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O sambista operário

História e Memória de Waldir dos Santos


numa mina de ouro no Tempo de Vargas

Andréa Casa Nova Maia


“A Estória não quer ser história. A
estória, em rigor, deve ser contra a
História. A estória, às vezes, quer-se um
pouco parecida à anedota. A anedota,
pela etmologia e para a finalidade,
requer fechado ineditismo. Uma
anedota é como um fósforo: riscado,
deflagrada, foi-se a serventia. Mas
sirva talvez ainda a outro emprego a já
usada, qual não de indução ou por
exemplo instrumento de análise, nos
tratos da poesia e da transcendência”
Guimarães Rosa
“Aquilo que procuro lembrar e
lembrar-me é uma memória. Aquilo que
me esforço por construir é uma
história”
Jacques Le Goff “A Estória não quer
ser história. A estória, em rigor, deve
ser contra a História. A estória, às
vezes, quer-se um pouco parecida à
anedota. A anedota, pela etmologia e
para a finalidade, requer fechado
ineditismo. Uma anedota é como um
fósforo: riscado, deflagrada, foi-se a
serventia. Mas sirva talvez ainda a
outro emprego a já usada, qual não de
indução ou por exemplo instrumento de
análise, nos tratos da poesia e da
transcendência”
Guimarães Rosa
“Aquilo que procuro lembrar e
lembrar-me é uma memória. Aquilo que

ii
me esforço por construir é uma
história”

J a c q u e s L e G o ff

iii
A G R A D E C I M E N TO S

A história, que está escrita nas páginas deste livro, começa em


família e há mais de 20 anos. Túlio Jorge dos Santos, quem me criou ao
lado de minha mãe, é filho do Sr. Waldir dos Santos, que trabalhou na
Mina de Morro Velho, Nova Lima, Minas Gerais. Cresci ouvindo suas
histórias e seus sambas sobre a Nova Lima do passado e sobre a vida
cotidiana de seus operários daquela mina de ouro. Foi a partir da história
de vida do Sr. Waldir que me interessei por estudar a realidade dos
mineiros da Mina de Morro Velho.
Como deixar de agradecer à Juliano Spyer? Conheci Juliano em
1992, quando ele já estudava História na USP e me mostrou seu
entusiasmo com uma pesquisa da qual fazia parte como bolsista de
Iniciação Científica: era a história oral de Carolina de Jesus, a Cinderela
Negra; pesquisa que era coordenada pelo professor José Carlos Sebe Bom
Mehy (USP) e pelo já falecido brasilianista Robert Levine (Miami
University).
Logo floresceu uma grande amizade entre Juliano e eu, que passei
a visitá-lo em São Paulo constantemente e, por conseguinte, a acompanhar
seu trabalho com a história oral. Fiquei apaixonada com esta possibilidade
de se fazer uma história verdadeiramente comprometida com o social, uma
história “militante”, diria Andrea Paula dos Santos, outra colega de
trabalho de Juliano, que viria a se tornar minha grande interlocutora
posteriormente.
O ponto de partida deste trabalho, porém, surgiu ainda nos tempos
de graduação, tema aprofundado no mestrado, sob a atenta orientação de
Lucília Neves, a qual agradeço por ter me acolhido prontamente e, desde
aquela época, ter sempre estado ao meu lado, fazendo ricas sugestões ao
meu trabalho e me ajudando a crescer enquanto pesquisadora. Foi ao lado
dessa amiga que ousei adentrar pelos caminhos tortuosos e, ao mesmo
tempo, prazerosos, do trabalho com a memória. Agradeço à Lucília Neves
pela disponibilidade em ler meu texto, fazer ricas sugestões e pela sempre
presente amizade.
Agradeço também à Michel Le Ven, meu mestre maior, por todos
os caminhos teóricos trilhados e compartilhados e à Yonne Grossi, fada
que entrou em minha vida como um raio de luz puríssima. Yonne Grossi, a
grande pioneira nos estudos sobre a vida dos operários de Morro Velho!
Juntos, Lucília, Michel e Yonne me mostraram o mapa da mina.
Yonne com seus anônimos (ela havia realizado sua pesquisa durante o
período militar e muitos entrevistados não puderam/quiseram se
identificar), Michel com Dazinho e Lucília, que devido a uma pesquisa

iv
sobre o Partido Comunista, havia entrevistado o mineiro Anélio Marques
e, por isso, também já havia percorrido os labirintos de ouro.
Com esses mestres e meu “avô”, descobri que a escrita da
História, antes de tudo, tem que ser livre. Meu muito obrigado também à
Beatriz Ricardina Magalhães, in memorian, por ter me ensinado as
“maneiras de fazer” e as “astúcias” do cotidiano, lá e cá; à Betânia
Gonçalves Figueiredo, leitora atenta, pelas sugestões.
Às amigas Júnia Salles e Rita Lages, por terem estado sempre ao
meu lado nesta caminhada por uma história militante! À Rosaly Senra, que
editou o depoimento do Sr Waldir de maneira super jornalística e que
também ama essa família de artistas! Aos meus alunos bolsistas de
Iniciação Científica, que cifraram algumas letras de sambas do Sr. Waldir,
sobretudo Lucas Machado, a revelação do chorinho carioca desta década!
Um especial agradecimento à minha mãe Vera Casa Nova, meu
pai, João Domingues Maia e ao Túlio Jorge dos Santos, professores e
pesquisadores que me levaram para a Universidade. Depois de 20 anos, eu
agradeço ao Antônio Cas Nova, ao Pedro Casa Nova e ao Beto Bianchi,
que me animaram a tirar da gaveta e trazer ao público, notícias de Minas.

Rio de Janeiro, 22 de março de 2019, dia de luta contra a reforma


da Previdência.

A Autora.

v
SUMÁRIO

Prefácio Lucília Neves

Apresentação Jorge Ferreira

INTRODUÇÃO Descobrindo o Mapa da Mina


Algumas palavras sobre a História de Vida do Boêmio
Operário Waldir dos Santos por Rosaly Senra
Waldir dos Santos conta sua história
MEMÓRIA, HISTÓRIA, HISTÓRIA ORAL:
DISCUTINDO A VIDA DOS MINEIROS DE MORRO
VELHO
A História na encruzilhada da memória
Memória e História
Da relação dialética entre o individual e o coletivo: do
psíquico ao social-histórico, do social-histórico ao psíquico
TRABALHO NAS MINAS
O Trabalho na Mina de Morro Velho: antes e durante o
Governo Vargas
O Trabalho nas Minas na época do Sr. Waldir e de Getúlio
Vargas 38
Trabalho e cotidiano em Morro Velho: os trabalhadores e o
mito Getúlio Vargas
CULTURA E COTIDIANO NAS MINAS
O rádio na época de Getúlio Vargas
O rádio: reprodutor de ideologia nos Estados Autoritários?
O papel do rádio e da música popular brasileira na divulgação
ideológica do Estado Novo
Um exemplo mineiro: A Rádio Inconfidência
A questão do conteúdo das composições no Estado Novo: o
samba exaltação ao Brasil e ao trabalho X o elogio à
malandragem
Cotidiano do Rádio em Nova Lima
O Lazer em Morro Velho: Maneiras de fazer dos operários
entre o samba e o trabalho
A festa e o divertimento como transgressão restrita
Festas religiosas e folclóricas
Boemia
Carnaval
Clubes em Morro Velho: de um lado os operários e de outro os
patrões
Considerações Finais: caminhando entre a autonomia e a
heteronomia
Referências Bibliográficas e Documentais
Letras de música cifradas do Sr Waldir dos Santos
Prefácio

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Apresentação

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INTRODUÇÃO

Descobrindo o Mapa da Mina

A mina de Morro Velho, em Nova Lima, Minas Gerais foi, por


mais de 100 anos, propriedade de ingleses, a Saint John D’El Rey Mining
Company.
Na verdade, as primeiras notícias de descoberta de jazidas
auríferas em Nova Lima ocorreram por volta de 1700. Mas, foi somente
após o desembarque da Corte portuguesa no Brasil, após a abertura dos
Portos às nações amigas e, principalmente, após a independência, que as
empresas mineradoras inglesas se interessaram em trazer seus
investimentos para o Brasil. Afinal, uma série de privilégios haviam sido
concedidos e mantidos.
A mina de ouro de Nova Lima, então arraial de Congonhas do
Sabará, começou a ser explorada aproximadamente por volta de 1725. Até
as primeiras décadas do século XIX, pertenceu à família Freitas, que
realizou de forma irregular a extração do ouro, utilizando a mão-de-obra
escrava. Em 1830, a propriedade foi vendida ao Capitão George Francis
Lyon, que a explorava com dificuldades.
E é justamente no contexto de crise da economia mineradora e no
âmbito das tentativas de recuperação das atividades de exploração do ouro
que se viu a instalação, a partir de 1834, na mina de Morro Velho, da
companhia inglesa Saint John D’El Rey Mining Company que fará
ressurgir a produção através da implantação de métodos mais modernos de
exploração. Os ingleses seriam os proprietários até 1958.

Nova Lima, cidade localizada à sudeste da capital Belo


Horizonte, atrás da Serra do Curral, surgiu como muitas outras cidades de
Minas, da atividade mineradora. Desbravando o interior do Brasil, entre
1698 e 1700, a procura de ouro e diamantes, a bandeira de Domingos
Rodrigues da Fonseca Leme alcançou a região denominada Congonhas,
localizada entre a Serra da Borda e o Itatiaia, do atual Estado de Minas
Gerais. O bandeirante descobriu minas de ouro em um local que ficou
conhecido por Campos de Congonhas. Rapidamente, faiscadores e seus
dependentes se dirigiram a essa localidade, que recebeu o nome de
Congonhas das Minas de Ouro, em 1720 1.

1
Existem outras versões sobre a descoberta de ouro na região, que relatam as
descobertas de Borba Gato, à mesma época. Rica documentação pode ser
11

11
O povoado logo cresceu impulsionado pela atividade mineradora
na região e, em 8 de abril de 1836, através da lei provincial nº 50, foi
elevado a distrito de Sabará, com o nome de Freguesia de Nossa Senhora
do Pilar de Congonhas do Sabará. A freguesia foi elevada à vila em
fevereiro de 1891, pelo decreto estadual nº 361, recebendo o nome de Vila
Nova de Lima. Mais tarde, em 1913, uma lei estadual simplificou o nome
para Nova Lima. (PIRES et al., 1995:92-93) Além da Mina Grande,
localizada em Nova Lima, a Saint John D´El Rey Mining Company
possuía outras minas espalhadas pela região. Havia também a Mina de
Raposos, município vizinho, situado à leste de Nova Lima, que também
possui sua origem vinculada à exploração do ouro. Raposos é, dessa
forma, outra localidade referencial, circunscrevendo o referencial
geográfico deste livro. (figura 1- editora consegue uma imagem
atual do mapa de Nova Lima e Raposos sem direitos
autorais? ).
Isto posto, pode-se apresentar o tema desse livro, que teve como
principal objetivo analisar as relações de poder e dominação na Mina de
Morro Velho, bem como outros aspectos da cultura operária, em parte do
período controlado pelos ingleses - décadas de 20, 30 e 40 - antes e
durante a primeira fase do governo Vargas (Revolução de 30 e Estado
Novo).
O corte cronológico foi intencional, uma vez que o interesse
também foi estudar as relações de trabalho a partir de uma reflexão sobre a
recepção das leis trabalhistas pelos mineiros. E, assim, entendendo a
História como processo, envolvendo elementos de continuidades, rupturas,
na impossibilidade de se prever o rumo dos acontecimentos históricos,
partiu-se do período imediatamente anterior ao governo Vargas, levando a
análise até o período imediatamente posterior ao fim do Estado Novo.
Como subsídio a este objetivo central, a questão das relações de
dominação e de poder na mina foram analisadas sob pelo menos três
aspectos. O primeiro, onde se colocou em evidência a violência pela qual
os patrões de mina tratavam os mineiros, como se dava o controle do
tempo, da atividade, da maneira de ser, dos discursos, do corpo, dos
gestos. O segundo, onde se analisou as possibilidades de anti-disciplinas,
transgressões, (re)apropriações dos discursos dominantes por parte dos
operários e ainda um terceiro, que diz aspecto à relação de poder macro-
física entre os operários e o Estado getulista.
Para tanto, tornou-se importante levar em conta, por um lado, os
processos produtores da disciplina, ou seja, a “microfísica do poder”

encontrada na Casa Borba Gato, em Sabará.


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12
analisada por FOUCAULT 2. E, por outro lado, procurou-se demonstrar
como funcionavam as anti-disciplinas no cotidiano dos operários através
do suporte teórico apresentado por Michel de Certeau, que diz que: “se é
verdade que por toda parte se estende e se precisa a rede da “vigilância”,
mais urgente ainda é descobrir como é que uma sociedade inteira não se
reduz a ela: que procedimentos populares (também “minúsculos” e
cotidianos) jogam com os mecanismos da disciplina e não se conformam
com ela a não ser para alterá-los; enfim, que “maneiras de fazer” formam
a contrapartida, do lado dos consumidores ( ou dominados?) dos
processos mudos que organizam a ordenação sócio-política.”
(CERTEAU, 1994:41)
Eram gestos dissimulados, conversas em código, apelidos dentro do
discurso dos operários que demonstraram, em certo aspecto, esta anti-
disciplina discutida por Certeau. Além disso, fora da mina, na vila
operária e aos arredores da empresa, notaram-se outras “maneiras de
fazer” não tão minúsculas, mas também com um conteúdo de transgressão
à ordem estabelecida. A questão das “maneiras de fazer”, das
“estratégias”, das “astúcias” cotidianas teorizadas por CERTEAU, na obra
“A Invenção do Cotidiano”, forneceram não só o arcabouço conceitual
para se pensar a questão da cultura popular em sua relação com os
discursos dominantes ao nível microfísico (operários e ingleses), como
também foram de fundamental importância quando se trabalhou com a
relação entre estes homens comuns e o Estado getulista.
Pretendeu-se demonstrar como os sujeitos históricos analisados se
apropriavam das mensagens dominantes (seja ao nível micro, em relação a
seus patrões ingleses, seja no nível macro, em relação ao Estado), jogando
com estas, resistindo à sua maneira a estas mensagens. Portanto, no que
diz respeito ao arcabouço teórico-conceitual, trabalhou-se principalmente
com autores da história cultural e social, e filósofos que transitam por
estes temas, tais como Michel de CERTEAU, Michel FOUCAULT, E.P.
THOMPSON, Natalie Zemon DAVIS, Roger CHARTIER, Peter BURKE,
entre outros.
Além desses autores, vale a pena ressaltar a importância da leitura
do trabalho de Jorge FERREIRA(1997:16) na discussão do último aspecto
ressaltado acima, - que diz respeito à memória e ao imaginário desses
sujeitos em relação ao Estado e à figura de Vargas. Compartilha-se aqui
da hipótese apresentada por esse autor de que: “...as ideologias
dominantes naqueles anos, por mais dominantes que tenham sido, não
poderiam ter eliminado completamente as idéias, crenças, valores e

2
Refere-se aqui à obra de Michel Foucault, em especial o livro Vigiar e Punir -
História da violência nas Prisões. 12ª Ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1987.
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13
tradições anteriormente presentes na cultura popular. Antes de atribuir ao
projeto estatal, nas décadas de 30 e 40, um poder “total” que ele não
alcançou, porque teoricamente tal poder está sendo postulado como
inalcançável, talvez fosse mais enriquecedor analisar como os
trabalhadores e as pessoas comuns o receberam, apropriaram-se dele,
reagiram e mesmo resistiram a ele.”
Procurei mostrar as manifestações de autonomia, as resistências 3
ao nível cotidiano dessas pessoas comuns, o que pensavam sobre o
mundo do qual faziam parte. Redescobrir esse mundo cotidiano, estas
riquíssimas experiências de vida, reconstituir e analisar onde estão as
micro-resistências, as reapropriações, as “astúcias”, as inúmeras
“estratégias” destes sujeitos.
O argumento central desse trabalho consiste na afirmação de que,
por mais que se deva considerar a propaganda político-ideológica quando
se trabalha com a construção da memória operária supostamente cooptada
pelo Estado getulista, deve-se levar em conta os ganhos materiais e
simbólicos obtidos com a legislação trabalhista que aparecem no cotidiano
desses operários de Morro Velho. Até que ponto elas funcionaram na
medida em que foram eficazes ao terem sido positivas 4. Tanto ao nível do
controle do Estado, como ao nível do controle dos ingleses, procurou-se
demonstrar como, nas práticas cotidianas, esses operários não foram
totalmente controlados pelos ingleses e pelo Estado.
Optei por privilegiar a metodologia de história oral, apesar de
terem sido utilizados outros procedimentos de análise. Realizaram-se,
para tanto, entrevistas de história de vida com dois operários da Mina de
Morro Velho. Essas fontes foram também complementadas por uma
bibliografia teórica e por documentos escritos, tais como jornais, atas de
sindicato, livros de época, legislação oficial e algumas peças
iconográficas. Dada a dificuldade de se encontrar antigos operários da
Morro Velho dispostos a conceder entrevista ou mesmo estando em
condições para tal, devido à idade avançada ou mesmo à doenças
provocadas pelo próprio trabalho na mina, optei por se realizar entrevistas
com dois operários, em profundidade, e complementar essas fontes com
outras narrativas e documentos escritos coletados ao longo da pesquisa.

3
Resistência vem do latim, resistentia. Significa ato ou efeito de resistir. Resistir
significa oferecer resistência, não ceder, recusar-se, negar-se, opor-se, não
sucumbir. A princípio o conceito parece supor simplesmente uma reação e não
uma criação, mas no caso do estudo proposto, o conceito de resistência
ultrapassa esse conteúdo de simples reação e passa a significar anti-disciplina
cotidiana, apropriação singular. Cf. CERTEAU, 1994: 41.

4
No sentido da positividade foucaultiana.
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14
Para este livro, no entanto, resolvi privilegiar um desses operários, o Sr.
Waldir dos Santos, falecido em 1999.
Torna-se importante, nesse sentido, apresentar o Sr. Waldir dos
Santos, o principal personagem da história.
O Sr. Waldir dos Santos nasceu em Nova Lima em 1916 e cresceu
acompanhando a trajetória de vida de seu irmão, que desde muito novo já
trabalhava na Mina de Morro Velho. Com a morte de seu irmão, Waldir se
viu obrigado a pedir emprego na mina e lá trabalhou até 1952, quando foi
trabalhar na Magnezita, grande indústria extrativa de minério localizada
em Minas.
A história de vida do Sr. Waldir coloca-nos face a um mundo
repartido em dois: sua vida se divide entre o mundo do trabalho e o mundo
da festa, da cultura popular, do lazer. Em ambos os mundos aqui narrados,
há ainda o mundo da política, do imaginário político que é criado ao longo
da vida desses operários que trabalharam na mina antes, durante e depois
de Getúlio Vargas. Há então, uma série de comentários que vão surgindo
ao longo da fala do Sr. Waldir sobre esse personagem da história
brasileira que temos obrigação de humanizar. O mito Getúlio deve ser
analisado a partir da fala desse sujeito, ex-operário, levando em conta sua
relação com a classe trabalhadora e os reflexos de seus atos de
incorporação das reivindicações desta classe na vida de nosso sujeito.
Também não se pode deixar de lado toda a história de amor, de
festa, de divertimento, de boemia, orquestrada brilhantemente no contar de
sua história. O Sr. Waldir desvela a vida cotidiana dos operários, não só
dentro da mina, mas fundamentalmente fora da mina. Narra a vida
boemia, a vida no Cabaré, nas festas religiosas...Vai mostrando toda a
riqueza cultural de um povo que mesmo convivendo com um sistema de
ultra-exploração, teima em transgredir esta triste realidade. Teima em ser
feliz.
Entre o mundo do trabalho, da arte e da cultura, um homem
comum, o Sr. Waldir dos Santos, vai tecendo, com suas lembranças, fios
da memória de um mapa. Mapa dos labirintos de ouro de uma das tantas
minas de Minas Gerais: mapa de Morro Velho no tempo de Vargas...
Lembrança de um velho operário mineiro: memória, cotidiano. Vida
multifacetada, onde os diferentes espaços do trabalho, da política e da
cultura/lazer apresentam-se imbricados...
O que mais instigou foi ver como o Sr. Waldir, tendo passado
tantos anos trabalhando na mina, ainda podia gostar de cantar, de dançar...
É esta vida multiforme, complexa e rica, o principal objeto deste livro,
com o qual passaremos a dialogar nas próximas páginas.

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15
Figura 1: Mapa de Nova Lima, Minas Gerais. (editora ou revisor
encontra isso sem direitos autorais? )

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Algumas palavras sobre a História de Vida
do Boêmio Operário Waldir dos Santos
Rosaly Senra5

A música Pelo Telefone, considerada o primeiro samba


registrado, foi lançada em discos pela Odeon em dezembro de 1916.
Cheio de controvérsias quanto à autoria e com várias versões de letra
marcou o início do reinado na canção carnavalesca e do samba no Brasil.
Sr. Waldir dos Santos nasceu em maio de 1916 e foi, entre as
décadas de 1930 a 1960, operário da Mina de Morro Velho de propriedade
da Saint John Del Rey Mining Company, hoje propriedade da AngloGold
Ashanti em Nova Lima, sua cidade natal. Waldir dos Santos fazia samba
na caixinha de fósforo.
Sempre cheio de alegrias e histórias para contar, Waldir foi, até o
final de sua vida, em 2001, um sujeito contador de histórias, bem
humorado e divertido. Gostava de frequentar o bar próximo à sua casa e
estava sempre na roda com os amigos ou familiares, cantava seus
sambinhas acompanhado do barulho dos copos e tilintar de talheres e da
inseparável caixinha de fósforos.
Casou em 1946 e a vida boêmia não ficou de lado, mas se
manteve atento a criar os filhos com dedicação e liberdade; os netos, que
vieram depois, sem esquecer os amigos do bar, a cerveja gelada e o
samba, sempre companheiro.
Nas próximas páginas você acompanhará um depoimento
detalhado, autêntico, instigante, emocionado das décadas da primeira
metade do século passado desse menino criado órfão, pobre, depois
operário e boêmio, pai e avô dedicado e amigo, muito amigo, que pouco
se envolveu com a política, mas seguia a vida de seu tempo. Como tantos
outros mineiros, participava ativamente da vida da cidade, dos
movimentos dos operários e da boêmia.

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5
Rosaly Senra é escritora, cientista da informação, comunicóloga e,
principalmente, amiga da família Santos. Me ajudou aqui editando o
depoimento de mais de 10 horas do Sr Waldir, de maneira a exercer
uma escrita de História Pública, para qualquer leitor interessado em
conhecer a vida de um homem que viveu o século XX em Minas
Gerais.
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17
No livro A História da Embalagem no Brasil, (Grifo Projetos
Históricos e Editoriais, 2006) o pesquisador Pedro Cavalcanti afirmou:
"Não há nada mais delicado do que uma caixa de fósforos".
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Waldir dos Santos contra sua história

“Sempre fui muito populista, sempre fui do movimento popular...”

Meu nome é Waldir dos Santos. Minha vida teve início em 15 de


maio de 1916, na cidade de Nova Lima, num bairro pobre, bairro do
Cascalho, num casebre onde moravam minha mãe, Ormesinda, meu pai,
José Maria dos Santos, vulgo Zé Oitenta, e meus dois irmãos, Adolfo e
Saé. Minha mãe teve mais dois filhos, José e Maria, que morreram
nasciturnos.

O pai
De meu pai pouco posso dizer, porque morreu muito jovem.
Quando faleceu, eu tinha apenas 11 meses. Tudo que sei sobre ele foi
transmitido por minha mãe, que era uma mulher muito apaixonada por seu
homem. A ele só tenho palavras elogiosas. Não sei ao certo a origem de
meus pais, a não ser a partir das conversas que tive com a minha mãe.
Meu pai era natural de Sabará e chegou em Nova Lima à procura de
trabalho. Enamorou-se da minha mãe, casaram-se, mas ela não soube me
dizer a qual família ele pertencia.
Sendo assim, eu não conheço a origem da família de meu pai e
ele não pôde me fazer nenhuma declaração. Ele morreu aos 33 anos de
cirrose, bebia muito. Meu pai era um beberrão inveterado. Eu tenho que
confessar que esse meu gosto pela cerveja é justamente herdado de meu
pai que adorava tomar uma pinguinha e uma cerveja.

A mãe

Minha mãe era filha de Joana Pereira, mulata muito ativa


sexualmente. Tinha sido casada, abandonou um esposo, deixou os filhos
com ele e se juntou a um branco de descendência remota de franceses, que
tinha o sobrenome Freitas. Essa família era de descendência francesa.
Então ela se juntou com esse homem que também havia sido casado. Ele
abandonou a família dele e ela abandonou a dela e se juntaram. O nome
do pai de Ormesinda ela não me contou. Eu sabia o sobrenome dos irmãos
por parte de pai, porque esses eu conheci. Era o Pedro Matheus de
Freitas e o José de Freitas. Mas nunca reconheceram a minha mãe como
tia, nenhum dos filhos da família Freitas. O único que considerava minha
mãe como irmã era o Pedro Matheus de Freitas, que era pobre. Porque o
outro tinha posição, era homem de renome, não quis saber de nenhuma

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19
ligação com Ormesinda. Assim, a minha mãe nasceu dessa união com esse
homem.
A Joana Pereira teve Ormesinda e Ausídis. Ormesinda casou-se
com meu pai, que se chamava José Maria dos Santos. Ele não era negro,
era moreno. Era da minha cor. Eles se casaram e desse casamento
constituiu-se a família de cinco filhos, dois dos quais, morreram
nasciturnos.
Minha mãe era atriz como meu pai, e até meu pai morrer,
trabalhava com teatro amador e trabalhavam no Grêmio. O Grêmio era
uma sociedade civil sem fins lucrativos. Só cobrava os ingressos para os
espetáculos, para renovar os cenários e para a montagem das peças. Eles
encenavam peças extraordinárias, de bom gosto. Tinha até cenarista. O
Grêmio Dramático Novalimense era muito bem organizado. Foi o que
minha mãe me contou, eu não cheguei a ver. Quando eu me entendi por
gente, ela já tinha se afastado do palco, e estava fazendo o "ponto". Ela
ficava na cúpula lendo para os atores. Antigamente havia o ponto. Os
atores não decoravam os textos. Ela ia lendo durante a encenação com
uma tonalidade de voz que só eles ouviam. A platéia não ouvia. Ela dava
as deixas e eles iam repetindo o que ela falava. Quando eu comecei a
frequentar o teatro com minha mãe, ela já estava nessa função de ponto.
Eu devia ter sete anos, isto foi por volta de 1923. Eu estava começando o
grupo escolar.

Irmãos

Meu irmão José era o mais velho. Ele nasceu e muito fraco,
morreu quase imediatamente, por causa da pobreza. A causa da morte,
nem minha mãe, soube detalhar. Foi de repente. Depois ela teve Maria.
José e Maria. Maria teve uma morte mais significativa.
Havia as festas do Divino Espírito Santo em Nova Lima. Como
em muitas das cidades do interior, era uma festa muito pomposa. Minha
mãe morava ao lado da matriz Nossa Senhora do Pilar. Morava numa
casinha, no centro de Nova Lima, local onde eles armavam os rojões para
a festa do Divino. Eles soltavam os rojões perto do adro da Matriz. Foi
numa madrugada de São João... tinha alvorada. Bandas de música saiam
tocando pela cidade soltando fogos, rojões. Soltaram uma série de rojões.
A minha irmã Maria se assustou e rompeu o fel, morreu quase
imediatamente. Depois de Maria veio Adolfo, que morreu aos 24 anos. E
Etelvina, que tinha o apelido de Saé, morreu aos 17 anos.

Infância

Depois eu nasci. Ficamos os quatro: eu, ela, minha mãe, e meu


pai. Mas logo depois que eu nasci, em 15 de maio de 1916, meu pai
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20
morreu: 11 meses depois. Ele morreu segundo minha mãe, de diabete com
cirrose. Bebia muito. Morreu aos 33 anos deixando essa família pequena.
Adolfo, quando ele morreu, devia ter sete anos, seis ou sete anos. Saé, uns
quatro, três... Eu, 11 meses. Então a minha mãe ficou sem poder trabalhar
e com três crianças pequenas. Eu também nasci muito doente, estive à
beira da morte. Depois que meu pai faleceu, eu tive um princípio de
meningite, fiquei entre a vida e a morte.
Antigamente os sinos dobravam para a morte das pessoas da
cidade. Quando dobrava o sino pela “morte de anjinho”, os amigos de
minha mãe achavam: "foi Waldir que morreu". Eu felizmente, por um
milagre, continuei vivo.
Quem tratava de mim por caridade era Zezinho Passos, o
farmacêutico da cidade. Ele começou a tratar de mim porque Ormesinda
não tinha como pagar. Ele me visitava e dava também os remédios. Então,
quando eu estava muito mau mesmo, não tinha jeito, ele falou com
Ormesinda: "Ó, o caso do Waldir é o seguinte, ele está tão fraco que não
está reagindo nem para morrer... eu vou fazer o seguinte: vou dar um
estimulante diferente". Ele pegou uma colher de conhaque, pôs água e me
fez ingerir aquela mistura. Acho que aquilo me esquentou por dentro. Ao
invés de morrer, eu fiquei vivo... Hoje em dia eu penso que foi a bebida
que me salvou.

Escola

Eu fiz o curso primário no Grupo Escolar Novalimense. O diretor


era o Professor Dinis Vale, um camarada extraordinário. Depois que Dinis
Vale morreu, entrou Emílio de Lima. Agora o grupo escolar tem o nome
desse diretor. Quando eu comecei a estudar tinha sete anos, porque sou de
maio e dava no início. Fiz cinco anos de curso primário. Minha mãe me
fez repetir o 3º ano porque me achou fraco. Ela não me deixou fazer a
prova, eu repeti. Tirei o diploma aos 12 anos.

Eu tinha muitos amigos na escola. Lembro-me de uma história


muito interessante. Eu era muito pobre, ganhava tudo do grupo: uniforme,
material escolar, lápis, caneta. O menino recebia de manhã ou na hora que
ele entrasse, e devolvia no mesmo dia, quando acabavam as aulas.
Eu tive uma só professora nos cinco anos de grupo escolar. Foi a
Professora Gersina Roscolli. Ela era uma ótima professora, mas muito
severa, principalmente com os meninos pobres. Ela era muito
preconceituosa. Os meninos ricos, das famílias mais abastardas, ela
sentava-os no colo, acarinhava. E eu, que era pobre, ela dava palmatória,
me batia com a régua. Eu sou um camarada que só escrevo com a mão
direita porque fui obrigado. Na hora que eu pegava o lápis com a mão
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esquerda, ela me batia. Sou canhoto, sinistro por natureza, faço tudo com a
esquerda. Só escrevo com a mão direita porque ela me obrigou.
Antigamente eu pegava a caneta de modo diferente de todo mundo. Só
usava o dedo indicador e o médio. Tudo isso devido a Gersina Roscolli,
minha professora, que me obrigou a aprender desse jeito. Apesar de tudo
isso, eu adorava essa professora. Ela era muito dedicada, ensinava muito
bem. Ela era muito preconceituosa, meus colegas eram todos bajulados
por ela, tratava-os bem...
Eu fui sempre muito humilde, eu me dava bem. Minha mãe me
ensinou a ser muito humilde. Ela sempre falava comigo, me aconselhava:
"olha meu filho, olha... Não leve a sério o que disserem, se te humilharem,
receba com humildade". Ela sempre dizia: "olha, o que vem de baixo não
te atinge, tudo que te disserem para te humilhar, não se sinta exaltado
porque quem está te humilhando é muito mais inferior do que você. A
pessoa que humilha o outro é muito mais inferior do que aquela que está
sendo humilhada".
Com isso, eu evitava confronto com meus colegas. Só teve uma
ocasião que eu perdi a paciência com um menino, um tal de Ubirajara. Ele
era um mulatinho forte, muito metido a valente, brigão, e provocava todo
mundo. Ele não era riquinho não, mas muito violento e gostava muito de
aparecer e abusar dos outros. Jogaram um papel na cabeça desse Ubirajara.
Ele viu quem foi, mas me acusou: "foi você!" E eu disse: “não fui eu, você
viu que não foi”. “Foi você sim e eu vou te pegar lá fora".
Tinha esse negócio de “pegar lá fora”. Quando a gente saía do
grupo, a turma esperava lá fora para atiçar a briga. Eu pensei: “dessa vez,
dessa vez vão me desculpar” - eu tinha um medo danado dele, tinha pavor
do Ubirajara - “mas dessa vez não vai dar para segurar”. Sabe o que eu
fiz? Eu usava o uniforme da escola, usava um dolma, era um palitozinho
fechado, de manga comprida. E na hora de entregar o material escolar eu
escondi a caneta. Na época se usava daquelas canetas de pena de aço. Eu
botei a caneta dentro da manga. Entreguei o material e sai. A turma estava
lá fora esperando e o galinho de briga também: "Ah, porque eu vou bater
no Waldir, ele hoje não me escapa..." Eu fui passando, ele foi e disse: "Ah,
porque você jogou..."- “Eu não joguei. Você viu que não foi eu. Você sabe
que não foi eu, você vai brigar à toa”. “Ah, mas eu vou te bater..." E a
turma ficava atiçando: “pisa aqui, quem pisar primeiro...” Na hora em que
ele partiu para cima de mim, eu dei-lhe uma canetada na coxa. Meti a
pena na coxa dele, a caneta ficou pendurada e eu me mandei para casa.
Ele abriu a boca a chorar e eu me mandei para casa com um medo
desgraçado. Foi aquele drama, eu pensando o quê que a mãe dele ia
fazer...
Cheguei em casa e Ormesinda disse: "você fez muito mal, não
devia ter feito isso, violência não leva a nada." Mas já estava feito.
Quando a mãe do menino foi lá tirar satisfação: "O caso é o seguinte,
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todas as testemunhas disseram que ele foi provocado, e ele só fez isso para
se defender. Eu não vou bater nele por causa disso de jeito nenhum, não
vou surrar meu filho por causa disso. Se fosse por outra coisa ele
apanharia, mas por isso não".
Depois disso, quem passou a ter medo de mim foi o menino. Dali
para frente ninguém mais mexia comigo. Eu sou muito calmo mas não me
encosta na parede, porque eu viro bicho. Touro não pode ser acuado.
Quando tirei o diploma, nós nos mudamos para Belo Horizonte. Eu tinha
12 anos, foi em 1928. Viemos para BH no fim do ano e fomos morar em
Santa Ifigênia.

Adolfo

Antes de irmos para Belo Horizonte, meu irmão Adolfo começou


a trabalhar na mina. Nós ainda estávamos em Nova Lima e eu estava
fazendo grupo escolar. Ele já estava com mais ou menos 14 anos e foi
trabalhar na mina de Morro Velho. Trabalhava como ajudante de
eletricista dentro da mina. Ali ele aprendeu o ofício de eletricista. Ele ia
construindo a iluminação no interior da mina, ajudando os eletricistas. E,
como ele havia sido muito bem educado por minha mãe, fez logo amizade
com um inglês sul africano. Não era inglês de verdade, mas era contratado
da Morro Velho, era chefe dos eletricistas. Ele gostava muito de Adolfo,
que era como um conselheiro dele. Foi Adolfo quem arranjou o casamento
dele com uma empregada que ele tinha. Ele gostou da empregada e
acabou casando com ela. Adolfo foi o cupido. Pois é, mas por causa dessa
amizade com Grant - chamava-se Grant - Adolfo era muito visado.
O Grant, depois que se casou com essa mulher, começou a
avançar na mulher de um mineiro lá da Morro Velho. Mesmo casado ele
avançou na mulher e o mineiro acabou matando o Grant. Matou ele com
faca. Morto Grant, Adolfo perdeu o protetor, e começou a ser perseguido
pelos que ficaram. Então, ele achou por bem sair.
Primeiro, ele foi para São Paulo. Foi trabalhar na implantação de
Cubatão. Quando eles começaram a implantar as indústrias de Cubatão ele
foi para lá. Muitos de Nova lima foram para lá tentar enriquecer. Adolfo
passou dois anos trabalhando em Cubatão. Foi quando ele contraiu a
doença que o matou.
No princípio foi sífilis, mas depois, foi algo como câncer, foi a
chamada Nicola Frai, a "mula". No nosso tempo a doença chama-se Mula,
dava uma íngua. Para ser estripada naturalmente, tinha que tomar um
remédio para que ela fosse rasgada e saísse a porcaria que ficava dentro, o
pus. Mas ele lá em São Paulo sem orientação da minha mãe, sozinho, sem
amigos, sem nada, ensinaram-no a tomar um remédio à base de cachaça.
Aquelas garrafadas de raiz, como se usava no interior naquela época. Ele

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tomou aquilo. Ao invés de por para fora, recolheu. Ele pareceu ter ficado
curado. Pensou que sarou, e veio de São Paulo.
Lembro-me do dia em que ele chegou em Nova Lima no
bondinho. Ele vinha de trem até Raposos e de Raposos para Nova Lima
tinha bondinho. Minha irmã Saé estava com 17 anos e fomos à estação
esperá-lo chegar. Ela sentiu tanta emoção na chegada do irmão que,
quando ela abraçou Adolfo, desmaiou. Ela tinha uma lesão no coração e
ninguém sabia. E parece que a emoção agravou seu estado de saúde. Ela
ficou passando mal, durou mais ou menos uma semana e morreu. Saé
morreu. Minha mãe ficou em tempo de ficar louca. Diante de tudo isso,
Adolfo resolveu ir para Belo Horizonte, não quis ficar mais na mina.
Enquanto ele trabalhou lá na mina eu conheci a Morro Velho por
dentro. Foi nesta época que eu comecei a sentir a discriminação, o
tratamento que os ingleses davam aos operários. Quando eu era menino
levava o almoço para meu irmão Adolfo, para que levassem lá dentro da
mina, pois eles não me deixavam entrar.

Com o irmão, na mina

E eu via as vagonetas subindo a rampa, cheias de minério e nelas


vinha escrito a giz sobre o terno - os ingleses davam o nome de terno - 1º,
2º e 3º terno. O terno de fulano de tal, colocavam o nome, por exemplo:
Zé Preto: Campeão, tirou tantas vagonetas. Eles disputavam entre ternos a
quantidade de vagonetas que eles tiravam a mais do que o outro terno. E
esses que eram derrotados serviam de chacota.
Certa ocasião eu adentrei até o primeiro realce da mina, porque o
camarada que levava a marmita do Adolfo demorou a chegar e eu fui
entrando. E eu vi, além de ouvir, a reclamação dos operários lá na entrada
da mina. Eles disputavam quem tirava mais vagonetas de minério de
dentro da mina. De vez em quando saíam de maca, aqueles pobres
coitados, caíam de inanição, pois trabalhavam a uma profundidade
enorme. Mesmo comendo, enchendo vagonetas com pouco oxigênio, não
suportavam.
Eles tinham uma usina que formava o oxigênio e mandava-o lá
dentro. Mas aquilo era um ar viciado e ainda misturado à respiração de
animais. Porque a tração no fundo da mina era animal. As tropas de bestas
entravam lá para dentro e ficavam lá durante um ano. Depois, na sexta-
feira da Paixão tinha uma festa em Nova Lima. Todo mundo ia lá para a
beirada da mina para ver a saída dos animais da tropa. Era uma loucura.
Quando os animais viam a claridade do dia, Nossa Senhora, eles ficavam
loucos. Saltavam, relinchavam, pulavam e corriam. Aquela tropa era
aposentada, colocavam-na no pasto e entravam com outra. E ali eles
ficavam um ano só a luz elétrica, trabalhando dia e noite.

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Muitos operários não aguentavam. Como se dizia, saíam nos
panos, saíam na maca, porque caíam de inanição, de cansaço. Trabalhando
naquela profundidade, quase sem oxigênio e enchendo vagoneta com pá,
enchendo a vagoneta de minério. Era o agrião miúdo. Agrião miúdo era o
minério menor com que eles enchiam as vagonetas. Porque eles levavam
tudo, saiam as pedras grandes e as pedras pequenas. As pedras grandes
eles colocavam com as mãos nas vagonetas. E as pedras pequenas eram na
base da pá. E quando saía algum, caía de inanição, era motivo de chacota:
"Ah, você não é homem, saiu nos panos". Até brigavam por causa disso.
Eles escolhiam os piores elementos para serem os patrões de
mina. Aquele camarada que chegava lá, que era assassino, e passava por
lá... Pagavam bem, quase que em libras. Tinham o ordenado bom, os
feitores. Eles mantinham o Cabaré de Nova Lima em alta, o meretrício.
Por que os broncos, ganhando uma nota violenta, eram os “donos do
pedaço”. Chegavam lá, deitavam e rolavam com o dinheiro deles. Isso era
a Morro Velho antes da consolidação das leis trabalhistas de Getúlio
Vargas. Até 34 era assim. Depois então, que organizados os sindicatos, as
coisas mudaram, o trabalhador passou a terem direitos. Mas, antes disso,
era uma verdadeira escravidão.

Capitão Chapéu

Tinha lá um inglês chamado Capitão do Chapéu. Ele só andava


com o chapéu enterrado na cabeça, montado numa besta, daquelas
escolhidas. As bestas eram a tração no interior da mina. Depois que saíam,
na Sexta-Feira da Paixão, eram aposentadas e colocadas no pasto. Depois
de um certo tempo sendo muito bem tratadas, os ingleses, feitores e
patrões usavam como montaria. O Capitão do Chapéu tinha uma besta que
ele escolheu a mão, enorme, um animal bonito. E ele andava com uma
tala. Tala é uma espécie de cassetete de couro cru, para bater no animal.
Machuca mesmo. Ele entrava com essa tala dentro da mina, vestido a
caráter, com botas longas. E quando encontrava algum operário
descansando, cochilando, ele metia a tala no operário. Batia mesmo. Batia
no camarada. Era uma verdadeira escravidão. Aquele que reagisse, ele
mandava embora direto, quando não mandava os capangas baterem mais.
Lembro-me de um chefe dos rondeiros – chamavam de rondantes -, uma
espécie de polícia especial da Morro Velho. O chefe dos rondantes era o
Vicente Rondeiro. Ele ganhava bem, era quem escoltava o ouro apurado.
Ele batia mesmo. Era muito triste. Eles tratavam os operários como
escravos.

Dia-a-dia na mina

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Na mina, os operários trabalhavam em três turnos sem parar, das
6h da manhã às 2h da tarde, de 2h da tarde às 10h da noite, e de 10h da
noite às 6h da manhã.
Haviam somente duas paradas na Morro Velho: dia 24 de junho,
dia de São João, festa dos ingleses e na Sexta-feira da Paixão. Foi quando
menino, quando eu presenciava essas coisas, que eu comecei a me revoltar
contra os ingleses. Tanto que eu não dava a eles a menor confiança.

Moradia/Infância em Nova Lima

Minha infância foi assim. Antes de irmos para Belo Horizonte nós
morávamos nos cômodos de São Vicente de Paula. Ainda me lembro que
havia duas mulheres também assistidas: Paula e Zinha. Paula era aleijada,
andava de muleta, com uma perna só. E Zinha, era a mais nova. Eu
acompanhava Paula, que saía pedindo esmola. Eu levava o saquinho de
mantimento. Ela ia ganhando mantimento das casas onde parava pedindo
esmola e eu carregava. Arroz, feijão, açúcar. Alguns davam dinheiro
miúdo. Quando acabávamos de nossa volta pela cidade e voltávamos para
a casa, ela dava à minha mãe Ormesinda uma parte do que ganhava.
Os cômodos de São Vicente de Paula eram três cômodos de terra
batida, chão mesmo. Tinha sala, quarto, cozinha e lá no fundo a lavanderia
comunitária. O sanitário também era comunitário. Lavava-se roupa, e se
estendia lá, tudo junto. Nessa ocasião ocorreu um fato marcante na minha
vida. Passou em Nova Lima um circo.

O Circo

Um “Circo de Cavalinho”, como eles diziam. Os artistas foram se


hospedar numa casa em frente aos cômodos de São Vicente de Paula. O
circo foi armado em frente, onde hoje é o Hospital Nossa Senhora de
Lourdes, em frente à estaçãozinha de bonde que tinha ali. O bonde saía da
estação e subia até a praça do mercado, a última estação.
A Morro Velho cedia o areião, onde armava-se o circo. Esse
circo alugou uma casa para os artistas lá em frente. Havia um casalzinho
de meninos da minha idade. Uma menina muito bonita e um menino,
também, muito bonito. Eram contorcionistas. Eu fiz amizade com os dois.
Nós começamos a brincar, foi uma aproximação espontânea e me
apaixonei pela menina.
Toda noite eles me levavam lá para o circo e eu delirava de ver o
trabalho da menina, que se esgueirava numa escada passando por entre os
degraus. Ela ia até em cima e voltava feito uma serpente. Quando a
menina foi embora eu chorei, chorei muito, fiquei apaixonado. Se eu
tivesse idade até fugia por causa da minha paixão. Minha primeira paixão
foi essa garota.
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Primeiro amor

Não foi por muito tempo que eu morei nos cômodos de São
Vicente de Paula. Adolfo começou a trabalhar e logo Ormesinda
conseguiu um emprego no grupo escolar. Ela costurava os uniformes. No
próprio grupo eles costuravam uniformes para as crianças pobres. E
Ormesinda passou a trabalhar e ganhar um dinheirinho. Assim nós
mudamos de lá.
Primeiro fomos morar numa casinha atrás do Palácio das Águias,
de Bibina Sales. Depois fomos para o lado do Cemitério do Bonfim.
Adolfo já estava trabalhando, podia pagar aluguel. Nossa situação
começou a melhorar. A moradia mais marcante para mim foi no centro, ali
perto da Praça Bernardino de Lima, foi quando eu comecei a freqüentar a
casa de Bibina Sales, mulher de Chico Sales, que era a família mais rica
que havia lá. Eles tinham filhas. Não saía ali da praça, afinal, eu morava
ali atrás. Eu brincava sempre. O Chico Sales tinha, ao lado do palacete
deles, uma casa de comércio. Ele montou lá um botequim, onde vendia
doces, biscoitos. Sua filha Nezica era uma menina muito bonita. Eu era
"taradão" por ela, que não me dava confiança porque era menininha rica.
Eu estava com uns dez anos. Foi antes de ir para Belo Horizonte. E ela já
estava começando a arranjar os namoradinhos. Ela gostava do filho de um
delegado de polícia, militar, capitão. E eu era o pombo correio. Eu até
dizia que gostava dela, mas paciência levava recado para ele. Um dia ela
escreveu com tinta na perna o nome dele. Eu disse: “se você não me der
um beijo eu vou chamar a sua mãe e vou mostrar isso para ela”. Ela tentou
limpar, mas a pena era de aço e a tinta penetrou, deixando a marca na
coxa dela. E eu: “-Você tem que me dar um beijo se não eu vou contar
para sua mãe”. Fiz essa chantagem, coisa de menino. Ela teve que me dar
o beijo e acabou gostando. Foi um tempo muito divertido, de
ingenuidade...
Mas de perto da praça nós mudamos para a casa ao lado do
cemitério. De lá do fundo a gente olhava o cemitério. Nas noites muito
escuras, víamos aquele fogo saindo das sepulturas, os gases, um fogo meio
azulado. Era uma coisa interessante. Nesse tempo eu tinha ciúmes do
Adolfo. Ele já estava rapazinho, começando a namorar, e a Ormezinda me
obrigava a engraxar o sapato dele todo o dia. Eu achava aquilo uma
injustiça. E ela dizia: "tem que engraxar sim. Ele que põe comida dentro
de casa". Eu gostava muito dele, mas ficava danado da vida.

Pastorinha

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Nessa época nós fizemos parte de uma Pastorinha. Tinha uma
beata em Nova Lima, Almerinda Duarte. Ela conseguiu aprender a música
das pastorinhas, todos dos lances da música, do folclore. Ela escreveu as
músicas e ensaiou. Minha irmã Saé era o anjo. Eu era o pastorzinho,
cantava uma musiquinha muito engraçada. O pastorzinho entrava com
uma trouxa, como se fosse alimento, e um chapeuzinho. No Natal,
visitávamos as casas que com presépio e cantávamos, fazíamos a
encenação. Tinha o anjo, o demônio, Herodes. Tudo conforme a beata nos
ensinava. Íamos de casa em casa contando a vida de Cristo. Era uma
espécie de ópera, tudo era cantando, um espetáculo lindo. Tinha até
orquestra, afinal a Almerinda tocava violino. Ela arranjou uma orquestra
para ensaiar. Íamos passando nas casas de Nova Lima. Uma coisa linda.
Cada um fazia a sua roupa. Minha mãe fez o vestido do anjo de asa. Era
bonito, Saé era uma morena clara bonita demais, sobrancelha fechada,
muito inteligente, uma coisa extraordinária. Apesar de que, para começar
a estudar, Ormesinda teve que bater muito nela, porque no princípio ela só
ia para o grupo de baixo da vara de marmelo. Um ano ela ficou indo a
força. Depois, mamãe disse: “já que você não quer, deixa”. Saé passou
um ano sem estudar. No ano seguinte ela disse para a Ormesinda que
queria voltar a estudar no grupo, e Ormesinda a matriculou. Depois daí,
foi dez de cabo a rabo. Passou do primeiro ao quarto ano: só ganhava dez!

Os brinquedos e o Papai Noel

Minha brincadeira favorita era soltar papagaio. Eu mesmo fazia


os meus brinquedos. Rodava arco: um arame entortado com um arco de
barrica. Saía rodando aquilo. Fazia também os carrinhos. Pegava uma lata,
batia um prego num cabo de vassoura e estava pronto o brinquedo.
Eu cheguei a falar do meu primeiro Papai Noel?
Eu brincava sozinho, porque não tinha com quem brincar. Não
ganhava presentes de ninguém, porque minha mãe não podia me dar e não
havia ninguém que me desse. Aos sete anos, ocorreu um fato que marcou a
minha vida. As damas da sociedade de Nova Lima faziam anualmente
uma coleta entre elas para dar brinquedos, para fazer o Natal dos meninos
pobres. Distribuíam balas, bolas e bonecos para as crianças. Eu nunca
havia entrado nessa história, porque minha mãe não incentivava. Minha
mãe nunca mentiu para mim sobre Papai Noel. Mas afinal de contas, ela
falou: "Ó Waldir, acho que você devia ir lá, também é pobre... entra na
fila e vê se pega um brinquedo de Papai Noel". E eu fui. Entrei numa fila
danada de grande. Aquela meninada e as madames, as damas lá
distribuindo os brinquedos. Quando chegou a minha vez, me deram um
galinho de lata, um assobio e falaram comigo: "olha, você deve ficar
muito agradecido porque ganhou esse presente de Papai Noel." Eu tive
uma revolta tão grande que deu vontade de jogar fora o galinho na
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presença delas. E achei Papai Noel muito injusto, muito discriminativo,
pois os meninos ricos tinham tudo e os pobres nada. Me revoltei com
aquilo e isso fez com que eu criasse meus filhos sem a ilusão do Papai
Noel, sem a mentira do Papai Noel. Porque eu acho que iludir a criança
com o Papai Noel é falar a primeira mentira com o filho, porque quando
ele chega a idade adulta ele fala assim: “meu pai mentiu para mim, Papai
Noel não existe”...Mas, enfim, ainda continuam a acreditar e eu continuo a
achar que Papai Noel é um bom engodo, puramente consumista e só
favorece aos ricos, pois eles é que vendem essa ilusão.
No Natal havia muitas celebrações. Eu mesmo participei das
celebrações do Natal, porque minha mãe era muito católica e me obrigava
a ir à missa todos os domingos. E eu era muito obediente. Além de tudo,
eu não podia nem deixar de ir, porque ela conhecia todos os paramentos.
Todo o domingo ela ia a missa e por isso, conhecia a cor do paramento.
Ela estudava, lia muito, sabia todos aqueles paramentos do padre. O culto
em si, ela acompanhava tudo direitinho: homilia, novenas, tudo, ela sabia
tudo. Quando eu chegava em casa, falava: “mãe, eu fui à missa”... Ela
sempre ia à missa mais cedo do que eu. Ia na missa das cinco horas, e eu,
às vezes ia na missa das oito. Eu ficava olhando as meninas... minha
intenção era paquerar as meninas... E eu tinha que ir lá olhar a cor do
paramento, porque se eu não falasse certo, ela me dava uma surra. Era
uma pancada, eu não podia falhar que eu apanhava.

Igreja / Religião

A Igreja era Matriz de Nossa Senhora do Pilar, que é nossa


padroeira. Agora está até muito atualizada, tem um altar que veio do
interior de Minas, de uma fazenda que a Morro Velho comprou no interior
de Minas, perto de Congonhas, acho que é a Fazenda da Jaguara.
Encontraram na capela desta fazenda um altar esculpido por Alejadinho. E
a Morro Velho doou esse altar. É o que está agora na Matriz de Nossa
Senhora do Pilar. Mas, na época, era um altar comum, feito de alvenaria.
Esse que foi doado é todo de madeira, todo esculpido pelo Alejadinho.
Isso é o que dizem, eu não posso garantir nada. Esse altar está lá há pouco
tempo, foi doado nesse século, em 1926. Parece que tem muito tempo,
mas não tem tanto tempo assim, porque eu já me entendia por gente
quando ele foi doado. Eu tinha dez anos.

“Eu cheguei a ser coroinha da igreja.”

Ajudava o padre a celebrar a missa em latim, respondia em latim.


Eu tinha que saber mesmo o latim. Lia todo o acompanhamento, toda a
homilia. Todas as orações que o padre falava eu respondia em latim, tudo
em latim. E com isso também eu comia muita hóstia. Ia buscar hóstia na
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casa da fabricante de hóstia lá no bairro Zig-zag e antes de chegar na
igreja eu comia metade das hóstias. Era uma delícia, e bebia vinho do
padre. De vez em quando eu dava uma bicada no vinho, lá na sacristia. Se
Ormesinda soubesse ela me matava de vara de marmelo. Eu era muito
católico, era quase obrigado, porém no fundo eu gostava. Não era fanático,
mas a minha mãe sempre me instruiu para isso, me pôs na religião. Nunca
exigiu de mim que eu me tornasse padre, só que eu devia seguir e praticar,
ser católico praticante. Eu fui a meu modo, nunca fui fanático.
Todas as festas a igreja promovia. Havia um padre muito
dinâmico nesse sentido, Padre Joaquim de Coelho Cansado, era o nome do
português. Ele era de uma severidade terrível. O povo de Nova Lima tinha
verdadeiro pavor dele, porque quando falava na hora da missa, ele citava o
nome de todo mundo da cidade, falava mal das pessoas, xingava. Ele era
terrível!
Carnaval em Nova Lima, no tempo do Padre Joaquim, era sábado,
domingo, segunda e terça até meia-noite. Até o cabaré fechava à meia-
noite de terça-feira. Se tivesse qualquer coisa, o padre Joaquim virava
bicho. Quando era terça-feira de carnaval, depois da meia noite,
fretávamos automóveis e íamos para Sabará, acabar o carnaval em Sabará.
Íamos dançar no Cravo Vermelho. Já éramos rapazes. O carnaval da
infância eu não lembro muito porque eu não passei a minha infância toda
em Nova Lima. Passei a minha infância praticamente em Belo Horizonte.

CORTAR ESSA PARTE:


Esse sulafricano era chefe do setor de eletricidade dentro da
minha e fez muita amizade com Adolfo, meu irmão. E os outros
empregados não gostavam disso, ficavam com raiva, diziam que ele era
puxa-saco do Grant. Adolfo apenas retribuía a amizade que o patrão dava.
Inclusive foi Adolfo que foi pedir em casamento sua esposa. Grant se
apaixonou pela empregada, a doméstica dele. Uma moça lá de Nova Lima,
começou a namorar, e casou-se com ela. Adolfo foi o cupido que andava
fazendo o namoro dos dois ir para frente. Mas, ele foi assassinado porque
depois de casado ele se engraçou com a mulher de um operário, foi
apanhado em fragrante e o camarada pegou ele. Mas quando o Grant
morreu, Adolfo caiu em desgraça no serviço. Não foi mandado embora,
mas sentiu que deveria sair da Morro Velho, porque já não tinha ambiente
lá. Ele pediu as contas e saiu.

Belo Horizonte

Em 1928, nós viemos para Belo Horizonte. Eu ia fazer 12 anos.


Viemos para cá porque o meu irmão Adolfo, quando chegou de São Paulo,
voltou a trabalhar na mina, mas ocorreu aquele problema com os outros

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operários, por causa da amizade que ele tinha com um sulafricano
contratado da Morro Velho.
Foi quando viemos para Belo Horizonte eu, minha mãe e Adolfo.
Ficamos aqui de 28 a 32. Quando a revolução de 1930 ocorreu, Adolfo
trabalhava no centro da cidade, no Departamento de Eletricidade do
Estado. Ele era eletricista do Departamento de Estado. Ele corria perigo de
vida, pois o centro estava muito perto da operação revolucionária. Porque
a revolução aconteceu mesmo. Aqui em Belo Horizonte foi um caso sério.
Graças a Deus saímos incólumes.

A revolução de 1930

(...) Ah, a revolução aqui foi uma coisa terrível! Realmente foi
uma disputa armada. Houve muitas mortes, muita destruição. O Barro
Preto ficou completamente destruído. As casas do bairro, os postes de
eletricidade foram cortados à metralhadora. Tudo porque o quartel do
12RI era lá, como é até hoje, e a polícia militar sitiou o quartel do
exército. Foi polícia contra exército. Todo mundo teve que sair de lá
porque morreu muita gente. Como morreu muita gente até no cemitério do
Bonfim: as pessoas que iam para o cemitério porque lá era mais alto para
ficar assistindo à luta. As balas perdidas vinham e matava o sujeito no
cemitério. Muitas pessoas morreram. Iam balas perdidas até lá em Santa
Ifigênia!
Durante a Revolução de 30, como eu disse, morávamos em Santa
Ifigênia naquela casinha e meu irmão estava trabalhando no centro da
cidade. Eu e minha mãe ficávamos muito preocupados, porque ele corria
sério perigo no centro da cidade. Mas como o Departamento de
Eletricidade precisava muito do serviço dele - ele até fazia hora extra,
porque era muito solicitado por causa dos cortes de energia que estavam
acontecendo. Realmente foi uma guerra armada. A polícia era um pipocar
de tiros de fuzil, metralhadora, até canhões. E assim começou o êxodo das
famílias.
Passavam lá por Santa Ifigênia, procurando a estrada de Nova
Lima. Todo mundo fugindo de Belo Horizonte por causa dos estragos que
estavam ocorrendo em todos os lugares, principalmente no centro e no
Barro Preto, Calafate, Prado, aquilo tudo estava completamente arrasado.
Quando acabou a revolução foi preciso reconstruir tudo de novo.
Houve uma destruição quase total desses bairros. Mas nós
ficamos em Belo Horizonte porque meu irmão trabalhava e não podíamos
sair. Felizmente conosco não aconteceu nada. Mas eu vi o que aconteceu.
Quando houve o rendimento do 12RI, eu fui ao quartel, e vi que a
destruição foi praticamente total e o 12RI só se rendeu porque eles ficaram
sem alimento e sem água. A polícia cortou o fornecimento de água e

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aqueles animais, os cavalos atingidos, mortos e feridos, começaram a
apodrecer.
Assim, eles não tiveram alternativa se não se render. Depois da
rendição foi que a polícia começou a sair, a marchar em direção a São
Paulo, para continuar a revolução. O governo de Washington Luís foi
deposto.
A revolução foi em 1930 e ficamos aqui depois disso mais dois
anos. Voltamos para Nova Lima em 1932.

A política na juventude

Politicamente, eu não era muito bem informado, porque não me


interessava muito, estava na adolescência. Mas eu lia os jornais, ouvia as
rádios. No meu ponto de vista de fato, o sistema de governo daquela época
era muito corrupto. Porque a Aliança Liberal, do Antônio Carlos de
Andrada, de Belo Horizonte, que organizou toda a reação contra a eleição
do Júlio Prestes, estava certa porque foi uma eleição de cambalacho. Não
era para ele ganhar, aquilo foi imposto. Porque Washington Luís, os
paulistas, botaram o peso em cima da candidatura dele, foi por isso que ele
ganhou. E foi por isso que Aliança Liberal, que era chefiada por Antônio
Carlos reagiu. Antônio Carlos não queria ser eleito. Ele queria eleger
um mineiro para poder manobrar, porque ele era político sabido e não
queria aparecer. Porém, quando foi dado o resultado da eleição, e Júlio
Prestes foi declarado vencedor, o movimento no Rio Grande do Sul, aqui
em Minas Gerais, lá na Paraíba, foi desencadeado. Além de tudo, houve a
morte de João Pessoa, na Paraíba. Tudo isso aconteceu para precipitar a
reação do povo contra aquela política corrupta.
Começaram a ocorrer movimentos revolucionários no Brasil
inteiro. Principalmente no Rio Grande do Sul, na Paraíba, em Minas, no
Norte, Recife. Foi quando Getulio Vargas apareceu e foi muito apoiado.
Antônio Carlos logo o apoiou porque achava que Getúlio Vargas ia ser
fácil de se manobrar.
Acontece que o primeiro a quem Getúlio Vargas deu uma rasteira
foi Antônio Carlos. O primeiro que ele tirou da jogada foi justamente o
presidente da Aliança Liberal, o Antônio Carlos. Meu pensamento era
esse. Não muito firme, porque eu não era interessado em política naquela
época.

Populista / revolucionário ?

Mas como sempre fui muito populista, sempre fui do movimento


popular, fui a favor da revolução. Mesmo vendo tudo isso, porque uma
revolução é uma guerra armada, pode ser civil, mas uma revolução é
sempre muito violenta.
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Ormesinda, muito bem informada, também era uma populista. Foi
sempre contra a dominação do capitalismo em cima do povo. Nós todos
sentimos na carne. Adolfo era apenas um trabalhador. Politicamente, ele
era completamente afastado. Adolfo era uma pessoa que, nesse sentido,
não atuava absolutamente em nada. Mas Ormesinda possuía as mesmas
idéias que eu. Aliás, eu sempre comunguei as idéias de minha mãe. Ela foi
minha mentora em todos os sentidos. Eu tenho orgulho de dizer que nessa
vida, sempre fui dominado por mulher. Primeiro por minha mãe, e agora,
pelas outras.
Mas na época eu quase nem me interessava por política... Eu era
muito jovem e a adolescência no meu tempo não era muito politizada. Eu
era mais avançado, porque minha mãe era politizada e avançada. Ela
conversava comigo. Mas a maioria dos meus contemporâneos, da minha
faixa de idade, não eram muito ligados à política. Foi da revolução para cá
que houve realmente movimentos políticos, mais ou menos consideráveis.
Foi a partir da revolução. Porque antes, na Velha República, só houve uns
dois momentos. No governo de Arthur Bernardes, ele governou em estado
de sítio. Mas os presidentes da Velha República só ficavam lá quatro anos
para se elocupretarem de tudo quanto era vantagens, favores.
Epitácio Pessoa chegou a construir um palácio em Veneza com o
dinheiro do Brasil. Era o que eles faziam. Cada um entrava lá só para
quatro anos de roubalheira. Só depois da Revolução de 30 é que
começaram movimentos realmente políticos, de monta e tudo. E o povo
começou a tomar parte mesmo na política.
Não me lembro das questões políticas da Revolução de 30.
Só lembro que daqui, ela partiu para o interior, para São Paulo. Minas
Gerais continuou a vida. Quem governava nessa época? Acho que era
Antônio Carlos Ribeiro de Andrada... O chefe lá da Aliança Liberal. A
questão da História... Isso foge da memória... Eu era muito novo. Mas eu
fui e aliás eu sou, por formação moral, um revolucionário.
Eu sou a favor de todas as revoluções desde que sejam a favor do
povo, que seja feita pelo povo, para o povo. E a Revolução de 30 foi feita
pelo povo e para o povo. Porque a Velha República era um antro de
políticos que só procuravam tirar proveito durante o período que eles
estavam no poder e além de tudo eram eleições cheias de cambalachos.
Faziam tudo quanto há. Quem estava no poder, sempre ajudavam os que
eles estavam apoiando. Tanto que nessa ocasião a política do café-com-
leite. Um ano dava mineiro, outro ano dava paulista. O ano que falhou, era
para dar mineiro e deu paulista, a revolução foi deflagrada. Porque o
candidato de Minas Gerais não era Júlio Prestes. Não era mineiro, mas era
um que Minas Gerais tinha interesse e Washington Luís apoiou Júlio
Prestes e ele ganhou. E por esse motivo a Aliança Liberal encabeçou a
Revolução.

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Apuração do Ouro

Mas, infelizmente, quando foi em 1932, no princípio de 32, meu


irmão teve a recaída da doença. Foi quando o mal que o afligia, que estava
recolhido saiu, foi na laringe... Foi uma doença venérea de fundo sifilítico
muito perigosa, chamava-se "Mula". Depois deram o nome de Nicola Frai.
No tempo do meu irmão, ela tinha o apelido de “Mula”. (...) Aquilo se
transformou num câncer. Ele perdeu a voz, ficou sem voz, com o pescoço
inchado. Não teve jeito. Quando foi em 32, nós saímos de Belo Horizonte
para Nova Lima, porque ele queria morrer em Nova Lima. Ele disse para
minha mãe: "Vamos para lá que eu quero morrer na minha terra". E nós
fomos para Nova Lima. Chegamos lá na pior situação possível. Ele
doente, minha mãe tendo que tomar conta, eu ainda não trabalhava, sem
emprego. Foi quando eu me vi na necessidade de arranjar um emprego
com urgência. Passei a ser a esperança, o arrimo da família.
Estava com 16 anos quando eu fui obrigado a pedir um emprego
na Morro Velho: Saint John Del Rey Mining Company, a Companhia de
Morro Velho. O único lugar onde consegui me empregar foi na apuração
de ouro. Chamava-se redução. Eu trabalhava lá na reparação de pedras de
minério. Separava os minérios. Isso era pesado, estafante, ficava
selecionando as pedras. Ali eu passei oito anos. De seis a oito anos eu
trabalhei naquela sessão. Eu fiquei conhecendo todo o processo da
apuração de ouro em Morro Velho.
O processo começava com a extração do minério dentro da mina,
no subsolo. O minério vinha em vagonetas. Os mineiros enchiam de
minério aurífero as vagonetas. Subiam a rampa e eram despejados em silos
enormes. Eles construíram uns silos muito grandes e estes abasteciam as
mãos de pilão. Eram 24 calhas com quatro mãos de pilão, oito mãos de
pilão cada calha. E nós, os meninos, batíamos, cavoucávamos o minério;
ele escorria e a mão batia. Era uma espécie de revólver que erguia o pilão
e soltava, batendo. Era um barulho ensurdecedor. Aquelas mãos de pilão
batendo dia e noite, não paravam. Só parava na Sexta-Feira da Paixão ou
no dia 24 de junho, que era o dia da Festa da Companhia. Eram os únicos
dois dias do ano em que parava o serviço na Morro Velho. Era gravíssimo.
Onde eu trabalhava tinha que por um chumaço de estopa no
ouvido e nem falando muito próximo se ouvia. Nós nos comunicávamos
por gestos, como surdo-mudo. Nos comunicávamos por um sistema que
eles mesmo criaram para comunicação à distância. Eles contavam a
distância o filme que tinham visto no cinema. Você contava o enredo do
filme todo para o camarada e ele te entendia por gesto. Era uma coisa
incrível, mas impressionante. Quando, às vezes, dava uma pane na
eletricidade e, repentinamente, as mãos de pilão paravam de bater, se a
gente estivesse dormindo assustava. Acordava com o silêncio. A cidade
todinha. O povo se habituou a esse barulho. Era um barulho muito
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retínico, um barulho só. Tipo um tic-tac. Um barulho constante que se
você se acostumasse com ele não sentia. Era o que acontecia com o povo
de Nova Lima.
Eu sofri muito. Eu chegava a chorar de tanto trabalho. Às vezes,
vinha aquele minério, pois eles aproveitavam depois que a areia ia até no
galo onde tiravam o minério para fazer arsênico.
Havia fábrica de arsênico. Dali voltava aquela areia outra vez.
Jogavam tudo dentro do silo, para aproveitar mais vezes. Apurava tudo. E
essa areia já vinha úmida e formava uma massa dura, parecendo cimento,
como concreto. Você batia e não saía. E havia umas pás com cabo longo,
resistente. Você ficava ali batendo com aquelas pás. Às vezes saía até
fogo. E nessa máquina, de vez em quando, batia ferro contra ferro e o
feitor chegava. Ele batia nos meninos. Eram meninos, adolescentes
como eu, 14, 16 anos...

Turnos de trabalho

Um sofrimento. Trabalhava-se de três turnos. Um turno entrava às


6h da manhã, saía às 2h da tarde. Outro turno entrava às 2h da tarde e saía
às 10h da noite. E, outro turno entrava às 10h da noite e saía às 6h da
manhã. Cada semana eu trabalhava em um turno diferente. Por exemplo,
hoje, segunda feira, entrava no turno das 6h da manhã. Até sábado eu
trabalhava saindo às duas horas da tarde. Na semana seguinte, eu entrava
às 2h da tarde e saía ás 10h da noite e, assim, íamos revezando. E quando
aquela turma estava, pela manhã, das seis as duas, no domingo ela
dobrava. Fazia de 6h da manhã às 6h da tarde. E a turma que estava de 2h
às 10h da noite, fazia das 6h da tarde às 6h da manhã. Não adiantava
reclamar. Não tinha lei. Quem reclamasse era mandado embora. Sem
direito a nada e pronto. Eles faziam o que eles queriam.

Na Mina a morte andava por perto

O camarada era atacado pela doença da silicose, espécie de


tuberculose provocada pelo pó de minério no pulmão. Adoecia, mandavam
ele embora e ele morria, só que nada acontecia. Muita gente morria. Além
dos acidentes de trabalho, que ocorriam toda semana, morriam dezenas de
homens. Dentro da mina de ouro, eles perfuravam a rocha toda com brocas
para enfiar as bananas de dinamite. Em seguida, eles saíam da área de
risco e acionavam o mecanismo detonador, do lado de fora da mina. Só
que muitas vezes falhava uma das bananas de dinamite, nem todas
explodiam. Quando, em outra ocasião, sem querer, um dos operários batia
com a pá numa dinamite que não havia sido detonada, esta explodia e
pegava a turma toda lá trabalhando. Arrebentava tudo. Os homens saíam
aos pedaços, saíam no saco. Tinham que recolher pedaços de operários no
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saco. Era terrível. Isso era terrível. Toda semana eram dezenas. Só depois
de Getúlio é que as coisas começaram a melhorar.
Existem muitas histórias sobre isso. Teve um caso que não foi do
meu tempo, mas a minha mãe me contava, porque ela conheceu a pessoa.
Chegou à Morro Velho, pediu emprego, porque lá os forasteiros, as
pessoas de fora, constantemente procuravam emprego. Ele foi aceito e
preencheu os papéis e foi designado que ia de 14h as 22h. Ele entrou,
ficou conhecendo a mina. Mas, acontece que ele trabalhou o primeiro e o
segundo dia, só que no terceiro, ele estava cansado, afinal não estava
acostumado com o ritmo e falhou ao serviço. Falhou e se livrou de morrer
porque a turma dele explodiu.
No dia seguinte, ele estava sozinho. Compuseram outra equipe
para ele trabalhar. Quando ele chegou lá no local do acidente... Porque
quando acontecia acidente, imediatamente limpava-se tudo. Escorava a
rocha que estava para cair com madeira e ponto final. Quando ele chegou
ao local, olhou para cima e ele disse que tinha uma pedra com uma
abertura... Olhou para cima, voltou e disse: "Eu, hein!". Pediu as contas,
recebeu os dois dias que ele tinha trabalhado e se mandou, foi embora.
Passaram-se alguns anos. Ou ele esqueceu, ou a necessidade o fez voltar a
pedir emprego na Morro Velho e, naquele local que ele teve medo, aquela
pedra caiu sobre ele. Aquela mesma pedra pela qual ele fugiu por temor,
caiu sobre ele.
Tinham casos assim de fatalidade. Ele tinha que morrer naquele
local e entrou para morrer. Mas lá, quando morriam esses sujeitos que não
tinham nem parente, a companhia fazia o enterro. Eram como animais,
recolhiam os pedaços, compunha mais ou menos o corpo, e enterravam lá.
Eu, por exemplo, era convocado no meu serviço para acompanhar e
carregar o caixão daqueles infelizes que iam ser enterrados. A gente é que
ia enterrar o pobre coitado. Era assim, até que as leis vieram para nos
ajudar.

“Tijolinhos de ouro puro”

Bom, eu estava falando do processo de apuração. Depois de


triturado com água, o ouro se transformava em areia. Formava uma areia e
descia aquela água. E passava por uns rolos para fazer uma espécie de
liquidificador, para por mais fina a areia. Entrava aquela areia grossa que
vinha ainda com pedras, pedras miúdas. E punha nessa espécie de
liquidificador. Aquele ia rolando e liquidificando aquelas pedras, aquele
resto de areia. Saía aquela areia mais fina e ia para uma espécie de esteira.
Chamava-se tremedeira. Eram umas câmaras de couro. E a areia leve caía
e o ouro, que era pesado, ia se penteando nos pentes. Saíam aqueles filetes
de ouro. Pingava num só lugar. Eles apuravam até o último grão de areia

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ali naquelas câmaras de couro. Aquele ouro, ainda cheio de impurezas, ia
pingando.
Dali, ele ia para o processo de separação do ouro e dos outros
metais. Separavam todos os outros metais da rocha. Passava por aquele
processo com reagentes químicos. Após a passagem pelo processo
químico, já era o ouro puro. O ouro puro chegava à fundição. Era onde se
fundia o ouro. Faziam aquelas barras de tijolo. Tijolinhos de ouro puro.
Era isso o ano inteiro.
Eles enchiam os vagões do bondinho. Tinha um bonde de tração
elétrica que puxava esses vagões de ouro até Raposos, onde embarcava
nos vagões da Central, e ia para a Praça Mauá, lá para o Porto do Rio de
Janeiro. E lá embarcava nos navios. Os porões dos navios cheios de ouro
para levar para a Inglaterra. Esse era o processo: extração, separação,
apuração, fundição.
Tinha a britagem, onde se colocava nos silos e britava... Passava
para os rolos, uma espécie de liquidificador. Daqueles rolos passava para
as câmaras de couro, para as tremedeiras por onde passava água. Ia
caindo e havia umas varetas de metal. O ouro que era pesado ficava no
filete e o resto descia com a água para outro destino qualquer. Por
exemplo, para queimar, enchia as vagonetazinhas e o bondinho levava
para o Galo, para produzirem o arsênico. O Galo tinha um forno para
queimar o minério e apurar o arsênico. O negócio era tão violento que o
Morro não tinha mato. Em volta desse forno de queimar minério para
arsênico não nascia nada. Muito veneno. Envenenavam muita gente. O
povo que trabalhava lá. Não tinha índice de periculosidade, nem nada. Os
que trabalhavam lá, se morriam, acabou. Colocavam outro no lugar. E eles
não tinham nem noção do perigo. Mesmo que tivessem, precisavam
trabalhar. Era uma coisa muito terrível, mesmo.

Volta à Nova Lima

Quando voltamos para Nova Lima, fomos morar na casa da minha


tia, irmã da minha mãe. Chamava-se Maria e tinha o apelido de Bia, e
casada com Laurindo.
Mas como eu ia dizendo, morei uns tempos, até que nós
arranjássemos um lugar para ficar, na casa de meu tio Laurindo. Era uma
família muito grande, de muitos filhos. Nós ficamos lá, mas muito mal
acomodados. Havia um Bom-será, era umas casas populares que a
Companhia fazia. Era semelhante aos de São Vicente de Paula, só que em
melhores condições. Possuía lavanderia separada, comunitária, tinha a
cozinha comunitária. Ormesinda conseguiu arranjar um lugar lá com uma
amiga dela. Nós já tínhamos morado, antes de irmos para Belo Horizonte,
nesse Bom-será, chamado Bom-será das Campinas. Desocupou um dos

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quartos e Ormesinda perguntou ao encarregado se poderia ficar lá até
arranjar um quarto em meu nome, porque eu já era empregado.
Ela ficou morando lá com Adolfo. Eu estava trabalhando, não
podia cuidar de meu irmão, e ela ficava cuidando do Adolfo, já muito
doente.
Eu fui morar na casa do meu tio, Euclídes, pai de Maria Ifigênia,
minha prima. Ele era casado e tinha dois ou três filhos. Ele ganhou uma
casa lá na Vila Operária. Como a casa dele tinha um porão muito alto e eu
já estava trabalhando, ele falou comigo: "Porque que você não faz aqui
dois quartos com esteira, cerca com esteira, esteira brochada a cal... não
faz uns cômodos para você e Ormesinda morarem aqui? " Ele era sobrinho
dela. Nós fomos para casa de Euclídes. Eu comprei o material e eu mesmo
fiz dois quartos. Um para mim e um para minha mãe. Nós ainda ficamos
lá uns tempos.
E, como eu comecei a melhorar de situação, arrumei uma
moradia. Eu não consegui mais morar em casa da Companhia, porque eu
era menor de idade, mas Ormesinda começou a trabalhar. Ela arranjou um
emprego como varredeira de rua da Morro Velho. Varria as ruas do bairro
dos ingleses e, além disso, costurava. Ela trabalhando de um lado, eu
trabalhando de outro, nós fomos levando... Eu arranjei uma casa na Vila
Esportiva. Atrás do Liceu de Imaculada Conceição, tinha uma rua ali. Eu
arranjei uma casa. Um porãozinho melhor.

Laurindo

Laurindo era patrão no sistema de apuração. Era um daqueles que


tomava conta, ficava olhando do alto quem é que estava tentando roubar
alguma coisa, para não deixar. E era uma tentação. Os meninos eram os
que trabalhavam nas tremedeiras. Tinha o local onde caía o ouro todo e
então à noite, apesar da muita iluminação no local onde caía o ouro, o
menino chegava instruído por pessoas mais velhas, chegava com a
canequinha e botava ali para pingar o ouro e depois, disfarçadamente, ele,
macumunado com qualquer pessoa lá, tentava levar o ouro.
Cuidar dessas coisas com menino é muito perigoso porque ele
entrega mesmo, não sabe. E muitas vezes, quando eles conseguiam tirar
alguma coisa, ter êxito, os burros dos camaradas começavam a dar
bandeira... Compravam roupas, compravam terrenos. Desconfiavam,
apertavam eles, que logo confessavam e acabou. Os ingleses e os patrões
vigiavam a saída dos camaradas, principalmente dos que lidassem mais
com o ouro, que não fosse minério pobre ou ainda por apurar. Os operários
eram revistados totalmente antes de sair. Porque eles trabalhavam na
fundição e em todo local que havia acesso ao ouro, todos eram muito
fiscalizados. Fiscalizavam até os visitantes.

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Cicerone

Uma ocasião eu estava de cicerone, acompanhando um grupo de


cariocas que foram lá, gente fina mesmo. Havia uma sessão lá que possuía
um sistema mais antigo. Eles mantinham o sistema funcionando em
exposição, justamente para os visitantes. E havia o rolo inclinado que,
quando estava lavando, deixava aparecer o filete de ouro que era pesado e
agarrava na lona. Uma das madames do grupo, naturalmente, abriu a
bolsa, tirou um papel e começou a passar no filete de ouro. Ah, o inglês
viu lá de cima e veio feito louco, desceu as escadas e falou comigo:
“Waldir, olha aquela senhora ali, fala com ela..." Ele não falava muito
bem português e me mandou falar que não podia fazer aquilo. Eu fui,
cheguei perto dela, e falei: "a Senhora vai me desculpar, mas vai ter que
me dar esse papel. Nós vamos lhe dar uma pedra, um minério bem bonito,
vai ser o souvenir..."; "Ah eu estou levando para souvenir", ela disse. "Nós
damos um souvenir. A senhora vai me desculpar, mas isso aqui é ouro
puro". "Ah, não pode não, por quê?" "Não pode, minha senhora. É
proibido".
Havia sempre esses casos pitorescos, engraçados. Teve um outro
caso com um rapaz. Mas essa história eu morri de rir. Foi uma coisa
hilária. Ele estava sozinho. As pessoas geralmente vinham com alguma
recomendação, o que dava acesso completo a todo processo. Nesta época
eu já era cicerone. Foi depois que eu passei para o escritório, para
trabalhar na parte burocrática. Como eu tinha trabalhado em todas as
etapas do processo, conhecia todo o sistema de apuração. Quando chegava
alguma comitiva de visitantes, ou um visitante sob recomendação, eles me
convocavam. Telefonavam para mim, para eu poder acompanhar o
visitante. E esse era um rapaz, um rapaz até muito simpático. Eu não
fiquei sabendo seu nome, apresentava-se na hora. Ele era importante, veio
recomendado. E nós fizemos todo o trajeto. Ele era muito conversador,
muito alegre. Fomos até a fundição de ouro. Foi quando eu mesmo fui
conhecer o depósito de ouro da Morro Velho. Foi com esse rapaz. Nunca
tinha entrado lá. Como ele era especial, eu entrei com ele. Havia uma
mesa gigantesca dentro do salão. O salão era como uma casa muito
grande. E tinha prateleira em volta, todas cheias de coisas de ouro,
barrinhas de ouro puro. Aquilo tudo amarelinho, brilhando feito o sol. E
no meio do salão, uma mesa grande, enorme, cheia de pepitas de todos os
tamanhos. Pepitas pequenininhas organizadas como um mostruário. O
rapaz entrou lá comigo e logo comentou: "Ah, são muito bonitas... Que
coisa formidável, que riqueza!" Ele chegou, aproximou-se da mesa e
pegou uma pepita, de um tamanho razoável. Pegou e pôs na boca, mordeu
e fez um movimento com a boca como se tivesse engolido. E deu a
impressão que ele tinha engolido o raio da pepita.

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Havia o Sam Bunda Molhada, o chefe da fundição de ouro. Todo
mundo lá tinha apelido e ele sempre tinha a bunda molhada. Um bundão
enorme e sempre molhado. Ele dessorava suor pelo ânus. Eles deram o
apelido dele de Sam Bunda Molhada. Ah, o Sam Bunda Molhada ficou
louco: "Ah, não...Olha, o Senhor não vai poder sair daqui. O Senhor vai
ter que ir lá no hospital da Morro Velho, da Companhia e esperar o senhor
expelir essa pedra, porque o senhor não pode levar essa pedra..." "Ah, mas
eu não vou fazer isso de jeito nenhum. Ninguém vai me obrigar a tomar
purgante". Ah, vai... Não vai. Vai, não vai. Vai, não vai. E ele: "Não tem
lei que me faça fazer isso. Amanhã, na hora que sair naturalmente eu
devolvo. Lavo direitinho e devolvo. Mas eu não vou fazer isso"... "Ah,
vai"... E então o Sam chamou os chefes maiores e o rapaz disse: "Eu não
vou fazer isso. Eu sou um cidadão brasileiro e...". Mostrou quem ele era...
E eu só ouvindo. E ele falando: "Eu não vou mesmo. De jeito nenhum,
nem arrastado vocês me levam para o hospital". Ele foi caminhando para a
saída da mina... E quando chegou no portão da saída, falou para o Sam:
"Sam, querem ver onde está a pepita? Tá aqui..." Passou a mão na orelha
do Sam e disse: "está aqui"... Ele era desses mágicos e fez de conta que
tinha engolido, mas estava com a pepita entre os dedos. Ah, mas o Sam
ficou louco. Era assim. Coisas muito engraçadas. Foi uma gozação geral.
Ah, eu pus a boca no trombone, espalhei mesmo. Eu já não gostava dos
ingleses, nunca gostei deles...

O namoro / a boemia / o cabaré

Foi ali que eu comecei a namorar Leonícia. Eu já estava rapaz


mesmo. Homem. Quando voltei para Nova Lima, aos 16 anos, eu
já caí no fandango.
Eu dançava muito bem e comecei a frequentar a Sede do Vila
Nova, a Sede do Retiro e logo parti para o cabaré.
Eu não saía da zona boêmia. Nesse tempo eu trabalhava no final
do processo de apuração do ouro. Trabalhava no laboratório e tinha um
horário especial, com uma hora a menos. Eles davam vantagem para o
trabalho de risco e o laboratório já era considerado zona de risco, já por
influência das leis de Getúlio Vargas. Eu saía de lá do laboratório e ia
direto para a zona. Ficava das três horas até as seis horas da tarde com as
mulheres na zona. De tarde, é de tarde. Quando eram seis horas, eu ia
a casa, tomava banho, jantava, vinha para a cidade, namorava, tomava
minha cervejinha. Quando davam dez horas eu voltava para a zona. Eu ia
para o cabaré. Era hora de a gente tapear os coronéis. Eu promovia no
salão do cabaré aquelas prostitutas que dançavam bem. Elas pagavam meu
ingresso e eu dançava com elas. Os coronéis que estavam em volta,
bebendo cerveja, falavam: "Eu vou roubar aquela mulher daquele

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menino". Chamava e ela acompanhava ele. E eu pegava outra e saía com
ela.
Quando era na madrugada, eu ia buscar o meu dinheiro, ela me
dava parte do que arrecadava. Eu servia de atração porque dançava muito
bem.
Eu vivi nessa vida dos 16 aos 25 anos. Porém, certa ocasião, eu
tive medo de adoecer. Eu tive uma probabilidade de pegar uma carga de
doença venérea muito grande. Eu tinha uma sorte incrível, nunca pegava
nada, e olha que eu fazia amor com todas...
E eu fui confidente, elas me contavam tudo que acontecia com
elas. Em compensação, quando elas caíam em desgraça... Por exemplo,
quando alguma adoecia, não podia faturar e precisava de remédio, quem
comprava remédio era eu. O coronel nunca se responsabilizava. Por isso
que esse negócio de gigolô não é vantagem não. Eu não via vantagem.
Quando elas se viam na pior, elas se valiam de mim. Era eu quem
segurava a barra. Muitas vezes eu chegava ao cabaré às 10 horas da noite,
vinha uma delas e dizia: "Waldir, não consegui fazer um tostão a noite
passada. O que eu fiz, eu entreguei para a dona da pensão... Estou sem
almoço até agora..." O dinheiro que eu tinha pagava um sanduíche para ela
ou, senão, pagava um prato de comida. Era assim. Era aquela
solidariedade. Eu passei muito aperto. Muito mesmo. Passei apertos
terríveis.

Izolina

Teve uma ocasião que eu me enfeitei com uma mulher de um


patrão de mina. Chamava-se Tião Boca-de-Ouro, porque ele mandou
arrancar os dentes da frente e botou tudo de ouro. Ele era preto, pretinho.
E quando ele chegava no cabaré, sorria e aparecia aquela boca cheia de
ouro. E ela chamava-se Izolina. Ela se apaixonou por mim. Prostituta
mesmo, prostituta... Digo mulher dele porque ele a mantinha. Ela não era
mulher que fazia a vida com todos. Ela era dele. Ele pagava a pensão. Eu
era o outro. Quando ele estava no turno das 10 h às 6h da manhã, eu
ocupava seu lugar. Ela pagava tudo para mim: pagava cerveja, me dava
camisa de presente. Tudo com o dinheiro dele.
Houve uma ocasião que ele falou que ia trabalhar. Ela falou
comigo: “Ó, Waldir, o Tião não vai vir não, ele vai trabalhar a noite...
Vamos tomar uma cervejinha lá no cabaré...” Ninguém entregava para ele.
As mulheres eram muito solidárias umas com as outras. Porque ele era
bravo mesmo, matava. Eu estava no cabaré com ela, não estava abraçando
e beijando, porque eu nunca fui desses de dar muita bandeira. Eu, ela, a
amiga dela, outro homem com a amiga dela, e tinha mais uma mulher. O
cabaré era um salão grande com uma entrada; não tinha janela, nem nada.
Era tudo fechado. Só tinha uma entrada, uma saída e um basculante para
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poder entrar o ar. Havia um biombo na entrada do salão e, de repente, um
chapéu branco passou, atravessando pelo alto do biombo. Ela falou:
"Waldir, ó Tião aí..." Ele tinha faltado ao serviço. Chegou lá. Era mais ou
menos 11 horas quando ele resolveu aparecer por lá. Quando ele chegou
na casa e não encontrou a Izolina, resolveu ir ao cabaré.
Estávamos lá sentados, tomando cerveja quando ele chegou. Eu
falei para Izolina: “Você se vira, vai lá, vai lá ter com ele”. Ela falou: "Ele
vai me matar, desta vez ele me mata..." Eu falei: “paciência”. Mas eu
estava com um medo desgraçado. Porque era um crioulo forte, brigador. E
eu fraquinho, pensando: “Ah, meu Deus do céu... agora eu estou morto...
hoje Ormesinda vai me perder, não tem jeito”.
Ele chegou, olhou para ela e mostrou aquela dentadura de ouro,
fez um gesto para que ela fosse até ele. Ela falou: "eu não vou, não". E eu
falei: “vai, vai embora agora. Senão ele resolve entrar e é pior ainda. Vai
agora”. E ela foi, levantou e o acompanhou. Saiu com ele. Eu, nessa
altura, perdi todo interesse no resto da noite. Como eles já tinham pago
tudo, também fui embora.
No dia seguinte, quando cheguei lá, ela estava toda quebrada. Ele
havia batido muito nela, estava cheia de hematomas. Arrebentou a mulher
toda. E sabe o que ele fez? Tirou ela da zona. Arranjou uma casa para ela
na cidade. Ela não me entregou, não entregou ninguém. Ela falou que foi
lá por conta própria. Eu passei por este pedacinho difícil. Mas eu passei
por outras...

Violência no cabaré

No cabaré era comum a polícia fechar por qualquer denúncia. E


eles usavam de violência. Todo mundo que saía de lá apanhava. Era
terrível!
Uma ocasião, eu estava em frente ao cabaré, que era uma estrada.
Tinha a entrada do cabaré e em frente tinha aqueles casebres que as
mulheres alugavam para fazer vida. E eu tinha entrado com uma mulher a
frente. Quando eu ouvi aquela balbúrdia em frente, da rua, nós ficamos da
greta da janela olhando. Tinha um crioulo soldado que tinha o apelido de
Coice de Mula. Ele tinha um soco, que qualquer um caía no ato. Ele ficou
na porta do cabaré. Chegava o camarada ele dava a busca. Não tinha arma,
mas mesmo assim ele batia no sujeito. O camarada caía. Quando
levantava, os outros soldados metiam o pé na bunda dele. Faziam corredor
polonês. Todo homem que saiu do cabaré essa noite apanhou. E eu de lá
da janela do outro lado só olhando. Eu podia estar nessa também, mas eu
tinha o santo forte, graças a Deus. Sempre tive meus apertos. Ormesinda
achava uma glória... Gostava demais que eu fosse assim... Ormesinda
sabia de tudo, me dava a maior força. Duas coisas que Ormesinda não
suportava de mim: chegar em casa carregado, embriagado. Eu nunca fui,
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porque ela sempre me proibiu. E, outra coisa: “Não deflore moça
nenhuma. Se você deflorar, case-se com ela! Por que isso aí eu não
admito, não deflore moça nenhuma”! Então, a minha brincadeira era toda
só brincadeira mesmo.
Mas como eu ia dizendo, teve uma briga lá no cabaré e como
tinha só a entrada, ali dentro era um alçapão. A polícia chegava, fechava e
quem tivesse lá dentro... Tinha um cabo da polícia, o Tesoura, que era
cambota como o Garrincha. Mau, mau demais. Mas ele adorava o canhoto,
era um ídolo para ele. A polícia ia dar ‘um fecha’ no cabaré. O Sávio
correu na frente e falou com a gente: “Canhoto, tira seus amigos daqui
porque nós vamos dar ‘um fecha’ e quem tiver aqui vai preso, a polícia vai
pegar todo mundo.” Foi só a gente sair e logo a polícia chegou e
fechou. Era um festival de pancadas. Todo mundo apanhava. Era assim
quando dava ‘um fecha’ no cabaré e prendia todo mundo.

Celso Policarpo

Eu fui um boêmio de lascar... Ah, era gente muito boa. Eu tinha


uma turma! Eu tinha um amigo muito divertido. Celso Policarpo
aprontava cada confusão. Era um pouco mais velho do que eu, mas fez o
quarto ano primário comigo. A polícia tinha que ir na casa dele buscá-lo
para levar para a escola. Ele ia escoltado toda manhã por um policial. A
mãe pedia para a polícia levá-lo para a escola. Eram três: ele, Antônio
Turco e Carlitos Cerezo, que era o “Palhaço Moleza”, pai do Toninho
Cerezo. Os três, toda manhã, iam escoltados por um policial, que ia buscá-
los em casa e levá-los à escola.
O Celso Policarpo trabalhava na redução da Morro Velho na
superfície. Ele trabalhava juntando sucata, na mecânica. Ele ficava
catando sucatas de ferro. Andava sempre com uma alpargata. Chamava-se
alpargata roda, pois feita de lona e corda. Ele andava com aquilo tudo
remendado de arame. A calça dele era toda remendada. Era um desleixo
danado. Pão-duro. Ele não tomava café em casa. Tomava café na casa de
Aristides. Na hora em que saía de casa, passava no Aristides e filava café
dos Caxeiros. Tomava o café lá para não gastar o da sua casa.

Boêmia – O bar do Aziz

Nós tínhamos lugares certinhos para ir beber. Até as 10 horas a


gente tomava lá pelos botecos de Nova Lima, mas das 10 horas até às 5
horas da manhã era a zona. Tinha o bar do Aziz. Era perto da sede do
Retiro, mais ou menos no centro. Perto da rua da Lagoa, eu não estou
lembrando o endereço exato.

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O Bar do Aziz era o bar onde a rapaziada jovem daquela época
se reunia e a minha turma se encontrava toda noite para contar as estórias,
os namoros. Quando tinha baile na Sede do Retiro, era no bar do Aziz que
a gente se reunia para ir para o baile.
Além de tudo, tinha no domingo a hora dançante na sede do
Retiro, que ia até meia-noite. Tinha um termo muito engraçado que nós
usávamos que era “dar uma folhada”. Aquelas menininhas nossas amigas,
nossas namoradinhas, que dançavam com a gente, nós perguntávamos:
“Vamos dar uma folhada?” E se ela concordasse, a gente saía geralmente
em duplas de casais, e ia procurar um cantinho no escurinho. Tirávamos
aquele sarro danado.
Teve uma vez que o Tonho, amigo meu, saiu com uma menina e
eu saí com outra e fomos para o bicame, aquele condutor de água,
aqueduto. Era a gente que dava o nome de bicame. Passava muito pouca
gente, era escurinho. Eu fiquei mais exposto. O Tonho queria avançar
mais o sinal. Só sei que o Tonho saiu de lá com a menina aos gritos, caiu
na corredeira de formiga, numa coleção de lava-pés. As formigas picaram
eles em todos os lugares... Foi engraçadíssimo!
Depois que acabava o baile, a gente ia para o cabaré acabar a
noite. O Cabaré do Girolla. Ali se passava o resto da noite. Dançava,
bebia, pegava uma mulher, esperávamos elas ganhar dinheiro com os
coronéis.

O Vila Nova

Teve um caso muito interessante lá em Nova Lima. Eu era muito


amigo de um jogador do Vila Nova na época, pois quando ele era jogador
do América aqui em Belo Horizonte, eu era menino e morava ali perto.
Quando eu voltei para Nova Lima, ele voltou também. O Vila Nova foi
tricampeão mineiro em 1933. Ele foi o primeiro campeão invicto em todo
Brasil.
Foi em 33 que começou o profissionalismo no futebol e o Vila
Nova se profissionalizou, tinha um time muito bom, jogou aqui em Minas
e foi campeão invicto. O time era Geraldão, Chico Preto e Sérgio, Zezé,
Neco e Geninho, Tonho, Alfredo, Prão, Perácio e Canhoto.
Zezé Procópio foi titular da seleção brasileira quando o Brasil foi
bicampeão naquela última copa, acho que foi em 1938. Última copa
porque depois veio a guerra e a copa acabou. Dois jogadores do Vila
foram titulares em copas: Perácio e Zezé Procópio. Era um time imbatível.

A Música do cabaré

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Antes de entrarmos no cabaré, do lado de fora, na porta, tinha a
radiola com disco, onde tocava bolero, tango. No cabaré geralmente a
música era de disco.
Uma vez ou outra tocava um conjunto ao vivo, era o clube que
tinha a orquestra de Manasés. Ele era ótimo saxofonista e maestro.
Contratavam essa orquestra para todos os bailes. O maestro era o Manasés,
e a orquestra era composta de saxofone, píston, trombone de vara, bateria.
Tocava música dançante, bolero, tango, o fox americano. Nessa época
estava na moda aqueles musicais da Metro, por isso tocavam fox. Mas o
bolero e o tango eram as músicas mais tocadas.

Clube das Violetas

Eu não sei se eu contei de um clube, o Clube das Violetas. Era um


clube fechado só de negros, só de negros. Um clube que só entrava negro.
Quando era no final do ano eles faziam um baile ou na Sede do Retiro ou
na Sede do Vila Nova. Durante o ano eles se reuniam na casa de um, na
casa de outro, não tinham sede própria. Mas no final do ano eles faziam
um baile de arromba.
Nesse Baile das Violetas, eles decoravam o baile todo com
violetas e compravam essência de violeta para botar no salão todo. Aí eles
convidavam os brancos para irem lá. As negras e os negros todos de gala,
mas uma coisa linda. Era Baile das Violetas porque violeta é uma cor roxa
que está mais de acordo com a pele do negro. Eles faziam reuniões
entre si, mas sem fundo político, era só uma entidade cultural, não
protestavam nem nada.
E a pompa do lanche que eles ofereciam? Antigamente, como não
tinha buffet, o clube mesmo promovia uma espécie de buffet para os
convidados, eles faziam questão. Era uma fartura. Não era todo mundo
que ia, mandavam convites especiais. Altas autoridades... Eu ia porque a
minha mãe era uma figura muito grata em Nova Lima. Ormesinda era
“ponto” de Teatro e Nova Lima toda conhecia minha mãe. Então ela ia.
Adorava me ver dançar. Ia na sede do Retiro só para me ver dançar, só
porque eu dançava muito bem. Ela não ficava em casa, sentava lá e ficava
até determinada hora, só para me ver dançar. Ela morreu oito dias antes do
Túlio, meu primeiro filho, nascer, em 1947. Morreu com 63 anos lá em
Nova Lima.

Hino de Nova Lima e os primeiros sambas

Foi também na época dos bailes do Retiro e do Vila Nova que eu


comecei a compor meus sambinhas. Na ocasião eu fiz uma espécie de hino
para Nova Lima. Eu acho que ninguém sabe a letra desse hino. Eu não

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achei muito bom. Foi quando eu voltei para Nova Lima, década de 30,
voltei em 32 para Nova Lima. Eu devo ter composto esse hino em 35.

“Nova Lima, linda cidade criança,


berço de Augusto de Lima,
terra do amor e da esperança.

Conjuga as cores da bandeira:


o azul do céu, o verde da esperança
e o ouro, maravilha das estrelas...”

Mas eu não gostei. Foi quando eu comecei a estudar no Liceu


Imaculada da Conceição. Nós resolvemos fazer um conjunto vocal entre
os alunos da minha sala. Eu, Túlio, Tião era do violão, éramos cinco.
Tínhamos um sujeito muito bom no bandolim... E nós apresentávamos no
teatro. Por que no teatro antigamente tinha a encenação do drama ou da
comédia e tinha a apresentação de um número musical e nós sempre
éramos convocados para apresentar quando tinha peça de teatro de Nova
Lima. Era o Grêmio Dramático Novalimense.
E foi aí que eu comecei a compor. Porque eu era o croner e me
vinha inspiração. Primeiro foi aquele hino, mas eu não gostei. Fiz um
samba... mas esse eu não me lembro mesmo...
Toda vida eu me influenciei muito pelos compositores da música
brasileira, principalmente os que se aproximavam mais do samba. Eu
gostava demais de samba. Eu preferia sempre Assis Valente, o nosso Noel
Rosa e o mineiro Ary Barroso.
Esses compositores me influenciaram muito. As músicas de
Moreira da Silva, seu samba de Breque... Inclusive foi baseado numa
música de Moreira da Silva que eu compus meu “Cartão de Visita”. Não
sei se Moreira da Silva era compositor, mas ele interpretava com muita
propriedade esses sambas.
Outra coisa que quando eu comecei a compor foi de grande
influência foram as músicas do cinema. Principalmente as músicas
americanas dos grandes filmes da época, os famosos musicais da época de
Fred Astaire, Ginger Rogers... Eu gostava de imitar no salão o que eles
faziam na tela. Por isso que eu fiquei com esta capacidade de dançar bem.

O Rádio e primeiras composições

Tinha uma menina aqui em Belo Horizonte: Audinha do Amor


Divino. Ela se apresentava na PRC-7, a rádio Guarani. Cantava num
programa de auditório. Era ali na rua São Paulo. Audinha fazia a
programação. Ela era menininha, de 12 ou 13 anos. E tinha uns parentes lá

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em Nova Lima, muito ligados à música. Eles tinham um conjunto vocal e
eu comecei a compor para ela tocar no rádio.
Ela ia a Nova Lima e eu cantava a música até ela decorar. Ela
chegava a Belo Horizonte e cantava. Eu fiz muitas composições para ela.
Mas acontece que meu nome não aparecia.
Acho que isso já foi na época do Estado Novo de Getúlio. As
rádios que se ouviam aqui eram principalmente as rádios cariocas, mas
havia rádios mineiras como a Atalaia, a Inconfidência. Eu ouvia
principalmente a Rádio Nacional, do Rio. A Rádio Nacional tinha
programas ao vivo, de auditório... tinha o do Alencar, que era animador.
Tinha o programa do César Ladeira, que era locutor, mas não animava
programas de auditório.
Eu me lembro que havia disputas entre cantoras, como a Marlene
e a Emilinha, e na ocasião, houve também um musical entre o Noel Rosa
e um outro compositor que agora não lembro o nome. Ele cantava para o
Noel: “quem é você que não sabe o que diz. Meu Deus do céu, que palpite
infeliz. Salve Estácio, Salgueiro e Mangueira, Oswaldo Cruz e Matheus,
que sempre se deram muito bem...” não me lembro o resto da música.
Só sei que o Noel era de Vila Isabel e era divulgador das belezas
de lá. Esse outro compositor respondia às músicas que o Noel fazia. Foi
uma época muito boa na música brasileira. O Getúlio na ocasião
incentivou os candidatos a se agruparem, e ele deu força para os
compositores, os candidatos queriam fazer a eleição...
Nesta ocasião, os compositores fizeram muitas músicas de
carnaval, muita música popular brincando com os candidatos, e mesmo
com o próprio Getúlio. Ele ia nos programas de auditório e dava força. Ele
ia na Rádio Nacional e os cantores brincavam com ele. O Getúlio era um
camarada popular, popularíssimo. Populista mesmo. Foi uma época em
que o país viveu uma alegria total... O povo achava aquilo uma alegria. Só
quem não gostava daquilo eram as elites, porque quanto mais ele se
misturava com o povo, mais ele se tornava adorado por todos. Os
operários gostavam dele e isso era contra os poderosos que queriam
massacrar a classe operária e ele não deixava isso acontecer.
Mas eram muitas rádios, não tinha só a Rádio Nacional. Nesta
época, a gente também escutava a Mayrik Veiga, a Rádio Roquete
Pinto. Esta Rádio Roquete Pinto era mais ligada à cultura. Mas além dos
programas culturais, voltados para a educação, tinha programas
humorísticos muito bons. Foi quando apareceram humoristas como o
Chico Anísio. O rádio era muito divertido. Não tinha essa quantidade de
música estrangeira que tem hoje, tocava mais música popular brasileira
mesmo. Só tinha na época, competindo com as músicas brasileiras,
aqueles musicais da Metro, aqueles fox etc. Neste caso o que realmente
prevalecia era a música popular brasileira.

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Eu gostava mesmo era da Rádio Nacional. Ele era como é hoje a
Globo para as demais concorrentes da televisão. Era a mais poderosa e
tinha melhor patrocínio. Fazia programas muito interessantes e tinha os
melhores cantores, promoveu muitos artistas. Lá na Praça Mauá, no Rio, a
rádio promoveu Orlando Silva, Emilinha Borba, Marlene... Esses
artistas surgiam através desses programas de rádio. Principalmente da
Rádio Nacional. As outras emissoras tinham pouca divulgação. E como eu
era do povão, eu ouvia mesmo a Rádio Nacional. Era a minha predileta.
Havia também os programas de caráter mais político. Por
exemplo, quando ocorreu a Segunda Guerra Mundial, o Brasil entrou e
todos nós ouvíamos diariamente notícias através do César Ladeira, que era
o locutor que lia todas as notícias sobre o movimento de guerra. A
participação do Brasil no momento em que declarou guerra à Alemanha,
ao Eixo, quando tiveram movimentos de protesto contra os alemães e
italianos no Brasil inteiro. César Ladeira noticiava as quebradeiras. Porque
foi uma quebradeira geral.
Em Nova Lima teve um quebra-quebra terrível. A rádio foi muito
importante. Um outro evento que a rádio teve muita participação foi na
inauguração da estátua do Cristo Redentor, no Rio. Parece que foi um
italiano que trabalhava com rádio que conseguiu iluminar a estátua do
Cristo. Acho que o sujeito se chamava Marconi, não estou bem lembrado.
Só sei que através do rádio ele iluminou...

Era do Ouro do rádio e o Estado Novo

A Era de Ouro do rádio começou no Estado Novo, foi no governo


de Getúlio Vargas. Ninguém podia falar mal do governo porque ia preso
mesmo, era uma ditadura. Mas a repressão era muito branda, não se
compara com a dos militares de 64. A repressão era branda,
principalmente se pensarmos nas classes menos favorecidas. Os que mais
sofreram mais foram os poderosos, porque Getúlio era contra a política
entreguista. Todo o trabalhador era adepto de Getúlio. Ele promoveu uma
coisa extraordinária que foi a consolidação das leis do trabalho, porque
deu ao trabalhador o direito de se defender contra a escravidão, que era
imposta através dos donos do dinheiro. As rádios apoiavam Getúlio.
Eu me recordo mais da Rádio Nacional que era do governo, era a
mais ouvida, a mais difundida. Agora as outras eu não me recordo muito
bem... Tinha a Excelsior, mas aqui em Minas, eu me lembro da Rádio
Inconfidência, que também era do governo de Minas. Eu me lembro da
inauguração. Foi antes do Estado Novo, acho que em 1936, e foi no prédio
da Feira de Amostras. Hoje não existe mais. Era onde funciona hoje a
rodoviária. Ela era encostada no Rio Arrudas, me parece que foi lá mesmo
a inauguração da Rádio Inconfidência. Tinha também a Rádio dos Diários
Associados. Acho que era a Rádio Mineira, e a PRC7, ambas de
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propriedade do Assis Chateaubriand. Mas não estou certo. O que tenho
certeza é que a Rádio Inconfidência era a rádio oficial do governo.

Agora, quanto à política... Não posso dizer muita coisa, porque


nesta época, eu não era muito interessado na questão política. Eu apenas
apoiava o Getúlio Vargas. Eu era muito humilde, na minha condição de
operário, trabalhador, não conseguia acompanhar muito o movimento
político. Depois, quando eu me tornei adulto e constituí família, foi que eu
comecei a me interessar mais na situação política.
No Estado Novo eu era muito tranqüilo. Na condição de getulista,
eu achava o governo o máximo, para mim era tudo muito bom. Só quando
um camarada protesta é que ele procura saber o outro lado que é contra o
que eu justamente admirava. Era isso que eu sentia pelo presidente:
admiração. Eu até me recordo que nas rádios havia censura. Era na época
da ditadura, mas era uma censura muito branda. E do ponto de vista
humorístico em minha opinião não havia censura. O próprio Getúlio
Vargas achava engraçado a audácia dos chargistas, humoristas, dos
músicos, compositores no seu governo.
Além do que, Vargas apoiava a cultura, atuava muito nas artes e
nas músicas. Ele deu muito apoio. Assistia tudo. Quando se lançava
alguma revista musical no Rio ou em São Paulo, ele ia lá, subia ao palco e
congratulava diretamente o cidadão. Falava diretamente com o povo. Todo
mundo aplaudia e ele suportava todas as brincadeiras que os artistas
faziam com ele. Ele tinha espírito esportivo, era alegre. Mas isso é porque
os críticos faziam as músicas com um tom humorístico, irônico, não de
agressão. Eles também procuravam agradar ao público e o público gostava
de Getúlio. Eles também faziam músicas para agradar, que falavam bem
de Getúlio, brincavam com ele de modo carinhoso. Por exemplo, quando
teve a eleição, bem depois do Estado Novo, em 51, ele ganhou. Então, os
músicos fizeram: “Bota o retrato do velho outra vez, ponham no mesmo
lugar...”.
Tinha música de todo o tipo. A maioria, na época do Estado
Novo, era de elogio ao Brasil, suas belezas, as coisas boas de cada Estado.
Aquarela do Brasil, de Ari Barroso é desta época. Foi na ocasião de
Getúlio que fizeram aquela música chamada Barracão de Zinco. Eram
sambas de exaltação ao Brasil. Essa música era do Alcir Pires, um grande
compositor da música popular. Nessa ocasião apareceu muita composição
de exaltação ao Brasil. Ave Maria do Morro saiu nesta época. Quem
cantou foi Dalva de Oliveira. As músicas geralmente abordavam esses
temas de exaltação ao Brasil, das suas belezas, patriotismo, falavam sobre
o povo brasileiro. Aliás, as próprias leis trabalhistas influenciavam nas
músicas. A própria Aquarela do Brasil exalta o trabalhador brasileiro. Era
uma ocasião em que o povo estava alegre, feliz. Um povo feliz é um povo

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que canta. Eu mesmo fiz uma música de exaltação ao trabalho,
influenciado pelo Getúlio. Chama-se Rosário de Felicidade:

“Para que a vida seja um rosário de felicidade


É preciso ter fé em Deus, Saúde e Mocidade
Ter disposição de trabalhar todo dia
E uma bela mulher que faça companhia
Com saúde e mocidade
Fé em Deus que é o nosso guia
Com toda felicidade e uma vida
Em harmonia
Com carinho e trabalho
Ter uma vida pessoal
Um pouco com Deus é muito
Um muito sem Deus é nada.

Essa música eu nem difundi. Fala só de trabalho, de amor e


carinho, na qualidade de operário que eu era. Havia muitas músicas
falando de trabalho, de trabalhador, de operário:

“O bonde São Januário


Leva mais um operário
Sou eu que vou trabalhar”
Ou então aquela:
“Levanta nega manhosa
Deixa de ser preguiçosa
Vai preparar meu café
Nega, deixa a visita
Prepara a minha marmita
Levanta nega, vai se virar
Deixei em cima da mesa
Uma nota de 50
Vai na feira, joga no bicho
vê se te agüenta
Economize para o dia de amanhã
Eu preciso do troco
Domingo tem jogo
no Maracanã.

Esta música ainda fala de futebol, de jogo do bicho, mas a mulher


tem que trabalhar. Depois de Getúlio, o sujeito falava menos de
malandragem e mais de trabalho.
Agora eu só me lembro disso. Eu era do carnaval, e Getúlio
apoiava as músicas que se fazia. Esse negócio de falar que ele censurava é
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mentira, ele dava toda liberdade. Com relação às rádios eu realmente não
me recordo.
Eu até compunha para uma menina, a Aldinha, lá de Nova Lima,
trazia para Belo Horizonte. Ela cantava na rádio Guarani. A Guarani tinha
um auditório ali onde hoje é a Lojas Americanas, na esquina de rua São
Paulo com avenida Afonso Pena. Ali era o auditório da Rádio Guarani, e
geralmente sábado e domingo, eles traziam aqueles cantores. Eu era
macaco de auditório, fanzoca e só isso. Meu locutor preferido era o César
Ladeira, não tinha posição, só noticiava, não defendia o governo. Eu
gostava de sua impostação de voz. Ele falava bem.
Eu me lembro que um dia eu fiquei ali parado para entregar uma
música que eu fiz para o Sílvio Caldas. Mas eu não consegui chegar perto
dele. Eu era fã do Sílvio Caldas. Ele era cantor famoso, cercado por um
punhado de gente e não teve jeito. Ficou só na vontade. A música que eu
fiz para ele chamava-se a “Vingança da flor”:
“No jardim da minha vida um dia
uma linda flor plantei
E das flores que eu queria
foi a flor que eu mais amei.

Por maldade uma mão criminosa,


a linda flor apanhou
E a flor que era uma rosa,
por vingança se desfolhou”.

Essa música era a cara do Silvio Caldas. Ele cantava músicas


românticas e essa marcha rancho era do tipo dele. Ele e o Barbosa
compuseram o hino nacional da música brasileira que é Chão de Estrelas.
O Silvio Caldas para mim é ídolo. Eu gostava de todos eles: Ary Barroso...
Naquele tempo eu adorava ouvir esse tipo de música e cantava as minhas
serenatas. Eu sabia, decorava todas as músicas.

Samba e Carnaval

Samba no pé era no carnaval. Eu era carnavalesco, dançava


quatro noites sem dormir, mesmo trabalhando na Morro Velho. Por que lá
não parava de jeito nenhum. Mas eu dançava quatro noites sem dormir.
Nos blocos havia muita rivalidade. Tinha o Caroço Encravado que era o
bloco da classe média. E tinha o Sorriso, por parte do Retiro. A rivalidade
do Retiro e do Vila Nova era uma coisa incrível. Seu Manoel era do Vila
Nova e Niquelino do Retiro. Era uma rivalidade sem igual e os Niquelinos
fizeram o Sorriso e Seu Manoel fez o Caroço Encravado.
E, fora a rivalidade desses dois, tinha o Minas, que era um
bloquinho pequeno que eu ia também, porque eu era eclético, ia em todos.
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Eu dançava bem e puxava bem o cordão, eu era baliza. Por que o passista
de hoje é o baliza de ontem. Já tinha o porta-estandarte. Nessa época a
bandeira do bloco vinha atrás, mas o baliza era da comissão de frente.
Baliza era aquele que ia em frente, o nome diz. Eu só saía na frente,
botava o samba no pé mesmo.
Mas eu tenho um caso muito interessante de carnaval. Por que a
orquestra do Manacés era a melhor orquestra de Nova Lima e os músicos
eram do Caroço Encravado, uma potência em matéria de sopros, mas não
tinha bateria e então o Retiro contratou um time, o time do Andaraí, e
trouxe todos os jogadores do Andaraí e junto um crioulo, um carioca...
Esqueci o nome dele. Esse crioulo era um marcador do surdo de bateria
num bloco desses do Rio de Janeiro, cobra mesmo. E ele armou uma
bateria... Os blocos se encontravam no centro e aquele que superasse o
canto do outro era o vencedor.
E eu no Caroço Encravado... tinha as meninas mais bonitinhas
nesse bloco. Ai, a bateria do Sorriso arrasou. Os metais do Manacés e a
bateria mixuruca teve que encarar... O Sorriso acabou com a brincadeira e
os cariocas do clube... Todo mundo malandro carioca, acabaram com a
brincadeira. Foi um arraso... Isso deve ter sido 41, 42, durante a Guerra.

Segunda Guerra Mundial

Na ocasião que houve a reação o Brasil entrou na Guerra. Os


alemães que viviam em Nova Lima sofreram para danar, o pau quebrou
mesmo. Muita pilhagem, como no Brasil inteiro. Os alemães e italianos
que tinham lá sofreram mesmo.
Como todo Brasil, a reação dos brasileiros foi de revolta contra os
alemães porque, segundo o noticiário, os alemães tinham bombardeado
navios costeiros brasileiros e então houve uma reação de muita violência
contra os alemães e descendentes de alemães em todo o Brasil.
E em Nova Lima também a quebradeira foi marcante, foi terrível.
Me parece que não houve morte, mas pelo menos os descendentes de
italianos e alemães tiveram as casas depredadas, muitas coisas quebradas.
Foi uma reação como ocorreu no Brasil inteiro.
Na época eu não estava muito ligado à questão política, mas sei
que os descendentes dos italianos e alemães sofreram muitas represálias,
mas eu não acompanhei esse fato. Depois é que eu me conscientizei e
cheguei à conclusão, eu pessoalmente, que os aliados, os americanos, se
aproveitaram para forçar o Brasil a entrar na guerra, pois era do interesse
deles. E eles fizeram aquela encenação de que os alemães tinham vindo
aqui na costa do Brasil para bombardear nossos navios.
Eu acredito que isso não aconteceu, pois eu não creio que eles
viessem aqui, atravessassem todo o oceano Atlântico para vir bombardear
navios aqui na costa do Brasil e não terem sido apanhados fazendo isso.
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Mas uma vez os americanos se aproveitaram da ingenuidade de nosso
presidente, que era Getúlio Vargas. Ele era um ingênuo e acreditava em
todo mundo, em qualquer coisa. E os EUA forçaram o Brasil a entrar na
guerra. E o Brasil, por sinal, depois de terminada a guerra, apesar das
mortes dos brasileiros que morreram em campanha, teve um saldo positivo
em matéria de economia.
Porque o Brasil na época, depois da Guerra, o Brasil teve um salto
na economia mundial, nossas reservas financeiras ficaram numa boa
situação. O Brasil ganhou muito dinheiro nessa época. Mas infelizmente,
mais uma vez os americanos souberam burlar os brasileiros. O presidente
Eurico Gaspar Dutra e os seus comparsas pegaram toda nossa reserva
financeira e, nos EUA e na Europa, trocaram tudo por ioiô e essas coisas
de plástico. Inundaram o Brasil de plástico como eles sempre fazem
quando querem se desfazer de qualquer coisa.
Quanto à Guerra, a Saint John Del Rey não influenciou em nada o
movimento. Mas os empregados, os contratados da Morro Velho que eram
de descendência italiana ou alemã, esses sofreram as conseqüências, em
motivo da Guerra ter sido contra eles. Mas não foram despedidos porque a
Morro Velho não interviu. Eles sofreram as consequências com as
depredações, uns até tiveram que fugir de lá até passar a rebelião. Porque
também foi uma coisa espontânea, como é em toda cidade do interior.
Qualquer movimento desses que explode no Rio de Janeiro e São Paulo,
aqui também ocorre, todo mundo imita. É uma coisa interessante, a pessoa
se julga no direito de acompanhar o que vem dos grandes centros.
A São João Del Rey Mining Company não interferiu e não houve
nenhum movimento de rebeldia por parte do povo contra a Morro Velho.
Os trabalhos continuaram normalmente e não houve paralisação, não
houve nada. Só houve uma explosão, duas noites, não me lembro o que
fizeram nessa manifestação.
Nessa época, em 1945, eu ainda estava trabalhando como
pedreiro. Me parece que eu fui para o escritório em 46, 47. Eu trabalhei
oito anos como correspondente em inglês, saí da Moro Velho em 1952.
Antes disso eu era trabalhador braçal.

Boêmia x Casamento x Trabalho

Eu me casei em 1946. Em 44, em pleno carnaval de guerra, eu


comecei a namorar com a Leonícia. (...) Depois do casamento acabou a
vida boêmia. Eu estava com trinta anos... Minha mãe queria me deixar
casado e me incentivava muito. Só que aconteceu uma coisa que me fez
largar a zona de uma vez por todas.
Chegou uma mulher na zona muito boazuda... a turma toda ficou
alvoroçada por causa da mulher e eu era o xodó da mulherada da zona...
Eu ia lá duas vezes por dia, de tarde e de noite. Essa mulher queria
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dinheiro, então eu não quis nada com ela. Ela disse: “Segunda feira você
vem cá”. Quando foi segunda-feira de manhã... Eu tinha um colega muito
amigo meu e ele chegou lá... Ele estava num estado miserável. Andando
de perna aberta... Eu perguntei: “O que aconteceu?” Ele virou e disse:
“Ah, Waldir, eu peguei uma carregação de doenças venéreas que você
nem imagina... Eu estou com mula, cancro, gonorréia...” Eu pensei: “Meu
Deus, mas quem te fez uma coisa dessas?” E ele: “Foi fulana.”
Exatamente a dita que eu ia ficar com ela no mesmo dia, à tarde. Meu
Deus do céu. Tinha cinco dias que tinha aparecido isso nele... E eu resolvi.
Não vou mais na zona boêmia... Agora é tempo de arranjar uma namorada
e arranjar uma outra vida... não dá mais para ficar correndo esse risco. Eu
parei mesmo.
E foi quando eu fui apresentado para a Leonícia e só não parei de
dançar. Mas no cabaré eu deixei de ir mesmo. Numa cidade que tinha
muito mais homens do que mulheres eu resolvi casar logo. Mas uma das
coisas que a Leonícia sabe e não nega é que eu sempre fui muito sincero...
Nunca escondi dela minha vida passada. Cada qual faz aquilo que acha
que deve fazer e é importante a confiança mútua, porque se não houver
confiança, não dá.
Eu já estava casado com a Leonícia quando fui transferido para o
escritório. Mas foi através do sindicato que eu passei a ser correspondente
em inglês da Morro Velho. O engraçado é que eu não era participante,
nem filiado. Eu não tinha essa intenção de ser, na época eu era muito novo
e meu assunto não era militância sindical. Eu não atuava politicamente em
coisa nenhuma. Acompanhava. A única coisa que me lembro de que valeu
o sindicato foi quando eu denunciei uma injustiça da qual eu estava sendo
vítima.
Eu trabalhava nessa sessão quando eu deixei de ser pedreiro, na
mesma sessão eu consegui ser transferido para o escritório do presidente
na olaria e então fui trabalhar de auxiliar nesse escritório. Trabalhava das
7h da manhã às 3h da tarde, constando de carteira assinada. Meu horário
era esse.
O chefe da sessão, Djalma Lobo, era um brasileiro, mas muito
puxa-saco dos ingleses, se dizia engenheiro e ele é quem era o chefe. E
ele protegia um colega meu de escritório, mais antigo, chamava-se Ary.
Nós quase não tínhamos o que fazer no escritório, brincávamos muito.
Gozávamos a cara um do outro. E nós estávamos de tarde lá, conversando
porque não tínhamos o que fazer, e o Ary teve uma hora lá que eu disse
uma coisa qualquer na gozação e ele não gostou e disse que ia me bater.
Ele era assim truculento, gostava muito de aparecer para os outros. Eu era
franzino, em matéria de peso ele era Mike Tyson e eu era um qualquer.
Ele falou que ia me bater. Eu pedi desculpas, falei que eu retirava o que
falei, mas ele disse: “Ah, não. Agora eu não desculpo, eu vou te bater

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mesmo. Tá resolvido”. “Eu vou dar na sua cara para você não me gozar
mais.”
Acontece que eu tinha aprendido em Belo Horizonte defesa
pessoal, jiu jitsu e boxe. Na minha passagem por Belo Horizonte em 1932
eu tinha aprendido defesa pessoal. Quando ele veio para me agredir, eu me
encostei na parede e quando ele veio me bater eu defendi, ele veio trocar
murros, eu dei-lhe um soco da testa e ele perdeu o equilíbrio e voltou para
trás... Chegou a turma do “deixa disso” e segurou. Ele mesmo se
surpreendeu, não esperava a minha reação. Ele achou que ia chegar e eu ia
afinar para ele ali.
Depois nós fomos para um lugar maior. Eu ainda fiquei um tempo
ali na quina do bureaux do chefe, me encostei ali e fiquei esperando ele
brigar com a turma do “deixa disso”, que segurou ele.
Mas eu podia ter aproveitado e ter ido lá bater nele porque ele
estava seguro, mas eu não queria brigar, eu não estava a fim de briga. Eu
fui para a outra sala. Ele se livrou deles e veio, partiu para cima de mim.
Eu estava encostado na quina do bureaux, inclinei o corpo para trás...
Deixei o joelho. Ele chegou, bateu no joelho e na minha cara... eu fui e
peguei ele. Quando ele bateu, eu me defendi, fui e bati no olho dele. Partiu
a pupila do olho dele. O olho dele inchou na mesma hora. Um filete de
sangue escorrendo... Eu fui mandado lá para o pátio. Um pátio de depósito
de material.
Depois ele conseguiu se livrar deles e correu para me agredir lá
em campo aberto. E eu, vi que ele estava com o olho inchado pus a perna
na frente ele tropeçou e caiu no cascalho, ralou-se todo. A essa altura,
quando ele viu que não podia comigo, ele disse: “Ah, eu vou lá em casa
buscar uma faca, eu te mato!” E saiu para buscar a faca e eles me
mandaram embora para a casa.
Mas com essa, Djalma Lobo achou por bem nos separar e
negociou minha transferência para um outro escritório, porque ele não
podia ter me mandado embora porque as testemunhas foram todas
unânimes em dizer que eu não tinha começado a briga, porque se não ele
me mandava embora. Mas como tinha sido o Ary, que era seu protegido,
ele achou por bem negociar a minha transferência.
Me mandou para o almoxarifado da Morro Velho lá dentro do
complexo. Esse escritório era fora do complexo da mina, da apuração de
ouro. Ele só mexia com negócios de construção. Era no Retiro, ali perto da
Igreja de Santo Antônio. Tinha um lugar lá que se chamava olaria e era lá
que tinha esse escritório, e os depósitos de material de toda a companhia.
Djalma falou comigo que eu estava transferido. Me mandou para esse
escritório.

Os estudos, o sindicato

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Eu já estava estudando no Liceu, fazendo contabilidade e mudou
meu horário. Eu pegava às 6h30 e saía as 16h, este era o horário do
complexo todo da Morro Velho. Era das 6h30 às 16 horas. Mas aquilo
estava me prejudicando porque eu perdia uma hora, justamente a hora d’eu
estudar, das três às quatro. Eu entrava no Liceu às 6h da tarde e saía às
10h. Então eu tinha só aquela horazinha para estudar. Comecei lá...
Cheguei perto do chefe da sessão de lá... Seu Manoel Taveira... português.
Cheguei para o Seu Manoel e disse o seguinte: “Acontece que eu tinha
esse horário para eu estudar...” Ele disse que tinha um outro lá,
Magalhães. Segunda, quarta e sexta eles saíam alternadamente às três
horas e como eu substituía sempre um deles quando eles saíam, ele foi e
falou assim: “Quando o Magalhães sair e o outro ficar, você pode sair
também”.
Eu fui e comecei a sair mais cedo três vezes por semana. De
qualquer forma podia continuar assim que eu até aceitava... Mas um
funcionário mais antigo da sessão achou que isso estava errado e
reclamou... O chefe virou e falou: “Waldir, me desculpe, mas não vai dar
para você continuar nesse esquema, porque um rapaz reclamou...” “Então,
o senhor me dá licença para eu falar com o chefe...” Era o Mr. Lamelay...
fumava charuto o dia inteiro. Mas Mr. Lamelay não quis me receber...
Então eu pensei: agora não tem jeito, vou partir para o sindicato... e
registrei a queixa. Queria que me restabelecessem o horário antigo, das 7h
às 3h; era o que constava do meu contrato de trabalho, firmado em
carteira.
Quando eles sentiram que iam perder... fizeram um punhado de
ameaça e coisa e tal... e eu me mantive firme. Nessa ocasião o membro
mais importante do sindicato era o... espera aí...foge o nome... isso foi em
1946, pouco depois da guerra... eu tenho uma carteira de trabalho com
essas datas todas registradas... Mas como é que chamava o sujeito?? Ele
tem um nome gozado... Diocélio! Diocélio Ribeiro, eu acho.
Esse Diocélio entrou no sindicato como boyzinho, servente. Logo
que o sindicato se formou. Ele era menor e começou a trabalhar varrendo,
limpando mesa. Se interessou pelas leis de consolidação do trabalho do
Getúlio e decorou tudo... decorou as leis todas. Ele sabia tudo de lei. E os
operários depois disso não perderam nenhuma causa com a Morro Velho,
entravam e ganhavam mesmo. Foi no Diocélio que eu fui. Eu precisava de
ganhar a causa e fui... Nessa época ele já era membro do sindicato. Ele era
uma espécie de consultor. Tanto que a Morro Velho, o sindicato, tinha um
advogado, mas ele só consultava com Diocélio. Diocélio é quem
comandava o advogado. O advogado era só para ir lá nas sessões na hora
do dissídio... O advogado ia, mas com a orientação de Diocélio. Quando
eles sentiram que iam perder, me mandaram para o escritório comercial da
Morro Velho. Era na Casa
Grande.
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Do escritório da Morro Velho à Magnesita

Foi quando eu fui trabalhar no escritório que fazia


correspondência em inglês e se comunicava com o escritório no Rio de
Janeiro. Do Rio para Londres era a firma... Como era mesmo o nome da
firma no Rio ?? ... Mas então eu fui e comecei a trabalhar no escritório do
escritório do Manoel Vilela, que era irmão do Manoel Taveira. Ele era o
contador, fazia os negócios da Morro Velho. Português também. Mas esse
daí ficou rico à custa das comissões que ele recebia, das transações que ele
fazia para a Morro Velho, porque ele comprava material mais vagabundo e
cobrava... superfaturamento.
Então eu fui trabalhar no escritório do Manoel Vilela e o
Lamelay... fui para o escritório do Lamelay... Lá eu conheci uma moça,
filha de ingleses... uma inglesa que era correspondente em inglês da Morro
Velho. Ela fazia todas as cartas da Morro Velho. E ela gostou muito de
mim. Eu aprendia com muita facilidade e era muito dedicado... então ela
disse assim para mim: “Waldir, comece a aprender comigo aqui como é
que se faz essa correspondência porque eu estou de saída da Morro Velho,
recebi uma proposta para ir para o Rio de Janeiro para ganhar muito
dinheiro... eu não vou ficar aqui, eu te ensino.” E eu: “Mas eu não sei
inglês...” “Não tem importância, eu te ensino. Não precisa saber inglês. A
correspondência comercial em inglês é só de frases feitas, tudo é uma
coisa só. É a mesma coisa. Não tem a menor dificuldade.”
Eu já estava estudando e já constava do currículo o inglês. Fazia
contabilidade. Assim, eu comecei a aprender com ela tecnicamente a
correspondência em inglês e quando ela saiu, falou com Lamelay: “Pode
deixar Waldir no meu lugar, que ele segura a barra”. E eu comecei a
mandar... Wilson & Suns é o nome da firma que era representante da
Morro Velho no Rio... Era Wilson & Suns o nome da firma... Era lá no
Castelo. Então, eu passei a correspondente em inglês e comecei a
desenvolver bem... eu dominei perfeitamente o trabalho.
Mas o Lamelay não perdoou eu o ter denunciado para o sindicato.
Ele começou a me perseguir com relação ao salário. Dava aumento para os
demais, menos para mim. Chegou a um ponto que eu fui reclamar com
ele, mas eu devia ter feito isso na frente de todos, só que eu quis conversar
com ele pessoalmente para evitar constrangimento e etc. Mas o safado do
inglês virou para mim e disse assim: “Olha, eu fiz isso de propósito
mesmo... Eu não posso te mandar embora, mas nesse ponto eu posso
mexer...” Eu tive vontade de bater nele, xinguei ele de tudo quanto foi
nome, esculhambei com ele.
Mas não tinha ninguém para testemunhar a nossa discussão. Foi
quando eu resolvi deixar a Morro Velho. Senti a necessidade. Eu tinha 20
anos de casa e não ia passar daquilo ali. Ele com aquela determinação, eu
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não tinha provas contra. Foi por esse motivo. Em 1952, eu saí da Morro
Velho e fui trabalhar na Magnezita.

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58
MEMÓRIA, HISTÓRIA, HISTÓRIA
ORAL: Discutindo a vida dos mineiros de
Morro Velho

“La notion de mémoire est une notion-


carrefour. Bien que le présent essai soit
exclusivement consacré à la mémoire telle
qu’elle apparaît dans les sciences humaines -
essentiellement en histoire et en anthropologie
- et s’occupe donc surtout des mémoires
colletives plutôt que des mémoires
individuelles, il importe de dessiner
sommairement la nébuleuse mémoire dans le
champ scientifique global.”
Jaques Le Goff

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59
A H i st ó r i a n a e n c r u zi l h a d a d a m e m ó r i a

O trabalho com história oral envolve uma complexa discussão


sobre a relação entre memória e história e, principalmente, da memória
individual com a memória social, chamada de “memória coletiva” por
HALBWACHS (1991).
O sociólogo Maurice Halbwachs, aluno de Bergson, um dos
principais estudiosos da memória de nosso tempo, produziu extensa obra
sobre o tema. Já não se pode duvidar que há um entrecruzamento
constante entre as memórias individuais, subjetivas e a memória do grupo,
coletiva. De acordo com esse autor,“...se a memória coletiva tira sua
força e duração do fato de ter por suporte um conjunto de homens, não
obstante eles são indivíduos que se lembram, enquanto membros do
grupo. (...) Diríamos voluntariamente que cada memória individual é um
ponto de vista sobre a memória coletiva, que esse ponto de vista muda
conforme o lugar que ali eu ocupo, e que esse lugar mesmo muda segundo
as relações que mantenho com outros meios.” (HALBWACHS, 1990:51)
No dicionário da Nova História encontra-se um verbete
esclarecedor a respeito da chamada “memória coletiva”. Escrito por Pierre
Nora, o verbete adverte logo a princípio que a expressão é vaga e
ambígua, mas afirma também que a expressão pode ser fecunda para a
renovação da historiografia.
A conceituação desse termo vem logo abaixo da advertência:
“Numa primeira abordagem, a memória coletiva é a recordação ou o
conjunto de recordações, conscientes ou não, de uma experiência vivida
e/ou mitificada, por uma coletividade viva de cuja identidade faz parte
integrante o sentimento do passado. Recordação de acontecimentos
diretamente vividos ou transmitidos pela tradição, escrita, prática ou oral;
memória ativa, mantida por instituições, por ritos, uma historiografia ou
memória latente e, por vezes, reconquistada (como a das minorias étnicas
ou sociais oprimidas ou assimiladas), memórias oficiais, voluntárias,
orquestradas por toda uma encenação do imaginário, tal como são
compostas as nações e as famílias, Igrejas e partidos ou memórias sem
memória, clandestinas e meta-históricas (como a memória judáica): a
gama é infinita.” (NORA,1978:451)
Portanto, pode-se dizer que a “memória coletiva” da qual fala
Halbwachs e Pierre Nora, envolve memórias individuais, mas não se
confunde com elas. A memória pode existir em elaborações socialmente
construídas, mas são os indivíduos os únicos capazes de lembrar. No
entanto, talvez seja mais importante observar a relatividade da separação
indivíduo/sociedade, observar até que ponto essa divisão é historicamente
construída. Optou-se por separar o individual do coletivo somente para

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efeito de análise, pois não se pode pensar o indivíduo separado da
sociedade.
A memória é social, mas também individual, pois somente pode
vir à tona quanto materializada pelo homem. Assim, como afirma
Alessandro PORTELLI, apesar deste preferir evitar o termo “memória
coletiva”: “...a memória é um processo individual, que ocorre em um meio
social dinâmico, valendo-se de instrumentos socialmente criados e
compartilhados” (apud FERREIRA e AMADO,1997:16). A história oral
é uma ciência e arte do indivíduo como diz Portelli, mas a memória está
enraizada em redes de solidariedades múltiplas, coletivas.
O historiador oralista escreve a História a partir do trabalho com a
memória, presença do passado. A memória é uma reconstrução psíquica e
intelectual que acarreta de fato uma representação seletiva do passado, um
passado que nunca é aquele do indivíduo somente, mas de um indivíduo
inserido num contexto familiar, social, nacional.
Henry ROUSSO diz que: “se o caráter coletivo de toda memória
individual nos parece evidente, o mesmo não se pode dizer da idéia de que
existe uma “memória coletiva”, isto é, uma presença e portanto uma
representação do passado que sejam compartilhadas nos mesmos termos
por toda uma coletividade.” (apud FERREIRA e AMADO,1997:95)

Porém, ao realizar-se o trabalho com operários da mina de Morro


Velho, com o recolhimento de suas histórias de vida, pôde-se observar
algumas evidências de que as representações do passado analisadas nos
relatos de uma época determinada (início de nosso século: décadas de
20,30 e 40) e de um lugar determinado (Nova Lima e Raposos/MG: Mina
de Morro Velho) apresentam indícios de repetição, o que pode ser
considerado, ainda que por uma abordagem empírica, uma manifestação
daquilo que Maurice Halbwachs chamou de “memória coletiva”.

Memória e História
“Memóire, d’où Histoire”
A epígrafe acima demonstra como os enciclopedistas franceses
entendiam, no século XVIII, a relação entre a memória e a História. Aliás,
para eles, um termo era sinônimo do outro. Como pode ser observado na
Explicação Detalhada do Sistema de Conhecimentos Humanos, na
Enciclopédia iluminista, o verbete História vem apresentado da seguinte
maneira: “Memóire, d’où Histoire”. (memória, por conseguinte,
História ).
Passando ao século XIX continua-se a se ter a impressão de que
se ia da história para a memória, uma segregando a outra. Hoje, dá-se o
inverso. As rupturas ocorridas nas sociedades contemporâneas e as novas
aberturas dentro da historiografia transformaram a memória num problema

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histórico recente. A adoção de uma problemática contemporânea, unida a
outros eixos de inovação na historiografia, fez com que a memória
deixasse de ser sinônimo da História e que a memória coletiva/individual
passasse a ser objeto da História. A memória se expandiu, passou a ser
considerada globalizante e sem fronteiras e a História, neste caso, a
história oral, uma elaboração dos historiadores a partir da memória. O
próprio historiador francês Jacques LE GOFF(1990), em Memória e
História, diz que da mesma forma que o passado não é história , mas
objeto da história , assim a memória não é história , mas um de seus
objetos e um nível elementar, fundamental, de seu desenvolvimento.
A memória é dinâmica e seus silêncios-esquecimentos são tão
importantes quanto suas lembranças - já salientava Pollak em seus estudos
sobre memória, esquecimento, silêncio - e é certo que ela é dialeticamente
relacionada ao pensamento histórico, ao invés de ser apenas seu oposto
e/ou negação. Essa dinamicidade da “arte da memória” faz com que ela
seja, como a história, constante criação.
Isto quer dizer que o trabalho aqui apresentado é uma elaboração
histórica. Trata-se de uma pesquisa de História cujo principal objeto é a
memória dos operários, registrada através de entrevistas organizadas e
realizadas sob a orientação de uma metodologia específica, já teorizada e
reconhecida nos meios acadêmicos internacionais, a história oral. Neste
trabalho, memória e história se cruzam, num processo híbrido sem
diluírem-se entre si totalmente. O documento oral, conforme afirma
NEVES (1993:99), é produto de uma releitura do passado individual,
inserido na dinâmica da história. Nesse sentido, os acontecimentos
históricos são sinais exteriores, são referências para o afloramento da
memória individual. Fala-se do tempo individual relacionado ao tempo
coletivo.
Nesse entrecruzamento entre memória e história constata-se que
a própria reconstituição da memória é um processo histórico social ativo:
“Para a história não interessam somente os fatos passados, mas a forma
como a história popular é construída e reconstruída, pois a consciência
individual é relacionada com a consciência social no processo constitutivo
de identidades coletivas”(NEVES, 1993:99).

A própria produção do documento oral, da entrevista de história


oral de vida, seja ela temática ou não, já é uma elaboração histórica, na
medida em que há todo um projeto de história , elaboração de um roteiro
que passa por toda uma preparação do historiador, o que por si só já
justifica tratar-se de um trabalho de História, mesmo que esta esteja
perpassada pela memória.
É por isso que a história oral tem um papel fundamental no
sentido de atenuar noções polarizadas de história e memória. A história
oral tem contribuído para que os discursos da história e da “memória
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coletiva” se interliguem de forma dialógica, complementando um ao
outro. Afinal, deve-se entender os fenômenos da história e da memória
como interligados em sociedade, em nossa cultura.
De acordo com FRISCH: “há uma última dimensão em que os
campos da história e da memória se entrelaçam, uma dimensão em que a
história oral tem tido especial importância, não tanto por seus produtos,
mas mais por seus processos: pelo envolvimento maior na recuperação e
na reapropriação do passado que a história oral possibilita.”(apud
FERREIRA e AMADO, 1997:78)

Portanto, além do entendimento das dimensões da memória no


estudo da história, deve-se principalmente tentar compreender como a
própria escrita da história , formal, inserida nos meios acadêmicos está,
através dos trabalhos de história oral, se transformando numa dimensão
“cada vez mais importante do como lembramos o passado e entendemos
sua relação com a vida e a cultura contemporânea”(FRISCH apud
FERREIRA e AMADO,1997:79)
Assim a memória deixa de ser somente fonte, ferramenta, método
e abordagem e passa, aos poucos, a ser uma dimensão da história com
uma história própria que pode ser estudada e explorada. Segundo NEVES
(1993:99), “o documento oral expressa no seu conteúdo o ritmo da
história. Relatam-se acontecimentos de curta duração e rápido impacto -
acontecimentos que se precipitam; relatam-se também processos de longa
duração - fases de maior letargia, de consolidação de conquistas, de
amargamento de derrotas, de reconstituição de sonhos. Para o
historiador, nessa tessitura de tempos e ritmos o passado é uma questão a
ser compreendida, interpretada. Para o depoente é vida lembrada -
esquecida-vivida. Para ambos é elemento de constituição da memória,
suporte maior de identidade social.”

O trabalho de história oral é, portanto, um trabalho de história-


memória. Afinal, são os homens os objetos/sujeitos deste trabalho.

Da relação dialética entre o individual e o coletivo: do psíquico ao


social-histórico, do social-histórico ao psíquico

De acordo com CASTORIADIS (1982:113), quando se fala da


História , ou seja, de uma época, de uma sociedade, de uma classe
determinada, "é um ser histórico" quem fala. Este autor diz que é
justamente este ser histórico que "fundamenta a possibilidade de um
conhecimento histórico (posto que somente um ser histórico pode ser uma
experiência da história e disso falar)".

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63
Nesse sentido, é possível considerar a fala de um homem comum
como sendo a fala de um ser histórico. E, por isso mesmo, como um
sujeito político por ser "ator e autor" da história. A história oral recupera
o criador de história que habita cada um de nós. Nesse caminho do
individual ao coletivo, do psíquico ao social-histórico e vice-versa
encontra-se esse personagem: o contador de história . Ele não só é
portador de uma história como também, enquanto narra sua história de
vida, cria e recria a história de seu povo, de sua classe, de sua cidade
natal, dos espaços em que viveu, de sua nação. Daí a importância de se
pensar a questão da identidade do grupo. A identidade em sua relação com
o espaço de convívio coletivo, refere-se, no caso estudado, aos operários e
seus processos de identificação no cotidiano da luta pela sobrevivência no
árduo trabalho na Mina, bem como nas maneiras de fazer do dia a dia, nos
modos de vida, nos hábitos alimentares, no vestuário, na moradia, no lazer
e em outras atividades e hábitos que os identificam e os unem em torno de
uma experiência comum, porém plural.
A história passa assim a ser objeto de experiência. Através das
experiências dos operários, de suas lembranças, pode-se constatar que
estes sujeitos não só são ser(es) da história , mas também são ser(es) na
história e na sociedade e da sociedade.
Através dos narradores pode-se entrever uma história criada,
construída a partir do entrecruzamento de uma memória (política, social,
econômica, cultural) individual com uma memória coletiva.
Do individual ao coletivo, do psíquico ao social-histórico e vice-
versa. Nesses movimentos dialógicos/dialéticos algumas questões teóricas
acerca da constituição do sujeito político vêm à tona. Discussão pertinente
ao trabalho com história oral, principalmente, para quem se propõe a
trabalhar com história oral de vida com recorte temático.
Afinal, a história oral é um dos elementos que permite "trazer à
superfície da água" os criadores de história , sejam eles "grandes homens",
ou não. A história oral se interessa pelo estudo de homens em situações
cotidianas, em seu grupo, organização e comunidade, empregando para
tanto uma pesquisa-ação. Nesse processo, teoria e prática se confundem,
pois a teorização é fruto da reflexão que, a partir de eventos da vida
cotidiana, torna visível a presença do sujeito social. Sujeitos que, movidos
pelos desejos e pelas paixões, movidos por um ato de decisão, que é
também um ato de palavra, são capazes de realizar "esse obscuro objeto do
desejo", a mudança social, mesmo que parcialmente, em gestos quase
imperceptíveis.

Através de depoimentos orais, cada indivíduo traça um percurso


singular. Sua fala é única, não está pautada em nenhum discurso oficial
e/ou em nenhuma "verdade" imposta por sua nação, sua classe ou sua raça
(pelo menos a nível de consciência). Ele não endossa condutas enunciadas
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64
como legítimas, mas, como um ser falante, é (re) criador de seus atos e da
história de sua vida e de seu povo.
Os próprios entrevistados, ao se referirem a suas origens, já se
colocam inseridos dentro de um social dado, dentro de um espaço e, é
claro, dentro de um grupo, de uma instituição: a família. É nesse primeiro
momento que o sujeito apresenta-se como sujeito social. Ele tem um nome
que o identifica para o grupo. Fala de uma época distante, fala do passado:
sua fala diz respeito ao tempo, tempo de nascimento, tempo de integração
ao grupo. E esse grupo não é uma massa amorfa. É conjunto de outros
sujeitos sociais. Daí ser a utilização do conceito de identidade muitas
vezes questionado. Porém, ao se adotar nesta pesquisa esse conceito, estar-
se-á considerando a identidade como sendo constituída não somente por
iguais, mais também como sendo constituída por processos de
desvelamento das diferenças, tendo em vista a pluralidade inerente aos
sujeitos sociais.
Por outro lado, sabe-se que existe, em toda sociedade, um
discurso dominante. Só que este discurso é modulado diferentemente pelos
diversos grupos e classes que compõem esta sociedade e, às vezes, até
mesmo se choca à condutas que se referem a outros valores e hábitos,
ignorando a própria ideologia dominante. A história , diferente daquilo
que pregava Althusser, não é um processo sem sujeito. Muito pelo
contrário. O caso dos “contadores de história” é elucidador desta questão
pelo fato de que está se tratando de sujeitos inseridos na classe proletária.
Estes mineiros falam de um lugar social, que é o lugar do operário que
sofreu a exploração dos ingleses, proprietários da Mina onde trabalharam.
E, desse modo, pertencem ao lugar dos chamados "excluídos", "vencidos",
da história . Este é um dos traços identitários do grupo. Até porque, a
ideologia dominante, pelo menos no discurso da história oficial, é a
própria ideologia dos ingleses, dos detentores dos meios de produção.
Os sujeitos não falam só de si mesmos. Eles também se remetem
ao grupo ao qual estão vinculados. Por exemplo, o Sr. Waldir dos Santos,
conta a história de seu trabalho e do trabalho dentro da Mina de Morro
Velho:"Porque muitos não agüentavam. Como se dizia, saíam nos panos,
saíam na maca, porque caíam de inanição, de cansaço, sem oxigênio e
enchendo vagonetas de minério. (...) Isso era a Morro Velho antes da
Consolidação das Leis do Trabalho. Mas, antes disso, era uma verdadeira
escravidão"6.
Nesse trecho já aparece um apontamento para um marco nacional.
Sr. Waldir remete-nos ao grupo, à classe social ao qual vincula-se, mas
também, ao falar sobre as leis trabalhistas de Getúlio e à formação dos
sindicatos, remete-nos a uma questão da política da nação brasileira como
um todo.

6
Depoimento do Sr Waldir dos Santos.
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65
Ele também conta que “o camarada era atacado pela doença da
silicose, espécie de tuberculose provocada pelo pó de minério no
pulmão... Ele adoecia, mandavam ele embora e ele morria; só que nada
acontecia. muita gente morria. Além dos acidentes de trabalho, onde
morriam dezenas de pessoas toda semana. (...) quando, em outra ocasião,
sem querer, um dos operários batia com a pá numa dinamite que não
havia sido detonada, esta explodia e pegava a turma toda lá trabalhando.
Aí arrebentava tudo. Os homens saíam aos pedaços, saíam no saco. Era
terrível. Toda semana eram dezenas."
No trabalho com a história oral, deve-se estar sempre atento à
tentativa de entrecruzamento da memória individual rica, repleta de juízos
próprios, de questões sentimentais complexas e emocionantes, com a
memória coletiva, da qual esta faz parte.
Esta metodologia, na tentativa de valorização da fala do sujeito,
permite que o narrador apareça e que assim emerja "uma vida que não
inclui apenas a própria experiência, mas em grande parte a experiência
alheia"(BENJAMIN,1987:221). Afinal, a história oral possibilita a
expressão de diversificação das representações da realidade. O trabalho do
historiador oralista traz à tona mais uma vez essa relação entre individual
e coletivo, possibilitando, através da memória, a produção de evidências
sobre processos históricos coletivos, constituindo, assim, um vasto campo
para o reconhecimento de processos identitários; verdadeiras
identificações, como se pode verificar ao analisar a própria construção das
plurais identidades operárias. E isso ocorre devido ao fato de que: “a
identidade traduz um sentimento e uma convicção de pertencimento e
vinculação a uma experiência de vida comum. (...) A dinâmica constitutiva
da identidade é a da representação, que pode vincular-se simultaneamente
à alteridade e à igualdade. Ou seja, a identidade é constituída por um
mecanismo contrastivo de afirmação das diferenças e de reconhecimento
das similitudes.
A memória é suporte vital da identidade reveladora da
pluralidade inata à vida humana. Portanto, História e Memória,
interrelacionando-se através da produção de fontes orais, são processos
cognitivos através dos quais as identidades dos grupos sociais podem ser
melhor reconhecidas e, por consequência, analisadas . ” (NEVES ,
1998:1529)7

7
Vale a pena conferir também, além do artigo de NEVES, intitulado “A Voz dos
Militantes. o ideal de Solidariedade como Fundamento da Identidade Comunista”,
outros artigos publicados no: X International Oral History Conference:
proccedings. Rio de Janeiro: CPDOC, FGV: FIOCRUZ, Casa de Oswaldo Cruz,
1998. 1º volume.
66

66
TRABALHO NAS MINAS

“Isso era a Morro Velho antes


das leis trabalhistas de Getúlio
Vargas. Até 34... era assim.
Depois então, que organizados
os sindicatos, as coisas
mudaram, o trabalhador passou
a ter direitos. Mas, antes disso,
era uma verdadeira escravidão.”
Sr. Waldir dos Santos

67

67
TRABALHO NAS MINAS

O Trabalho na Mina de Morro Velho: antes e durante o Governo


Vargas

Ao se discutir as relações de poder e dominação presentes no


cotidiano do trabalho no interior da Mina de Morro Velho, interessa
compreender os micro-poderes que se exerciam no cotidiano, os
mecanismos de poder que funcionavam fora, abaixo, ao lado dos aparelhos
de Estado em um nível muito mais elementar, ou seja, a “microfísica do
poder” analisada por Foucault 8.
Importante observar como os instrumentos de dominação se
introduziam e como funcionavam. Busca-se, na vida cotidiana dos
operários, a partir de seus relatos, as maneiras de viver a ordem social
imposta e a violência das relações de trabalho.
Em seu livro “Vigiar e Punir”, Michel Foucault analisa os
dispositivos que “vampirizaram” as instituições e remodelaram o
funcionamento do poder: “procedimentos técnicos “minúsculos”, atuando
sobre e com os detalhes, redistribuíram o espaço para transformá-lo no
operador de uma “vigilância” generalizada. Problemática bem nova. No
entanto mais uma vez, “microfísica do poder” privilegia o aparelho
produtor (da disciplina, ainda que, na “educação”, ela ponha em

8
Com relação a esta categoria conceitual discutida por Michel Foucault, há uma
vasta bibliografia a respeito. Como por exemplo, do próprio autor, o livro “
Microfísica do Poder” , publicado no Brasil pela editora Graal, do Rio de janeiro,
em 1979. / Pela Bibliothéque des Histoires, da editora Gallimard francesa, está
publicado o livro “Surveiller et punir - Naissance de la prison”, que também está
traduzido no Brasil pela Editora vozes de Petrópolis. Sobre essa bibliografia
existem alguns livros que abordam o assunto, seja se utilizando do material para
análise de outros objetos, seja enquanto crítica. Podemos citar como exemplo os
livros: “Esquecer Foucault”, de Jean Baudrillard, publicado pela editora Rocco, do
Rio de Janeiro, onde faz-se uma crítica à obra de Foucault. Ou, de José Guilherme
Merquior, o livro “Michel Foucault ou o Niilismo de Cátedra”, publicado pela Nova
Fronteira em 1985, que também é uma crítica. Ou, “Foucault” de Giles Deleuze,
traduzido para a lingua portuguesa pela editora Vega, de Lisboa. Este livro traça
com nitidez as várias configurações móveis do pensamento de Foucault e nos é
de extrema importância no sentido de analisar a obra relacionando-a com o
conceito de História do autor trabalhado. Vale apena citar também o livro
organizado por Renato Janine Ribeiro, entitulado “Recordar Foucault”, publicado
pela Brasiliense em 1985. O livro possui ensaios diversos sobre a questão da
“microfísica do poder”, inclusive de intelectuais historiadores que se utilizaram do
arcabouço conceitual foucaultiano para entender, por exemplo, o castigo dado
aos escravos no Brasil Colonial. Só para citar alguns exemplos.
68

68
evidência o sistema de uma “repressão” e mostre como, por trás dos
bastidores, tecnologias mudas determinam ou curto-circuitam as
encenações institucionais.” (CERTEAU, 1994:41).

A partir da problemática dos bastidores da instituição/educação,


pode-se ampliar a discussão para a análise dessas tecnologias mudas em
locais onde essas minúsculas relações de poder estão presentes, como foi
o caso da Mina de Morro Velho até meados do século XX.
A questão das relações de dominação e de poder dentro da mina
podem ser analisadas sob dois aspectos. O primeiro, onde se coloca em
evidência a violência com que os patrões de mina tratavam os mineiros,
como se dava o controle do tempo, da atividade, da maneira de ser, dos
discursos, do corpo, dos gestos. E um segundo, onde irão aparecer as anti-
disciplinas.
Por exemplo, os relatos de dois dos ex-operários entrevistados se
constituem extremamente reveladores de um dos mecanismos desse
sistema de repressão armado no interior da mina. Neles se podem observar
a questão do controle da atividade e do corpo:
“Como as pessoas fazem para aceitarem esse tipo de serviço
lá nesse fundo de mina? Bem, tinha um chefe, atrás, tinha
uma vigilância, quem não trabalhasse a contento podia ser
mandado embora. A hierarquia era o seguinte: tinha o
chamado capitão de mina, que era normalmente um inglês e
depois os patrôes de mina que eram os encarregados
gerais...Tinha espanhóis, italianos, os patrões de mina, os
fiscais, os feitores e os arrancadores de choco, era a
hierarquia. Era uma vigilância constante.” 9
O Sr. Waldir dos Santos, 80, em certo momento da narração, diz
que:
“Tinha lá um chamado Capitão do Chapéu, um inglês. Ele só
andava com o chapéu enterrado na cabeça, montado numa
besta. Esse Capitão do Chapéu tinha uma besta que ele
escolheu a mão, enorme. Um animal bonito. E ele andava
com uma tala. Tala é uma espécie de cacetete de couro-cru,
para bater no animal. Machuca mesmo. Ele entrava com isso
dentro da mina, de bota, vestido à caráter. E, quando
encontrava algum operário cochilando, por exemplo, ele
metia a tala no operário. Batia mesmo. Era uma verdadeira
escravidão. O camarada que reagisse, ele mandava embora
direto, quando não mandava os capangas...”

9
Trecho da entrevista de Dazinho, outro operário, entrevistado por Michel Le Ven.
Cf. LE VEN,1998:60.
69

69
A empresa, através de seus patrões de mina e
feitores, utilizava um dos recursos de elevar sua taxa de
exploração do ouro, que é o aumento do ritmo da produção,
utilizando-se não de novos procedimentos técnicos, mas
valendo-se de estímulos culturais e, quando preciso, de
coerção física. Para tanto, “a figura central era o feitor”.
(GROSSI, 1980: 60) O uso da violência corporal contribuía
para adestramento do corpo mas, principalmente, para servir
de exemplo aos outros mineiros, para reforçar a estrutura de
produção capitalista. Não se podia parar para descansar dentro
da mina, pois isso diminuiria a extração do ouro e, por
conseguinte, o lucro da empresa. Os micropoderes se
entendiam por todos os lados, e o feitor estava imbricado
nesse processo. “Em Morro Velho, um feitor era como um
capataz. Recebia tarefa de fazer encher tantos carros e não
havia como negociá-la; era questão de produção e a
Companhia não abria mão. Sobre o feitor pendia a ameaça de
ser rebaixado a “pá”, caso não executasse bem o seu
trabalho. Para defender o cargo, os feitores exigiam o
máximo dos colegas, pois também viviam sob a “chibata do
capitão”. (GROSSI, 1980: 61).

Não só os feitores, mas os outros companheiros de trabalho,


também vigiavam e controlavam o trabalho alheio. Por exemplo, havia as
chacotas àqueles que não conseguiam terminar o trabalho em virtude das
terríveis condições vivenciadas no interior da mina:
“Se a pessoa não fosse muito forte, ou se se fizesse de forte,
saía de lá carregado. Quando o sujeito saía machucado, todo
mundo reverenciava, era de uma certa forma herói...mas
quando ele saia sambado, porque não resistiou, o calor, o
peso do trabalho, era ridicularizado pelos próprios
companheiros, era o ‘Sá Maria’, um sujeito fraco.” – de
acordo com o relato do operário Dazinho.(apud LE
VEN,1998:61)

Até o início do século XX, como se pode observar, a tala, no lugar do


chicote que era usado para os escravos, era um instrumento de castigo que
acabava por possuir um fim pedagógico de reafirmação constante do poder
do inglês. Nota-se que a hierarquia da organização do trabalho reforçava
os mecanismos de disciplinarização e fortalecia a rede do poder. Havia
uma estrutura de poder no subsolo da mina. Havia o capitão geral, que
tinha como auxiliar um segundo capitão. Este capitão geral é o mesmo
citado pelo Sr. Waldir dos Santos. No princípio da década de 30, o Capitão
Geral era apelidado de “o Chapéu”, por ser o único inglês que fazia uso
70

70
dessa indumentária no subsolo. De acordo com GROSSI,“A autoridade
que emanava de sua pessoa era uma ameaça constante aos mineiros, que
viviam aterrorizados com a perspectiva de desemprego quando a
produção não seguia o ritmo das exigências patronais, e a oferta de
trabalho era abundante. Quando qualquer dos mineiros notava a chegada
do capitão, gritava para os colegas: “Cuidado! Aí vem o Chapéu”.”
(GROSSI, 1980:53).

Foucault aponta para essa vigilância hierárquica em seu Capítulo


II de “Vigiar e Punir”, intitulado: “Os recursos para o bom
adestramento”. Além de chamar atenção para a hierarquia da disciplina,
ele também acaba por colocar o leitor a par da relação entre a vigilância e
as necessidades da produção capitalista. “A vigilância torna-se um
operador econômico decisivo, na medida em que é ao mesmo tempo uma
peça interna no aparelho de produção e uma engrenagem específica do
poder disciplinar. O próprio Marx já havia trazido à tona esta questão ao
nos dizer que “Essa função de vigilância, de direção e de mediação torna-
se a função do capital, assim que o trabalho que lhe é subordinado se
torna cooperativo, e como função capitalista ela adquire características
especiais” (MARX apud FOUCAULT,1995:203).

Foucault chama atenção para a função do vigiar no processo de


produção capitalista. Localiza este novo tipo de vigilância historicamente
a partir do século XVIII, na Europa e diz que era “diferente do que se
realizava nos regimes das manufaturas do exterior pelos inspetores,
encarregados de fazer aplicar os regulamentos; trata-se agora de um
controle intenso, contínuo; corre ao longo de todo o processo de trabalho;
não se efetua - ou não só - sobre a produção (natureza, quantidade de
matérias-primas, tipo de instrumentos utilizados, dimensões e qualidades
dos produtos), mas leva em conta a atividade dos homens, seu
conhecimento técnico, a maneira de fazê-lo, sua rapidez, seu zelo, seu
comportamento. (...) À medida que o aparelho de produção se torna mais
importante e mais complexo, à medida que aumentam o número de
operários e a divisão do trabalho, as tarefas de controle se fazem mais
necessárias e mais difíceis. Vigiar torna-se então uma função definida,
mas deve fazer parte integrante do processo de produção; deve duplicá-lo
em todo o seu comprimento. Um pessoal especializado torna-se
indispensável, constantemente presente e distinto dos operários.
(FOUCAULT, 1995:157)
Na mina de Morro Velho, além do Capital Geral, havia três
Capitães de Terno, com seus respectivos segundos Capitães de Terno, e
um Capitão de Poços e Túneis. De acordo com a entrevista de Dazinho:
“Era uma hierarquia que era exercida com muita pressão
mesmo, porque escolhiam as pessoas de pior reputação para
71

71
colocar de encarregado (risos). Tanto que para ser
encarregado lá, quer dizer anteriormente, porque depois eles
forma abrindo para pessoas mais esclarecidas, mas, no início,
o sujeito tinha que Ter um bom porte físico, uma boa dose de
ignorância (risos) para poder se transformar em arrancador
de choco, em um patrão, em um fiscal.”(Ibidem,1998)

Tratava-se de um escalão ligado à forma de trabalho por


ternos(turnos). A Mina Grande funcionava com três turnos de turmas de
trabalhadores, alternando-se semanalmente, de acordo com o seguinte
horário: das 6 às 14 horas, das 14 às 22 horas e das 22 às 6 horas. Àqueles
capitães cabia a fiscalização de cada turno respectivamente. Com relação
ao controle do tempo, outra manifestação dessa problemática da
microfísica do poder que remete à disciplinarização e à vigilância, pode-
se citar um outro momento da fala de um dos operários entrevistados, o Sr.
Waldir dos Santos, onde ele irá dizer sobre os turnos de trabalho dentro da
mina:
“Mas eu sofri muito. Eu chegava a chorar de tanto
trabalho. Às vezes, vinha aquele minério, pois eles
aproveitavam, depois que a areia ia até no galo onde tiravam,
o minério para fazer arsênico. Havia fábrica de arsênico.
Dali voltava aquela areia outra vez. Jogavam tudo dentro do
silo, para aproveitar mais vezes. Apurava tudo. E essa areia
já vinha úmida e formava uma massa dura, parecendo
cimento, como concreto. Você batia e não saía. E havia umas
pás com cabo longo, resistente. Então você ficava ali batendo
com aquelas pás. Às vezes saía até fogo. E nessa máquina, de
vez em quando, batia ferro contra ferro e o feitor chegava.
Às vezes até batia nos meninos... Eram meninos, meninos,
adolescentes assim como eu, 14, 16 anos... Um sofrimento.
Trabalhava-se de três turnos. Um turno entrava às 6 da
manhã, saía às 2 horas da tarde. Outro turno entrava às 2h
da tarde e saía às 10h da noite. E, outro turno, entrava às 10h
da noite e saía às 6h da manhã. Cada semana eu trabalhava
em um turno diferente. Por exemplo, hoje, segunda feira,
entrava no turno das 6h da manhã. Até sábado eu trabalhava
saindo às duas horas da tarde. Na semana seguinte, eu
entrava às 2h da tarde e saía às 10h da noite e, assim, íamos
revezando... E quando aquela turma estava, pela manhã, das
seis às duas, no domingo ela dobrava. Fazia de 6h da manhã
às 6h da tarde. E a turma que estava de 2h às 10h da noite,
fazia das 6h da tarde às 6h da manhã. Não adiantava
reclamar. Não tinha lei. Quem reclamasse era mandado

72

72
embora. Sem direito a nada e pronto. Eles faziam o que eles
queriam.”

Nota-se, nesse depoimento, o aparecimento de um outro


funcionário encarregado da vigilância que já havia sido citado
anteriormente: o feitor. O feitor era responsável pela fiscalização do
trabalho no realce e de “limpar o choco”, no que era auxiliado pelo
choqueiro ou arrancador de choco 10. Além do feitor havia o patrão,
encarregado de velar pelos realces daquele stop. Sua função consistia em
escalar os trabalhadores de realce, cuja mobilidade horizontal variava de
acordo com as necessidades e possibilidades de extração. “Nenhum
interesse particular do operário era considerado. A não-obediência à
escala era punida com ameaça de dispensa ou sua efetivação. A
submissão às ordens era exigida de modo irrestrito, ignorando-se
qualquer grau de condescendência com os subordinados”. (GROSSI,
1980:54). Nesta hierarquia, o último elemento a ser considerado, o
subordinado, era o carreiro, homens da pá, ou simplesmente pazeiros.
Possuíam, sob a ordem do feitor, a tarefa de encher as vagonetas de
minério, retirá-las do realce e calçar a mina com terra e lapa, que vinham
da superfície. Enquanto os carreiros enchiam as vagonetas, outros as
empurravam. Yonne Grossi faz uma observação interessante em relação ao
poder dos operários que, por serem os últimos na hierarquia das funções
organizadas pela empresa no subsolo, só exerciam poder sobre o objeto de
seu trabalho: o minério.
“(...) O camarada era atacado pela doença da silicose,
espécie de tuberculose provocada pelo pó de minério no
pulmão. Adoecia, mandavam ele embora e ele morria, só que
nada acontecia. Muita gente morria. Além dos acidentes de
trabalho, que ocorriam toda semana. Morriam dezenas de
homens. Dentro da mina de ouro, eles perfuravam a rocha
toda com brocas para enfiar as bananas de dinamite. Em
seguida, eles saíam da área de risco e acionavam o
mecanismo detonador, do lado de fora da mina. Só que muitas
vezes falhava uma das bananas de dinamite, nem todas
explodiam. Quando, em outra ocasião, sem querer, um dos
operários batia com a pá numa dinamite que não havia sido

10
“Recebem o nome de choco as pedras que, no estilhaçamento da rocha,
desintegram-se do filão, mas não caem. Pesam toneladas. Por se encontrarem
um tanto soltas, seu desabamento constitui uma ameaça à vida do mineiro. Não
são pedras que se desprendem dos lados do realce, e sim da parte do teto, após
a explosão do dinamite. Para soltá-las, emprega-se uma alavanca de aço, de 3 a 4
metros de altura, forçando o choco a cair. O nome provém do barulho surdo e
seco que sua queda provoca, ao invés de tinir como as demais pedras, após o
“fogo” (explosão)”. Cf. GROSSI, 1980:54)
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73
detonada, esta explodia e pegava a turma toda lá
trabalhando. Arrebentava tudo. Os homens saíam aos
pedaços, saíam no saco. Tinham que recolher pedaços de
operários no saco. Era terrível. Isso era terrível. Toda
semana eram dezenas. Só depois de Getúlio é que as coisas
começaram a melhorar.
(...)O Galo tinha um forno para queimar o minério e apurar
o arsênico. O negócio era tão violento que o morro não tinha
mato. Em volta desse forno de queimar minério para arsênico
não nascia nada. Muito veneno. Envenenavam muita gente. O
povo que trabalhava lá. Não tinha índice de periculosidade,
nem nada. Os que trabalhavam lá, se morriam, acabou.
Colocavam outro no lugar. E eles não tinham nem noção do
perigo. Mesmo que tivessem, precisavam trabalhar. Era uma
coisa muito terrível, mesmo”11. - conta o Sr. Waldir.

O castigo físico e o controle do tempo não eram os únicos


dispositivos de coerção incluídos na “economia” do poder inglês sobre
seus operários brasileiros. Tal mecânica da dominação inglesa não se
exercia apenas pelo castigo, mas se estendia também para o controle da
alimentação, do vestuário, etc. Por exemplo, no que diz respeito à
alimentação, desde o século XIX, existia em Nova Lima a Casa Aristídes,
de propriedade do Coronel Aristides, um “empório comercial” com
dezenas de funcionários, refeitório no próprio local de funcionamento,
capacidade de fornecer toda espécie de mercadorias necessárias aos
habitantes da cidade, inclusive aos ingleses, além de ser casa importadora.
No século XX, guardou suas características de armazém capaz de
atender às necessidades vitais dos mineiros. Após o desastre de 1886,
quando a mina paralisou suas atividades à espera de uma decisão de
Londres sobre o destino do empreendimento, a Casa Aristides financiou as
despesas dos funcionários, inclusive através de empréstimos financeiros.
Posteriormente à reabertura da mina, a Casa Aristides passou a
fornecer mercadorias aos mineiros mediante desconto em folha. A
companhia fornecia o teto que cada trabalhador teria crédito, o que
permitia ao armazém controlar o “fiado”.(GROSSI, 1980:73) Nesse
sentido, nota-se claramente o controle dos ingleses sobre a alimentação
dos operários. A Casa Aristides representava uma camisa-de-força, que
não lhes dava a oportunidade de comprar em outros lugares que
vendessem mais barato. E, ao mesmo tempo, devido às dificuldades
11
Cf. Figura 3: Vista parcial da antiga Planta de Tratamento de Arsênico, na década de
40, no Galo, Nova Lima. O morro não possuía nenhuma vegetação. Não tenho mais
essa imagem. A editora pode tentar encontrar ou retiramos isso?

74

74
financeiras, obrigava-os a aceitar as cadernetas como garantia do “fiado”.
Essa imposição da empresa, prática comum entre as companhias de
mineração, submetia coercivamente a classe, sob a forma tradicional de
troca indireta de mercadorias, mediada pela caderneta. O endividamento
na Casa Aristides passou a ser um mecanismo de controle coativo. De
acordo com GROSSI, “para a família do mineiro, a caderneta
representava a segurança de alimentação durante o mês, dentro do
quadro de sua penúria. Mas, por outro lado, era um dilema: utilizar a
caderneta barrava a oportunidade de aquisição de mercadorias a preços
mais acessíveis”.

Uma outra questão que Foucault discute em sua teoria e que se


apresenta relevante quando da tentativa de contextualizar e analisar o
cotidiano destes operários de Morro Velho, diz respeito à imagem do
panóptico. O panoptismo trabalhado por este autor, lugar da inspeção
constante, do olhar alerta que está por toda parte, também existia no local
de trabalho dos mineiros. De acordo com Foucault, o panóptico funciona
como uma espécie de laboratório de poder: “Graças a seus mecanismos de
observação, ganha em eficácia e em capacidade de penetração no
comportamento dos homens; um aumento de saber vem se implantar em
todas as frentes do poder, descobrindo objetos que devem ser conhecidos
em todas as superfícies onde este se exerça.”(FOUCAULT, 1995: 180).

Ele servia para fiscalizar os operários. No caso da Mina, para que os


ingleses se certificassem de que os mineiros não estavam roubando o ouro.
Esse controle pelo olhar do outro não se verificava apenas para com os
operários, mas também com outros indivíduos que, vez por outra, iam
visitar a mina, conforme explica o “contador de histórias”, Sr. Waldir dos
Santos:
“Quando voltamos para Nova Lima, fomos morar na casa
da minha tia, irmã da minha mãe. Chamava-se Maria e tinha
o apelido de Bia, e casada com Laurindo. Laurindo era
patrão no sistema de apuração. Era um daqueles que tomava
conta, ficava olhando do alto quem é que estava tentando
roubar alguma coisa, para não deixar. Que eles tinham
aqueles ângulos que os ingleses e esses patrões ficavam para
poder vigiar alguém que tivesse tentando roubar. E era uma
tentação. (...) Os ingleses e os patrões vigiavam a saída dos
camaradas, principalmente dos que lidassem mais com o
ouro, que não fosse minério pobre ou ainda por apurar. Os
operários eram revistados totalmente antes de sair. Porque
eles trabalhavam na fundição e em todo local que havia
acesso ao ouro, todos eram muito fiscalizados. Fiscalizavam
até os visitantes...”
75

75
Importante retomar, nesse sentido, a questão do controle do
tempo, controle da atividade. A questão do controle do horário é, de
acordo com Foucault, uma velha herança das comunidades monásticas.
Segundo o autor, o rigor do tempo industrial guardou durante muito
tempo uma postura religiosa:“ no século XVII, o regulamento das grandes
manufaturas precisava os exercícios que deviam escandir o trabalho (...)
mas ainda no século XIX, quando se quiser utilizar populações rurais na
indústria, será necessário apelar a congregações, para acostumá-las ao
trabalho em oficinas; os operários são enquadrados em “fábricas-
conventos”. (...)Durante séculos, as ordens religiosas foram mestras de
disciplina: eram os especialistas do tempo, grandes técnicos do ritmo e
das atividades regulares.” (FOUCAULT, 1995: 137).12

A questão do controle do tempo expressa uma preocupação com a


qualidade desse tempo, que é acompanhada por um controle ininterrupto,
pressão dos fiscais, “anulação de tudo que possa perturbar e distrair;
trata-se de constituir um tempo integralmente útil”. Como no Projet de
règlement pour la fabrique d’Amboise, exemplo utilizado por Foucault,
também na Mina de Morro Velho era expressamente proibido, durante o
trabalho, divertir os companheiros com gestos ou fazer brincadeiras,
comer, dormir, contar histórias, ou outras conversações que distraíssem o
operário de seu trabalho...Afinal, mesmo que se quisesse, o barulho
ensurdecedor das mãos-de-pilão, batendo dia e noite, não permitiam tal
conversação.
Porém, pelo que indica a fala do Sr. Waldir dos Santos, tal
preceito não era seguido ao pé da letra...Havia uma certa resistência ao
processo de vigilância e disciplinarização, pelo menos nesse sentido... Por
isso, torna-se importante levar em conta um segundo aspecto, além desses
processos produtores da disciplina, que é justamente o da anti-disciplina.
Michel de Certeau diz que: “se é verdade que por toda parte se estende e
se precisa a rede da “vigilância”, mais urgente ainda é descobrir como é
que uma sociedade inteira não se reduz a ela: que procedimentos
populares (também “minúsculos” e cotidianos) jogam com os mecanismos
da disciplina e não se conformam com ela a não ser para alterá-los;
enfim, que “maneiras de fazer” formam a contrapartida, do lado dos

12
Sobre essa discussão da fábrica enquanto convento no caso do Brasil, importante
a análise feita por GIROLETTI, Domingos. Fábrica convento disciplina. Belo
Horizonte: Imprensa Oficial, 1991. Neste livro, Giroletti trabalha com a segunda
metade do século XIX em Minas, em seus múltiplos aspectos econômicos políticos
e culturais, para intepretar o sistema de fábrica existente neste período
utilizando-se, em determinados momentos, da perspectiva foucaultiana da “
microfísica do poder”.
76

76
consumidores ( ou dominados?) dos processos mudos que organizam a
ordenação sócio-política.” (CERTEAU, 1994:41)

Os procedimentos populares também podem ser observados


através dos relatos dos entrevistados. Eram gestos dissimulados, conversas
em código, apelidos dentro do discurso dos operários que demonstram, em
certo aspecto, esta anti-disciplina discutida por Certeau. Além disso, fora
da mina, na vila operária e nos arredores da empresa, notam-se outras
“maneiras de fazer” nem tão minúsculas, porém também com um
conteúdo de resistência subjacente.
A anti-disciplina estava presente, dentro da mina, na maneira
como os operários chamavam os ingleses:
“Tinha o Sam Bunda Molhada... Era o chefe da fundição de
ouro. Porque todo mundo lá tinha apelido... e ele sempre
tinha a bunda molhada... Um bundão sempre molhado. Ele
dessorava suor pelo anus... E então eles deram o apelido dele
de Sam Bunda Molhada.” - disse o Sr. Waldir.

Na maneira de fazer-se comunicar durante o trabalho, gestos e


códigos próprios eram utilizados, mesmo com a poluição sonora e a
proibição através da vigilância constante dos patrões-de-mina:
“Era um barulho ensurdecedor. Aquelas mãos de pilão
batendo dia e noite, não paravam. Só parava na Sexta-Feira
da Paixão ou no dia 24 de junho, que era o dia da Festa da
Companhia. Eram os únicos dois dias do ano em que parava
o serviço na Morro Velho. Era gravíssimo. Onde eu
trabalhava tinha que por um chumaço de estopa do ouvido e a
uma distância de meio metro, aliás, nem falando no ouvido
você me ouvia. Nós nos comunicávamos por gestos, como
surdo-mudo. Nos comunicávamos por um sistema que eles
mesmo criaram para comunicação a distância. Eles contavam
a distância o filme que eles tinham visto no cinema. Você
contava o enredo dele todo para o camarada e ele te entendia
por gesto. “

Os exemplos dizem respeito às “maneiras de fazer” dos operários


dentro da mina. Mas também é importante que se discuta outras práticas
diárias que aparecem no estudo da história da vida cotidiana dos
operários. Na vila operária, na Congada, na Marujada, na Folia de Reis, na
boêmia, no Carnaval, no ir e vir de um Cabaré, no batuque da caixa de
fósforos na roda de samba. Enfim, outras “artes de fazer” dos operários.
Antes, porém, faz-se necessário uma análise mais aprofundada da relação
entre os operários da Mina de Morro Velho e o “mito” Getúlio Vargas.

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77
O Trabalho nas Minas na época do Sr. Waldir e de Getúlio Vargas

“Por isso a cultura popular é rebelde, mas o é


em defesa dos costumes. Esses pertencem ao
povo, e alguns deles se baseiam realmente em
reivindicações muito recentes. Contudo,
quando procura legitimar seus protestos, o
povo retorna freqüentemente às regras
paternalistas de uma sociedade mais
autoritária, selecionando as que melhor
defendam seus interesses atuais”. (E.P.
THOMPSON, 1998:18)

Muitos são os historiadores e cientistas políticos que possuem


uma visão fechada sobre o governo Vargas e sua relação com a classe
trabalhadora. Para a maioria deles, o período é caracterizado pela força da
propaganda política e da repressão policial, resultando no total controle
pelo Estado da ação dos operários.
Para autores como WEFFORT(1980) e IANNI(1975), o aparato
propagandístico unido ao repressivo teria conseguido limitar a história de
lutas do operariado, enfraquecendo os setores mais organizados. Assim, o
governo, através da eficaz propaganda, teria conseguido introjetar nas
mentes das classes populares a ideologia dominante, que recebeu
passivamente a doutrinação política. Para tais autores, Vargas teria
retirado da classe trabalhadora a possibilidade do desenvolvimento de uma
“consciência de classe”.
Vale ressaltar que a formulação de Weffort, que se remete à idéia
básica de controle e tutela do Estado, assume certas especificidades que
exigem exame mais cauteloso, o que não foi o propósito deste trabalho.
Por exemplo, a categoria “manipulação” não é apresentada de forma
unidirecional, mas como possuidora de uma intrínseca ambigüidade, por
ser tanto uma forma de controle do Estado sobre as massas, quanto uma
forma de atendimento de suas reais demandas. Weffort chega mesmo a
sugerir a substituição de “manipulação” por “aliança” como categoria
mais precisa para o que deseja situar. Porém, não há investimento nessa
modulação e parece continuar tendo mais peso a questão do controle e do
papel desordenador do Estado face ao movimento operário, visto que o
atendimento das reais demandas é visto sob a forma de “mascaramento”,
dado que os trabalhadores, para o autor, eram fracos numérica e
politicamente, não dispondo de tradições de luta como os europeus.
(GOMES,1996:46-47)

78

78
Talvez seja mais adequado analisar qualitativamente o período,
considerando também a riqueza das experiências das pessoas comuns, dos
sujeitos sociais em suas singularidades. Sem dúvida, não se pode deixar de
lado toda a história de repressão, de intervenção policial, afinal é fato que
o regime varguista foi autoritário. É fato que Getúlio foi um ditador. É
necessário, por conseguinte, levar em consideração a atuação de relevantes
instâncias do aparato propagandístico e repressivo do Estado varguista.
Daí a necessidade de falar-se, no próximo capítulo, da importância do
rádio na divulgação ideológica do Estado. Porém, talvez seja mais
enriquecedor análises que vão além, trazendo à tona esses sujeitos
históricos, tais como as obras de Angela de Castro GOMES(1988), Maria
Célia PAOLI(1991), Jorge FERREIRA (1997), dentre outros.
Uma análise que evidencie o paradoxo da relação entre Vargas e
os trabalhadores é a que melhor se adequa à discussão que aqui é proposta.
Em conformidade com os objetivos, interessa investigar a história
cotidiana dos trabalhadores da Morro Velho, atribuindo a eles um papel de
sujeitos que realizam escolhas segundo o horizonte de um campo de
possibilidades. Tal abordagem, como se verá a seguir, no desenvolvimento
dos argumentos do capítulo, consiste na afirmação que é compartilhada
pelos autores acima citados de que não é possível atribuir aos
trabalhadores uma posição política passiva, não importando se mais ou
menos complexa. Opta-se por não estabelecer uma relação dicotômica
entre a autonomia e a heteronomia do sujeito, no caso, do operário da
Mina de Morro Velho no tempo de Vargas. Prefere-se relativizar as
escolhas. Como se verá nas próximas páginas, quer-se assinalar que os
benefícios materiais produzidos e implementados, (seja considerando ou
não as anteriores reivindicações do operariado antes de Vargas), foram
“recebidos” e interpretados pela classe trabalhadora, que os apreendeu e os
manejou segundo os termos de suas possibilidades e vivências.
O desenvolvimento dos argumentos desse ítem de análise está em
conformidade com aquilo que afirma GOMES (1996:54): “O pacto
trabalhista, pensado ao longo do tempo, tem nele, de modo integrado mas
não redutível, tanto a palavra e a ação do Estado (que, sem dúvida, teve o
privilégio de desencadeá-lo), quanto a palavra e a ação da classe
trabalhadora, ressaltando-se que nenhum dos dois atores é uma totalidade
harmônica, mantendo-se num processo de permanente re-construção.”
Analisar como os operários da Mina de Morro Velho, no seu dia-
a-dia, receberam este projeto estatal e jogaram com ele, na tentativa de
melhorar as condições de trabalho e de vida, no labor dentro da Mina, foi
o objetivo da análise a seguir apresentada.
Ou seja, o objetivo dessa discussão é sobretudo analisar como os
trabalhadores da mina se utilizaram do projeto governamental e dele se
apropriaram na tentativa de resolver os próprios problemas que apareciam

79

79
em seu cotidiano. A “lei de Getúlio”, como se verá, foi fundamental na
luta por melhores condições de trabalho em Morro Velho.
Os operários, dentro ou fora do sindicato, aceitando e/ou
resistindo, reelaboraram e reinterpretaram o discurso dominante do Estado
e se utilizaram desse discurso em proveito próprio. As lutas dos operários
se pautaram na fala de Getúlio, nas leis trabalhistas “outorgadas” por ele.
A luta dos trabalhadores passou principalmente pelo desejo de que as leis
fossem cumpridas...

80

80
Trabalho e cotidiano em Morro Velho: os trabalhadores e o mito
Getúlio Vargas

Getúlio Vargas permaneceu no cargo máximo da estrutura de


poder da República durante muito tempo, o que, por si só, já justificaria
sua presença marcante no interior da “memória coletiva”. Porém, a
maneira como se construiu esta memória precisa ser analisada a partir do
contexto nacional e internacional daquela época. Vargas ascendeu ao
poder em 1930, após um golpe militar que trazia consigo um longo
período de lutas internas na classe dominante, acompanhadas por uma
crescente insatisfação das classes trabalhadoras com esta situação. Por
outro lado, o avanço das esquerdas em diferentes países do globo, após a
Revolução de 1917 na Rússia, colocou a questão da luta de classes, da
revolução proletária na ordem do dia. Como exemplo, pode-se citar a
propaganda anarco-sindicalista, os congressos operários, a fundação do
Partido Comunista em 1922, etc. O que indica que a classe operária
parecia estar ganhando consciência e se organizando. As greves do
período, muitas com consideráveis ganhos por parte dos trabalhadores,
mostravam um aumento do confronto capital/trabalho.
Nesse contexto, coube ao Estado a tarefa de aparelhar-se para
enfrentar as interpelações das classes trabalhadoras, que reivindicavam
melhores condições de trabalho e de vida. Além disso, desde o final da
década de 20, a burguesia industrial também começara a se articular,
aceitando a concepção de que o bem-estar da população era indissociável
do desenvolvimento desse setor. Portanto, caberia ao Estado uma ação de
proteção ao desenvolvimento da indústria.
A legislação trabalhista tentará satisfazer, através do Ministério
do Trabalho, criado em novembro de 1930, esta concepção protecionista
que buscou, mas como argumenta-se no presente trabalho, parece não ter
conseguido totalmente, retirar da classe operária e dos políticos o poder de
decisão e de luta no que diz respeito às questões trabalhistas. De acordo
com Robert LEVINE (1983:315): “Com o absoluto desprestígio do
liberalismo da República Velha, os decretos e leis do Governo Provisório
promulgavam agora muitas das medidas que os reformadores e militantes
haviam reivindicado desde os primeiros dias do movimento operário
brasileiro: institutos de pensões e aposentadorias, jornada fixa de
trabalho, férias remuneradas e, em 1936, comissões destinadas a arbitrar
e estabelecer salários mínimos de acordo com a especialidade e as regiões
geográficas.”

A política trabalhista do governo de Getúlio era paradoxal na


medida em que, por um lado, desmobilizava em certa medida o

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81
movimento operário, reprimindo o sindicalismo livre, e, por outro lado,
promovia a institucionalização de uma nova forma de organização
sindical, apoiando o resurgimento de lideranças vinculadas ao trabalhismo
oficial. Incentivava também reivindicações proletárias baseadas nos
direitos conquistados pelos trabalhadores na Constituição. Assim, neste
jogo, Vargas acabava por neutralizar, ao menos em parte, as correntes
ideológicas do movimento operário. Em parte, como afirma Maria de
Lourdes Mônaco JANOTTI (1998; 93), “a luta inicial dos anarquistas
desapareceu na memória, apagada pela política trabalhista e pela
repressão governamental que desagregaram os grupos militantes”.
Além do que, a legislação que se cria será voltada para o sentido
de fortalecer a imagem de Getúlio. Essa imagem de “pai dos pobres”,
durante tanto tempo cultivada através de ações que atingiam o cotidiano
do trabalhador, era acompanhada por um trabalho sistemático de produção
da história oficial . 13
De acordo com o depoimento do Sr. Waldir dos Santos, Getúlio
era um estadista verdadeiramente preocupado com as questões relativas ao
povo brasileiro. Essa representação gravada na memória dos ex-operários
da mina de Morro Velho, expressa, em certo sentido, a força do
imaginário que foi criado durante o Estado Novo, em torno da figura de
Getúlio. As marcas então impressas na “memória coletiva”, ao que tudo
indica, resultam de uma intervenção direta no cotidiano do trabalhador
associada a um discurso que une o governante à nação. A história das lutas
operárias, tão marcante no cotidiano de Nova Lima – inclusive porque os
mineiros estavam vinculados a um sindicato liderado pelos comunistas
(Nova lima era considerada por muitos a “Moscou mineira”) parece ter
sido, em parte, apagada da memória dos dois narradores e o que restou foi
a imagem mítica do governante. Apesar, por exemplo, de ambos
depoentes relacionarem os ganhos trabalhaistas não só a figura de Vargas,
mas também a luta do sindicato.
No que diz respeito à construção dessa memória, a constância e a
expressiva presença na “memória coletiva” de representações que colocam
a figura de Getúlio como estadista de bom coração, grande homem do
povo, essa parece evidenciar um período da história onde a intervenção
no cotidiano da vida do trabalhador através de diversas leis trabalhistas,

13
cf. HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.pp.78-
79. Este autor analisa o poder que possuem alguns acontecimentos, que são
capazes de marcar todos os indivíduos. O trabalho deste autor é importante no
sentido de que não se pode desconhecer a força da propaganda ideológica do
Estado, que transformou Getúlio Vargas num mito para muitos trabalhadores do
Brasil. De acordo com HALBWACHS: “Há momentos em que todos os homens de
um país esquecem seus interesses, sua família, os grupos restritos nos limites
dos quais se detém geralmente o seu horizonte. Há acontecimentos nacionais que
modificam ao mesmo tempo todas as existências”.
82

82
associada a todo um aparato propagandístico, estabeleceu uma visão da
história , do político e do passado com contornos bastante determinados.
Toda uma geração de trabalhadores resgata um tempo histórico, onde “um
político”, no seu entender, realizou medidas em defesa do seu interesse e
dos demais trabalhadores. (LENHARO, 1986:40-41).
Como afirma MARIANI (1993:41-42), “o tema da construção da
memória histórica representa com certeza uma questão que vem sendo
cada vez mais desenvolvida sistematicamente pela Análise do Discurso,
sobretudo quando analisando do ponto de vista de como a História se faz
materialmente presente, enquanto memória, no discurso.”
Afinal, no caso específico do tema desse livro, pode-se dizer que
à medida que essa população, os operários da Morro Velho, conviviam,
toleravam, assimilavam, eles acabavam por reproduzir a cultura oficial.
Mas também, como já foi observado anteriormente, pode-se observar
como a mesma população jogava com essa cultura oficial, se apropriava
dela, transformando-a em seu próprio discurso.
Para MARIANI (1993), o papel da memória histórica seria, então,
o de fixar um sentido sobre os demais (também possíveis) em uma dada
conjuntura. Ou ainda, vista deste ângulo, à memória estaria reservado o
espaço da organização, da linearidade entre passado, presente e futuro, isto
é, a manutenção de uma coerência interna da diacronia de uma formação
social.
Embora seja lícito atribuir à memória o espaço da reprodução
homogênea de determinados sentidos produzidos por formações
discursivas hegemônicas em dado período, parece ser lícito, também,
considerar que ocorre um “silenciamento” temporário dos sentidos
excluídos. Se a memória histórica fosse assim tão radicalmente plena e
homogênea, seríamos sujeitos condenados (como a mitológica ninfa Eco)
a repetir de modo infindável sentidos imutáveis.
A memória é constituída por faltas, lacunas que são repletas de
historicidade. Ao se analisar tanto o discurso de Vargas, quanto o dos
operários, se deve interpretá-los enquanto práticas discursivas que atuam
de modo determinante na construção dos sentidos constitutivos da história
brasileira. E, assim, acaba-se por perceber até que ponto o discurso
getulista não é uma totalidade absolutamente encerrada em si mesma. Ele
apresenta fissuras, espaços de resistência onde outros sentidos podem
emergir.
Por outro lado, não se pode atribuir o amor dos operários a Vargas
simplesmente devido à sua ignorância ou à força do aparato
propagandístico de construção do mito. É importante se levar em conta o
fato de que, mesmo se considerando a luta do movimento operário, os
benefícios sociais não foram poucos, mesmo que estes tenham demorado
“um pouco mais” para chegarem à Mina de Morro Velho.

83

83
Inclusive, aqueles sujeitos políticos que, em 1945, pediam a
permanência de Vargas14, não o fizeram simplesmente porque ouviam
rádio todos os dias. É mais provável que o tenham feito principalmente
porque conheceram o mundo do trabalho antes das leis trabalhistas e
depois que elas se efetivaram. Entre 1930 e 1934, em apenas quatro anos
portanto, “toda a legislação trabalhista, à exceção do salário-mínimo, foi
promulgada: limitação da jornada de trabalho, regulamentação do
trabalho feminino e infantil, horas extras, férias, repouso semanal
remunerado, pensões e aposentadorias, criação da Justiça do Trabalho
etc. O impacto das leis sociais entre os assalariados não pode ser
minimizado. Sem alguma repercussão em suas vivências, o governo
Vargas não teria alcançado o prestígio que obteve entre os trabalhadores,
mesmo com a avassaladora divulgação de sua imagem patrocinada pelo
DIP.”(FERREIRA, J. 1998:173).

O “mito” Vargas não foi criado pura e simplesmente pela


propaganda política, ideológica e doutrinária veiculada pelo Estado.
Entretanto, não pode-se desconsiderar estas evidências, principalmente
tratando-se do radialismo e das músicas de exaltação à figura de Getúlio e
à sua ideologia de elogio ao trabalho, e à figura do trabalhador nacional,
do homem novo. Porém, não há propaganda, por mais elaborada,
sofisticada e massificante, que sustente uma personalidade pública por
tantas décadas sem realizações que beneficiem, em termos materiais e
simbólicos, o cotidiano da sociedade. O “mito” Vargas “expressava um
conjunto de experiências que, longe de se basear em promessas
irrealizáveis, fundamentadas tão-somente em imagens e discursos vazios,
alterou a vida dos trabalhadores.”(FERREIRA,J. 1997).

Antes e Depois de Getúlio: a influência das leis trabalhistas em Morro


Velho e o nascimento do Sindicato
Ocorreram mudanças no cotidiano do trabalho operário dentro da
Mina de Morro Velho depois de promulgadas as leis trabalhistas. Essas
mudanças estão evidenciadas na fala do entrevistado. O Sr. Waldir dos
Santos afirma que antes de Getúlio era uma verdadeira escravidão e que
depois dele tudo mudou, como pode-se demonstrar através desse relato do
Sr.Waldir, referindo-se às leis getulistas:

“Direito o trabalhador da Morro Velho não tinha. Até 34 não


tinha nada...A partir de 34 é que veio a lei do seguro...Entrou
o IAPI...Aliás, primeiramente nós formamos a Caixa de
Pensões...Antes não tinha nada...”

14
Refere-se aqui ao movimento queremista. O queremismo, movimento social que,
ao longo de 1945, clamou pela permanência de Getúlio Vargas no poder.
84

84
Até que ponto foram os ganhos materiais e simbólicos os
responsáveis por esta veneração e até que ponto sua razão está na
propaganda getulista que atingia, e se introjetava, pouco a pouco, através
do rádio, das músicas e de outros mecanismos, no imaginário dos
operários?
Ao buscar-se compreender a relação entre Vargas e os operários
da Mina de Morro Velho, alguns exemplos de intervenção direta das leis
trabalhistas na vida do operário de Nova Lima e Raposos e da relação
entre Estado getulista, empresa inglesa e trabalhador podem clarear tais
questionamentos.
A tentativa de incorporação da classe operária ao Estado
culminou, ao nível jurídico-legal, com a Consolidação das Leis
Trabalhistas. Em seu artigo 487 explicitou-se ainda melhor a necessidade
de se ter um sindicato colaborando com o Estado: “colaborando com o
Governo para o desenvolvimento da solidariedade social” 15.
O sindicato da Morro Velho, mesmo integrado ao sistema oficial,
mantinha a presença de comunistas. Algumas vezes, a luta dos
trabalhadores acabava por corresponder à política governamental de
sindicalização em massa. Nesse sentido, logo nos momentos antecedentes
à fundação do sindicato dos mineiros da Mina de Morro Velho 16, o
Estado já se colocava ao lado dos trabalhadores, em oposição aos
proprietários, a empresa inglesa. Afinal, a iniciativa de criação do
sindicato agradava ao governo, mais nem um pouco aos ingleses que, de
acordo com a imprensa da época, não aceitavam a união dos operários em
torno de um sindicato. O jornal Correio Mineiro, documentava em 14 de
abril de 1933, que a Companhia de Morro Velho era contra a
sindicalização. De acordo com o jornal, a empresa inglesa:
“anda devassando o solo mineiro à custa do suor mal pago do
trabalhador nacional(...) querendo assim demonstrar o maior
desprezo pelo serviço pesadíssimo que recebe de milhares de
operários, ainda não lhes permite, de forma alguma, a
sindicalizarem(...).Ninguém que já serviu ou ainda serve em
Morro Velho desconhecerá a pressão exercida pelos
magnatas ingleses contra qualquer tentativa de agrupamento
oficial de seus míseros assalariados.”

Sem conseguir impedir a fundação do sindicato, denominado de


União dos Mineiros da Morro Velho, a empresa acabou criando um

15
Decreto-Lei 5.452, de 1º de maio de 1943. Brasília. Ministério do Trabalho.

16
O sindicato foi fundado em 16 de maio de 1934.
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85
contrapoder, outra associação operária, que foi instinto em 1940, pela
vigência da unidade sindical, já antecipando a CLT de 1943.
Ou seja, parecem terem sido fatores importantes na fundação e
consolidação do sindicato de Morro Velho, a participação do Governo e
suas medidas de sindicalização em massa.

Férias e Contratos de Trabalho

Outra questão que vem à tona diz respeito às férias e aos contratos
de trabalho. Segundo a nova regulamentação do trabalho, promulgada
entre 1930 e 1934, o sindicalizado teria o privilégio de gozar férias,
realizar contratos de trabalho, etc. Em Morro Velho, “os mineiros não
contavam ainda com estes direitos”.(GROSSI:1981,93) O Jornal Correio
Mineiro, em 22 de abril de 1933, denunciaria esse problema afirmando
que para o inglês: “Férias? Mim não sabe! O operário não precisa de
férias”. Na manchete, vinha estampado: “Como a Companhia de Morro
Velho Burla Ostensivamente a Lei de Férias”. Somente em 1935,
conseguiu-se, através do delegado-eleitor do Sindicato de Baixo 17, a
nomeação de um identificador pelo Ministério do Trabalho, pois a carteira
profissional era providenciada pela empresa, com a presença de
identificadora oficial. Portanto, o sindicato de baixo, como ficou
conhecido, (União dos Mineiros da Morro Velho) conseguiu que o
superintendente do Serviço da Carteira Profissional do Ministério do
Trabalho fosse a Nova Lima com a finalidade não só de regularizar as
anotações nas carteiras profissionais, como também conseguiu que a luta
dos mineiros pelo direito a férias, sonegado pela companhia, se
transformasse em conquista.
O sindicato conseguiu, naquele momento, a primeira listagem de
operários em férias. Também, pela primeira vez em Nova Lima celebrou-
se a Festa do Trabalho, em 1935, “comemorando-se o 1º de maio através
de uma solenidade religiosa e uma manifestação pública de massa”,
conforme o jornal Folha de Minas. Mais uma vez, observa-se as lutas do
movimento operário indo ao encontro dos benefícios obtidos com as leis
trabalhistas de Vargas.

Jornada de Trabalho

Outro exemplo é o da jornada de trabalho. O mineiro, conforme


foi visto, trabalhava 10 (dez) horas. Ou seja, 8 (oito) horas somadas a mais

17
A União dos Mineiros da Morro Velho ficou conhecida como o sindicato de baixo,
pois ate essa época havia o sindicato patronal, que era conhecido como o
sindicato de cima.
86

86
2(duas) horas de trânsito que se gastava para entrar e sair da mina. Esta
distorção foi corrigida posteriormente, quando a CLT(Consolidação das
Leis Trabalhistas de 1943) preconizou 6 horas para o trabalho em mina de
subsolo. “Através de luta, os mineiros conseguiram da Companhia o
pagamento por 8 horas de trabalho, incluindo as duas horas de trânsito
que não eram remuneradas em épocas anteriores à CLT”.
(GROSSI:1981,108)
De acordo com o depoimento de Dazinho, “quando eu entrei lá,
trabalhava 8 horas por dia e a lei já mandava trabalhar 6 horas” (apud
LE VEN,1998:57) Note-se que Dazinho nasceu em 1922 e começou a
trabalhar na mina aos 18 anos de idade. Ou seja, em 1941:
“Dazinho, contemporâneo do Estado Novo, do
“corporativismo” de Getúlio e da democracia subseqüente,
tampouco entrou no mundo da cidadania outorgada, da
doação dos direitos trabalhistas já conquistados pelos
trabalhadores da década de 20: “Nunca fui getulista, graças
a Deus”, afirma ele com ênfase, mesmo se for “diferente da
maioria dos trabalhadores” que “se não eram
necessariamente trabalhistas e petebistas, eram, sim,
getulistas. Também não me lembro de mada, de Getúlio,
ninguém tocava no assunto, talvez ‘eles’ quisessem que a
gente ficasse fora dessas questões.””(Idem, 1998:53)

Diferente do Sr Waldir dos Santos, Dazinho, político, “comunista-cristão”,


não gostava de Getúlio, o que salienta, mais uma vez, que os operários não
podem ser considerados como uma massa homogênea e sim, como sujeitos
singulares que possuem suas próprias opiniões, de acordo com seus
interesses.

O telegrama : outra estratégia...

Com o golpe de 10 de novembro de 37, instaurando o Estado


Novo, os comunistas de Morro Velho trataram de se proteger, muitas
vezes parecendo mesmo estar o sindicato submisso e acomodado em
relação ao regime. Na Ata da Assembléia da União dos Mineiros da Morro
Velho de 14 de novembro de 1937, logo após o golpe de Estado, encontra-
se registro de um acontecimento pitoresco, mas extremamente importante
no que diz respeito às relações entre movimento operário dos mineiros de
Nova Lima e Estado Novo. Na Ata apresenta um ofício que foi enviado a
Getúlio Vargas, hipotecando a solidariedade dos trabalhadores da Morro
Velho, ao qual Getúlio respondeu com um telegrama de agradecimento.
Observa-se aqui mais uma vez uma estratégia do trabalhador.
“Percebendo os limites impostos e selecionando a legislação
estadonovista em benefício próprio, ao mesmo tempo que deixavam de
87

87
lado todo o aparato coercitivo e excludente, os personagens apropriavam-
se das mensagens dominantes e criavam estratégias de vida que as usavam
para avançar.” (FERREIRA,J., 1997:34)

Criando estratégias de vida até bem humoradas (ou


contraditórias) para superar as dificuldades e os medos,
criticando até onde era possível e resistindo às regras do
poder, o movimento operário da Morro Velho não sofreu
praticamente nenhuma represália por parte do Estado Novo. A
não ser em alguns momentos, através da ação da polícia.

As leis trabalhistas e as lutas do sindicato da Morro Velho

Portanto, pelos exemplos analisados, parece que, realmente, nas


lutas dos operários durante as negociações com os patrões ingleses, a
presença do Estado, através da promulgação de leis de amparo ao
trabalhador, é fator importante a ser considerado. Ao que tudo indica,
pode-se inferir que o governo Vargas influenciou, em certa medida, o
comportamento dos operários em relação à empresa, reforçando sua
mobilização pela aplicação da lei getulista.
Houve, sem dúvida, conquistas sociais dos trabalhadores, mas
estas contaram com o suporte de leis que beneficiaram, mesmo que com
inúmeras restrições, os operários da Mina. O Estado, através da ação do
Ministério do Trabalho, incorporou as reivindicações operárias e também
as reivindicações patronais de limite às ações operárias, o que fez parte da
estratégia autoritária. Porém, por outro lado, no caso de Morro Velho, as
reivindicações dos operários foram pautadas no cumprimento da legislação
trabalhista. A própria fundação do sindicato, primeira conquista dos
operários da Morro Velho, esteve associada, até certo ponto, com a
conjuntura do país. Como afirma GROSSI(1981), “a fundação do
sindicato dos mineiros se inseriu no novo quadro institucional e
constitucional que pervadiu a sociedade brasileira após o movimento
armado de 1930, que finalizou a Primeira República.” Como se observa, é
fato que os trabalhadores da Morro Velho se apropriaram das concepções
dominantes acerca do Estado paternalista para reivindicarem sua
eficiência. Nesse sentido, concorda-se aqui com a afirmação de
FERREIRA(1997:32-33), para o qual: “As enunciações discursivas de
trabalhadores e populares à época do primeiro governo de Vargas
demonstram como eles aceitavam o discurso oficial e as concepções
dominantes. Todavia, não interpretamos essas formas de expressão como
conformismo, passividade ou resignação, mas, antes, como apropriação -
no sentido dado por Roger Chartier -, que lhes permitia fazer leituras
criativas, singulares e desviantes. O aparente conformismo fazia parte de
uma estratégia de vida para alcançarem seus objetivos mais imediatos.”
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88
Sem dúvida, com a fundação do sindicato dos mineiros, começou
uma nova fase para as relações trabalhistas na Morro Velho, com
reivindicações aguerridas que, como já foi dito, na década de 1940
sofreram influência marcante do Partido Comunista. Nesse sentido, pode-
se concluir que as décadas de 30,40 e indo além, a de 50 foram marcadas
por grandes mudanças no ambiente político-social, com a implementação
das Leis Trabalhistas de Getúlio Vargas, o que refletiu diretamente nas
relações de trabalho. O movimento sindical ganhou corpo, a CLT foi
promulgada e, esse entrecruzamento das lutas operárias com as políticas
governamentais de concessão de benefícios ao trabalhador, a realidade do
trabalho na Mina de Morro Velho mudou consideravelmente, melhorando
em diversos aspectos. Contudo, por outro lado, a empresa resistiu às
mudanças e manteve alguns padrões de exploração já consolidados.

A “política” da Empresa

Um autor da época, o memorialista Roberto Costa, cujo livro,


subsídio para a análise aqui empreendida, foi escrito na prisão e publicado
em 1955, narra que em 1947 a Companhia tomou a deliberação de
despedir 51 operários que vinham se destacando como lideranças
sindicais:
“Tratando-se, porém, de empregados com mais de 10 anos e,
portanto, com estabilidade assegurada pelas Leis
Trabalhistas, somente poderiam ser despedidos à base de
denúncias graves e comprovadas, surgindo então a idéia
genial - digna de um Churchill - de que
eram...sabotadores.”(COSTA,195:,31).(grifo nosso).
Assim, por outro lado, conforme o trecho acima citado sugere,
pode-se inferir que muitas eram as estratégias da empresa para não
garantir aos operários os direitos expressos nas leis getulistas. Inclusive o
mesmo autor conta - ainda na época em que escreveu “A Cortina de
Ouro”(1955) - que a empresa sempre dava um jeito de disfarçar seus
lucros reais, para continuar negando-se a garantir melhores condições de
trabalho aos operários. O Senhor Gentil, apesar de ter sempre gostado dos
ingleses, afirma que:
“...Toda a vida a Morro Velho pagou pouco, toda a
vida...nunca teve jeito de ganhar bem...E tirava tanto...Era
ouro mesmo...O Ouro da Morro Velho era mandado para o
Rio. (...)Eles davam a nota que eles queriam dar...Tiravam lá
arrobas de ouro e davam conta de uns quilos...Tirava lá e

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89
levava para o Rio e lá eles faziam o que queriam...falavam
que não estava dando nada...”
Energicamente, afirma o autor do livro de época, Roberto C. Costa:
“Na ocasião oportuna mostraremos ainda que essa política de
baixa produção de suas minas, tem sido a arma - chantagem -
utilizada pela poderosa empresa para conseguir favores do
governo, manter salários baixos dos seus operários e eximir-
se de responsabilidades, como é o presente caso em que se
nega a pagar a “taxa de insalubridade” e ameaça fechar suas
minas, lançando ao desemprego milhares de trabalhadores”.
(COSTA,1955:32).

Ou ainda, em outro momento, o mesmo autor denuncia ainda uma


vez, o descompasso entre as leis de Getúlio e o cumprimento das mesmas
pela companhia inglesa:
“Mas, continuamos a ouvir periodicamente a cantilena de
miséria, com que tem ludibriado a opinião brasileira, obtido
isenção total de impostos, manutenção de taxas de salário
abaixo do mínimo, deixando de cumprir as leis brasileiras,
como é o caso atual da “taxa de insalubridade”, ameaçando
(quando pode) mendigando, subornando, e mantendo a
Cortina de Ouro com que oculta todos os fatos que
denunciamos e outros...”(COSTA,195:37).
(grifo nosso)

Ao que tudo indica, parte dessas “leis brasileiras” referidas pelo


autor foram cumpridas e outra parte deixou de ser. Mas vale ainda
ressaltar o valor histórico do trabalho de Roberto Costa que, enquanto
livro de época, constituindo-se em rica fonte documental, é bastante
esclarecedor da diferença entre aquilo que era exigido por lei e aquilo que
era a realidade, tratando-se das condições de trabalho na Mina de Morro
Velho. Esta questão também aparece em outras regiões e nas relações de
trabalho entre patrões e empregados em outras empresas.
De acordo com Robert LEVINE isto se explica pelo fato de que o
texto das leis trabalhistas, em alguns itens, não era suficientemente claro,
dando margem a que as empresas não cumprisse a lei em sua
integralidade. Segundo o autor: “No entanto, a linguagem legal era cheia
de brechas e os patrões encontravam meios de burlar os regulamentos até
mesmo debaixo dos olhos atentos da ampliada burocracia
federal.”(LEVINE, 1983:315)

“Vida - Paixão e Morte dos Operários”: a silicose e o arsenisismo - os


pós que matavam

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90
É no quarto capítulo de seu livro que Roberto C. Costa se dedica
à narrativa das condições de vida dos operários da Morro Velho. O
capítulo, intitulado “Vida - Paixão e Morte dos Operários” apresenta as
condições de trabalho dos operários nos idos de 30 e 40, até meados da
década de 50, ou seja, antes, durante e depois da Consolidação das Leis
Trabalhistas.
Conforme apresentado pelos depoentes, em particular no
depoimento do Sr. Waldir dos Santos, em algumas minas, como no
“Galo”, o minério continha arsênico, inclusive havia fábrica de produção
desta substância em Nova Lima. Acontece que o arsênico é responsável
por uma doença grave, o arsenicismo. Segundo um relatório do Serviço
Médico da Divisão do Fomento da Produção Mineral, órgão do governo,
relatório este que pode ser encontrado no “Observador Econômico” n.9,
pagina 68, de Outubro de 1943, em “135 operários examinados 117
apresentavam lesões produzidas pela doença”, manifestações estas que
surgiam na maioria dos casos com apenas 4 (quatro) meses de trabalho,
inutilizando praticamente as vítimas. O arsenicismo provocava nos
operários dores muito fortes nas juntas, além de deformações, úlceras, etc.
Outra doença muito freqüente nos operários da Morro Velho,
principalmente nos mineiros, era a silicose 18, que até hoje atinge os
trabalhadores da minas de Morro Velho, como por exemplo, o Sr.
Dazinho19. De acordo com o relatório, no ano de 1943, - ano da
promulgação do decreto-lei que formalizou a CLT - “nos exames
procedidos em 908 mineiros, 304 (33,4%) apresentam casos positivos de
silicose”.
Nova Lima era sacudida pela tosse. Essa expressão que ressalva
as condições de saúde dos mineiros de Nova Lima aparece na explicação
detalhada de LE VEN (1998:62) sobre a tosse de Dazinho: “A entrevista
foi pontuada de tosse, que além de encurtar a vida e a capacidade de
respiração, é crônica, oca, ressoante, provocando sofrimento e angústia”.
Esta também era a convicção de Hélio PELLEGRINO que assim
se referiu a cidade de Nova Lima:
“Nas noites de Nova Lima quando buscava repouso, a cidade
era sacudida e inquietada por uma trovoada surda e cava

18
A silicose é uma doença que, como a tuberculose, vai ulcerando os pulmões com
microscópicas partículas de sílica, substância encontrada no minério que vai
sendo aspirada por todos aquele que trabalham na extração e redução do
minério.

19
Cf. LE VEN, Michel Marie. Dazinho - Um Cristão nas Minas. Belo Horizonte: CDI,
1998. A entrevista analisada por LE VEN é entrecortada pela tosse do operário
Dazinho, que hoje tem dificuldades de respirar devido à doença. Também o Sr.
Gentil, nosso entrevistado, possui a doença, conforme pode-se conferir em seu
depoimento.
91

91
que, nascendo dos casebres operários, rolava em ondas
recorrentes até as fraldas das montanhas em torno. Era a
grande tosse dos pobres, sintoma e denúncia da silicose que
os roía. Os ingleses perturbados em seu sono e em sua boa
consciência, ao invés de adotarem medidas hábeis para que a
silicose cessasse, resolveram enfrentar o problema pelo
exclusivo ataque ao sintoma. Montaram em Nova Lima, com
banda de música e foguetes, uma fábrica de xarope contra
tosse, que ao mesmo tempo produzia para consumo dos
colonizadores, matéria-prima de refrigerantes não
encontrados no país...”(PELLEGRINO apud LE VEN:
1998:62-63)

Em 26 de agosto de 1938, quase um ano após o golpe que


instituiu o Estado Novo, o engenheiro Octavio Barbosa apresentava ao
Ministério da Agricultura o seu relatório como enviado especial do
Departamento Nacional da Produção Mineral com “Sugestões para
regulamentação sobre a Higiene do Trabalho nas minas do Brasil”,
depois de estudar profundamente as minas da Cia. Morro Velho. Nele,
mostrava o técnico as condições extremamente penosas e “letais” em que
trabalhavam os operários da Cia. Morro Velho que, na época, ainda não
possuíam sequer recursos elementares de higiene, trabalhando em
condições “subumanas”.
O relatório, recomendava a exigência por lei da aplicação e
emprego de maquinário moderno adequado e aparelhos indispensáveis,
mundialmente conhecidos, usados em trabalhos idênticos. O autor de “A
Cortina de Ouro” foi enfático em sua denúncia:
“Pois bem, o honesto e humano relatório se não foi destruído
foi para o arquivo, pois, até hoje as condições de trabalho
nas minas da Cia. Morro Velho continuam as mesmas e a
empresa se nega até hoje a pagar a taxa de insalubridade -
que pode sem exageros ser apodada de taxa de morte - de
seus operários, as suas mais diretas e maiores vítimas.” 20

Note-se que o livro terminou de ser escrito em julho de 1955 na


cadeia do C. Q. da Força Policial do Estado de Minas Gerais. O autor foi
preso, segundo seu prefácio, por haver incitado
“o povo “à depredação do consulado americano”, no dia 24
de Agosto, data que a História registra, coicidentalmente,
como a da monstruosa matança dos huguemotes, genocídio
até hoje sem réus porque a Justiça da época servia a Sua
Majestade Católica da França.”

20
Idem,1955:8.
92

92
O autor diz ainda, fazendo referência à morte de Getúlio Vargas, que
“Honesta e conscientemente, devo repartir tamanha glória
com o povo brasileiro, que naquele gesto manifestou sua
compreensão quanto à Carta de Getúlio, confirmando o que o
mesmo profetizara anteriormente ao dizer: “o povo um dia
fará Justiça com as próprias mãos”21

Portanto, como demonstra o prefácio, o próprio autor do livro era


simpatizante da “causa” getulista e chegou a ser preso na ocasião da morte
de Vargas, 24 de agosto, quando, numa livre interpretação da carta-
testamento de Getúlio, entendia que eram os norte-americanos os
responsáveis pelo suicídio do presidente. O livro de denúncia contra a
empresa inglesa, passa também a ser uma luta contra o “imperialismo” das
potências estrangeiras, no caso, os ingleses. E, por outro lado, fica clara a
tendência nacionalista do autor, que conjugava com os pressupostos
nacionalistas de Vargas.
Mesmo com todo o ideário de defesa do nacionalismo e dos
trabalhadores nacionais, nem Getúlio com suas leis trabalhistas, nem os
operários com suas lutas sindicais parecem ter conseguido resolver, ainda
na década de 40, todos os problemas trabalhistas da Mina. De acordo com
Roberto Costa,
“Foi uma das suas vítimas[da silicose] o operário Francisco
Soares de Oliveira, na sua obra: “Os Horrores das Minas de
Morro Velho”, quem descreveu ao vivo as torturas de outro
sofrimento dos operários, “a caimbra” relatando o seguinte:
“Com a extraordinária temperatura de cincoenta e tantos
gráus, tudo ali escalda, tudo queima! E aqueles desgraçados
que, parecem, vão se fundir em água tanto é o suor que
expelem, vão batendo...batendo...e o feitor
gritando...gritando...e ao entrar e sair dos vagonetes, e a falta
de ar para se respirar, aqueles infelizes, sofrendo a influencia
daquela temperatura de fôrno, entram num tormento
indizível: o corpo vai se esquentando, se esquentando, as
fontes latejam, a cabeça dói, como se quisesse arrebentar, as
cadeiras reclamam descanso, o sangue ferve, os braços
flacidam-se; o e o feitor, impassível e impertigado, grita:
“Quem não agüenta cai fóra!...Aqui é pr’a quem póde!”
E, mais adiante: “Vencidos pela inclemência de uma
atmosfera inabitável, onde só podem ficar impassíveis os
sêres inorgânicos, os miseráveis são violentamente atirados
ao chão (pedra), por um indizível acesso nervoso, que lhes faz
rebolcarem-se sôbre o mineral, na mais horrorosa agitação

21
Ibidem,1955:8.
93

93
convulsiva. Estes acessos tão célebres e comuns, têm ali o
nome de caimbra ; mas essa palavra caimbra, não tem
propriedade para significar a natureza do estado mórbido que
querem designar com ela. Caimbra, contração espasmódica
dos nervos, não é bem o que ataca aos mineiros, em
conseqüência do excesso de calor. O lastimoso estado
mórbido que vítima os desgraçados escravos das Minas de
Morro Velho, que eu sofri, e vi sofrer a muitos dos meus
irmãos de classe, não pode ser classificado de
caimbra...porque essa classificação não traduz o horroroso
aspecto do ataque que eu sofri, e vi sofrerem - pelo excesso de
calor - a muitos companheiros de desgraça...””
(COSTA,1955: 42-43)

Roberto C. Costa relata ainda as “Lutas Operárias em Morro


Velho”. Ele demonstrar como a Saint John Del Rey Mining Company
subvertia as leis a seu bel prazer, auxiliada por uma “casta de traidores”.
Juntos, empresa e subornados manobravam os três poderes do Estado -
legislativo, executivo e judiciário:
“um Estado dentro do Estado na mais completa plenitude de
sua força, prepotente, arbitrário, cruel, opressor, aplicando
sem pêias a melhor denominação de um regime fascista no
seu território, onde tudo quanto não era obrigatório era
terminantemente proibido. (...) Mas sua maior arma sempre
foi e ainda é o ouro, com que compra consciências
negociáveis, subverte leis, mácula a verdade, ou obtém o
silêncio sôbre os seus crimes e falcatruas, ocultando com a
sua “Cortina de Ouro” as mazelas da sua formação e a
manutenção dessa excrescência feudal no regime semi-feudal
em que ainda vivêmos.” (COSTA,1955:56)

Daí se obtém o título do livro: “Cortina de Ouro”, porque oculta


com subornos, seja para altos magistrados, seja para operários. Contra a
força da empresa que, com seu ouro, comprava as pessoas, surge na
narrativa a força da luta da classe operária, novos inconfidentes, que
teriam como meta a libertação e emancipação não só dos operários, mas,
nas palavras de Roberto Costa,
“ainda quando os operários da Cia. de Morro Velho lutam
apenas pelo cumprimento de um dispositivo legal - como é a
“taxa de insalubridade” - essa luta extravasa das suas
limitações e transpõe as fronteiras da batalha que se trava
pela emancipação do Brasil do jugo dos latifundiários e
grandes capitalistas ligados ao imperialismo norte-americano
e sustentáculos do atual governo e regime, contrários ao
94

94
desenvolvimento da sociedade e, portanto, fadados ao
desaparecimento”. (COSTA;1955,51)

Os trechos do livro “A Cortina de Ouro”, permitem observar,


mais uma vez, a relação que existia entre lutas operárias em Nova Lima-
Sindicato dos Mineiros de Morro Velho- e os dispositivos legais,
propiciados pelas mudanças advindas da nova legislação criada ao longo
do governo de Getúlio Vargas. O autor explicita claramente esta questão,
ao afirmar que os operários, naquele momento, lutavam simplesmente
pelo cumprimento da lei trabalhista, no caso a “taxa de insalubridade”.
Aliás, ao destacar-se as principais lutas pelos seus direitos levadas
a cabo pelo sindicato dos mineiros, mesmo com toda a intimidação,
mesmo contra a vontade da St. John Del Rey Mining Co., vê-se que,
praticamente, todas as lutas passavam pela conquista de direitos já
adquiridos através da legislação trabalhista. São exemplos: a própria luta
contra a atitude da empresa de não reconhecer o sindicato e de se negar a
receber seus representantes; a luta contra a burla da Lei dos 2/3; pelo
pagamento da taxa de insalubridade(19 de dezembro de 1938); pela
melhoria de condições de higiene e trabalho nas minas; contra o excesso
de horas de trabalho que atingia até 12 horas; pela melhoria da técnica na
produção das minas; contra o perigo de intoxicações na redução do
minério; contra as perseguições aos operários ligados ao sindicato; pelo
pagamento do descanso semanal; pelo pagamento do salário mínimo
(também uma criação do governo Vargas); pelo direito de greve
assegurado pela Constituição; pelo exame, uma vez por ano, pelo médico;
pela criação da caixa de pensões (outra garantia da nova legislação
trabalhista); pela fundação da cooperativa dos operários, instalação de
restaurante dos operários e, pela regulamentação do horário de trabalho
das turmas, no cumprimento da lei de 6 horas de trabalho nas minas.
Outro trecho do livro, agora finalizando a análise sobre o
interessante capítulo de Roberto Costa e as pistas que vai revelando, ao
longo de sua narrativa, acerca da presença das lutas operárias em sintonia,
com o Ministério do Trabalho e com as leis trabalhistas de Getúlio Vargas
diz respeito, já em 1939, auge do Estado Novo, a uma extensa
representação que o sindicato faz junto ao Ministério do Trabalho, onde
eram relatados todos os fatos e processos usados pela Morro Velho,
denunciando que, das 300 cartas e ofícios dirigidos à empresa, o sindicato
não havia recebido sequer resposta. Outra referência à relação
trabalhador/sindicato - Estado (Estado Novo-Era Vargas- Empresa inglesa
(St. John Del Rey Mining Company).
Apresentando as vitórias operárias e o que diz respeito às leis
trabalhistas do Estado varguista e os limites de sua penetração real na
Mina de Morro Velho, ao longo das décadas de 30 e 40, o livro sugere que
o saldo ainda é negativo. Ao que tudo indica, em se tratando de condições
95

95
de trabalho na Mina de Morro Velho, como foi apresentado no item
anterior, persistiu a ironia do jornalista d’O Debate, em seu texto de 22 de
março de 1934 (portanto, ano da fundação do sindicato dos mineiros da
mina, que data de 13 de maio): “(...)É Morro Velho - a atração dos
viajantes, a citação do Estrangeiro - é lá que morre o Ministério do
Trabalho!”
De acordo, porém, com recente livro lançado pela Companhia 22,
hoje não mais sob o domínio inglês, a Mina Grande atingiu, já na década
de 40, 2.453 metros de profundidade, e foi instalada a planta de
refrigeração no subsolo para melhoria das condições de trabalho. Os
equipamentos de proteção individual também foram implantados, bem
como as lanternas à bateria, estas em substituição aos lampiões de
carbureto. Todas essas medidas permitiram melhorar a prevenção de
acidentes no trabalho. (PIRES et al.,1995:113) Resta saber até que ponto
estas melhorias foram resultado da política getulista combinada à grande
luta dos trabalhadores através do movimento operário organizado.
O processo identitário entre estes operários se deu de diversos
modos, principalmente quando a maioria parecia estar de acordo e bem
consciente das terríveis condições de trabalho na Mina nesse período e da
necessidade de mudá-las. É incontestável a força do movimento operário
em Nova Lima desde o início do século, como bem mostra o trabalho de
GROSSI(1981). A anti-disciplina, a transgressão, ou seja, a resistência
“ativa” já foi estudada por esta autora.
Entretanto, interessa explorar também um outro tipo de anti-
disciplina, de transgressão, de resistência. Trata-se daquela que é quase
imperceptível, senão inconsciente, dos operários que não associavam
diretamente patrão inglês  Estado  conquista e/ou ganho dos direitos
sociais luta do movimento operário. A transgressão dos operários se deu
através das diversas “maneiras de fazer” que foram aparecendo no
cotidiano, nas micro anti-disciplinas, focalizando o patrão inglês
diretamente e não tanto o Estado, mais distante e visto por muitos como o
bem feitor, “nosso pai”.
Por isso, não acredita-se ser o conceito de ‘alienação’ o melhor
para compreender os operários, muito menos ‘apatia’ ou ‘despolitização’.
Ao se analisar a fala dos operários que aqui estão sendo denominados
transgressores, pois que resistiam quase que imperceptivelmente, observa-
se que o conceito de ‘mobilização’ nem sempre é adequado para captar
atitudes políticas do proletariado. Conforme explica Marilena Chauí, em
um ensaio sobre cultura popular e alienação: “Não se pode dizer que esses
operários estão conformados ou inconformados com a situação, mas sim
que estão ao mesmo tempo conformados e inconformados: de um lado,

22
Cf. o livro produzido pela Morro Velho S.A. intitulado: Moro Velho – História,
fatos e feitos. (1995)
96

96
acreditam-se impotentes para mudá-la e, em vez de assumir essa falta de
força, confessar seu medo e tratar de superá-lo, muitos preferem tomar
uma atitude fatalista e manifestam receio dos militantes que pretendem
tirá-los dessa inatividade; de outro lado, apesar da calma aparente, há um
inconformismo profundo, que às vezes é difícil perceber sob a capa do
fatalismo. Até onde possam ir na ação, depende da repressão e da
persistência do medo. Portanto, é errôneo tomar a ‘despolitização’ como
um dado, pois pode desaparecer de um momento para outro”.
(CHAUÍ,1981: 71-74)

Tanto é que o inconformismo daqueles operários aparecia através


de outras ações que não a militância objetiva e partidária, política, dentro
do sindicato. Emergia através dos comportamentos, dos gestos, das falas,
das inúmeras “maneiras de fazer”, onde ficava marcada a força do
inconformismo em relação à empresa e aos ingleses: “Eu nunca gostei
deles!”, era o que sempre dizia o Sr. Waldir dos Santos, tomado por um
sentimento de ódio profundo, de amarga revolta.

CULTURA E COTIDIANO NAS MINAS

Espero que a cultura plebéia tenha se


tornado um conceito mais concreto e
utilizável, não mais situado no ambiente
dos “significados, atitudes, valores”,
mas localizado dentro de um equilíbrio
particular de relações sociais, um
ambiente de trabalho, exploração e
resistência à exploração, de relações de
poder mascaradas pelos ritos do
paternalismo e da deferência. Desse
modo, assim espero, a “cultura
popular” é situada no lugar material
que lhe corresponde.
E.P. Thompson

97

97
CULTURA E COTIDIANO NAS MINAS
O capítulo pretende analisar pelo menos duas questões
fundamentais na compreensão da vida cotidiana dos trabalhadores da Mina
de Morro Velho, nas décadas de 1930 e 1940 (primeira fase do governo de
Getúlio Vargas). Quer-se aqui dar destaque às resistências e anti-
disciplinas que estes trabalhadores foram construindo em sua vida
cotidiana. Resistências face ao ‘colonizador’ inglês, resistências face à
ideologia dos intelectuais orgânicos do Estado varguista. Quer-se mostrar,
em primeiro lugar, quais eram as estratégias dos trabalhadores frente à
ação da propaganda getulista, daí analisar-se o rádio e sua repercussão na
vida cotidiana desses mineiros, como também, em segundo lugar,
fechando o capítulo, estudar outras “artes de fazer” dos operários. Ou seja,
analisar como, face ao controle inglês, os sujeitos, “contadores de história
” foram artistas. Não quer-se transformá-los em filósofos, mas sim, como
afirma Robert DARNTON (1986:XIV), “ver como a vida comum exigia
um estratégia. Operando no nível corriqueiro, as pessoas comuns
aprendem a “se virar” - e podem ser tão inteligentes, à sua maneira,
quanto os filósofos”.

O rádio na época de Getúlio Vargas


O rádio: reprodutor de ideologia nos Estados Autoritários?
“O mundo atravessa uma fase dramática de
reconstituição. Velhos preceitos, antigas
doutrinas, normas até bem pouco tempo
pacíficas, sofrem os influxos da guerra, que
contaminou todos os povos. Não sabemos com
segurança o que nos aguarda e devemos estar
vigilantes. O rádio, cada manhã, pela rapidez
da palavra, será sempre a gente eficaz dos
propósitos que nos animam e das cautelas que
as contingências nos impõem.”
(Pronunciamento de Lourival Fontes, então
Diretor Geral do DIP, à 18 de abril de 1942, na
solenidade de instalação dos novos estúdios da
Rádio Nacional)23

23
Esta epígrafe foi retirada do livro de SAROLDI,Luiz Carlos & MOREIRA, Sonia
Virginia. Rádio Nacional. O Brasil em sintonia. O trecho, por sua vez, é da Revista
Carioca,n.342,p.3. e está citado na bibliografia do referente livro.
98

98
Ao tentar-se entender até que ponto a memória desses sujeitos
entrevistados é uma memória em parte construída, controlada, e até que
ponto é uma edificação estratégica, que se apropria do discurso dominante,
sem contudo, permanecer passiva diante deste, deve-se pensar como esse
processo ocorreu, se é que ele ocorreu.
A problemática da simultaneidade entre controle e resistência é
talvez a grande dificuldade teórica e histórica de se pensar o cotidiano dos
trabalhadores da mina de Morro Velho em sua relação com seus patrões
ingleses e em relação ao Estado getulista. Afinal, por um lado, remete-se à
idéia de manipulação, ainda que, por outro lado, se reconheça todas as
ambigüidades dela recorrentes. Atribuir aos trabalhadores um papel ativo
significa reconhecer um diálogo entre sujeitos com poderes diferenciados,
mas igualmente capazes de se apropriar e reler as propostas político-
ideológicas um do outro. Tal postura, adotada neste trabalho, tem como
objetivo afastar a dicotomia entre autonomia e heteronomia.
Já discutiu-se, anteriormente, que a construção da imagem mítica
de Getúlio Vargas está associada, principalmente, ao grande tempo em que
este permaneceu no poder, além de realizações materiais e simbólicas que
efetivamente aconteceram na vida dos trabalhadores. No caso, dizendo
respeito ao operário mineiro de Morro Velho. Porém, por outro lado, é
interessante observar que ao longo desse período autoritário da história
brasileira, uma série de mecanismos de difusão da ideologia getulista
foram criados. Portanto, é importante indagar: até que ponto a ideologia é
difundida pelo rádio? Como era a difusão radiofônica em Nova Lima? Os
mineiros ouviam rádio? Relevante, portanto, discutir-se o papel do rádio
como difusor de uma cultura idealizada pelos intelectuais orgânicos de
Vargas e colocadas em prática através do DIP, da Rádio Nacional, da Hora
do Brasil, da Rádio Inconfidência e dos outros meios de comunicação. É
registro comum na bibliografia deste período ora estudado, que se tornou
necessário para o Estado varguista a construção de mecanismos de difusão
de uma doutrina própria, sendo o rádio um dos principais meios através do
qual o Estado buscou apoio dos trabalhadores, “povo brasileiro”...
Analisar tal meio de comunicação torna-se relevante na tentativa de
compreender até que ponto o “mito” Vargas não foi construído puramente
através da vasta propaganda doutrinária veiculada pelo DIP. Afinal,
concorda-se aqui com Jorge FERREIRA em sua brilhante afirmação de
que: “Não há propaganda, por mais elaborada, sofisticada e massificante,
que sustente uma personalidade pública por tantas décadas sem
realizações que beneficiem, em termos materiais e simbólicos, o cotidiano
da sociedade. O “mito” Vargas, assim, exprimia um conjunto de
experiências que, longe de se basear em promessas irrealizáveis,
fundamentadas tão-somente em imagens e discursos vazios, alterou a vida
dos trabalhadores” (FERREIRA, 1997:49)
99

99
Ao observar-se no Brasil os períodos autoritários que
correspondem ao Estado Novo e à ditadura militar pós-64, nota-se como o
conteúdo das mensagens radiofônicas se altera nos momentos de controle
estrito do Estado (período de governos autoritários). No caso brasileiro, a
lógica com que o Estado opera ao controlar o conteúdo dos meios de
comunicação é restritiva. O poder do Estado sobre a radiodifusão sempre
foi grande. Parece, de acordo com a bibliografia pesquisada, que o Estado
e grupos privados não expressam interesses fundamentalmente distintos.
Desse modo, não se deve esperar que as mensagens sob controle de um ou
de outro apresentem grandes diferenças ideológicas.
A radiodifusão teve início mais precisamente no dia 6 de abril de
1919, quando, com um transmissor importado da França, foi inaugurada a
Rádio Clube de Pernambuco, por Oscar Moreira Pinto, que depois se
associou a Augusto Pereira e João Cardoso Ayres. Mas, oficialmente,
pode-se considerar o início da rádiodifusão no Brasil com a instalação da
primeira emissora de rádio em 20/04/1923 (Rádio Roquette Pinto), onde se
observa que nem Estado, nem proprietários privados se interessam tanto
pelo serviço. A Rádio Sociedade do Rio de Janeiro foi fundada por
Henrique Morize e Edgard Roquette Pinto. Somente em 11/06/1927,
depois de um período de experiência, é que começou a funcionar, no Rio
de Janeiro, a Rádio Mayrink Veiga. Os donos das primeiras emissoras
eram intelectuais e cientistas imbuídos de intenções, pelo menos a
princípio, altruístas de tornar o rádio um instrumento a serviço da
educação e cultura, sem finalidades lucrativas. Mas, fora seus primeiros
anos de existência, a radiodifusão sempre esteve na esfera de influência do
Estado e de grupos econômicos privados.
De acordo com José Salomão Amorim, “a primeira emissora
brasileira foi a Rádio Roquette Pinto, criada em 1923, mas somente oito
anos depois, em 1931, já sob o governo de Getúlio Vargas, pós revolução,
é que teremos notícia do primeiro texto legal sobre radiodifusão”
(AMORIM,1983:67). Foi pelo decreto 20047 que a radiodifusão foi
considerada de interesse nacional e de finalidade educativa. Mas até que
ponto essa finalidade educativa recebeu influências do ideário criado pelos
intelectuais do Estado Novo? Até que ponto essa finalidade educadora
permaneceu presente na radiodifusão no Brasil? Que educação, que
ideologia deveriam ser difundidas através do rádio?
O interesse do Estado pela rádio foi aumentando e durante o
período autoritário, no Estado Novo, criou-se o DIP - Departamento de
Imprensa e Propaganda - uma unidade especializada em comunicação a
serviço do governo. Era a primeira vez que o Brasil possuía um
departamento desse nível, que seria encarregado da comunicação e,
logicamente, da difusão ideológica do Estado Novo. Ou seja, esse
departamento deveria cuidar da imagem governamental, censurar e
100

100
controlar a distribuição de verbas aos meios de comunicação. É nesse
período que se notará uma maior rigidez sobre o controle das
radiodifusões brasileiras dentro do governo getulista. Tal situação só se
modificará com o fim do Estado Novo e da Segunda Guerra Mundial.
Sucintamente pode-se dizer que, terminada a II Guerra Mundial, o
rádio se consolidou e os programas de auditório ganharam força. A Radio
Nacional, que havia sido fundada em 1936 e seria líder de audiência por
duas décadas, tornou-se no Estado Novo um dos maiores fenômenos de
comunicação no país. Data dessa época a “coqueluche nacional”, as
radionovelas, e a afirmação do radiojornalismo, com o Repórter Esso. No
final da década de 50, a TV é inaugurada.
Mas José S. Amorim também chama atenção para as
transformações que irão ocorrer na radiodifusão a partir do ponto de vista
econômico. Segundo este autor esta é uma fase de transição. O país passa
por um surto de industrialização, que superará em parte o modelo agrário.
E é nesse ponto que o autor coloca sua posição, bastante polêmica. Para
ele, “a radiodifusão perde o caráter cultural e educativo e se estrutura
como atividade mercantil”. E ele ainda irá dizer que, deste modo, ela
assumirá a “função de promoção comercial, de intermediária entre as
unidades produtoras capitalistas e os consumidores. .(AMORIN,1983:67)
Ao maior peso da publicidade vai corresponder, no plano da programação,
maior ênfase ao entretenimento e ao trivial, em lugar da programação
substantiva (cultural e educativa, ainda que elitista) dos primeiros
momentos. Esta tese é passível de entendimento, ao pensar-se que o
aumento da importância comercial do rádio implicou num aumento da
autonomia dos proprietários privados em relação ao Estado. Mas até que
ponto vai essa autonomia privada, se a rádio continuou a depender da
publicidade e dos favores financeiros do Estado e continuava o controle
pela censura e a intervenção do DIP, que só seria desativado após a
Constituição de 1946, que garantia total liberdade de expressão - pelo
menos no papel? E até que ponto efetivou-se essa difusão ideológica, esse
“controle da memória”, no caso dos operários da Mina de Morro Velho?
Eles ouviam rádio? Quais programas? O rádio realmente fazia parte do
cotidiano desses homens, sujeitos da presente reflexão teórica?
Antes, porém, de tentar responder a estas questões, deve-se
aprofundar o estudo do papel desse meio de comunicação, ao lado das
músicas também pelo rádio difundidas, como instrumentos de divulgação
ideológica do Governo Vargas, em especial, ao longo do Estado Novo.
O papel do rádio e da música popular brasileira na divulgação
ideológica do Estado Novo

Ainda quando deputado, Getúlio já havia iniciado o processo de


conquista da opinião dos criadores de música. Afinal, ele foi o autor do
decreto legislativo 5492, de 16 de julho de 1928, que estabeleceu o
101

101
pagamento de direitos autorais por todas as empresas que lidassem com
músicas. A chamada Lei Getúlio Vargas foi, assim, o primeiro vínculo
conhecido entre o político e a nossa música popular.
Se algum problema ocorreu para lançarem músicas pró-Getúlio
antes das eleições, esse problema deixou de ocorrer após a Revolução de
30. Nas recepções que dava no Palácio da Guanabara, Getúlio convidava
cantores populares, como Mário Reis e o Bando da Lua. Enquanto isso, a
censura manifestava-se vigilante. Além da censura oficial, havia uma
outra, da Comissão de Censura da Confederação Brasileira de
Radiodifusão, criada pelos proprietários de estações de rádio para proibir a
transmissão de determinadas músicas que escapavam da censura oficial.
Antes mesmo do golpe de novembro de 37, Getúlio montou um
esquema de propaganda nos moldes do que fora adotado por Goebbels (da
Alemanha nazista), sendo “o primeiro governante latino-americano a
utilizar o rádio como Hitler estava usando”, de acordo com Sérgio Cabral.
O próprio Getúlio disse isso aos parlamentares brasileiros, em mensagem
enviada ao Congresso Nacional no dia 1º de maio de 1937, quando se
vangloriou de ter elevado o número de estações radiofônicas brasileiras
para quarenta e dois. Certamente, no meio dessas novas estações
radiofônicas, estava a Rádio Inconfidência de Minas Gerais que, conforme
podemos observar em série de documentos, foi criada ainda no pré-37,
precisamente em 3 de setembro de 1936. É Maria Efigênia Lage de
Resende que irá explicitar melhor essa questão, ao discutir o papel da
Rádio Inconfidência no acordo político entre Getúlio Vargas e Benedito
Valadares, que acabou por ser o interventor de Getúlio em Minas Gerais.
“A rádio Inconfidência, inaugurada um mês antes (3 de
setembro de 1936) como rádio difusora oficial, parte
integrante do evento, irradia o comício cívico, no qual
discursaram, da sacada do Palácio da Liberdade, nada menos
que quatorze oradores. O papel da rádio como instrumento de
política de massas estava efetivamente posto no governo
Benedito Valadares.” (RESENDE, 1991:36)(Grifo nosso)
.
É interessante discutir-se a inauguração da rádio Inconfidência que
acabará por ser um dos canais responsáveis pela difusão da ideologia
estadonovista. Traçar-se-á a seguir, algumas análises a respeito do
momento histórico de sua inauguração e breves considerações acerca da
programação da rádio, o que ilustra bem o caráter ideológico por detrás
dos programas.

Um exemplo mineiro: A Rádio Inconfidência

No discurso de inauguração da Rádio Inconfidência no dia 3 de


setembro de 1936, o governador Benedito Valadares irá conclamar a união
102

102
de Minas e de todos os brasileiros em torno da figura de Getúlio Vargas,
do presidente, proferindo palavras de ordem, tais como patriotismo,
trabalho, lealdade. Também o Cardeal Dom Sebastião Leme discursou,
chamando a atenção para a necessidade de se estar forte e coeso “para
restabelecer o império da ordem, de se reaver o domínio da civilização e
de reconquistar o reinado da felicidade”(LEME, 1936:9) As falas
transcritas no Jornal Minas Gerais bem demonstram a postura ideológica
que a seguir seria imposta pelo Estado Novo.
Foi num jantar no restaurante da Feira de Amostras (atualmente
local da Rodoviária de Belo Horizonte) que o então governador Valadares
inaugurou a rádio e onde foram definidos os objetivos de implantação da
mesma, no sentido de divulgar o projeto de governo estadonovista e sua
ideologia, ou seja, “divulgar o saber e a civilização”, difundir a cultura e a
educação. Os jornais da época, e mesmo posteriormente, já durante o
Estado Novo, atentavam para as finalidades da rádio. Veículo de
divulgação e como órgão educativo, a rádio deveria informar o povo. Mas
quem é o povo nesse momento? O povo é “quem mais precisa de
conhecimentos, conselhos, esclarecimentos e de uma orientação honesta e
sincera”. Em 1942 a maioria da população mineira podia contar com o
rádio como parte integrante de sua vida. Até os lares mais humildes já
contavam com o rádio.
A Rádio Inconfidência cobria todo o território nacional e possuía
diversificada programação que bem atendia aos interesses governamentais
de difusão ideológica. Programas tais como “A hora da higiene”, “Aula de
Ginástica”, “Hora do Universitário”, “Hora Escolar”, “Hora do Operário”
e outros, além de audições cívicas em todas as grandes datas que se
referem à questão da nacionalidade. O ideário de construção de um
homem fisicamente belo, saudável, aliado à construção de uma nação, de
uma pátria em harmonia e equilíbrio estavam presentes na programação e
nas finalidades “educativas” da Rádio Inconfidência.
A construção de um homem novo, trabalhador brasileiro, também
vem à tona na documentação referente às datas comemorativas do dia do
trabalho em Belo Horizonte. A rádio Inconfidência era a principal difusora
dos discursos do presidente Getúlio e do governador Benedito Valadares.
Por exemplo, no dia 1 de maio de 1940, os operários, sindicalistas,
diretores e associações de classe, bem como os demais elementos
trabalhistas, se reuniram na Praça Rio Branco, em frente à Feira de
Amostras, para ouvir o discurso do presidente Vargas e, segundo os
jornais, comemorar os benefícios concedidos à classe trabalhadora.
A Rádio Inconfidência irradiava o discurso do presidente e os
trabalhadores ouviam atentamente à retransmissão. Também durante a
guerra, em 1942, Vargas falava ao povo:
“A política trabalhista do meu governo tem sido invariável no
sentido de estabelecer a harmonia entre os fatores da
103

103
produção, base do equilíbrio social e fundamento do
progresso humano. A nossa organização peculiar afasta-se
igualmente do erro dos regimes de liberalismo individualismo
que legalizam a greve, como elemento solucionador de
conflitos, e dos estatutos de natureza autoritária, que
instituíram o trabalho escravo. O Estado, entre nós, exerce a
função de juiz nas relações entre empregados e
empregadores, porque corrige excessos, evita choques e
distribui equitativamente vantagens. Assiste-lhe, por isso
mesmo, o direito de solicitar concurso de vossas energias, a
decisão completa dos vossos esforços. Nessa emergência,
deve cada homem conservar o seu porto, sem pensar em si
próprio, sem pensar na família, sem pensar nos bens. Em
momentos supremos, os riscos não contam, porque “é
preferível perder a vida, a perder as razões de viver” “.
(VARGAS, 1942:4)

Getúlio considerava os trabalhadores como soldados que


construíam a grandeza e o progresso do país. E o rádio era um dos canais
de comunicação direta entre o presidente e os trabalhadores.
A Rádio Inconfidência comemorava também o aniversário do
presidente, transmitindo discursos de propaganda do governo e de suas
realizações.24 É interessante analisar a própria programação da rádio no
sentido de se entender até que ponto esta servia aos interesses ideológicos
do Estado Novo. Desde as 7 horas da manhã, a PRI-3 já iniciava sua
programação com um programa de ginástica. Claro, os mineiros, assim
como todos os brasileiros, também deveriam exercitar seu corpo. Uma
nação bonita, perfeita, de corpo perfeito, deveria ser a nação brasileira, de
acordo com a ideologia estadonovista. Além disso, uma nação
conservadora, em ordem, precisava da religião. E, é claro, não poderia
faltar na programação um noticiário social e religioso, além do Angelus,
para todos os cristãos. Uma nação forte, bonita também deveria ter saúde e
higiene e a rádio também oferecia um programa de higiene e saúde
pública.
Muita música popular para incentivar o povo a trabalhar, como
vimos nas músicas lembradas pelo Sr. Waldir dos Santos 25. Agora, com a
censura do DIP, as músicas não falavam mais de malandragem, só do
operário. Aliás, havia a Hora do Operário, e a Hora do Fazendeiro.
24
Apresentado pelo Jornal Minas Gerais, de 21 de abril de 1942, p.5 e 6.

25
Cf. depoimento do Sr. Waldir dos Santos.
104

104
Observem que o operário era tão valorizado quanto o fazendeiro. O
operário era o responsável pela construção do Brasil, da pátria ordenada e
em paz. A cultura era o principal para a construção dessa nação brasileira
idealizada. Era preciso que o rádio também se encarregasse de auxiliar na
educação, cultura e civilidade. Para tanto, a Rádio Inconfidência levava ao
ar a “Hora Infantil” e a “Hora Educativa”, quando não a “Hora
Universitária”.
Verifica-se assim que os questionamentos, elaborados durante a
leitura da bibliografia estudada, estão sendo, a princípio, esclarecidos. As
hipóteses de que a Rádio Inconfidência, em específico, era também um
veículo divulgador da ideologia estadonovista, foi explicitamente
verificada. Afinal, de acordo com os documentos de época, a rádio sempre
transmitiu os discursos do presidente, bem como de seu interventor em
Minas. Além de possuir uma programação voltada para a propaganda da
ideologia que estava sendo produzida na época pelos intelectuais do poder,
que assessoravam o presidente.
A questão do conteúdo das composições no Estado Novo: o samba
exaltação ao Brasil e ao trabalho X o elogio à malandragem

Parece ponto pacífico entre a maioria dos autores estudados que


Getúlio Vargas, durante esse período, não mediu esforços na construção de
um estereótipo de homem novo: o trabalhador brasileiro, além de tentar
desenvolver a idéia de nação e, via Estado, acirrar os ânimos nacionalistas.
Na construção deste ideário, o Estado Novo acabou por se utilizar
dos compositores populares e das artes de uma maneira geral, além de
desenvolver um forte aparato propagandístico que não deixou de lado o
novo meio de comunicação da época: o rádio.
Nesse sentido, a maioria dos estudiosos do período se propõem a
analisar as músicas produzidas e radiodifundidas na época, partindo desse
pressuposto. Assim, os textos apresentam principalmente as músicas que
valorizam o trabalhador brasileiro e que se posicionam favoravelmente à
figura de Getúlio. O Estado Novo explicitou as relações entre música e
política. Exaltação do trabalho, ufanismo nacionalista eram as palavras de
ordem e o Estado, através principalmente do DIP (Departamento de
Imprensa e Propaganda) incentivou os sambistas a comporem sambas de
elogio ao trabalho contra a malandragem. 26
É inegável a característica de propaganda trabalhista e
governamental realizada nesta época e também fica patente o fato de que
o rádio se transformara em instrumento de propaganda não apenas

26
Cf. depoimento do Sr. Waldir dos Santos. Em sua fala, reporta-se à diversas
letras de samba que fazem elogio ao trabalho, elogio à nação brasileira, etc.Cf.
também, no fim do livro, as letras de música compostas pelo Sr. Waldir dos
Santos.
105

105
comercial, mas também política e ideológica. Como toda a imprensa, o
rádio e as músicas ficaram sujeitos à rigorosa censura durante o Estado
Novo. Com o advento do Estado Novo, em 1937, até sua queda, em 1945,
o tom predominante na radiodifusão foi dado pela presença
intervencionista do Estado. E foi essa característica intervencionista, tanto
no conteúdo programático das emissoras de rádio, quanto no próprio
conteúdo das músicas produzidas na época, simultaneamente às
possibilidades de anti-disciplinas cotidianas. Ou seja, até que ponto se deu
essa intervenção do Estado e onde aparecem as “astúcias” dos ouvintes,
operários de Morro Velho, que como o Sr. Waldir dos Santos, também são
compositores?
O Estado investiu em projetos grandiosos, situados no limite entre
a mobilização controlada das massas e a mera propaganda política do
regime. E foi este o caso da criação de serviços de radiodifusão,
comunicação e canto coral, todos eles instrumentalizadores de uma
imagem idealizada pelos intelectuais a serviço de Getúlio, que queriam
construir uma imagem de Brasil integrado - orgânico e harmônico - capaz
de homogeneizar as diferenças inerentes à sociedade de classes: “nesse
modelo de arte estatal importava o controle, até mesmo dos canais de
expressão do que fosse autenticamente popular, como o rádio ou o samba,
ao qual foi imposto a obrigatoriedade do uso de temáticas cívicas e
apologéticas da ordem e do trabalho (o novo fundamento da cidadania)”.
(MENDONÇA, 1982:167).

No dizer da autora, no momento da afirmação do capitalismo, o


projeto cultural do Estado apropriou-se do nacional enquanto veículo do
popular, negando a diferença e a pluralidade. Mas o que será que o
“povo”, o operariado nacional, pensava a esse respeito? Será que eles
concordavam que o Estado Novo de Getúlio Vargas negava a diferença e a
pluralidade? Será que realmente a ideologia getulista conseguiu se
sobrepor à idéia de malandragem desde o início cultivada no samba e no
carnaval brasileiro? Até que ponto a ideologia de construção desse
trabalhador brasileiro, desse homem novo, neutralizou a idéia de
malandragem, que sempre estivera presente no imaginário carnavalesco
brasileiro?
A ideologia e a propaganda estadonovista neutralizou a idéia de
malandragem? Pode-se considerar as músicas de exaltação à figura do
malandro, boemio, como sendo uma transgressão, uma forma de resistir ao
controle ideológico do Estado? Cantarolar malandragens cotidianas pode
significar, pelo menos ao nível do simbólico, uma anti-disciplina? Por um
lado, tentou-se, explicitar melhor como a questão do controle das redes de
radiocomunicação estava atrelada ao poder central do Estado e, por outro
lado, procurou-se comprovar uma hipótese de que, mesmo sendo a

106

106
malandragem sambística, nesse contexto, um mal a ser erradicado, esta
vontade fracassou, ao menos em parte.
Através da análise da documentação a seguir apresentada –
considerou-se também as letras compostas no período como documentos –
pode-se observar que a tradição da malandragem resistiu à redução oficial,
e sobreviveu quase intacta ao Estado Novo. Afinal, logo após o fim do
Estado Novo, as músicas voltaram a possuir temas que negavam o
trabalho.
Por outro lado, não se pode deixar de discutir aqui, através da
busca de índices de comprobatibilidade, que o Estado Novo deixou marcas
profundas na música popular brasileira e foi durante os chamados
“carnavais de guerra” que as escolas de samba assumiram efetivamente,
nos seus enredos, o tom apologético e grandiloqüente que até hoje
aparece, e foram nesses anos que Ari Barroso “sinfonizou”, como diz
WISNIK(apud BOSI,1987:114-123), o samba, tornando-se uma espécie de
Villa-Lobos do gênero. Além do que, ao estudar-se a história da Rádio
Inconfidência, observa-se forte intervenção dos ditames advindos do
governo, via Benedito Valadares.
Assim, pode-se observar como, apesar de todo o controle sobre a
sociedade, a cultura da malandragem resistiu. Como vê-se nas próprias
canções do Sr. Waldir dos Santos, operário da Mina de Morro Velho,
apesar de grande influência do rádio, ele continuou dando um tom de
malandragem e boêmia a seus sambinhas (Anexo 4). Conforme diz
FERREIRA (1997: 88): “O controle total do Estado sobre a sociedade é
impossível, mesmo no caso de regimes políticos definidos como
“totalitários”, a exemplo da Alemanha nazista e da União Soviética na
época de Stalin. Os mecanismos de controle social em nenhuma situação
são completamente eficientes e muito menos capazes de controlar as
mentes dos indivíduos. Elegendo estratégias de vida a partir de seus
interesses materiais e simbólicos, as pessoas aceitam alguns deles,
ignoram outros e, na medida de suas possibilidades, repudiam aqueles que
os prejudicam.”

Exemplos de músicas produzidas antes, durante e depois do Estado


Novo: propaganda e crítica

Antes de se entrar na análise das músicas compostas no Estado


Novo, entre 37 e 45, torna-se necessário analisar também algumas músicas
produzidas antes desse período, mas ainda na década de 30. A análise
dessas músicas pré-37 são importantes à medida que trazem à tona a
negação ao trabalho, a malandragem, e mesmo a questão do nacionalismo,
todo o contexto das letras, que bem demonstram o imaginário dos
compositores de samba, esses compositores urbanos que viveram nesse
período. Escolheu-se para tanto, a título de exemplificação, o compositor
107

107
Noel Rosa, nascido em 1910 e falecido em 1937. Noel Rosa é personagem
fundamental no movimento de expansão do samba, que, tendo descido do
morro, firmara seu reduto nos cabarés da Lapa, bairro boêmio do Rio de
Janeiro.
Noel era boêmio como o Sr. Waldir dos Santos, e com ele o
samba, antes preto e pobre, ganhou respeitabilidade e penetrou os lares da
classe média da zona norte carioca, se expandindo para o resto do Brasil,
alcançando até mesmo Minas Gerais e suas emissoras de rádio, recém
criadas. Noel iria divertir os freqüentadores de clubes, os espectadores do
Cinema Eldorado (RJ) e os ouvintes da maravilha do século XX: o rádio.
Nos cinemas, como sabe-se, era hábito uma sessão de música ao vivo,
antes do filme, e esse show provocava grande interesse por parte do
público. Quanto ao rádio, as primeiras emissoras, como já foi dito,
surgiram entre 1923 e 1924. Sem publicidade, de baixa potência,
funcionando poucas horas por dia, sobreviviam pela abnegação dos
dirigentes e pela colaboração dos artistas. No início da década de 30 o
panorama já mudara. Cinco emissoras (a Rádio Sociedade, a Rádio Clube
do Brasil e mais a Mayrink Veiga, a Educadora e a Philips) transmitiam
regularmente, mantidas por alguns reclames. Foi aí que Noel Rosa
percebeu, junto com outros sambistas, que era importante estar no rádio.
Logo ele estreava na Educadora com o Bando de Tangarás. Depois esteve
na Mayrink Veiga. E finalmente participou, durante longo tempo, do
Programa Casé, na Rádio Philips.
Através da figura de Noel, pode-se conhecer melhor o rádio e
entender como os compositores da época se relacionavam com as
emissoras.
Na radiodifusão, Noel trabalhava na função de contra-regra e
também cantava, apesar da voz fraca - num tempo em que reinavam os
graves de Francisco Alves e de Vicente Celestino. Em 1935, Noel passou a
trabalhar na Rádio Clube do Brasil, fazendo o programa humorístico
Conversa de Esquina. Também fez, com sucesso, O Barqueiro de Niterói,
uma paródia de O Barqueiro de Sevilha, utilizando músicas populares da
época. O êxito animou-o a criar outras revistas radiofônicas, sempre
parodiando composições populares conhecidas - algumas aliás de sua
própria autoria.
José Ramos Tinhorão, jornalista e pesquisador da MPB, ao
descrever a tragetória de Noel, em uma coleção famosa da Abril Cultural,
entitulada “História da Música Popular Brasileira - grandes
compositores”, diz que Noel passou por Casé, Conversa de Esquina e
certas revistas foram programas fixos do compositor. Segundo o
pesquisador, ele se apresentava em todas as rádios, recebendo cachês
verdadeiramente irrisórios. Isso bem mostra como era as condições de
trabalho da maioria dos compositores populares da época que trabalhavam
nas principais emissoras de rádio existentes. Fazendo caricaturas,
108

108
exaltando seu bairro, Vila Isabel, descrevendo tipos e situações urbanas,
falando de seus encontros e desencontros, Noel foi um poeta inovador. Foi
por esse motivo que escolheu-se algumas de suas composições para
analisar, tendo como referência a década de 30, os antecedentes musicais
do Estado Novo. Sabe-se, porém, que o que Noel produziu até sua morte
em 1937, influenciou sambistas do período seguinte e que, mesmo com a
censura estadonovista, seus intérpretes continuaram cantando suas músicas
nas rádios brasileiras.
De acordo com José Miguel Wisnik, a fisionomia musical do
Brasil se formou no Rio de Janeiro. Nas décadas de 20 e 30 observa-se que
o enorme substrato da música rural perde a vez para a música urbana. A
música popular emergiu para o mercado, isto é, para a nascente indústria
do som e do rádio, fornecendo material para o carnaval urbano em que,
conforme afirma este autor “um caleidoscópio de classes sociais e de
raças experimentava a sua mistura num país recentemente saído da
escravidão para o “modo de produção de mercadorias””.(WISNIK,
1987:115) A música irá se apresentar como resistência à nova
configuração de Brasil urbano, moderno, capitalista e, no mesmo
momento em que a industrialização, somada à imigração produziam em
São Paulo fenômenos modernos, como a greve operária, no Rio de Janeiro,
se produzia samba como expressão de grupos sociais marginalizados que
tomavam o espaço da cidade na festa carnavalesca, e que marcavam a sua
diferença e o seu desejo de pertinência através da música.
Ou seja, as décadas de 1920 e 1930, em termos de produção
musical, foram justamente o contrário do que se apresentou ao longo do
Estado Novo. No samba, na música popular tocada nos discos e
transmitida pelo rádio, parecia transparecer uma espécie de ética negativa.
Nos anos 20 e 30 foi a idéia da malandragem, da negação da moral do
trabalho, que prevaleceu.
O samba era produzido pelo negro, pobre, que talvez ainda não
assimilara a passagem da escravidão para o trabalho operário assalariado.
Como afirma Gilberto Vasconcellos e Matinas Suzuki Jr, tratava-se de
uma afirmação do ócio, que aparece subjetivamente nas músicas como
uma espécie de tentativa de intervalo entre a escravidão e a nova lógica de
trabalho, ainda totalmente precária, de mão-de-obra desqualificada e
flutuante. Mesmo antes do Estado Novo discutir a construção do homem
novo, de um novo trabalhador brasileiro, a imagem do trabalho, tão
valorizado no período seguinte, já aparecia no período anterior. Só existe
uma diferença: até à censura estadonovista, ainda nas décadas de 20 e 30,
o trabalho aparecia como imagem invertida nas letras musicais. No
período pré-37, na música popular, “a história do trabalho é narrada a
contrapelo. O operário é a principal personagem à sombra, ofuscado pela
ruidosa e alegre consagração da figura do malandro”(VASCONCELLOS
& SUZUKI, 1984:106).
109

109
Porém, quer-se analisar aqui não as letras de músicas compostas
por sambistas negros e sim, analisar como essa questão da malandragem
chega até mesmo a transcender a questão racial. Ao se analisar algumas
canções compostas por Noel Rosa pode-se observar que, apesar de ser um
compositor saído da classe média, ele pôde vivenciar a vida no morro, e
colocar em sua música, questões polêmicas que traziam à tona a
malandragem.
A primeira música analisada, de autoria de Noel Rosa, chama-se
João Ninguém. Foi registrada em julho de 1935, dois anos antes do
advento do Estado Novo. O histórico registro original de João Ninguém
não chegou a fazer sucesso na época. A composição só se tornaria
conhecida do grande público a partir de 1949, quatro anos depois do fim
do Estado Novo, na voz de uma das divulgadoras mais expressivas da obra
de Noel: Aracy de Almeida:

JOÃO NINGUÉM

“João Ninguém
Que não é velho nem moço
Come bastante no almoço
Pra se esquecer no jantar
Num vão de escada
Fez a sua moradia
Sem pensar na gritaria
Que vem do primeiro andar
João Ninguém não trabalha um
Só minuto

Mas joga sem ter vintém


E vive a fumar charuto
Este João
Nunca se expôs ao perigo
Nunca teve um inimigo
Nunca teve opinião
João Ninguém não tem ideal
na vida
Além de casa e comida
Tem seus amores também
E muita gente
que ostenta luxo e vaidade
Não goza a felicidade
Que goza João Ninguém

110

110
João Ninguém não trabalha um só
minuto (...)”

Pode-se observar claramente a negação ao trabalho. João


Ninguém, personagem da composição, não trabalha um só minuto, é
malandro. Pois, apesar de não ter “um só vintém” é jogador e possui suas
mulheres, “tem seus amores também”. E o que torna a música ainda mais
negativa é o fato de que mesmo sem trabalhar, sem ter uma casa digna,
morando num vão de escada, João Ninguém é talvez mais feliz do que
muitas pessoas que trabalham e ostentam luxo e vaidade. Este é um retrato
de um personagem que representa um típico malandro no Rio de Janeiro.
Não trabalha, mas goza de felicidade. Ou seja, trabalho não traz felicidade
a ninguém, como se dizia na época, trabalho não dá camisa a ninguém.
A próxima música a ser analisada, é a famosa “Conversa de
Botequim”, que exemplifica bem a questão da malandragem, da boemia,
tão cultivada no meio artístico até os dias atuais. No Rio de Janeiro dos
anos 30, Vadico talvez não pudesse ser considerado um sambista. Ele
nascera no Brás - bairro italiano de São Paulo, onde moravam os
trabalhadores, imigrantes italianos, os operários das indústrias em
formação. Vadico tocava choros ao piano numa época em que se discutia
se um compositor de fora da Vila - o bairro carioca de Noel - poderia fazer
samba. Vadico, no entanto, musicou a letra de Noel para Conversa de
Botequim, criando um dos sambas mais brejeiros e requebrados que se tem
notícia:

CONVERSA DE BOTEQUIM

“Seu garçon faça o favor de


me trazer depressa
Uma boa média que não seja
requentada
Um pão bem quente com manteiga
à beça
Um guardanapo e um copo d’água
bem gelada
Feche a porta da direita com
muito cuidado
Que eu não estou disposto a
ficar exposto ao Sol
Vá perguntar ao seu freguês do
lado
Qual foi o resultado do futebol
Se você ficar limpando a mesa

111

111
Não me levanto, nem pago
a despesa
Vá pedir ao seu patrão
Uma caneta, um tinteiro,
um envelope e um cartão
Não se esqueça de me dar palito
E um cigarro pra espantar mosquito
Vá dizer ao charuteiro
Que me empreste uma revista,
um cinzeiro e um isqueiro

Seu garçon faça o favor de


me trazer depressa (...)
Telefone ao menos uma vez
Para 34-4333
E ordene ao Seu Osório
Que me mande uma guarda-chuva
aqui pro nosso escritório
Seu garçon me empreste algum dinheiro
Que eu deixei o meu com o bicheiro
Vá dizer ao seu gerente
Que pendure essa despesa no
cabide ali em frente
Seu garçon faça o favor de
me trazer depressa(...)

Noel Rosa faz novo elogio ao malandro, cujo escritório é a mesa


de um bar. Mais uma vez um movimento de negação ao trabalho é
passível de observação. A sobrevivência é encarada como fórmula mágica.
A esperteza é um atributo tal que o malandro a utiliza para ganhar a vida.
É através da “lábia”, do “jogo de cintura”, e da jogatina que o malandro
leva sua vida.
O samba “Aviso aos fazendeiros” de Lourival Ramos, Ribeiro
Cunha e Moreira da Silva é um bom exemplo de como o malandro
assegura sua vida através de um golpe onde a figura do “otário” é sempre
quem “paga o pato”. Eis a letra:

AVISO AOS FAZENDEIROS

Estava na Central
Quando chegou o noturno do interior
Cheio de passageiros
Onde vinha um gajo de chapéu de aba larga
Cano de bota no estilo fazendeiro
112

112
Mais que depressa fui me aproveitando
Acendi um cigarro e comecei a palestrar
Ele perguntou se eu podia dar um jeito
De arranjar um bom hotel para ele descansar
E foi logo dizendo que tinha um milhão
E que queria ir à tal Caixa Econômica guardar
Meto-lhe a conversa e tomo-lhe a granalina
Entro no Campo de Santana e mando o Jeca me esperar
Saio no portão do fundo apanho um carro e vou em frente
Desguio com o milhão sabendo que ele era vivo
Pois ele deve de saber perfeitamente
Que o palhaço com dinheiro
pode incendiar um circo
(Eu sou malandro e vivo disso é sirico tico...)
Porém, talvez seja o samba “Lenço no Pescoço” de Wilson
Batista, composto em 1933, o que mais exalte a figura do malandro:

“Meu chapéu de lado


Tamanco arrastando
Lenço no pescoço
Navalha no Bolso
Eu passo gingando
Provoco e desafio
Eu tenho orgulho
De ser tão vadio

Sei que eles falam


Deste meu proceder
Eu vejo quem trabalha
andar no miserê
eu sou vadio
Porque tive inclinação
Eu me lembro, era criança
Tirava samba canção
Comigo não
Eu quero ver quem tem razão
E eles tocam
E você canta
E eu não dou

A rejeição ao trabalho, a valentia, a preguiça, são destaques desse


samba que mais tarde iria começar a levantar polêmica pois, Noel Rosa
criticou no samba “Rapaz Folgado”, a imagem criada por Wilson Batista
do malandro:
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113
RAPAZ FOLGADO

Deixa de arrastar o teu tamanco


Pois tamanco nunca foi sandália
Tira do pescoço o lenço branco
Compra sapato e gravata
Joga fora essa que te atrapalha
Com o chapéu do lado deste rata
Da polícia eu quero que escapes
Fazendo um samba canção
Já te dei papel e lápis
Arranje um amor e um violão
Malandro é palavra derrotista
Só serve para tirar
Todo o valor do sambista
Proponho ao povo civilizado
Não te chamar de malandro
E sim de rapaz folgado

É a partir de “Três Apitos”, samba composto por Noel Rosa, que


fica evidente a percepção dos sambistas quanto às mudanças sociais e as
novas tendências ideológicas que estavam surgindo no país. O trabalho
assalariado e a formação de uma sociedade urbano-industrial era flagrante
e ficava cada vez mais difícil manter homenagens ao malandro e mesmo,
acredita-se, sobreviver da malandragem. A fábrica, nesse momento, passa
a tomar o lugar da mesa do bar:

TRÊS APITOS

Quando o apito
Da fábrica de tecidos
Vem ferir os meus ouvidos
Eu me lembro de você
Mas você anda
Sem dúvida bem zangada
ou está interessada
Em fingir que não me vê

Você que atende ao apito


De uma chaminé de barro
Porque não atende ao grito
Da buzina do meu carro?

114

114
Você no inverno
Sem meias vai pro trabalho
Não faz fé com agasalho
Nem no frio você crê
Mas você é mesmo
Artigo que não se imita
Quando a fábrica apita
Faz reclame de você

Nos meus olhos você lê


Como sofro cruelmente
Com ciúmes do gerente
Impertinente
Que dá ordens a você

Sou do sereno
Poeta sou noturno
Vou virar guarda-noturno
E você sabe porquê
Você não sabe
Que quando você faz bano
Faço junto do piano
Esses versos pra você.

O rádio foi um dos elementos que mais contribuíram para que o


samba se popularizasse e Getúlio Vargas, bastante atento da capacidade
que o rádio possuía de penetrar em todos os lares e de alcançar todos os
ouvidos da população, foi o primeiro a se utilizar dele como veículo de
propaganda.
O DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) foi criado com
o intuito de adquirir o controle da música popular brasileira e de qualquer
manifestação a ela relacionada, como o rádio, por exemplo. O DIP,
inclusive, promovia concursos de música popular afim de integrar o
proletariado à disciplina do trabalho fabril e promover uma imagem
ufanista do Brasil. Portanto, foi assim que incentivaram os sambistas a
enaltecer o trabalho e abandonar a malandragem.

Mas passe-se à análise de outros compositores que irão


representar, inversamente à Noel Rosa, o “ufanismo”, incrementado com
a ditadura desse período do governo de Getúlio Vargas. Deve-se iniciar a
análise traçando um paralelo entre a ideologia nacionalista de Getúlio e
Ari Barroso, passando por canções de Ataulfo Alves, Lupercínio
Rodrigues, e Dorival Caimmi, dentre outros compositores conhecidos e
citados por um dos depoentes, o Sr. Waldir dos Santos.
115

115
Ari Barroso, mineiro, compunha músicas “ufanistas”, com a
mesma linha reforçada pelos outros compositores, que teria grandes
repercussões nacionais. Antes de analisar as músicas produzidas no
período que exaltam o trabalho, considera-se importante tentar discutir
também a questão do nacionalismo getulista que aparece nas músicas dos
compositores. Nota-se, por exemplo, em Ari Barroso, a possibilidade de
traçar-se um paralelo com a literatura produzida na época. Por exemplo,
sabe-se que na época o ufanismo era um dos pontos centrais de
composições da época. E esse painel de músicas que valorizavam o povo
brasileiro, sua cultura, etc; os valores ideológicos que apareciam nas
composições, eram muito estimulados pelo próprio DIP, que chegou a
fazer um concurso de música popular em que “Aquarela do Brasil” (ver
letra a seguir) foi classificada e vitoriosa. Ari Barroso não é somente um
representante do ufanismo, mas ideologicamente se colocava ao lado de
Cassiano Ricardo, Guilherme de Almeida, Menotti Del Pichia, Plínio
Salgado e outros literatos. Cassiano Ricardo e Guilherme de Almeida
ocuparam postos importantes no governo paulista revolucionário de 32.
Cassiano foi o secretário do Governo Provisório e contra-revolução,
trabalhava diretamente com Getúlio Vargas, sendo o mentor de uma
política de expansão das artes baseada na ideologia dos bandeirantes.
Cassiano era apoiado, entre outros, por Benedito Valadares, que viria a ser
o interventor de Getúlio em Minas Gerais no Estado Novo.
Na música popular pode-se observar mais explicitamente a
proposta deste grupo de mentores da ideologia getulista para as artes. A
intencionalidade de apoio ao governo de Getúlio é mais forte e revelada
sem maiores escrúpulos. A música de Ari Barroso, escrita em pleno
Estado Novo, em 1939, explicita esta questão:

AQUARELA DO BRASIL

“Brasil
Meu Brasil brasileiro,
Meu mulato inzoneiro,
Vou cantar-te nos meus versos.
O Brasil, samba que dá
Bamboleio, que faz gingar
O Brasil do meu amor,
Terra de Nosso Senhor.
Brasil, Brasil.
Pra mim, pra mim.
Oi! Abre a cortina do passado,
Tira a mãe preta do cerrado,
Bota o rei-congo no congado.
Brasil, Brasil.
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116
Deixa cantar de novo o trovador
A merencória luz da lua
Toda canção do meu amor.
Quero ver a sá dona caminhando
Pelos salões arrastando
O seu vestido rendado.
Brasil, Brasil.
Pra mim, pra mim.
Oh! Oi essas fontes murmurantes
Oi onde eu mato a minha sede
e onde a lua vem brincar.
Oh! Esse Brasil lindo e trigueiro,
És meu Brasil brasileiro.
Terra de samba e pandeiro.
Brasil, Brasil.
Pra mim, pra mim.”

Esta composição, sintomática ao apresentar a ideologia ufanista,


cumpre, junto com os demais textos, a função da arte no período
estadonovista, que é expressar conteúdos ideológicos implícitos ou
explícitos sob a orientação do Estado.
Nessa letra de música observa-se claramente aquilo que muitos
autores estudados afirmam. Trata-se de um período onde, sem dúvida, os
intelectuais e músicos colocaram-se a serviço do poder e como chegaram
aí através das suas obras e composições. Não deixa de ser significativo que
tanto a série musical que está sendo apresentada e discutida, como a
literatura da época, tenham fornecido à política brasileira um conjunto de
personagens que expressaram ou expressam facções representativas do
pensamento nacional que se constituiu neste período da História brasileira.
Não quer-se ir muito longe na análise, mas é tão óbvia esta relação entre
música e poder que o próprio mineiro Ari Barroso acabou por se tornar
deputado pela UDN.
Deve-se apresentar ainda algumas canções e analisá-las
separadamente, para que se tenha uma boa visão de como a ideologia de
Getúlio Vargas e dos mentores intelectuais que estavam a sua volta,
influenciavam e instigavam os compositores a deixar de lado à
malandragem e aderir ao movimento propagandístico trabalhista de
Getúlio.

Título: É negócio casar!

“Veja só
A minha vida como está mudada.
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117
Não sou mais aquele
Que entrava em casa de madrugada.
Faça o que eu fiz,
Porque a vida é do trabalhador.
Tenho um doce lar
E sou feliz com o meu amor.
O Estado Novo
Veio para nos orientar.
No Brasil não falta nada,
Mas precisa trabalhar.
Tem café, petróleo e ouro
Ninguém pode duvidar.”

(Ataulfo Alves e Felisberto Martins. Samba)

Nesta música de Ataulfo Alves pode-se observar claramente uma


influência do Estado Novo nas músicas. Antes, o “eu poético” da música
não trabalhava, mas com o advento do Estado Novo, ele sentiu a
necessidade de começar a trabalhar, o Estado Novo é o grande orientador,
ele “veio para nos orientar”. A idéia de construção do homem novo, do
trabalhador brasileiro que é o grande provedor das riquezas do país, está
presente durante toda a letra. Ou será um grande sarcasmo? Uma grande
ironia do que se passava no País? “No Brasil não falta nada, mas precisa
trabalhar”. O personagem antes era malandro, chegava em casa de
madrugada, agora, com o Estado Novo, tudo está mudado. Ele já não
chega tarde, é trabalhador, tem um lar e vive feliz com seu amor. O
trabalho aparece relacionado à felicidade, antes alcançada com
malandragem. Agora só alcançada com esforço e muito trabalho. A letra
do samba ainda incentiva os outros a trabalhar: “Faça o que eu fiz, porque
a vida é do trabalhador”. Neste verso observa-se claramente a forte
influência dos mecanismos de propaganda estadonovistas atuando até
mesmo nas músicas produzidas que eram radiodifundidas durante o
período sob forte censura do DIP e dos mecanismos de censura internos de
cada emissora de rádio. Também pode-se observar o papel da mulher
nesse momento. O malandro se regenera pela influência da mulher para
construir um lar, uma família. Não só esta música, mais outras produzidas
mesmo antes do Estado Novo já apresentavam a mulher enquanto aquela
que colocava ordem na situação, aquela que vivia lembrando ao homem
que ele deveria se inserir de vez no processo produtivo, afim de lhe dar
alguma “tranqüilidade”. Havia também músicas de exaltação à própria
figura de Vargas, como por exemplo:
Título: G-E-Gê (Seu Getúlio)

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“Certa menina do Encantado
cujo pai foi senador,
ao ver o povo de encarnado
sem se pintar, mudou de cor.
G-e-gê, ge...
T-u-tu, tu...
Ge-tú-lio”

(Lamartine Babo/marcha)

Até mesmo Lamartine Babo que havia sido, no período anterior


ao Estado Novo, um compositor da malandragem, junto com Noel Rosa,
passou a fazer músicas de propaganda para Getúlio. Esta é uma marchinha
de carnaval que, como muitas outras, valorizavam a figura de Getúlio.
Outro exemplo:

Título: Quem é o tal?

“Quem é que usa cabelinho na testa


E um bigodinho que parece mosca,
Só cumprimenta levantando o braço.
E-ê-ê-ê-ê... Palhaço!

Quem tem o G que representa a glória,


Quem tem o V que ficará na História,
Com seu sorriso que nos dá prazer.
E-ê-ê-ê-ê... Vitória!”

( Ubirajara Nesdan e Afonso Teixeira./ marcha)

Esta música foi feita durante a IIª Guerra Mundial e critica Hitler,
elogiando ao mesmo tempo a figura de Getúlio, que foi muito bem visto
pelos compositores Ubirajara e Afonso Teixeira nesta simples marchinha
de carnaval.

Título: Diplomata

“O Brasil espera
Que cada um saiba cumprir seu dever.
Felizmente, nessas horas tristes
Dolorosas e bem amargas,
Temos um homem de fibra,
Que é o presidente Vargas.
Debaixo de suas ordens quero empunhar o fuzil,
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Para lutar, vencer ou morrer,
Pela honra do meu Brasil.”

( Henrique Gonçalez./Samba)

Este samba une a propaganda à Getúlio Vargas com a idéia de


defesa da nação, outra questão ideológica que muito aparece nos discursos
de Getúlio. A idéia de se unir ao redor do chefe da nação brasileira. O
ufanismo nacionalista que esteve presente nesse período, aumentado ainda
mais com a Guerra, fez com que os ideais getulistas de construção de uma
nação forte viesse a abarcar também as letras de música, constituindo-se
também como propaganda do regime.

Titulo: O bonde de São Januário (carnaval de 1941)

“Quem trabalha é que tem razão


Eu digo e não tenho medo de
errar

O bonde São Januário


Leva mais um operário
Sou eu que vou trabalhar
Antigamente eu não tinha juízo
Mas resolvi garantir meu futuro
Sou feliz, vivo muito bem
A boemia não dá camisa a
ninguém

E digo bem”.

(Ataulfo Alves e Wilson Batista/samba)

A questão do trabalho estava tão forte na ideologia estadonovista


e o DIP controlava quase todos os veículos de comunicação. Nos
concursos de música carnavalescas, nos desfiles de carnaval, nas estações
de rádio, nas gravadoras. A censura do DIP alcançava praticamente todas
as dimensões possíveis. Até o famoso “malandro” Wilson Batista que
compusera inúmeras canções à malandragem, agora, durante o Estado
Novo, compunha com Ataulfo Alves uma música como esta, de completa
exaltação ao trabalho. O trabalho era o único meio de felicidade do
homem. O passado, mais uma vez é superado, pois é o tempo da falta de
juízo, da malandragem: “Antigamente eu não tinha juízo, mas resolvi
garantir meu futuro.” O personagem agora trabalha, não é mais boêmio.
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Afinal, “a boemia não dá camisa a ninguém.” O discurso musical mudou?
Ou foi a circunstância de censura, de repressão que forçou os malandros a
mudar suas composições para agradar o Estado e garantir o pão de cada
dia? De acordo com algumas versões, a letra original dizia: “o bonde São
Januário leva mais um otário, sou eu que vou trabalhar.” Alguns
estudiosos do assunto costumam dizer que foi através de pressões do DIP
que se trocou otário por operário, dando ênfase ao trabalho. Wilson Batista
era um rádio convícto, como conta Ruben George Olivien, por isso, este
compositor escrevia letras fazendo apologia ao trabalho. O que para o
autor, parece mais um caso de cooptação do artista pelo DIP.

Titulo: Eu trabalhei (carnaval de 1941)

“Eu hoje tenho tudo, tudo que


um homem quer
Tenho dinheiro, automóvel e
uma mulher
Mas para chegar até o ponto em
que cheguei
Eu trabalhei, trabalhei, trabalhei
Eu hoje sou um homem feliz
E posso aconselhar
Quem faz o que eu já fiz
Só pode melhorar
E quem diz que o trabalho
Não tem razão. Não tem.
Não tem.”

(Jorge Faraj e Roberto Roberti./samba)

No mesmo ano de O bonde São Januário, surgiu este samba, de


Roberto Roberti e Jorge Faraj. O automóvel, o dinheiro e a mulher foram
devido ao trabalho. Deve-se trabalhar, porque só o trabalho traz felicidade.
O conselho é só um: deve-se trabalhar muito. Porque só quem trabalha tem
razão. Quem é malandro e não trabalha não tem razão. Só está certo quem
trabalha. Esta é mais uma canção que supervaloriza o trabalho e garante
felicidade para quem trabalhar. Aliás, Roberto Roberti era um dos
“fregueses” dos cachês pagos pelo DIP para compor músicas que fossem
de acordo com a ideologia estadonovista. Após o término do regime
autoritário, já não tinha mais porque fazer elogios ao trabalho e à nação. A
partir de então, tornou-se evidente o conflito capitalXtrabalho nas letras
dos sambistas.
Título: Trabalhar eu não ( Carnaval de 46 - primeiro carnaval depois do
fim do Estado Novo)
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“Eu trabalho como um louco
Até fiz calo na mão
O meu patrão ficou rico
E eu pobre sem tostão
Foi por isso agora
Eu mudei de opinião
Trabalhar, eu não, eu não
Trabalhar, eu não, eu não.”

(Almeidinha./samba)

A ideologia estadonovista foi marcante durante o período de sua


existência. Muitos compositores foram impelidos a divulgá-la. Porém, a
malandragem resistiu nos redutos boemios das principais capitais do país
e, principalmente no morro carioca. E isso é facilmente comprovado, ao
observarmos que, logo após a extinção do DIP, sambas como o de
Almeidinha, acima reproduzido, rapidamente voltaram no cenário
carnavalesco brasileiro. Bastou a ditadura acabar em 1945 para que no
carnaval seguinte (1946), esse compositor já compusesse um samba que
negava o trabalho, tão exaltado durante a ditadura estadonovista. O samba
de Almeidinha era uma denúncia. O trabalho havia sido algo muito
valorizado durante um tempo bastante longo e não era fácil agora voltar
com as músicas de protesto. Porém, sempre que um samba abordava a
questão do trabalho, geralmente surgiam criticas, como a deste
compositor. Ele trabalhou, sim. Só que o trabalho não trouxe a felicidade
tão prometida nas outras composições. O trabalho foi muito, mas quem
ficou feliz foi só o patrão. O personagem desse samba, trabalhou tanto,
que faz até calo na mão. Só que quem ficou com o dinheiro foi seu patrão.
Daí a revolta. Se quem fica rico no final é o patrão, para que trabalhar? É
melhor voltar a ser o malandro de sempre.
A partir das análises empreendidas, pode-se inferir que o fim do
Estado Novo foi suficiente para que os sambas mudassem seu tom de
enautecedor ao trabalho para sua rejeição. Neste samba, ela é feita de
forma consciente, pois o trabalho de todo dia não traz uma melhoria na
vida do trabalhador e não só o condena a miséria, como também não lhe
dá condições de viver decentemente com os frutos do seu trabalho. O
trabalho é alienante e externo ao homem, seus frutos ficam só com o
patrão e o trabalhador fica na miséria. Repete-se o conflito
capitalXtrabalho.
Após a análise das composições se pôde observar que a
malandragem até certo ponto realmente resistiu. Afinal, logo depois de
terminado o Estado Novo, (e mesmo antes, apesar da censura) músicas
negando o trabalho voltaram a aparecer. Também observa-se que os
mecanismos de controle e de censura do Estado Novo se fizeram presentes
122

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e marcaram o período. Seja por cooptação ou não, durante o Estado Novo,
entre 37 e 45 as músicas realmente exaltavam o trabalhado e defendiam a
nação, a construção da nação, além de exaltarem a pátria, ressaltando as
riquezas e belezas naturais. Pôde-se concluir ainda o quanto a figura de
Getúlio era realmente adorada pelos trabalhadores e pelos compositores da
época. Autoritário ou não, censurando ou não, Getúlio conseguiu
influenciar a história da música popular brasileira e conseguiu que muitas
músicas falassem a seu respeito, seja de forma caricata ou propagandística.
Enfim, mais algumas composições que enobrecem a figura de
Getúlio Vargas. São músicas do período queremista, onde os compositores
pediam a volta do presidente ao governo e outras que falam sobre ele.
Espera-se, com isso, concluir a discussão sobre a música no Estado Novo,
para, em seguida, mostrar-se como os operário entrevistado, da Mina de
Morro Velho, percebiam a chegada do rádio em Minas, em Nova Lima.

Título: Leite, carne e pão (carnaval de 1946)-queremismo

“ Nós queremos gozar liberdade


Liberdade de cantar e falar
Nós queremos escolas pros filhos
E mais casas pro povo morar
Nós queremos
Leite, carne e pão
Nós queremos
Açúcar sem cartão.”

(Ataulfo Alves./samba)

Título: Avante brasileiros ( data: 1950)

“Getúlio Vargas! Getúlio Vargas!


Para a grandeza do Brasil
O povo canta a tua volta
Ó glorioso
Vitórias mil
Avante brasileiros
No mundo somos guerreiros
Pra defender o nosso pavilhão
Salve o Exército
Salve a Marinha
E a Aviação.”

( J.B. de Carvalho./samba)
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Título: Retrato do Velho (carnaval de 1951)

“Bota o retrato do velho outra vez


Bota no mesmo lugar
O sorriso do velhinho
Faz a gente trabalhar, oi
Eu já botei o meu
E tu não vai botar?
Já enfeitei o meu
E tu vais enfeitar?
O sorriso do velhinho
Faz a gente trabalhar.”

(Marinho Pinto e Haroldo Lobo./marcha)

Título: O grande presidente ( carnaval de 1956/samba composto para a


Estação Primeira de Mangueira, que desfilou em homenagem à Getúlio, já
depois de sua morte)

“ No ano de 1883
No dia 19 de abril
Nascia Getúlio Dorneles Vargas
Que mais tarde
Seria governo no nosso Brasil
Ele foi eleito deputado
Para defender as causas do nosso país

E na Revolução de 30
Ele aqui chegava
Como substituto de Washington Luiz

E do ano de 1930 para cá


Foi ele o presidente mais popular
Sempre em contato com o povo
Construindo um Brasil novo
Trabalhando sem cessar
Como prova em Volta Redonda
Cidade do Aço
Existe a grande Siderúrgica Nacional

E tendo seu nome elevado


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No grande espaço
Na sua evolução industrial
Candeias, a cidade petroleira
Trabalha para o progresso fabril
Orgulho da indústria brasileira
Na história do petróleo do Brasil
Ôô ô
Salve o estadista
Idealista
Realizador
Getúlio Vargas
O grande presidente de valor.”

( Padeirinho./samba)

A seguir, poder-se-á observar, através da narrativa do Sr. Waldir


dos Santos, o que ele se lembra das canções de samba e marchas...enfim,
sua memória do tipo de repertório das rádios, em cujas ondas o imaginário
dos brasileiros viajava...

Cotidiano do Rádio em Nova Lima

Através dos relatos orais é possível observar como os operários


mineiros absorveram a questão do estadonovismo em termos de sua
interferência nos veículos de comunicação radiofônicos. Ao lermos os
relatos, entendemos um pouco melhor como se articula a questão populista
em Getúlio no seio das classes subalternas. O Sr. Waldir, por exemplo, ao
relembrar o que ouvia no rádio, as músicas que tocavam, quando e onde
foi a inauguração da Rádio Inconfidência, diz que, em sua opinião, a
censura, a intervenção do governo no rádio ocorreu sim, mas de forma
muito branda. Ele acabou por se tornar um getulista convicto e nos relata
que naquela época o povo era feliz e todos os pobres brasileiros gostavam
de Getúlio e de sua forma de governo. O autoritarismo parece não ter
existido para o entrevistado. Ele defende as leis trabalhistas e confirma
que, naquele momento, as músicas falavam de trabalho, elogiavam o
Brasil e suas belezas, o que acaba por comprovar a hipótese de que além
da exaltação ao trabalho, a questão do nacionalismo estava presente. Mas
o Sr. Waldir também lembra de canções que se chocam com o ideal de
homem novo de Getúlio. Algumas canções referem-se ao jogo do bicho, o
que nos faz pensar novamente na questão de uma resistência da
malandragem nas canções. O depoente cantou uma música que diz
respeito a uma esposa, negra, que tem preguiça de trabalhar. A canção é a
fala de seu marido mandando-a fazer o café e a marmita, ir jogar no bicho
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e ainda trazer o troco porque ele precisa do dinheiro para ir ao jogo no
Maracanã. O que demonstra ainda a possibilidade de que, - apesar da
tônica do período ser o trabalho, a tentativa de formação de uma idéia de
nação, com ordem para o progresso - os compositores mantinham acesa a
chama do carnaval, da boêmia, ou seja, da malandragem.
Nesse sentido, é possível compreender a análise de Foucault, ao
relacionar o poder à capacidade de produzir verdade. A verdade é o
próprio discurso produzido em sociedade pelo poder, onde cada sociedade
estabelece “sua política geral de verdade”. Desse modo pode-se entender a
figura de Getúlio enquanto um ser produtor de verdades históricas. O
discurso de Getúlio, discurso do poder/saber (afinal, estava pautado no
ideário construído pelos seus “intelectuais orgânicos”) recria a História.
Palavra e poder se unem com o objetivo de apagar a memória de luta
operária ou juntar-se a ela, no projeto corporativista e construir um
consenso entre dominados e dominantes. O discurso do saber implementa
a verdade. A verdade é fabricada através do ideário estadonovista. As
manifestações dos trabalhadores, que detêm outros saberes menores - diria
Deleuze - passam a ser controladas. O trabalhador é seduzido pela
linguagem do poder e torna-se cúmplice desse poder. Sem dúvida alguma,
como podem ser constatados nos relatos dos operários, as emissões
radiofônicas tiveram efeitos profundos no imaginário social.
“O rádio permitia uma encenação de caráter simbólico e
envolvente, estratagemas de ilusão participativa e de criação
de um imaginário homogênio de comunidade nacional. O
importante do rádio não era exatamente o que era passado e
sim como era passado, permitindo a exploração de sensações
e emoções propícias para o envolvimento político dos
ouvintes. Efeitos sonoros de massa podiam atingir e estimular
a imaginação dos radioreceptores, permitindo a integração,
em variados tons entre emissor e ouvinte, para se atingir
determinadas finalidades de participação política”.
(LENHARO, 1986:40-41)

Ao analisar-se o papel do rádio no Estado Novo, ao trabalhar-se


com esse imaginário operário em Morro Velho, percebe-se o quanto a obra
de Lenharo é importante, não só quando resgata essa questão
propagandística, como também quando introduz a discussão do caráter de
sacralização da figura de Getúlio. Porém, deve-se relativizar esta leitura,
levando em consideração os ganhos materiais e simbólicos
proporcionados pelas leis trabalhistas de Getúlio Vargas, as reapropriações
já analisadas anteriormente.
O rádio era um aparelho muito difundido em Nova Lima: os
homens ouviam o noticiário, futebol, música e as mulheres escutavam

126

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novelas e músicas. O Sr. Waldir também foi um compositor e ouvinte
assíduo das rádios naquela época:
“Foi também na época dos bailes do Retiro e do Vila Nova
que eu comecei a compor meus sambinhas. Na ocasião, eu fiz
uma espécie de hino para Nova Lima. Eu acho que ninguém
sabe a letra desse hino. Eu não achei muito bom. Foi quando
eu voltei para Nova Lima, década de 30, voltei em 32 para
Nova Lima. Eu devo ter composto esse hino em 35. “Nova
Lima, linda cidade criança, berço de Augusto de Lima, terra
do amor e da esperança. Conjuga as cores da bandeira: o
azul do céu, o verde da esperança e o ouro, maravilha das
estrelas...”
Mas eu não gostei. Foi quando eu comecei a estudar no
Liceu Imaculada da Conceição. Nós resolvemos fazer um
conjunto vocal entre os alunos da minha sala. Eu, Tulio, Tião
éramos do violão, éramos cinco. Tínhamos um sujeito muito
bom no bandolim... E nos apresentávamos no teatro. Porque
no teatro antigamente tinha a encenação do drama ou da
comédia e tinha a apresentação de um número musical e nós
sempre éramos convocados para apresentar quando tinha
peça de teatro de Nova Lima. Era o Grêmio Dramático
Novalimense. E foi aí que eu comecei a compor. Porque eu
era o croner e me vinha inspiração. Primeiro foi aquele hino,
mas eu não gostei. Fiz um samba... mas esse eu não me
lembro mesmo...
Toda vida eu me influenciei muito pelos compositores da
música brasileira, principalmente os que se aproximavam
mais do samba. Eu gostava demais de samba. Eu preferia
sempre Assis Valente, o nosso Noel Rosa, e o mineiro Ary
Barroso. Esses compositores me influenciaram muito. As
músicas de Moreira da Silva, seu samba de Breque...
Inclusive foi baseado numa música de Moreira da Silva que
eu compus meu “Cartão de Visita”27. Não sei se Moreira da
Silva era compositor, mas ele interpretava com muita
propriedade esses sambas. Outra coisa que quando eu
comecei a compor foi de grande influência foi as músicas do
cinema. Principalmente as músicas americanas dos grandes
filmes da época, os famosos musicais da época de Fred
Asteire, Ginger Rogers... Eu gostava de imitar no salão o que
eles faziam na tela. Por isso que eu fiquei com esta
capacidade de dançar bem.

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Cf. anexo 4 – primeira composição do Sr. Waldir dos Santos.
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Tinha uma menina aqui em Belo Horizonte: Audinha do
Amor Divino. Ela se apresentava na PRC7, a rádio Guarani.
Cantava num programa de auditório. Era ali na R. São Paulo.
Audinha fazia a programação. Ela era menininha, de doze ou
treze anos. E tinha uns parentes lá em Nova Lima, muito
ligados à música. Eles tinham um conjunto vocal e eu
comecei a compor para ela tocar no rádio.
Ela ia em Nova Lima e eu cantava a música até ela
decorar. Ela chegava em Belo Horizonte e cantava. Eu fiz
muitas composições para ela. Mas acontece que meu nome
não aparecia.
Acho que isso já foi na época do Estado Novo de Getúlio.
As rádios que se ouviam aqui eram principalmente as rádios
cariocas, mas havia rádios mineiras como a Atalaia, a
Inconfidência. Eu ouvia principalmente a Rádio Nacional, do
Rio. A rádio Nacional tinha programas ao vivo, de
auditório...tinha o do Alencar, que era animador. Tinha o
programa do César Ladeira, que era locutor, mas não
animava programas de auditório. Eu me lembro que havia
disputas entre cantoras, como a Marlene e a Emilinha, e na
ocasião, houve também um musical entre o Noel Rosa e um
outro compositor que agora não lembro o nome. Ele cantava
para o Noel: “quem é você que não sabe o que diz. Meu Deus
do céu, que palpite infeliz. Salve Estácio, Salgueiro e
Mangueira, Oswaldo Cruz e Matheus, que sempre se deram
muito bem...” não me lembro o resto da música. Só sei que o
Noel era de Vila Isabel e era divulgador das belezas de lá.
Esse outro compositor respondia às músicas que o Noel fazia.
Foi uma época muito boa na música brasileira. O Getúlio na
ocasião incentivou os candidatos a se agruparem, e ele deu
força para os compositores, os candidatos queriam fazer a
eleição...
Nesta ocasião, os compositores fizeram muitas músicas de
carnaval, muita música popular brincando com os candidatos,
e mesmo com o próprio Getúlio. Ele ia nos programas de
auditório e dava força. Ele ia na Rádio Nacional e os
cantores brincavam com ele. O Getúlio era um camarada
popular, popularíssimo. Populista mesmo. Foi uma época em
que o país viveu uma alegria total...O povo achava aquilo
uma alegria. Só quem não gostava daquilo eram as elites,
porque quanto mais ele se misturava com o povo, mais ele se
tornava adorado por todos. Os operários gostavam dele e isso
era contra os poderosos que queriam massacrar a classe
operária e ele não deixava isso acontecer.
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Mas eram muitas rádios, não tinha só a Rádio Nacional.
Nesta época, a gente também escutava a Mayrik Veiga, a
rádio Roquete Pinto. Esta rádio Roquete Pinto era mais
ligada à cultura. Mas além dos programas culturais, voltados
para a educação, tinha programas humorísticos muito bons.
Foi quando apareceram humoristas como o Chico Anísio. O
rádio era muito divertido. Não tinha essa quantidade de
música estrangeira que tem hoje, tocava mais música popular
brasileira mesmo. Só tinha na época, competindo com as
músicas brasileiras, aqueles musicais da Metro, aqueles fox,
etc. Neste caso o que realmente prevalecia era a música
popular brasileira.
Eu gostava mesmo era da rádio Nacional. Ele era como é
hoje a Globo para as demais concorrentes da televisão. Era a
mais poderosa e tinha melhor patrocínio. Fazia programas
muito interessantes e tinha os melhores cantores, promoveu
muitos artistas. Lá na Praça Mauá, no Rio, a rádio promoveu
Orlando Silva, Emilinha Borba, Marlene...Esses artistas
surgiam através desses programas de rádio. Principalmente
da Rádio Nacional. As outras emissoras tinham pouca
divulgação. E como eu era do povão, eu ouvia mesmo a Rádio
Nacional. Era a minha predileta.
Havia também os programas de caráter mais político. Por
exemplo, quando ocorreu a Segunda Guerra Mundial, o
Brasil entrou e todos nós ouvíamos diariamente notícias
através do César Ladeira, que era o locutor que lia todas as
notícias sobre o movimento de guerra. A participação do
Brasil no momento em que declarou guerra à Alemanha, ao
Eixo, quando tiveram movimentos de protesto contra os
alemães e italianos no Brasil inteiro. Cesar Ladeira noticiava
as quebradeiras. Porque foi uma quebradeira geral. Em Nova
Lima teve um quebra-quebra terrível. A rádio foi muito
importante. Um outro evento que a rádio teve muita
participação foi na inauguração da estátua do Cristo
Redentor, no Rio. Parece que foi um italiano que trabalhava
com rádio que conseguiu iluminar a estátua do Cristo. Acho
que o sujeito se chamava Marconi, não estou bem lembrado.
Só sei que através do rádio ele iluminou...
A Era de Ouro do rádio começou no Estado Novo, foi no
governo de Getúlio Vargas. Ninguém podia falar mal do
governo porque ia preso mesmo, era uma ditadura. Mas a
repressão era muito branda, não se compara com a dos
militares de 64. A repressão era branda, principalmente se
pensarmos nas classes menos favorecidas. Os que mais
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129
sofreram mais foram os poderosos, porque Getúlio era contra
a política entreguista. Todo o trabalhador era adepto de
Getúlio. Ele promoveu uma coisa extraordinária que foi a
consolidação das leis do trabalho, porque deu ao trabalhador
o direito de se defender contra a escravidão, que era imposta
através dos donos do dinheiro. As rádios apoiavam Getúlio.
Eu me recordo mais da Rádio Nacional que era do governo,
era a mais ouvida, a mais difundida. Agora as outras eu não
me recordo muito bem...Tinha a Exelcior, mas aqui em Minas,
eu me lembro da Rádio Inconfidência, que também era do
governo de Minas. Eu me lembro da inauguração. Foi antes
do Estado Novo, acho que em 1936, e foi no prédio da Feira
de Amostras. Hoje não existe mais. Era onde funciona hoje a
rodoviária. Ela era encostada no Rio Arrudas, me parece que
foi lá mesmo a inauguração da Rádio Inconfidência. Tinha
também a Rádio dos Diários Associados. Acho que era a
Rádio Mineira, e a PRC7, ambas de propriedade do Assis
Chateaubriand. Mas não estou certo. O que tenho certeza é
que a Rádio Inconfidência era a rádio oficial do governo.
Agora, quanto a política...Não posso dizer muita coisa,
porque nesta época, eu não era muito interessado na questão
política. Eu apenas apoiava o Getúlio Vargas. Eu era muito
humilde, na minha condição de operário, trabalhador, não
conseguia acompanhar muito o movimento político. Depois,
quando eu me tornei adulto e constituí família, foi que eu
comecei a me interessar mais na situação política. No Estado
Novo eu era muito tranqüilo. Na condição de getulista, eu
achava o governo o máximo, para mim era tudo muito bom.
Só quando um camarada protesta é que ele procura saber o
outro lado que é contra o que eu justamente admirava. Era
isso que eu sentia pelo presidente: admiração. Eu até me
recordo que nas rádios havia censura. Era na época da
ditadura, mas era uma censura muito branda. E do ponto de
vista humorístico em minha opinião não havia censura. O
próprio Getúlio Vargas achava engraçado a audácia dos
chargistas, humoristas, dos músicos, compositores no seu
governo.
Além do que, Vargas apoiava a cultura, atuava muito nas
artes e nas músicas. Ele deu muito apoio. Assistia tudo.
Quando se lançava alguma revista musical no Rio ou em São
Paulo, ele ia lá, subia ao palco e congratulava diretamente o
cidadão. Falava diretamente com o povo. Todo mundo
aplaudia e ele suportava todas as brincadeiras que os artistas
faziam com ele. Ele tinha espírito esportivo, era alegre. Mas
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isso é porque os críticos faziam as músicas com um tom
humorístico, irônico, não de agressão. Eles também
procuravam agradar ao público e o público gostava de
Getúlio. Eles também faziam músicas para agradar, que
falavam bem de Getúlio, brincavam com ele de modo
carinhoso. Por exemplo, quando teve a eleição, bem depois
do Estado Novo, em 51, ele ganhou. Então, os músicos
fizeram: “Bota o retrato do velho outra vez, ponham no
mesmo lugar...”.
Tinha música de todo o tipo. A maioria, na época do Estado
Novo, era de elogio ao Brasil, suas belezas, as coisas boas de
cada Estado. Aquarela do Brasil, de Ari Barroso é desta
época. Foi na ocasião de Getúlio que fizeram aquela música
chamada Barracão de Zinco. Eram sambas de exaltação ao
Brasil. Essa música era do Alcir Pires , um grande
compositor da música popular. Nessa ocasião apareceu muita
composição de exaltação ao Brasil. Ave Maria do Morro saiu
nesta época. Quem cantou foi Dalva de Oliveira. As músicas
geralmente abordavam esses temas de exaltação ao Brasil,
das suas belezas, patriotismo, falavam sobre o povo
brasileiro. Aliás, as próprias leis trabalhistas influenciavam
nas músicas. A própria Aquarela do Brasil exalta o
trabalhador brasileiro. Era uma ocasião em que o povo
estava alegre, feliz. Um povo feliz é um povo que canta. Eu
mesmo fiz uma música de exaltação ao trabalho, influenciado
pelo Getúlio. Chama-se Rosário de Felicidade:
“Para que a vida seja um rosário de felicidade É preciso ter
fé em Deus, Saúde e Mocidade Ter disposição de trabalhar
todo dia. E uma bela mulher que faça companhia Com saúde
e mocidade Fé em Deus que é o nosso guia Com toda
felicidade e um uma vida Em harmonia Com carinho e
trabalho Ter uma vida pessoal Um pouco com Deus é muito,
Um muito sem Deus é nada”.
Essa música eu nem difundi. Fala só de trabalho, de amor e
carinho, na qualidade de operário que eu era. Havia muitas
músicas falando de trabalho, de trabalhador, de operário: “O
bonde São Januário, Leva mais um operário Sou eu que vou
trabalhar”
Depois de Getúlio, o sujeito falava menos de malandragem e
mais de trabalho. Eu era do carnaval, e Getúlio apoiava as
músicas que se fazia. Esse negócio de falar que ele censurava
é mentira, ele dava toda liberdade. Com relação às rádios eu
realmente não me recordo. Eu até compunha para uma
menina, a Aldinha, lá de Nova Lima, trazia para Belo
131

131
Horizonte. Ela cantava na rádio Guarani. A Guarani tinha
um auditório ali onde hoje é a Lojas Americanas, na esquina
de R. São Paulo com Av. Afonso Pena. Ali era o auditório da
Rádio Guarani, e geralmente sábado e domingo eles traziam
aqueles cantores. Eu era macaco de auditório, fanzoca e só
isso. Meu locutor preferido era o César Ladeira, não tinha
posição, só noticiava, não defendia o governo. Eu gostava de
sua postação de voz. Ele falava bem.
Eu me lembro que um dia eu fiquei ali parado para entregar
uma música que eu fiz para o Sílvio Caldas. Mas eu não
consegui chegar perto dele. Eu era fã do Sílvio Caldas. Ele
era cantor famoso, cercado por um punhado de gente e não
teve jeito. Ficou só na vontade. A música que eu fiz para ele
chamava-se a “Vingança da flor”: “No jardim da minha vida
um dia uma linda flor plantei E das flores que eu queria foi a
flor que eu mais amei. Por maldade uma mão criminosa, a
linda flor apanhou E a flor que era uma rosa, pôr vingança se
desfolhou”.
Essa música era a cara do Silvio Caldas. Ele cantava
músicas românticas e essa marcha-rancho era do tipo dele.
Ele e o Barbosa compuseram o hino nacional da música
brasileira que é Chão de Estrelas. O Silvio Caldas para mim
é ídolo. Eu gostava de todos eles: Ary Barroso... Naquele
tempo eu adorava ouvir esse tipo de música e cantava as
minhas serenatas. Eu sabia, decorava todas as músicas.”

O Lazer em Morro Velho: Maneiras de fazer dos operários entre o


samba e o trabalho
Tende-se a considerar as práticas do lazer operário, a princípio,
não como válvula de escape, alienação, ou outra coisa do gênero, mas
como uma transgressão, uma subversão restrita da ordem, uma resistência,
mesmo que ao nível do inconsciente, que era exercida por esses sujeitos
que, em sua maioria, estavam muito cientes de sua condição de vida
oprimida e sofrida. No cotidiano dos operários de Morro Velho era
constante a presença de determinados elementos festivos, como a boêmia,
a música, o futebol, o carteado, as festas religiosas, as lutas de boxe, o
rádio etc... É possível que essas manifestações culturais dos mineiros de
Nova Lima fossem um contraponto em relação à situação terrível que
viviam no local de trabalho, no sentido de um contraste entre vida e morte.
Contraste entre a possibilidade de morte dentro da mina, possibilidade
constante, por um lado; e, por outro, possibilidade de celebrar a vida com
prazer nas festividades, nos momentos de descontração? Ou uma forma de

132

132
resistir, de transgredir, de subverter, mesmo que de forma extremamente
subliminar, esse sofrimento?
Muitas práticas cotidianas (falar, ler, circular), de acordo com
CERTEAU, são do tipo tática. E também, de modo mais geral, uma
grande parte das “maneiras de fazer”: vitórias do “fraco” sobre o mais
“forte” (os poderosos, a doença, a violência das coisas ou de uma ordem
etc.): “pequenos sucessos, artes de ar golpes, astúcias de “caçadores”,
mobilidades da mão-de-obra, simulações polimorfas, achados que
provocam euforia, tanto poéticos quanto bélicos”. (CERTEAU, 1994:47).
Nesse sentido, o beber cerveja depois do trabalho árduo na mina, o
participar de representações folclóricas, como o Congado, por exemplo,
que será visto a seguir, se constituiam em “maneiras de fazer” dos
operários que acabavam transgredindo a ordem do patrão, inglês.
As festas folclóricas, e o Carnaval, através de suas múltiplas
representações, parecem ter tido esse papel. Desdobravam-se, num espaço
de conflito, de competições cotidianas. A divisão social, onde havia, por
exemplo, um clube de operários e outro dos ingleses, onde só entrava
branco, era questionada, quando, na representação do Congo, ou no
Carnaval de rua, podiam então expor-se, vestidos como deuses ou heróis,
os modelos dos gestos bons ou maus utilizáveis a cada dia. De acordo com
Certeau,
“...discursos estratégicos do povo. Daí o privilégio que esses
contos concedem à simulação/dissimulação. Uma formalidade
das práticas cotidianas vem à tona nessas história s, que
invertem freqüentemente as relações de força e, como as
história s de milagres, garantem ao oprimido a vitória num
espaço maravilhoso, utópico. Este espaço protege as armas
do fraco contra a realidade da ordem estabelecida. Oculta-se
também às categorias sociais que “fazem história ”, pois a
dominam. E onde a historiografia narra no passado as
estratégias de poderes instituídos, essas história s
“maravilhosas” oferecem a seu público (ao bom entendedor,
um cumprimento) um possível de táticas disponíveis no
futuro” (CERTEAU,1994:85)

Não só no caso dos contos e das lendas a que se está referindo


Michel de Certeau, mas no cotidiano dos operários que dançavam a
Congada, que representava a chegada do Rei Congo, como se verá a
seguir, ou que brincavam o Carnaval vestidos de reis, deuses, vestidos de
patrões etc...observa-se verdadeiras transgressões, mesmo que num espaço
até certo ponto controlado, pois era a empresa, a Saint John D’El Rey que
financiava a maioria das festividades, ao lado da Igreja.
A proposta teórica de CERTEAU, incorporada neste capítulo, é
semelhante à de CHARTIER (apud FERREIRA, J., 1997: 32), para o qual:
133

133
“ler, olhar ou escutar são, efetivamente, uma série de atitudes intelectuais
que - longe de submeterem o consumidor à toda-poderosa mensagem
ideológica e/ou estética que supostamente o deve modelar - permitem a
reapropriação, o desvio, a desconfiança ou a resistência” 28
Portanto, é importante verificar até que ponto vai essa
desconfiança. Afinal, o controle dos “dominantes”, ingleses, no caso,
estava presente em todos os momentos e, como se verá, até em alguns
momentos de resistência/transgressão à ordem estabelecida, os operários
estavam postos em uma redoma. Até certo ponto, a transgressão era
restrita a espaços e tempos determinados pela classe dominante.
A festa e o divertimento como transgressão restrita
Do que falam as festas? O que representam? Sem dúvida, as
festas, sejam elas da ordem do religioso, do sagrado, ou do profano, como
o carnaval, geralmente acabam por sintetizar, simbólica e materialmente,
diferentes elementos que permeiam a vida cotidiana. A estrutura social
acaba por ser dramatizada na festa. Ou seja, a festa mostra o papel do
econômico, do político, do religioso e do estético no processo de
transformação e/ou continuidade da cultura de um povo, de um lugar, de
determinada cultura popular. Existe, deste modo, uma continuidade entre a
festa e a vida cotidiana, o tempo do trabalho.
Por que são feitas as festas? De acordo com CANCLINI
(1981:175): “fazem-nas também para consolidar as relações afetivas
comunitárias, o pertencimento à comunidade dos que partiram e
regressam para celebrar. Reinvenção interna obrigatória do excedente
econômico, catarse obrigatória daquilo que não pode vir à tona no
trabalho que é realizado em condições de opressão mas que é também
regulado na sua irrupção festiva para que não prejudique a coesão
permanente: a festa não é a liberação desregrada dos instintos que tantos
antropólogos e fenomenólogos imaginaram, mas um lugar e um tempo
delimitados no qual os ricos devem financiar o prazer de todos e o prazer
de todos é moderado pelo “interesse social”. As paródias ao poder, o
questionamento irreverente da ordem (mesmo nos carnavais) é consentido
em espaços e momentos que não ameaçam o retorno posterior à
“normalidade”.” (CANCLINI: 1981,129)

É justamente esse aspecto de liberação daquilo que não pode vir à


tona no trabalho, ao lado das paródias ao poder, ao questionamento da

28
Algumas dessas práticas cotidianas como o próprio habitar, estudar, comer,
caminhar na cidade, serão apresentadas pelos próprios “contadores de história”.
Daí a importância de disponibilizar-se as história s de vida dos colaboradores na
íntegra ao final deste trabalho, em anexo (volume II). Dar voz ao sujeito. São eles
os detentores desses saberes que, através da pesquisa acadêmica, tenta-se
apreender. Daí ser o trabalho de escuta o que irá propiciar a verificação destas
questões/hipóteses formuladas e agora discutidas.
134

134
ordem e inversão desta, que deve ser considerado quando se pensa nas
“maneiras de fazer” dos operários, suas pequenas anti-disciplinas. Mesmo
que estas, pelo que indica a fala dos depoentes, respaldada teoricamente
por Canclini, fossem ainda bastante restritas, permeadas por limitações da
própria vida cotidiana, dos limites de espaço e tempo dessas manifestações
populares de caráter festivo. Afinal, era a empresa que financiava a festa.
Tanto no caso das festas religiosas, quanto no caso das festas
carnavalescas, deve-se destacar que ambas possuem funções políticas e
sociais de coesão e reforço coletivo. Ambas as festas, principalmente a
carnavalesca, acabavam por dramatizar a realidade social daqueles
operários, prostitutas, patrões-de-mina, enfim, dos moradores da cidade de
Nova Lima e Raposos.
Porém, deve-se deixar claro que a festa não é só espetáculo ou
lugar de catarse, é principalmente lugar de transgressão, de anti-disciplina.
Pode ser até mesmo o lugar da revolução, ou da reafirmação desta, como
nas festas da Revolução Francesa 29...
Concorda-se, assim, com a perspectiva de Natalie Zemon DAVIS.
Ao analisar “as razões do desgoverno” nas festividades de Lyon no início
da França Moderna, esta autora mostra claramente que a festa, apesar de
aparecer em certos momentos como transgressão restrita ( a autora mostra
como muitas dessas festas eram patrocinadas pelo clero, como a Festa dos
Bobos, por exemplo), apesar de todas as restrições, são importantes
veículos de contestação e crítica da ordem social imposta: “Às vezes pode
ser útil dar permissão ao povo para fazer palhaçadas e alegrar-se”, dizia
o advogado francês Claude de Rubys, no final do século XVI, “para
impedir que, ao controlá-lo muito rigorosamente, ele caía no desespero.
Abolidos os jogos alegres, em vez de tomar parte neles as pessoas vão
para as tavernas, põem-se a beber, a tagarelar, com os pés inquietos sob a
mesa, e a analisar o Rei e as princesas...o Estado e a Justiça, e ficam
imaginando panfletos difamatórios e escandalosos”. A visão de Rubys é
tradicional, mas ela nos diz mais sobre a mentalidade dos magistrados
urbanos do que sobre os usos efetivos da diversão popular. Espero
mostrar que, em ver de ser uma mera “válvula de escape”, desviando a
atenção da realidade social, a vida festiva pode, por um lado, perpetuar
certos valores da comunidade (até garantindo a sua sobrevivência) e, por
outro, fazer a crítica da ordem social. O desgoverno também pode ser
rigoroso em sua análise do rei e do Estado.” (DAVIS,1990:87).

29
cf. trabalho sobre a festa como objeto da História . OZOUF, Mona. A festa. Sob a
Revolução Francesa. In: LE GOFF, J. & NORA, Pierre. História : Novos Objetos.
Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1989.p216-232.
135

135
Festas religiosas e folclóricas
As festas religiosas também possuem funções políticas e
psicossociais: de coesão, resignação, expansão e reforço coletivo. A
ideologia e o ritual religiosos separam os indivíduos do real e do presente.
O ritual religioso é um instrumento para ordenar e deferir: remete as
necessidades insatisfeitas a lugares e tempos fictícios, regula a sua
colocação em cena, a sua irrupção controlada, a sua sublimação disfarçada
na dança, na procissão, nos jogos, mediante obrigações e regras.
Entretanto, oferece uma ocasião para que algumas restrições cotidianas
sejam levantadas, para que os corpos tomem consciência do seu poder
lúdico e o expressem: o ritual mais rigoroso, sobretudo se é coletivo, serve
à sociedade - como escreveu Roberto da Matta referindo-se ao carnaval
brasileiro - para que esta se abra a “uma visão alternativa de si mesma”,
para que possa “inventar um mundo novo através da dramatização da
nossa realidade social” (MATTA, 1980: 32-33). Ou seja, mesmo nos
rituais patrocinados pela Igreja, aparecem fissuras pelas quais outros
sentidos, outras formas de apropriação podem ocorrer, como será visto a
seguir.
Por exemplo, o Sr. Waldir fala das festividades religiosas que
ocorriam em Nova Lima, da repressão do padre e da resistência, da micro-
anti-disciplina na fuga para outra cidade próxima a Nova Lima:
“Todas as festas a igreja promovia. Havia um padre muito
dinâmico nesse sentido, Padre Joaquim de Coelho Cansado,
era o nome do português. Ele era de uma severidade terrível.
O povo de Nova Lima tinha verdadeiro pavor dele, porque
quando falava na hora da missa, ele citava o nome de todo
mundo da cidade, falava mal das pessoas, xingava. Ele era
terrível! Carnaval em Nova Lima, no tempo do Padre
Joaquim, era sábado, domingo, segunda e terça até meia-
noite. Até o cabaré fechava à meia-noite de terça-feira. Se
tivesse qualquer coisa, o padre Joaquim virava bicho.
Quando era terça-feira de Carnaval, depois da meia noite,
fretávamos automóveis e íamos para Sabará, acabar o
Carnaval em Sabará. Íamos dançar no Cravo Vermelho. Já
éramos rapazes. O carnaval da infância eu não lembro muito
porque eu não passei a minha infância toda em Nova Lima.”

O Sr. Waldir, mostra outros locais onde também


ocorria a festa, fora do controle da empresa:

“...num baile de canjica de época de São João, São Pedro.


Eles armavam um toldo de lona, no chão batido. A sanfona
tocava, a moçada dançava, depois servia uma canjica bem
136

136
temperada. E nós fomos num baile desses lá no Bairro do
Cascalho.” (Sr. Waldir)

Outras festas ocorriam em Nova Lima, como a festa do Divino,


mostrando a força da tradição religiosa. A festa religiosa do Divino,
remonta às nossas origens históricas coloniais. A festa estabeleceu-se em
Portugal nas primeiras décadas do século XIV, pela Rainha D. Isabel
(1271-1336), casada com o Rei D. Diniz de Portugal (1261-1325). De
acordo com Luís da Câmara Cascudo, rapidamente foi propagada e
tornou-se uma das devoções mais intensas e populares. Foi trazida para o
Brasil no século XVI: “Império do Divino, palanques, coretos armados
para o assento do Imperador do Divino, criança ou adulto, escolhido para
presidir a festa e que gozava de direitos majestáticos, libertando presos
comuns em certas localidades portugueses e brasileiras. Para a
organização da festividade havia a Folia do Divino, bando precatório
pedindo e recebendo auxílios de toda a espécie.”(CASCUDO,1980:294)

A Folia constituía-se de músicos e cantadores. Havia uma


Bandeira do Divino, ilustrada pela Pomba simbólica, recepcionada
devocionalmente por toda a parte. Essas Folias percorriam grandes
regiões, gastando semanas ou meses inteiros. Foram festas de alta
receptividade coletiva no Brasil e Portugal, mas estão decadentes,
relativamente às áreas geográficas de sua existência histórica.
Câmara CASCUDO (1980) conta que: “De seu prestígio basta
lembrar que o título de Imperador do Brasil foi escolhido, em 1822, pelo
Ministro José Bonifácio de Andrada e Silva, porque o povo estava mais
habituado com o nome do Imperador (do Divino) do que com o nome de
Rei. A festa, missa cantada, procissão, leilão de prendas, exibição de
autos tradicionais, cavalhadas etc, positivava um centro de interesse real.
Em certas vilas ou cidades, o Imperador do Divino, com sua corte solene,
dava audiência, com as reverências privativas de seu soberano”.

A festa do Divino é móvel. Quarenta dias depois do Domingo da


Ressurreição é a quinta-feira da Ascensão do Senhor e dez dias depois é
Domingo de Pentecostes, dia do Divino Espírito Santo. Resistindo nas
regiões onde sua permanência histórica é mais sentida, ela também
aparece em Minas Gerais e, vamos encontrá-la no cotidiano dos operários,
em Nova Lima:
“Havia as festas do Divino Espírito Santo em Nova Lima.
Como em muitas das cidades do interior, era uma festa muito
pomposa. Minha mãe morava ao lado da matriz Nossa
Senhora do Pilar. Morava numa casinha, no centro de Nova
Lima, local onde eles armavam os rojões para a festa do
Divino. Eles soltavam os rojões perto do adro da Matriz...
137

137
tinha alvorada. Bandas de música saíam tocando pela cidade
soltando fogos, rojões. Soltaram uma série de rojões...” (Sr.
Waldir)

Câmara CASCUDO também dá notícia das Pastorinhas, embora


sem citar nenhuma referência a Minas Gerais. As Pastorinhas são
sinônimo de Pastoril e, de acordo com o autor, são cantos, louvações, loas,
entoadas, diante do presépio na noite do Natal, aguardando-se a missa da
meia-noite. Em Nova Lima também era assim. Sr. Waldir, quando
menino, participava das Pastorinhas e também encenava em frente aos
presépios pelas casas da cidade... Tal “teatrinho”, como ele diz, representa
a visita dos pastores ao estábulo de Belém. Trata-se, portanto, de uma ação
teatral de fundo sacro, vivido por crianças ou homens comuns. De acordo
com Renato Almeida, citado por Câmara Cascudo em seu Dicionário do
Folclore Brasileiro: “O que tem maior significado no pastoril é
constituírem as pastoras o elemento básico na função coro, tomado como
personagem. Ele é que tem o papel dramático, sendo os pastoris
reminiscências dos autos da Natividade, representados nas igrejas, nos
quais se assistia ao nascimento de Jesus, ao aviso aos pastores, à
adoração dos magos e à oferenda de incenso mirra e ouro, e, por fim, a
mensagem do anjo aos reis, para não irem ao palácio de Heródes”.
(CASCUDO,1980:588)

Tudo isso também era representado nas Pastorinhas das quais o Sr. Waldir
teve a oportunidade de participar em sua infância. Personagens como o
anjo, Herodes, as pastoras, os reis magos e outros também apareciam na
encenação orquestrada pela beata Almerinda Duarte, de Nova Lima,
Minas Gerais:

“Nessa época nós fizemos parte de uma Pastorinha. Tinha


uma beata em Nova Lima, Almerinda Duarte. Ela conseguiu
aprender a música das pastorinhas, todos dos lances da
música, do folclore. Ela escreveu as músicas e ensaiou.
Minha irmã Saé era o anjo. Eu era o pastorzinho, cantava
uma musiquinha muito engraçada. O pastorzinho entrava com
uma trouxa, como se fosse alimento, e um chapeuzinho. No
Natal, visitávamos as casas que com presépio e cantávamos,
fazíamos a encenação. Tinha o anjo, o demônio, Heródes.
Tudo conforme a beata nos ensinava. Íamos de casa em casa
contando a vida de Cristo. Era uma espécie de ópera, tudo
era cantando, um espetáculo lindo. Tinha até orquestra,
afinal a Almerinda tocava violino. Ela arranjou uma
orquestra para ensaiar. Íamos passando nas casas de Nova
Lima. Uma coisa linda...” (Sr. Waldir)
138

138
Se, por um lado, existiam as festas religiosas, como a Festa
de São João, a Festa do Divino, o Natal, entre outros, também
existiam, e ainda existem, festas folclóricas, sobretudo as de
influência afro-brasileiras como o Congado, a Marujada e o
Batuque.

Marujada é diferente de Congada. Em Nova Lima havia a


Marujada e em Raposos ele formou a Congada ou Congo. Depois, aos
poucos, foi formando Guarda de Marujo, Moçambique e Folia de Reis.
Vejamos o que vêm a ser essas manifestações culturais. No linguajar
próprio dos congadeiros, o termo guarda ou terno designa um grupo
específico de andantes ou “marinheiros”, com suas vestes, funções e
características próprias. Há assim guardas de Congo, Moçambique,
Catopés, Marujos. As cerimônias do Reinado de Nossa Senhora do
Rosário, popularmente conhecidas como Congados, nos quais os santos
católicos são festejados africanamente, mantêm diferenças com o
Reinado. Ternos ou guardas do Congo, conforme nos esclarece
MARTINS, podem existir individualmente, ligados a santos de devoção
em comunidades onde não exista o Reinado. Este é o caso de Raposos,
onde o Sr. Gentil criou, por exemplo, a Guarda de Marujo Santa Ifigênia,
em devoção a esta Santa. “Os Reinados, entretanto” - explica Leda
MARTINS, - “são definidos por uma estrutura simbólica complexa e por
ritos que incluem não apenas a presença das guardas, mas a instauração
de um Império, cuja concepção inclui variados elementos, atos litúrgicos e
cerimoniais e narrativas que, na performance mitopoética, reinterpretam
as travessias dos negros da África às Américas.” (MARTINS, 1997: 31-
32)
A cultura afro-brasileira resiste pelas montanhas de Minas, ao
lado do colonizador branco, inglês proprietário e patrão da Mina de Morro
Velho. Rei do Congo inverte os papéis. Os instrumentos de percussão
abrem o cortejo do rei negro...Em Minas, os festejos constituem e fundam
uma das mais ricas e dinâmicas matrizes da memória banto. De acordo
com Leda MARTINS, os Congados expressam muito esse saber banto, que
concebe “o indivíduo como expressão de um cruzamento triádico: os
ancestrais fundadores, divindades e “outras existências possíveis”, o
grupo social e a série cultural.” (MARTINS,1997:37).
É nesse momento que encontra-se mais uma vez os contadores de
história, através do trabalho com uma memória que teima em resistir...O
sujeito como signo e efeito de princípios que não elidem a história e a
memória, o secular e o sagrado, o corpo e a palavra, o som e o gesto, a
história individual e a memória coletiva ancestral, o divino e o humano, a
arte e o cotidiano; “concepção esta presente na cosmovisão dos capitães e

139

139
reis dos Congados, como um dos substratos das culturas bantos que ali se
orquestram”, afirma MARTINS.
O conceito de (re) apropriação de CHARTIER, o de “estratégias”,
“astúcias”, “maneiras de fazer” de CERTEAU, novamente aparecem como
extremamente eficazes na compreensão dessa manifestação de nossa
cultura popular. Prestigiando a arte e o saber de seus antepassados, seus
dançarinos, seus músicos, seus contadores de história , os mineiros que
participavam da Guarda e Congo, mais uma vez jogam com a herança
colonial de dominação. Em sua Festa, resistem...Sabe-se que a coroação
dos reis negros, a Congada, acabou sendo incorporada pelo sistema
escravocrata como modo de controle dos africanos e de seus descendentes.
Porém, não deve-se parar por aí a análise. Há controle, mas o interessante
é observar como tal coroação, tal festa folclórica é apropriada pelo próprio
negro que, por meio dela, recria, redimensiona formas ancestrais de
organização social e ritual, invertendo os papéis sociais. Aqui, o Rei é
negro, não branco, muito menos inglês. Aqui, mais do que nunca observa-
se a transgressão à antiga ordem escravocrata e, pensando no novo tempo
e no novo espaço, à ordem imposta pelos patrões ingleses que, como foi
visto no capítulo anterior, teimavam em perpetuar tal sistema
escravocrata, mesmo depois de muito abolida a escravidão. “Os festejos
do Rosário, performados sob o estandarte de santos católicos da devoção
negra, Nossa Senhora do Rosário, São Benedito, Santa Ifigênia, São
Baltazar, Nossa Senhora das Mercês, alastraram-se pelos territórios
brasileiros, já imprimidos de conotações e resoluções que rompem a
ordem escravocrata e os códigos ocidentais, transformando o aparato
institucional em um dos modus operadores e agenciadores de inscrição de
outros processos simbólicos na formação da cultura brasileira. (...) Os
rituais de coroação de reis negros no Brasil e seus desdobramentos
rompem as cadeias simbólicas instituídas pelo sistema escravista secular e
religioso, reterritorializando a cosmovisão e os sistemas simbólico-rituais
africanos, cruzando-os com os elementos das tradições européias, neles
posteriormente acoplados, tais como as reminiscências das cavalhadas e
das embaixadas medievais de Carlos Magno.” (MARTINS, 1997:38-39)
Tais rituais, aqui (re) descobertos trazem à tona valores, visões de
mundo que não são os mesmos daqueles apresentados e difundidos pela
elite inglesa de Nova Lima. Tais festejos são, sem sombra de dúvida,
traços de uma resistência negra, grande transgressão ao mundo do
trabalho, mundo quase escravo (pelo menos até Vargas). Expressam um
saber que traduz o negro, o operário como agente de transformação, de
resistência cultural.

Boemia

140

140
O Sr. Waldir dos Santos possuía uma intensa vida boêmia.
Participava dos bailes, do carnaval, ia aos bares da cidade de Nova Lima,
ao cabaré. Pequenas transgressões...Seria isso uma forma de sublimar o
sofrimento da mina, uma válvula de escape, ou uma resistência no sentido
de anti-disciplina cotidiana, nas suas “maneiras de fazer”?
Dentre os espaços de lazer da cidade de Nova Lima, encontrava-
se o Cabaré e o bar do Aziz. Espaços destinados à boêmia, ao
divertimento, freqüentados por operários e patrões, ponto de encontro
cotidiano, um verdadeiro mundo dentro do mundo. Nova Lima não era só
trabalho, não era só sofrimento dentro da mina, era também diversão,
prazer, festa.

“Nós tínhamos lugares certinhos para ir beber. Até as 10


horas a gente tomava lá pelos botecos de Nova Lima, mas das
10 horas até as 5 horas da manhã era a zona. Tinha o bar do
Aziz. Era perto da sede do Retiro, mais ou menos no centro.
Perto da Rua da Lagoa, eu não estou lembrando o endereço
exato.
O Bar do Aziz era o bar onde a rapaziada jovem daquela
época se reunia e a minha turma se encontrava toda noite
para contar as estórias, os namoros. Quando tinha baile na
Sede do Retiro, era no bar do Aziz que a gente se reunia para
ir para o baile.”

A prática do uso do álcool é bastante comum entre a classe


operária, especialmente a ida ao bar depois do expediente. O bar do Aziz
era o ponto de encontro dos homens, trabalhadores ou “malandros” da
cidade. De acordo com MAYOL, o bar pode ser considerado, sob certos
pontos de vista, “como o equivalente da “casa dos homens” das
sociedades tradicionais. “Salão do pobre”, é também o vestíbulo do
apartamento onde os homens se encontram por algum tempo na volta do
trabalho antes de irem jantar em casa; o café é uma “chicane”, um ardil,
uma câmara de compensação, da atmosfera social, entre o mundo do
trabalho e a vida íntima.”(MAYOL, 1996:57)

O café do cotidiano parisiense, ou o vinho do bairro operário,


analisado por Pierre Mayol no segundo tomo do livro “A Invenção do
Cotidiano”, pode ser aqui, no caso de Nova Lima, substituído pela cerveja
e pela cachaça. Entre o mundo do trabalho e a vida íntima, o bar onde se
bebe cerveja depois do trabalho está sempre cheio. É também um lugar
ambíguo, ao mesmo tempo tolerado por ser a “recompensa” de um dia de
trabalho, e temido, por causa da propensão ao alcoolismo que parece
autorizar. Por isso, nem todos os operários bebiam.

141

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Mas a problemática do beber que aparece quando se pensa na
vida cotidiana dos operários é fundamental para refletir sobre as
“maneiras de fazer” discutidas neste capítulo. Não tenta-se aqui justificar
a boêmia, mas entender o significado simbólico do beber, do tomar
cerveja, cachaça, que também eram práticas que merecem atenção. O
discurso sobre a cerveja, a cachaça, bem como outras bebidas alcoólicas se
acha, como já foi observado na fala do Sr. Gentil, dentro de uma
ambivalência indisfarçável: o prazer em beber tende sempre para o limite
do beber em demasia. A bebida contém intrinsecamente a possibilidade de
um desvio, de um excesso no consumo; pode ser a origem de uma viagem
sem retorno; o abuso da bebida pode desembocar na enfermidade, na
destruição, na morte.(MAYOL, 1996:135) Daí talvez o medo de alguns
dos operários de experimentar a embriaguez: de um lado, a constante
presença da morte dentro do mundo do trabalho, dentro da mina e, de
outro, a possibilidade da morte vir igualmente do outro lado, pelo excesso.
Todos têm em mente a imagem social do alcoólatra, anjo da infelicidade,
marido beberrão que espanca a mulher etc. Por isso, é preciso que haja
algum rodeio, pois este permite, precisamente, afastar-se do excesso da
bebida, para se autorizar a bem beber, sempre “sóbrio”. O Sr. Waldir, por
exemplo, até hoje se orgulha da boêmia feliz, do saber virar o copo na
hora certa e voltar para a casa ainda sóbrio.
Esta estratégia - que visa afastar qualquer suspeita que possa
pesar sobre o bebedor - repousa sobre a pretensão de um saber-beber. Ao
discurso repressivo, seja dos ingleses, seja daquilo que era ensinado desde
os tempos de escola ou na Igreja, se contrapunha um discurso que exaltava
a virtude da temperança, o savoir-faire da degustação qualitativa e
quantitativa, conforme explica Mayol. Na verdade, para o operário, o
problema não era beber, era saber parar. E, insistir para que todos bebam
era nada mais nada menos do que forçar para que todos celebrassem a
alegria dos que bebiam. Como o vinho dos operários franceses, por
exemplo, a cerveja e a cachaça dos bares das cidades operárias mineiras
passavam a simbolizar a antitristeza, a face festiva da vida cotidiana dos
operários. É uma economia da liberalidade. A cerveja e/ou a cachaça era,
portanto, o eixo principal de um intercâmbio, o mediador da palavra, do
reconhecimento, parte constituinte de uma cultura popular operária,
urbana, para o qual a bebida contribuia até mesmo na formação de valores
de identificação, essenciais, que giravam principalmente em torno de
práticas de solidariedade. Por isso, unir-se em torno da bebida, também
era um fator que propiciava o encontro, as trocas, a efetivação de práticas
de solidariedade entre os operários. O bar era local onde ocorria a
afirmação das diferenças e das similitudes. Quem bebia e quem não bebia,
quem conseguia se alegrar ou não, perante a tristeza social dos que
trabalhavam em terríveis condições dentro de uma mina onde era
constante a ameaça do fim. A cerveja e a cachaça é um convite à viagem
142

142
para a festa, mas como afirma Mayol:“não se pode ir até o extremo, até a
vertigem central, mortal, que tem no entanto como premonição a troca
inicial, simbolizada pelo ato de encher os copos, o tim-tim e a prova do
primeiro gole. É que o fantasma da desordem absoluta, a abolição de
todas as diferenças, pessoais, sexuais, culturais que a festa do vinho põe
em cena - a festa dos loucos - não é realizável em parte alguma na vida
social. A conveniência exige que se pare a tempo, a fim, precisamente, de
que permanecer no tempo” (MAYOL, 1996: 143)

Já bastava, portanto, a presença da morte no mundo do trabalho.


A bebida não podia sequer representar essa possibilidade. Ela devia ser tão
somente, momento de celebração da vida. Portanto, quer-se aqui ressaltar
o valor simbólico da bebida. Trata-se de se acentuar o valor comunal,
coletivo que a bebida trazia e, nesse sentido, esta passava a ser motivo de
celebração da vida, da alegria, em contraposição à constante presença da
morte no mundo do trabalho. O lugar da bebida era o lugar da união dos
operários, momento de anti-disciplina, porque momento em que aparecia a
contradição à disciplina imposta pelos ingleses dentro da mina. A cerveja,
por exemplo, simboliza a soberania e é também símbolo da vida. 30 O ato
de beber possui, assim, a simbologia de um cerimonial. Beber à saúde de
alguém, erguer o brinde de honra, são atos indispensáveis no protocolo
social. Celebração da vida, momento de união e de formação/consolidação
da identidade coletiva.
Ao lado da bebida em si, a boêmia aparecia também no Cabaré,
na convivência com as prostitutas. O Sr. Waldir se considera um boêmio
não só porque freqüentava o bar do Aziz, mas principalmente por ter
vivido a noite da cidade de Nova Lima. É interessante observar o relato
do Sr. Waldir na tentativa de apreender um pouco as práticas noturnas dos
habitantes da cidade. Através de sua narrativa, pode-se encontrar
elementos que apontam o cotidiano não só dos operários, mas de todo um
outro mundo, o mundo do Cabaré, habitado por prostitutas, patrões de
mina, forasteiros. Além de nos descrever as terríveis condições de vida das
prostitutas de Nova Lima, também se pode apreender a repressão, o
controle desses outros pontos de encontro dos operários:

“Quando voltei para Nova Lima, aos 16 anos, eu já caí no


“fandango”. Eu dançava muito bem e comecei a freqüentar a
Sede do Vila Nova, a sede do Retiro e logo parti para o
Cabaré. Eu não saía da zona boêmia. Nesse tempo eu
trabalhava no final do processo de apuração do ouro.
Trabalhava no laboratório e tinha um horário especial, com

30
Cf. verbete Cerveja e Bebedeira no Dicionário de Símbolos.CHEVALIER, J. &
GHEERBRANT, A. Dicionário de Símbolos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1990.
143

143
uma hora a menos. Eles davam vantagem para o trabalho de
risco e o laboratório já era considerado zona de risco, já por
influência das leis de Getúlio Vargas. Eu saía de lá do
laboratório e ia direto para a zona. Ficava das 3 horas até às
6 horas da tarde com as mulheres na zona. De tarde, é, de
tarde. Quando era 6 horas eu ia em casa, tomava banho,
jantava, vinha para a cidade, namorava, tomava minha
cervejinha. Quando dava 10 horas eu voltava para a zona. Eu
ia para o Cabaré. Era hora da gente tapear os coronéis. Eu
promovia no salão do Cabaré aquelas prostitutas que
dançavam bem. Elas pagavam meu ingresso e eu dançava
com elas. Os coronéis que estavam em volta, bebendo cerveja,
falavam: "eu vou roubar aquela mulher daquele menino".
Chamava e ela acompanhava ele. E eu pegava outra e saía
com ela. Quando era na madrugada, eu ia buscar o meu
dinheiro, ela me dava parte do que arrecadava. Eu servia de
atração porque dançava muito bem. Eu vivi nessa vida dos 16
aos 25 anos. Porém, certa ocasião, eu tive medo de adoecer.
Eu tive uma probabilidade de pegar uma carga de doença
venérea muito grande. Eu tinha uma sorte incrível, nunca
pegava nada, e olha que eu fazia amor com todas...
E eu fui confidente, elas me contavam tudo que acontecia
com elas. Em compensação, quando elas caíam em
desgraça... Por exemplo, quando alguma adoecia, não podia
faturar e precisava de remédio, quem comprava remédio era
eu. O coronel nunca se responsabilizava. Por isso que esse
negócio de gigolô não é vantagem não. Eu não via vantagem.
Quando elas se viam na pior, elas se valiam de mim. Era eu
quem segurava a barra. Muitas vezes eu chegava no Cabaré
às 10 horas da noite, vinha uma delas e dizia: "Waldir, não
consegui fazer um tostão a noite passada. O que eu fiz, eu
entreguei para a dona da pensão... Estou sem almoço até
agora..." O dinheiro que eu tinha pagava um sanduíche para
ela ou, senão, pagava um prato de comida. Era assim. Era
aquela solidariedade. (...)
No cabaré era comum a polícia fechar por qualquer
denúncia. E eles usavam de violência. Todo mundo que saía
de lá apanhava. Era terrível! Uma ocasião, eu estava em
frente ao Cabaré, que era uma estrada. Tinha a entrada do
cabaré e em frente tinha aqueles casebres que as mulheres
alugavam para fazer vida. E eu tinha entrado com uma
mulher em frente. Quando eu ouvi aquela balbúrdia em
frente, da rua, nós ficamos da greta da janela olhando. Tinha
um crioulo soldado que tinha o apelido de Coice de Mula. Ele
144

144
tinha um soco, que qualquer um caía no ato. Ele ficou na
porta do cabaré. Chegava o camarada ele dava a busca. Não
tinha arma, mas mesmo assim ele batia no sujeito. O
camarada caía. Quando levantava, os outros soldados metiam
o pé na bunda dele. Faziam corredor polonês. Todo homem
que saiu do cabaré essa noite apanhou. E eu de lá da janela
do outro lado só olhando. Eu podia estar nessa também, mas
eu tinha o Santo forte, graças a Deus.(...)
Eu fui um boêmio de lascar...”

A presença da boêmia também é apresentada sucintamente no


trabalho de GROSSI. Ao apresentar a questão salarial dos operários,
GROSSI também narra um depoimento de um anônimo que conta o que
era feito com o salário, já no dia do pagamento, no caso dos operários
solteiros:
“O mineiro solteiro recebia o dinheiro e ia procurar bares e
mulheres. Havia um fluxo de mulheres de fora que vinham
para pegar o dinheiro dos mineiros na boêmia. Tinha uma
chefete que controlava a zona: selecionava as melhores
mulheres para os encarregados. Os carreiros eram
prejudicados; ficavam com as mulheres piores. Muitos
vinham pra Belo Horizonte para gastar o seu
pagamento.”(Entrevista com operário anônimo realizada por
GROSSI: 1980,72)

E o Sr. Waldir irá confirmar esta afirmação, ao contar que:

“Pagavam bem, quase que em libras. Tinham o ordenado


bom, os feitores. Eles é que mantinham o Cabaré de Nova
Lima em alta, o meretrício. Por que os broncos, ganhando
uma nota violenta, eram os “donos do pedaço”. Chegavam lá,
deitavam e rolavam com o dinheiro deles...”

Carnaval

Com relação ao Carnaval, os depoentes têm muito a dizer. Dentre


todas as formas de lazer, o Carnaval era a celebração mais festiva dos
mineiros. Havia a formação de blocos e ensaios durante todo o ano, em
casas de família.
“Existiu um bloco idealizado pelos mineiros, que talvez fosse
um esboço de cultura da classe. A fantasia consistia na
indumentária usada na mina. O canto e os gritos expressavam
a situação do subsolo. O bloco reproduzia o ambiente de
trabalho: o carreiro imitava o feitor, o “sambado”, o
145

145
maricas, entre outros. Levava também uma ala dos pica-paus
e outra dos trabalhadores do tráfego. Desfilavam em Nova
Lima, Belo Horizonte e cidades vizinhas”. (GROSSI,
1980:80).
De um lado, esse tipo de manifestação parece ser algum tipo de
estratégia, de prática, de anti-disciplina. Por outro lado, blocos como o dos
“Prontos”, “Cai-cai”, “Turunas”, eram de outras camadas sociais, como
comerciários e bancários. Havia também o bloco das prostitutas, sendo em
parte financiado pelos feitores. O carnaval em Nova Lima, de acordo com
GROSSI, era um entregar-se à afirmação do prazer, o que apagava por
momentos as diferenças sociais31.
Este olhar sobre a festa carnavalesca remete-nos para outro
tempo, tempo medieval, tempo do renascimento As festas populares
sempre desempenharam forte papel social no sentido de protesto e
controle. Um exemplo foi a grande revolta da Catalunha que teve seu
início no Corpus Christi, uma das maiores festas espanholas.
O Carnaval, como tudo indica, não se resumia à festa de
janeiro/fevereiro. Por exemplo, na Espanha, o dia do Primeiro de Maio
era, como o Carnaval, comemorado com batalhas e casamentos simulados.
O verão também tinha seus carnavais, principalmente Corpus Christi e a
festa de São João Batista. A festa de Corpus Christi, que se difundiu pela
Europa a partir do século XIII, era um dia de procissões e peças. Na
Inglaterra dos finais da Idade Média, era a época em que os mistérios eram
apresentados nas praças do mercado de Chester, Conventry, York e outros
lugares. Também na Espanha, Corpus Christi era o grande dia de
apresentação de peças religiosas, mas os procedimentos eram permeados
de elementos carnavalescos. Elaborados carros alegóricos passavam pelas
ruas, transportando santos, gigantes e, o mais importante, um enorme
dragão, explicado em termos cristãos como a festa do Apocalipse,
enquanto a mulher às suas costas supostamente representaria a prostituta
da Babilônia. Os ouvidos da multidão podiam ser tomados por sons de
fogos de artifício, gaitas de foles, pandeiros, castanholas, tambores e
cornetas. Os diabos tinham um papel importante a desempenhar, dando
cambalhotas, cantando e travando batalhas simuladas com os anjos. O
bobo tinha outra oportunidade de bater nos circunstantes com a sua bexiga
.(BURKE, 1989)
A partir daí, pode-se entrever uma outra leitura que servirá de
ponte para chegar ao "grotesco", ao mundo às avessas do Carnaval, onde
os operários passam a ser patrões de mina e vice-versa...
Segundo BAKHTIN(1981), um dos problemas mais interessantes
da história da cultura é o problema do carnaval, o problema da

31
Essa análise parece se aproximar aos estudos sobre a carnavalização realizados
por Bakhtin.
146

146
carnavalização. De acordo com esse autor, "o carnaval é um espetáculo
sem ribalta e sem divisão entre atores e espectadores. No carnaval, todos
são participantes ativos, todos participam da ação carnavalesca. Não se
contempla e, em termos rigorosos, nem se representa o carnaval, mas
vive-se nele, e vive-se conforme as suas leis enquanto estas vigoram, ou
seja, vive-se uma vida carnavalesca. Esta é uma vida desviada da sua
ordem habitual, em certo sentido uma "vida às avessas", um "mundo
invertido"( "monde à l"envers") ".

Todas as imagens do carnaval são biunívocas, englobam os dois


campos da mudança e da crise: nascimento e morte, bênção e maldição,
elogio e impropérios, mocidade e velhice, etc. Existem inúmeras imagens
ambivalentes, o riso é uma delas. Nele se fundiam a ridicularização e o
júbilo. "Na forma do riso resolvia-se muito daquilo que era inacessível na
forma do sério. Na Idade Média, sob a cobertura da liberdade legalizada
do riso, era possível a paródia sacra, ou seja, a paródia dos textos e
rituais sagrados." No caso da mina de Morro Velho, o riso pode parecer
uma paródia à situação terrível em que viviam os operários.
"O parodiar é a criação do duplo destronante, o mesmo "mundo
às avessas". Por isso a paródia é ambivalente". A paródia é ambivalente,
é riso e é sofrimento, tem profunda relação com a morte, no sentido de ser
renovação. As condições de trabalho dentro da mina eram desumanas.
Acidentes, poeira, silicose, umidade e temperaturas médias de 40ºC eram
constantes. Essa situação proporcionava uma relação com a morte muito
próxima. Todos os dias era possível sair de casa e nunca mais voltar. O
Carnaval pode ser visto como um momento de celebração da vida,
fazendo-a paródia da própria possibilidade de morte.
Também há coexistência da cultura séria e oficial, - dos ingleses e
diretores da empresa que se segregavam em seus clubes, o Ideal e o
Retiro, mantendo-se isolados da população - , com uma cultura cômica,
popular, enfim, carnavalizada, que promove a liberação do riso e do corpo.
A carnavalização ocorre no universo desfigurado através da visão
especular; o mundo às avessas (distorção). É possível ainda perguntar se as
extravagâncias dos operários durante o Carnaval em Nova Lima liberavam
sua conduta humana de normas e mesmo possibilitavam um outro
espetáculo: o espetáculo da transgressão, mesmo que esta se restringisse,
como já foi dito, a esses espaços limitados, controlados, seja por um padre
conservador, seja pela empresa, que financiando, também impunha sua
dominação.

É relevante observar as reminiscências do Sr. Waldir no que diz


respeito à realização desta “festa profana”:
“Samba no pé era no Carnaval. Eu era carnavalesco,
dançava quatro noites sem dormir, mesmo trabalhando na
147

147
Morro Velho. Porque lá não parava de jeito nenhum. Mas eu
dançava quatro noites sem dormir. Nos blocos havia muita
rivalidade. Tinha o Caroço Encravado que era o bloco da
classe média. E tinha o Sorriso, por parte do Retiro. A
rivalidade do Retiro e do Vila Nova era uma coisa incrível.
Seu Manoel era do Vila Nova e Niquelino do Retiro. Era uma
rivalidade sem igual e os Niquelinos fizeram o Sorriso e Seu
Manoel fez o Caroço Encravado. E, fora a rivalidade desses
dois, tinha o Minas, que era um bloquinho pequeno que eu ia
também, porque eu era eclético, ia em todos. Eu dançava bem
e puxava bem o cordão, eu era baliza. Porque o passista de
hoje é o baliza de ontem. Já tinha o porta estandarte. Nessa
época a bandeira do bloco vinha atrás, mas o baliza era da
comissão de frente. Baliza era aquele que ia em frente, o
nome diz. Eu só saía na frente, botava o samba no pé mesmo.
Mas eu tenho um caso muito interessante de Carnaval.
Porque a orquestra do Manacés era a melhor orquestra de
Nova Lima e os músicos eram do Caroço Encravado, uma
potência em matéria de sopros, mas não tinha bateria e então
o Retiro contratou um time, o time do Andaraí, e trouxe todos
os jogadores do Andaraí e junto um crioulo, um carioca...
esqueci o nome dele. Mas o crioulo era um marcador do
surdo de bateria num bloco desses do Rio de Janeiro, cobra
mesmo. E ele armou uma bateria... Os blocos se encontravam
no centro e aquele que superasse o canto do outro era o
vencedor. E eu no Caroço Encravado... tinha as meninas mais
bonitinhas nesse bloco. Aí, a bateria do Sorriso arrasou. Os
metais do Manacés e a bateria mixuruca teve que encarar... O
Sorriso acabou com a brincadeira e os cariocas do clube...
todo mundo malandro carioca, acabaram com a brincadeira.
Foi um arraso... Isso deve ter sido 41, 42, durante a
Guerra...”

Clubes em Morro Velho: de um lado os operários e de outro os patrões

Aos sábados, havia danças nos clubes ou em casas de mineiros,


com sanfonas, violas e cavaquinhos. Surgiram compositores e as letras das
músicas falavam da cidade, do trabalho e da vida no fundo da mina. Mas a
festividade nos clubes também trazem a divisão social, a divisão entre
ricos e pobres, entre negros e brancos, entre brasileiros e ingleses. Havia
os bailes nos clubes dos ingleses: Ideal e Quintas, onde não era permitida a
entrada de empregados. Outros clubes permitiam a presença dos operários,
que desfrutavam seu horário de folga e de descanso da melhor maneira
148

148
possível: dançando, cantando, bebendo e conversando sobre a vida. Enfim,
divertindo-se. O Sr. Waldir relata as estratégias que se utilizavam para
penetrar nos clubes em que operário não era convidado:

“Uma vez ou outra tocava um conjunto ao vivo, era o clube


que tinha a Orquestra de Manasés. Ele era ótimo saxofonista
e maestro. Contratavam essa orquestra para todos os bailes.
O maestro era o Manasés, e a orquestra era composta de
saxofone, pistom, trombone de vara, bateria. Tocava música
dançante, bolero, tango, o fox americano. Nessa época
estava na moda aqueles musicais da Metro, por isso tocavam
fox. Mas o bolero e o tango eram as músicas mais tocadas. Eu
não sei se eu contei de um clube, o Clube das Violetas. Era
um clube fechado só de negros, só de negros. Um clube que
só entrava negro. Quando era no final do ano eles faziam um
baile ou na Sede do Retiro ou na Sede do Vila Nova. Durante
o ano eles se reuniam na casa de um, na casa de outro, não
tinham sede própria. Mas no final do ano eles faziam um
baile de arromba. Nesse Baile das Violetas, eles decoravam o
baile todo com violetas e compravam essência de violeta para
botar no salão todo. Aí ele convidavam os brancos para irem
lá. As negras e os negros todos de gala, mas uma coisa linda.
Era Baile das Violetas porque violeta é uma cor roxa que está
mais de acordo com a pele do negro. Eles faziam reuniões
entre si, mas sem fundo político, era só uma entidade cultural,
não protestavam nem nada. E a pompa do lanche que eles
ofereciam? Antigamente, como não tinha buffet, o clube
mesmo promovia uma espécie de buffet para os convidados,
eles faziam questão. Era uma fartura. Não era todo mundo
que ia, mandavam convites especiais. Altas autoridades... Eu
ia porque a minha mãe era uma figura muito grata em Nova
Lima. Ormesinda era “ponto” de Teatro e Nova Lima toda
conhecia minha mãe. Então ela ia. Adorava me ver dançar. Ia
na sede do Retiro só para me ver dançar, só porque eu
dançava muito bem. Ela não ficava em casa, sentava lá e
ficava até determinada hora, só para me ver dançar. Ela
morreu oito dias antes do Túlio, meu primeiro filho nascer,
em 1947. Morreu com 63 anos lá em Nova Lima.”

Estes foram alguns traços e rabiscos feitos a partir da história


narrada por esses artistas em suas resistências e “passividades” perante a
ordem imposta pelos ingleses, perante a ordem imposta pelo modo de
produção capitalista e perante o Estado.

149

149
Considerações Finais: caminhando entre a
autonomia e a heteronomia
Este livro, mais do que apresentar uma história de vida de um
operário artista, pretendeu examinar as relações de poder e dominação na
mina de Morro Velho no período compreendido entre os anos 1920 e
1940, abordando os espaços do trabalho e da cultura, através, entre outros,
de procedimentos técnicos utilizados na metodologia de história oral.
A microfísica do poder dentro da mina e as possibilidades de
transgressão dos operários face à dominação inglesa; a relação entre os
operários e a figura de Getúlio Vargas; a cultura, o lazer operário e suas
maneiras de fazer cotidianas: festas religiosas, folclóricas, boêmia, cabaré,
bailes, clubes, entre outras artes, “astúcias” dos operários, ofereceram
elementos de análise, que permitiram compreender questões relativas ao
trabalho e à cultura vivenciada pelos trabalhadores da mineração. A
análise evidenciou as anti-disciplinas cotidianas, demonstrando que os
operários não eram totalmente passivos aos ditames do Estado, muito
menos ao controle dos ingleses. Eles conseguiram, em parte, em seu
cotidiano, seja dentro ou fora da mina, se apropriar dos discursos
dominantes, utilizando-os a partir de suas necessidades.
Isto posto, é possível tecer algumas considerações que
ultrapassam o âmbito da análise empreendida. O que se desejou, em
primeiro plano, foi ressaltar a figura do trabalhador como sujeito às vezes
autônomo, capaz de imprimir a sua marca no mundo que o circunda.
Eugéne Enriquez salienta que “o sujeito é um ser criativo”, o que
faz-nos pensar no homem ordinário que, em seu dia-a-dia, em suas
relações sociais, vai tecendo uma rede de ações que introduzem, mesmo
que minimamente, uma mudança, uma transformação. Aquilo que Michel
de Certeau chamaria de anti-disciplina, que foi por nós analisado ao longo
dessas páginas. Existem inúmeras práticas cotidianas (falar, ler, caminhar
pela cidade, habitar, cozinhar, conversar...) que se constituem em
verdadeiras ações políticas. Talvez, a partir daí, se possa afirmar que esses
homens “criativos” enquanto seres que são-sendo, ou seja, que produzem,
que criam em um social-histórico em devir, são sujeitos políticos na e da
História .
Porém, esta afirmação suscita uma discussão. Até que ponto esses
indivíduos, agora considerados sujeitos “criadores da história ”, são
autônomos em relação a esse social-histórico que a todo tempo pressiona
para que cada um seja “indivíduo individualizado”? Ou seja, até que ponto
pode-se pensar um sujeito político que não tenda a se prender na
“massificação” obtida pelo apego às identidades coletivas? Ou nessas

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150
tentativas de “massificação”, essas tentativas de “controle da memória”,
como viu-se no período Vargas?
Nesse sentido, diferente de autores como Certeau e como
Enriquez, tende-se a pensar um sujeito político, - principalmente tratando-
se do Brasil e mais particularmente dos operários da Nova Lima na década
de 30 e 40 - , que transita incessantemente entre duas dimensões a
princípio distintas: entre a autonomia e a heteronomia.
O sujeito deve ser pensado dentro do mundo e em relação com os
outros. O sujeito cria, mas também reproduz. E talvez, quando reproduz,
nunca reproduza sem acrescentar nada. Ele pode sempre acrescentar algo
singular. Ele pode jogar com os mecanismos de controle e disciplina, se
reapropriar e usá-los do seu jeito. Assim, podemos imaginar que é possível
a convivência dessas duas dimensões. Ele é autônomo e heterônomo.
A palavra autônomo vem do grego: autos (eu mesmo, si mesmo)
e nomos (lei, norma, regra). Aquele que tem o poder para dar a si mesmo a
regra, a norma, a lei é autônomo e goza de autonomia ou liberdade.
Autonomia significa autodeterminação. Até que ponto esse sujeito
político, esse operário é autônomo? Se ele cria estratégias, táticas,
“maneiras de fazer” que alteram o cotidiano, até certo ponto podemos
dizer que ele é alguém que tem o poder para criar suas próprias regras de
sobrevivência em relação ao outro. Porém, apesar de alguns sujeitos
políticos conseguirem ser “livres”, definindo o que desejam, independente
de uma estrutura coletiva totalizante, como queriam os estruturalistas (cf.
Althusser, seus aparelhos ideológicos do Estado), não se pode negar que,
muitas vezes, perde-se a capacidade racional para a autonomia. Os sujeitos
passam a ser heterônomos. Heterônomo vem do grego: hetero (outro) e
nomos; receber de um outro a norma, a regra ou a lei. (CHAUÍ, 1994:338).
Esta talvez seja a grande dificuldade de compreender o sujeito
político no Brasil e, no caso estudado, de compreender o imaginário
operário de Morro Velho durante o governo de Vargas. Já está claro,
todavia, que quando se pensa em sujeito político não se está
necessariamente referindo-se a um partido, a uma classe, a um sindicato
ou mesmo ao Estado. Está-se referindo a todos os homens que agem no
social-histórico. Àqueles que, no dia-a-dia, vivem e praticam ações.
Àqueles que, tendo objetivos a alcançar, fazem escolhas e tomam decisões
no espaço público da palavra e da ação. Ou seja, os brasileiros, os
operários da Mina de Morro Velho.
Até que ponto, no Brasil, fica-se entre a autonomia e a “servidão
voluntária”? Ao se observar o operário que trabalhou na mina de Morro
Velho, no período relativo ao getulismo, esta questão fica ainda mais
truncada. Por um lado, a heteronomia social. As normas impostas para o
trabalho dos mineiros apontam para um completo controle do trabalho, dos
sindicatos, do sistema previdenciário e da justiça trabalhista, o que se
resumirá num conjunto de leis que ficou conhecido como CLT. Essas leis
151

151
deverão ter um papel importante na construção dessa memória/trajetória
que coloca a figura de Getúlio Vargas como um mito, o estadista perfeito.
A representação, gravada na memória, acerca de Getúlio Vargas, expressa
a força do imaginário que foi criado durante o Estado Novo.
As marcas impressas na memória coletiva, como já foi visto ao
longo desse trabalho, resultaram de uma intervenção direta no cotidiano
operário, associada a um discurso que unia o governante à nação. O
discurso de determinados sujeitos políticos, operários da mina, tendia, em
parte, a reproduzir o discurso difundido e é nesse momento que a
heteronomia encontra suas condições para além do inconsciente individual
e da relação inter-subjetiva que aí aparece no mundo social.
“Existe, para além do “discurso do outro”, algo que o
sobrecarrega com um peso inamovível, que limita e torna
quase que inútil toda autonomia individual. É o que se
manifesta como massa de condições de privação e de
opressão, como estrutura solidificada global, material e
institucional, de economia, de poder e de ideologia, como
indução, mistificação, manipulação e violência. Nenhuma
autonomia individual pode superar as conseqüências deste
estado de coisas, anular os efeitos sobre nossa vida, da
estrutura opressiva da sociedade na qual vivemos”
(CASTORIADIS, 1982:131)

Nesse sentido, a autonomia, em uma sociedade de heteronomia


social, mesmo para os indivíduos para quem a autonomia possui um
sentido, só pode permanecer truncada, porque encontra nas condições
materiais e nos outros indivíduos obstáculos renovados do momento em
que tem que se encarnar numa ação, desenvolver-se e existir socialmente;
ela só pode manifestar-se, em sua vida efetiva, em interstícios dispostos
pelo acaso e pela astúcia, em quotas sempre pequenas.
Pois bem, talvez somente nessas pequenas quotas, somente nesses
interstícios dispostos através dessas “astúcias”, “táticas” e “estratégias” do
cotidiano, o operário possa se tornar sujeito político, indivíduo autônomo,
ser criativo. Vêm à tona as possibilidades de transgressão. Ao que tudo
indica, tratando-se de Brasil e do mundo moderno, o cotidiano de luta e
resistência das mais diversas categorias de trabalhadores cede à força do
discurso do Outro, discurso oficial.
Porém, voltemos à frase de Enriquez que principia nossa reflexão:
“o sujeito é um ser criativo”. Nesse sentido, pode-se acreditar que face à
hegemonia dos discursos produzidos pelos órgãos oficiais do Estado e da
empresa inglesa (Saint John Del Rey Mining Company), face a essas
hegemonias discursivas, no caso dos operários de Morro Velho, restava
algum território, ainda que minúsculo, constituído em microcosmos, de
resistência à construção de representações e práticas de combate à
152

152
dominação corporativa. Mesmo com todos os mecanismos de controle da
palavra, ainda pode-se encontrar, nas práticas cotidianas, “maneiras de
fazer” (CERTEAU); práticas cotidianas que se constituem em autonomias,
em anti-disciplinas, ou mesmo em criação de formas libertárias. No caso
da experiência operária em Morro Velho, isto se coloca de maneira tão
subliminar, quando refere-se aos operários que não participaram das lutas
sindicais do período, que parece ficar mais ao nível do inconsciente do que
ao nível de uma consciência do sujeito. Essas micro-resistências, ou
mesmo criações dos sujeitos políticos, parecem sufocar perante a
microfísica do poder implementada pelos ingleses, por seus “patrões de
mina” e, pensando em termos mais gerais (macrofísica), perante o próprio
ideário getulista, com sua ideologia do “homem novo”, trabalhador
nacional que deveria ser dócil e útil para a construção de uma nova nação.
Qual a possibilidade de se pensar o sujeito político, na
contemporaneidade, no momento em que se constata a própria crise dos
direitos dos cidadãos? Aliás, como podemos pensar em sujeitos políticos,
no momento em que palavras como ética, cidadania e direito começam a
cair em desuso frente a avalanche da globalização e do
neoliberalismo(novo nome do imperialismo)?
A indústria massiva, através dos meios de comunicação mais
difundidos, tenta normatizar a sociedade - como o rádio, sob controle do
Estado varguista, tentou normatizar o pensamento do operariado
despolitizado - transformar os sujeitos políticos, até então diferentes, em
massa igualada na exclusão. A supervalorização do econômico em relação
ao político, social e cultural faz com que todos se curvem sem muito
questionar, à realidade da globalização. Talvez estejamos num momento
onde se faz necessária a releitura de clássicos das idéias políticas como
Etienne de La Boétie, que colocava a questão da obediência em relação ao
Estado já em 1548, em seu Discurso sobre a Servidão Voluntária. Poucos
trabalham demais e muitos estão excluídos do processo produtivo. Os que
estão trabalhando mais, aceitam essa condição. E os que estão excluídos
estão, em sua maioria, desorganizados e respondem com violência. Se
somos heterônomos é porque, de certa forma, reconhecemos o Outro e
aceitamos sua regra, sua norma. Talvez o homem só se torne sujeito
político quando recuperar sua liberdade. La Boétie dizia que:
“Como é possível que tantos homens, tantas cidades, tantas
nações suportem algumas vezes um único tirano, que apenas
tem o poder que eles lhe atribuem, que não tem possibilidade
de causar-lhes dano, ao qual (se quisessem) poderiam resistir,
do qual não poderiam sofrer nenhum mal, se não preferissem
tudo sofrer dele em vez de contradizê-lo? Coisa
verdadeiramente surpreendente (e, contudo, tão comum, que
antes temos de lamentá-la do que nos espantar com ela)! Ver
milhões e milhões de homens miseravelmente subjugados e
153

153
submetidos, de cabeça baixa, a um jugo deplorável; e não
porque sejam obrigados a isso graças a uma força irresistível,
mas porque são fascinados e, por assim dizer, enfeitiçados
pelo único e nome de um, que não deveriam temer, já que não
é único, nem adorar, já que é - diante deles todos - desumano
e cruel”(...) Disponham-se(...) a não servir e vocês serão
livres. Não quero que vocês o combatam, nem que o
derrubem, mas somente que não o sustentem; e verão que, tal
como um grande colosso do qual se retira a base, ele
tombará, por seu próprio peso e se quebrará.” (LA BOETIE,
1982)
Por que cada homem aceita ser comandado? Por que há uma
tendência à superação da autonomia pela heteronomia?
Termina-se essa breve reflexão, oriunda de toda a análise sobre o
cotidiano operário em Nova Lima na Era Vargas, citando outra filósofa
que possibilita-nos refletir em meio a esta quase impossibilidade de pensar
sujeitos políticos no Brasil:
“Não é preciso dizer que isto não significa que o homem
moderno tenha perdido suas capacidades ou esteja a ponto de
perdê-las. Digam o que disserem a sociologia, a psicologia e
a antropologia acerca do “animal social”, os homens
persistem em fabricar, fazer e construir, embora estas
faculdades se limitem cada vez mais aos talentos do artista,
de sorte que as respectivas experiências de mundialidade
escapam cada vez mais à experiência humana comum.” (...)
...as palavras de Catão: Numquam se plus agere quam nihil
cum ageret, numquam memis solum esse quam cum solus esset
- (Nunca ele está mais ativo do que quando nada faz, nunca
está menos só que quando a sós consigo mesmo)” (ARENDT,
1983:338).

Quem sabe, em meio à “passividade” desse social-histórico


coletivo anônimo, possa passear o sujeito político, agindo em seu silêncio,
autônomo, “criador da história ” em devir?

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Janeiro, 1937.

 Lista de Jornais pesquisados:

.Jornal Correio Mineiro. Belo Horizonte, 14 de abril de 1933,p.4 e


p.7.Manchetes: “Ouro do Inferno” e “A cia. de Morro Velho é Contra a
Sindicalização”.

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.Jornal Correio Mineiro. Belo Horizonte, 22 de abril de 1933,p.2.
Manchete: “Como a Companhia de Morro Velho Burla ostensivamente a
Lei de Férias”.
. Jornal O Debate. 22 de março de 1934, p.6. Manchete: “Só acreditamos
na eficiência do Ministério do Trabalho, quando ele conseguir libertar os
escravos da mina de Morro Velho!”
. Jornal Folha de Minas. Belo Horizonte, 1º de maio de 1935, p.7.
Manchete: “O Dia do Trabalho - As Comemorações de Hoje nesta Capital
e em Nova Lima.”
. Jornal Folha de Minas. Belo Horizonte, 12 de maio de 1936,p.12.
Manchete: “Acusados de Extremistas”.
.Jornal Estado de Minas. Belo Horizonte, 29 de março de 1938.p.10.
Manchete: “Solucionado o Caso dos Operários da Morro Velho.”
. Jornal Estado de Minas. Belo Horizonte, 5 de abril de 1938,p.10.
Manchete: “Retornaram a Nova Lima os Ex-Empregados da Mina de
Morro Velho.”
. Jornal Minas Geraes, quinta-feira, 3 de Setembro de 1936. Manchete:
“Inaugura-se hoje a Rádio Inconfidência”
. Jornal Minas Geraes, sexta-feira, 4 de Setembro de 1936. Manchete: “A
inauguração da Rádio Inconfidência”
. Jornal Minas Geraes, terça-feira, 8 de setembro de 1936. Manchete: “O
Dia da Pátria na Rádio Inconfidência”
.Jornal Minas Geraes, quinta-feira, 2 de maio de 1940. Manchete: “As
comemorações do Dia do Trabalho em Belo Horizonte”
. Jornal Minas Geraes, terça-feira, 3 de setembro de 1940. Manchete:
“Rádio. O aniversário da Rádio Inconfidência”
. Jornal Minas Geraes. Terça-feira, 21 de abril de 1942. Manchete: “
Presidente Getúlio Vargas. A saudação do desembargador Mário Matos,
pelo microfone da Rádio Inconfidência”
. Jornal Minas Gerais. Sábado, 2 de maio de 1942. Manchete: “Produzir,
produzir sem deslacimentos, produzir cada vez mais”
. Jornal Minas Gerais. Sexta-feira, 4 de setembro de 1942. Manchete:
“Chegou a hora dos sacrifícios, das renúncias, dos serviços sem horários,
dos esforços sem conta”.
. Jornal Minas Gerais. Domingo, 6 de setembro de 1942. Manchete:
“Revestiu-se de grande fulgor cívico a parada da Juventude Brasileira,
ontem, em Belo Horizonte” .

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MÚSICAS DE Sr. WALDIR DOS SANTOS
(* Nova Lima 15/05/1916 + Belo Horizonte 2001)
Cifrado por Lucas Machado

1 - Cartão de Visitas (samba)

Você não sabe quem eu sou


Ninguém ainda lhe falou
Por isso mesmo
É que vou me apresentar
Faça o favor de me escutar
Waldir dos Santos
Tipo magrinho e muito fino
Por isso é que todos gostam
De chamar e apelidar
De violino, de vez em quando
Fósforo

Não sou bonito


Mas o que eu sei é conversar
Pobre de quem me ouvir falar
Componho samba
E no salão eu sei pisar
Chego mesmo a desacatar
Sou muito forte
Pareço até, modéstia a parte
Um Joe Leonis
Todo mundo assim diz
Mas infeliz
Por ser filho de um alfaiate
Comigo é ali no abacate
Que tal!

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2 - Corda Bamba (samba)

Ser casado
Ter amante e gostar de samba - bis
É mesmo que andar na
Corda bamba
O homem sendo assim
É um artista
Na qualidade de equilibrista
Porém quando a patroa
Descobre o jogo
Poe álcool sobre os dois - bis
E bota fogo

3 - O mundo gira (samba)

O mundo gira
E nós giramos com o mundo
Alguns tem muita alegria →
E outros [desgosto profundo
Não adianta chorar
Pois o choro[não vai resolver
Vamos sorrir, sorrir até morrer

(Dificuldade)
Felicidade é passageira
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Do trem do mundo
O destino é condutor
Pra quê chorar
Chorar a vida inteira
Só porque se perdeu
Um grande amor
Não vale a pena
Não senhor.

4- Minha inspiração (samba –canção)

Procurei inspiração
Em todo lugar
No silencio da noite
Na luz do luar
Mas[ apesar de tudo
Não pude encontrar
Só tenho inspiração
Na luz do teu olhar

Quanto te vejo me sinto


Feliz trovador
E pelo meu pensamento
Transcorrem poesias
Poesias de amor
Sou tão feliz
Em te amar tanto assim
Apesar de saber
Que não gostas de mim.

5 – Josefina (samba)

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Se você fosse sincera
Assim como prometeu
Eu lhe juro Josefina
Meu coração era seu
Mas um dia a encontrei
Com um outro na esquina
E o nosso amor morreu
Para sempre ó Josefina

Josefina foi fingida


Maltratou meu coração
Volta agora arrependida
Vem implorara o meu perdão
Porem fique sabendo
Já é tarde menina
O nosso amor morreu
Para sempre ó Josefina.

6 – A vingança da flor (marcha-rancho)

No jardim da minha vida


Um dia
Uma linda flor plantei
E das flores que eu queria
Foi a flor que eu mais amei

Por maldade u’a mão criminosa


A linda flor apanhou
E a flor que era uma rosa
Por vingança se desfolhou

Esta lida flor


Foi nosso amor
Que tão cedo teve fim
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A mão criminosa
Foi a do destino
Que te separou de mim.

7- Melodia do amor (fox)

Quando
Eu fiz esta canção
Senti bater tão forte
O meu coração
Por que
Eu nele já sentia
Muita nostalgia
E grande paixão
Foi
Teu olhar que um dia
Deu-me inspiração
Desta melodia
Então
Canto em teu louvor
A melodia
Do nosso amor.

8 - Amélia é fichinha (samba)


(homenagem á minha esposa
Leonícia)

Dizem que Amélia


Era mulher de verdade
Não duvido
Pode ser realidade
Peço licença
Para apresentar a minha
Amélia perto dela é fichina
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Como Amélia
Não tem a menor vaidade
Como Amélia
Já passou fome ao meu lado
Mas quando erro
Quando erro de verdade
Ela me beija
E diz que estou perdoado
Veja se Amélia faz assim

9 - No picadeiro da vida (samba-canção)

No picadeiro da vida
Com a morte de perto
A seguir nossos passos - bis
Nós não passamos, querida
De miseráveis palhaços

Pra que tanto orgulho


Tanta vaidade porque me desprezas
Se sou bom rapaz
Lembra
Que acabada a mocidade
Chega a velhice
Cai o pano e nada mais

10 – Pedaço de pecado (samba)

Quando ela pisa


Na passarela da rua
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Com esta classe
Que é sua
E ninguém pode imitar
Fico pensando
Pensamento de coroa
Que ela abusa do direito
Do direito de ser boa

Se sai de dia
O sol é seu namorado
Se sai de noite
Faz inveja a própria lua
Esta garota
É um pedaço de pecado
Quando ela pisa
Na passarela da rua.

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11 - Marginal (samba)

Nasceu na favela
Em noite de temporal
Mas para sociedade
Nasceu mais um marginal
Cresceu no samba
Do samba foi maioral
Mas para a sociedade
Cresceu mais um marginal

Passou fome e frio


Sentindo revolta normal
Contra esta sociedade
Que o julga um marginal
Viveu fora da lei
Ignorante do mal
Mas para a sociedade
Viveu mais um marginal

Morreu num tiroteio


Contra a policia afinal
Mas para a sociedade
Morreu mais um marginal

12 – Azar é festa (marcha-carnaval)

Não acredito no azar


Azar pra mim é festa - bis
Desgraça pouca é bobagem
Pra viver é preciso de coragem

Da minha filosofia
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Pode falar quem quiser
Só acredito em três coisas
Dinheiro, cachaça e mulher.

13 - Rosário da felicidade

Para que a vida seja um rosário de felicidade


É preciso ter fé em Deus, saúde e mocidade.
Ter disposição de trabalhar todo dia
E uma bela mulher que faça companhia
Com saúde e mocidade
Fé em Deus que é nosso guia
Em harmonia
Com carinho e trabalho
Ter uma vida pessoal
Um pouco com Deus é muito
Um mundo sem Deus é nada

14 - Samba Curto

Na hora em que eu nasci


Eu olhei pra trás
E o que eu vi
Eu não esqueço mais - bis

Por isso eu adoro a mulher


Ela faz de mim o que quiser.
Por quê... (repete)

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Na hora em que nasci
Eu olhei pra trás...

Sem remédio (retirado do programa Feito em casa – radio


inconfidência)

Vou pegar o seu retrato


Na sua cartinha perfumada
Colocar numa caixinha
Amarrada por um fio
Numa pedra bem pesada
E jogar no fundo do rio - bis

Para ver se assim consigo


Esquecer-me de você
O ditado é bem antigo
Só se deseja o que se vê
Porem infelizmente
Acredito que não
Pois eu tenho o seu retrato
Dentro do meu coração

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