha
pilantrinha. — rebateu, com toda paciência do mundo
acrescida de um sorriso.
Ela lançou-lhe um longo olhar e perguntou num tom
hesitante:
— Ainda me ama?
— Mais do que ontem.
— Só não sabe até quando vai durar esse amor, né?
— No mínimo, cinquenta anos, é só o que sei.
— Será?
— Vamos continuar juntos para descobrir.
— Amo você, Jimmy.
Ele sorriu sem traço de deboche ou arrogância,
apenas sorriu demonstrando felicidade. Apesar de toda
confusão da manhã, Jimmy lhe presenteara com um sorriso
lindo cheio de carinho e amor. O bruto durão e casca
grossa, de repente, parecia um garoto meigo despedindo-
se da namorada.
Eles se amavam.
Mas tinham dificuldade para se entender.
Capítulo 30

— Minha coluna tá moída, você me fez trabalhar


como uma escrava branca.
— Quer uma massagem? — indagou e, sem esperar
pela resposta, deitou-a de bruços e começou a massagear-
lhe a parte superior das costas. — É aqui que dói?
— Não. É perto da bunda.
— Hum, interessante.
— Interessante é o que você fez comigo. —
choramingou. — Não tive lua de mel e, ainda por cima,
fui à aula e limpei a casa.
— Estou morrendo de pena de você.
— Para, Jimmy! — tentou xingá-lo, mas começou a
rir. — Dói tanto que chega a ser engraçado.
— E ainda falta a “dança no pau”. — disse ele,
apertando os músculos do pescoço dela.
— O que?
— Você vai dançar em cima do meu pau, Laninha.
— escarneceu.
— Não sei se conseguirei levantar dessa cama. —
reclamou. — Tenha em mente que você tá namorando uma
garota delicada e não uma jogadora de rugby, ok?
— Vou facilitar pra você. — afirmou, descendo as
mãos para a linha da cintura dela. — Só precisa abrir as
pernas que meto agorinha. — a voz era quente e sacana.
Antes que ela rebatesse algo como “é pra já”, o
celular de Jimmy tocou. Eram onze horas da noite, Lana
ficou bastante curiosa a respeito da ligação.
Viu-o sair da cama e, vestido apenas na boxer,
encaminhar-se à cozinha.
Ah, mas era claro que ele não ia ter segredinhos
com ela, não mesmo!
Acompanhou-o na maior cara de pau, sentando-se
inclusive na ponta da mesa, virada para ele mostrando
claramente que estava interessada na conversa.
Puxou a barra da camisola pra baixo, quando ele
abriu a porta e saiu para a rua. Foi atrás como se lhe fosse
a sombra.
— Fala mais alto que não estou ouvindo. — ela
mandou, parando diante dele com as mãos na cintura.
Jimmy estava sério, mais do que isso, concentrado
no que ouvia. A expressão carrancuda acentuava-se à
medida que os segundos passavam, até que ele encerrou a
ligação e encarou-a com a feição transtornada por um
sentimento que ela não soube interpretar, mas era muito
ruim, mau e provavelmente devastador.
— Preciso sair agora. — resmungou, entrando
novamente em casa a caminho do quarto.
— Com quem você estava falando? — perguntou,
seguindo-o enquanto percebia que o acesso de ciúme
cedia para uma incipiente preocupação. Não era coisa
com mulher, não com aquela cara zangada que ele fazia,
era algo que o subcomandante tinha que resolver e isso a
apavorava. — O que aconteceu? Era o Lorenzo? O pai?
Invadiram a fazenda? — disparou, nervosa e agitada.
Ele a ignorou, postando-se diante do guarda-roupa e
puxando-o para frente até liberar um bom espaço para
acessar o que parecia ser um cofre embutido na parede.
— O que tem aí?
Como não obteve resposta, coube-lhe observá-lo
digitar a senha e, em seguida, abrir o cofre, revelando o
arsenal de armas ali dentro.
— Por que, Jimmy? Por quê? — perguntou numa
voz trêmula.
Antes de pegar as armas, voltou-se para ela e enfim
respondeu:
— Porque têm coisas que você não pode saber e
isso faz parte da vida da mulher de um justiceiro.
O tom tranquilo da sua voz não diminuiu a
preocupação que avançava rapidamente para o nível do
medo.
— Me conta só um pouquinho? — implorou.
Ele a puxou para um abraço forte, enroscando os
dedos nos cabelos dela e a beijando no topo da cabeça.
— Sou péssimo com as palavras... Merda, Lana,
pensei que estivesse preparado pra tudo nessa vida, —
afastou-a de si para encará-la com olhos de devoção. —
mas me enganei. Nunca imaginei sentir por uma mulher o
amor que sinto por você. Quero que jamais esqueça que
foi muito amada, entendeu? Muito amada por um homem
que não é nada sem você.
O tom de voz que usou era tão sério e urgente, tão
devastador e amargurado que ela se agarrou nele,
chorando.
— O que vai fazer?
— O meu trabalho. — disse apenas,
desvencilhando-se do abraço.
Lana tremeu sentindo frio.
— Vai demorar muito?
Viu-o retesar os maxilares ao ouvir a pergunta sem,
com isso, deixar de distribuir as três armas pelo corpo,
escondidas em lugares estratégicos e camufladas pelas
roupas que acabava de vestir, a camisa, o jeans e a
jaqueta do mesmo tecido.
— Espero que seja rápido. — disse, num tom
dúbio.
Ela não teve tempo de reagir à resposta. Jimmy saiu
do quarto já com o celular colado à orelha.
— Vitor, vem para o meu alojamento e traz mais
dois cabras com você. — ordenou.
Cinco minutos depois, os pistoleiros armados com
seus fuzis pararam na soleira da porta da cozinha.
— Fiquem com a Lana e não arredem pé daqui.
— Algum problema? — Vítor perguntou muito
sério.
Jimmy enterrou o Stetson na cabeça e, passando
pelo pistoleiro, respondeu por cima do ombro como se
quisesse escapar de ter que dar mais explicação:
— Assunto pessoal.
— O comandante...
— Já disse, pessoal. — repetiu, interrompendo-o.
Lana viu-o se postar ao volante da picape e partir.
Em nenhum momento ele endereçou-lhe o olhar.
Quando seus olhos bateram nos olhos de Vítor, ela
teve a certeza de que a atitude do subcomandante fugia ao
normal.
— Vou falar com a Lolla. — decidiu, fitando-o.
Um fio de pavor correu por sua coluna como uma
navalha abrindo a pele, expondo as vértebras, ao ouvir a
resposta do outro:
— Faça isso.
“Falar com Lolla significava: avisar o comandante”.
Jimmy partira para uma ação sem a permissão de
Lorenzo. Na verdade, escondido dos brutos, fortemente
armado e despedindo-se dela como se não fosse voltar.
Como o previsto, Lolla chegou ao alojamento
acompanhada de Lorenzo, que parecia um tanto irritado
com a atitude de Jimmy, uma irritação beirando ao temor.
Capítulo 31

Ele controlou-se o suficiente para evitar relançar


um último olhar pelo retrovisor para Lana.
A riqueza de um homem, para Jimmy, era o que ele
trazia no seu coração e, no seu caso, Lana era toda a sua
fortuna. Jamais a colocaria em risco e muito menos por
sua culpa.
A ligação que recebera, de certa forma, parecia a
cobrança de uma dívida. A morte de Magno não passara
em branco. Afinal, como o falecido traficante lhe dissera,
a família dele era importante em Matarana. Menos que os
Dolejal, isso também era verdade. No entanto, jamais
desistiriam de descobrir o paradeiro do filho.
Alguém os havia delatado.
Não era preciso que o homem da ligação se
identificasse como um matador de aluguel, porque Jimmy
sabia como esses caras eram e agiam. Provavelmente fora
contratado em Belo Quinto, considerou ele.
Apertou a boca com força ao se lembrar da voz ao
telefone, rouca e baixa, quase pastosa, ameaçando-o com
todas as letras, falando bem devagar pra cravar cada
palavra no seu peito como projéteis:
Se não quer ficar viúvo, me encontra no Red Drink
Saloon, sozinho, sem a tropa, subcomandante dos
bandidos.
Era o acerto de contas final. Nada incomum na vida
de quem tirava a vida de outros. A vingança da família de
Magno, por certo, uma vez que Ned e Viegas vinham de
lares humildes e honestos, pessoas de confiança dos
Dolejal, que haviam se envergonhado das ações dos
filhos.
Agora ele se dirigia a um bar de beira de estrada
para se encontrar com o seu destino.
O celular vibrou.
— Quero que saiba o seguinte: um dos pistoleiros
que você deixou para garantir a segurança da Lana
Bernard é meu comparsa e, se você me causar qualquer
problema, ele vai atirar nela.
— E morrer. Avisou o idiota que ninguém atinge um
Bernard e sobrevive? — indagou, com raiva, muita, tanta
que seus lábios mal se descolavam para cuspir as
palavras.
— O idiota em questão tem câncer e quer garantir
que o meu dinheiro e do seguro de vida dele cheguem
aos seus filhos pequenos. — rebateu com escárnio. — E
aí, quer argumentar com um suicida?
Ninguém tocaria em Lana.
— Vou me entregar. — disse, por fim, recebendo
direto nos olhos a claridade dos faróis do veículo
trafegando na direção contrária.
— Para agora a picape.
***
Vince chegou ao QGB após receber a ligação do
filho.
— Magno é de Matarana, — começou, assim que
pôs as botas na sala de reunião e encontrou todos os
brutos à mesa, menos Jimmy, e continuou: — então, o mais
lógico a fazermos é entrarmos em contato com os Dolejal.
— voltando-se para Alec, determinou: — Pode fazer isso
pra nós?
— É pra já. — disse ele, saindo em direção ao
salão que fazia as vezes de bar para fazer a ligação.
— Sabemos que o Jimmy recebeu uma ligação e
saiu feito um raio sem dar satisfações a ninguém. — falou
Dinho. — Mas não temos mais informação do que isso.
Olha, não me entendam mal, acontece que ele foi
pistoleiro dos Dolejal, tem um passado pesado nas costas
e, por isso, acho precipitado apostar apenas em uma linha
de raciocínio.
— Um telefonema tarde da noite tira um justiceiro
que pôs debaixo da terra três traficantes, aqui em Santa
Fé, há menos de dois anos, e você acha que ele saiu para
negociar armas, informações, comprar peça pra picape?
— Max indagou a Dinho, enumerando as possibilidades
sem levar nenhuma a sério.
— Tio, a gente não sabe muita coisa sobre o Jimmy!
— insistiu o jovem Romano.
— Chega! — falou Lorenzo, erguendo-se da cadeira
assim que Alec voltou da sua ligação. — O que o Franco
sabe?
Alec Adams olhou-o diretamente e foi preciso ao
responder:
— Que mais uma vez fomos traídos.

***

Jimmy tinha um revólver apontado contra sua nuca


enquanto entrava num matagal à beira da rodovia federal.
Nem chegou ao bar e a viagem foi interrompida por um
homem alto, loiro quase albino, que usava o cabelo
ensebado fora do corte. Ao lado dele, um negro magro
com aspecto frágil de drogado, mas ele só estava bêbado.
— Me disseram para cuidar que, além de ser o
braço direito do líder de um bando de pistoleiros, também
já vou um atirador de elite da polícia. — disse o loiro,
com escárnio.
— Cuidar o quê? — indagou, para ganhar tempo
para pôr em ordem os pensamentos. Ele fora desarmado
da cabeça aos pés e era escoltado por dois homens
armados para o interior de uma clareira.
— Sei lá, pode querer fazer uma gracinha qualquer.
Se a gente morrer, só pra deixar registrado, a Lana
também morre.
Não adiantaria ameaçá-lo com a ira dos brutos caso
acontecesse algo a Lana, simplesmente, não adiantaria,
por que Jimmy não conseguia pronunciar uma frase em
que contivesse a ideia da morte de sua mulher.
Preferia parar de lutar. Saciar enfim a sede de
vingança da família de Magno e, com isso, libertar Lana,
os Romano e os Bernard.
Era uma troca justa.
— Agora se ajoelha! — ordenou o matador.
Jimmy obedeceu-lhe e tocou seus joelhos no solo
úmido da clareira. Podia ouvir o barulho do rio, tão
sereno, assim como o de alguns bichos escondidos nos
galhos altos das árvores.
Morreria, pelo menos, em um lugar perfeito. E não
com a cara afundada na lama de uma sarjeta, como
acreditou durante um tempo que esse fosse o seu fim.
— A família Santiago quer o vídeo de sua execução.
— falou o matador, entregando o celular ao seu
acompanhante. — Filma tudo, se não a gente não recebe a
porra do dinheiro. — mandou secamente.
— Qual é o valor da minha morte?
— Negociando, covarde? Não foi isso que o Magno
fez antes de morrer? Negociou, implorou, chorou feito um
bebê? É isso que fará, ban-di-do?
— Posso começar a filmar? — o outro perguntou, as
mãos tremendo ao segurar o celular.
Jimmy olhou nos olhos do alvo mais fraco. Sim,
alvo. Bandidos, para o bruto, sempre seria considerado
um alvo. Encarou-o com olhar firme, sanguinário,
sorrindo levemente como se o demônio já lhe tivesse
tomado a alma. E, então, o comparsa do matador deixou
cair o celular.
— Segura essa porra! — gritou o outro, irritado.
Diante da morte, Jimmy pensou no amor. Não
pensou em sangue, projétil, pedaços de cérebro, corpo,
enterro ou velório. Pensou no amor como um campo
florido, que, sobre ele, faria um piquenique com Lana e
seus futuros filhos. Aspirava o cheiro das flores, do mato
verdejante, da água límpida do rio e da curva do pescoço
da mulher que amava. Para além disso, aspirava a
fragrância da penugem de Leonardo e Lake e via o sorriso
de Lolla brilhar contra o céu azul da Rainha do Cerrado.
Com lágrimas nos olhos, o coração do bruto
descobriu que não estava pronto para morrer.
Capítulo 32

Lorenzo Romano depositou o seu iPhone sobre a


mesa do delegado.
— Gosto de ouvir música enquanto trabalho. —
disse, friamente, encarando Esteban sem sorrir.
— Imagino que tenha vindo me matar. — rebateu a
autoridade. — Notei que de repente a minha delegacia
ficou vazia, mais precisamente após um telefonema de
Vince Romano. — considerou, com ironia.
— Pois é. Agora somos os donos de Santa Fé,
doutor. — sentou-se na beirada da mesa e continuou: — E
a gente costuma matar os traidores.
— Fui pressionado por Matarana.
— É mesmo?
— Sim, Lorenzo. Vocês não sabem, mas os Dolejal
são seus inimigos e agem às suas costas.
— Põe as mãos sobre a mesa. — ordenou, elevando
a voz. — Então, sem provas e baseado unicamente em
suas desconfianças, entregou o meu subcomandante à
família do traficante?
— Não, nada disso. Já falei, Thales Dolejal
entregou a família Romano aos Santiago. Acha mesmo que
ele aceitou que você seja o dono de Santa Fé? Há anos ele
tá de olho na riqueza das nossas terras. — argumentou.
— Pra onde o matador levou o Jimmy?
— Eu não sei.
— Se quer ter uma chance de eu não te matar, é
melhor pensar numa resposta melhor. — disse Lorenzo,
resoluto.
Ele procurou uma playlist adequada para o evento
de matar um bandido da lei. Normalmente tinha a arma
apontada para os criminosos comuns.
— Sou um delegado de polícia e não um bandido pé
de chinelo. Não sairá dessa impune. — agora o homem já
partia para o desespero.
— Sabe quantos delegados estão enterrados
debaixo das plantações de Belo Quinto, Santa Fé e
Matarana? — escarneceu.
— Os Santiago têm um chalé perto de uma clareira.
— falou aos tropeços e, em seguida, desenhou o esboço
de um mapa no papel e entregou ao comandante: — Acho
que eles foram para lá. Não tenho certeza, mas meu
palpite é esse. — concluiu, a boca branca e seca.
Lorenzo imediatamente telefonou para Vince, que
estava com Max e Dinho fazendo uma varredura pela
região. Depois de encerrar a ligação voltou-se para
Esteban.
— Gosta de Rammstein?
O outro endereçou o olhar de pavor para o iPhone.
— Não me mate. — suplicou.
— Infelizmente não o matarei. — admitiu Lorenzo,
escolhendo Benzin para açoitar as paredes da sala do
doutor. — Tenho um amigo, sabe, que resolveu me ajudar
com essa deslealdade. Ele odeia gente desleal, odeia de
verdade.
Lorenzo foi até a porta e a abriu. A delicada fresta
expandiu-se para permitir a entrada de um homem que
costumava não portar armas, pois possuía um exército de
homens armados para atirar, matar e enterrar por ele.
— Você me acusou de ser desleal aos Romano? —
perguntou Thales Dolejal, sorrindo com seu ar altivo e
autoconfiante.
Esteban murchou na cadeira.
Sorrindo, sempre sorrindo de modo elegante, o rei
do cerrado apontou e atirou na cabeça do delegado de
Santa Fé.
Quando o corpo de Esteban projetou-se pra frente, a
cabeça batendo na superfície do móvel, Thales comentou
casualmente:
— Agora precisa encontrar um delegado pra você,
de preferência, ao estilo Rodrigo Malverde, o melhor de
todos.

***

Lana entrou no casarão de mãos dadas com Lolla.


Assim que pôs os olhos na mãe, desabou no choro. Sabia
que a consideravam exagerada, mas a verdade era que
vira um brilho diferente nos olhos de Lorenzo ao saber
que Jimmy saíra da fazenda deixando sentinelas à porta de
sua casa.
Pink correu para abraçar a filha expressando um
olhar preocupado e cheio de amor.
— Não há de ser nada, meu bebê lindo. — tentou
consolá-la, abraçando-a com força.
— E, se for, todos os brutos foram mobilizados,
inclusive os de Matarana. — afirmou Valentina, sorvendo
um copo de uísque sem gelo, o que denunciava seu estado
emocional.
— Vamos rezar. — determinou Dona Margarida.
— Mas nós nunca rezamos. — estranhou Lolla,
fazendo uma careta engraçada.
— Que falta faz o padre Alceu... — admitiu a
matriarca. Encaminhando-se até o bar, sugeriu: — Então
vamos beber.
Valentina encheu o copo da sogra.
Zoe sentou-se no sofá e tentou sorrir para o rapaz
que havia chegado do interior de São Paulo havia poucas
horas.
— Um dos nossos vaqueiros teve problemas. —
disse apenas.
Lana sentia o coração apertado, aceitou se sentar ao
lado de Zoe e, quase sem notar, começou a roer as unhas.
— A nossa fazenda é menor que a Rainha do
Cerrado, então, para nós, é mais fácil nos envolvermos
com os problemas dos peões. — disse o estranho.
Pink trouxe o copo com água gelada para Lana, que,
com um gesto de cabeça, não o aceitou. A mãe sentou-se
na mesinha de centro, diante da garota e pegando-a nas
mãos, apresentou-a ao rapaz de vinte e poucos anos, alto e
moreno. Mais que isso Lana não viu, os cílios grossos de
água e a mente turva.
— Esse é o Marcelo Romano, filha. Lembra que o
seu pai estava atrás de um Romano perdido por aí? —
parecia que a mãe estava se forçando fazer graça. — Bem,
ele é filho de um dos primos do Fred e do Natan, por
parte de pai.
— Sabe, ainda não entendi por que o cabra tá aqui,
se a Lana já casou. — disse Lolla, com rispidez.
— Lolla, por favor.
— Ela tá certa, mãe. — reforçou Zoe.
Era visível que Pink não sabia onde enfiar a cara.
— Acontece que o seu pai e o Vince já tinham
começado a fazer a busca antes de sabermos sobre o
Jimmy...
— Desculpe, não entendi. — interrompeu-a o rapaz.
— Nada, não. — Lolla cortou.
— Quero o Jimmy, mãe! Traz o meu amor de volta
pra casa! — Lana explodiu numa nova crise de choro.
Valentina encheu um terceiro copo de uísque e,
trocando as pernas, falou como se tivesse um pedaço de
pão debaixo da língua:
— Mulher de bruto não chora, ela se arma!
— O Max escondeu a minha espingarda! —
reclamou Pink, desolada.
Lana viu quando o Romano de fora olhou para as
duas mulheres, franzindo o cenho entre confuso e
amedrontado.
— Mas têm mais armas no QGB. — disse ela,
levantando-se do sofá determinada a buscar Jimmy pra
casa.
Notou quando as brutas mais velhas se entreolharam
e elas eram as chefonas. Tudo dependia da decisão de
ambas.
— Tem a chave do armário das armas? — dona
Margarida indagou a Zoe.
— Não.
— Merda do cacete! — exclamou Valentina à beira
da embriaguez. — Mas temos várias facas na cozinha,
vassouras de cabo forte, furadeiras, martelo e... Oh, tive
uma ideia! Podemos roubar as armas dos pistoleiros... Ou
melhor, — gritou: — podemos juntar todos os pistoleiros
e seguir atrás do subcoman... digo, do “vaqueiro com
problemas”. — completou, perdendo o equilíbrio e
caindo no colo do jovem Romano, agora, com os olhos
arregalados.
— Valentina, você precisa de um café amargo e um
bom banho pra curar essa bebedeira. — disse a sogra. —
A ordem do Vince é a de ficarmos aqui, já tem homem
demais na estrada correndo risco.
— Que bêbada o quê? Eu e o Vince estávamos nos
aquecendo para uma longa noite de amor e uísque quando
tudo aconteceu. — justificou-se, tentando se erguer do
colo do rapaz que a olhava expressando constrangimento.
— Desculpa, Romano, mas o piso dessa casa é irregular.
O rapaz tentou sorrir e manter a atitude de bom-
moço que acabava de conhecer os parentes distantes e
doidos varridos.
— Vamos ou não vamos lutar? — perguntou Pink,
aturdida, olhando para a amiga.
— Vamos! — gritou Valentina, estendendo a mão
pra cima como se respondesse à chamada da sala de aula.
— Vamos a matar, compañeros! — parafraseou a música
de Ennio Morricone.
Lana pensou em sair de fininho e, como sabia
dirigir, podia pegar uma das picapes que ficava à
disposição dos pistoleiros e seguir pela estrada até
encontrar Jimmy. Sorte sua que a cabrita mais inteligente
teve uma ideia, simples, por sinal:
— Vou telefonar para o Jimmy. — decidiu Lolla.
Capítulo 33

O comparsa do matador de aluguel estava fora de


órbita, como Jimmy percebeu, ao vê-lo abaixar-se para
pegar o celular do chão. O aparelho caíra no meio do
mato, que não era alto, mas o encobriu forçando o rapaz a
ficar de joelhos para encontrá-lo.
Ele precisava atingir quem estava armado. A
questão era que ele somente tinha suas mãos como armas.
— Tá complicado aí? — o cara do .38 perguntou ao
outro, exasperado. — Não temos a noite inteira.
Assim que o matador terminou de falar, Jimmy
sentiu que o momento havia chegado. Ou ele se salvava,
ou morreria em questão de minutos. Não havia alternativa
diferente dessas.
Jogou seu corpanzil pra cima do cara que estava de
quatro, chumbado, tateando meio às cegas na escuridão.
Assim que caiu sobre ele, girou-o sobre si, usando-o
como escudo quando o matador deflagrou o primeiro tiro.
Sentiu o baque do corpo do outro contra seu peito. O
homem gemeu alto e depois amoleceu.
O matador acabava de dar cabo do comparsa.
— Filho de uma égua! — gritou para Jimmy,
jogando o foco de luz da lanterna nos homens atirados no
chão. — Vou acabar com a sua raça e é agora, sem merda
de vídeo!
Se Jimmy fosse menor que o seu escudo poderia ter
se esquivado da bala que saiu fumegando do cano do .38.
Era impossível se desviar do tiro de um profissional, o
sniper bem o sabia. Ergueu meio corpo do cadáver para
proteger a cabeça e teve o braço atingido. A dor o encheu
de energia, uma energia furiosa. Esticou o braço e pegou a
primeira coisa que pudesse usar como arma. Tocou num
galho fino, nos pedaços de mato até sentir a aspereza de
uma pedra de bom tamanho. Toda a força do seu ser
concentrou-se no braço que a ergueu, arremessando-a
contra a cabeça do matador.
Então Jimmy enlouqueceu como um humano
desesperado lutando por sua sobrevivência usando os
instintos de caça de um predador.
Jogou o cadáver que parcialmente o encobria para o
lado e, mesmo sangrando, avançou por sobre o homem
zonzo, vacilante, que tapava um dos olhos, de onde
escorria o sangue grosso.
Não lhe deu tempo para se recuperar, o soco atingiu
o matador debaixo do queixo e o ergueu do chão,
impulsionando-o contra o tronco de uma árvore.
Jogou-se sobre ele, pegando-o na cabeça e o
acertando contra o solo várias vezes, o sangue da nuca
entre seus dedos. Queria parti-lo ao meio, quebrar as
costelas, arrancar o coração e esmagá-lo debaixo de suas
botas.
— Quem tá com a Lana? — perguntou numa voz
grossa de fera.
O outro riu exibindo os dentes vermelhos.
— Ela já tá morta. — ele abriu um olho, a pálpebra
inchada, e cuspiu as duras palavras: — O plano era matar
a filha do desgraçado que financia os justiceiros. Ela tá
morta, amigo.
Jimmy sentiu o calor do inferno queimando debaixo
da pele. Atirou-se sobre o homem e o esmurrou seguidas
vezes, os ossos da face cediam com a força dos murros,
afundando o maxilar. Espancaria a alma do cretino quando
ela abandonasse o corpo. Saiu de si, gritou como um
animal ferido, gritou como um bárbaro empalando o
inimigo, gritou até perder a voz.
O desespero o tornou uma presa fácil do destino.
Abriu a guarda, esqueceu o treinamento e pouco se
importou que estava em cima do matador de aluguel que
mantinha o .38 firmemente na mão.
Não sentiu a bala atravessar o seu corpo. A
adrenalina o anestesiou.
Jimmy parou de pensar.
E partiu.

***

— Essa lanterna do seu celular, Dinho, é uma


merda! — reclamou Max, avançando mato adentro, atrás
de Vince e ladeado pelo afilhado. — Cadê a porra da
lanterna que eu guardava na picape?
— Sei lá, tio. O problema não é a lanterna e sim se
o delegado nos enganou de novo. — argumentou,
desviando da raiz calcinada exposta acima do solo.
— Esperem! — disse Vince, parando de caminhar.
Ele moveu o celular para iluminar o mato à sua frente e
continuou num tom avaliativo: — Quem arriscaria
caminhar mais do que esse ponto tendo o Conan como
refém?
— Eles estão por aqui. — disse Max, estacando o
passo ao lado do amigo.
Dinho apontou a lanterna para todos os lados,
esquadrinhando o perímetro, até encontrar o que lhe
pareceu um corpo estirado.

Droga.
Vince deixou-os para trás, recuperando-se do
choque de ver um homem tão grande e aparentemente
indestrutível caído no chão, inerte.
Abaixou-se ao lado de Jimmy e pegou seu pulso,
verificando se havia batimentos cardíacos. Ergueu seus
olhos para Max, os maxilares retesados.
Vince balançou a cabeça em negativo.
Dinho largou um “puta merda!” cheio de amargor,
arando os cabelos com os dedos num gesto de desolação e
também de incredulidade. Max entendeu a reação do
afilhado e genro, era difícil visualizar o subcomandante
linha dura e irreverente numa posição de fragilidade,
combalido como reles mortal. No entanto, era isso que
todos os brutos o eram: reles mortais.
— Tá errado. Isso não estava no roteiro. —
balbuciou, sentindo-se tragado para um turbilhão de
sentimentos que beirava à angústia. — Minha filha quer
que eu leve o marido dela de volta pra casa! — falou
numa voz dura. — Nunca desapontei uma cabrita!
Dito isso, ajoelhou-se ao lado de Jimmy e iniciou
uma massagem cardíaca.
— Não sabemos há quanto tempo ele tá...
— Pai, deixa o tio tentar.
Vince se levantou e recuou alguns passos, cedendo
espaço para Max agir. Havia tamanho ardor e urgência na
determinação do amigo, que ele imaginava o que
aconteceria a todos da fazenda caso fracassassem e
levassem apenas o corpo do subcomandante.
Lançou um olhar a Dinho e viu a expressão de
assombro franzir seu cenho, o garoto, o seu garoto
acabava de entrar em contato com a morte de um
guerreiro. As diferenças entre ambos caíam por terra
numa situação como aquela.
Baixou a aba do Stetson e deu as costas ao evento.
Acendeu um cigarro, notando as mãos trêmulas e
silenciosamente rezou. Ele nunca rezava. Havia anos que
não frequentava a igreja, tampouco fora ao enterro do
padre Alceu. Acreditava que a melhor religião era o amor
e a lealdade e a divindade maior, a consciência de cada
um. Mas agora ele via o subcomandante com os gêmeos
no colo, conversando, rindo, bebendo cerveja e falando
alto na sua voz grossa de grandalhão e não queria aceitar
que a porra da vida fosse tão injusta assim.
— Vince, seu merda, não sabe nem verificar uma
pulsação?
Ouviu a voz zangada do amigo e se voltou,
agachando-se ao lado dele.
— Que porra tá falando?
— Fiz massagem num cabra com batimentos
cardíacos. — falou, entre irritado e exultante. — Ele tá
vivo, esse bruto filho de uma puta! Mas vamos logo que a
coisa tá por um fio.
— Precisamos urgente de um helicóptero! — disse
Dinho, agora, mais agitado que antes.
— Liga pro Dolejal. — determinou Vince Romano.
Dinho assentiu com a cabeça e, vendo que não tinha
sinal no meio do mato, correu de volta à estrada. Antes,
porém, parou ao lado do matador de aluguel com a cabeça
sangrando, o peito subia e descia, a respiração era um
chiado rouco. Talvez alguém o encontrasse e o levasse
para o hospital. Talvez a família de Magno o resgatasse ou
enviasse outro profissional a Santa Fé.
Que se fodesse os “talvez”!, considerou Dinho,
irritado. Sacou a arma e atirou três vezes na cabeça do
matador.
Capítulo 34

Lana ergueu a cabeça ao ver Franco Dolejal entrar


no casarão da Arco Verde.
— É uma pena que vocês só venham à fazenda em
situações críticas. — disse ele, demonstrando legítimo
pesar.
Pink tentou sorrir, mas era visível a tensão no
semblante. Ainda assim, não deixou de ser educada:
— Gostaríamos muito que você e a sua família
fossem à Rainha do Cerrado. — completando a seguir: —
A família do seu pai também.
— É claro que iremos.
— Quero agradecer por tudo que estão fazendo ao
Jimmy. Seria realmente muito arriscado levá-lo ao
hospital. — disse Pink, estendendo a mão para
cumprimentar o Dolejal.
Franco endereçou um sorriso à mulher de Max e
depois voltou sua atenção a Lana:
— Vou levar você até o médico que operou o
Jimmy.
Ela imediatamente lançou um olhar para a sua mãe.
O sangue gelou nas suas veias.
— Vamos lá, filha. — incentivou-a.
— Vou com vocês. — determinou Max, preparado
para rebater qualquer objeção, o que não houve.
Uma cortina de lágrimas toldava-lhe a visão
enquanto se encaminhava para o sobrado junto à casa-
sede. A estrutura de alvenaria contava com uma UTI de
fazer inveja às melhores clínicas particulares do país e
era ali que os pistoleiros de Matarana se restabeleciam
(ou não) ao voltarem de suas caçadas aos traficantes da
região, e fora ali também que os brutos haviam-se
recuperado após serem baleados na última emboscada.
Franco conduziu-os a uma salinha com sofás e a
janela ampla, cortinas claras, ambiente arejado.
— Ele tá vindo pra falar com vocês.
Lana viu o filho de Thales ajeitar o chapéu e sair.
Não entendeu completamente o que o médico falou
aos seus pais. Como o cirurgião não conhecia o paciente
nem que ele vivia com a jovem de 17 anos, possivelmente
calculou que o casal Bernard fosse parente próximo de
Jimmy.
— A situação é a seguinte: ele perdeu muito sangue
e, por isso, precisamos de vários doadores, já que a
fazenda não dispõe de banco de sangue. — informou-a. —
Dois projéteis atravessaram o osso do fêmur, que ficou
dilacerado. Por isso foi colocado uma haste de metal
dentro do osso. A cirurgia deu certo, ele tá bem. Depois
terá que fazer fisioterapia.
— Ele vai ficar aleijado? — indagou Max,
bruscamente.
— Não se fala “aleijado”, é politicamente
incorreto. — corrigiu-o Pink.
— O rapaz lutou bravamente pra se manter vivo.
Ele levou quatro tiros, nenhum atingiu um órgão
importante, mas dois deles se localizaram a poucos
centímetros da artéria femoral, o que lhe causaria a morte
em questão de minutos. — sentenciou.
— Ele é um bárbaro Huno descendente dos bisões.
— comentou Lana, com orgulho, deixando as lágrimas
deslizarem pela face.
Ao entrar no quarto, iluminado por uma luz suave,
encontrou-o recostado nos travesseiros, a cama
ligeiramente erguida. O cabelo desgrenhado, a barba por
fazer, as olheiras marcando a pele pálida.
— Sente dor? — foi tudo que ela conseguiu falar,
sentindo uma pressão avassaladora no peito, uma mistura
de amor profundo, intenso e louco com o medo absurdo de
perdê-lo.
Jimmy sorriu levemente e estendeu a mão.
— Muita dor. Mas a dor da sua falta é a maior de
todas... pilantra.
A imagem da perna envolvida pelo fixador externo
intimidou sua aproximação, temia machucá-lo. Ele parecia
desprotegido coberto pelo lençol branco, deixando à
mostra uma espécie de gaiola inoxidável presa ao osso
por pinos e fios.
Acompanhando-lhe a direção do olhar à sua perna,
ele falou bem do seu jeito irreverente, ainda que
esboçasse uma nuance de amargura:
— Agora tenho uma perna biônica, embora
provavelmente eu me torne um ciborgue manco.
— Um guerreiro de verdade se orgulha das suas
cicatrizes. — disse ela, olhando-o com admiração ao se
aproximar do leito hospitalar.
Jimmy sorriu, e a alma de Lana se encheu de luz e
paz.
— Mas o guerreiro aqui falhou.
— Claro que não, você tá vivo!
— Arrisquei a sua vida ao matar aquele
desgraçado... — falou, tenso, e depois a expressão do
rosto mudou e ele perguntou demostrando preocupação:
— Quem tá escoltando você e a sua família?
— Lorenzo Romano. Conhece? — indagou com um
sorriso charmoso.
— Chama ele agora, Lana! É urgente! — pediu-lhe
numa voz tensa, o rosto se fechou numa carranca de raiva
e possivelmente dor. — Vamos!
Estendeu a mão e o tocou no maxilar, dizendo numa
voz baixa e serena:
— O Vítor deu cabo do traidor, se é com isso que tá
preocupado.
— E quem era o cretino?
— Um idiota, apenas isso.
— É uma merda termos tantos traidores na tropa. —
considerou, com amargor.
— Bom, põe todo mundo na rua, ora. Justa causa
neles! — brincou; depois perguntou sem graça: — O que é
“justa causa”?
— Desce a cabeça aqui, que vou pôr a explicação
na sua boca. — disse ele, malicioso.
Ela olhou para a linha do quadril dele.
— Tá pronto pra pegar no batente? — espantou-se.
Ele riu com vontade sua risada alta.
— Não, infelizmente não. Só quero um beijo,
Bernard, um beijo de arrancar os parafusos da perna.
Quando seus lábios se encontraram, ela não resistiu
e chorou. As lágrimas molharam o beijo como se seus
corpos estivessem debaixo da chuva, abraçados, matando
a saudade, atestando que estavam vivos, quentes, inteiros.
A mão de Lana firmou-se no contorno do pescoço de
Jimmy, a ponta dos dedos brincou com as mechas do
cabelo dele, enquanto tinha o próprio rosto tomado por
duas mãos grandes, amadas mãos, todo ele, amado
homem, eterno amado Jimmy.

***
Vince e Lorenzo bebiam uísque escocês no
escritório de Thales Dolejal na Arco Verde.
— Lealdade se conquista, mas antes de conquistá-
la, temos que nos impor, mostrar que não temos sangue de
barata e que ninguém tá livre de ser executado
sumariamente. — declarou Thales, tragando o cigarro com
serenidade.
— Somos uma grande família na Rainha do
Cerrado, um feudo isolado, não queremos impor nenhum
sistema de castas ou, sei lá, esquema da máfia e o cacete.
— afirmou Vince.
— Hum, interessante. — disse o fazendeiro, com
arrogância. Inclinou-se ligeiramente pra frente e perguntou
ao Romano mais velho, com ar superior: — Então, me
explique, por que ninguém é desleal na Arco Verde?
Exceto, claro, — parou de falar e lançou um olhar
debochado a Lorenzo — o Romano aqui?
— Ainda me considera um traidor?
Thales se recostou para trás no sofá e, dando de
ombros num gesto de enfado, respondeu:
— Na verdade, era eu quem queria a sua cidade e
não você a minha, contudo, podíamos ter unido nossas
forças. Imagina, Lorenzo, eu e você, juntos no comando de
Santa Fé seríamos imbatíveis.
— O que ganharíamos com isso?
Ao ouvir a pergunta do tio, Lorenzo se virou para
encará-lo.
— Pra começar, parte da minha tropa, todos são
homens de confiança...
— Como o Magno e o Ned?
— Meus queridos, eles nunca me traíram. Talvez
esteja na hora de pendurar alguns corpos nas árvores da
sua propriedade para mostrar aos seus homens que a RC
não é apenas uma fazenda leiteira e um haras de puro
amor e bondade. — debochou. — A hierarquia do poder
deve partir da fazenda de vocês e ser determinada por
quem tá no comando, e eu realmente não sei quem manda
na Rainha do Cerrado. É você, Vince? O Max? Você,
comandante de uma tropa desgarrada?
— O que mais pode nos oferecer?
— Estamos em fase de negociação, Vince?
— Sim.
— Então é você quem manda na Rainha do
Cerrado?
— Sempre foi.
— E como fica o “comandante” nessa história?
— À frente da tropa dos pistoleiros.
— Hum, entendi, subordinado a você. — concluiu.
— Exatamente.
— Aceita as coisas dessa forma? Pensei que fosse
mais ambicioso? — indagou a Lorenzo.
— E sou mais ambicioso. Mas no último ano,
adquiri outro tipo de ambição, a de estar presente na vida
da minha mulher e dos meus filhos. Veja-me agora como
uma espécie de Franco Dolejal. — sorriu.
Viu os olhos de Thales brilharem.
— Vocês terão de mim uma tropa leal e fantoches
para ocuparem a prefeitura e demais cargos importantes,
gente de fácil manipulação, é só colocar comida no
aquário. O meu apoio e financiamento para o que
precisarem.
— Em troca...?
— Quero fazer negócios em Santa Fé.
— Que tipo?
— Vince, quero expandir a minha riqueza
comprando terras, ora. Sou um fazendeiro.
— Você quer comprar terras próximas a Belo
Quinto. — afirmou Lorenzo sagazmente.
Thales sorriu.
— Sim, quero atacar a bandidagem daquele reduto
podre e fedido e pôr a bandeira de minha posse sobre
aquela terra.
— A sua ambição não tem fim. — constatou
Lorenzo, com um sorriso de admiração.
— Tudo por um mundo melhor.
Parecia que Thales estava escarnecendo, mas ele
falava a verdade. Um milionário que combatia o crime...
Um super-herói?
— Batman.
— E com os Romano e o Max, nos tornaremos a
“Liga da Justiça”. — agora, sim, era pura ironia.
Eles apertaram as mãos e selaram o pacto. Entre
aqueles homens não havia contrato, detestavam
burocracia. Se alguém rompesse o combinado, adubaria o
solo de Matarana ou o de Santa Fé, dependendo o
sobrenome do infeliz.
Antes de saírem, a porta já aberta, Thales segurou o
antebraço de Lorenzo e sentenciou com um sorriso
endemoniado:
— Vou me divertir muito trabalhando com vocês.
Essa historinha de você se colocar na posição de segundo
na hierarquia quase me levou às gargalhadas. — ele olhou
diretamente nos olhos de Lorenzo e desferiu: — Você é e
sempre será uma “espécie de Thales Dolejal”, meu
querido, é a sua sina, o seu carma, o seu dom, se quiser
pensar assim.
Lorenzo viu a si mesmo nos olhos do outro.
— Não. Você tá acima de todos, inclusive de mim.
Capítulo 35

A Rainha do Cerrado, para muitos, era um imenso


feudo onde vivia um único clã que unia duas famílias.
Para outros, mais do que uma propriedade rural, aquele
lugar era um reino encantado com cavalos domados com
carinho e respeito, bem como com homens e mulheres
também domados da mesma forma.
Lolla subiu o suave declive ao pé de uma árvore
antiga, de tronco grosso cheio de seiva e copa larga
semelhante a um sombreiro mexicano.
Sentou-se no banco de madeira com encosto, igual
àqueles que se via nas praças. Uma camada de grãos de
terra o encobria, o vento os soprava jogando-os para
todos os lados.
Sorriu para sua avó emprestada e, inclinando o
corpo pra frente, falou para o seu companheiro de longas
conversas:
— Sonhei com o senhor, vô Armando.
A lápide do primeiro Romano de Santa Fé
permaneceu em silêncio, como em todas as outras
conversas.
Às vezes Lolla subia até o lugar onde estava a
sepultura do avô de Lorenzo, sentava-se e contava o seu
dia para ele. Precisava de momentos assim, de uma
suposta solidão. Suposta porque não se sentia realmente
só, havia sempre aquela sensação de presença, tão leve,
tão fresca, tão viva.
Os gêmeos corriam ao redor da morada eterna do
bisavô, riam, brincavam. A vida urgia enfim.
Mas naquela tarde Lolla não levou os filhos
consigo. Era como se tivesse escutado um chamado, uma
prece melancólica, um som que lhe alcançou a camada
mais profunda de sua alma.
Mariazinha levou as crianças para o quarto, cada
pequeno segurando sua mão, um baú de brinquedos os
aguardavam.
Agora ela se voltava para a avó e sorria para um
rosto devastado por rugas. Os olhos não eram opacos nem
havia sombra alguma de cansaço; havia, outrossim, uma
comunhão de sinais, não apenas os do tempo e sim os das
várias emoções. Os lábios sorriam um sorriso de vinte e
poucos anos. Os olhos brilhavam o azul intenso de um
amanhecer em Santa Fé no inverno. O vestido que usava
deixava seus braços roliços de fora, sardas e manchas no
dorso das mãos, as unhas pintadas de cor-de-rosa
clarinho.
— Sabia que a encontraria aqui com o meu coroa.
— disse ela, um sorriso matreiro entortando o canto da
boca.
Lolla sorriu também e, apontando para a lápide,
falou:
— Ele me disse que gostaria de relembrar os
melhores momentos com a senhora.
Margarida olhou-a desconfiada.
— Como sabe que o Armando gostava de ouvir
essas histórias?
—Queria responder que sou sensitiva,
impressionar a senhora, mas, na verdade, foi o tio Vince
quem comentou. — ela juntou as mãos sobre as coxas
cobertas pelo vestido de verão e completou: — Ele disse
que o vô se sentava no alpendre com sua caneca de café e
pedia para a senhora falar sobre os filhos...
A garota parou de falar, pois Margarida tinha os
olhos cheios de lágrimas.
— Desculpa, vô, desculpa... — pensou em abraçá-
la, mas não queria transformar um gesto bonito numa
espécie de exploração dos sentimentos.
— Você não tem que se desculpar. Venho aqui todo
final de tarde, trago duas latas de cerveja e conto o meu
dia pra ele e o dia do resto do povo também. — sorriu por
baixo das lágrimas. — Quando o Natan trouxe pra casa o
nosso Lorenzo, tão bonito e quietinho como o Lake, vi nos
olhos do meu caçula a mesma devoção amorosa do seu
avô, Lolla. O Lollo mudou a vida do pai dele e de todos
nós. — ela fitou o horizonte como se puxasse da memória
seus preciosos tesouros, os anos vividos. — O mesmo
aconteceu com o Vince... O Dinho encheu meu bruto
preferido de doçura e meiguice.
— Mas o tio Fred não tem jeito, né? — disse Lolla
de um jeito engraçado.
Margarida ajeitou uma mecha de cabelo detrás da
orelha e, sorrindo ternamente, rebateu:
— O Fred é um menino crescido, o meu
primogênito, o mais desejado e, acho que por isso mesmo,
eu e o Armando estragamos ele. É um rei sem reino, sem
súditos, mas um dia ele vai aprender a viver direito, é um
ótimo rapaz, perdido nos próprios defeitos, mas um ótimo
rapaz.
Ela assentiu.
— Acho que não devemos julgar pra não sermos
julgados.
Margarida endereçou-lhe um olhar carinhoso.
— Tão jovem e tão sábia!
— É a convivência com a senhora. — declarou,
sentindo as bochechas arderem.
— É verdade. — concordou, sorrindo de um jeito
que somente ela sorria: como uma menina travessa de
noventa e poucos anos. — A gente nasce sem saber nada
nem porquê nasceu e aí vai construindo o próprio caminho
meio que aos tropeços. Tive sorte de conhecer o amor da
minha vida aos 14 anos. Eu e o Armando éramos vizinhos,
brincávamos juntos e conversávamos muito. Sabe, Lolla,
o mais importante para um casal não é o arroubo da
paixão ou o celeiro... — ela riu baixinho ao ver a neta
corar e continuou: — O celeiro é importante também, mas
o que mantém a chama acesa é a vontade de conversar
com o marido ou com a esposa, é ficar louca de vontade
de encontrá-lo pra contar uma novidade, uma fofoca
inocente ou simplesmente deixá-lo a par de como foi o seu
dia. Tive isso com o meu marido, a gente sempre tinha
assunto, tudo nos interessava. O Armando era apaixonado
pela vida.
Elas ficaram por um tempo fitando o horizonte para
além da lápide, pensando nas últimas palavras ditas.
— O que não falta na Rainha do Cerrado é amor. —
disse Lolla.
— E sabe por quê? — indagou Dona Margarida
com um sorriso secreto. Antes que ela pensasse
responder, continuou: — Somos pessoas simples e isso
inspira confiança e fidelidade, ambas são os alicerces do
amor. — declarou, sabiamente.
Lolla concordou com um gesto de cabeça.
— Vó, por que às vezes parece que a felicidade vai
terminar?
Margarida Romano olhou-a com estranheza.
— O que quer dizer?
— Sinto isso, sabe? Que a nossa felicidade jamais
será completa. — afirmou reflexiva.
Viu quando a senhora suspirou e, virando-se para
ela, falou com suavidade:
— Você tem razão, e me perdoa por esse meu gesto
egoísta.
Ela não entendeu. Franziu o cenho tentando captar o
sentido da frase, mas foi interrompida por Lana, que
acabava de subir o declive, exibindo o rosto devastado
pelo choro.
— Não me fala. — pediu-lhe Lolla, numa voz
sumida. — Eu não quero ouvir. — levou a mão às orelhas,
tapando-as. Entretanto, um movimento próximo à árvore
verde e frondosa chamou sua atenção.
Ela então se voltou naquela direção e viu um casal
de mãos dadas. Ele usava chapéu de caubói e sorria do
jeito que as pessoas que matavam a saudade de outras
sorriam, e ela usava um vestido cor-de-rosa que
combinava com a flor enfeitando o seu cabelo grisalho.
Ambos acenaram para as netas emprestadas e, sorridentes
e cheios de amor e saudade, partiram.
Foi assim que Lolla soube que Margarida Romano
havia morrido.
Capítulo 36

Vince beijou a pétala mais delicada da rosa branca


que jogou sobre o esquife de sua mãe. A flor estava
orvalhada com as lágrimas do seu choro. A dor o
devastava de tal forma que ele preferiu parar de falar por
algum tempo, recolheu-se para o interior mais profundo de
sua alma e, em posição fetal, se pôs a lembrar de quando
sua vida era completa. Amava a sua mulher e o seu filho,
e também os Bernard, mas quando o pai morrera, uma
parte dele fora arrancada, e era idiotice pensar que os
mortos acompanhavam os vivos porque morrer era
desaparecer, não ver mais, nem conversar, sentir o cheiro,
não poder brigar, contestar, beijar, pedir perdão ou
perdoar. Ele perdeu. Não podia controlar a força
inexorável da vida, mas, por Deus!, como amou e foi
amado por aquela mulher forte e suave ao longo de todos
os anos.
Sentiu dois braços lhe envolver a cintura, Valentina
o abraçou, deitando a cabeça nas suas costas. Lembrou-se
então de que sua esposa também estava aos pedaços. Mas
ela era forte ao ponto de engolir sua dor para poder
confortar o marido e o filho. O que não era justo.
Abraçou-a e a beijou no topo da cabeça fingindo
ouvir as palavras do padre que sucedera o amigo de dona
Margarida Romano.
Os primeiros pingos de chuva se misturaram às suas
lágrimas e, no minuto seguinte, desabou um temporal que
pôs todos a correr.
Eles não sabiam para qual casarão seguir.
Vince lançou um olhar interrogativo a Max e viu
seus olhos vermelhos, as pálpebras inchadas, e, de
repente, percebeu que se sentia perdido, ambos sentiam-se
perdidos.
Valentina tomou-lhe a mão e falou alto, para todos
ouvirem:
— Vamos para a casa da vó.
E eles a seguiram.

***

A matriarca não estava mais entre eles, o trono


vazio, o reino enlutado.
Durante um almoço de domingo, estranhamente
silencioso e civilizado, Lana resolveu quebrar a proteção
do casulo de sofrimento que cada um havia criado em
torno de si mesmo.
Olhou para a cadeira vazia na cabeceira da mesa,
revivendo por alguns minutos as primeiras semanas de
luto após a morte da vó Virgínia. Ela havia parado de
pintar e se mudado para o quarto da avó. Mergulhara
fundo na dor para, em seguida, subir à superfície da vida e
respirar. O ar não era o mesmo e tampouco ela. No
entanto, voltara a viver os dias de sua vida, o cotidiano
comum já modificado pela perda.
Ela tocou gentilmente no dorso da mão de Jimmy.
— Você ainda não consegue correr, não é mesmo?
— indagou, com um sorrisinho sem graça.
— Por enquanto, não, mas pretendo pôr uma turbina
na minha bengala. — respondeu com bom humor.
Ele havia-se recuperado da cirurgia e também da
fratura no fêmur. Lana agora tinha carteira de motorista e o
levava à fisioterapia. Jimmy era um cara durão e
independente, não dava trabalho, o papel de vítima jamais
lhe cabia. Era verdade que mancava e talvez continuasse a
arrastar a perna, ainda assim, permanecia no posto de
subcomandante da tropa.
Satisfeita com a resposta dele, Lana levantou-se da
cadeira e, com isso, chamou atenção de todos à mesa. E
esse “todos” incluíam o tio Natan, Eric Loredo e o casal
Adams. Fred, após o enterro da mãe, providenciava a
leitura do testamento tão logo fosse possível. A cidade
inteira comentava que ele tinha a intenção de tomar a
propriedade do irmão adotivo.
Agora, no entanto, isso não era importante.
Olhou diretamente para Max Bernard, que largou os
talheres ao lado do prato e parou de mastigar, o semblante
sério, concentrado no que viria.
— Amo você, é a minha principal figura masculina
de referência e sempre viverá no meu coração como...
— Também amo você, cabrita, mas desembucha que
te conheço de outros carnavais. — interrompeu-a, com
evidente expectativa.
Ela então se voltou para Lorenzo e, sorrindo com a
autoconfiança de uma cabrita de Max, declarou:
— Sei que sou menos madura que a Zoe e menos
inteligente que a Lolla, mas sou mais alta que a Ava... —
forçou-se uma risadinha.
— Vai pedir dinheiro emprestado para o Lollo,
filha? — perguntou a mãe, intrigada.
— Não, só... — ela respirou fundo antes de retomar
a fala: — Preciso fazer um comunicado ao comandante,
um comunicado importante que...
— Quer que ele construa um altar pra você se
oferecer em sacrifício ao Jimmy? — Lolla debochou. —
Ah, e é verdade, você é muito menos inteligente que eu.
— Ah, merda! Posso falar? — Lana irritou-se.
— Gente, vamos respeitar a cabritinha! — pediu o
tio Natan.
De repente ela olhou para todos que a olhavam
diretamente e um filete de suor escorreu-lhe do couro
cabeludo.
— Me fala no ouvido que eu conto para o pessoal.
— Jimmy disse-lhe baixinho num tom cúmplice.
A voz terna que usou amoleceu seus joelhos e lhe
deu coragem para seguir em frente.
— Quero oficializar a minha união com o seu
subcomandante. — falou num fôlego só, com firmeza e
obstinação.
Lorenzo arqueou as sobrancelhas demonstrando
surpresa e, de imediato, lançou um olhar de sondagem a
Jimmy.
Evitou encarar o namorado. Desde que voltara do
hospital, brigavam menos e faziam bem mais planos que
antes. Contudo, a palavra “casamento” parecia fazer parte
de um futuro distante. Acontecia apenas que Lana queria
laçar firme o bisão, a ideia de perdê-lo abatido a tiros
mexera com algum compartimento secreto de sua mente.
— Quero esse homem pra mim, laçado, capturado e
enjaulado. — asseverou. — Pesquisei na internet e, desde
2002, o Código Civil permite que o homem, ao casar,
adote o sobrenome da mulher. — ela, agora sim, virou-se
para o namorado e falou com doçura: — Não me importo
que o seu sobrenome seja Arturo, mas sinto no fundo do
meu coração que você é um Bernard, e nós, cabritas,
temos somente um cabra da espécie “macho casca
grossa”. — ela parou de falar, emocionada, e continuou:
— Aceita encerrar o período de test drive?
— Meu Deus! Que coisa linda! — exclamou
Gabrielle Adams.
Jimmy se pôs de pé, apoiado levemente na bengala,
e acariciou o rosto de Lana com o dorso da mão.
— Aceito. — e, depois de beijá-la na testa,
completou: — E, sim, sempre me senti ligado à sua
família, mas preciso que os seus pais concordem com a
mudança do meu sobrenome.
— Concordamos! — respondeu Pink, chorando e
assoando o nariz no guardanapo de papel.
Max saiu da sua cadeira e puxou Jimmy para um
abraço de pai.
— Bem-vindo à família! — deu-lhe um tapinha nas
costas, de um jeito rude, afastando-se o suficiente para
comentar com ar de troça: — Já lhe digo que será o
subcomandante do Romano aí, mas também domador de
cavalos, como eu e o Dinho. Depois vamos para o
redondel que ensinarei tudo sobre doma.
— É uma honra aprender com o melhor domador.
— Não, por incrível que pareça, não sou eu o
melhor. — voltou-se para o afilhado e falou, cheio de
orgulho: — É o Dinho.
— Obrigado, tio. Tudo que sei aprendi com o
senhor.
— É verdade, eu sou foda. — admitiu.
— Quando pretendem casar? — perguntou Zoe.
— Mês que vem, o tempo urge. — respondeu Lana,
sorrindo.
— Tá grávida? — perguntou Valentina, curiosa.
— Não, tia. — respondeu, segurando-se para não
rir.
— Mas eu estou, meu povo!
— Não acredito! — exclamou Dinho, erguendo-se
da cadeira, tirando o chapéu e o jogando na mesa. — Que
merda!
— Tem certeza, Lolla? — perguntou a mãe,
espantada.
A garota assentiu sorrindo feliz da vida.
— Espero que seja uma nova ninhada! É um saco
fazer filho de um em um!
— Sabe o que é um anticoncepcional? —
recriminou-a Zoe. — Pelo amor de Deus, e ainda quer
ninhada! Quando voltará a estudar? Precisa cursar uma
faculdade, ter uma carreira, desenvolver a sua
individualidade...
— Meus parabéns, filha! — falou Pink, erguendo-se
da cadeira ao ver Lolla afundando nela, toda a felicidade
soterrada pelas palavras sensatas da irmã mais velha.
Lorenzo abraçou a esposa e a beijou, demonstrando
com o gesto a sua opinião sobre o assunto. Era visível que
estava feliz e satisfeito, tornando Lolla cada vez mais
dependente dele.
— Zoe... — começou a mãe, de modo brando: —
As suas prioridades são importantes pra você e diferente
das prioridades das outras pessoas. A Lolla não costuma
apontar o dedo na sua cara dizendo como você deve viver
a sua vida.
— Além disso, uma coisa não exclui a outra. —
interveio Valentina. — Estudei, casei, tive filho, tenho a
minha carreira, fiz tudo que eu queria no tempo e do jeito
que eu queria.
— Nossa, as brutas contra mim! — exclamou,
magoada.
— A menina só deu a opinião dela, mulherada.
Natan, como sempre, colocava-se do lado de quem
se sentia oprimido. Mas, naquele caso, fora Lolla quem
recebera o ataque de Zoe.
Lana sentou-se na cadeira.
— Não pretendo ter filhos.
Ouviu a risada grossa e sarcástica de Jimmy.
Voltou-se para ele e completou se justificando com olhar
malicioso:
— Por enquanto, né, gorila gostoso!
— Ah, é bom ouvir isso.
— E eu? Quando terei filhos? — indagou Dinho. —
Casamos antes da sua irmã, e eles já vão para o terceiro.
Não tenho útero, mas sinto que estou preparado para ser
pai, quero ser pai e agora. — disse, resoluto, encarando a
esposa. — Chega dessa conversa de feminista, estou
cansado de ter que aceitar as suas determinações como se
fossem regras, até o tio Max cede de vez em quando à tia.
Ou a gente começa a fazer uns fedelhos, ou pegarei minhas
roupas e voltarei a morar com os meus pais.
— Agora, sim, reconheci o almoço de domingo. —
disse Vince, bebendo o resto de sua cerveja.
Zoe fez uma cara bem parecida com a do seu pai
quando estava zangado.
— É filho que você quer? As suas bolas estão
latejando pra liberar os filhinhos, é isso? Aí vai parar
com essa choradeira? Vai, né? Vamos fazer esse filho, mas
vou te dizer uma coisa, e com testemunhas aqui, você será
a mãe do moleque e eu o pai. É fácil fazer exigências e
depois me deixar cuidando da criança como se eu fosse
mãe solteira. Você ficará em casa com ele até que tenha
idade suficiente para ir à escola. Você não dividirá as
tarefas comigo, serei eu quem o auxiliarei com isso
quando me for possível, entre as minhas aulas e o meu
trabalho. Você irá assumir a responsabilidade que as
mulheres acabam carregando como cruzes e, ainda por
cima, não podem reclamar por que, com isso, parecem
péssimas mães. Não sou a Lolla e a mãe que carregam
tudo nas costas e ficam felizes quando seus maridos as
“ajudam”. Não, VOCÊ é quem ficará feliz quando EU
puder ajudá-lo.
— Caralho! — exclamou Valentina. — Sua filha é
porreta, hein, ô Pink?
— Sim, é outra cascuda, puta merda. — e, voltando-
se para o marido, falou: — E ela tem razão, seu safado.
Por mais que tenha sido um bom pai, nunca abriu mão de
nada pra criar suas filhas, sempre deixou tudo por minha
conta.
— Dinho aceita todas as condições e vamos para a
parte do pavê. — disse Max, emburrado.
A gargalhada foi geral.
— Aceito tudo. — afirmou Dinho, puxando Zoe
para um abraço carinhoso e também de agradecimento.
— Merda, o meu pedido de casamento caiu para
terceiro lugar no ranking da popularidade. — reclamou
Lana. — A Lolla grávida, o Dinho histérico e eu
desesperada prendendo homem. Ô inferno!
— Muito bem, mais alguém tem algum comunicado,
pedido ou reclamação a fazer? — perguntou Valentina.
— Pra falar a verdade, potranca, eu tenho uma
pergunta.
— Não, nada de filhos, fechei a fábrica, só não
fechei as pernas.
— Mãe! — exclamou Dinho, vermelho de vergonha.
— Vocês não iam fazer o filho lá no celeiro?
— Ave Maria, mãe, não agora.
— Qual é a sua pergunta, amor?
— Que diabos aconteceu com o Marcelo? Nem
cheguei a conhecer o rapaz e ele desapareceu.
Valentina e Pink entreolharam-se.
— É o seguinte, amor: aquele Romano não tinha
bagos. Ele ficou com medo da gente, só pode. Assim que
fomos ver o Jimmy na Arco Verde, ele pegou carona na
estrada pra voltar a São Paulo.
— Entramos em contato com a mãe dele. — disse
Pink, muito séria. — Quer dizer, ela só me deixou
começar um “boa tarde, sou Rochelle Bernard” e gritou
comigo, dizendo: “Fiquem longe do meu filho, suas
loucas”, e depois desligou. — concluiu com ar inocente.
— Aí a gente telefonou mais umas cinquenta vezes
pra ela, lá da livraria, só pra tocar o terror. — comentou
Valentina com naturalidade.
— Apoiadas! — exortou Natan, batendo palmas.
— Adorei a ideia! — exclamou Gabrielle,
tomando-as como mentoras espirituais.
Vince e Max olharam para Alec com compaixão.
Epílogo

Um cinquentão parou diante de uma tela de Lana,


coçou a parte detrás da cabeça enquanto possivelmente
avaliava a possibilidade de comprar o quadro.
Jimmy olhou para seu relógio de pulso,
considerando que o homem estava nisso há quase vinte
minutos. Quando entendeu que o palhaço fazia hora diante
do quadro a fim de ficar de olho na pintora, tomou uma
atitude. Das duas uma: ou ele engolia a obra da artista,
pedaço por pedaço, ou a compraria no valor que desse na
telha de Jimmy exigir. Sorte do tarado que o
subcomandante não era um cabra ciumento.
Bem, era assim que ele se considerava.
— É uma belezura, não é mesmo?
O cliente estremeceu ao ouvir a voz masculina atrás
de si. Voltou-se ligeiramente olhando na direção dos
próprios ombros, mas teve que erguer a cabeça para
encarar o olhar interrogativo e superior de Jimmy.
— Só estou olhando.
— Não foi isso que perguntei.
— Bem... é realmente bonito. — falou, sem jeito,
ajeitando os óculos de grau, um modelo moderninho, rente
ao nariz.
— Então compra.
— Como?
— Compra. Se tá avaliando a “obra” há tanto tempo
e gostou do que viu, só tem que abrir a carteira e comprá-
la. — determinou Jimmy, sério, encarando o outro como
se o chamasse para um duelo ao ar livre.
— Não sei... Preciso dar mais uma volta na feira...
— Vou lhe poupar tempo e perna, amigo. Ninguém
aqui tem o talento da Lana Bernard. Daqui a alguns anos
essa tela estará valendo milhões. Pode acreditar em mim.
— afirmou ele, cruzando os braços em frente do largo e
musculoso tórax.
O cliente olhou para aquele peitoral definido e os
músculos salientes dos braços grossos, novamente ajustou
os óculos como que, com o gesto, tencionasse inventar
uma desculpa melhor para cair fora sem comprar a
mercadoria.
Jimmy caiu em cima.
— Quinhentos paus em dinheiro, meu chapa.
Ele apontou para a etiqueta na base do cavalete.
— Mas tá trezentos...
— Quer pagar seiscentos?
— O que? O que é isso, afinal? — tentou posar de
ofendido.
— O quadro é seu, não vê? — declarou com um
sorrisinho mau e, apontando para a tela, continuou: —
Olha bem ali, naquele ponto, não tá vendo o seu DNA? E,
ao lado daquele homem nu debaixo da árvore que, por
sinal, o modelo sou eu, consegue ver os respingos do
sangue do seu nariz? Viu, só, amigo, esse quadro lhe
pertence.
O cliente concordou com um gesto de cabeça, abriu
a carteira e retirou uma folha de cheque.
— Dinheiro.
— Não tenho aqui tanto...
— Vamos até o caixa eletrônico sacar setecentos
paus, é o valor real do quadro 102.
O homem aceitou acompanhar o gigante enquanto
lançava um olhar triste para a ninfeta sentada num
banquinho, passando batom vermelho, as pernas cruzadas.
Lana não se envolvia com a parte comercial da sua
carreira. A artista precisava da mente e da alma livres
para criar. Cabia a Jimmy vender os quadros e isso ele
fazia muito bem. Todos os sábados voltavam para casa de
mãos vazias e bolsos cheios.
Conseguir ganhar dinheiro vendendo o seu trabalho
— nem sempre era através da coerção ​— tornava-a mais
segura de si, pronta para enfrentar os trancos, solavancos
e maravilhas da vida a dois.
Ao ver o cliente cinquentão guardando o quadro na
sua picape, Lana abraçou o marido pela cintura e falou
com ar sonhador:
— Estamos conseguindo faturar o valor da minha
mesada por semana. Não é lindo?
— Esse é objetivo. — comentou com um sorriso de
canto.
— E você recebendo salário como oficial da tropa
e domador de cavalos elevou bastante a nossa renda.
— Aonde quer chegar, Bernard? — perguntou,
arqueando uma sobrancelha com ar divertido.
— Quero reformar a nossa casa, sabe? Construir
mais um andar, por exemplo. A gente não tem um sala pra
receber visitas, nem piscina e o quintal atrás tá um caos.
Seria muito legal contratarmos um paisagista, colocar uma
fonte, bancos, pracinha para as crianças...
— Pelo amor de Deus, estamos grávidos? — ele
perguntou num misto de pavor e felicidade.
Lana caiu na gargalhada.
— Falo dos gêmeos da Lolla, seu apressadinho!
— Que crueldade, dona pilantra. — rebateu,
pegando-a no colo e rodando com ela no meio da feira. —
Vamos embora, quero te ensinar uma dança exótica.
— Só pode ser putaria. — disse, rindo muito.
Jimmy a beijou nos lábios e depois os roçou no
pescoço dela, dizendo baixinho:
— Errou, Bernard. É tango, uma dança quente
demais da conta. Encontrei uns vídeos na internet que
ensinam como dançar certinho.
— Ah, aprender tango, que útil. — debochou.
— Ué, você não sabe?
— Se é fofoca, me conta logo, por favor.
— Os seus pais me chamaram pra conversar e me
contaram que todos os casais ganham uma viagem a Paris
de presente de lua de mel. Era a dona Margarida quem os
presenteava, então, agora, os Bernard resolveram assumir
a tarefa.
— Vamos para Paris? — perguntou, incrédula. — A
terra do Renoir, Monet, Cézanne e uma pá de gente foda?
Jimmy fez uma careta.
— Não tá me fazendo uma pergunta, né? Porque só
posso lhe dizer que vamos a Paris.
— Quero gritar!
— Então grita, ora! — falou ele, rindo muito.
Lana gritou.
O povo se voltou para o casal com olhares críticos.
Jimmy sorriu para eles, um sorriso charmoso, girando-a
até deixá-la tonta.
Ele a abraçou com força e a beijou. Depois, voltou-
se para o pessoal que continuava encarando-os com
reprovação e, mantendo sempre o sorriso, ergueu o dedo
médio.
Lana recebeu um olhar de carinho do marido e o seu
coração se encheu de amor por ele.
Mas Jimmy não era um cabra “florido” e, com um
sorriso malicioso, determinou:
— Vamos para casa dançar um tango na cama.
E foi isso que fizeram.
FIM

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