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MATRIX RELIGIOUS
Compilação de textos sobre a trilogia Matrix e a religião
ÍNDICE
MATRIX RELIGIOUS
ABERTURA | MATRIX E A PÍLULA VERMELHA DA VERDADE
1 | A RELIGIÃO E A MITOLOGIA DE MATRIX
2 | MATRIX RELIGIOSA
3 | DIVERSIDADE RELIGIOSA BRASILEIRA E AS QUATRO
MATRIZES
4 | MATRIX , UMA ABORDAGEM TEOLÓGICA
5 | A MATRIX DO REINO DE DEUS
6 | EU TAMBÉM TOMEI A PÍLULA VERMELHA...
7 | BEM-VINDO À MATRIX
8 | RELAÇÃO ENTRE MATRIX E RELIGIÃO
9 | MATRIX , OS EVANGÉLICOS E A CRISE DO REAL E DO
IRREAL
10 | E SE A IGREJA FOSSE UMA MATRIX ?
11| MATRIX DESCONSTRUCTIONS
12 | TOMEI A PÍLULA VERMELHA
13 | TOMOU A PÍLULA VERMELHA
14 | ALGUÉM QUE TOMOU A PÍLULA VERMELHA
15 | MATRIX E A FILOSOFIA
16 | MATRIX DESTROYED
17 | UMA MATRIX CHAMADA IGREJA
18 | EVANGÉLICOS EM CRISE
19 | COMO SERÁ A IGREJA EVANGÉLICA BRASILEIRA DE
2040?
20 | MATRIX – UMA INTERPRETAÇÃO FILOSÓFICA
ABERTURA | MATRIX E A
PÍLULA VERMELHA DA
VERDADE
1 | A RELIGIÃO E A
MITOLOGIA DE MATRIX
Érico Borgo (Omelete) [1]
Em 1999, Matrix sacudiu Hollywood com espetaculares
efeitos especiais que revolucionaram o cinema de ação.
Porém, muito mais que encher os olhos dos espectadores
com sequências de imagens jamais vistas na tela grande, o
filme garantiu aos mais interessados material para um
caloroso e interessante debate, algo que já dura quatro
anos e promete se estender por décadas, a exemplo de
outros grandes clássicos da ficção científica como 2001 -
Uma odisseia no espaço (2001: A Space Odyssey , de
Stanley Kubrick, 1968) ou Blade Runner - O caçador de
andróides (Blade Runner , de Ridley Scott, 1982).
Dentre os aspectos mais empolgantes de Matrix estão a
utilização de simbolismos religiosos como embasamento
para as ideias propostas na história. Os enigmáticos irmãos
Wachowski, criadores e diretores da série, nunca gostaram
de comentar a esse respeito. Porém, num raro chat com os
fãs há alguns anos, a dupla revelou que absolutamente
todas as referências foram cuidadosamente plantadas e
intencionais, incluindo todos os nomes de personagens, e
que todas elas têm múltiplos significados. “Matrix é o
resultado da soma de cada uma das ideias que já tivemos”,
disse Larry Wachowski.
É difícil não acreditar na afirmação depois de pesquisar
um pouco sobre a mitologia existente no filme... um
verdadeiro caldo de ideias filosóficas e religiosas.
O QUE É A MATRIX ?
Antes de se aprofundar nos simbolismos que permeiam
toda a série, é preciso lembrar da resposta para a pergunta
essencial do filme: O que é a Matrix ?
No filme, a Matrix é um mundo dos sonhos gerado por
computador, um gigantesco sistema de realidade virtual
que simula o nosso mundo como é hoje e conecta toda a
humanidade adormecida, mantida sem consciência de sua
própria realidade. Todas as pessoas do planeta (exceto um
grupo de rebeldes que habita o subsolo da Terra) foram
escravizadas há uma centena de anos, depois de uma
sangrenta batalha que foi vencida por máquinas dotadas de
inteligência artificial. Os humanos são utilizados como fonte
primordial de energia pelas máquinas, impossibilitadas de
usarem a energia solar, que não penetra mais na atmosfera
(ver AniMatrix - O segundo renascer ).
CATOLICISMO EM MATRIX
As analogias de Matrix com as religiões começam fáceis.
Boa parte das pessoas que viram o filme devem ter notado
a presença de elementos cristãos na produção. Na mais
óbvia delas, Neo (Keanu Reeves) morre, ressuscita e
ascende aos céus. Jesus Cristo? Pode apostar que sim.
Neo é O Messias, O escolhido, aquele da qual falam as
profecias e cuja vinda é preparada por Morpheus (Lawrence
Fishburne), que por sua vez cumpre o papel no filme que na
Bíblia é de João Batista. O personagem, cujo nome é o
mesmo do deus grego dos sonhos (mais uma simbologia
inteligente), aguarda pacientemente a vinda do Messias,
que poderá submeter a Matrix às suas próprias regras,
reprogramando-a a partir de dentro. Em outras palavras,
realizar milagres.
A ligação de Neo com a figura do Messias cristão é
reforçada no filme de inúmeras maneiras. “Aleluia! Você é
meu salvador, cara. Meu Jesus Cristo particular”, exclama
Chad, um comprador de softwares ilegais de Neo, enquanto
ainda era Thomas Anderson, um programador no mundo
real. Na nave Nabucodonosor (batizada com o nome de um
rei babilônico responsável pela destruição do templo de
Jerusalém para colocar o povo de volta no verdadeiro
caminho de Deus), a tripulação, maravilhada com os feitos
de Neo, exclama com frequência “Jesus Cristo” ou “Cristo”.
É no veículo também que está gravada a inscrição MARK III
nº 11, referência messiânica do Evangelho de Marcos 3.11,
que diz: “E quando os espíritos impuros o viam, se jogavam
gritando: Tu és o filho de Deus”.
Depois de Neo, o nome Trinity (em português, Trindade)
– que significa o conceito de Pai/Filho/Espírito Santo – sugere
outro elemento católico. Todavia, tem implicações mais
profundas, que derivam do significado convencional da
palavra, algo justificado no primeiro diálogo da personagem
com o escolhido: “Você é A Trinity? Jesus... é que pensei que
fosse um homem”, diz, surpreso, Neo. “A maioria dos
homens pensa assim”, revela a hacker , sugerindo que a
utilização de seu nome não deriva da maior fé em atividade
no planeta, na qual a trindade é essencialmente masculina.
Mãe, filha e espírito santo? As feministas devem ter
delirado. ;-)
Merecem destaque ainda o fato de a primeira Matrix ter
sido concebida como um lugar ideal – um paraíso – que foi
rejeitado pelos humanos (a história de Adão e Eva) e os
nomes Apoc (abreviação de Apocalipse), Zion (Sião, a Terra
Prometida para os judeus) e, o mais interessante, Cypher
(interpretado por Joe Pantoliano) – cujos atos refletem a
traição de Judas na Bíblia. Cypher, que quer dizer
codificador, também espelha a natureza do personagem:
alguém que não pode ser decodificado/entendido.
GNOSTICISMO
Porém, apesar dos elementos descritos acima serem
essencialmente cristãos, a analogia entre o sistema da
Matrix e as crenças religiosas pouco se utiliza dessa fé. A
fundamentação para o funcionamento da câmara de sonhos
parece mais calcada nas filosofias gnóstica e budista, em
eterno questionamento da realidade como a vemos.
O gnosticismo foi um sistema religioso que floresceu
entre os séculos II e V e tinha seus próprios rituais e
escrituras, sendo a principal delas o Evangelho de Tomás.
No mito gnóstico, o Deus Supremo é absolutamente
perfeito, reside no paraíso, e abaixo dele estão outros seres
divinos – sem gêneros distintos –, que têm o poder de gerar
herdeiros, também divinos e perfeitos, quando unidos em
par. Todavia, quando um deles – Sophia – decide dar à luz
uma entidade sem o auxílio de outra divindade, surge
Yaldabaoth – um herdeiro aberrante, imperfeito, que é
jogado fora numa região separada do universo. Tal
divindade solitária acaba acreditando que é o único Deus
existente e decide criar anjos, a Terra e as pessoas. Tal
decisão acaba privando os humanos – também criações
divinas – de seu reino de direito, o paraíso, mantendo-os
presos num mundo material terrível.
As referências ao gnosticismo em Matrix vão além do
simples fato de que os humanos são tratados como
prisioneiros em um mundo no qual não escolheram viver – e
do qual precisam despertar. As próprias inteligências
artificiais parecem refletir o deus aberrante criado por
Sophia. Os robôs pensam e existem, mas não têm espíritos.
Como Yaldabaoth, criam sua própria raça e mundo – a
Matrix . É só quando Neo toma consciência da fragilidade
desse mundo imperfeito e de sua condição de entidade
divina que consegue quebrar as regras e passa a operar
milagres, tornando-se o salvador de sua raça. Vale notar
também que Thomas Anderson – o nome de batismo de Neo
– significa ANDER (homem) + SON (filho), ou seja, filho do
Homem; e Thomas ou Tomás é o nome do autor do
Evangelho fundamental do gnosticismo.
Alguns autores vão ainda além e atribuem parte da
própria criação do efeito bullet time (aquelas sequências
congeladas baseadas nos animês e HQs, nas quais a
câmera dá até uma volta 360º ao redor dos objetos em
cena) ao gnosticismo. É que nos mitos dos gnósticos, as
divindades mais elevadas conseguem tornar-se imóveis e
silenciosas, sem qualquer medo, através de concentração e
meditação. “Concentre-se, Trinity”, pede Morpheus à sua
aliada em determinado momento do filme.
Todavia, concentração e imobilidade também são
encontradas em outra filosofia religiosa cuja presença é
maciça no filme – o budismo.
O BUDISMO EM MATRIX
Logo depois de ser proclamado o Jesus Cristo particular
de seu comprador, Neo lembra-o que aquela transação é
ilegal, ao que ele responde: “Isso nunca aconteceu. Você
não existe”. Trata-se da ideia budista da Vacuidade ou Vazio:
a não-realidade do indivíduo e dos fenômenos, prenúncio
precoce do que ainda está por vir.
Matrix reflete nas telas o Samsara, o ciclo budista de
morte e renascimento no qual a existência é considerada
uma ilusão, palco de sofrimento e a frustração engendrados
pela ignorância e pelas emoções conflituosas. Através de
meditação, os monges budistas têm como objetivo escapar
desse ciclo, atingindo a iluminação, o estado além do
sofrimento.
Também conhecida como Budeidade – estado que
requer generosidade, disciplina, paciência, perseverança,
concentração e o conhecimento transcendente – a busca é a
meta de Morpheus para Neo. O capitão da Nabucodonosor
já está desperto e optou por auxiliar outros a despertarem,
ao invés de desfrutar de sua própria iluminação. No jargão
budista, ele representa um Bodhisattva e vê em Neo
(anagrama para One - Um, único) algo mais que um
semelhante... alguém que é a reencarnação do humano que
no passado transcendeu o conhecimento e controlou a
Matrix .
A ideia é reforçada em pelo menos três passagens de
morte/renascimento. A primeira é a vida de Thomas
Anderson. A segunda é o despertar de Neo para a vida real
em seu útero mecânico na Matrix . A última é a morte de
Neo nos dois mundos e seu renascimento como um novo
ser, capaz de reprogramar a realidade da Matrix . O sistema
de reencarnação também é sugerido na explicação do
funcionamento da Matrix . Nela, os humanos mortos são
liquefeitos e usados para alimentar os demais... num eterno
ciclo de reaproveitamento.
Todavia, um importante ideal budista não é respeitado
no filme. Trata-se da doutrina da não-violência, na qual é
ensinada que nenhuma vida deve ser prejudicada.
Obviamente, um filme de ação não sobreviveria em
Hollywood sem tiros, armas e mortes, numa triste
constatação que a iluminação ainda está bem longe de ser
alcançada por nós.
RELOADED
Todas as informações acima meramente arranham os
simbolismos religiosos em Matrix . Há dezenas de outras
menções mitológicas/religiosas, algumas simples – como a
inscrição “Conhece-te a ti mesmo”, do Oráculo de Delfos, na
casa da Oráculo – e outras paradoxais – Zion é sugerido
como o Paraíso, mas fica nas profundezas ardentes do
planeta, onde seria o Inferno. O fato dos humanos terem
arruinado o próprio planeta e serem responsáveis diretos
pelo caos do futuro também faz pensar...
Em Matrix Reloaded , segundo filme da série, algumas
das ideias até dispostas são reforçadas. Neo, por exemplo,
experimenta a vida do Messias e tem até mesmo
seguidores! Surgem também outras ideias, novas e ainda
mais complexas, enquanto outras, que o público parecia
finalmente ter entendido, caem por terra de maneira
chocante. Enfim, uma análise completa das referências
religiosas da saga só será possível no final do ano, com o
lançamento de Matrix Revolutions , e depois de algumas
sessões e muita conversa sobre a saga. Será uma longa
espera até novembro.
2 | MATRIX RELIGIOSA
O ATUAL CENÁRIO RELIGIOSO BRASILEIRO
Claudio de Oliveira Ribeiro [2]
O MUNDO EM MUDANÇA
As transformações ocorridas na sociedade, tanto em
âmbito mundial como continental, desafiam fortemente os
grupos religiosos e os acadêmicos que os estudam, em
especial em relação às formulações teóricas e às práticas e
vivências religiosas inovadoras que se destacaram nas
últimas décadas do século XX e que hoje parecem não ser
mais os fatores que caracterizam a vivência religiosa em
nossas terras. No campo cristão, por exemplo, a teologia e a
pastoral latino-americanas, em função de suas bases
teóricas, não ficaram isentas dos impactos proporcionados
pelas mudanças socioeconômicas e políticas no final do
século passado simbolizadas pela queda do “muro de
Berlim”. É fato que outros fatores socioeconômicos também
tiveram impactos na teologia e pastoral latino-americanas
que não aqueles relativos à queda do muro de Berlim, ou ao
menos, tardiamente relacionado a desestabilização dos
socialismos. Se retroagirmos algumas décadas, poderíamos
mencionar as tensões da Guerra Fria; o processo de
urbanização e esvaziamento do campo; a implantação dos
regimes militares na América Latina, e outros. Em função
disso, novos referenciais precisam ser construídos e
operacionalizados para que a produção teológica possa ser
aprofundada e adquira novos estágios cada vez mais
relevantes no tocante às respostas mais consistentes das
questões que emergem do quadro sociocultural, político e
econômico do presente momento. Para a reflexão sobre os
atuais desafios que se apresentam à teologia e às ciências
da religião no contexto latino-americano, especialmente a
interpretação do quadro religioso como proposta aqui, é
necessário pressupor o quadro das referidas transformações
nos campos político, social, econômico e cultural ocorridas
ainda na virada para os anos de 1990 e que até hoje exigem
melhor compreensão. Tais mudanças fortaleceram a
consolidação do capitalismo globalizado e desordenaram
significativamente os processos de produção de
conhecimento. Ao mesmo tempo viveu-se o crescimento e o
fortalecimento institucional de novos movimentos religiosos,
em especial do pentecostalismo e das experiências de
avivamento religioso, cristão e não-cristão.
Nestor Canclini, na obra Consumidores e Cidadãos:
conflitos multiculturais da globalização , indicava há
décadas atrás que a maneira neoliberal de fazer
globalização consiste em reduzir empregos para reduzir
custos, competindo entre empresas transnacionais, cuja
direção se faz desde um ponto desconhecido, de modo que
os interesses sindicais e nacionais quase não podem ser
exercidos. A consequência de tudo isto é que mais de 40%
da população latino-americana se encontra privada de
trabalho estável e de condições mínimas de segurança, que
sobreviva nas aventuras também globalizadas do comércio
informal, da eletrônica japonesa vendida junto a roupas do
sudoeste asiático, junto a ervas esotéricas e artesanato
local (CANCLINI, 1996, p. 18-19).
Desde a derrocada do sistema socialista soviético, o
capitalismo globalizado, como novo estágio que o sistema
econômico predominante experimentou no final do século
XX, tem sido apresentado como o único caminho para se
organizar a sociedade. As conhecidas e controvertidas teses
de Francis Fukuyama afirmam que o triunfo do capitalismo
como um sistema político e econômico significou que o
mundo teria alcançado o “fim da história” (FUKUYAMA,
1992).
Esse novo estágio do sistema capitalista acentua a
desvalorização da força de trabalho em função da
automação e da especialização técnica e em detrimento das
políticas sociais públicas. Forma-se, portanto, um enorme
contingente de massas humanas excluído do sistema
econômico e destinado a situações desumanas de
sobrevivência ou mesmo passível de ser eliminado pela
morte. Os ajustes sociais e econômicos implementados
pelas políticas neoliberais geram degradação humana,
perda do sentido de dignidade e consequentes problemas
sociais das mais variadas naturezas atingindo os setores
mais pobres da sociedade.
Contraditoriamente, em meio ao processo de
globalização da economia e da informação, emergem, com
maior intensidade, os conflitos étnicos, raciais e regionais
no mundo inteiro. Portanto, as análises sociais precisam
pressupor a reordenação internacional já referida, desde os
efeitos do fim do “socialismo real”, décadas atrás, e as
mudanças no capitalismo internacional, em especial por
suas propostas e ênfases totalizantes e hegemônicas que
reforçam sobremaneira as culturas do individualismo e do
consumismo exacerbados. Ao lado disso, está a
complexidade da realidade cultural e a necessidade de
compreensões mais amplas que não sejam reféns de uma
visão meramente bipolar “dominantes x dominados”.
Todos esses aspectos são arestas correlacionadas de
uma mesma realidade e demarcam as discussões em torno
dos temas teológicos e das análises científicas das
experiências religiosas. A necessidade de se superar as
visões dicotômicas e dualistas revela, como já referido, a
importância dos estudos culturais e das análises oriundas
da visão pós-colonial para os nossos estudos.
No campo social, as sociedades latino-americanas vivem
processos que, embora variados, possuem em comum uma
série de obstáculos para o exercício da cidadania. Além da
realidade política e econômica, está o desenvolvimento de
uma cultura da violência que, além da dimensão social,
envolve os aspectos étnicos, raciais e de gênero. O Brasil e
os demais países da América Latina vivem tal realidade
intensamente. Soma-se a isto a violência a partir das ações
do crime organizado, de justiceiros e de grupos de
extermínio, fobias sociais, étnicas e de motivação sexual, e
a degradação da vida humana com tráfico de crianças,
comércio de órgãos humanos e prostituição e a violência
urbana. É fato que, em termos políticos, há sinais que
contradizem tal tendência.
Mesmo que cada grupo ou opção política tenha
diferentes avaliações em relação às suas atuações, é
consenso afirmar que, nos últimos anos, diversos governos
na América Latina assumiram e têm desenvolvido políticas
cujo perfil se enquadra em um espectro mais “à esquerda”
do que seus antecessores. É o caso do Brasil, da Venezuela,
do Chile, da Argentina, da Bolívia, do Equador e do Paraguai.
As repercussões de tais políticas requerem uma análise à
parte, mas elas têm gerado expectativas de mudança
social. O mesmo se dá com alguns movimentos sociais,
como, por exemplo, os que se articulam em torno de
direitos sociais e cidadania, em especial pelas redes sociais
digitais, o Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST) no Brasil, articulações de povos indígenas na Bolívia e
mobilizações populares diversas, em especial as que
integram o Fórum Mundial Social em suas diferentes
versões no Brasil e em outros países, cuja referência básica
é que “um outro mundo é possível”.
3 | DIVERSIDADE
RELIGIOSA BRASILEIRA E
AS QUATRO MATRIZES
Elói Corrêa dos Santos [3]
Á
parte no oriente, embora a África comumente seja dividida
por meio da rotura subsaariana (abaixo e acima do Saara).
Pois bem, nossos pressupostos não se definem pela
divisão norte, sul, leste e oeste sob o ponto de vista
geográfico, ou ainda por meio de uma análise da gênese
geográfica de cada religião, mas sim a partir do próprio
território brasileiro e de suas genealogias religiosas. Dito
isto, colocamos a questão fundacional: Qual é a primeira
matriz religiosa brasileira? Ora, ainda que a religiosidade
indígena tenha sido negada pelos primeiros invasores e
antropólogos, inegavelmente temos que admitir que a
primeira matriz religiosa do Brasil, é a Indígena.
Os povos indígenas brasileiros em toda a sua
diversidade e riqueza cultural possuíam e possuem uma
enorme variedade de religiosidades visto que são muitos
povos com costumes e dialetos diferentes. Então, não
podemos falar em religião indígena, pois há tantas formas
de religiosidade quanto há povos distintos. Outro aspecto
que devemos salientar de antemão é que precisamos fazer
uma ressalva a partir do que nos aponta Pereira (2010), ao
afirmar que o entendimento sobre religião adotado pelo
ocidente, na significação de religação com o transcendente,
não se aplica a espiritualidade Guarani, pois os
pertencentes a esse povo não marcam espaço e tempo
dividindo-os em categorias de sagrado e profano, nos
termos em que conceituou Mircea Eliade, em sua obra O
sagrado e o profano .
Contudo, para efetuar uma intermediação entre a
academia e a religiosidade dos povos indígenas brasileiros,
adotamos o termo religião sem esquecer que o termo não
se aplica ao caso estudado em todas as suas nuances e
particularidades. Essa identificação não é apenas uma
questão de resgate histórico, mas também de alteridade e
reconhecimento da importância do Xamanismo Indígena
brasileiro tanto para esses povos tão massacrados como
para a formação da espiritualidade de nosso povo.
A segunda matriz presente no território brasileiro é
oriunda da Europa ocidental, pois ainda que se possa
afirmar a gênese geográfica oriental do Cristianismo, foi de
Portugal e Espanha que o Cristianismo Católico Apostólico
Romano veio para o Brasil no processo de colonização.
No período colonial e imperial o Cristianismo enquanto
matriz religiosa difundiu, por meio das missões Jesuíticas e
da devoção aos santos e santas, o chamado Cristianismo
popular.
Segundo Leonardo Boff, uma das maiores criações
culturais de âmbito religioso no Brasil é representada pelo
Cristianismo popular, que se tornou uma força impositiva
nas comunidades.
Assim, colocados à margem do sistema político e
religioso, os pobres, indígenas e negros deram corpo a sua
experiência espiritual no código da cultura popular que se
rege mais pela lógica do inconsciente e do emocional do
que do racional e do doutrinário (BOFF, 2014).
A terceira matriz introduzida no Brasil foi a matriz
africana, que trouxe nas galeras os negros escravizados, a
crença nos orixás e também alguns traços de influências da
religião islâmica, entre outras formas de religiosidade
praticadas na África.
Segundo o pensador brasileiro Gilberto Freyre (2001), a
nossa herança cultural e religiosa africana é notória e pode
ser percebida no sincretismo religioso entre santos e orixás,
e também numa série de elementos da linguagem, da
alimentação, dos hábitos e das crenças.
De acordo com Kavinajé (2009), o que chamamos de
religião de matriz africana, mais propriamente dita, é o
Candomblé e a Umbanda. Os bantos, depois de um primeiro
período de autonomia religiosa, que se conhece através de
documentos históricos, assistiram à transformação de seus
cultos. Por um lado, esses deram lugar à macumba; por
outro, amoldaram-se às regras dos candomblés nagôs, não
se distinguindo deles senão por uma maior tolerância. Os
cultos bantos em gradativo declínio acolheram os espíritos
dos índios, o que iria levar ao surgimento de um
“candomblé de cablocos”, e adotaram cantos em língua
portuguesa, ao passo que os candomblés nagôs só usam
cantos em língua africana. (KAVINAJÉ, 2009).
Importante salientar que os terreiros de Candomblé e
Umbanda além de serem o lugar sagrado das religiões de
matriz Africana, são também palco de resistência social e
política, bem como local de afirmação e reafirmação da
identidade e das crenças dos povos trazidos como escravos
para o Brasil.
A quarta matriz religiosa também desembarca nas
terras dos indígenas no processo de imigração dos povos
orientais, principalmente com os japoneses, mas que
posteriormente se expande, ampliando assim, o leque de
religiões orientais seguidas no Brasil. O Budismo
desembarca nas terras tupiniquins no início do século XX e é
a organização religiosa mais antiga e numerosa no Brasil,
dentre as religiões de matriz oriental. Segundo o Censo de
2010 são 243,966 mil praticantes no Brasil. O Budismo que
mais prospera no Brasil é o Tibetano, liderado pela sua
santidade o Dalai Lama.
Mas não podemos esquecer, entre as religiões de
origem japonesa, da Igreja Messiânica Mundial do Brasil,
que inicia sua trajetória religiosa aqui no ano 1955, e a
Seicho-No-Iê, que inicia suas atividades religiosas em terras
brasileiras em 1930. Assim como o movimento Hare Krishna
originário na Índia e a Fé Bahá’í, de origem persa cuja
comunidade começa no Brasil em fevereiro de 1921.
Desta forma, podemos perceber que temos quatro
matrizes religiosas distintas naquilo que podemos chamar
de construção fundacional da religiosidade brasileira.
Embora este assunto não tenha sido ainda discutido nos
patamares que aqui apresentamos, outros estudos se
dedicaram a explanar sobre as matrizes religiosas, mas
como influências na construção de uma religiosidade plural,
como podemos ver na tese de Bittencourt (2003), que diz “a
existência, no bojo da matriz cultural, de uma matriz
religiosa, que provê um acervo de valores religiosos e
simbólicos característicos, assim como propicia uma
religiosidade ampla e difusa entre os brasileiros”.
Nos meados da década de 1980, o antropólogo André
Droogers apontava em seus estudos uma matriz cultural
religiosa brasileira que ia além da instituição religião, uma
Religiosidade Mínima Brasileira (DROOGERS, 1987). Esse
fenômeno religioso é chamado de “Gelebte Religion ”, ou
religião vivenciada (FAILING, 1998). Contudo Droogers se
refere à uma matriz religiosa comum que engloba inclusive
elementos de fora das instituições religiosas convencionais
como a mídia, os esportes e a economia.
Também é comum encontrarmos leis e documentos
oficiais se referindo ao termo matrizes religiosas
principalmente no que diz respeito as matrizes africana e
indígena. Isso se justifica pelo fato dessas matrizes serem
as mais discriminadas e até mesmo negadas. Assim, os
órgãos competentes criam mecanismos de proteção à essas
matrizes religiosas que integram a religiosidade brasileira.
Entre outras podemos citar o ESTATUTO DA IGUALDADE
RACIAL (LEI Nº 12.288, DE 20 DE JULHO DE 2010), faz
defesa expressa do direito a não discriminação das religiões
de matrizes africanas:
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BITTENCOURT, José Filho. Matriz religiosa brasileira.
Religiosidade e mudança social . Petrópolis: Vozes/Koinonia,
Petrópolis/Rio de Janeiro 2003.
BOFF, Leonardo. O povo brasileiro: um povo místico e
religioso . Disponível em:
https://leonardoboff.wordpress.com/2014/03/16/o-povo-
brasileiro-um-povo-mistico-e-religioso/ .
BRASIL. [Estatuto da igualdade racial (2010)]. Estatuto
da igualdade racial [recurso eletrônico]: Lei nº 12.228, de 20
de julho de 2010, e legislação correlata. – 3. ed. – Brasília:
Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2014. 120 p. –
(Série legislação ; n. 115).
BRASIL. LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional : 20 de dezembro de 1996, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional. – 5. ed. – Brasília:
Câmara dos Deputados, Coordenação Edições Câmara,
2010.
DROOGERS, André. (1987), “A religiosidade mínima
brasileira” . Religião e Sociedade, vol. 14, nº 2: 62-86.
FAILING, W.-E.; HEIMBROCK, H.-G. Gelebte religion
Wahrnehmen: Lebenswelt, Alltagskultur, Religionspraxis.
Stuttgart: Kohlhammer, 1998.
FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala . 43 ed. Rio de
Janeiro: Record, 2001.
KAVINAJÉ, Tata Kisaba: O sacrifício do povo africano
cultura Afro - Americana . Disponível em: <
http://www.ritosdeangola.com.br/Historico/historico04.htm
>. Acesso em 28 jan. 2016.
MUNDURUKU, Daniel. Mundurukando . São Paulo: Editora
UK’A, 2010.
_____ O sinal do pajé . Ilustração de Taísa Borges. São
Paulo: Editora Peirópolis, 2011.
PEREIRA, J. J. F. Mborayu: O espírito que nos une . Estudo
sobre um conceito da espiritualidade guarani. Tese de
Doutorado. Metodista- SP. 2010.
4 | MATRIX , UMA
ABORDAGEM TEOLÓGICA
Siga o coelho branco e descubra as referências à teologia
cristã que estão por trás da obra cinematográfica dos
irmãos Wachowski
Deivinson Bignon [4]
5 | A MATRIX DO REINO DE
DEUS
Rodrigo Rezende [5]
6 | EU TAMBÉM TOMEI A
PÍLULA VERMELHA...
Érico Tadeu [6]
7 | BEM-VINDO À MATRIX
Olhe à sua volta. Perceba os detalhes da sua cadeira, do
lugar em que você está, da textura das suas roupas, do
barulho ao fundo e das cores nesta página
Rafael Kenski / Alceu Chiesorin Nunes [7]
ACORDE, NEO
“ Os humanos eram ignorantes do que não podiam ver.
Havia muitas ilusões, como se eles estivessem mergulhados
no sono e se encontrassem em pesadelos. Eles estavam
fugindo, perseguindo outros, envolvidos em ataques, caindo
de lugares altos ou voando mesmo sem ter asas. Quando
acordam, eles não veem nada. Ao deixar a ignorância de
lado, não estimam suas obras como coisas sólidas, mas as
deixam para trás como um sonho ”. Essas palavras
poderiam muito bem ser ditas por Morpheus em um de seus
discursos a Neo, mas na verdade são trechos do Evangelho
da Verdade , um manuscrito do século 4, encontrado em
1945, em um jarro enterrado no Egito. Ele faz parte de um
conjunto de manuscritos chamado Nag Hammadi , que
descreve a crença dos gnósticos, um grupo de cristãos que
viveu entre os séculos 2 e 5, e possuía suas próprias
escrituras, crenças e rituais. “É a corrente cristã que mais se
assemelha à Matrix . Eles acreditavam que nós iríamos
acordar do mundo material e perceber que essa não era a
realidade verdadeira ”, afirma a professora de história da
religião Frances Flannery Dailey, do Hendrix College , nos
Estados Unidos.
Não são poucas as referências que o filme faz ao
Cristianismo. Neo é tido como um messias e ressuscita no
final do filme. Ele é amigo de Apoc (Apocalipse) e Trinity (
“Trindade” em inglês). A última cidade h umana, Zion, é
uma referência a Sião, a antiga terra dos judeus, e a nave
de Morpheus, Nabucodonosor, tem o nome do rei babilônico
que aparece na Bíblia com um sonho enigmático que
precisa ser decifrado.
Nenhuma religião, no entanto, tem tantas semelhanças
com o filme quanto o Budismo. O principal ponto em comum
é a ideia de samsara ou maya , segundo a qual as nossas
vidas são uma grande ilusão montada pelos nossos próprios
desejos. É como se todo o mundo fosse, como diz Morpheus,
“uma projeção mental da sua personalidade”. As pessoas
estariam presas em um ciclo: elas tratam o que sentem
como se fosse real e a ignorância de que aquilo é só uma
ilusão as mantém presas a esse mundo. Em uma das cenas
do filme, Neo encontra uma criança com trajes de monge
budista que entorta uma colher com a mente. “O segredo”,
diz ela, “é saber que a colher não existe”. Uma vez
superada a ilusão, atinge-se o nirvana , um estado que as
palavras não podem descrever, em que a noção de
indivíduo se perde.
Um dos maiores reforços desse ciclo de ignorância é o
fato de estarmos cercados de pessoas que também tratam
as ilusões como se fossem reais. “Essa ideia foi bem
retratada no filme como uma rede de computadores que
p q
liga as percepções do s indivíduos, permitindo que um
reforce no outro a ilusão de um mundo que não existe ”, diz
a historiadora Rachel Wagner, da Universidade de Iowa,
que, assim como Frances, é autora de um texto comparando
o filme às religiões.
O caminho para a transcendência é a busca pessoal pela
iluminação, tanto para os Budistas quanto para Morpheus,
que afirma que “ninguém pode explicar o que é a Matrix .
Você precisa ver por você mesmo”. Já Buda disse a seus
seguidores: “Vocês próprios devem fazer o esforço; os que
despertaram são apenas professores”, e a mesma
explicação poderia vir de Morpheus: “Estou tentando
libertar sua mente, Neo. Mas eu só posso lhe mostrar a
porta. Você é quem tem que atravessá-la”. Pegou o espírito
da coisa?
As coincidências são muitas, mas, a essa altura, você
pode estar se perguntando se, afinal, os autores do filme
realmente pensaram nisso tudo. Em uma de suas poucas
declarações, os irmãos Wachowski disseram ser fascinados
pelo Budismo e querer colocar elementos da doutrina no
filme. Boa parte das referências ao Cristianismo também
deve ser proposital devido ao grande número de termos
bíblicos que aparece na obra. Eles talvez só não tenham tido
a intenção de fazer uma alusão direta ao Cristianismo
gnóstico. Para os pesquisadores, isso é até mais
interessante. “Não há certeza sobre a origem do
gnosticismo. Algumas pessoas sugerem que ele surgiu da
interação entre o Judaísmo e religiões como Budismo e
Hinduísmo. Se os autores do filme misturaram conceitos
judaico-cristãos com temas orientais e o gnost icismo surgiu
como um resultado não previsto, isso é muito intrigante ”,
afirma Frances. Para aumentar a coincidência, o nome de
Neo na vida real é Thomas, que também é o autor do
principal evangelho gnóstico.
A discordância entre o filme e todas essas religiões é
que, em Matrix , a salvação envolve muito quebra-pau.
Enquanto as crenças pregam a paz e a não-violência, a
exigência de Neo para salvar Morpheus são “armas, muitas
armas”. A pancadaria não vai mudar nas continuações. O
clímax de Reloaded é uma lon ga perseguição em uma
rodovia que deverá inspirar a maioria das cenas de ação dos
próximos anos. Nada menos do que lutas de kung-fu no teto
de um caminhão em movimento, corridas de moto na
contramão, agentes pulando de um automóvel para outro e
batidas suficientes para lotar dezenas de ferros-velhos. A
cena foi a primeira a ser filmada. Para fazê-la, era preciso
achar uma estrada que pudesse ser ocupada durante mais
de dois meses e que, ainda por cima, tivesse certo aspecto
apocalíptico. Compreensivelmente, os diretores não
encontraram um lugar adequado. A solução foi desembolsar
2,4 milhões de dólares para construir uma rodovia de 3,2
quilômetros com todos os detalhes em uma base naval na
Califórnia, Estados Unidos. Bancar uma brincadeira dessas
só foi possível devido aos mais de 300 milhões que eles
tinham para fazer os dois filmes, uma quantia enorme até
para os padrões de Hollywood.
A REALIDADE É UM SONHO
Não são só as religiões que aparecem retratadas no
filme. Quem passear pelos fóruns de fãs na internet verá
pessoas comparando-o às mais diversas (e às vezes
contraditórias) correntes da filosofia, psicologia e sociologia.
“É uma evidência de que o filme funciona como um mito
moderno – assim como as grandes histórias do passado, ele
pode ser interpre tado de muitas formas ”, diz Christopher
Grau. Algumas pessoas forçam um pouco a barra nas
análises, mas existem algumas teorias que se encaixam tão
bem ao filme que, se o autor estivesse vivo, poderia quase
processar os diretores por plágio.
O principal deles é o filósofo grego Platão. Um diálogo
escrito por ele há quase 2.400 anos narra o mito da
caverna, uma história semelhante à de Matrix em uma
versão, evidentemente, muito mais low-tech . Imagine uma
prisão subterrânea em que as pessoas ficam amarradas ao
mesmo lugar desde a infância e onde tudo o que
conseguem ver são sombras das pessoas e objetos que
estão fora. O cárcere é tão eficiente que eles nem percebem
que estão presos e pensam que o mundo é mesmo aquele
monte de sombras. Caso saíssem, estariam praticamente
indefesos – as pernas não funcionariam, os olhos não
conseguiriam enxergar e até a mente se recusaria a aceitar
o novo mundo. Seria tão chocante que muitos prefeririam
voltar para a caverna e esquecer tudo aquilo. Alguns, no
entanto, conseguir iam se adaptar, perceber o horror da
situação inicial e ter um conhecimento superior e mais
verdadeiro sobre o mundo.
Nós humanos seríamos iguais a esses prisioneiros,
amarrados a um mundo de aparências que não refletem a
verdadeira realidade. A saída, segundo Platão, está na
filosofia, na educação e na iluminação. Elas são o caminho
para o mundo das formas ou das ideias (os gregos usavam a
mesma palavra para as duas coisas), o lugar onde está a
essência das coisas, a realidade verdadeira. Soou familiar?
Os conselhos de Morpheus também valem para Platão: para
chegar lá é preciso um doloroso processo de
autoconhecimento que, uma vez conseguido, torna a pessoa
sábia, justa e capaz de discernir a realidade da ilusão com a
mesma facilidade com que Neo se desvia das balas. Com
essa linha de pensamento, Platão se tornou um dos pais da
ciência moderna. “O filme lida com temas comuns a quase
toda a história da filosofia. Ele não especifica uma teoria ou
uma concepção filosófica, apenas brinca com a diferença
entre o inteligível e o que a gente vê ”, afirma o filósofo
Verlaine Freitas, da Universidade Federal de Ouro Preto, que
pesquisou as implicações teóricas do filme.
Assim como Morpheus pergunta a Neo se ele já teve um
sonho tão real a ponto de se questionar se era sonho ou
realidade, René Descartes, pensador francês do século 18,
escreveu: “Quando penso sobre meus sonhos claramente,
vejo que nunca existem sinais certos pelos quais estar
acordado pode se distinguir de estar dormindo. O resultado
é que fico tonto e esse sentimento só reforça a ideia de que
eu posso estar sonhando ”. Ele imaginou a possibilidade de
um terrível demônio estar constantemente lhe dando a
ilusão de que todas as suas certezas são corretas, quando
na verdade elas não fariam qualquer sentido. Mesmo em
coisas simples como calcular 2 mais 2, o demônio forneceria
sempre os mesmos resultados errados, o que daria a
impressão de que eles estão sempre certos. Descartes
conclui que, como não podemos provar se esse demônio
existe ou não, nenhuma de suas opiniões era segura.
Ele e diversos filósofos que vieram depois propuseram
saídas para essa cilada filosófica, mas as soluções estão
longe de serem aceitas por todos. A questão de se esse
demônio existe ou não continua de pé até hoje e é quase
igual a outra questão: como garantir que não vivemos na
Matrix ? Por enquanto, a resposta é, simplesmente, que não
há resposta.
Para fundir ainda mais a cabeça dos fãs, os produtores
de Matrix estão se esforçando para dificultar a distinção
entre sonho e realidade. Os efeitos especiais do filme
receberam um belo upgrade : uma técnica chamada
cinematografia virtual, capaz de fazer o truque de tempo de
bala parecer um vídeo de festa infantil. A invenção
simplesmente elimina a diferença entre o que foi filmado no
mundo real e o que é obra do computador. O modo
convencional de simular objetos com computação gráfica é
montá-los de dentro para fora: primeiro fazer o esqueleto,
depois cobri-lo com texturas e daí aplicar a iluminação.
Essas imagens, vistas por seres humanos como nós,
capazes de fazer e reconhecer mais de 10 mil expressões
faciais, parecem no máximo um videogame melhorado. A
equipe de Reloaded e Revolutions usou uma abordagem
diferente, de fora para dentro. Ela filmou os atores
utilizando, ao mesmo tempo, cinco câmeras de definição
gigantesca, capazes de captar até os poros e defeitos da
pele.
Depois jogou todo esse material em um software que
acompanhou os movimentos de cada irregularidade do rosto
e montou a cena, em três dimensões, no computador. Os
diretores puderam então filmar do ângulo e com o
movimento que quisessem. O resultado é impressionante:
em uma cena de Reloaded , Neo luta contra 100 cópias de
seu maior adversário, o agente Smith, todas geradas por
computador, enquanto o enquadramento faz movimentos
em arco que destruiriam qualquer câmera de verdade.
O DESERTO DO REAL
As próprias tecnologias usadas para fazer o filme, com
uma estranha ironia, podem dar origem aos primeiros
protótipos do que seria a Matrix . Um exemplo é o plano da
agência de pesquisa militar do governo americano, a Darpa,
que pretende utilizar os mesmos efeitos especiais para criar
simulações de campos de batalha mais envolventes. Outras
tecnologias que aparecem no filme – computadores
inteligentes e a capacidade de carregar informações
diretamente ao cérebro – podem ser feitas em algumas
décadas, ao meno s segundo os pesquisadores mais
otimistas. “Esses avanços são viáveis e têm uma boa
possibilidade de se tornarem reais ainda durante o nosso
tempo de vida”, afirma Ray Kurzweil, um dos mais
renomados estudiosos de inteligência artificial. Para ele, o
motiv o é que as tecnologias de diversas áreas têm evoluído
em uma escala exponencial, ou seja, elas não só estão se
tornando mais rápidas e sofisticadas como a velocidade
com que evoluem também está aumentando.
Haverá um ponto em que se tornarão tão avançadas
que conseguiremos analisar o cérebro humano em seus
mínimos detalhes e reconstruí-lo artificialmente. Isso nos
permitirá fazer máquinas com algumas características
humanas e até misturar neurônios a circuitos eletrônicos
para que os dois possam trocar informações.
Existem outros cientistas um tanto mais céticos a esse
respeito. Há muita dúvida sobre se é possível reproduzir
artificialmente o que o ser humano tem de mais
desenvolvido, traços como a consciência, as emoções e o
humor. “Certamente um cérebro f eito com tecidos
biológicos pode ser consciente – somos um exemplo dessa
possibilidade. Se utilizarmos outros materiais teremos
propriedades diferentes, mas é pouco provável que seja
algo que reconheceremos como uma consciência humana”,
afirma o psicobiólo go Victor S. Johnston, da Universidade do
Novo México, nos Estados Unidos. Essa é outra questão que
está longe de ser respondida, mas o interessante é que,
para Johnston e muitos outros psicobiólogos, a nossa
consciência é uma espécie de realidade virtual. “Ela evoluiu
para impor uma interpretação específica das energias e
matérias que estão à nossa volta”, diz Johnston. Nada no
Universo é, por exemplo, vermelho ou verde em si mesmo.
O que existem são ondas eletromagnéticas de
determinadas frequências que são captadas pelos nossos
olhos e interpretadas de modo a facilitar a identificação.
Assim, objetos que emitem determinadas ondas são
chamados de vermelhos e outros, com ondas quase nada
menores, são chamados de verdes, apenas para facilitar a
identificação. Ao longo do tempo, a evolução permitiu
adaptarmos nossas emoções ao que é benéfico para nós.
Assim, as substâncias emitidas por comidas podres são
fedorentas e com isso as evitamos mesmo sem conhecer as
bactérias que as contaminam. Da mesma forma, a perda de
um companheiro é triste, o açúcar (que fornece energia) é
gostoso e o sexo (que perpetua a espécie) é prazeroso. “Não
existem cores, cheiros, gostos ou emoções sem um cérebro
consciente. O mundo da nossa consciência é uma grande
ilusão”, afirma Johns ton.
TUDO É UM COMPUTADOR
O Universo pode ser o mais poderoso simulador
existente. Qualquer coisa pode ser um processador. Jogue
uma moeda para o alto e você terá um tipo de informação –
cara ou coroa – que poderá ser traduzida de infinitas
formas: ganhar ou não ganhar, sim ou não, zero ou um,
existir ou não existir. Cada opção é igual ao tipo mínimo de
informação utilizada pelos computadores – os bits – e, ao
modificá-la, podemos dizer que a moeda está processando
dados.
Agora imagine o movimento de cada átomo que existe
no Universo. Ele também se desloca no espaço, oscila entre
um número de estados possíveis e, dessa forma, funciona
como um processador. Tudo o que existe no Universo segue
essa lógica. Você e a revista à sua frente, só por existirem,
por evoluírem com o tempo, estão processando informação.
O universo é, na verdade, um enorme computador.
O físico John Archibald Wheeler, criador do termo buraco
negro, pesquisou ideias como essas ao longo dos anos 80 e
concluiu que, em um nível ainda mais básico do que quarks
, múons e as menores partículas que conhecemos, a
matéria era composta de bits . “Cada partícula, cada campo
de força e até mesmo o espaço-tempo derivam suas
funções, seu sentido e sua existência de escolhas binárias,
de bits . O que chamamo s de realidade surge em última
análise de questões como sim/não ”, afirmou Wheeler em
uma palestra feita em 1989. É como se, em um
determinado nível, a matéria se tornasse tão pequena que
tudo o que sobra é a informação.
“ A teoria descreve fenômenos tão básicos que talvez
nem seja possível um dia testá-la, mas existem pesquisas
muito sérias sendo feitas nessa área ”, afirma o físico Paulo
Teotônio Sobrinho, da Universidade de São Paulo.
A teoria deu origem à ciência da física digital, que
possui uma maneira bem peculiar de descrever os
fenômenos. Quando, por exemplo, um átomo de oxigênio se
junta a dois de hidrogênio para formar água, é como se
cada um usasse as questões do tipo sim/não para avaliar
todos os possíveis ângulos entre eles até optar pelo mais
adequado. No final, a impressão é que os átomos fizeram
uma simulação dos processos físicos. Se tudo for mesmo
feito de bits , o Universo poderá ser uma enorme simulação,
muitas vezes mais potente que a Matrix . É preciso um
enorme poder computacional para rodar todos esses
processos, o que inspira os cientistas a construir
computadores quânticos capazes de aproveitar grande
parte dessa potência.
Uma questão que surge, então, é que tipo de programa
o Universo estaria rodando. É possível que o software de
todas as coisas seja simples, com talvez não mais de quatro
instruções repetidas muitas vezes. Quem afirma é Stephen
Wolfram, um físico que completou seu doutorado aos 20
anos, criou aos 27 o bem-sucedido software Mathematica e
se tornou milionário. Dedicou então os 15 últimos anos para
desenvolver sua teoria, divulgada no ano passado.
A ideia é simples: faça uma linha de quadrados e pinte
um deles de preto. Desenhe outra igual embaixo e, na hora
de colorir, invente regras simples, como deixar pretos
somente os espaços que tiverem outra célula escura na
diagonal superior. Repita a operação milhares de vezes.
Dependendo do caso, é possível construir imagens de
enorme complexidade com apenas três ou quatro regras. A
figura que aparece aqui, no fundo deste texto, utiliza
apenas sete instruções para formar padrões que surgem e
interagem de forma bastante complexa.
O Universo poderia funcionar da mesma forma, com
regras simples elaboradas no início dos tempos, repetidas
até gerar todas as coisas que conhecemos. Assim como a
figura aqui atrás, seríamos apenas padrões interagindo com
complexidade. Apesar de ter causado um grande alvoroço,
grande parte da comunidade científica não está convencida
de que a regra de Wolfram seja universal. Portanto, uma
Matrix que simulasse todo o nosso Universo com certeza
precisaria de um enorme processador. Resta saber se
necessitaria de um software sofisticado.
OBRA-PRIMA MULTIMÍDIA
O universo de Matrix surgiu da mistura de vários tipos
de arte
FILOSOFIA
A história do filme transmite a ideia de Platão expressa
no mito da caverna. Também lembra vários temas de outros
pensadores e até cita o francês Jean Baudrillard.
ANIME
Desenhos animados em estilo japonês como O
Fantasma do Futuro e Akira deram a mistura de alta
tecnologia, cenários apocalípticos e muita ação.
KUNG-FU
Filmes de artes marciais dos anos 70 deram o tom da
pancadaria e inspiraram efeitos em que o ator fica preso no
ar por arames.
QUADRINHOS
Artistas de graphic novels como Geof Darrow foram
chamados para bolar os cenários, desenhar os aparelhos e
construir as cenas.
RELIGIÃO
Neo faz o papel de messias da humanidade e ressuscita
no final do filme. O caminho para a sua iluminação é igual
ao pregado por Buda.
AGENTES
Os homens de preto do serviço secreto do presidente
americano John Kennedy são a grande inspiração de vilões
como o agente Smith.
LEWIS CARROLL
O autor de Alice no País das Maravilhas aparece citado
na pílula vermelha, no coelho branco, no espelho que se
liquefaz e em muitas das frases ditas por Morpheus.
CYBERPUNK
Neuromancer , de William Gibson, trouxe os ciborgues
que se conectam a outra realidade por um plug na nuca.
Também estão lá os hackers fazendo papel de heróis.
NA LIVRARIA
NA INTERNET
http://www.Matrix fans.net
http://www.theMatrix .com
http://www.theaniMatrix .com
http://www.kurzweilai.com
8 | RELAÇÃO ENTRE
MATRIX E RELIGIÃO
Jeff [8]
Matrix trata do paradoxo que existe entre o inteligível e
o não teligível, entre crença e descrença, entre o real e o
irreal. A religião trata dos mesmos paradoxos, pois a fé é
inteligível para uns e teligível para outros, uns creem, outros
não... uns possuem a certeza de que sua crença é real,
outros têm certeza que esta fé não existe... a grande
questão é... qual é a origem desse paradoxo? Do ambiente?
Ou do nosso cerébro?
Não vou aqui defender a crença ou a descrença nesse
ou naquele caminho... mas vou defender uma máxima que
acompanha o ser humano desde o princípio: “A incerteza”.
Para tanto vou descrever uma coisa que poucos sabem
acerca do nosso entendimento...
O cérebro não sabe a diferença entre o que vê e o que
se lembra. Isto ocorre nos pulsos eletromagnéticos
formados em bilhões de redes neurais.
Já pensou alguma vez de que são feitos os pensamentos
ou as crenças?
Em todas as eras, cada geração possui suas premissas
de que o mundo é plano, de que o mundo é redondo, de que
Deus existe, não existe, etc... etc.
Há centenas de premissas ocultas, ou mesmo coisas que
tomamos como certas e que podem não ser verdadeiras.
É claro, na grande maioria dos casos, historicamente,
essas teorias não são verdadeiras. E que presumivelmente,
se a História servia como guia, muito do que tomamos como
certo sobre o mundo, simplesmente não é verdadeiro. Mas
estamos presos a esses preceitos sem sequer percebermos
na maior parte das vezes que isso se torna um paradoxo.
Experimentos científicos com auxílio da tomografia e
tecnologia computacional já mostraram que ao pegarmos
uma pessoa e “colocar” eletrodos de tomografia em seu
cérebro e pedir que ela olhe para certo objeto, vamos
perceber que apenas algumas áreas do cérebro se
acenderem.
E, ao pedirmos para que essa mesma pessoa feche os
olhos e apenas imagine o mesmo objeto que ela acabou de
olhar, irá fazer que as mesmas áreas do cérebro se
acendam, como se ela estivesse visualmente olhando para
o objeto.
Isso fez com que os cientistas fizessem as seguintes
perguntas: Então quem vê o quê? O cérebro ou são os olhos
que veem? E o que estamos vendo com o cérebro? O que é
a realidade? A realidade que estamos vendo com o nosso
cérebro ou a realidade que vemos com os nossos olhos?
Se isso acontece com a imagem que entra nos nossos
olhos por que não com nossas sensações, com nossas
crenças?
Está aí a correlação entre Matrix e a religião... Não se
sabe o que é irreal ou real... pode se sentir a presença da fé,
porém não se pode materializá-la... Matrix , ao inverso
disso, mostra o quanto as crenças do real podem ser irreais
e até manipuladas por uma mente superior... Deus? O
Homem? Uma máquina?
Nesse momento, com nossa tecnologia e com as nossas
aspirações humanas, somos incapazes de refutar ou
corroborar qualquer tipo de afirmação ou mesmo fé e teoria.
E a verdade até agora verificada é que o cérebro não
sabe a diferença entre o seu ambiente e aquilo que se
lembra. Pois tanto para um como para o outro são as
mesmas redes neurais específicas que se acendem.
O cérebro processa 400 bilhões de bits de informações
por segundo, mas só temos consciência de 2 mil deles. E a
nossa consciência desses 2 mil bits de informações é
apenas sobre o ambiente, o corpo e o tempo.
Estamos vivendo num mundo em que tudo que vemos é
a clássica ponta de um imenso iceberg. Iceberg que, para
uns, pode ser de “Mecânica Quântica” e, para outros,
simplesmente “Fé”!
Se o cérebro está processando 400 bilhões de bits de
informações por segundo e que só temos consciência de 2
mil deles. Quer dizer que a realidade está acontecendo no
cérebro o tempo todo. E que muita coisa somos incapazes
de perceber e compreender.
O mundo macroscópico que vemos, é o mundo de
nossas células, e o mundo dos nossos átomos, e o mundo
de nossos núcleos.
Cada um deles é um mundo totalmente diferente. Pois
possuem suas próprias linguagens, possuem suas próprias
matemáticas. São diferentes, mas são totalmente
complementares, por que eu sou meus átomos, mas
também sou minhas células, também sou minha fisiologia
macroscópica, mas sobre tudo, sou minha compreensão de
mim mesmo e do mundo que me cerca.
Quem pode refutar a afirmação que diz “Que as
interpretações desse ou daquele caminho, do real ou do
irreal, nada mais são que interpretações diferentes da
mesma verdade”?
O nível mais profundo de verdade descoberto pela
Ciência e pela Filosofia é a verdade fundamental da
Unidade. O nível nuclear mais profundo da nossa realidade:
você e eu, todos nós viemos do mesmo átomo, então
literalmente, somos um!
Na religião, essa unidade é representada no início, pois
só existimos porque um Ser superior assim permitiu.
É claro que ainda estamos apenas engatinhando na
descoberta de inúmeras questões que cercam a vida e a
consciência, a realidade e o irreal!
Mas uma coisa é certa... Nada carrega em si uma
verdade absoluta, a verdade é apenas uma questão de
evolução!
9 | MATRIX , OS
EVANGÉLICOS E A CRISE
DO REAL E DO IRREAL
E se a igreja fosse uma Matrix ? E se você for escravo desse
“sistema de controle”? E se o Evangelho que te ensinaram
foi convenientemente distorcido?
Renato Vargens [9]
10 | E SE A IGREJA FOSSE
UMA MATRIX ?
Marcos Regalini [10]
____
Olá, amigo !
Muito interessante este texto. Não tinha visto esta
analogia entre a religião (ou igreja, como preferir) e uma
Matrix .
Gostaria de fazer algumas considerações.
A religião, ao contrário da “Matrix ”, não oferece uma
“realidade psíquica perfeita”, mas algo parecido a isto.
Vejamos. A religião oferece verdades prontas e
irrefutáveis, que são obtidas por meio de revelações ou
fontes de consulta de caráter duvidoso. Os crentes leigos,
aqueles que nunca se deram o trabalho de estudar o
mínimo de teologia ou a história da Igreja, não precisam
pensar por si mesmos. Eles simplesmente acreditam e
pronto. A partir daí, suas vidas serão orientadas por alguém
portador de um dom ou virtude que lhe confere uma
“autoridade” – inclusive para não ser questionado.
No filme Matrix , as máquinas dominavam os seres
humanos. Poderíamos pressupor que os pregadores
dominam os “crentes”? Não, embora haja várias exceções,
claro. Mas, há muitos pregadores que também acreditam
em suas doutrinas. Haveria, portanto, um “algo maior” que
estaria manipulando, ou melhor “direcionando” os crentes?!
Mas, o que seria isto?
Somos seres racionais, mas também somos animais.
Somos criaturas vulneráveis num mundo hostil. O medo do
trovão, das tempestades, das guerras, das catástrofes fazia
os antigos buscarem uma proteção sobre-humana. Em
virtude disto, mitos eram criados para dar sentido a algo
que era fruto não de um acaso, mas de um processo
seletivo natural.
Todavia, os próprios mitos passam por uma evolução
adaptativa, ganhando novos aspectos que o tornam mais
sofisticados.
Contudo, se os mitos mudam, as necessidades mais
básicas do ser humano não mudam. Ora, queremos nos
sentir protegidos, amparados, amados, desejados e, em
alguns casos, “especiais”. É nisto que opera a “Matrix ”
religiosa: no suprimento de carências psíquicas, gerando
uma convicção que o faz acreditar numa dimensão paralela,
o qual não temos qualquer prova de que exista. Em troca, o
fiel dedica-se ao nobre serviço de arrastar outros incautos a
esta realidade o qual, repito, não temos provas.
Então, na minha modesta opinião, eu diria que a religião
pode, sim, ser uma Matrix , onde a busca pelos porquês não
respondidos, a necessidade de amenizar os problemas
cotidianos, o medo do mundo e de si próprio e a insatisfação
com a própria existência faz com que uma multidão de fiéis
se forcem a dar crédito a algo que, em si mesmo, não
mudará suas vidas. Entretanto, poderá criar vínculos,
algumas amizades verdadeiras, alguns matrimônios bem-
sucedidos, bem como uma sensação de felicidade que
reside, apenas, na auto aceitação de seus defeitos e
qualidades.
Não obstante, reconheço que coisas positivas podem ser
feitas pela crença em tais mitos e, se isto é necessário para
acalmar as inquietudes de vossos corações, então digo que
continuem no tal caminho.
Saúdo-vos e felicito-vos pelas (boas) obras que,
porventura, vós podereis fazer.
Abraços fraternais!
Irmão anônimo.
11| MATRIX
DESCONSTRUCTIONS
Thiago Mendanha Do Nascimento [11]
Não quero reformar nada! Não quero reformar ninguém!
Apenas quero desconstruir minha religião e dar-me a
oportunidade de começar novamente. Do zero! Quero
aprender a orar porque suspeito que nunca aprendi em
todos esses anos de eloquentes orações entonadas no
conjunto de súplicas adornadas de lindos verbos.
Tenho a ligeira impressão de que todas as vezes em que
falei em línguas na roda de oração para fazer notório o meu
nível espiritual, não me valeram de edificação alguma. E
que minhas devocionais carregadas de desânimo e
obrigação para com a minha “consagração” no ministério de
louvor não resultaram em nenhuma intimidade com Deus!
Quero desfazer de tudo que sei, ou que penso saber, e
de tudo que não sei, e penso não saber, para aprender
paulatinamente através de uma busca sincera, paciente,
desobrigada, verdadeiramente motivada e autêntica, tudo
quanto preciso, quanto quero e quanto me é essencial na
jornada da fé. Quero despojar-me dos manuais religiosos,
das doutrinas inquestionáveis, das tradições incoerentes e
da estupidez e falácia da religião.
Quero duvidar de tudo e de todos, porque minha alma
contorce pela verdade e tem sede de justiça. Quero abrir os
meus olhos e enfrentar o ardor da luz cortante da revelação.
Quero ficar cego por um tempo em virtude do impacto que
a luz da verdade traz. Ficar cego para o enlatado
evangélico, cego para o cauterizado cristianismo
institucional. Quero ficar cego para as fórmulas instantâneas
da fé, da sua comercialização e do abuso espiritual. Quero
recobrar a visão aos poucos. Enxergar com sanidade a vida,
as pessoas, a família, os amigos, o futuro, o presente e o
passado. Quero aprender a enxergar tudo que enxergava
errado. Usar minha visão pela primeira vez!
Quero me desviar dos caminhos da “i”greja que não
segue o Caminho de Cristo. E andar na contramão desse
sistema religioso elaborado sobre outro fundamento que
não Jesus, a Rocha Viva. Quero tirar a capa que me
identifica como “cristão” com o emblema da cruz para
vestir-me de amor pelo próximo e por esse amor ser
conhecido como discípulo de Cristo. E carregar não o
emblema da cruz, antes, tomá-la dia após dia em meus
ombros e renunciar à volúpia e morrer para o pecado.
Quero fugir dos grandes eventos de milagres e shows da
fé, patrocinados por sórdida ganância e puro estrelismo. E
me juntar aos homens de Deus presenteados com o dom da
cura que trocam o palco pelo corredor dos hospitais. Que ao
invés de pedirem que vão a eles, se disponhem a IR aos que
necessitam.
Cansei de viver sob maldição financeira! E, agora, não
gasto meu dinheiro patrocinando esse sistema putréfulo de
escravizar a fé dos pequeninos. Não quero participar de tal
infâmia! Que o pouco que tenho sirva não ao luxo dos
templos e de seus donos, mas, aos que realmente
necessitam da minha fidelidade financeira resultante da
confiança no Jeová Jiré. E não da ameaça pastoral de
maldição da pobreza versus prosperidade.
Quero ser livre para pecar! E da mesma maneira não
pecar por entender que não me convém. Mas, se o desejo
do pecado ronda a minha mente e não peco por causa da
pressão de ter que me consagrar no ministério da “i”greja,
que pobre que sou. Porque ainda não seria livre do pecado,
mesmo não o praticando... Quero aprender a conduzir meu
estilo de vida como resposta de gratidão à aceitação e
perdão de Cristo, não como regras e proibições eclesiásticas
que não tem efeito nenhum contra o pecado.
Estou desconstruindo a minha fé míope e doente para
cultivá-la de forma autêntica, sincera, humana e verdadeira.
Estou disposto a arriscar minhas crenças pelo conhecimento
da verdade eterna, de modo, que mesmo vendo-a como em
espelho, possa um dia conhecê-la completa assim como sou
conhecido. Se para encontrar o Deus que está estampado
no caráter de Cristo, me tornar necessário descrer do Deus
pregado, e tornar-me ateu, que assim seja. E que possa,
conhecê-Lo de forma pura, única, pessoal e intransferível.
Quero derrubar meus pilares espirituais porque não sei
de onde vieram. Estavam lá no discurso e na retórica que
pseudonimamente aceitei como sendo Jesus Cristo. Agora,
nego a cartilha que reza, nego a teologia pronta que engoli
e dou-me a oportunidade de aceitar, de fato, Cristo meu
Senhor e Salvador, pura e simplesmente.
Se fosse possível voltar ao ventre de minha mãe e
carregar em meus genes a luz que agora vejo, para que ao
nascer, soubesse desviar dos caminhos que para o homem
parecem bons, poderia começar de novo sem
incongruências e inverdades ludibriosas.
Talvez, só agora tenha entendido o que significa “nascer
de novo”...
12 | TOMEI A PÍLULA
VERMELHA
Anônimo [12]
13 | TOMOU A PÍLULA
VERMELHA
Ellen Bileski [13]
COMENTÁRIO
Irmão, o Neo neste filme ai representa o anticristo e não
alguém que foi liberto de um sistema escravizador, depois
te mando um link com uma explicação disso, o salmos 2 fala
disso os reis da terra que queriam ser livres da lei de Deus.
Satanás cria um problema para vender uma solução, assim
será a vinda do anticristo e o filme Matrix é uma parábola
do anticristo... Mas, enfim, hoje em dia os evangélicos
acham que U2 é cristão e, na verdade, é mais um grupo do
anticristo com uma mensagem ecumenica anticristã. Não
gostaria de ser duro contigo mas o que está errado está
errado...
Não obstante realmente existir um sistema chamado
Babilônia de dominação política, financeira e religiosa, eu
poderia te citar motivos bíblicos para um crente não
participar de um jogo de futebol (um estádio de futebol é
uma roda de escárnio ou não é!? o futebol no Brasil é
idolatria ou não é!?), mas não vou perder tempo com isso
nem dar os meus argumentos prós e contras, nenhum
crente também deve se vestir de forma a querer chamar
atenção para seu corpo (sensualidade), também não vou
entrar nesta questão de defender uso ou costume, nem vou
criticar os que o adotam legitimamente pois seria louco de
fazer isso, mesmo reconhecendo que há abusos de todos os
lados (os que têm e os que não têm usos e costumes), sei
que se alguém se veste com a intenção de provocar
sensualidade está fora da Palavra, pois Deus não olha para
aparência mas sim para o coração e ai está o problema,
alguém pode usar uma burca e ter sensualidade no coração
mas uma mulher de Deus com certeza irá aprender a se
vestir de forma decente, não segundo o que aprendeu
vendo novela ou filmes que blasfemam o nome do Senhor.
O problema é que vivemos no meio duma Sodoma e
Gomorra e a igreja está absorvendo muitos maus costumes,
ninguém fala dos usos e costumes do mundo que entraram
na igreja, está se conformando com o mundo, não estou
falando só de mulheres peladas desfilando nas igrejas e
garotões sarados se exibindo, mas das intenções do
coração, querem ficar prosperados, confundindo Pai do céu
com papai noel...
Não entendi direito o que o irmão quis dizer com
músicas do mundo: “Não ameis o mundo, nem o que no
mundo há. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está
nele” (1 João 2:15). Cuidado para não usarmos a liberdade
em Cristo para dar ocasião a carne, tem “crente” ouvindo
666 the number of the beast e dizendo que é livre.
Se hoje em dia eu não recomendaria por não achar
conveniente nem ouvir a maioria das canções evangélicas
atuais quanto mais ouvir o vômito do mundo...
Questões discutiveis estas meu caro, que não edificam
alguém fraco na fé como disse o apóstolo Paulo, precisamos
voltar a por o fundamento que é Cristo, conhecê-lo e não
presumir aquilo que achamos, ai edificaremos com sucesso,
algo que vou te falar com muito amor, cuidado para que
querendo você tirar o cisco do olho do teu irmão não seja
achada uma trave no seu, não queira ser um mestre pois
nós receberemos mais dura condenação, aquilo que você
escreve aqui pode influenciar pessoas erradamente se você
escrever sem inspiração de Deus.
Revelar seus pensamentos pessoais segundo a Bíblia é
tolice... eu também fui retirado pelo Senhor de um sistema
falsamente religioso, onde tinha muita “liberdade” mas
Jesus disse que a porta é estreira e o caminho apertado e
mandou a gente se esforçar por entrar nela.
Vamos crescer no conhecimento de Cristo e deixar a
Matrix que é uma fábula inventada artificialmente a qual a
Bíblia diz que nos últimos dias muitos irião abandonar a são
doutrina e voltar as fábulas. Fala mais da Bíblia, da Palavra,
de Jesus, usando a Palavra, não estes filmes do anticristo.
As respostas que você quer estão na Bíblia e não na história
mentirosa da Matrix . Pedro escreveu sobre estas histórias
mentirosas e Paulo também, as fábulas, as narrativas
artificialmente compostas.
Se tomarmos por base para interpretação dos fatos a
cultura e contexto pessoal de cada um nunca chegaremos a
conhecer a verdade, vamos relativizar e nunca chegar ao
que realmente significa a parábola, pois cada um vai falar o
que acha. Uma párabola de Jesus é como se fosse uma
porta fechada que só Jesus pode abrir pra gente, a
interpretação não é particular, mas vem pelo Espírito Santo,
ao invés de ser o que eu acho é o que realmente Deus diz
que é. Não só as parábolas, mas todas as coisas que
acontecem, noticias de jornal, filmes, conversas, precisamos
buscar saber qual é a opnião de Deus sobre isso. Graças a
Deus o nosso ponto de partida tem sido a bíblia, a opnião de
Deus.
Há muita controvérsia sobre interpretações até mesmo
da Bíblia e isso por que somos guiados pela carne e não
pelo Espírito. O problema de tomar uma história artificial é
compor um sofisma, pior de tudo um sofisma para explicar
outro sofisma. Foi Paulo e Pedro quem advertiu sobre não
ficarmos procurando inventar estas histórias artificais de
sabedoria humana para tentar explicar a glória e majestade
de Cristo Jesus crucificado, não fui eu mas eu assino
embaixo do que eles disseram, tavez você não conheça
estas passagens.
Eu já cometi este erro em achar que este filme poderia
ser revertido para algo cristão, mas é um filme de conteúdo
altamente satânico que traz a tona heresias como o
gnosticismo em que só os iluminados poderiam ter o
conhecimento de Deus, sendo que Deus se faz entender
para qualquer um que quiser ouvir.
A tua interpretação do filme está biblicamente
equivocada, é isso que estou querendo dizer, é forçosa a
sua comparação se parar para analisar o filme e a bíblia.
Assim como já vi cristãos dizendo que o super-homem seria
comparado a Jesus, quando na verdade o super-homem é
outra parábola satânica do anticristo. Mas por aqui eu paro
senão daqui a pouco vocês vão começar a falar que estou
parecendo o Pr. Josué Yrion, homem de Deus pelo qual
tenho profundo respeito e que tem pregações impactantes
que se o povo que critica ele ouvisse iria cair de joelho na
hora e pedir perdão.
Enfim, assista os vídeos, talvez mudem sua ideia sobre o
filme, esta conversa seria mais produtiva para o reino de
Deus, cara a cara com uma Bíblia nas mãos. Já vi tantas
coisas neste blog dignas de reprovação pela Palavra de
Deus, piadas, palavrões (te dou referências bíblicas
censurando estas attitudes, se quiser), mas espero de ti que
um dia venha a realmente sair do sistema e ser usado por
Deus do jeito que Deus quer, ao invés de querer tirar o cisco
do olho dos irmãos com uma trave no seu, você não é
perfeito, mas é menino, como eu. Queira Deus que seus
olhos se abram de verdade, sei que às vezes isto leva um
tempo e não posso julgar as intenções do seu coração, mas
só passar o que experimentei na esperança que em algo te
desperte curiosidade, vejo você como se fosse um novo
convertido que creio e espero irá mudar muito de postura
ainda, abandonar muita coisa e oro para que o Senhor faça
esta obra, pude ver na tua área de livros para download
tantas coisas de Satanás como a série Harry Potter e tantos
outros, nem vou citar aqui, espero realmente que não ache
que Harry Potter é de Deus ou uma parábola para algo da
Bíblia que não seja a condenação ao inferno, ou que tão
pouco pense que pode ler estas coisas e indicar ao invés de
censurar e reprovar como nos manda a Bíblia, e achar tudo
bem pois é “livre” em Cristo.
Quer ler um livro para um homem de Deus que
pretender ser um instrumento verdadeiro de Deus!? Leia
“Porque tarda o pleno avivamento”, de Leonard Ravenhill.
Você vai jogar a maioria destes outros ai fora, como fizeram
em atos que queimaram os livros de bruxaria, e se absorver
a mensagem em breve teus joelhos terão calos.
Deus o abençoe!
Irmão Anderson
15 | MATRIX E A FILOSOFIA
Omelete [15]
17 | UMA MATRIX
CHAMADA IGREJA
Ricardo Andrewinsky Jereissat [17]
18 | EVANGÉLICOS EM
CRISE
Avelar Jr. [18]
É
constrói da noite para o dia. É necessário exigirmos de
nossos líderes que ensinem a Palavra, que interajam
profundamente com o texto bíblico, que não fujam!
Contudo, o bom ensino na igreja precisa também ser
complementado pela leitura individual. É fundamental
adquirir menos livros água com açúcar ou triunfalistas e
mais leituras que nos embasem biblicamente.
O processo, portanto, tem de começar com os membros
comuns exigindo uma melhor qualidade de ensino e de
literatura. A nova liderança para fazer frente aos desafios de
2030 e 2040 só vai surgir se houver uma demanda
articulada a partir dos membros das igrejas.
Dentro do tema da recuperação da Bíblia, insisto na
centralidade dos Evangelhos. Comenta-se que a fé
evangélica se tornou prisioneira da cultura religiosa da
barganha. Ora, uma das maneiras de superar a cultura da
barganha é incentivar a dedicação a uma causa (como
fazem os movimentos políticos mais ideológicos). O
problema, neste caso, é a persistência ao longo do tempo, a
capacidade de continuar dedicado a ela durante décadas e
apesar dos contratempos. Porém, existe uma outra maneira
de combatermos a cultura religiosa da barganha:
encantando-nos com a figura de Cristo, com a humildade
amorosa de sua figura humana retratada nos quatro
Evangelhos. O melhor antídoto para a cultura da barganha é
o fascínio por Cristo, que advém do estudo sério dos
Evangelhos.
A igreja evangélica brasileira de 2040 precisará,
portanto, de líderes mais diversos nos seus dons, profundos
no seu conhecimento e sabedoria e transparentes nas suas
vidas; e precisará ter redescoberto o verdadeiro sentido de
ser evangélico, que é a vontade de ser profundamente
bíblico em toda a nossa existência. Esses dois requisitos
existirão se a igreja de hoje tomar as medidas necessárias.
Paul Freston, inglês naturalizado brasileiro, é professor
colaborador do programa de pós-graduação em sociologia
na Universidade Federal de São Carlos e professor
catedrático de religião e política em contexto global na
Balsillie School of International Affairs e na Wilfrid Laurier
University, em Waterloo, Ontário, Canadá.
20 | MATRIX – UMA
INTERPRETAÇÃO
FILOSÓFICA
Izabela Bocayuva [20]
É
não pode evitar o fato tão forte de ter visto a luz. É quando
o desconforto na existência nos alcançou como um raio
fulminante. Trata-se de um desconforto, uma angústia,
porém altamente positivos, pois acordam, quem passa por
isso, para a criação (o parente mais próximo da surpresa),
única fonte da qual podemos colher verdadeira alegria
sobre essa Terra que habitamos.
Não poder mais aceitar meramente as opiniões ou
attitudes correntes vem de, de repente, já se estar vendo ou
vivendo de outro modo ainda que este modo não seja de
fácil acolhimento no início da metamorfose, pois é muito
difícil deixarmos o confortável hábito aparentemente “feliz”
para nos lançarmos na vida, sem medo da não ventura, do
engano, do erro. Exige coragem aceitar-se a mudança como
algo bem mais do que uma mera palavra vazia. Com efeito,
o processo de acolhimento da transformação, mais longo ou
mais curto, acontecerá inevitavelmente, à medida que tudo
o que, desse modo, se viver e sentir, o for a partir dessa
nova experiência de mudança. Na Alegoria isso significa: ver
com mais nitidez, e tal maior clareza fará com que esse
homem em questão goste mais de sua nova experiência
com o mundo e a considere melhor do que aquela que ele
se lembra de ter vivido anteriormente quando estava preso.
Aliás, só agora ele pode saber que esteve preso. Só agora
ele pôde fazer a experiência de prisão, a qual nunca mais
lhe abandonará: ele sabe agora o quanto para sempre é
preso, preso à sua própria liberdade de ver, de avaliar
mesmo que seja em relação a algo que não se tem escolha.
Já os prisioneiros da caverna se enganam na medida em
que se acreditam absolutamente livres na sua suficiência.
Acham que ter liberdade é poder escolher entre coisas ou
mesmo entre ruas a seguir. Daí a fantasia tão comum de
que o dinheiro, por si, traz a felicidade, pois ele amplia o
leque das escolhas.
Na Alegoria, aquele que vê com mais nitidez e que vem
se tornando cada vez mais sagaz por estar aprendendo que
nunca mais pode se arrogar saber a totalidade, por estar
aprendendo a estar disposto para aprender, vai se
aproximando da saída da caverna até que ele finalmente sai
daí, não sem antes cumprir um ritual de adaptação olhando
primeiro para o céu estrelado e a luz da lua, depois para a
luz do sol refletida na água, depois para o próprio sol. Esse
seria o ponto máximo de sabedoria a atingir por aquele que
antes, alegoricamente, mesmo tendo visão, enxergava mal
no interior de uma caverna, aquele que mesmo tendo
condições de aprender a aprender o mundo em sua
dinâmica inesgotável – tal como o sol abunda em iluminar
tudo –, e com todas as suas surpresas, apenas aprendia a
reproduzir o que lhe era passado como sendo “o” mundo.
Na Alegoria ainda é dito que aquele que trilha esse
caminho de maior esclarecimento, retornando à caverna
para alertar para a possibilidade de um tal percurso, está
sujeito a sofrer, por parte dos que estão prisioneiros, as
maiores agressões, a ponto de quererem pegá-lo e matá-lo
(clara alusão ao que de fato aconteceu a Sócrates,
condenado a tomar cicuta pelos cidadãos de Atenas). O
medo que eles têm da morte é imenso! Pois para nascerem
para o mundo da criação é preciso morrerem, ainda que
simbolicamente, para o mundo que eles mesmos
reconhecem como “mundo”, o “mundo” que eles acreditam
conhecer. Seu medo da morte é medo de serem
desmascarados em sua própria ignorância, pois como pode
alguém vir dizer de algo que eles não conhecem: que
audácia!
O filme MATRIX começa mostrando o conflito entre uma
força destrutiva e repressora – representada pela polícia
comum e uma polícia especial extremamente sóbria e
calculista – e outra força cuja capacidade extraordinária de
agir e saber se defender dos ataques destrutivos nos lança
de chofre numa inverossímil dimensão do virtual (ou, como
veremos, do Real). Nosso julgamento imediato racional
pensa logo na habilidade técnica dos efeitos especiais hoje
em dia no cinema. Uma mulher sozinha luta contra cinco
homens armados, ao mesmo tempo, andando pelas paredes
e depois ainda escapa dando saltos humanamente
impossíveis, para, por fim, desaparecer misteriosamente
numa cabine telefônica. Para quem só gosta de ver realismo
em tudo, inclusive no cinema, já teria nessa primeira cena
motivo o suficiente para abandonar a sala de projeções.
Entretanto, se esperasse o desenvolvimento do filme e se se
deixasse levar pela história, poderia ver que tais
demonstrações de inverossimilhança não são senão a
apresentação da mais real capacidade humana, a qual se
encontra usualmente adormecida em cada um de nós.
A história do filme mostra o desenvolvimento dessas
capacidades no personagem principal chamado Neo, nome
esse que traduzido (do latim “neo” e do inglês “new”)
significa: “novo”. O “Novo”, aquele que sempre está se
renovando, a mudança, é o personagem principal do filme,
procurado como sendo o escolhido (Tradução para a
expressão “The One ”: NEO também é a palavra ONE
composta em outra ordem), sempre a resistir à repressão à
liberdade dos homens, os quais estão, naquele momento
vivendo no ano 2199, confinados no centro da Terra,
procurando bravamente se defender das forças
maquinizantes que por hora quase estão a dominar todo o
mundo. As máquinas, tendo entrado em guerra contra os
homens, criaram um sistema de computador cujo nome é
Matrix que cultiva seres humanos a fim de que eles sejam
como que pilhas para alimentar energeticamente as
máquinas, elas próprias. Na Matrix , o ano é o de 1999 (ano
em que o filme foi lançado) e os homens vivem
normalmente seus afazeres exatamente como no nosso ano
agora de 2014 (e como em qualquer outro ano em que esse
texto for lido); mas os homens vivem aí apenas
virtualmente como projeções maquinais.
Neo, quando ainda vive na Matrix , além de ser um
funcionário de uma conceituada empresa de softwares, é
um hacker, ou seja, alguém que dribla o sistema, mas não
só isso, ficamos sabendo, no filme, que ele está intrigado
com a questão de saber o que é esse sistema: “o que é a
Matrix ?”. Para resolver este problema faz longas buscas na
internet a ponto de dormir trabalhando nisto. Com certeza,
esse personagem não acha que o que vive é o suficiente.
Ele procura, está inquieto, e para obter aquela resposta, ele
anseia entrar em contato com um outro hacker, famoso por
ser de há muito e intensamente perseguido pela polícia:
Morpheus, nome mitológico dado ao “deus do sonho”. No
filme, o “Sonho”, isto é, o desejo, isto é, Morpheus, é um
dos generais da resistência contra as forças maquinizantes
e ele está encarregado de encontrar justamente Neo – “o
Novo” – a fim de prepará-lo para a sua tarefa de salvador da
liberdade dos homens reais que vivem, naquele momento,
no interior da terra sob a constante ameaça de serem
definitivamente destruídos.
O “Novo” e o “Sonho” se procuram reciprocamente, mas
não podem se encontrar sem a mediação súbita da
personagem Trinity, isto é: a “Trindade”, a dimensão do
“Sagrado”. Por ser geradora do “Novo” – tendo acordado
Neo – o “Sagrado” é, no filme, uma mulher.
É Trinity que primeiro entra em contato com ele,
despertando-o sem aviso prévio (da mesma forma repentina
em que o homem da Alegoria da caverna é tocado e se vira)
de seu sono inerte, maquinal, de sonhos viciados,
começando a levá-lo para junto do “Sonho” Real, do sonho
virtuoso, que abre ruas que ele ainda não conhece. Desde o
momento em que seu próprio computador o acorda e
começa a falar com ele, Neo já não sabe mais se está
acordado ou dormindo. Está, pois, dado o salto para o
extraordinário, que no filme significa dar o salto para dentro
do verdadeiro Real, do mais humano. É humano lidar com o
desconhecido e sonhar. Fica sugerido, no filme, o quanto a
maravilhosa parafernália informática auxilia na
possibilitação de uma tal especial experiência humana num
mundo dominado pela máquina.
O Real é o virtual e o virtual é o Real, realidade não são
os fatos que costumamos constatar, mas sim situações que
implicam oportunidades de descobertas e experiências de
possibilidade antes inimaginável.
Tudo começando com a sagacidade no uso da máquina,
mas também com a dúvida e com o reconhecimento da
ilusão em que se vive.
Começo confuso! No filme, a partir do contato com o
verdadeiro Real (mas que Neo ainda desconhece como real
– pois é a partir da Matrix que ele está acostumado a
pensar) Neo sofre um terrível ofuscamento, o mesmo
daquele homem na Alegoria da caverna que fere os olhos
com a luz do fogo quando se vira. Ele já não sabe o que é
sonho e o que é realidade.
Com efeito, no filme, é o “Sagrado” que faz despertar do
sono inerte, mas ainda outra mediação é necessária para
que o encontro entre o “Novo” e o “Sonho” se realize.
Quando Trinity está falando com Neo através do
computador e acabou de dizer-lhe para seguir o coelho
branco (alusão explícita à “Alice no País das Maravilhas” de
Lewis Carrol), alguém bate em sua porta, alguém cujo nome
é Choi, apelido de “choice”, palavra que significa, em inglês:
escolha. A “Escolha”, pois, lhe bate à porta e o convida para
sair. Neo a princípio recusa, mas quando vê um coelho
branco tatuado no braço da menina que acompanha Choi,
decide que os seguirá para onde forem. Quer dizer que para
se acordar realmente da letargia de uma vida dominada
para uma vida auxiliada pela máquina, é necessário a
decisão de trilhar um caminho Novo, mesmo que não se
saiba (e principalmente não se sabendo) para onde ele vai
levar. E ele levará ao “Sonho”, o Chefe do navio libertário,
chamado Nabucodonosor, nome do Imperador babilônio que
conquistou Jerusalém, a Terra prometida.
É interessante lembrar também que o nome do lugar, no
centro da Terra, onde vivem os confinados homens naturais
– não cultivados pela Matrix – é Sião, ou seja, o mesmo
nome da montanha que representa Jerusalém (tal como o
Corcovado representa o Rio de Janeiro).
Diante de Morpheus, Neo será colocado mais uma vez
na situação de escolha, quando decidirá continuar seguindo
este caminho que ele ainda não sabe onde dará. Toma,
então uma pílula que lhe permite “atravessar o espelho”
(mais uma alusão à obra de Lewis Carrol: “Alice através do
espelho”). Até esse momento, o sentido da palavra
liberdade, na vida do personagem Neo significou escolha,
arbítrio. Depois disso irá mudar radicalmente, como
veremos mais adiante. Até aqui ele diz não gostar de
acreditar em destino já que não gosta de crer que não é ele
mesmo a fazer sua própria vida.
A pílula vermelha engolida propicia a desconexão da
Matrix , o corte e, simultaneamente, a localização do corpo
de Neo em meio aos trilhões de homens-pilhas
adormecidos, cultivados como que em casulos repletos de
uma espécie de placenta. Depois, então, de ser como que
deglutido pelo seu próprio espelhamento, ele cai (ainda
inconscientemente) em si e está nu, desperto, sentado em
seu casulo e preso por vários tubos ao longo de todo o
corpo. Daí, uma engenhoca voadora enorme solta primeiro o
tubo que o está prendendo à nuca, após o que, todos os
outros tubos soltam-se violentamente e é também
violentamente que seu corpo percorre um canal até cair
num poço cheio d’água donde é resgatado pela nave de
Morpheus que lhe diz: – Bem vindo ao mundo Real. Neo
nasce de novo, mas de um nascimento, que de tão violento
quase não se distingue da morte, sendo as primeiras
palavras de Neo a pergunta: – Estou morto? Ao que escuta a
resposta: – Longe disso! Ele sente também dor nos olhos: –
Por que? ; – Porque nunca os usou antes, lhe diz Morpheus
(nítida alusão à dor nos olhos da personagem da Alegoria da
caverna).
Já na nave Nabucodonosor, há primeiro uma preparação
de seu corpo, de seus músculos, da “cicatrização” dos
orifícios onde estavam presos os tubos do casulo em que ele
se encontrava antes do novo nascimento. Começa, depois, a
preparação de seu espírito.
Ambas as preparações são necessárias já que Neo terá
que enfrentar a terrivelmente forte força repressora contra a
liberdade. Essa força que, como já dissemos no início do
texto, é extremamente sóbria e calculista, é representada,
no filme, por três agentes em forma humana que podiam
ocupar o corpo de qualquer homem-pilha-prisioneiro, isto é,
de qualquer um que viva na Matrix como homem comum
que se acredita livre (como era o caso, por exemplo, de Neo
enquanto funcionário da Megacortex ou como é o caso de
qualquer um de nós, qualquer passante em uma cidade
qualquer). Ficamos sabendo que o agente chefe tinha como
nome Smith, isto é, o sobrenome em ingles que em
português corresponde ao “Silva”: aquele que “é” todos.
Quer dizer que a repressão à liberdade, pode estar em
qualquer parte, a qualquer hora, sendo a perspectiva que
ocupa nossos corpos quando ainda não nos viramos.
Depois de apresentar todos os tripulantes, Morpheus
mostra a Neo o que é a Matrix : uma armação, um programa
de computador do qual os homens enquanto prisioneiros
são apenas como pilhas que alimentam o sistema. Ele de
início não acredita, sofre, ao mesmo tempo que acha tudo o
que está vivendo agora, a nave, suas roupas, os furos em
seu corpo algo muito estranho. Vê-se num beco sem saída.
Passa mal. Quando acorda faz a mesma pergunta que
aquele homem da Alegoria da caverna se faz quando se
encontra ofuscado pela luz e confuso: – Posso voltar? Ao que
Morpheus responde: – Não. Mas, mesmo que pudesse, você
voltaria? Fica sem resposta.
A tripulação da nave é composta por outros quatro seres
humanos nascidos na Matrix , mas dela libertos: Apoc,
Switch, Mouse e Cypher, e por dois seres humanos nascidos
em Sião: Tank e Dozer.
Apoc e Switch fazem o papel de guardiões do grupo
libertário quando ele está na Matrix . Apoc é apelido de
“Apocalipse”, assim como Switch quer dizer em inglês ligar
e desligar: eles são como um anjo negro e um anjo branco
que protegem a entrada e a saída da Matrix .
Mouse é o nome para o garoto que faz os programas de
computador (daí seu apelido) os quais são postos em ação
por Tank cujo nome lembra a expressão inglesa de
agradecimento: Thanks. A ele todos estão o tempo todo
agradecendo pelos serviços, pelo aprendizado que ele
proporciona como operador dos programas. Já o nome de
seu irmão, Dozer, quer dizer “sonhador” e é aquele
solicitado no filme no momento especial de adentrarem na
Matrix para irem visitar o Oráculo, chamado pelos gregos
de: “o umbigo do mundo”, momento esse da irradiação mais
profunda a que o chefe “Sonho” e os outros que o
acompanham podem ir. “Umbigo do mundo” é outro nome
para “Origem”. É como se fosse o limite de tudo, o grande
começo. E porque o Oráculo seria no interior da Matrix ? No
interior do programa inventado pelas máquinas? Talvez
porque o único acesso que podemos ter ao grande começo
de tudo seja atravessando o conflito que tenta obstruir esse
começo. Eis a irradiação mais profunda da qual fala o
personagem Morpheus, aquela a que pode nos levar apenas
o sonhador.
Somente ele pode levar à origem, ao Oráculo que sabe
sobre tudo, tudo o que aconteceu, tudo o que acontece e
tudo o que acontecerá. Neo é do tipo que irá gostar cada
vez mais de estar ali e do que ele pode fazer e aprender
naquele “espaço reduzido da nave”.
Diferente de Cypher, outro tripulante e que será o
traidor do grupo. Seu nome já diz: é apelido de Lu-cipher, o
que queria estar no lugar de deus, o que sempre sente o
lugar onde está como um mau lugar, daí ser o lado mau da
história. Cypher acha que liberdade é a total
insubordinação, o total livre-arbítrio e como existe ali um
chefe que é Morpheus, vê-se somente como peça de sua
manipulação, sem conseguir descobrir nada que realmente
lhe diga respeito, nenhum “lugar”, onde possa exercer e
exercitar a sua própria “liberdade”, entendida por ele como
insubordinação. Já os outros tripulantes da nave libertária,
sem nunca desrespeitarem a hierarquia que faz de cada um
o que cada um está sendo, são apresentados como homens
que se sentem livres. Morpheus nunca deixa de ser o chefe
até mesmo para Neo que, na história, lhe é como que
“superior”. Pelo contrário, este chega até mesmo a
sacrificar sua vida em nome da daquele. A discussão que o
filme apresenta em torno da questão da liberdade é bem
interessante e inusitada, pois estamos acostumados a
pensá-la apenas no nível da colocação de Cypher, ou seja,
de que liberdade significa fazer o que se quer e pronto.
Vemos, entretanto, que a questão é bem mais complexa.
Neo não tem saída. Seu lugar no mundo agora é dentro de
uma nave fria, mas vai tomando gosto pelas possibilidades
de desempenho em lutar que ele não tem senão ali dentro;
ele toma gusto pela floração das virtualidades e habilidades
que são suas e que ele desconhecia e só pôde conhecer ali.
Sobretudo ele desconhecia que a realidade é virtualidade
agora e sempre, é algo que se manipula de algum modo,
daquele modo que se é capaz de manipular aquilo naquele
momento e que pode mudar numa próxima oportunidade.
Antes de nascer de novo para o verdadeiro Real, ele
achava, vivendo na Matrix , que a realidade era só o dado
imediato. Cypher, porém, mesmo vivendo no Real-virtual,
continua pensando dessa forma estreita, o que torna sua
vida na fria, inóspita e metálica nave uma prisão para ele
muito maior e mais insuportável, comparada à sua vida
anterior. Cypher, ao ter tomado a pílula vermelha, tomada
também por Neo, na promessa de chegar à verdade, achava
que já sabia o que era a verdade e que ela era a fama e a
riqueza: a chefia. Sua decepção foi ficando cada vez mais
sólida e profunda, fazendo, portanto, nascer o ódio e o
cansaço. Ao contrário disso, Neo se deixa levar, sem saber
ao certo onde irá chegar o seu caminho. Isto possibilita que
ele aprenda e principalmente que possa se divertir com seu
aprendizado.
A traição de Cypher proporciona mais uma situação de
decisão no filme: o “ Novo” se sacrifica pelo “Sonho”,
escolhe a vida do “Sonho” em detrimento da sua. Por causa
desta escolha ele de fato morre, sendo ressuscitado pelas
palavras amorosas do “Sagrado” que novamente o
acordam: a certeza do “Sagrado” de que ele ama o “Novo”
o acorda mais uma vez. O amor do “Sagrado” possibilita
agora a geração do “Novo” eternamente: daí este último ser
o que é.
Neo aprende a lutar e, principalmente, a se superar em
tudo.
Aprende, nos jogos que exercita, a libertar sua mente do
medo, da dúvida e da descrença – isto é, da morte –, como
diz o “Sonho”, no filme. Ele cresce, vai subindo a caverna
em que habita. Mas, apesar disso, não chega a ter clareza
sobre quem ele mesmo é, sobre o caminho que percorre.
Para ajudá-lo nisso, entra em cena o Oráculo grego
revisitado. Logo na entrada do prédio onde tem lugar o
Oráculo, vemos sentado um velho cego com uma bengala,
que representa certamente Tirésias, o adivinho grego. Tal
como é uma mulher a Pitonisa – a sacerdotisa do Oráculo
grego de Delphos –, no filme é uma mulher que será
consultada enquanto se encontra junto ao forno, fumando, o
que faz lembrar o modo como a sacerdotisa de Apolo dava
suas consultas: sentada sobre uma rocha por debaixo da
qual saiam vapores que, se diz, eram alucinógenos.
Para o espectador menos atento, fica parecendo que o
Oráculo, no filme, teria dito a Neo que ele não é quem
Morpheus diz que ele é: o escolhido, o salvador. Entretanto,
ela não faz nada disso.
Tudo o que ela fala – tal como todo Oráculo – é verdade:
que Neo parece já saber que ela lhe dirá que ele não é o
escolhido (o que não significa dizer que ele não é o
escolhido), que ele parece estar esperando sua próxima
vida para ser o escolhido (e ele de fato só tomará
consciência de si mesmo depois de ressuscitar), que ele irá
se ver numa situação de escolha entre a vida de Morpheus e
a sua própria e de que algum dos dois morrerá. Ao sair da
consulta ao Oráculo, Neo não tinha convicção diferente
daquela com que entrou ali, achando que não era o
escolhido, mas saía com indicações que, sem o saber,
fariam com que ele, agindo, decidindo seus próprios passos,
subitamente se encontrasse a si mesmo, tal como estava
escrito na tabuleta acima da porta do Oráculo: Conhece-te e
ti mesmo. MATRIX apresenta o Oráculo belamente, como se
estivesse fazendo uma interpretação do fragmento 93 do
pensador Heráclito que diz: “O autor, de quem é o oráculo
de Delphos, não diz nem subtrai nada, assinala o
retraimento.” [21]
Neo conhece-se a si mesmo quando, ressuscitado, cai
agora conscientemente em si e vê finalmente a Matrix :
tudo em volta se mostra como é: programa de computador,
uma paisagem verde sem consistência. Ele de repente
descobre que era ilusória a configuração dessa paisagem. É
quando ele pode parar balas no ar e atravessar o “corpo”
das máquinas em forma de gente, atravessar o efeito-corpo,
pois tudo na Matrix se mostra agora como mero efeito. Esse
momento corresponde, na Alegoria, ao momento da visão
direta do sol fora da caverna, o momento da revelação do
Real em sua plenitude. Trata-se de um momento da maior
maleabilidade para toda e qualquer ação e percepção,
momento da perspectiva. De repente vê-se o invisível.
Tal como na Alegoria, Neo retorna para interferir, para
falar aos outros que se encontram presos, que há um outro
caminho diferente do da aparente suficiência e que somente
cada um pode trilhar o seu. Neo é, desde o início, sem
escolha, o escolhido para ser o salvador, mas, como fica
claramente demonstrado, o seu destino de salvador foi, ao
mesmo tempo e, necessariamente, decidido e traçado por
ele. Ao contrário do que costumamos pensar e do que o
próprio personagem achava no início, destino não significa
passividade, assim como liberdade não é mero arbítrio, mas
principalmente o talhe de beleza que damos em nossos
passos. No filme se discute o quanto destino deve ser
tomado como ação, a ação de cada um naquilo que faz.
Na verdade, tal como o personagem principal, Neo,
insiste em pensar ao longo do filme, somos sempre apenas
pessoas comuns e sendo assim, somos cada um a cada vez
“o escolhido”. Mesmo aquele que se revela como genial é
apenas uma pessoa comum que em sua existência é
responsável pelos seus atos. Não somos nunca mais do que
o que nós mesmos fazemos de nós mesmos e além disso
não sabemos nunca inteiramente o que podemos fazer de
nós mesmos.
Cabe experimentar, de preferência com todo gosto o
sabor de ser, isto é, cabe o mais possível saber.
[1] https://omelete.uol.com.br/filmes/artigo/a-religiao-e-a-mitologia-de-imatrixi/
[2] Adaptado do texto: “Um olhar sobre o atual cenário religioso brasileiro:
possibilidades e limites para o pluralismo”.
https://www.metodista.br/revistas/revistas-
ims/index.php/ER/article/view/4434/3768
[3] http://www.gper.com.br/noticias/ff4aef3d3c39e9aa409a4a25d34fc5c2.pdf
[5] http://prrodrigorezende.blogspot.com.br/2009/04/matrix-do-reino-de-
deus.html
[6] http://reflexosteologicos.blogspot.com.br/2009/05/matrix-e-pilula-
vermelha.html
[8] http://outros-televisao.pergunte.info/relacao-de-matrix-com-religiao-
[9] http://thiagomendanha.blogspot.com.br/2009/07/matrix-os-evangelicos-e-
crise-do-real-e.html
[10] http://thiagomendanha.blogspot.com.br/2008/10/e-se-igreja-fosse-uma-
matrix.html
[11] http://www.ultimato.com.br/comunidade-conteudo/desconstrucao
[13] http://thiagomendanha.blogspot.com.br/2009/02/tomou-pilula-
vermelha.html
[14] http://thiagomendanha.blogspot.com.br/2008/01/algum-que-tomou-plula-
vermelha.html
[15] https://omelete.uol.com.br/filmes/artigo/imatrixi-e-a-filosofia/
[16] http://perplexos.blogspot.com.br/2003_05_18_archive.html
[17] http://bloghomensrealistas.blogspot.com.br/2011/08/uma-matrix-chamada-
igreja.html
[18] http://www.pulpitocristao.com/2010/06/evangelicos-em-crise.html
[19] http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/333/como-sera-a-igreja-
evangelica-brasileira-de-2040
[20] https://revistas.ufrj.br/index.php/Itaca/article/view/1415