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DIVERSOS AUTORES

MATRIX RELIGIOUS
Compilação de textos sobre a trilogia Matrix e a religião

ÍNDICE

MATRIX RELIGIOUS
ABERTURA | MATRIX E A PÍLULA VERMELHA DA VERDADE
1 | A RELIGIÃO E A MITOLOGIA DE MATRIX
2 | MATRIX RELIGIOSA
3 | DIVERSIDADE RELIGIOSA BRASILEIRA E AS QUATRO
MATRIZES
4 | MATRIX , UMA ABORDAGEM TEOLÓGICA
5 | A MATRIX DO REINO DE DEUS
6 | EU TAMBÉM TOMEI A PÍLULA VERMELHA...
7 | BEM-VINDO À MATRIX
8 | RELAÇÃO ENTRE MATRIX E RELIGIÃO
9 | MATRIX , OS EVANGÉLICOS E A CRISE DO REAL E DO
IRREAL
10 | E SE A IGREJA FOSSE UMA MATRIX ?
11| MATRIX DESCONSTRUCTIONS
12 | TOMEI A PÍLULA VERMELHA
13 | TOMOU A PÍLULA VERMELHA
14 | ALGUÉM QUE TOMOU A PÍLULA VERMELHA
15 | MATRIX E A FILOSOFIA
16 | MATRIX DESTROYED
17 | UMA MATRIX CHAMADA IGREJA
18 | EVANGÉLICOS EM CRISE
19 | COMO SERÁ A IGREJA EVANGÉLICA BRASILEIRA DE
2040?
20 | MATRIX – UMA INTERPRETAÇÃO FILOSÓFICA

ABERTURA | MATRIX E A
PÍLULA VERMELHA DA
VERDADE

As pessoas se perguntam com frequência “o que é pílula


vermelha de Matrix ?”. Para os plugados em tecnologia e
informática, que são também fãs do cinema, e que possuem
um senso crítico e reflexivo, não fica difícil entender a
analogia emprestada do filme Matrix .
Contudo, para os que não têm a mínima ideia do que
seja a pílula vermelha, aqui vai um pouco a respeito. Há
muita filosofia envolvida no filme que nos faz questionar a
nossa realidade, a razão, a percepção, o objeto, o subjeto, a
crença, o credo, o mito, a religião e o mundo como o vemos.
No filme, vemos o seguinte cenário: o mundo é uma
construção programada pelas máquinas para manter os
humanos escravos dessa ilusão, a Matrix . De forma a
mantê-los vegetativos e usá-los como fonte de energia.
Existem alguns poucos humanos livres que lideram um
movimento de revolução e despertamento das pessoas que
ainda estão presas na Matrix . E que lutam com as
máquinas e, às vezes dentro da própria Matrix com agentes
(softwares caçadores de intrusos ou pessoas livres), para
subjugarem a dominação das mesmas sobre os humanos.
Um dos líderes de um grupo da rebelião chamado
Morfeu acredita que Thomas Anderson, um hacker de
apelido Neo, ainda preso na ilusão da Matrix é o possível
Escolhido para libertar as pessoas do domínio das
máquinas, segundo uma profecia. Neo é uma pessoa
mórbida e que tem a impressão de que alguma coisa está
muita errada na sua vida. É um questionador, um
inconformado com a realidade. Morfeu faz contato com ele
dentro da Matrix e procura convencê-lo de que ele é um
mero escravo de um Sistema bem elaborado para mantê-lo
crente de que tudo está normal. No processo em que Morfeu
tenta abrir o entendimento de Neo a respeito de toda a
ilusão em que ele esta inserido, Morfeu oferece a Neo um
momento decisivo na busca da verdade. É onde segue o
seguinte diálogo:

Morfeu: Você a sente quando vai para o trabalho quando


vai à igreja, quando paga seus impostos. É o mundo que foi
colocado diante dos seus olhos para que você não visse a
verdade.
Neo: Que verdade?
Morfeu: Que você é um escravo. Como todo mundo,
você nasceu num cativeiro, nasceu numa prisão que não
consegue sentir ou tocar. Uma prisão para sua mente.
Infelizmente, é impossível dizer o que é a Matrix . Você tem
de ver por si mesmo. Esta é sua última chance. Depois não
há como voltar. Se tomar a pílula azul, a história acaba, e
você acordará na sua cama acreditando no que quiser
acreditar. Se tomar a pílula vermelha ficará no País das
Maravilhas e eu te mostrarei até onde vai a toca do coelho.
Lembre-se tudo que ofereço é a verdade. Nada mais.

Assim como Neo, diariamente diversas pessoas se


convencem de que algo está muito errado na vida, elas
também têm a mesma postura de Neo. Tomam a pílula
vermelha! Decidem questionar seus dogmas, crenças,
razões, motivos, tradições, liturgias, suas ideias,
preconceitos, a História, a Religião, a vida e o mundo que
veem. A pílula vermelha tem haver com a verdade. E
mesmo que todo esse processo doa essas pessoas estão
dispostas a não se submeterem a nenhum sistema
instaurado, tanto secular quanto religioso, psicológico ou
espiritual. Questionam a própria razão, a verdade, a moral e
a ortodoxia pessoais.
Lançam-se nessa busca pela verdade, reencontrando a
verdade além das quatro paredes da mediocridade e da
ostentação deste mundo.
Tais questionadores estão dispostos a ser taxados,
rotulados, marcados ou até mesmo ser lançados na fogueira
da inquisição religiosa e de qualquer outro sistema elitista e
exclusivista que possa se interessar em enforcá-los. A pílula
vermelha diz respeito à boa notícia de que, quando você a
engole, em detrimento de todo o conforto e comodismo que
se perde por enxergar com uma mente livre, você então se
defronta pessoalmente com a verdade.
Para Nietzsche, a verdade é um ponto de vista. Ele não
define nem aceita definição da verdade, porque diz que não
se pode alcançar uma certeza sobre isso. O primeiro
problema para os filósofos é estabelecer que tipo de coisa é
verdadeira ou falsa, qual o portador da verdade (em inglês,
truth-bearer ). Depois há o problema de se explicar o que
torna verdadeiro ou falso o portador da verdade. Há teorias
robustas que tratam a verdade como uma propriedade. E há
teorias deflacionárias, para as quais a verdade é apenas
uma ferramenta conveniente da nossa linguagem.
Desenvolvimentos da lógica formal trazem alguma luz sobre
o modo como nos ocupamos da verdade nas linguagens
naturais e em linguagens formais. Há ainda o problema
epistemológico do conhecimento da verdade. O modo como
sabemos que estamos com dor de dente é diferente do
modo como sabemos que o livro está sobre a mesa. A dor
de dente é subjetiva, talvez determinada pela introspecção.
O fato de o livro estar sobre a mesa é objetivo, determinado
pela percepção, por observações que podem ser partilhadas
com outras pessoas, por raciocínios e cálculos.
Há ainda a distinção entre verdades relativas à posição
de alguém e verdades absolutas. Os filósofos chamam
qualquer entidade que pode ser verdadeira ou falsa de
portador da verdade. Proposições, frases, afirmações,
ideias, crenças e opiniões podem ser considerados
portadores da verdade. Assim, um portador da verdade, no
sentido filosófico, não é uma pessoa, ou Deus. Para alguns
filósofos, alguns portadores da verdade são primitivos, e
outros derivados. Filósofos dizem, por exemplo, que as
proposições são as únicas coisas literalmente verdadeiras.
Uma proposição é uma entidade abstrata a qual é expressa
por uma frase, defendida em uma crença ou afirmada em
um juízo. (Nossa capacidade de apreender proposições é a
razão ou entendimento.) Todas essas manifestações da
linguagem que são ditas verdadeiras apenas se expressam,
defendem ou afirmam proposições verdadeiras. Assim,
frases em diferentes línguas, como, por exemplo, o
português e o inglês, podem expressar a mesma
proposição. A frase “O céu é azul” expressa a mesma
proposição que a frase “The sky is blue ”. Já para outros
filósofos, proposições e entidades abstratas em geral são
misteriosas e, por isso, pouco auxiliam na explicação. Por
isso, tomam as frases e outras manifestações da linguagem
como os portadores da verdade fundamentais.
Você pode escolher tomar a pílula azul e voltar a não se
preocupar com questões controversas, polêmicas e difíceis.
Continuar frequentando seu culto e ficar quase duas horas
ouvindo um cara gritando num púlpito, ou participar da
ladainha da missa, ou fazer suas reuniões metódicas e
religiosas, sem causar efeito algum para os pobres, cativos
e oprimidos. Sendo uma pessoa boa e honesta que acha
que tudo está bem e normal. Ou pode tomar a pílula
vermelha e ser enviado como ovelha no meio de lobos. Ser
alvo de críticas e chocarrices de pessoas de várias
vertentes. Tomar a sua cruz dia-a-dia e renunciar ao
comodismo, ao conformismo, ao consumismo, ao
individualismo e tudo que lhe impede de ser luz para os que
estão nas trevas. Você pode conhecer a Verdade...
Os editores.

1 | A RELIGIÃO E A
MITOLOGIA DE MATRIX
Érico Borgo (Omelete) [1]
Em 1999, Matrix sacudiu Hollywood com espetaculares
efeitos especiais que revolucionaram o cinema de ação.
Porém, muito mais que encher os olhos dos espectadores
com sequências de imagens jamais vistas na tela grande, o
filme garantiu aos mais interessados material para um
caloroso e interessante debate, algo que já dura quatro
anos e promete se estender por décadas, a exemplo de
outros grandes clássicos da ficção científica como 2001 -
Uma odisseia no espaço (2001: A Space Odyssey , de
Stanley Kubrick, 1968) ou Blade Runner - O caçador de
andróides (Blade Runner , de Ridley Scott, 1982).
Dentre os aspectos mais empolgantes de Matrix estão a
utilização de simbolismos religiosos como embasamento
para as ideias propostas na história. Os enigmáticos irmãos
Wachowski, criadores e diretores da série, nunca gostaram
de comentar a esse respeito. Porém, num raro chat com os
fãs há alguns anos, a dupla revelou que absolutamente
todas as referências foram cuidadosamente plantadas e
intencionais, incluindo todos os nomes de personagens, e
que todas elas têm múltiplos significados. “Matrix é o
resultado da soma de cada uma das ideias que já tivemos”,
disse Larry Wachowski.
É difícil não acreditar na afirmação depois de pesquisar
um pouco sobre a mitologia existente no filme... um
verdadeiro caldo de ideias filosóficas e religiosas.

O QUE É A MATRIX ?
Antes de se aprofundar nos simbolismos que permeiam
toda a série, é preciso lembrar da resposta para a pergunta
essencial do filme: O que é a Matrix ?
No filme, a Matrix é um mundo dos sonhos gerado por
computador, um gigantesco sistema de realidade virtual
que simula o nosso mundo como é hoje e conecta toda a
humanidade adormecida, mantida sem consciência de sua
própria realidade. Todas as pessoas do planeta (exceto um
grupo de rebeldes que habita o subsolo da Terra) foram
escravizadas há uma centena de anos, depois de uma
sangrenta batalha que foi vencida por máquinas dotadas de
inteligência artificial. Os humanos são utilizados como fonte
primordial de energia pelas máquinas, impossibilitadas de
usarem a energia solar, que não penetra mais na atmosfera
(ver AniMatrix - O segundo renascer ).

CATOLICISMO EM MATRIX
As analogias de Matrix com as religiões começam fáceis.
Boa parte das pessoas que viram o filme devem ter notado
a presença de elementos cristãos na produção. Na mais
óbvia delas, Neo (Keanu Reeves) morre, ressuscita e
ascende aos céus. Jesus Cristo? Pode apostar que sim.
Neo é O Messias, O escolhido, aquele da qual falam as
profecias e cuja vinda é preparada por Morpheus (Lawrence
Fishburne), que por sua vez cumpre o papel no filme que na
Bíblia é de João Batista. O personagem, cujo nome é o
mesmo do deus grego dos sonhos (mais uma simbologia
inteligente), aguarda pacientemente a vinda do Messias,
que poderá submeter a Matrix às suas próprias regras,
reprogramando-a a partir de dentro. Em outras palavras,
realizar milagres.
A ligação de Neo com a figura do Messias cristão é
reforçada no filme de inúmeras maneiras. “Aleluia! Você é
meu salvador, cara. Meu Jesus Cristo particular”, exclama
Chad, um comprador de softwares ilegais de Neo, enquanto
ainda era Thomas Anderson, um programador no mundo
real. Na nave Nabucodonosor (batizada com o nome de um
rei babilônico responsável pela destruição do templo de
Jerusalém para colocar o povo de volta no verdadeiro
caminho de Deus), a tripulação, maravilhada com os feitos
de Neo, exclama com frequência “Jesus Cristo” ou “Cristo”.
É no veículo também que está gravada a inscrição MARK III
nº 11, referência messiânica do Evangelho de Marcos 3.11,
que diz: “E quando os espíritos impuros o viam, se jogavam
gritando: Tu és o filho de Deus”.
Depois de Neo, o nome Trinity (em português, Trindade)
– que significa o conceito de Pai/Filho/Espírito Santo – sugere
outro elemento católico. Todavia, tem implicações mais
profundas, que derivam do significado convencional da
palavra, algo justificado no primeiro diálogo da personagem
com o escolhido: “Você é A Trinity? Jesus... é que pensei que
fosse um homem”, diz, surpreso, Neo. “A maioria dos
homens pensa assim”, revela a hacker , sugerindo que a
utilização de seu nome não deriva da maior fé em atividade
no planeta, na qual a trindade é essencialmente masculina.
Mãe, filha e espírito santo? As feministas devem ter
delirado. ;-)
Merecem destaque ainda o fato de a primeira Matrix ter
sido concebida como um lugar ideal – um paraíso – que foi
rejeitado pelos humanos (a história de Adão e Eva) e os
nomes Apoc (abreviação de Apocalipse), Zion (Sião, a Terra
Prometida para os judeus) e, o mais interessante, Cypher
(interpretado por Joe Pantoliano) – cujos atos refletem a
traição de Judas na Bíblia. Cypher, que quer dizer
codificador, também espelha a natureza do personagem:
alguém que não pode ser decodificado/entendido.

GNOSTICISMO
Porém, apesar dos elementos descritos acima serem
essencialmente cristãos, a analogia entre o sistema da
Matrix e as crenças religiosas pouco se utiliza dessa fé. A
fundamentação para o funcionamento da câmara de sonhos
parece mais calcada nas filosofias gnóstica e budista, em
eterno questionamento da realidade como a vemos.
O gnosticismo foi um sistema religioso que floresceu
entre os séculos II e V e tinha seus próprios rituais e
escrituras, sendo a principal delas o Evangelho de Tomás.
No mito gnóstico, o Deus Supremo é absolutamente
perfeito, reside no paraíso, e abaixo dele estão outros seres
divinos – sem gêneros distintos –, que têm o poder de gerar
herdeiros, também divinos e perfeitos, quando unidos em
par. Todavia, quando um deles – Sophia – decide dar à luz
uma entidade sem o auxílio de outra divindade, surge
Yaldabaoth – um herdeiro aberrante, imperfeito, que é
jogado fora numa região separada do universo. Tal
divindade solitária acaba acreditando que é o único Deus
existente e decide criar anjos, a Terra e as pessoas. Tal
decisão acaba privando os humanos – também criações
divinas – de seu reino de direito, o paraíso, mantendo-os
presos num mundo material terrível.
As referências ao gnosticismo em Matrix vão além do
simples fato de que os humanos são tratados como
prisioneiros em um mundo no qual não escolheram viver – e
do qual precisam despertar. As próprias inteligências
artificiais parecem refletir o deus aberrante criado por
Sophia. Os robôs pensam e existem, mas não têm espíritos.
Como Yaldabaoth, criam sua própria raça e mundo – a
Matrix . É só quando Neo toma consciência da fragilidade
desse mundo imperfeito e de sua condição de entidade
divina que consegue quebrar as regras e passa a operar
milagres, tornando-se o salvador de sua raça. Vale notar
também que Thomas Anderson – o nome de batismo de Neo
– significa ANDER (homem) + SON (filho), ou seja, filho do
Homem; e Thomas ou Tomás é o nome do autor do
Evangelho fundamental do gnosticismo.
Alguns autores vão ainda além e atribuem parte da
própria criação do efeito bullet time (aquelas sequências
congeladas baseadas nos animês e HQs, nas quais a
câmera dá até uma volta 360º ao redor dos objetos em
cena) ao gnosticismo. É que nos mitos dos gnósticos, as
divindades mais elevadas conseguem tornar-se imóveis e
silenciosas, sem qualquer medo, através de concentração e
meditação. “Concentre-se, Trinity”, pede Morpheus à sua
aliada em determinado momento do filme.
Todavia, concentração e imobilidade também são
encontradas em outra filosofia religiosa cuja presença é
maciça no filme – o budismo.

O BUDISMO EM MATRIX
Logo depois de ser proclamado o Jesus Cristo particular
de seu comprador, Neo lembra-o que aquela transação é
ilegal, ao que ele responde: “Isso nunca aconteceu. Você
não existe”. Trata-se da ideia budista da Vacuidade ou Vazio:
a não-realidade do indivíduo e dos fenômenos, prenúncio
precoce do que ainda está por vir.
Matrix reflete nas telas o Samsara, o ciclo budista de
morte e renascimento no qual a existência é considerada
uma ilusão, palco de sofrimento e a frustração engendrados
pela ignorância e pelas emoções conflituosas. Através de
meditação, os monges budistas têm como objetivo escapar
desse ciclo, atingindo a iluminação, o estado além do
sofrimento.
Também conhecida como Budeidade – estado que
requer generosidade, disciplina, paciência, perseverança,
concentração e o conhecimento transcendente – a busca é a
meta de Morpheus para Neo. O capitão da Nabucodonosor
já está desperto e optou por auxiliar outros a despertarem,
ao invés de desfrutar de sua própria iluminação. No jargão
budista, ele representa um Bodhisattva e vê em Neo
(anagrama para One - Um, único) algo mais que um
semelhante... alguém que é a reencarnação do humano que
no passado transcendeu o conhecimento e controlou a
Matrix .
A ideia é reforçada em pelo menos três passagens de
morte/renascimento. A primeira é a vida de Thomas
Anderson. A segunda é o despertar de Neo para a vida real
em seu útero mecânico na Matrix . A última é a morte de
Neo nos dois mundos e seu renascimento como um novo
ser, capaz de reprogramar a realidade da Matrix . O sistema
de reencarnação também é sugerido na explicação do
funcionamento da Matrix . Nela, os humanos mortos são
liquefeitos e usados para alimentar os demais... num eterno
ciclo de reaproveitamento.
Todavia, um importante ideal budista não é respeitado
no filme. Trata-se da doutrina da não-violência, na qual é
ensinada que nenhuma vida deve ser prejudicada.
Obviamente, um filme de ação não sobreviveria em
Hollywood sem tiros, armas e mortes, numa triste
constatação que a iluminação ainda está bem longe de ser
alcançada por nós.

RELOADED
Todas as informações acima meramente arranham os
simbolismos religiosos em Matrix . Há dezenas de outras
menções mitológicas/religiosas, algumas simples – como a
inscrição “Conhece-te a ti mesmo”, do Oráculo de Delfos, na
casa da Oráculo – e outras paradoxais – Zion é sugerido
como o Paraíso, mas fica nas profundezas ardentes do
planeta, onde seria o Inferno. O fato dos humanos terem
arruinado o próprio planeta e serem responsáveis diretos
pelo caos do futuro também faz pensar...
Em Matrix Reloaded , segundo filme da série, algumas
das ideias até dispostas são reforçadas. Neo, por exemplo,
experimenta a vida do Messias e tem até mesmo
seguidores! Surgem também outras ideias, novas e ainda
mais complexas, enquanto outras, que o público parecia
finalmente ter entendido, caem por terra de maneira
chocante. Enfim, uma análise completa das referências
religiosas da saga só será possível no final do ano, com o
lançamento de Matrix Revolutions , e depois de algumas
sessões e muita conversa sobre a saga. Será uma longa
espera até novembro.
2 | MATRIX RELIGIOSA
O ATUAL CENÁRIO RELIGIOSO BRASILEIRO
Claudio de Oliveira Ribeiro [2]

A diversidade religiosa no Brasil têm gerado novos


desafios em diferentes campos do conhecimento,
especialmente no das ciências da religião e da teologia. Não
obstante ao fortalecimento institucional e popular de
propostas religiosas com acentos mais verticalistas, em
geral conflitivas, fechadas ao diálogo, marcadas por
violência simbólica e de caráter fundamentalista, o campo
religioso tem experimentado também formas ecumênicas
de diálogo entre grupos religiosos distintos.
Diante desse quadro ambíguo, surgem diferentes
perguntas: como tal realidade, especialmente com as suas
contradições, incide no quadro social e político e vice-versa?
Como elas interferem no fortalecimento de uma cultura
democrática e de práticas afins? Como podem conviver no
mesmo tempo e espaço social práticas religiosas fechadas
ao diálogo e outras que defendem a pluralidade e a
aproximação entre grupos religiosos? Quais são as
possibilidades para fortalecimento do pluralismo religioso?
Essas e outras perguntas similares não encontram respostas
razoavelmente seguras.
Há um longo e denso caminho de reflexão em direção ao
amadurecimento delas. Os limites de nossa reflexão no
momento não possibilitam equacioná-las. Todavia alguns
passos precisam ser dados.
Nosso objetivo é indicar alguns aspectos do quadro
religioso brasileiro atual que consideramos os mais
relevantes, com destaque para as possibilidades e para os
limites do pluralismo religioso. Para isso, destacaremos a
relação da matriz religiosa e cultural brasileira com os
aspectos que marcam o pluralismo religioso atual, os
processos de privatização das experiências religiosas,
especialmente como o fato econômico intervêm nas
experiências religiosas, os processos de secularização e as
novas formas religiosas, levando em consideração também
as formas de trânsito religioso e o lugar das mídias no
processo religioso atual, e a relação entre as expressões de
fundamentalismo e as de pluralismo.

PRESSUPOSTOS CONCEITUAIS PARA A ANÁLISE


Destacamos, inicialmente, quatro concepções que
consideramos fundamentais para uma hermenêutica do
quadro religioso: (i) a contribuição da concepção de
diferença cultural para as análises do pluralismo religioso,
(ii) a noção de alteridade e a sua implicação para o estudo
científico da religião, e (iii) os processos de
interculturalidade facilitados pela maior velocidade das
comunicações, pelo desapego às tradições e pela
mobilidade rural-urbana, e (iv) a concepção de entre-lugar,
como trabalho fronteiriço da cultura, que requer um
encontro com “o novo” que não seja mera reprodução ou
continuidade de passado e presente.
Embora não detalhadas nesse trabalho, tais concepções
estão pressupostas em nossa análise do contexto religioso.
Vejamos: A primeira é a pressuposição de uma distinção,
ainda que sutil, entre pluralismo, pluralidade e diferença
(religiosa ou cultural). No contexto latino-americano em
especial, a cultura e a religião formam um amálgama, a
ponto de não conseguirmos estudar uma cultura sem
considerar a religião. Da mesma forma, não conseguimos
analisar a religião, sem levarmos em conta os aspectos
culturais. Diante disso, o termo pluralismo possui enfoque
mais acentuadamente descritivo.
Assim como analisamos a variedade de sistemas
econômicos ou políticos, estudamos também o pluralismo
religioso, o qual está relacionado aos sistemas religiosos
existentes no mundo ou em determinado contexto. A
palavra pluralismo nos parece indicar que estamos apenas
olhando para um “bloco” único de pluralidade. Pluralidade,
por sua vez, tem caráter mais valorativo. Trata-se do quanto
os sistemas religiosos existentes no mundo ou os de uma
região específica são, de fato, distintos. O vocábulo
diferença é o resultado da análise do pluralismo, pois na
pluralidade detectada em cada ramo do sistema religioso,
comparam-se e analisam-se as diferenças e semelhanças,
sempre valorizando cada uma delas, sem englobar todas
em uma única nomenclatura ou conceituação. Dessa forma,
obtém-se o valor de cada aspecto, forma ou experiência,
dentro de cada sistema religioso. Ao discutirmos a diferença
dentro de cada sistema, estamos um passo além da
diversidade religiosa, fornecendo maior autonomia a cada
uma das partes, pois o que analisa também se inclui como
um portador de diferença religiosa ou cultural.
A visão de diferença valoriza ainda mais a autonomia
das partes, dos sujeitos e das perspectivas em jogo. A
segunda concepção, advinda do campo da antropologia e da
filosofia, é a noção de alteridade. A capacidade de
alteridade é reconhecer um “outro” que está além da
subjetividade própria de cada pessoa, grupo ou instituição.
Autores como Emmanuel Lévinas (2002) e Martin Buber
(1987) aprofundaram a temática. Trata-se de uma postura,
método, ou sistema de ferramentas científicas que permite
redimensionar, em perspectiva, a realidade. Assim, a
plausibilidade de um dado sistema (religioso ou cultural) se
evidenciaria no convívio com o “outro” e não na
confrontação apologética tentando desqualificá-lo. Dessa
forma, permite-se uma possibilidade criativa de
aproximação e convívio da qual decorrerá em melhor
compreensão do “outro”, que não mais será visto como
exótico, como inimigo, como inferior ou como qualquer
outra forma de desqualificação. É com essa perspectiva que
recorremos à concepção de alteridade para as ciências da
religião. Como terceiro elemento, destacamos a
interculturalidade como processo contextual que visa a
capacitação de pessoas e grupos para uma vivência de
culturas e religiões em constante relação e em mútuas
transformações abertas (FORNET-BETANCOURT, 2007).
A interculturalidade busca um equilíbrio em um mundo
diverso e plural, a partir de relações articuladoras do novo,
fora da lógica daquilo que se soma ou se subtrai. O que
nelas acontece é um relacionamento interativo de
caminhos. No caso das religiões, a interculturalidade visa a
fazer com que elas vivam em solidariedade e mutualidade,
em abertura ao outro e em comunicabilidade harmoniosa e
respeitosa entre os seres humanos, em desapego às
tradições cristalizadas, a fim de construir um mundo a partir
das pessoas, grupos e instituições de “boa vontade” e das
experiências críticas, propositivas, plurais e de alteridade.
Por fim, também como referencial de análise das diferenças
culturais e religiosas, indicamos a busca de um
equacionamento mais adequado para as relações entre
religião e cultura, com destaque para o valor dos estudos
culturais. Nossa base são as abordagens de Homi Bhabha.
Dentro da visão crítica do pensamento pós-colonial do
referido autor, destacamos o trabalho fronteiriço da cultura,
que requer um encontro com “o novo” que não seja mera
reprodução ou continuidade de passado e presente. Ele
renova e reinterpreta o passado, refigurando-o como um
“entre-lugar” contingente, que inova, interrompe e interpela
a atuação do presente. Outro destaque é o horizonte
hermenêutico e de intervenção social de Bhabha a partir da
possibilidade de “negociação” da cultura ao invés de sua
“negação”, comum nas posições dicotômicas e bipolares,
tanto no campo político como nas análises científicas.
Trata-se de uma temporalidade forjada nos entre-lugares
e posicionada no “além”, que torna possível conceber a
articulação de elementos antagônicos ou contraditórios e
tornar possível novas realidades ainda que sejam híbridas,
sem forte coerência racional interna, mas nem por isso
desprovida de potencial transformador e utópico (BHABHA,
2001).

O MUNDO EM MUDANÇA
As transformações ocorridas na sociedade, tanto em
âmbito mundial como continental, desafiam fortemente os
grupos religiosos e os acadêmicos que os estudam, em
especial em relação às formulações teóricas e às práticas e
vivências religiosas inovadoras que se destacaram nas
últimas décadas do século XX e que hoje parecem não ser
mais os fatores que caracterizam a vivência religiosa em
nossas terras. No campo cristão, por exemplo, a teologia e a
pastoral latino-americanas, em função de suas bases
teóricas, não ficaram isentas dos impactos proporcionados
pelas mudanças socioeconômicas e políticas no final do
século passado simbolizadas pela queda do “muro de
Berlim”. É fato que outros fatores socioeconômicos também
tiveram impactos na teologia e pastoral latino-americanas
que não aqueles relativos à queda do muro de Berlim, ou ao
menos, tardiamente relacionado a desestabilização dos
socialismos. Se retroagirmos algumas décadas, poderíamos
mencionar as tensões da Guerra Fria; o processo de
urbanização e esvaziamento do campo; a implantação dos
regimes militares na América Latina, e outros. Em função
disso, novos referenciais precisam ser construídos e
operacionalizados para que a produção teológica possa ser
aprofundada e adquira novos estágios cada vez mais
relevantes no tocante às respostas mais consistentes das
questões que emergem do quadro sociocultural, político e
econômico do presente momento. Para a reflexão sobre os
atuais desafios que se apresentam à teologia e às ciências
da religião no contexto latino-americano, especialmente a
interpretação do quadro religioso como proposta aqui, é
necessário pressupor o quadro das referidas transformações
nos campos político, social, econômico e cultural ocorridas
ainda na virada para os anos de 1990 e que até hoje exigem
melhor compreensão. Tais mudanças fortaleceram a
consolidação do capitalismo globalizado e desordenaram
significativamente os processos de produção de
conhecimento. Ao mesmo tempo viveu-se o crescimento e o
fortalecimento institucional de novos movimentos religiosos,
em especial do pentecostalismo e das experiências de
avivamento religioso, cristão e não-cristão.
Nestor Canclini, na obra Consumidores e Cidadãos:
conflitos multiculturais da globalização , indicava há
décadas atrás que a maneira neoliberal de fazer
globalização consiste em reduzir empregos para reduzir
custos, competindo entre empresas transnacionais, cuja
direção se faz desde um ponto desconhecido, de modo que
os interesses sindicais e nacionais quase não podem ser
exercidos. A consequência de tudo isto é que mais de 40%
da população latino-americana se encontra privada de
trabalho estável e de condições mínimas de segurança, que
sobreviva nas aventuras também globalizadas do comércio
informal, da eletrônica japonesa vendida junto a roupas do
sudoeste asiático, junto a ervas esotéricas e artesanato
local (CANCLINI, 1996, p. 18-19).
Desde a derrocada do sistema socialista soviético, o
capitalismo globalizado, como novo estágio que o sistema
econômico predominante experimentou no final do século
XX, tem sido apresentado como o único caminho para se
organizar a sociedade. As conhecidas e controvertidas teses
de Francis Fukuyama afirmam que o triunfo do capitalismo
como um sistema político e econômico significou que o
mundo teria alcançado o “fim da história” (FUKUYAMA,
1992).
Esse novo estágio do sistema capitalista acentua a
desvalorização da força de trabalho em função da
automação e da especialização técnica e em detrimento das
políticas sociais públicas. Forma-se, portanto, um enorme
contingente de massas humanas excluído do sistema
econômico e destinado a situações desumanas de
sobrevivência ou mesmo passível de ser eliminado pela
morte. Os ajustes sociais e econômicos implementados
pelas políticas neoliberais geram degradação humana,
perda do sentido de dignidade e consequentes problemas
sociais das mais variadas naturezas atingindo os setores
mais pobres da sociedade.
Contraditoriamente, em meio ao processo de
globalização da economia e da informação, emergem, com
maior intensidade, os conflitos étnicos, raciais e regionais
no mundo inteiro. Portanto, as análises sociais precisam
pressupor a reordenação internacional já referida, desde os
efeitos do fim do “socialismo real”, décadas atrás, e as
mudanças no capitalismo internacional, em especial por
suas propostas e ênfases totalizantes e hegemônicas que
reforçam sobremaneira as culturas do individualismo e do
consumismo exacerbados. Ao lado disso, está a
complexidade da realidade cultural e a necessidade de
compreensões mais amplas que não sejam reféns de uma
visão meramente bipolar “dominantes x dominados”.
Todos esses aspectos são arestas correlacionadas de
uma mesma realidade e demarcam as discussões em torno
dos temas teológicos e das análises científicas das
experiências religiosas. A necessidade de se superar as
visões dicotômicas e dualistas revela, como já referido, a
importância dos estudos culturais e das análises oriundas
da visão pós-colonial para os nossos estudos.
No campo social, as sociedades latino-americanas vivem
processos que, embora variados, possuem em comum uma
série de obstáculos para o exercício da cidadania. Além da
realidade política e econômica, está o desenvolvimento de
uma cultura da violência que, além da dimensão social,
envolve os aspectos étnicos, raciais e de gênero. O Brasil e
os demais países da América Latina vivem tal realidade
intensamente. Soma-se a isto a violência a partir das ações
do crime organizado, de justiceiros e de grupos de
extermínio, fobias sociais, étnicas e de motivação sexual, e
a degradação da vida humana com tráfico de crianças,
comércio de órgãos humanos e prostituição e a violência
urbana. É fato que, em termos políticos, há sinais que
contradizem tal tendência.
Mesmo que cada grupo ou opção política tenha
diferentes avaliações em relação às suas atuações, é
consenso afirmar que, nos últimos anos, diversos governos
na América Latina assumiram e têm desenvolvido políticas
cujo perfil se enquadra em um espectro mais “à esquerda”
do que seus antecessores. É o caso do Brasil, da Venezuela,
do Chile, da Argentina, da Bolívia, do Equador e do Paraguai.
As repercussões de tais políticas requerem uma análise à
parte, mas elas têm gerado expectativas de mudança
social. O mesmo se dá com alguns movimentos sociais,
como, por exemplo, os que se articulam em torno de
direitos sociais e cidadania, em especial pelas redes sociais
digitais, o Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST) no Brasil, articulações de povos indígenas na Bolívia e
mobilizações populares diversas, em especial as que
integram o Fórum Mundial Social em suas diferentes
versões no Brasil e em outros países, cuja referência básica
é que “um outro mundo é possível”.

3 | DIVERSIDADE
RELIGIOSA BRASILEIRA E
AS QUATRO MATRIZES
Elói Corrêa dos Santos [3]

Nunca somos um só, somos sempre uma pequena


multidão que vive dentro da gente buscando formas de
compreender nossa passagem por este mundo. Esta
multidão age em diferentes direções e nos dão diferentes
razões para viver. Não importa muito em que condição
social nascemos. Nascer índio ou não-índio é apenas um
detalhe. Há muitos que querem ser índio por terem amor
pela causa ou por entenderem que isso é uma bênção
divina. Acabam se transformando. Há os que, sendo índio,
desejam não sê-lo por causa do estigma a que são vítimas
desde que nascem. Estes, normalmente, não são muito
felizes, pois negam o que são vivendo uma vida que não
lhes pertence de fato. “[...] Não se pode culpar ninguém por
tentar viver sua vida da melhor forma possível” (Daniel
Munduruku, 2010).
A Associação Inter-Religiosa de Educação (ASSINTEC), há
mais de quarenta anos vem desenvolvendo atividades de
assessoria e prestação de serviço à Secretaria de Estado da
Educação do Paraná e às Secretarias Municipais no que diz
respeito a efetivação da disciplina de Ensino Religioso, com
o objetivo de auxiliar no cumprimento das leis vigentes que
afirmam que o Ensino Religioso deve favorecer o respeito à
diversidade cultural e religiosa e fomentar o repúdio a toda
forma de preconceito e discriminação religiosa.
Assim, a ASSINTEC formada por lideranças de diversas
organizações religiosas, atualmente sob a presidência do Pe.
Carlos Chiquim, tem buscado o diálogo inter-religioso e a
criação de espaços de formação para professores e
interessados no Ensino Religioso, por meio de cursos,
produção de materiais didáticos e visitas pedagógicas os
Lugares Sagrados de variadas tradições religiosas.
Uma questão levantada pelos pesquisadores da religião
e pelos professores nas formações continuadas é como e de
que forma pode-se garantir o trabalho com a diversidade
religiosa na sala de aula? Quais religiões deveriam ser
abordadas e tratadas para podermos afirmar que estamos
respeitando a diversidade? Porém, o principal
questionamento dos professores diz respeito: a quantas e
quais religiões devem ser trabalhadas para que contemple a
diversidade? Tratar apenas das várias religiões cristãs daria
conta desta diversidade? Trabalhar com as chamadas
grandes religiões?
Diante deste questionamento a equipe pedagógica da
ASSINTEC (Associação Inter-Religiosa de Educação),
juntamente com os responsáveis pelo Ensino Religioso na
SEED/PR por meio do DEB, SME de Curitiba e SEMED de
Pinhais, através de pesquisas entendem e orientam que
para sermos razoáveis nesse quesito, ao abordar os
conteúdos do Ensino Religioso, devem ser consideradas as
quatro matrizes religiosas: indígena, ocidental, africana e
oriental - na ordem histórica da formação do povo brasileiro.
Portanto, esse tema surgiu da necessidade de se
discriminar e fundamentar as principais bases e origens
daquilo que vem a ser o âmago do processo de construção
da diversidade de religiões e espiritualidade do povo e da
cultura brasileira.
Reconhecendo a existência de um número imenso de
religiões, entendemos que para dar conta dessa situação
precisamos compreender a formação da religiosidade
brasileira e pensar a diversidade religiosa a partir da
construção histórica do Brasil. E assim, chegamos ao
consenso que esse processo de construção da cultura
religiosa se deu por meio de quatro grandes matrizes:
indígena, ocidental, africana e oriental.
Então surgiram varias dúvidas sobre as quatro matrizes,
porque do ponto de vista geográfico a matriz indígena é
ocidental, e o Cristianismo tem sua gênese no oriente
médio. As religiões africanas estão em parte no ocidente e

Á
parte no oriente, embora a África comumente seja dividida
por meio da rotura subsaariana (abaixo e acima do Saara).
Pois bem, nossos pressupostos não se definem pela
divisão norte, sul, leste e oeste sob o ponto de vista
geográfico, ou ainda por meio de uma análise da gênese
geográfica de cada religião, mas sim a partir do próprio
território brasileiro e de suas genealogias religiosas. Dito
isto, colocamos a questão fundacional: Qual é a primeira
matriz religiosa brasileira? Ora, ainda que a religiosidade
indígena tenha sido negada pelos primeiros invasores e
antropólogos, inegavelmente temos que admitir que a
primeira matriz religiosa do Brasil, é a Indígena.
Os povos indígenas brasileiros em toda a sua
diversidade e riqueza cultural possuíam e possuem uma
enorme variedade de religiosidades visto que são muitos
povos com costumes e dialetos diferentes. Então, não
podemos falar em religião indígena, pois há tantas formas
de religiosidade quanto há povos distintos. Outro aspecto
que devemos salientar de antemão é que precisamos fazer
uma ressalva a partir do que nos aponta Pereira (2010), ao
afirmar que o entendimento sobre religião adotado pelo
ocidente, na significação de religação com o transcendente,
não se aplica a espiritualidade Guarani, pois os
pertencentes a esse povo não marcam espaço e tempo
dividindo-os em categorias de sagrado e profano, nos
termos em que conceituou Mircea Eliade, em sua obra O
sagrado e o profano .
Contudo, para efetuar uma intermediação entre a
academia e a religiosidade dos povos indígenas brasileiros,
adotamos o termo religião sem esquecer que o termo não
se aplica ao caso estudado em todas as suas nuances e
particularidades. Essa identificação não é apenas uma
questão de resgate histórico, mas também de alteridade e
reconhecimento da importância do Xamanismo Indígena
brasileiro tanto para esses povos tão massacrados como
para a formação da espiritualidade de nosso povo.
A segunda matriz presente no território brasileiro é
oriunda da Europa ocidental, pois ainda que se possa
afirmar a gênese geográfica oriental do Cristianismo, foi de
Portugal e Espanha que o Cristianismo Católico Apostólico
Romano veio para o Brasil no processo de colonização.
No período colonial e imperial o Cristianismo enquanto
matriz religiosa difundiu, por meio das missões Jesuíticas e
da devoção aos santos e santas, o chamado Cristianismo
popular.
Segundo Leonardo Boff, uma das maiores criações
culturais de âmbito religioso no Brasil é representada pelo
Cristianismo popular, que se tornou uma força impositiva
nas comunidades.
Assim, colocados à margem do sistema político e
religioso, os pobres, indígenas e negros deram corpo a sua
experiência espiritual no código da cultura popular que se
rege mais pela lógica do inconsciente e do emocional do
que do racional e do doutrinário (BOFF, 2014).
A terceira matriz introduzida no Brasil foi a matriz
africana, que trouxe nas galeras os negros escravizados, a
crença nos orixás e também alguns traços de influências da
religião islâmica, entre outras formas de religiosidade
praticadas na África.
Segundo o pensador brasileiro Gilberto Freyre (2001), a
nossa herança cultural e religiosa africana é notória e pode
ser percebida no sincretismo religioso entre santos e orixás,
e também numa série de elementos da linguagem, da
alimentação, dos hábitos e das crenças.
De acordo com Kavinajé (2009), o que chamamos de
religião de matriz africana, mais propriamente dita, é o
Candomblé e a Umbanda. Os bantos, depois de um primeiro
período de autonomia religiosa, que se conhece através de
documentos históricos, assistiram à transformação de seus
cultos. Por um lado, esses deram lugar à macumba; por
outro, amoldaram-se às regras dos candomblés nagôs, não
se distinguindo deles senão por uma maior tolerância. Os
cultos bantos em gradativo declínio acolheram os espíritos
dos índios, o que iria levar ao surgimento de um
“candomblé de cablocos”, e adotaram cantos em língua
portuguesa, ao passo que os candomblés nagôs só usam
cantos em língua africana. (KAVINAJÉ, 2009).
Importante salientar que os terreiros de Candomblé e
Umbanda além de serem o lugar sagrado das religiões de
matriz Africana, são também palco de resistência social e
política, bem como local de afirmação e reafirmação da
identidade e das crenças dos povos trazidos como escravos
para o Brasil.
A quarta matriz religiosa também desembarca nas
terras dos indígenas no processo de imigração dos povos
orientais, principalmente com os japoneses, mas que
posteriormente se expande, ampliando assim, o leque de
religiões orientais seguidas no Brasil. O Budismo
desembarca nas terras tupiniquins no início do século XX e é
a organização religiosa mais antiga e numerosa no Brasil,
dentre as religiões de matriz oriental. Segundo o Censo de
2010 são 243,966 mil praticantes no Brasil. O Budismo que
mais prospera no Brasil é o Tibetano, liderado pela sua
santidade o Dalai Lama.
Mas não podemos esquecer, entre as religiões de
origem japonesa, da Igreja Messiânica Mundial do Brasil,
que inicia sua trajetória religiosa aqui no ano 1955, e a
Seicho-No-Iê, que inicia suas atividades religiosas em terras
brasileiras em 1930. Assim como o movimento Hare Krishna
originário na Índia e a Fé Bahá’í, de origem persa cuja
comunidade começa no Brasil em fevereiro de 1921.
Desta forma, podemos perceber que temos quatro
matrizes religiosas distintas naquilo que podemos chamar
de construção fundacional da religiosidade brasileira.
Embora este assunto não tenha sido ainda discutido nos
patamares que aqui apresentamos, outros estudos se
dedicaram a explanar sobre as matrizes religiosas, mas
como influências na construção de uma religiosidade plural,
como podemos ver na tese de Bittencourt (2003), que diz “a
existência, no bojo da matriz cultural, de uma matriz
religiosa, que provê um acervo de valores religiosos e
simbólicos característicos, assim como propicia uma
religiosidade ampla e difusa entre os brasileiros”.
Nos meados da década de 1980, o antropólogo André
Droogers apontava em seus estudos uma matriz cultural
religiosa brasileira que ia além da instituição religião, uma
Religiosidade Mínima Brasileira (DROOGERS, 1987). Esse
fenômeno religioso é chamado de “Gelebte Religion ”, ou
religião vivenciada (FAILING, 1998). Contudo Droogers se
refere à uma matriz religiosa comum que engloba inclusive
elementos de fora das instituições religiosas convencionais
como a mídia, os esportes e a economia.
Também é comum encontrarmos leis e documentos
oficiais se referindo ao termo matrizes religiosas
principalmente no que diz respeito as matrizes africana e
indígena. Isso se justifica pelo fato dessas matrizes serem
as mais discriminadas e até mesmo negadas. Assim, os
órgãos competentes criam mecanismos de proteção à essas
matrizes religiosas que integram a religiosidade brasileira.
Entre outras podemos citar o ESTATUTO DA IGUALDADE
RACIAL (LEI Nº 12.288, DE 20 DE JULHO DE 2010), faz
defesa expressa do direito a não discriminação das religiões
de matrizes africanas:

Art. 23. É inviolável a liberdade de consciência e de


crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos
religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais
de culto e a suas liturgias.
Art. 24. O direito à liberdade de consciência e de crença
e ao livre exercício dos cultos religiosos de matriz africana
compreende:
I – a prática de cultos, a celebração de reuniões
relacionadas à religiosidade e a fundação e manutenção,
por iniciativa privada, de lugares reservados para tais fins;
[..]
Art. 26. O poder público adotará as medidas necessárias
para o combate à intolerância com as religiões de matrizes
africanas e à discriminação de seus seguidores,
especialmente com o objetivo de:
I – coibir a utilização dos meios de comunicação social
para a difusão de proposições, imagens ou abordagens que
exponham pessoa ou grupo ao ódio ou ao desprezo por
motivos fundados na religiosidade de matrizes africanas
Outro documento oficial que cita o conceito de matrizes é o
Art. 26 da Lei de Diretrizes e Bases - Lei 9394/96, que
orienta a oferta de disciplinas e conteúdos para as escolas
normais da união, onde subscreve:
§ 4º O ensino da História do Brasil levará em conta as
contribuições das diferentes culturas e etnias para a
formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes
indígena, africana e europeia.
Igualmente o Programa Nacional de Direitos (PNDH 3)
que afirma na política de educação em direitos humanos a
necessidade de construir e valorizar a consciência histórica
e a memória da formação brasileira.
Objetivo estratégico VI:
Respeito às diferentes crenças, liberdade de culto e
garantia da laicidade do Estado.
Ações programáticas:
a) Instituir mecanismos que assegurem o livre exercício
das diversas práticas religiosas, assegurando a proteção do
seu espaço físico e coibindo manifestações de intolerância
religiosa. Recomendação: Recomenda-se aos estados e ao
Distrito Federal a criação de Conselhos para a diversidade
religiosa e espaços de debate e convivência ecumênica para
fomentar o diálogo entre estudiosos e praticantes de
diferentes religiões.
b) Promover campanhas de divulgação sobre a
diversidade religiosa para disseminar cultura da paz e de
respeito às diferentes crenças.
d) Estabelecer o ensino da diversidade e história das
religiões, inclusive as derivadas de matriz africana, na rede
pública de ensino, com ênfase no reconhecimento das
diferenças culturais, promoção da tolerância e na afirmação
da laicidade do Estado.

Assim, tratar das quatro matrizes religiosas que dão


origem à rica diversidade de religiões no Brasil, além de
implementar o exercício da cidadania e o fomento ao
conhecimento e o respeito, amplia nossos horizontes
enquanto cidadãos conscientes de seus direitos e deveres
numa sociedade democrática e republicana. Em tempos de
crises sociais e políticas em âmbito mundial, o estudo e o
diálogo inter-religioso aparece como uma possibilidade de
superação do grande desafio da humanidade: vivermos
juntos em paz com respeito e alteridade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BITTENCOURT, José Filho. Matriz religiosa brasileira.
Religiosidade e mudança social . Petrópolis: Vozes/Koinonia,
Petrópolis/Rio de Janeiro 2003.
BOFF, Leonardo. O povo brasileiro: um povo místico e
religioso . Disponível em:
https://leonardoboff.wordpress.com/2014/03/16/o-povo-
brasileiro-um-povo-mistico-e-religioso/ .
BRASIL. [Estatuto da igualdade racial (2010)]. Estatuto
da igualdade racial [recurso eletrônico]: Lei nº 12.228, de 20
de julho de 2010, e legislação correlata. – 3. ed. – Brasília:
Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2014. 120 p. –
(Série legislação ; n. 115).
BRASIL. LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional : 20 de dezembro de 1996, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional. – 5. ed. – Brasília:
Câmara dos Deputados, Coordenação Edições Câmara,
2010.
DROOGERS, André. (1987), “A religiosidade mínima
brasileira” . Religião e Sociedade, vol. 14, nº 2: 62-86.
FAILING, W.-E.; HEIMBROCK, H.-G. Gelebte religion
Wahrnehmen: Lebenswelt, Alltagskultur, Religionspraxis.
Stuttgart: Kohlhammer, 1998.
FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala . 43 ed. Rio de
Janeiro: Record, 2001.
KAVINAJÉ, Tata Kisaba: O sacrifício do povo africano
cultura Afro - Americana . Disponível em: <
http://www.ritosdeangola.com.br/Historico/historico04.htm
>. Acesso em 28 jan. 2016.
MUNDURUKU, Daniel. Mundurukando . São Paulo: Editora
UK’A, 2010.
_____ O sinal do pajé . Ilustração de Taísa Borges. São
Paulo: Editora Peirópolis, 2011.
PEREIRA, J. J. F. Mborayu: O espírito que nos une . Estudo
sobre um conceito da espiritualidade guarani. Tese de
Doutorado. Metodista- SP. 2010.
4 | MATRIX , UMA
ABORDAGEM TEOLÓGICA
Siga o coelho branco e descubra as referências à teologia
cristã que estão por trás da obra cinematográfica dos
irmãos Wachowski
Deivinson Bignon [4]

“E os espíritos imundos vendo-o, prostravam-se diante


dele, e clamavam, dizendo: Tu és o Filho de Deus” (Marcos
3.11).

Quando assisti ao filme Matrix pela primeira vez não


percebi de imediato todas as implicações filosóficas e
religiosas ali presentes. Apenas julguei ser um filme bem
feito com ótimas cenas de ação e suspense. Era, portanto,
só mais um enlatado americano diante de tantos outros que
já havia me acostumado a ver.
Ao estudar, porém, uma disciplina do Curso de Letras;
deparei-me com uma abordagem filosófica das questões
implícitas no filme. Essa abordagem despertou-me para as
diversas referências teológicas feitas pelos irmãos
Wachowski, e pude ver que a obra cinematográfica é um
filme muito inteligente. Não apenas pela técnica inovadora
para a época (1999) do tratamento das cenas – o que por si
só já revolucionou a maneira de se fazer cinema – como
especialmente pelo ótimo roteiro da película.
Sendo assim, passarei a comentar as referências à
teologia cristã presentes no filme.
Numa das cenas do filme, a nave Nabucodonosor –
nome bastante sugestivo, conforme veremos adiante –
apresenta uma placa com os dizeres: “Mark III No.
11/Nebuchadnezzar/Made in USA/Year 2069”. Seria esse
texto da placa uma referência ao texto bíblico de Marcos
3.11 – “E os espíritos imundos vendo-o, prostravam-se
diante dele, e clamavam, dizendo: Tu és o Filho de Deus”?
Quando acompanhamos a trajetória de Neo – o protagonista
do filme – percebemos que talvez haja mesmo essa
intertextualidade, pois desde o começo a personagem é
apresentada como uma espécie de Messias, o Escolhido,
para libertar os humanos do jugo imposto pelas máquinas.
Também é digno de nota o fato de Matrix ter sido
lançado no fim de semana da páscoa de 1999, pois há
numerosas referências cristãs no filme, sendo algumas
bastante óbvias, e outras muito sutis.
Em Lucas 7.19, por exemplo, você poderá ler acerca da
expectativa messiânica nos tempos bíblicos: “E João,
chamando dois dos seus discípulos, enviou-os a Jesus,
dizendo: És tu aquele que havia de vir, ou esperamos
outro?”.
Está bastante claro, no filme, que Neo é apresentado
como o Escolhido, uma espécie de redentor cuja vinda havia
sido profetizada pelo oráculo (uma referência mais clara ao
“Oráculo de Delfos”, presente, sobretudo, nos textos
clássicos da filosofia grega; e também uma possível
referência aos oráculos proféticos do Antigo Testamento,
mui especialmente às profecias de Isaías acerca da vinda do
Mashiach, o Ungido de Deus - cf. Isaías, capítulo 53).
O termo grego neo significa “novo”, indicando a nova
vida que o Escolhido traria aos humanos quando se
completasse a libertação do domínio das máquinas. Trata-
se, também, de uma referência ao ofício do Messias bíblico –
“Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres”
(João 8.36).
Cristo também é apresentado nas Escrituras como o
detentor da nova vida, oferecida à humanidade – “Assim
que, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas
velhas já passaram; eis que tudo se fez novo” (2Coríntios
5.17).
O nome de Neo, quando ainda dentro da Matrix , era
Thomas Anderson. Ambos também possuem implicações
cristãs. O primeiro nome lembra um discípulo de Cristo,
chamado Tomé, muito conhecido por seu ceticismo quando
ouviu falar da ressurreição de Cristo (João 20.24-29). Neo
também é assolado constantemente por dúvidas acerca de
suas escolhas e da possível condição imposta pelo oráculo,
de ser o Escolhido. Já o sobrenome Anderson, um termo
sueco que significa “filho de André”, é derivado da raiz
grega andr -, que significa “homem”. Etimologicamente,
portanto, Anderson significa “filho do homem”, um epíteto
assumido por Jesus – “E, tomando consigo os doze, disse-
lhes: Eis que subimos a Jerusalém, e se cumprirá no Filho do
homem tudo o que pelos profetas foi escrito” (Lucas 18.31).
Outra referência direta no filme se dá na cena em que
Neo é comparado com Jesus, quando Choi, após receber o
software ilegal, diz: “Aleluia! Você é o meu salvador, cara!
Meu Jesus Cristo pessoal”. Lembremos ainda que Jesus foi
batizado no rio Jordão por João Batista – “Então veio Jesus
da Galileia ter com João, junto do Jordão, para ser batizado
por ele” (Mateus 3.13) –, e Neo é “batizado” no tanque de
refugo de bateria humana por Morpheus e pela tripulação
de Nabucodonosor. Assim como Jesus foi tentado pelo diabo
no deserto da Judeia (Lucas 4.1-13); no filme, Neo é tentado
pelos agentes da Matrix para trair Morpheus. O evangelho
afirma que o Filho do Homem veio “dar a sua vida em
resgate de muitos” (Marcos 10.45); Neo sacrifica a própria
vida para salvar Morpheus e é ressuscitado, na sala 303, por
Trinity (em inglês, Trindade) – que representa a divindade
triunitária que, na Bíblia, ressuscitou Jesus (Atos 2.23,24,32;
3.15; 4.10; 5.30; 10.40,41; Romanos 8.11; 10.9). Após a
ressurreição, Cristo apresentou um corpo glorificado, não
mais sujeito às limitações humanas (Lucas 24.31; João
20.19,26). Do mesmo modo, depois de voltar à vida com o
beijo de Trinity, Neo assume um novo corpo dentro da
Matrix , com extraordinários poderes.
Além dos paralelos levantados entre Neo e Jesus Cristo,
o filme ainda apresenta outros paralelos com personagens e
situações bíblicas. Cypher, por exemplo, é o traidor dos
rebeldes e pode ser uma referência a Judas Iscariotes, o
traidor de Jesus, ou ao próprio Lúcifer – já que o nome
Cypher parece ser uma forma reduzida de Lúcifer. Trinity,
como já vimos, representa a Trindade e assume um papel
importantíssimo no desdobramento da trama. Zion, no
filme, é a última cidade humana, onde reside a última
esperança dos rebeldes. No Antigo Testamento, Sião é um
nome poético para a cidade de Jerusalém, a Cidade da Paz.
Numa leitura cristã, Sião representa o céu, um estado de
bem-aventurança eterna, preparado para os filhos de Deus.
Morpheus, na mitologia grega, é o deus dos sonhos. No
filme, ele representa a esperança e a fé, o sonho de dias
melhores. A aeronave dos rebeldes é chamada de
Nabucodonosor, uma clara referência ao rei babilônico que
teve um sonho no qual não se lembrava, e que buscava
incessantemente o seu significado (Daniel 2.1-49). Durante
todo o filme, Neo está em busca de respostas para suas
dúvidas e questionamentos.
Antes de terminar este texto, será interessante abordar
os conceitos de liberdade propagados pelo filme. Existem,
basicamente, dois conceitos: o assumido por Cypher (de
que a verdadeira liberdade é viver na ilusão) e o assumido
pelo restante dos tripulantes de Nabucodonosor – dentre
eles: Neo, Morpheu e Trinity – (de que a liberdade
verdadeira só pode ser vivida quando se tem a exata noção
da realidade e se aprende a conviver com ela). Esta
segunda visão da liberdade encontra mais respaldo bíblico,
uma vez que Cristo não oferece uma liberdade utópica, mas
uma realidade concreta no coração e na mente dos fiéis –
“Ora, o Senhor é Espírito; e onde está o Espírito do Senhor,
aí há liberdade” (2Coríntios 3.17).
Todas as referências intertextuais à teologia cristã
assinaladas aqui não são as únicas leituras possíveis.
Haverá, ainda, diversas leituras cristãs dos detalhes
metaforizados no filme. Essa multiplicidade de leituras –
sem mencionar os aspectos filosóficos, literários e
dogmáticos de outras religiões, também presentes no filme
– leva-nos a uma constatação cada vez mais patente: trata-
se, sem sombra de dúvida, de um filme inteligente e
conceitualmente bem acabado. Penso que, apesar de
possuir um pressuposto religioso frágil – a notória opção
pelo pluralismo religioso –, o filme trata de vários temas
complexos de forma magistralmente bela. Fazendo valer,
portanto, uma análise ainda mais acurada.

PARA SABER MAIS


IRWIN, William (org.). Matrix: Bem-vindo ao deserto do
real . São Paulo: Madras, 2003.
< www.theMatrix .com > - Site oficial do filme (em
inglês).

5 | A MATRIX DO REINO DE
DEUS
Rodrigo Rezende [5]

Os irmãos Andy e Larry Wachowski ao criarem o filme


Matrix nem imaginavam quanto sua criação tinha haver
com a realidade do povo evangélico atual. O cerne filosófico
do filme se baseia na pergunta: “o que é o real?”. Uma
pergunta que deveria permear os nossos corações todos os
dias, mas infelizmente não passa em nossas cabeças. O
filme, em si, é uma miscelânea de estilos e religiões. Mas
voltando a realidade atual evangélica, será que o povo,
conhecido como povo de Deus sabe o que é real? Ou será
que esse povo tem vivido a realidade?
Satanás tem enganado o povo de Deus de maneira
estarrecedora. Ele sabe que dizer que Deus não existe não
funciona mais. Dizer que Cristo não veio em carne muito
menos. Então, outra estratégia usada por ele é desviar os
crentes do real. E percebam, essa não é uma estratégia
nova, ele já vem usando isso há algum tempo.
Jesus ensinava no templo alguns judeus que haviam
crido nele e disse: “Se vocês permanecerem firmes na
minha palavra, verdadeiramente serão meus discípulos. E
conhecerão a verdade, e a verdade os libertará”. Mas eles
se sentiram ofendidos porque não se achavam escravos,
diziam que eram filhos de Abraão, filhos de Deus. Estavam
tão enganados que não tinham percebido que estavam
escravizados pelo pecado, poderiam até ser descendentes
de Abraão, mas estavam longe de serem filhos de Deus.
Estavam vivendo na Matrix de Satanás, longe da realidade
que é Cristo.
A igreja hoje tem se perdido dentro da matriz de
Satanás, feliz da vida, entendendo que está cumprindo a
ordenança de Deus. Onde Deus ordenou a criação de
denominações, onde Deus ordenou acepção por formas de
batismo diferentes. Que eu saiba ele ordenou o amor entre
os irmãos e o suportar uns aos outros. Assim como os
fariseus, a igreja de hoje tem se divertido dentro da Matrix ,
tentando matar todos aqueles que ousam sair dela. Dentro
da Matrix a Palavra de Deus não tem vez, mas o que
predomina são os “achismos”, dos mais variados gostos.
O lado de fora da Matrix é o Reino de Deus, e a igreja
atual está longe de ser o Reino de Deus. Para entrar nesse
Reino, é preciso conhecer a verdade e essa verdade os
libertará. Libertará de quê? Da enganação da Matrix de
Satanás.
O Senhor Jesus morreu por nós para que fossemos
libertos da escravidão do pecado e da religiosidade, mas
parece que muitos preferem estar aprisionado aos dois. Se a
igreja se voltar à Palavra de Deus e ao Deus da Palavra, vai
conseguir entender essa verdade e vai conseguir tomar a
pílula certa, que é Jesus, e os seus olhos vão se abrir para a
verdadeira verdade, se é que posso assim dizer, que é
“permanecer em Cristo e na sua palavra” isso é realidade.

6 | EU TAMBÉM TOMEI A
PÍLULA VERMELHA...
Érico Tadeu [6]

Um dia desses, enquanto dirigia, passei a me questionar


acerca da minha fé. Não me lembro exatamente o porquê.
Mas me fazia estas perguntas: Por que eu sou cristão? Por
que eu frequento uma igreja? Para ser cristão eu preciso
frequentar a igreja? Por que eu acredito naquilo em que
acredito? Não contente com esses questionamentos,
procurei refletir um pouco sobre o assunto.
Esses questionamentos provoracam um desequilíbrio
em minha fé cristã. E isso foi bom, pois, ao procurar um
novo estado de equilíbrio, percebi que minha fé em Jesus
Cristo fora fortalecida, como num processo de equilbração
majorante , descrito por Jean Piaget. Não pretendo, aqui, dar
explicações teológicas a essas questões, até porque não sou
teólogo, tampouco estudioso em teologia. Minha formação
acadêmica é em física, sou físico e licenciado em física, e
todos os meus estudos posteriores têm sido na área da
educação, e agora, também, em microscopia eletrônica.
Com relação ao campo da teologia (se é que assim posso
dizer!), ainda venho engatinhando.
Por que sou cristão? Quando me fiz essa pergunta, não
estava questionando apenas a minha própria consciência.
Estava orando e também fiz tal pergunta a Jesus. Perguntar
ao próprio Deus por que eu creio nele me pareceu algo
estranho. Afinal, será que a análise da minha própria fé
estaria sendo “isenta”? Converti-me à fé cristã aos 15 anos
de idade, aceitando a Jesus como único Senhor e Salvador
da minha vida, e de lá para cá tenho caminhado com Jesus,
nos passos da fé cristã apostólica. Nesse tempo, tenho
aprendido os valores da vida cristã, num processo de
inculturação. Minha cultura não fora mudada,
completamente, mas tenho apreendido novos valores da
vida cristã. Jesus Cristo foi forjando em mim um novo
caráter, Cristo me permitiu enxergar o mundo a partir de
um novo referencial. É como ter consciência da Matrix .
No primeiro filme da trilogia Matrix , Morpheus oferece a
Neo duas pílulas (na mão esquerda, uma azul; e na direita,
uma vermelha). Morpheus diz a Neo que, tomando a pílula
azul, tudo voltaria ao normal e ele continuaria vivendo a sua
vida, sem ter consciência do seu mundo, e acordaria em sua
cama acreditando no que quisesse. A pílula vermelha
proporcionaria a Neo ir ao “País das Maravilhas”, e Neo
saberia até onde vai a “toca do coelho”. Tomar a pílula
vermelha é tomar consciência da Matrix . Mesmo Morpheus
não consegue definir o que é a Matrix , mas ele a descreve
assim:

“A Matrix está em todo lugar. À nossa volta. Mesmo


agora, nesta sala. Você pode vê-la quando olha pela janela
ou quando liga sua televisão. Você a sente quando vai para
o trabalho, quando vai à igreja, quando paga seus impostos.
É o mundo que foi colocado diante dos seus olhos para que
você não visse a verdade. Que você é um escravo. Como
todo mundo, você nasceu num cativeiro, nasceu numa
prisão que não consegue sentir nem tocar. Uma prisão para
sua mente”.

Usando a Matrix como uma analogia, o cativeiro e a


prisão onde as pessoas nascem é o mundo de pecados em
que reina a morte. Morte, aqui, não significa aniquilação,
mas separação de Deus. Segundo a Bíblia, todo homem sem
Deus é morto espiritualmente (Ef 2.5; Cl 2.13; Ap 3.1). Em
Mateus (8.21,22) um dos seguidores de Jesus lhe pedira
para sepultar seus pais antes de segui-lo, e Jesus lhe disse
que deixasse aos mortos essa tarefa: “Venha comigo e
deixe que os mortos sepultem os seus mortos” (Nova
Tradução na Linguagem de Hoje – NTLH). Também em Lucas
(15.24-32) Jesus faz uma comparação. O filho pródigo é
comparado a um morto e agora revive de volta à presença
do pai. Em Efésios (2.1, NTLH), Paulo escreve: “Antigamente,
por terem desobedecido a Deus e por terem cometido
pecados, vocês estavam espiritualmente mortos”.
A Cruz de Cristo reconcilia o homem com Deus e em
Jesus todos são tornados filhos de Deus, por adoção (Rm
8.15; 9.4; Gl 4.5; Ef 1.5). Embora estejamos no mundo,
Jesus disse que não somos do mundo, e por isso o mundo
nos odeia (Jo 15.19). Aceitar que Jesus mude nossa vida é
como tomar a pílula vermelha (digo “como”, pois não há
analogia que descreva perfeitamente a liberdade que temos
em Cristo Jesus, através do plano da salvação). Aceitar a
salvação em Cristo é como ser livre do cativeiro da Matrix .
Em Cristo, passamos a enxergar o mundo como ele é e ter
consciência desse mundo natural (ou virtual?) e de outro
mundo real, que também é espiritual (representada no
filme, pela cidade Zion, ou Sião). Tendo, pois, consciência de
quem eu sou em Cristo, não me preocupo com a objeção ao
meu primeiro questionamento que fiz ao próprio Deus
acerca da minha fé nele. Tenho consciência da Matrix e de
Zion .
John Stott aponta em seu livro Porque sou cristão
algumas razões para isso, dentre elas:
(1) Porque Cristo me escolheu, e não eu a ele. Stott
compara Jesus a um “cão de caça do céu”. Não sou cristão
porque atendi a um apelo para ir à frente da igreja num belo
culto, ou porque fiz uma oração de entrega a Deus,
simplesmente. Sou cristão porque Jesus me escolheu e me
chamou para ser filho de Deus;
(2) Sou cristão pelas afirmações de Jesus acerca de si
próprio. Diferentemente de qualquer outro líder religioso, ou
qualquer outro profeta, Jesus declarou ser Deus e assumiu
essa condição;
(3) Por causa da cruz de Cristo. Em Jesus, Deus
manifestou Seu amor e Sua justiça. Ele foi justo,
condenando o pecado na carne, no corpo de Jesus,
cumprindo a profecia de Isaías (56.4-10); e “amou o mundo
de tal maneira que deu o seu Filho Unigênito para que todo
o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo
3.16). Como oferta e sacrifício vivo, Jesus se entregou para
morrer em nosso lugar e pagar o preço pelo nosso pecado.
Por preço de sangue, Ele nos comprou para si próprio.
Como John Stott coloca, alguém simplesmente poderia
dizer: por que Deus simplesmente não perdoa os pecados?
A questão é porque Deus é justo, e a Bíblia diz que “o
salário do pecado é a morte” (Rm 6.23). Dessa forma, o
pecado deve ser condenado na carne, naquele que pecou. E
porque Deus é amor, ele nos ofereceu o perdão pelos
pecados oferecendo a si próprio, em Jesus, para que o
pecado fosse condenado no corpo de Cristo, na cruz. Mesmo
sem ter pecados, Jesus se fez maldito (Gl 3.13), levando
sobre si os nossos pecados, pagando preço de sangue. Jesus
comprou a nossa “carta de alforria” e a queimou, nos
oferecendo a liberdade de sermos nós mesmos, a liberdade
de encontrarmos o nosso eu verdadeiro, em Cristo. Jesus
“morreu a nossa morte para vivermos a Sua vida”.
“Lembre-se... Tudo que ofereço é a verdade, nada mais”.

7 | BEM-VINDO À MATRIX
Olhe à sua volta. Perceba os detalhes da sua cadeira, do
lugar em que você está, da textura das suas roupas, do
barulho ao fundo e das cores nesta página
Rafael Kenski / Alceu Chiesorin Nunes [7]

Teologia, inteligência artificial, filosofia, ciência futurista.


E mais: efeitos especiais inéditos, legiões de fãs extasiados
e uma mistura intoxicante de cinema e videogame.
Mergulhe na alma de um dos filmes mais bem-sucedidos da
história e saiba por que os cientistas acham que ele é muito
mais do que uma obra de ficção.
Olhe à sua volta. Perceba os detalhes da sua cadeira, do
lugar em que você está, da textura das suas roupas, do
barulho ao fundo e das cores nesta página. Parecem reais?
Eles não poderiam ser, por exemplo, uma simulação feita
por um enorme sistema de inteligência artificial? Você pode
achar que não, porque eles sempre estiveram ali e, ao
contrário dos computadores, cadeiras e páginas de revista
nunca travaram de uma hora para outra. Mas, pense
novamente. Existem muitas pessoas, muito inteligentes,
que acham que isso pode ser verdade. Para elas, o mundo
talvez não seja como imaginamos. Há até quem acredite
que temos 25% de chances de viver mesmo em uma
simulação de computador. Ou seja, talvez a trilogia iniciada
em 1999 com o filme Matrix não seja tão despropositada
quanto parece.
O debate vem em boa hora. Estreia no dia 23 deste
mês, o filme Matrix Reloaded , a esperada continuação do
filme que descreve um futuro em que as máquinas mantêm
a humanidade presa a uma enorme simulação da nossa
realidade, a Matrix .
O terceiro filme, Matrix Revolutions , chega seis meses
depois, em novembro. A estratégia dos produtores é a
mesma dos robôs que criaram a simulação: preencher todos
os sentidos das pessoas a té que elas não consigam mais
sair do mundo que eles inventaram. Junto com Reloaded ,
chega às lojas o videogame Enter the Matrix , que é
também uma continuação da história. Pela primeira vez, o
jogo e o filme foram feitos juntos, como se fossem uma
coisa só. Os atores, diretores, produtores, coreógrafos e
cenários do videogame são os mesmos de Matrix Reloaded.
Em um dia eles filmavam as cenas do cinema e, no
seguinte, as do jogo. O resultado é que quem se aventurar
no joystick não só verá uma hora a mais de h istória como
entenderá melhor algumas das passagens do filme. Rosana
Sun, uma das produtoras do jogo, explicou ao jornal
americano USA Today como será essa interação. Em
Reloaded , por exemplo, há uma cena em que os
personagens discutem um plano para colocar bomba em um
prédio de segurança.
O videogame traz a continuação da conversa e coloca o
jogador para comandar os personagens durante a missão.
Para distrair a espera entre os dois filmes, será lançado, em
3 de junho, AniMatrix , em vídeo e DVD, com nove
animações em estilo japonês, os animes, inspiradas nos
filmes. Quatro delas estão disponíveis de graça na internet ,
no endereço http://www.theaniMatrix .com.br .
A ideia é repetir o sucesso do primeiro filme, que
ganhou quatro Oscars, arrecadou 460 milhões de dólares no
mundo todo e foi o primeiro DVD a vender mais de 1 milhão
de cópias. Mais do que isso, as sequências de ação em
câmera lenta, as lutas coreografadas, as roupas e os temas
cyberpunk serviram de inspiração para dezenas de filmes,
videogames e propagandas que surgiram depois. Poucas
coisas em Hollywood foram tão plagiadas quanto o efeito
tempo de bala, o impressionante truque em que a câmara
gira 360 graus ao redor de uma cena. “Matrix conseguiu
misturar estilo e substância de uma maneira que outr os
filmes não foram capazes” , afirma o filósofo Christopher
Grau, da Universidade da Flórida, organizador de uma seção
do site oficial do filme chamada “A Filosofia de Matrix ”.
Espera um pouco… filosofia? É, o filme levanta um número
surpreendente de ques tões filosóficas. “Elas dão peso e
substância ao que, de outro modo, seria apenas um filme
cheio de estilo ”, diz Grau.
Para as poucas almas que não viram Matrix , ele conta a
história do hacker Thomas (Keanu Reeves), também
chamado de Neo, que encontra um cara cheio de truques
chamado Morpheus (Laurence Fishburne). Ele toma uma
pílula vermelha e descobre, então, que todo o nosso mundo
é uma realidade simulada por computadores, um enorme
mundo virtual chamado Matrix . A verdadeira realidade é
um futuro em que as máquinas tomaram conta do mundo e
mantêm os humanos em pequenas cápsulas, onde sua
energia é usada para abastecer um gigantesco sistema de
inteligência artificial enquanto a mente deles é mantida em
uma espécie de sonho que chamamos de realidade.
Morpheus é o líder de um grupo de rebeldes que quer nos
libertar das máquinas e acredita que Neo é o esperado
salvador da humanidade, algo como um novo messias.
Depois de muito treinamento, golpes de kung-fu , roupas
sombrias e armas pesadíssimas, Neo consegue transcender
a realidade de Matrix , desafiar as leis da física e ganhar
poderes sobre-humanos.
O enredo não traz só questões filosóficas. O filme é uma
salada de vários tipos de arte, feita pelos enigmáticos
irmãos Larry e Andy Wachowski, responsáveis pelo roteiro e
direção do filme. Entre as poucas informações que circulam
a respeito deles está a de que devoram todo tipo de livro,
de tratados filosóficos a histórias em quadrinhos. Talvez por
isso, o filme tem ligações com muitas tecnologias e
previsões feitas hoje pelos cientistas, além de citações a
várias obras literárias. Os pequenos detalhes escondidos
nas cenas do filme foram um dos principais fatores que
levaram o DVD a bater recordes: – Os fãs assistiam dezenas
de vezes para perceber, por exemplo, que os objetos são
predominantemente verdes no mundo da simulação e azuis
na realidade. No entanto, a área de onde os diretores mais
tiraram citações, nomes e referências foi o campo das
religiões.

ACORDE, NEO
“ Os humanos eram ignorantes do que não podiam ver.
Havia muitas ilusões, como se eles estivessem mergulhados
no sono e se encontrassem em pesadelos. Eles estavam
fugindo, perseguindo outros, envolvidos em ataques, caindo
de lugares altos ou voando mesmo sem ter asas. Quando
acordam, eles não veem nada. Ao deixar a ignorância de
lado, não estimam suas obras como coisas sólidas, mas as
deixam para trás como um sonho ”. Essas palavras
poderiam muito bem ser ditas por Morpheus em um de seus
discursos a Neo, mas na verdade são trechos do Evangelho
da Verdade , um manuscrito do século 4, encontrado em
1945, em um jarro enterrado no Egito. Ele faz parte de um
conjunto de manuscritos chamado Nag Hammadi , que
descreve a crença dos gnósticos, um grupo de cristãos que
viveu entre os séculos 2 e 5, e possuía suas próprias
escrituras, crenças e rituais. “É a corrente cristã que mais se
assemelha à Matrix . Eles acreditavam que nós iríamos
acordar do mundo material e perceber que essa não era a
realidade verdadeira ”, afirma a professora de história da
religião Frances Flannery Dailey, do Hendrix College , nos
Estados Unidos.
Não são poucas as referências que o filme faz ao
Cristianismo. Neo é tido como um messias e ressuscita no
final do filme. Ele é amigo de Apoc (Apocalipse) e Trinity (
“Trindade” em inglês). A última cidade h umana, Zion, é
uma referência a Sião, a antiga terra dos judeus, e a nave
de Morpheus, Nabucodonosor, tem o nome do rei babilônico
que aparece na Bíblia com um sonho enigmático que
precisa ser decifrado.
Nenhuma religião, no entanto, tem tantas semelhanças
com o filme quanto o Budismo. O principal ponto em comum
é a ideia de samsara ou maya , segundo a qual as nossas
vidas são uma grande ilusão montada pelos nossos próprios
desejos. É como se todo o mundo fosse, como diz Morpheus,
“uma projeção mental da sua personalidade”. As pessoas
estariam presas em um ciclo: elas tratam o que sentem
como se fosse real e a ignorância de que aquilo é só uma
ilusão as mantém presas a esse mundo. Em uma das cenas
do filme, Neo encontra uma criança com trajes de monge
budista que entorta uma colher com a mente. “O segredo”,
diz ela, “é saber que a colher não existe”. Uma vez
superada a ilusão, atinge-se o nirvana , um estado que as
palavras não podem descrever, em que a noção de
indivíduo se perde.
Um dos maiores reforços desse ciclo de ignorância é o
fato de estarmos cercados de pessoas que também tratam
as ilusões como se fossem reais. “Essa ideia foi bem
retratada no filme como uma rede de computadores que
p q
liga as percepções do s indivíduos, permitindo que um
reforce no outro a ilusão de um mundo que não existe ”, diz
a historiadora Rachel Wagner, da Universidade de Iowa,
que, assim como Frances, é autora de um texto comparando
o filme às religiões.
O caminho para a transcendência é a busca pessoal pela
iluminação, tanto para os Budistas quanto para Morpheus,
que afirma que “ninguém pode explicar o que é a Matrix .
Você precisa ver por você mesmo”. Já Buda disse a seus
seguidores: “Vocês próprios devem fazer o esforço; os que
despertaram são apenas professores”, e a mesma
explicação poderia vir de Morpheus: “Estou tentando
libertar sua mente, Neo. Mas eu só posso lhe mostrar a
porta. Você é quem tem que atravessá-la”. Pegou o espírito
da coisa?
As coincidências são muitas, mas, a essa altura, você
pode estar se perguntando se, afinal, os autores do filme
realmente pensaram nisso tudo. Em uma de suas poucas
declarações, os irmãos Wachowski disseram ser fascinados
pelo Budismo e querer colocar elementos da doutrina no
filme. Boa parte das referências ao Cristianismo também
deve ser proposital devido ao grande número de termos
bíblicos que aparece na obra. Eles talvez só não tenham tido
a intenção de fazer uma alusão direta ao Cristianismo
gnóstico. Para os pesquisadores, isso é até mais
interessante. “Não há certeza sobre a origem do
gnosticismo. Algumas pessoas sugerem que ele surgiu da
interação entre o Judaísmo e religiões como Budismo e
Hinduísmo. Se os autores do filme misturaram conceitos
judaico-cristãos com temas orientais e o gnost icismo surgiu
como um resultado não previsto, isso é muito intrigante ”,
afirma Frances. Para aumentar a coincidência, o nome de
Neo na vida real é Thomas, que também é o autor do
principal evangelho gnóstico.
A discordância entre o filme e todas essas religiões é
que, em Matrix , a salvação envolve muito quebra-pau.
Enquanto as crenças pregam a paz e a não-violência, a
exigência de Neo para salvar Morpheus são “armas, muitas
armas”. A pancadaria não vai mudar nas continuações. O
clímax de Reloaded é uma lon ga perseguição em uma
rodovia que deverá inspirar a maioria das cenas de ação dos
próximos anos. Nada menos do que lutas de kung-fu no teto
de um caminhão em movimento, corridas de moto na
contramão, agentes pulando de um automóvel para outro e
batidas suficientes para lotar dezenas de ferros-velhos. A
cena foi a primeira a ser filmada. Para fazê-la, era preciso
achar uma estrada que pudesse ser ocupada durante mais
de dois meses e que, ainda por cima, tivesse certo aspecto
apocalíptico. Compreensivelmente, os diretores não
encontraram um lugar adequado. A solução foi desembolsar
2,4 milhões de dólares para construir uma rodovia de 3,2
quilômetros com todos os detalhes em uma base naval na
Califórnia, Estados Unidos. Bancar uma brincadeira dessas
só foi possível devido aos mais de 300 milhões que eles
tinham para fazer os dois filmes, uma quantia enorme até
para os padrões de Hollywood.

A REALIDADE É UM SONHO
Não são só as religiões que aparecem retratadas no
filme. Quem passear pelos fóruns de fãs na internet verá
pessoas comparando-o às mais diversas (e às vezes
contraditórias) correntes da filosofia, psicologia e sociologia.
“É uma evidência de que o filme funciona como um mito
moderno – assim como as grandes histórias do passado, ele
pode ser interpre tado de muitas formas ”, diz Christopher
Grau. Algumas pessoas forçam um pouco a barra nas
análises, mas existem algumas teorias que se encaixam tão
bem ao filme que, se o autor estivesse vivo, poderia quase
processar os diretores por plágio.
O principal deles é o filósofo grego Platão. Um diálogo
escrito por ele há quase 2.400 anos narra o mito da
caverna, uma história semelhante à de Matrix em uma
versão, evidentemente, muito mais low-tech . Imagine uma
prisão subterrânea em que as pessoas ficam amarradas ao
mesmo lugar desde a infância e onde tudo o que
conseguem ver são sombras das pessoas e objetos que
estão fora. O cárcere é tão eficiente que eles nem percebem
que estão presos e pensam que o mundo é mesmo aquele
monte de sombras. Caso saíssem, estariam praticamente
indefesos – as pernas não funcionariam, os olhos não
conseguiriam enxergar e até a mente se recusaria a aceitar
o novo mundo. Seria tão chocante que muitos prefeririam
voltar para a caverna e esquecer tudo aquilo. Alguns, no
entanto, conseguir iam se adaptar, perceber o horror da
situação inicial e ter um conhecimento superior e mais
verdadeiro sobre o mundo.
Nós humanos seríamos iguais a esses prisioneiros,
amarrados a um mundo de aparências que não refletem a
verdadeira realidade. A saída, segundo Platão, está na
filosofia, na educação e na iluminação. Elas são o caminho
para o mundo das formas ou das ideias (os gregos usavam a
mesma palavra para as duas coisas), o lugar onde está a
essência das coisas, a realidade verdadeira. Soou familiar?
Os conselhos de Morpheus também valem para Platão: para
chegar lá é preciso um doloroso processo de
autoconhecimento que, uma vez conseguido, torna a pessoa
sábia, justa e capaz de discernir a realidade da ilusão com a
mesma facilidade com que Neo se desvia das balas. Com
essa linha de pensamento, Platão se tornou um dos pais da
ciência moderna. “O filme lida com temas comuns a quase
toda a história da filosofia. Ele não especifica uma teoria ou
uma concepção filosófica, apenas brinca com a diferença
entre o inteligível e o que a gente vê ”, afirma o filósofo
Verlaine Freitas, da Universidade Federal de Ouro Preto, que
pesquisou as implicações teóricas do filme.
Assim como Morpheus pergunta a Neo se ele já teve um
sonho tão real a ponto de se questionar se era sonho ou
realidade, René Descartes, pensador francês do século 18,
escreveu: “Quando penso sobre meus sonhos claramente,
vejo que nunca existem sinais certos pelos quais estar
acordado pode se distinguir de estar dormindo. O resultado
é que fico tonto e esse sentimento só reforça a ideia de que
eu posso estar sonhando ”. Ele imaginou a possibilidade de
um terrível demônio estar constantemente lhe dando a
ilusão de que todas as suas certezas são corretas, quando
na verdade elas não fariam qualquer sentido. Mesmo em
coisas simples como calcular 2 mais 2, o demônio forneceria
sempre os mesmos resultados errados, o que daria a
impressão de que eles estão sempre certos. Descartes
conclui que, como não podemos provar se esse demônio
existe ou não, nenhuma de suas opiniões era segura.
Ele e diversos filósofos que vieram depois propuseram
saídas para essa cilada filosófica, mas as soluções estão
longe de serem aceitas por todos. A questão de se esse
demônio existe ou não continua de pé até hoje e é quase
igual a outra questão: como garantir que não vivemos na
Matrix ? Por enquanto, a resposta é, simplesmente, que não
há resposta.
Para fundir ainda mais a cabeça dos fãs, os produtores
de Matrix estão se esforçando para dificultar a distinção
entre sonho e realidade. Os efeitos especiais do filme
receberam um belo upgrade : uma técnica chamada
cinematografia virtual, capaz de fazer o truque de tempo de
bala parecer um vídeo de festa infantil. A invenção
simplesmente elimina a diferença entre o que foi filmado no
mundo real e o que é obra do computador. O modo
convencional de simular objetos com computação gráfica é
montá-los de dentro para fora: primeiro fazer o esqueleto,
depois cobri-lo com texturas e daí aplicar a iluminação.
Essas imagens, vistas por seres humanos como nós,
capazes de fazer e reconhecer mais de 10 mil expressões
faciais, parecem no máximo um videogame melhorado. A
equipe de Reloaded e Revolutions usou uma abordagem
diferente, de fora para dentro. Ela filmou os atores
utilizando, ao mesmo tempo, cinco câmeras de definição
gigantesca, capazes de captar até os poros e defeitos da
pele.
Depois jogou todo esse material em um software que
acompanhou os movimentos de cada irregularidade do rosto
e montou a cena, em três dimensões, no computador. Os
diretores puderam então filmar do ângulo e com o
movimento que quisessem. O resultado é impressionante:
em uma cena de Reloaded , Neo luta contra 100 cópias de
seu maior adversário, o agente Smith, todas geradas por
computador, enquanto o enquadramento faz movimentos
em arco que destruiriam qualquer câmera de verdade.

O DESERTO DO REAL
As próprias tecnologias usadas para fazer o filme, com
uma estranha ironia, podem dar origem aos primeiros
protótipos do que seria a Matrix . Um exemplo é o plano da
agência de pesquisa militar do governo americano, a Darpa,
que pretende utilizar os mesmos efeitos especiais para criar
simulações de campos de batalha mais envolventes. Outras
tecnologias que aparecem no filme – computadores
inteligentes e a capacidade de carregar informações
diretamente ao cérebro – podem ser feitas em algumas
décadas, ao meno s segundo os pesquisadores mais
otimistas. “Esses avanços são viáveis e têm uma boa
possibilidade de se tornarem reais ainda durante o nosso
tempo de vida”, afirma Ray Kurzweil, um dos mais
renomados estudiosos de inteligência artificial. Para ele, o
motiv o é que as tecnologias de diversas áreas têm evoluído
em uma escala exponencial, ou seja, elas não só estão se
tornando mais rápidas e sofisticadas como a velocidade
com que evoluem também está aumentando.
Haverá um ponto em que se tornarão tão avançadas
que conseguiremos analisar o cérebro humano em seus
mínimos detalhes e reconstruí-lo artificialmente. Isso nos
permitirá fazer máquinas com algumas características
humanas e até misturar neurônios a circuitos eletrônicos
para que os dois possam trocar informações.
Existem outros cientistas um tanto mais céticos a esse
respeito. Há muita dúvida sobre se é possível reproduzir
artificialmente o que o ser humano tem de mais
desenvolvido, traços como a consciência, as emoções e o
humor. “Certamente um cérebro f eito com tecidos
biológicos pode ser consciente – somos um exemplo dessa
possibilidade. Se utilizarmos outros materiais teremos
propriedades diferentes, mas é pouco provável que seja
algo que reconheceremos como uma consciência humana”,
afirma o psicobiólo go Victor S. Johnston, da Universidade do
Novo México, nos Estados Unidos. Essa é outra questão que
está longe de ser respondida, mas o interessante é que,
para Johnston e muitos outros psicobiólogos, a nossa
consciência é uma espécie de realidade virtual. “Ela evoluiu
para impor uma interpretação específica das energias e
matérias que estão à nossa volta”, diz Johnston. Nada no
Universo é, por exemplo, vermelho ou verde em si mesmo.
O que existem são ondas eletromagnéticas de
determinadas frequências que são captadas pelos nossos
olhos e interpretadas de modo a facilitar a identificação.
Assim, objetos que emitem determinadas ondas são
chamados de vermelhos e outros, com ondas quase nada
menores, são chamados de verdes, apenas para facilitar a
identificação. Ao longo do tempo, a evolução permitiu
adaptarmos nossas emoções ao que é benéfico para nós.
Assim, as substâncias emitidas por comidas podres são
fedorentas e com isso as evitamos mesmo sem conhecer as
bactérias que as contaminam. Da mesma forma, a perda de
um companheiro é triste, o açúcar (que fornece energia) é
gostoso e o sexo (que perpetua a espécie) é prazeroso. “Não
existem cores, cheiros, gostos ou emoções sem um cérebro
consciente. O mundo da nossa consciência é uma grande
ilusão”, afirma Johns ton.

MATRIX ESTÁ EM TODA PARTE


Construir uma consciência artificial teria implicações
muito maiores do que uma série de agentes Smith
circulando por aí. Talvez isso seja a própria prova de que a
nossa realidade seja de fato uma simulação por
computador. Quem garante é o filósofo Nick Bostrom, da
Universidade de Oxford, no Reino Unido, que trabalhou com
a possibilidade de um dia criarmos programas de
computador que tenham consciência. Em um artigo
publicado no mês passado na revista britânica Philosophical
Quarterly, ele calcula que existam apenas três
possibilidades para o futuro da humanidade. A primeira é
que nós seremos extintos antes de construir esses
programas, por azar ou porque eles são simplesmente
impossíveis de serem feitos. A segunda é que, mesmo que
nós possamos fazê-los, não haverá interesse da
humanidade em inventá-los, talvez por problemas éticos. A
terceira, mais perturbadora, é que nós um dia inventaremos
essas consciências simuladas e universos virtuais inteiros
para que elas tenham onde viver.
Nesses casos, as chances de alguém ter feito isso antes
são muito grandes, e nós talvez fôssemos uma dessas
simulações. “Seríamos como na Matrix , com a única
diferença de não termos um corpo em outra realidade. O
cérebro também seria simulado”, diz Bostrom. Tudo bem,
sempre resta a esperança de que nós fôssemos o grupo que
criou todas as consciências virtuais, o que ele chama de
“história original”, mas isso seria muito improvável. Para
Bostrom, existiriam tantas simulações que precisaríamos de
muita sorte para estarmos justamente no único Universo
que é real. “As plateias para quem eu apresentei essa teoria
ficaram intrigadas, mas por enquanto ninguém achou uma
falha no meu argumento”, diz Bostrom. A questão agora é
descobrir qual das três propostas é a mais provável – o
palpite dele é que seja a segunda, e que as chances de que
habitemos um mundo virtual estejam em torno de 25%.
Mesmo que o nosso mundo seja apenas uma realidade
simulada, é possível que nossa vida não mude tanto. Afinal,
já somos bombardeados tanto por notícias de lugares
distantes, detalhes da vida de celebridades, programas de
televisão, anúncios, filmes e tantas fotos e imagens que os
nossos próprios assuntos ocupam um pedaço cada vez
menor do nosso tempo. Essa é uma das teorias do único
filósofo citado em Matrix , o francês Jean Baudrillard, autor
do livro Simulacros e Simulação, onde Neo esconde os
disquetes no início do filme. O curioso é que Baudrillard
estaria mais para Cypher – o rebelde que trai o grupo para
voltar para a ilu são da Matrix – do que para Morpheus.
“Baudrillard prefere trabalhar com a ironia e com os
paradoxos a procurar um mundo mais verdadeiro”, diz
Juremir Machado da Silva, da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, tradutor de muitas das obras
do autor.
O próprio universo de Matrix , com suas cenas, efeitos e
histórias envolventes, é capaz de nos transportar para outro
mundo que não vivemos e fazer com que nós fiquemos
alegres, ansiosos e emocionados com acontecimentos que
não fazem parte da nossa vida. Se os autores quiserem
continuar nessa linha, é possível que, depois de tantas lutas
e reviravoltas, Morpheus, Neo e os demais rebeldes
percebam que a realidade que tanto lutaram para libertar
não é muito mais real do que a que viviam na Matrix .

TUDO É UM COMPUTADOR
O Universo pode ser o mais poderoso simulador
existente. Qualquer coisa pode ser um processador. Jogue
uma moeda para o alto e você terá um tipo de informação –
cara ou coroa – que poderá ser traduzida de infinitas
formas: ganhar ou não ganhar, sim ou não, zero ou um,
existir ou não existir. Cada opção é igual ao tipo mínimo de
informação utilizada pelos computadores – os bits – e, ao
modificá-la, podemos dizer que a moeda está processando
dados.
Agora imagine o movimento de cada átomo que existe
no Universo. Ele também se desloca no espaço, oscila entre
um número de estados possíveis e, dessa forma, funciona
como um processador. Tudo o que existe no Universo segue
essa lógica. Você e a revista à sua frente, só por existirem,
por evoluírem com o tempo, estão processando informação.
O universo é, na verdade, um enorme computador.
O físico John Archibald Wheeler, criador do termo buraco
negro, pesquisou ideias como essas ao longo dos anos 80 e
concluiu que, em um nível ainda mais básico do que quarks
, múons e as menores partículas que conhecemos, a
matéria era composta de bits . “Cada partícula, cada campo
de força e até mesmo o espaço-tempo derivam suas
funções, seu sentido e sua existência de escolhas binárias,
de bits . O que chamamo s de realidade surge em última
análise de questões como sim/não ”, afirmou Wheeler em
uma palestra feita em 1989. É como se, em um
determinado nível, a matéria se tornasse tão pequena que
tudo o que sobra é a informação.
“ A teoria descreve fenômenos tão básicos que talvez
nem seja possível um dia testá-la, mas existem pesquisas
muito sérias sendo feitas nessa área ”, afirma o físico Paulo
Teotônio Sobrinho, da Universidade de São Paulo.
A teoria deu origem à ciência da física digital, que
possui uma maneira bem peculiar de descrever os
fenômenos. Quando, por exemplo, um átomo de oxigênio se
junta a dois de hidrogênio para formar água, é como se
cada um usasse as questões do tipo sim/não para avaliar
todos os possíveis ângulos entre eles até optar pelo mais
adequado. No final, a impressão é que os átomos fizeram
uma simulação dos processos físicos. Se tudo for mesmo
feito de bits , o Universo poderá ser uma enorme simulação,
muitas vezes mais potente que a Matrix . É preciso um
enorme poder computacional para rodar todos esses
processos, o que inspira os cientistas a construir
computadores quânticos capazes de aproveitar grande
parte dessa potência.
Uma questão que surge, então, é que tipo de programa
o Universo estaria rodando. É possível que o software de
todas as coisas seja simples, com talvez não mais de quatro
instruções repetidas muitas vezes. Quem afirma é Stephen
Wolfram, um físico que completou seu doutorado aos 20
anos, criou aos 27 o bem-sucedido software Mathematica e
se tornou milionário. Dedicou então os 15 últimos anos para
desenvolver sua teoria, divulgada no ano passado.
A ideia é simples: faça uma linha de quadrados e pinte
um deles de preto. Desenhe outra igual embaixo e, na hora
de colorir, invente regras simples, como deixar pretos
somente os espaços que tiverem outra célula escura na
diagonal superior. Repita a operação milhares de vezes.
Dependendo do caso, é possível construir imagens de
enorme complexidade com apenas três ou quatro regras. A
figura que aparece aqui, no fundo deste texto, utiliza
apenas sete instruções para formar padrões que surgem e
interagem de forma bastante complexa.
O Universo poderia funcionar da mesma forma, com
regras simples elaboradas no início dos tempos, repetidas
até gerar todas as coisas que conhecemos. Assim como a
figura aqui atrás, seríamos apenas padrões interagindo com
complexidade. Apesar de ter causado um grande alvoroço,
grande parte da comunidade científica não está convencida
de que a regra de Wolfram seja universal. Portanto, uma
Matrix que simulasse todo o nosso Universo com certeza
precisaria de um enorme processador. Resta saber se
necessitaria de um software sofisticado.

OBRA-PRIMA MULTIMÍDIA
O universo de Matrix surgiu da mistura de vários tipos
de arte

FILOSOFIA
A história do filme transmite a ideia de Platão expressa
no mito da caverna. Também lembra vários temas de outros
pensadores e até cita o francês Jean Baudrillard.

ANIME
Desenhos animados em estilo japonês como O
Fantasma do Futuro e Akira deram a mistura de alta
tecnologia, cenários apocalípticos e muita ação.

KUNG-FU
Filmes de artes marciais dos anos 70 deram o tom da
pancadaria e inspiraram efeitos em que o ator fica preso no
ar por arames.

QUADRINHOS
Artistas de graphic novels como Geof Darrow foram
chamados para bolar os cenários, desenhar os aparelhos e
construir as cenas.

RELIGIÃO
Neo faz o papel de messias da humanidade e ressuscita
no final do filme. O caminho para a sua iluminação é igual
ao pregado por Buda.
AGENTES
Os homens de preto do serviço secreto do presidente
americano John Kennedy são a grande inspiração de vilões
como o agente Smith.

LEWIS CARROLL
O autor de Alice no País das Maravilhas aparece citado
na pílula vermelha, no coelho branco, no espelho que se
liquefaz e em muitas das frases ditas por Morpheus.

CYBERPUNK
Neuromancer , de William Gibson, trouxe os ciborgues
que se conectam a outra realidade por um plug na nuca.
Também estão lá os hackers fazendo papel de heróis.

PARA SABER MAIS

NA LIVRARIA

Taking the Red Pill , Glenn Yeffeth (editor), BenBella


Books, EUA, 2003

The Matrix and Philosophy , Willian Irwin, Open Court,


EUA, 2002

Simulacros e Simulação , Jean Baudrillard, Relógio


d’Água, Portugal, 1991
A New Kind of Science , Stephen Wolfram, Wolfram
Media, EUA, 2002

Why We Feel , Victor Johnston, Perseus, EUA, 2000

NA INTERNET

http://www.Matrix fans.net

http://www.theMatrix .com

http://www.theaniMatrix .com

http://www.kurzweilai.com

8 | RELAÇÃO ENTRE
MATRIX E RELIGIÃO
Jeff [8]
Matrix trata do paradoxo que existe entre o inteligível e
o não teligível, entre crença e descrença, entre o real e o
irreal. A religião trata dos mesmos paradoxos, pois a fé é
inteligível para uns e teligível para outros, uns creem, outros
não... uns possuem a certeza de que sua crença é real,
outros têm certeza que esta fé não existe... a grande
questão é... qual é a origem desse paradoxo? Do ambiente?
Ou do nosso cerébro?
Não vou aqui defender a crença ou a descrença nesse
ou naquele caminho... mas vou defender uma máxima que
acompanha o ser humano desde o princípio: “A incerteza”.
Para tanto vou descrever uma coisa que poucos sabem
acerca do nosso entendimento...
O cérebro não sabe a diferença entre o que vê e o que
se lembra. Isto ocorre nos pulsos eletromagnéticos
formados em bilhões de redes neurais.
Já pensou alguma vez de que são feitos os pensamentos
ou as crenças?
Em todas as eras, cada geração possui suas premissas
de que o mundo é plano, de que o mundo é redondo, de que
Deus existe, não existe, etc... etc.
Há centenas de premissas ocultas, ou mesmo coisas que
tomamos como certas e que podem não ser verdadeiras.
É claro, na grande maioria dos casos, historicamente,
essas teorias não são verdadeiras. E que presumivelmente,
se a História servia como guia, muito do que tomamos como
certo sobre o mundo, simplesmente não é verdadeiro. Mas
estamos presos a esses preceitos sem sequer percebermos
na maior parte das vezes que isso se torna um paradoxo.
Experimentos científicos com auxílio da tomografia e
tecnologia computacional já mostraram que ao pegarmos
uma pessoa e “colocar” eletrodos de tomografia em seu
cérebro e pedir que ela olhe para certo objeto, vamos
perceber que apenas algumas áreas do cérebro se
acenderem.
E, ao pedirmos para que essa mesma pessoa feche os
olhos e apenas imagine o mesmo objeto que ela acabou de
olhar, irá fazer que as mesmas áreas do cérebro se
acendam, como se ela estivesse visualmente olhando para
o objeto.
Isso fez com que os cientistas fizessem as seguintes
perguntas: Então quem vê o quê? O cérebro ou são os olhos
que veem? E o que estamos vendo com o cérebro? O que é
a realidade? A realidade que estamos vendo com o nosso
cérebro ou a realidade que vemos com os nossos olhos?
Se isso acontece com a imagem que entra nos nossos
olhos por que não com nossas sensações, com nossas
crenças?
Está aí a correlação entre Matrix e a religião... Não se
sabe o que é irreal ou real... pode se sentir a presença da fé,
porém não se pode materializá-la... Matrix , ao inverso
disso, mostra o quanto as crenças do real podem ser irreais
e até manipuladas por uma mente superior... Deus? O
Homem? Uma máquina?
Nesse momento, com nossa tecnologia e com as nossas
aspirações humanas, somos incapazes de refutar ou
corroborar qualquer tipo de afirmação ou mesmo fé e teoria.
E a verdade até agora verificada é que o cérebro não
sabe a diferença entre o seu ambiente e aquilo que se
lembra. Pois tanto para um como para o outro são as
mesmas redes neurais específicas que se acendem.
O cérebro processa 400 bilhões de bits de informações
por segundo, mas só temos consciência de 2 mil deles. E a
nossa consciência desses 2 mil bits de informações é
apenas sobre o ambiente, o corpo e o tempo.
Estamos vivendo num mundo em que tudo que vemos é
a clássica ponta de um imenso iceberg. Iceberg que, para
uns, pode ser de “Mecânica Quântica” e, para outros,
simplesmente “Fé”!
Se o cérebro está processando 400 bilhões de bits de
informações por segundo e que só temos consciência de 2
mil deles. Quer dizer que a realidade está acontecendo no
cérebro o tempo todo. E que muita coisa somos incapazes
de perceber e compreender.
O mundo macroscópico que vemos, é o mundo de
nossas células, e o mundo dos nossos átomos, e o mundo
de nossos núcleos.
Cada um deles é um mundo totalmente diferente. Pois
possuem suas próprias linguagens, possuem suas próprias
matemáticas. São diferentes, mas são totalmente
complementares, por que eu sou meus átomos, mas
também sou minhas células, também sou minha fisiologia
macroscópica, mas sobre tudo, sou minha compreensão de
mim mesmo e do mundo que me cerca.
Quem pode refutar a afirmação que diz “Que as
interpretações desse ou daquele caminho, do real ou do
irreal, nada mais são que interpretações diferentes da
mesma verdade”?
O nível mais profundo de verdade descoberto pela
Ciência e pela Filosofia é a verdade fundamental da
Unidade. O nível nuclear mais profundo da nossa realidade:
você e eu, todos nós viemos do mesmo átomo, então
literalmente, somos um!
Na religião, essa unidade é representada no início, pois
só existimos porque um Ser superior assim permitiu.
É claro que ainda estamos apenas engatinhando na
descoberta de inúmeras questões que cercam a vida e a
consciência, a realidade e o irreal!
Mas uma coisa é certa... Nada carrega em si uma
verdade absoluta, a verdade é apenas uma questão de
evolução!

9 | MATRIX , OS
EVANGÉLICOS E A CRISE
DO REAL E DO IRREAL
E se a igreja fosse uma Matrix ? E se você for escravo desse
“sistema de controle”? E se o Evangelho que te ensinaram
foi convenientemente distorcido?
Renato Vargens [9]

Há pouco eu revi a trilogia do filme Matrix . O filme


apresenta como tema a luta do ser humano, contra o
domínio das máquinas que evoluíram após o advento da
Inteligência Artificial. Em um recurso extremo para derrotar
as máquinas, a humanidade cobriu a luz do Sol para cortar o
suprimento de energia das mesmas, mas elas adotaram
uma solução radical: como cada ser humano produz, em
média, 120 volts de energia elétrica, começaram a cultivá-
los em massa como fonte de energia. Para que o cultivo
fosse eficiente, os seres humanos passaram a receber
programas de realidade virtual, enquanto seus corpos reais
permaneciam mergulhados em habitáculos nos campos de
cultivo. Essa realidade virtual, que é um programa de
computador ao quais todos são conectados, chama-se
Matrix e simula a humanidade do final do século XX.
O filme é repleto de mensagens sutis, dentre as quais da
existência de pessoas que preferem viver no mundo irreal a
libertar-se da Matrix . Isto me faz lembrar inúmeros crentes
em Cristo Jesus que optaram por viver a vida cristã em
casulos ilusionários. Para estes, não vale a pena livrar-se
dos habitáculos escravocratas, até porque, o mundo real vai
de encontro a tudo aquilo que sempre combateram. Os
crentes “Matrix ados” preferem a prisão dos usos e
costumes a liberdade em Cristo Jesus. Aliás, você já se deu
conta da existência de cristãos que não conseguem lidar
com a liberdade? Para estes, o cristianismo não é libertário,
e sim “budificado” e “carmático”. Neste contexto, usar
maquiagem, brincos, pulseiras e anéis, ouvir música do
mundo, jogar futebol, tomar um cálice de vinho com o
cônjuge em datas especiais, dentre outras coisas mais,
pode ser considerado libertino e demoníaco.

Prezado amigo, infelizmente um número significativo de


cristãos, salvos em por Deus, ao ouvirem a mensagem
libertadora do evangelho de Cristo, recusam o mundo real
preferindo o “lerê, lerê” da Matrix .
Pense nisso!

10 | E SE A IGREJA FOSSE
UMA MATRIX ?
Marcos Regalini [10]

Neste fim de semana, fui assistir o famoso filme Matrix .


Como sempre, inspirou uma reflexão que, mais uma vez,
gostaria de compartilhar com vocês. O filme apresenta um
interessante modelo atual para se pensar em “realidades
paralelas”. Por um lado, o filme mostra a realidade de uma
humanidade cativa, onde as pessoas vivem trancadas em
“cápsulas”, imóveis e “adormecidas”, e de um mundo
destruído, no qual não há sol. Por outro, a realidade de um
mundo psíquico, construída para controlar os cérebros dos
seres humanos, por isso eles não estão conscientes, eles
não veem a sua situação de imobilidade, encapsulamento e
ignorância da realidade da humanidade e do mundo. Nestas
“cápsulas”, toda a energia humana é removida,
transformada em uma espécie de pilha, função esta que dá
sentido às vidas, é claro. Como os seres humanos estão
“dormindo” dentro da Matrix , não percebem isso e vivem
em uma “realidade psíquica perfeita”, suas mentes estão
presas, eles não podem pensar livremente, e esta é uma
armadilha para as suas vidas. O filme mostra-nos a Matrix
como um sistema de controle.

O QUE ACONTECERIA SE A IGREJA FOSSE UMA MATRIX ?


Se a igreja fosse uma Matrix , então seria um sistema no
qual cristãos poderiam viver uma “realidade psíquica
perfeita”. Estar dentro da igreja iria proporcionar segurança,
tranquilidade, conforto, “racionalidade”... Este sistema
sugaria toda a energia vital dos seus membros, e para eles
isso faria todo sentido. Suas vidas estariam submetidas aos
serviços do sistema, prisioneiros incapazes de pensar, mas
com a consciência tranquila. Estariam encapsulados em seu
mundo, isolados do mundo real, onde há trevas, onde não
há sol, onde eles mesmos não estariam vivos, pois seria
ruim para o funcionamento do sistema de controle que
impera.
Se a igreja fosse uma Matrix , então ela teria como
objetivo distrair sua mente e isolá-lo da realidade: o que
está fora da Matrix . O mundo real, triste, cruel, escuro; um
mundo onde o homem é autodestrutivo e destrói tudo em
sua volta... esse mesmo mundo com o qual Jesus
comprometeu-se a salvar, sanar, curar, aliviar,
acompanhar... Os cristãos estariam encapsulados em seus
templos, imóveis, anestesiados diante de uma realidade
sofrível, carente de amor. Incapacitados de alcançar o
próximo. Eles não poderiam pensar, o que os levariam a
atitudes irracionais, que seriam racionalmente justificadas,
de maneira que suas consciências ficassem tranquilas, e
suas vidas só fariam sentido se estiverem encapsulados em
seus templos.
Se a igreja fosse uma Matrix , estaria muito longe de
onde Jesus está, estaria longe demais das pessoas
necessitadas, estaria distante de conseguir cumprir sua
missão, estaria muito longe de ser Igreja. Jamais poderia
alcançar a missão que Jesus deixou e que encontramos no
texto bíblico do livro de Mateus capítulo 13. Como é que
podemos semear se estivermos encerrados em nossos
templos? Jesus ensinou que o campo é o mundo, nós, seus
discípulos, as sementes, temos que morrer para dar frutos,
e Ele morreu para nos dar os frutos da Salvação. Como é
que podemos semear ao mundo se estivermos isolados
dele, trancados em nossas ideias, nossos templos...?
Se a Igreja fosse uma Matrix , estaríamos alienados nela,
e ficaríamos mais longe de obedecer à missão que Deus nos
outorgou: amar ao próximo. Então, como poderíamos amar
quem não podemos conhecer, compreender, perdoar, com
quem possamos conversar, compartilhar, abraçar...? Jesus
disse: “Isto vos mando: que ameis uns aos outros” (João
15.17).
Se a igreja fosse uma Matrix , precisaríamos perceber,
acordar, cuidar da nossa missão, comprometermo-nos com
a realidade sofrível e servir o mundo como Cristo serviu.
Seria necessário escapar e encontrar espaços saudáveis,
para crescimento, onde a vida, a liberdade e os dons que
Deus nos deu sirvam para servir aos outros.
Certamente, se a igreja fosse uma Matrix , iríamos
encontrar muitos outros seguidores de Cristo, que fora dela,
iriam para onde Jesus está, onde os homens e as mulheres
que sofrem e necessitam de abraço e do amor de Cristo
estão.
“O campo é o mundo; a boa semente são os filhos do
Reino...” (Mateus 13.38).
Deixando as suposições e imaginação de lado, e
refletindo na minha fé em Jesus e no meu compromisso de
amar ao próximo, eu ainda penso... “Será que a igreja é
uma Matrix ?”.

P.S.: Se a igreja fosse uma Matrix , seria necessário


tomar a pílula vermelha... certo?

____

Olá, amigo !
Muito interessante este texto. Não tinha visto esta
analogia entre a religião (ou igreja, como preferir) e uma
Matrix .
Gostaria de fazer algumas considerações.
A religião, ao contrário da “Matrix ”, não oferece uma
“realidade psíquica perfeita”, mas algo parecido a isto.
Vejamos. A religião oferece verdades prontas e
irrefutáveis, que são obtidas por meio de revelações ou
fontes de consulta de caráter duvidoso. Os crentes leigos,
aqueles que nunca se deram o trabalho de estudar o
mínimo de teologia ou a história da Igreja, não precisam
pensar por si mesmos. Eles simplesmente acreditam e
pronto. A partir daí, suas vidas serão orientadas por alguém
portador de um dom ou virtude que lhe confere uma
“autoridade” – inclusive para não ser questionado.
No filme Matrix , as máquinas dominavam os seres
humanos. Poderíamos pressupor que os pregadores
dominam os “crentes”? Não, embora haja várias exceções,
claro. Mas, há muitos pregadores que também acreditam
em suas doutrinas. Haveria, portanto, um “algo maior” que
estaria manipulando, ou melhor “direcionando” os crentes?!
Mas, o que seria isto?
Somos seres racionais, mas também somos animais.
Somos criaturas vulneráveis num mundo hostil. O medo do
trovão, das tempestades, das guerras, das catástrofes fazia
os antigos buscarem uma proteção sobre-humana. Em
virtude disto, mitos eram criados para dar sentido a algo
que era fruto não de um acaso, mas de um processo
seletivo natural.
Todavia, os próprios mitos passam por uma evolução
adaptativa, ganhando novos aspectos que o tornam mais
sofisticados.
Contudo, se os mitos mudam, as necessidades mais
básicas do ser humano não mudam. Ora, queremos nos
sentir protegidos, amparados, amados, desejados e, em
alguns casos, “especiais”. É nisto que opera a “Matrix ”
religiosa: no suprimento de carências psíquicas, gerando
uma convicção que o faz acreditar numa dimensão paralela,
o qual não temos qualquer prova de que exista. Em troca, o
fiel dedica-se ao nobre serviço de arrastar outros incautos a
esta realidade o qual, repito, não temos provas.
Então, na minha modesta opinião, eu diria que a religião
pode, sim, ser uma Matrix , onde a busca pelos porquês não
respondidos, a necessidade de amenizar os problemas
cotidianos, o medo do mundo e de si próprio e a insatisfação
com a própria existência faz com que uma multidão de fiéis
se forcem a dar crédito a algo que, em si mesmo, não
mudará suas vidas. Entretanto, poderá criar vínculos,
algumas amizades verdadeiras, alguns matrimônios bem-
sucedidos, bem como uma sensação de felicidade que
reside, apenas, na auto aceitação de seus defeitos e
qualidades.
Não obstante, reconheço que coisas positivas podem ser
feitas pela crença em tais mitos e, se isto é necessário para
acalmar as inquietudes de vossos corações, então digo que
continuem no tal caminho.
Saúdo-vos e felicito-vos pelas (boas) obras que,
porventura, vós podereis fazer.
Abraços fraternais!
Irmão anônimo.

11| MATRIX
DESCONSTRUCTIONS
Thiago Mendanha Do Nascimento [11]
Não quero reformar nada! Não quero reformar ninguém!
Apenas quero desconstruir minha religião e dar-me a
oportunidade de começar novamente. Do zero! Quero
aprender a orar porque suspeito que nunca aprendi em
todos esses anos de eloquentes orações entonadas no
conjunto de súplicas adornadas de lindos verbos.
Tenho a ligeira impressão de que todas as vezes em que
falei em línguas na roda de oração para fazer notório o meu
nível espiritual, não me valeram de edificação alguma. E
que minhas devocionais carregadas de desânimo e
obrigação para com a minha “consagração” no ministério de
louvor não resultaram em nenhuma intimidade com Deus!
Quero desfazer de tudo que sei, ou que penso saber, e
de tudo que não sei, e penso não saber, para aprender
paulatinamente através de uma busca sincera, paciente,
desobrigada, verdadeiramente motivada e autêntica, tudo
quanto preciso, quanto quero e quanto me é essencial na
jornada da fé. Quero despojar-me dos manuais religiosos,
das doutrinas inquestionáveis, das tradições incoerentes e
da estupidez e falácia da religião.
Quero duvidar de tudo e de todos, porque minha alma
contorce pela verdade e tem sede de justiça. Quero abrir os
meus olhos e enfrentar o ardor da luz cortante da revelação.
Quero ficar cego por um tempo em virtude do impacto que
a luz da verdade traz. Ficar cego para o enlatado
evangélico, cego para o cauterizado cristianismo
institucional. Quero ficar cego para as fórmulas instantâneas
da fé, da sua comercialização e do abuso espiritual. Quero
recobrar a visão aos poucos. Enxergar com sanidade a vida,
as pessoas, a família, os amigos, o futuro, o presente e o
passado. Quero aprender a enxergar tudo que enxergava
errado. Usar minha visão pela primeira vez!
Quero me desviar dos caminhos da “i”greja que não
segue o Caminho de Cristo. E andar na contramão desse
sistema religioso elaborado sobre outro fundamento que
não Jesus, a Rocha Viva. Quero tirar a capa que me
identifica como “cristão” com o emblema da cruz para
vestir-me de amor pelo próximo e por esse amor ser
conhecido como discípulo de Cristo. E carregar não o
emblema da cruz, antes, tomá-la dia após dia em meus
ombros e renunciar à volúpia e morrer para o pecado.
Quero fugir dos grandes eventos de milagres e shows da
fé, patrocinados por sórdida ganância e puro estrelismo. E
me juntar aos homens de Deus presenteados com o dom da
cura que trocam o palco pelo corredor dos hospitais. Que ao
invés de pedirem que vão a eles, se disponhem a IR aos que
necessitam.
Cansei de viver sob maldição financeira! E, agora, não
gasto meu dinheiro patrocinando esse sistema putréfulo de
escravizar a fé dos pequeninos. Não quero participar de tal
infâmia! Que o pouco que tenho sirva não ao luxo dos
templos e de seus donos, mas, aos que realmente
necessitam da minha fidelidade financeira resultante da
confiança no Jeová Jiré. E não da ameaça pastoral de
maldição da pobreza versus prosperidade.
Quero ser livre para pecar! E da mesma maneira não
pecar por entender que não me convém. Mas, se o desejo
do pecado ronda a minha mente e não peco por causa da
pressão de ter que me consagrar no ministério da “i”greja,
que pobre que sou. Porque ainda não seria livre do pecado,
mesmo não o praticando... Quero aprender a conduzir meu
estilo de vida como resposta de gratidão à aceitação e
perdão de Cristo, não como regras e proibições eclesiásticas
que não tem efeito nenhum contra o pecado.
Estou desconstruindo a minha fé míope e doente para
cultivá-la de forma autêntica, sincera, humana e verdadeira.
Estou disposto a arriscar minhas crenças pelo conhecimento
da verdade eterna, de modo, que mesmo vendo-a como em
espelho, possa um dia conhecê-la completa assim como sou
conhecido. Se para encontrar o Deus que está estampado
no caráter de Cristo, me tornar necessário descrer do Deus
pregado, e tornar-me ateu, que assim seja. E que possa,
conhecê-Lo de forma pura, única, pessoal e intransferível.
Quero derrubar meus pilares espirituais porque não sei
de onde vieram. Estavam lá no discurso e na retórica que
pseudonimamente aceitei como sendo Jesus Cristo. Agora,
nego a cartilha que reza, nego a teologia pronta que engoli
e dou-me a oportunidade de aceitar, de fato, Cristo meu
Senhor e Salvador, pura e simplesmente.
Se fosse possível voltar ao ventre de minha mãe e
carregar em meus genes a luz que agora vejo, para que ao
nascer, soubesse desviar dos caminhos que para o homem
parecem bons, poderia começar de novo sem
incongruências e inverdades ludibriosas.
Talvez, só agora tenha entendido o que significa “nascer
de novo”...

12 | TOMEI A PÍLULA
VERMELHA
Anônimo [12]

Tomei emprestada essa alusão à pílula vermelha da


revolução cinematográfica Matrix . Desisti de ser um
subproduto do sistema. Cansei da ilusão. Da farsa. Da
hipocrisia. Acordei!
Escolho ser transformado pela renovação da minha
mente em detrimento da conformação deste século. Escolho
estar livre! Livre de laços religiosos que não contribuem em
nada para minha vida com Deus. Livre de paradigmas pré-
aceitos. Livre de comportamentos regidos pela moda. Livre
da predominância cultural. Livre da imposição capitalista.
Livre do status quo . Livre do ódio. Livre da mentira. Livre da
hipocrisia. Livre de mim mesmo...
Suficientemente livre para me entregar totalmente ao
autor e consumador da minha fé, Jesus! Livre para entender
que a Sua graça me basta! Não preciso me desgastar e me
esvair em rituais, tradições, liturgias, concepções, doutrinas,
filosofias, sofismas e preconceitos que não tem nenhum
efeito contra o pecado! Livre para amar e ser amado! Livre
para desfrutar de arrependimento!
Livre para finalmente entender que não vivia livre, mas,
antes insurgido em sistemas milenares encerrados em
distorção do bem, de Deus e da realidade. Livre para viver
alegre. Para sorrir. Para chorar. Para errar. Para ser
aperfeiçoado no amor de Cristo. Escolhi tomar a pílula
vermelha e acordar para a realidade: para o Caminho, para
a Verdade e para a Vida! Ao invés, de acordar todos os dias
empocilgado num mundo decadente. Afundado em seus
trapos de imundícia dos quais tem a petulância de chamar
justiça. Todos devemos fazer nossas escolhas. Cristo ou o
mundo. Fé ou medo. Amor ou ódio. Verdade ou ilusão. Certo
ou errado. Deus ou eu. Escolhas essas que decidem nossa
trajetória. E tão somente, nossa eternidade.
O Evangelho equivale ao chamado que Neo recebeu:
“Acorde, Neo!”. Que por conseguinte, nos leva a tomar a
decisão de permanecer onde, como, quando estamos ou de
conhecer a Verdade e ser liberto por ela!
Não procurem “i”grejas que te acolham!
Na verdade, acho que só existimos no mundo por causa
do amor; uma íntima história de amor entre Deus e sua
criação, com a propriedade de nos tornarmos filhos
herdeiros e co-participantes da maravilhosa graça. Se
agimos contrários a isso, toda nossa concepção de
Evangelho se desvanece.

HOJE DEUS FALOU COMIGO!


Estou sedento do real conhecimento dEle em minha
vida! Não como sempre aprendi sobre Ele, mas
intimamente; sozinho com Deus.
Quero ser livre para amá-lo de todo o meu coração e de
todo o meu entendimento.
Quero ser livre para amar a todos a minha volta sem
distinção e disseminação de contendas, como marca de
quem conhece a profundidade do caráter de Deus, e não
como mais um eloquente orador fundamentado em relações
hipócritas movidas por sentimentos putréfulos.
Invista, em sua vida diária, no seu relacionamento com
o Espirito Santo. Comprometa-se com Ele ao invés de se
comprometer com as amarras da “i”greja.
Busque-o de todo o seu coração e terá o poder infinito
do amor genuíno.
Sabe por que os evangélicos (ou crentes, como alguns
gostam de se denominar) são tão criticados e ridicularizados
enquanto os próprios sentem vergonha de pregar o que
aprendem sobre o Evangelho?
- Porque todo mundo vê a podridão permeada ao vazio
de vida de quem fala do que não conhece, do que apenas
ouve falar mas não vive.
Estou farto disso! Quero fazer diferença real!
Quero apresentar minhas mãos cheias de honra ao meu
amado Jesus enquanto chorar em Seus ombros no tão
esperado dia em que Ele me buscar!
Eu quero ser eterno! E quero mostrar para os que
conviverem comigo ou ouvirem minhas palavras sobre
Jesus, que a salvação não é para os engravatados e
mesquinhos hipócritas que só conseguem viver o evangelho
enclausurados nas quatro paredes de uma “i”greja cheia de
atrações e belos números artísticos. Entenda isso!
Mostre para as pessoas que você não é diferente de
ninguém, ao invés de querer pregar uma diferença que não
existe!
Mostre que você é carne ou pó como todos a sua volta
mas que o seu espírito te difere do medo do inferno e da
incerteza da felicidade!
Qual seria o teor das cartas de Paulo, ou São Paulo,
como queira chamá-lo, à “i”greja de hoje, incluindo todas
que pregam o cristianismo?
Sinceramente, estaríamos na escória do vômito de
Deus! Infâmeos, discriminadores, arrogantes, metidos,
orgulhosos, hipócritas... Ou, talvez, seríamos apenas
classificados como os “fariseus da modernidade”.
Não vou calar os meus lábios para a verdade que tenho
reconhecido em Cristo, enclausurado num templo de
adoração platônica enquanto vejo meus familiares e
amados amigos, aqueles que não têm o hábito de participar
da sociedade religiosa, aqueles que nem conhecem o
evangelho que criticam, irem paulatinamente para o fundo
do posso espiritual sem nem entender para onde estão
indo!
Quero contribuir ao Reino de Deus e não mais ao reino
dos pastores (humanos) e dominadores das “i”grejas.
Deus não precisa de pessoas perfeitas, senão Ele nos
teria criado todos perfeitos!
Ele quer amar e cuidar intimamente das pessoas que
sabem reconhecer suas imperfeições, que acreditam que
podem ser melhores do que são dia-após-dia!
Ele ama os viciados porque ele pode livrá-los dos vícios;
não porque os viciados são pessoas ruins, mas porque seus
vícios não fazem bem para o seu corpo e para a sua
mente...
Ele ama as prostitutas porque ele pode livrá-las de toda
lascívia que aprenderam, não porque são pessoas ruins,
mas porque a falta de cuidado e preservação do seu corpo
não fazem bem para sua vida social, íntima e familiar...
Deus ama os pecadores (eu, você e todos) não porque
ele pode nos livrar da faculdade de cometer erros, mas
porque ele pode nos aconselhar para não errarmos e
quando errarmos Ele pode nos consolar, nos dar a mão e
nos colocar de pé outra vez e infinitas vezes.
Desculpe pelo texto gigantesco, mas eu tenho
descobrido o que Jesus quis dizer quando proferiu ser “a
Verdade que liberta” e o que queria alertar quando disse
que “a porta é estreita”!
Vejo que ela é mais estreita do que eu imaginava.
Todos que lerem isso reflitam sobre o quanto vocês
conhecem do Jesus que morreu na cruz por amor a todos
nós.
Para os “crentes” meu recado é: Parem de achar que
são os donos da verdade! Jesus é a verdade! E o amor de
Jesus é para TODOS!
Para os “descrentes” ou “mundanos”, como os “crentes”
gostam de chamar vocês, meu recado é: Não procurem
“i”grejas que te acolham! Procurem nas “i”grejas, na sua
família, na escola, na faculdade, no trabalho pessoas que
realmente são da Igreja de Cristo para comungar a sua fé ou
falta de fé, a sua esperança ou falta de esperança, o seu
amor ou falta de amor... Para que não sejam enganados e
percam tanto tempo se doando por uma instituição que
poderá perpetuar as suas fraquezas!
Amemos-nos todos com amor não fingido!
Acho que isso estaria escrito no parabrisas do fusquinha
67 de Paulo, se ele vivesse hoje!

13 | TOMOU A PÍLULA
VERMELHA
Ellen Bileski [13]

A cena de Matrix em que Morpheus oferece duas opções


para Neo: a pílula vermelha da verdade, ou a azul, da
realidade virtual, sempre me instigou: e se fosse eu? Será
que um dia eu teria que escolher entre uma verdade dura,
mas real, ou a maravilhosa ilusão?
No fundo eu sabia que a minha vida era uma Matrix ,
mas não sabia como poderia encontrar Morpheus e escolher
ver a verdade.
Enquanto isso, eu continuava vivendo a vida normal da
realidade virtual: trabalho, trabalho, trabalho, comer, dormir
e se divertir desesperadamente para esquecer que a vida é
só trabalho e poderia acabar a qualquer momento, sem eu
ter a mínima ideia de para que aquilo tudo servia.
Depois de muito correr atrás da felicidade e do
significado, eu estava cansada. Caiu a ficha que, para o
sistema da Matrix funcionar, a felicidade tinha que continuar
a ser um cacho de uvas inalcançável, de onde, às vezes,
caiam algumas uvas meio podres.
Cansada, machucada e sem esperança de ser feliz o
tempo todo, eu fazia vários questionamentos sobre o
sentido daquela vida superficial que eu levava. Pronto.
Comecei a olhar em volta e todos viviam naquela mesma
corda bamba: faltava alguma coisa. Eu era Neo, percebendo
que tinha algo muito estranho no mundo.
Soube o que estava de errado com o mundo: nada é
para ser como deveria. As pessoas deveriam conviver mais,
se amar mais, e não se isolar mais. O trabalho deveria servir
para o sustento, e não o contrário. Quem tem muito deveria
dividir com quem tem pouco.
Para mim ficou claro que tudo estava ao contrário. Eu
queria tomar o caminho de volta, o caminho estreito da
pílula vermelha e estar onde eu deveria estar. Ficou óbvio
que o fim daquela vida contrária à natureza era a morte, e
eu queria viver. Por ganância, o homem quis viver na
independência de Deus, e destruiu o planeta, a natureza, as
pessoas, e a própria vida.
Meus antepassados escolheram viver à margem do
propósito real da vida. Ecolheram viver na Matrix .
Escolheram a morte.
Havia uma possibilidade. Um inocente morreu na Matrix
para que, quem quisesse, saísse dela e voltasse a ter a vida
real. Para que o buraco da alma fosse preenchido. Para que
todos vivessem eternamente na realidade. Para que a
verdade libertasse.
E tudo o que esse homem magnífico queria é que eu
soubesse de seu sacrifício e o aceitasse. Por acaso o nome
dele era Jesus.
Quando essa ficha caiu percebi que eu estava diante do
dia mais importante da minha vida. Nada mais seria igual.
Qual vai ser, pílula vermelha ou azul?
Tomei a pílula vermelha. Tudo mudou. Renasci fora da
Matrix , mas tenho livre acesso a ela, para ajudar os outros
a sair. Este caminho é mas estreito, mas é o único caminho.
Todos os outros são atalhos que levam ao precipício.
E é desse caminho que falaremos aqui.

Ellen Bileski tem 27 anos, é jornalista e mora em São


Paulo. Tomou a pílula vermelha em 2008. Como renasceu
fora da Matrix há pouco, está reaprendendo a andar. Dá
vários tropeços, esses dias quase quebrou o nariz. Acha
maravilhoso estar na mundo real.

14 | ALGUÉM QUE TOMOU


A PÍLULA VERMELHA
Thiago Mendanha Do Nascimento [14]

Ontem fui agraciado com uma rápida, mas não pouco


relevante conversa emergente com o Paulo Ricardo do
MangaChurch, via MSN. Infelizmente, estava numa lanhouse
onde, devo concordar com Calvino, “time is money ”. Mas,
foi o suficiente para me alegrar com a certeza de que, não
importa onde, ainda existem pessoas sérias e malucas o
suficiente para não se conformarem com as inverdades de
seus berços doutrinários. Fiquei comovido porque quando
entendemos que a Verdade transcende, há muito, o
denominacionalismo e o sectarismo, então conseguimos a
comunhão interdenominacional. E ainda mais, usufruimos
de um cuidado mútuo com os princípios e ideias uns dos
outros. Encostando o que nos torna diferentes e unindo-nos
no amor, na paz e na graça tornamo-nos pacificadores, e
por conseguinte, filhos de Deus. E ao contrário do que
muitos pensam ao nos criticar, isso não é simplesmente
Ecumenismo, ou muito menos, Sincretismo religioso. Antes,
é esforçarmo-nos por ter paz com todos os homens. A
Religião é mordaz. Fere e destrói o espírito dos homens. A
Religião é inescrupulosa em suas vãs tradições, e empocilga
pessoas que não entendem que jamais seremos capazes de
alcançar misericórdia por si mesmas. Infelizmente o
Cristianismo tornou-se uma Religião, e como toda Religião
carrega em si o desprezo pelo Amor e pela Graça. O
Religioso mata para justificar sua religião por ser
preconceituoso, discrepante e ignorante ao Amor. O
discípulo de Cristo morre para justificar o amor que tem pelo
próximo, mesmo quando esse próximo não confessa a
Cristo. O Religioso prefere a rixa em nome das evidentes
distinções doutrinárias. O discípulo de Cristo almeja a paz e
o respeito mútuo em detrimento do credo diferenciado.
Não é fácil encarar a Verdade. Quando temos
conhecimento da Verdade e suas implicações é
praticamente impossível - exceto por desmedida hipocrisia -
nos acomodarmos com tudo a nossa volta. Tornamo-nos
impertinentes para os que preferem a doce e estagnada
ignorância. Tornamo-nos “anormais”: “mongolóides”
remando em direção contrária a toda uma multidão que
zomba de nossa “esquisitice”.
Assim como o Paulo Ricardo, várias pessoas tem tido
uma postura que é seguida de um certo desatino. Postura
que reflete inconformidade com o Sistema Religioso, Secular
e Social. Essa postura nos traz grandes tormentos. No
entanto, tormentos necessários. Lidar com a Verdade é
saber que nada será mais como antes. E que mesmo que
queiramos retornar à ignorância da escravidão haverá
sempre um espinho na carne nos lembrando de que algo
está muito errado. Quando escolhemos a pílula vermelha
não há volta. Temo que ir até o fim. É um caminho doloroso.
Não são todos que compreendem a urgência do Evangelho e
seremos tidos por “os do contra”.
Segue um desabafo de alguém que tomou a pílula
vermelha:
Às vezes é difícil explicar as coisas que acontecem em
nossa mente. Ela nos engana, nos trai e nos leva a um
estado de profunda melancolia e depressão. Nossa mente
pode ser o lugar de onde extraímos o nosso tesouro, mas
também pode ser a responsável pela nossa morte. Dela
derivam brilhantes idéias, grandes projetos, imensos
sonhos, mas dela também derivam os demônios que nos
atacam nas madrugadas, as insônias que nos destroem e as
angústias que esfaqueiam nossa alma.
Estou assim nesses dias. Entre prantos e dúvidas, entre
insônias e crises, com vontade de não existir. Queria fugir
de tudo. Queria poder ir embora pra um lugar onde eu
pudesse comer, beber e dormir sem me preocupar com
nada. Queria não conhecer nada sobre Deus, Bíblia, igreja,
espiritualidade. Sim! É melhor não saber nada do que saber
e ver que a realidade é totalmente oposta à verdade. Ah! A
verdade! Essa palavra que nos corrói. É melhor não
conhecê-la, pois depois de conhecê-la sua vida nunca mais
será a mesma. Suas crises irão aumentar, suas dúvidas irão
te matar.
Bem-aventurados são os ignorantes, àqueles que
experimentam Deus sem nada saberem, pois deles é o reino
dos céus.
Quanto a mim, acho que ainda não aprendi a viver.
Preciso me encontrar. Preciso me sentir amado. Não consigo
mais sentir a presença de Deus, não ouço sua voz. Só
consigo tirar disso três conclusões: ou Ele não existe, ou me
abandonou, ou é impotente e não pode fazer nada diante do
meu sofrimento. Alguém pode dizer: jejue! ore! busque
mais! Ah! Quanta besteira, tais pessoas acham que podem
comprar Deus, suborná-lo.
Deus! Se você existe eu estou aqui pronto para te sentir.
Mas a imensa mediocridade daqueles que se dizem
cristãos me impede de acreditar nesse cristianismo. Não
consigo entender aquele que diz amar o seu próximo no
domingo e no outro dia o pisoteia, desfaz dele, o humilha.
Não consigo entender aqueles que me julgam sem saber o
que se passa dentro de mim. Aqueles que só estão
interessados em me sugar sem se preocupar com meu
estado espiritual.
Tudo aquilo que escrevi aqui se voltou contra mim.
Aquilo não deixa de ser verdade, pode acreditar. Mas
aquelas reflexões, as poesias, tudo! Tudo se voltou contra
mim. E parece que agora fui vencido. Estou derrotado. Todos
os sonhos se foram, os planos acabaram e a força se desfez.
Agora espero o acaso. E a cada dia que se passa ele me
destrói cada vez mais.
Será que é o meu fim?
Pode ser!
E se for deixo algo registrado:
A verdade às vezes dói. Mas ainda prefiro uma dura
verdade a uma doce mentira.

COMENTÁRIO
Irmão, o Neo neste filme ai representa o anticristo e não
alguém que foi liberto de um sistema escravizador, depois
te mando um link com uma explicação disso, o salmos 2 fala
disso os reis da terra que queriam ser livres da lei de Deus.
Satanás cria um problema para vender uma solução, assim
será a vinda do anticristo e o filme Matrix é uma parábola
do anticristo... Mas, enfim, hoje em dia os evangélicos
acham que U2 é cristão e, na verdade, é mais um grupo do
anticristo com uma mensagem ecumenica anticristã. Não
gostaria de ser duro contigo mas o que está errado está
errado...
Não obstante realmente existir um sistema chamado
Babilônia de dominação política, financeira e religiosa, eu
poderia te citar motivos bíblicos para um crente não
participar de um jogo de futebol (um estádio de futebol é
uma roda de escárnio ou não é!? o futebol no Brasil é
idolatria ou não é!?), mas não vou perder tempo com isso
nem dar os meus argumentos prós e contras, nenhum
crente também deve se vestir de forma a querer chamar
atenção para seu corpo (sensualidade), também não vou
entrar nesta questão de defender uso ou costume, nem vou
criticar os que o adotam legitimamente pois seria louco de
fazer isso, mesmo reconhecendo que há abusos de todos os
lados (os que têm e os que não têm usos e costumes), sei
que se alguém se veste com a intenção de provocar
sensualidade está fora da Palavra, pois Deus não olha para
aparência mas sim para o coração e ai está o problema,
alguém pode usar uma burca e ter sensualidade no coração
mas uma mulher de Deus com certeza irá aprender a se
vestir de forma decente, não segundo o que aprendeu
vendo novela ou filmes que blasfemam o nome do Senhor.
O problema é que vivemos no meio duma Sodoma e
Gomorra e a igreja está absorvendo muitos maus costumes,
ninguém fala dos usos e costumes do mundo que entraram
na igreja, está se conformando com o mundo, não estou
falando só de mulheres peladas desfilando nas igrejas e
garotões sarados se exibindo, mas das intenções do
coração, querem ficar prosperados, confundindo Pai do céu
com papai noel...
Não entendi direito o que o irmão quis dizer com
músicas do mundo: “Não ameis o mundo, nem o que no
mundo há. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está
nele” (1 João 2:15). Cuidado para não usarmos a liberdade
em Cristo para dar ocasião a carne, tem “crente” ouvindo
666 the number of the beast e dizendo que é livre.
Se hoje em dia eu não recomendaria por não achar
conveniente nem ouvir a maioria das canções evangélicas
atuais quanto mais ouvir o vômito do mundo...
Questões discutiveis estas meu caro, que não edificam
alguém fraco na fé como disse o apóstolo Paulo, precisamos
voltar a por o fundamento que é Cristo, conhecê-lo e não
presumir aquilo que achamos, ai edificaremos com sucesso,
algo que vou te falar com muito amor, cuidado para que
querendo você tirar o cisco do olho do teu irmão não seja
achada uma trave no seu, não queira ser um mestre pois
nós receberemos mais dura condenação, aquilo que você
escreve aqui pode influenciar pessoas erradamente se você
escrever sem inspiração de Deus.
Revelar seus pensamentos pessoais segundo a Bíblia é
tolice... eu também fui retirado pelo Senhor de um sistema
falsamente religioso, onde tinha muita “liberdade” mas
Jesus disse que a porta é estreira e o caminho apertado e
mandou a gente se esforçar por entrar nela.
Vamos crescer no conhecimento de Cristo e deixar a
Matrix que é uma fábula inventada artificialmente a qual a
Bíblia diz que nos últimos dias muitos irião abandonar a são
doutrina e voltar as fábulas. Fala mais da Bíblia, da Palavra,
de Jesus, usando a Palavra, não estes filmes do anticristo.
As respostas que você quer estão na Bíblia e não na história
mentirosa da Matrix . Pedro escreveu sobre estas histórias
mentirosas e Paulo também, as fábulas, as narrativas
artificialmente compostas.
Se tomarmos por base para interpretação dos fatos a
cultura e contexto pessoal de cada um nunca chegaremos a
conhecer a verdade, vamos relativizar e nunca chegar ao
que realmente significa a parábola, pois cada um vai falar o
que acha. Uma párabola de Jesus é como se fosse uma
porta fechada que só Jesus pode abrir pra gente, a
interpretação não é particular, mas vem pelo Espírito Santo,
ao invés de ser o que eu acho é o que realmente Deus diz
que é. Não só as parábolas, mas todas as coisas que
acontecem, noticias de jornal, filmes, conversas, precisamos
buscar saber qual é a opnião de Deus sobre isso. Graças a
Deus o nosso ponto de partida tem sido a bíblia, a opnião de
Deus.
Há muita controvérsia sobre interpretações até mesmo
da Bíblia e isso por que somos guiados pela carne e não
pelo Espírito. O problema de tomar uma história artificial é
compor um sofisma, pior de tudo um sofisma para explicar
outro sofisma. Foi Paulo e Pedro quem advertiu sobre não
ficarmos procurando inventar estas histórias artificais de
sabedoria humana para tentar explicar a glória e majestade
de Cristo Jesus crucificado, não fui eu mas eu assino
embaixo do que eles disseram, tavez você não conheça
estas passagens.
Eu já cometi este erro em achar que este filme poderia
ser revertido para algo cristão, mas é um filme de conteúdo
altamente satânico que traz a tona heresias como o
gnosticismo em que só os iluminados poderiam ter o
conhecimento de Deus, sendo que Deus se faz entender
para qualquer um que quiser ouvir.
A tua interpretação do filme está biblicamente
equivocada, é isso que estou querendo dizer, é forçosa a
sua comparação se parar para analisar o filme e a bíblia.
Assim como já vi cristãos dizendo que o super-homem seria
comparado a Jesus, quando na verdade o super-homem é
outra parábola satânica do anticristo. Mas por aqui eu paro
senão daqui a pouco vocês vão começar a falar que estou
parecendo o Pr. Josué Yrion, homem de Deus pelo qual
tenho profundo respeito e que tem pregações impactantes
que se o povo que critica ele ouvisse iria cair de joelho na
hora e pedir perdão.
Enfim, assista os vídeos, talvez mudem sua ideia sobre o
filme, esta conversa seria mais produtiva para o reino de
Deus, cara a cara com uma Bíblia nas mãos. Já vi tantas
coisas neste blog dignas de reprovação pela Palavra de
Deus, piadas, palavrões (te dou referências bíblicas
censurando estas attitudes, se quiser), mas espero de ti que
um dia venha a realmente sair do sistema e ser usado por
Deus do jeito que Deus quer, ao invés de querer tirar o cisco
do olho dos irmãos com uma trave no seu, você não é
perfeito, mas é menino, como eu. Queira Deus que seus
olhos se abram de verdade, sei que às vezes isto leva um
tempo e não posso julgar as intenções do seu coração, mas
só passar o que experimentei na esperança que em algo te
desperte curiosidade, vejo você como se fosse um novo
convertido que creio e espero irá mudar muito de postura
ainda, abandonar muita coisa e oro para que o Senhor faça
esta obra, pude ver na tua área de livros para download
tantas coisas de Satanás como a série Harry Potter e tantos
outros, nem vou citar aqui, espero realmente que não ache
que Harry Potter é de Deus ou uma parábola para algo da
Bíblia que não seja a condenação ao inferno, ou que tão
pouco pense que pode ler estas coisas e indicar ao invés de
censurar e reprovar como nos manda a Bíblia, e achar tudo
bem pois é “livre” em Cristo.
Quer ler um livro para um homem de Deus que
pretender ser um instrumento verdadeiro de Deus!? Leia
“Porque tarda o pleno avivamento”, de Leonard Ravenhill.
Você vai jogar a maioria destes outros ai fora, como fizeram
em atos que queimaram os livros de bruxaria, e se absorver
a mensagem em breve teus joelhos terão calos.
Deus o abençoe!
Irmão Anderson

15 | MATRIX E A FILOSOFIA
Omelete [15]

A MATRIX é um mundo de sonhos gerado por


computador feito para nos controlar.
Em 1999, o cinema americano produziu Matrix (The
Matrix , EUA, 1999), um filme, originalmente subestimado,
que arregimentou milhares de admiradores no mundo todo
e logo se transformou em uma referência para outras
produções cinematográficas.
Um exemplo? Bem... se ficarmos apenas no efeito bullet
time , lembraremos de várias paródias, plágios e
“homenagens”.
O fenômeno Matrix pode ser parcialmente
compreendido se levarmos em consideração a profusão de
influências e temas que aparecem, direta ou indiretamente,
no roteiro e nas imagens do filme. Aí vão alguns exemplos:
distopia, esperança, filosofia, 1984 de George Orwell, artes
marciais, cibercultura, agentes secretos e teorias
conspirativas, romance, Alice no país das maravilhas de
Lewis Carroll, messianismo (crença na vinda do Salvador:
Jesus, Messias, Buda, Rei Arthur), mitologia grega e céltica,
Admirável mundo novo de Aldous Huxley, efeitos especiais
revolucionários, nova estética super-heroística (óculos
escuros, roupas pretas de couro e sobretudos substituem,
respectivamente, máscaras, uniformes colantes coloridos e
capas), ficção científica, animes e assim por diante. Como
não dá para falar de todas estas coisas em poucas linhas,
vamos especificar: faremos uma rápida comparação entre o
filme Matrix e a filosofia grega de Sócrates e Platão.
Para começar, responda rápido: se o contrário de real é
irreal, então qual é o contrário de virtual?
Se está se perguntando qual é a relação desta questão
com o filme e a filosofia, respondo: tudo.
O filme praticamente começa com a pergunta “o que é
Matrix ?”. Alguém aí se lembra do diálogo entre Trinity e
Neo? Então... ela lhe diz: “- É a pergunta que nos
impulsiona, Neo. Foi a pergunta que te trouxe aqui. Você
conhece a pergunta assim como eu”. E ele: “- O que é a
Matrix ?”. Em seguida, a jovem conclui: “- Sim, a resposta
está aí. Ela está à sua procura. E te encontrará se você
desejar”.
Mas e a relação desta passagem com a filosofia? Bem, a
filosofia ocidental (o pensamento crítico) surgiu na Grécia
Antiga, por volta do século VI a. C., como uma alternativa ao
mito (o pensamento ingênuo); ela começa através da
pergunta “o que é a realidade”?. De modo geral, naquela
época, os filósofos pré-socráticos deram duas explicações. A
escola jônica, que se importava mais com a observação da
natureza (physis ) - daí o surgimento da física e da
cosmologia - respondeu que o real é a physis ; já a escola
eleática, que se importava mais com a abstração - daí o
surgimento da metafísica e da ontologia - respondeu que o
real é o ser (ontos ). Destas considerações, aqui expostas de
modo breve e lacunar, originaram as investigações
filosófico-científicas posteriores.
Chegou até aqui? Então, não boceje e continue.
Lembra da parte em que Morpheus (o deus dos sonhos e
filho de Hipno, na mitologia grega) leva Neo até Oráculo e
ela lhe mostra a frase “conhece-te a ti mesmo”. Isso é grego
também. É de um sujeito que mudou o panorama da
história da filosofia e da humanidade: Sócrates (c. 470-399
a. C.), o fundador da ética ou filosofia moral. Por causa dele,
as pessoas passaram a se interessar e estudar não apenas a
realidade exterior (questões sobre a natureza, os astros
etc.), mas também a interior (questões relativas ao ser
humano, como política, educação, organização social,
comportamento).
Três máximas socráticas ilustram o modo como ele
conduziu a sua existência: 1) “Conhece-te a ti mesmo”; 2)
“Só sei que nada sei” e 3) “A vida sem reflexão não vale a
pena ser vivida”.
E daí? (geralmente os filósofos perguntam isso). Bem,
daí que, na história de Sócrates, também tem um Oráculo, o
Oráculo de Delfos, que disse para ele que o homem mais
sábio de todos era... ele mesmo. Todo mundo achava isso,
menos o próprio Sócrates. Mais ou menos como acontece
com Neo no filme. Quase todo mundo o considera o
Escolhido, exceto ele próprio.
Depois, de sua visita ao Oráculo, o ateniense Sócrates
passou a abordar as pessoas e a discutir com elas os mais
variados assuntos, no intuito de achar alguém que fosse
realmente sábio, já que ele achava que nada sabia. Nestes
diálogos, sempre colocava em prática as suas máximas: “Só
sei que nada sei” e “Conhece-te a ti mesmo”. Isto significa
que o método socrático, elenchus , pode ser dividido em
duas partes: a primeira (destrutiva), com a ironia; e a
segunda (construtiva), com a maiêutica. Para Sócrates, a
sabedoria consiste primeiro no reconhecimento da própria
ignorância - este conhecimento é o passo inicial em busca
da sabedoria e envolve o abandono das ideias
preconcebidas. Afinal, “as aparências enganam” e não
queremos ser enganados por elas, certo?... certo (menos, é
claro, para os partidários do Cypher - o traidor no primeiro
filme -, que podem retrucar em uníssono: “- Me engana que
eu gosto!”).
Os diálogos socráticos eram inconclusivos, mas, após os
mesmos, acreditava-se estar numa situação melhor do que
a de outrora, uma vez que, embora não se soubesse o que
era um objeto em questão, sabia-se o que ele não era.
O método maiêutico consiste em extrair ideias por meio
de perguntas; a imagem é a de que as ideias já existem na
mente “grávida” da pessoa, mas precisam de um “parto”
para se tornarem manifestas. Este “poder da mente” é, de
certo modo, sugerido no filmes em diversas ocasiões: tanto
para propiciar feitos extraordinários quanto para causar a
morte do “corpo real” através do virtual.
No fim, Sócrates foi injustamente condenado à morte
por ter corrompido - através de ideias inéditas e
contestadoras - a juventude, desrespeitar os deuses e
confrontar o Estado.
O principal discípulo de Sócrates foi Platão (c. 429-347
a. C.). A passagem mais conhecida de suas obras, a alegoria
da caverna (ou mito da caverna), está no livro A república.
Agora um pouco de paciência e uma dica para entender o
filme a partir desta perspectiva filosófica: ao ler o trecho a
seguir, substitua a “caverna” pela realidade virtual de
Matrix e o “fugitivo” por Neo e seus companheiros.
Platão exemplifica suas ideias sobre filosofia, política e
realidade a partir da dramática alegoria da caverna sobre
um grupo de prisioneiros confinados, desde o seu
nascimento, no interior de uma caverna. Estão acorrentados
de uma tal maneira que só conseguem olhar para frente e
tudo que veem são sombras na parede. Tais sombras são
projetadas pela escassa iluminação fornecida por uma
fogueira que arde atrás deles. Entre a fogueira e os
prisioneiros, há uma passagem ascendente para fora da
caverna e através da qual diversas pessoas entram e saem,
fazendo com que os prisioneiros vejam variadas formas de
sombras e ouçam o eco das vozes dos transeuntes. Em
seguida, Platão afirma que um dos prisioneiros, após árdua
luta, consegue se libertar das correntes e fugir. Assim, pela
primeira vez, o ex-prisioneiro, pode contemplar algo além
daquilo ao qual estava habituado. Mais do que meras
sombras, ele vê a fogueira, os outros prisioneiros, a
passagem ascendente e tudo o mais no interior da caverna.
Depois, quando sai e atinge o mundo exterior, além de
descobrir a existência de muitas outras coisas, é ofuscado
por uma luminosidade ainda maior do que a da fogueira: a
do Sol. Atordoado, ele retorna à caverna em busca de
refúgio e, também, para relatar o ocorrido aos seus antigos
companheiros - estes, por sua vez, não crêem na voz
dissonante do fugitivo e se recusam a serem libertados para
compartilhar da mesma experiência. Em contrapartida, os
prisioneiros também não conseguem convencer o fugitivo
de seu suposto devaneio. Assim, terminam por silenciar,
hostilizar e matar o pária fugitivo.
No filme, Morpheus alerta Neo, no “programa de
treinamento” (após ele se distrair com “a Mulher de
Vermelho” que, num piscar de olhos, dá lugar a um
“agente” letal), que qualquer um em Matrix é um agente
em potencial.
Agora o restante da interpretação.
Se considerarmos a linguagem metafísica e dualista de
Platão (luz/sombra, ciência/opinião, essência/aparência),
podemos afirmar que os prisioneiros são a humanidade
ignorante - no sentido de não saber, não conhecer. Em
Matrix , eles são representados pela humanidade prisioneira
das máquinas tiranas.
As correntes que os retém são os hábitos retrógrados e
nocivos (os vícios, opostos da virtude) que, se não impede,
ao menos dificulta o acesso ao conhecimento. Em Matrix ,
as correntes também são nossos pseudoprazeres, a rotina e
ilusão de realidade, resultado da “simulação
neurointerativa”.
Uma vez que as sombras são as únicas coisas que os
prisioneiros veem - não possuem outros referenciais - é
natural que acreditem nelas como sendo a própria realidade
- quando na verdade não são. Em Matrix , se você está
sonhando e não percebe, como pode saber que tudo aquilo
não é realidade? “- Acorde, Neo. (...) Siga o coelho branco”.
O fugitivo representa o filósofo, aquele que tem acesso
à luz - ao conhecimento. Em Matrix : é o que desconfia que
está vivendo uma ilusão, como Neo.
O percurso até o conhecimento é ascendente e íngreme,
assim como a passagem que une o interior ao exterior da
caverna. Da mesma forma que a visão necessita de tempo
para, de forma gradativa, assimilar as mudanças de tons
claros e escuros a que são submetidos os objetos quando
passamos das luzes às trevas e vice-versa; a compreensão
e a aprendizagem demandam tempo, requerem um período
para adaptação. Em Matrix recorde o difícil processo de
readaptação pela qual Neo e todos os outros antes dele
tiveram de se submeter.
A missão do filósofo (e de Neo ou de qualquer um que
se livre do controle de Matrix , conforme esta interpretação)
é conhecer a verdadeira realidade (sair da Matrix ),
regressar à caverna - lugar obscuro, pleno de crenças,
aparências e superstições - (voltar à Matrix ) e instruir os
demais (em Matrix : libertar todos). Tarefa nada fácil, já que
as idéias retrógradas são predominantes e costumam
condenar, de modo prévio, todo ineditismo (em Matrix : não
resista, esqueça, se submeta para não precisar ser
eliminado).
Parafraseando Platão, podermos dizer que “a realidade
não é o que alguns apregoam que ela é”. A realidade é
virtual, é Matrix .
Em virtude da extensão do legado platônico, muitas de
suas ideias não foram aqui abordadas; todavia, faz-se
necessária uma pequena e lacunar menção sobre duas
noções importantes: a teoria das formas ou idéias e da
doutrina da reminiscência.
Para Platão, no diálogo Mênon, o início do processo de
conhecimento é justificado pela doutrina da reminiscência
ou anamnese, uma precursora solução inatista que sustenta
a idéia segundo a qual existe um conhecimento prévio,
resultante da contemplação das formas perfeitas e
imutáveis pela alma imortal antes da reencarnação.
Portanto, a partir deste exemplo, podemos notar que é
através da teoria das formas ou ideias e da doutrina da
reminiscência, que Platão defende que o conhecimento é a
rememoração. Já no filme, na barganha que Cypher faz com
o agente Smith, ele exige entre outras coisas, esquecer
tudo, não se lembrar de nada.
Para finalizar, um pouco de heresia filosófica: o
“momento aristotélico” do filme fica por conta das
máquinas. Calma, eu explico.
Antes de seguir suas próprias ideias Aristóteles foi o
mais importante discípulo de Platão. Sistematizador da
lógica, ele valorizava extremamente o conhecimento
empírico e as ciências naturais. Classificava tudo
metodicamente, principalmente quando se tratava de suas
investigações no campo da biologia. Se alguém aí falou
“Agente Smith” e “Inteligência Artificial”, acertou.
Vamos recordar. No universo do filme Matrix , por volta
de 2199, a Terra fica devastada como resultado de uma
guerra ocorrida entre humanos e máquinas. A humanidade
não consegue vencer a Inteligência Artificial, “uma
consciência singular que gerou uma raça inteira de
máquinas” (segundo relato de Morpheus), bloqueando a
energia solar da qual dependiam as máquinas.
Ironicamente, os seres humanos derrotados tornam-se
baterias de “bioeletricidade” e acabam substituindo a
função do Sol, pois, através de uma “espécie de fusão”, são
usados para fornecer a energia de que elas precisam.
Na cena em que Morpheus encontra-se prisioneiro do
Agente Smith, este revela que, ao tentar classificar a raça
humana, fez uma descoberta surpreendente: ele sustenta
que nós, seres humanos, não somos mamíferos, porque não
entramos em equilíbrio com o meio ambiente. Ao contrário
dos mamíferos, nós nos mudamos para uma área e nos
multiplicamos até consumirmos todos os recursos naturais
para depois, mudar novamente para outra. Segundo o
Agente Smith, o “outro organismo neste planeta que segue
o mesmo padrão” é um “vírus”.
16 | MATRIX DESTROYED
Perplexos [16]

Caros perplexos, qualquer um que tenha


responsabilidade sobre seus próprios atos e tenha um pouco
de caridade é obrigado - é isso mesmo, a palavra certa é
obrigado - a contar aos próximos a loucura diabólica que é
“Matrix Reloaded”. Se o primeiro filme, apesar da violência
de videogame, apesar do pensamento epicurista e
cartesianista em dividir o real em duas partes estanques,
ainda podia-se acreditar que tudo não passava de mero
entertainment , agora o negócio é outro. Em “Reloaded”, as
intenções dos irmãos Wachowski estão claras e mostram
que são os agentes favoritos da Revolução Gramsciana. O
problema é que eles usam e abusam de mensagens
subliminares e de estímulos psicossensoriais na estrutura
dramatúrgica que impedem o espectador de raciocinar
corretamente. Mas, como não sou bobo, vou tentar explicar
aos poucos leitores deste blog (hurray !) quais são as
perversidades que a saga de Matrix esconde. Dois avisos:
sugiro ler este post somente aqueles que já viram os dois
filmes; e sugiro uma leitura ao blog Politicamente Incorreto,
que já esboçou algumas das ideias que tentarei desenvolver
aqui. Então, tomem três Engovs e vamos lá:
1. A cosmogonia de “Matrix ”, por assim dizer, é
epicurista. Ao contrário dos átomos, temos os bits e bytes
de um programa de computador. Os deuses existem, mas
eles estão distantes e não são muito bonzinhos, porque não
estariam escravizando os poucos humanos que restam. E a
ética mostrada em Zion não esconde suas raízes
epicuristas: antes da luta, da guerra, vamos fazer uma rave,
dar uma trepadinha e a morte é apenas uma ilusão que
pode ser consertada pelo Predestinado.
2. O processo de iniciação de Neo - o hacker que é
encontrado por Morpheus - é uma inversão da iniciação
espiritual que gurus como Guénon, Coomarswamy e
Burckhardt dissecaram com precisão em suas obras. A
iniciação de Neo não é um processo de libertação dos véus
da ilusão que cobrem a realidade; é um encolhimento ao
espírito imanente, no melhor estilo Hegel. Sua revelação
também não é budista - que, apesar dos pesares, havia um
grande componente do Espírito ali, mesmo que ele
estivesse aprisionado em ciclos cosmológicos -, mas sim
cartesianista, a pura razão do cogito separando em espaços
distintos o que deveria ser o real e o que é virtual. Não há
tensão entre os dois polos; há apenas imersão em uma das
realidades. Os Wachowski adoram dizer que foram
inspirados por Baudrillard - eles citam um de seus livros no
filme, “Simulacra e Simulacros” -, mas o próprio Baudrillard
(um louco completo que prefere o niilismo e o terrorismo ao
invés de enfrentar o sentido da vida) negou sua influência,
admitindo - vejam só! - que o filme hipostava os lados da
realidade, não existindo a fusão entre os dois mundos.
3. Os Wachowski pervertem os símbolos da experiência
concreta, tais como o Mito da Caverna, de Platão, e a
salvação da morte através do sacrifício do amor,
representado pela personagem Trinity (a Trindade Cristã?).
Em Platão, o mito da caverna é o símbolo da periagoge , da
conversão do mundo de sombras para o mundo da luz e o
início da busca dentro da tensão entre os polos da realidade
divina e humana. Neo não vai para o mundo da luz; ele
caminha para dentro do mundo das sombras, acreditando
que nelas está a verdadeira realidade. É o puro idealismo
hegeliano; a tensão entre sombras e luz é substituída por
sombras e mais sombras. Já a salvação da morte pelo
sacrifício do amor - eixo central do Cristianismo - não
implica em reverter a morte, mas sim em aceitar esta
última - e Neo e Trinity fazem justamente o oposto, nos dois
filmes. A contemplação amorosa - a de aceitar as coisas
pelo o que elas são, com toda a sua limitação, e, por isso,
não podemos mudar o limite final, que é a morte - foi para a
Patagônia neste momento. Mas em “Matrix ”, tudo é bits e
bytes , e everything can happen .
4. A cena com o Arquiteto é de uma sutileza diabólica,
para não dizer que é puro gnosticismo. Está claro que o
Arquiteto é o Demiurgo que criou o mundo e, insatisfeito,
abandonou-o para deixar o homem sozinho. Os
predestinados, no caso, seriam os responsavéis pela
destruição deste mundo e pela criação de um outro, muito
mais perfeito. Entretanto, as falhas continuam, e assim
temos seis predestinados que já fizeram a mesma coisa,
sempre observado pelos olhos atentos do Arquiteto. O
satanismo está no fato de que o drama da salvação torna-se
um eterno retorno no melhor estilo Nietzsche e não a
ressurreição na eternidade. Além disso, descobrimos que o
famoso Oráculo é um programa criado pelo Arquiteto para
conhecer melhor a psyche humana, mas que se rebelou e
luta contra o poder do Arquiteto. Adeus fé, esperança e
caridade; adeus, graça divina; olá, perdição completa.
5. Os mais de cem agentes Smith que lutam com Neo no
filme são uma referência direta à famosa declaração: “Meu
nome é Legião”. Alguém duvida que eles serão os futuros
arquitetos das novas Matrixes ?
6. Baudrillard não é o único pensador pós-moderno que
inspirou os irmãos Wachowski. Há também um tal de Cornel
West, negro, professor de Harvard e Princeton, que defende
o socialismo tecnológico. Ele faz até uma ponta em
“Reloaded”, como um dos conselheiros de Zion. West foi
acusado pelo reitor de Harvard de ser um professor muito
preguiçoso, que ganhava uma fortuna e dizia bobagens.
West ficou tristinho e foi para Princeton, acusando Harvard
de “racista”. Hummm... isto me cheira à affirmative action
ou não?
E eu poderia ir além, caros perplexos. Mas isto é tema
para um ensaio gigantesco e acredito que tenho coisas mais
importantes para fazer - como avisar as pessoas desta
anomalia cinematográfica cara a cara, olho no olho, dente
no dente. Repetindo Platão no Górgias: “É na guerra e na
batalha que assim devemos proceder”. Vocês deveriam
fazer o mesmo por um simples motivo: é a consciência
humana que está em jogo e ela é o que temos de mais
precioso em nossas vidas e a única arma para enfrentar a
realidade implacável, que sempre existirá, apesar das
alucinações que nos impõem.

17 | UMA MATRIX
CHAMADA IGREJA
Ricardo Andrewinsky Jereissat [17]

O texto de hoje é mais direcionado para religiosos. O


que não significa que ateus não possam tirar algum
proveito. Não estou querendo criar qualquer discussão sobre
a existência ou não de Deus, sobre qual seria a religião
correta, etc. Estou querendo, apenas, passar uma visão
pessoal sobre as igrejas cristãs atuais.
O relativismo cultural tomou conta de toda a sociedade.
Com as igrejas cristãs, não seria diferente. Em especial, as
igrejas evangélicas. O relativismo evangélico chega a ser
ainda mais asqueroso que o relativismo “mundano”. As
igrejas deveriam servir de bússola moral para a sociedade.
A ética cristã, esperava-se, deveria situar em um nível
superior ao do restante da sociedade. Na teoria, deveria
funcionar assim. Mas a realidade é bem diferente do que
enxergamos como uma igreja ideal.
Quem nunca ouviu frases do tipo: “eu, ir em tal igreja?
Para ficar igual fulano, igual ciclano que vai lá? Tô fora!
Prefiro buscar a Deus em casa!”. Ou “eu é que não piso
nessa igreja. Ciclano, que frequenta essa igreja, me pediu
dinheiro emprestado e não me pagou!”. Talvez essa: “o
pastor dessa igreja trai a mulher! Todo mundo já viu!”. E por
aí vai!

POR QUE ISSO ESTÁ ACONTECENDO?


Se me pedissem uma resposta simplista para o
problema da religião atual, eu iria dizer que o problema
principal está na interpretação de Mateus 7:1. O versículo
diz o seguinte:
Não julgueis, para que não sejais julgados.
O que este versículo significa? Significa o seguinte:
antes de você condenar alguém, procure saber o que
ocorreu de fato! Não condene ninguém antecipadamente!
Ou seja, o versículo deveria ser usado para evitar injustiças.
Porém, o que está ocorrendo? Na prática, este versículo
tem sido usado para justificar toda sorte de PODRIDÃO
dentro das igrejas! O irmão roubou? Não julgueis! A irmã
traiu o marido? Não julgueis! O pastor foi pego em um
esquema de corrupção? Não julgueis! E por aí vai!
Por causa desse papo de “não julgueis” (uma forma de
relativizar os erros das pessoas) a moral das igrejas foi
jogada no lixo. Por causa do tal “não julgueis”, pessoas
imorais tomaram a frente das igrejas, empurrando ainda
mais o cristianismo para o buraco! Com isso, o ateísmo se
expande! Por causa dessas pseudo-igrejas, a Bíblia está
cada vez mais desacreditada!
A igreja ensinou às pessoas coisas absurdas! Outro
exemplo é a história do perdão divino. Por causa do tal
“perdão divino”, a pessoa se sente à vontade para errar!
Não tem problema, é só dobrar os joelhos e pedir “perdão a
Deus”, que vai estar tudo certo. Se, por exemplo, um sujeito
matar, roubar, estuprar e fazer o diabo a quatro, é só pedir
perdão que fica tudo certo para a Igreja. O sujeito pode até
se tornar pastor e dirigir uma congregação!!! Não é à toa
que os ateus fazem chacota das igrejas atuais. Este
conceito de justiça, realmente, é muito estranho.
O relativismo cultural distorceu conceitos como o do
perdão divino. Este conceito diz respeito apenas à salvação
eterna! Aqui, na Terra, essa história de perdão não vale! Ele
não irá escapar das consequências dos erros aqui na Terra!
Se você matar alguém e pedir perdão, Deus até pode
perdoar. Mas você irá preso e vai cumprir a pena!
Moisés, por exemplo, era um homem exemplar, mas que
pecou feio diante do povo. Ele pediu perdão. Deus perdoou
Moisés. Mas, como castigo, ele não iria entrar na Terra
Prometida.
Davi foi outro exemplo de homem que pecou e pediu
perdão. Deus perdoou. Mas ele ficou impedido de construir o
templo, e a família dele pagou CARO por causa do erro dele.
Josias foi um dos maiores exemplos de caráter da Bíblia.
Mesmo assim, um dia ele se atreveu a ir para a frente da
batalha contra a ordem do profeta e MORREU por causa
disso. Com certeza, ele foi perdoado. Mas teve de pagar um
preço caro pelo erro!
Alguém que comete um adultério, por exemplo, até
poderia ser perdoado. Mas isso não o livra das
consequências. Uma delas: este (a) sujeito (a) deveria ser
impedido de assumir qualquer função na igreja. O objetivo:
manter um certo nível moral dentro da igreja. Um adúltero
jamais poderia chegar ao posto de padre, pastor, bispo, etc.
É o que ocorre na prática?
Outro exemplo: mulheres que viveram uma vida de
orgias, promiscuidade. Quando ficaram velhas, correram
para a Igreja, pediram perdão e ficou tudo certo! Elas até
podem arrumar um irmão abençoado para se casar, sem
maiores problemas! E com vestido branco ainda por cima!!!
Quem nunca ouviu falar das tais irmãs que posaram
para a Playboy, fizeram filme pornô e, depois, quando já
estão velhas e esquecidas pela mídia, correm para a Igreja,
assumem um cargo qualquer por lá, arrumam um CSP e
viram “cantoras gospel”? Isso é o que mais ocorre dentro
das igrejas evangélicas. Virou moda a Igreja ser
aposentadoria de balzaquianas vadias!
Por falar em mulheres, vamos tocar em uma ferida: a
submissão da mulher.
A Bíblia é bem clara sobre a submissão feminina. Está
lá, escancarado, que a mulher deve obediência ao marido.
Outra: mulher não pode assumir nenhum cargo dentro da
igreja. Leia a Bíblia e constate por si só!
E o que vemos na prática? Mulheres assumindo cargos e
mais cargos, e até mesmo a liderança da igreja e mandando
em homens! As igrejas até incentivam isso! Algumas vem
com papinho de que “a força da mulher deve ser usada para
o bem do corpo de Cristo” (faça-me rir). Outras vem com a
velha história dos direitos iguais (até na igreja esse papo
colou!!!).
Posto isso, não é de se estranhar a decadência da igreja
atual. Moralmente falando, as igrejas são instituições
mortas hoje. Elas não são nem um pouco melhores que uma
empresa, por exemplo. Quem pára um momento para
reparar percebe que não existe diferença entre as pessoas
da igreja das pessoas “mundanas”.
A verdade é que as igrejas não cumprem mais a função
de doutrinadoras da sociedade há tempos! Ninguém
aprende mais a se tornar moral dentro de uma igreja! Você
não irá aprender a ser mais ético, mais honesto, mais justo,
mais digno, enfim, você não irá se tornar melhor
simplesmente indo em uma igreja! E, se isso vale para você,
vale também para as pessoas que sentam ao seu lado!

18 | EVANGÉLICOS EM
CRISE
Avelar Jr. [18]

Esses dias eu estive numa livraria evangélica da minha


região. Ao passear pelas prateleiras cheias de ótimos livros,
encontrei uma raridade: “Evangélicos em Crise”, do Paulo
Romeiro. Eu já tinha lido ótimos comentários a respeito
desse livro. Meu pastor o tem e me havia oferecido
emprestado, mas nunca tinha me dado ao prazer de lê-lo.
Decidi comprá-lo porque sabia que o livro, além de
recomendável, estava estalando de novo, era o último
exemplar e eu sabia que já estava esgotado (já que a edição
é de 1999). Eu conversei com o livreiro na ocasião e fiquei
muito contente de saber que ele é uma pessoa esclarecida
na fé, e que não adquire livros sabidamente prejudiciais à
igreja – dava pra ver esse cuidado só de conferir as
prateleiras. Pena que não é sempre assim nas livrarias, não
é?
Para quem não conhece o livro, ele é uma continuação
melhorada do “Supercrentes”, do mesmo autor. Esta obra
também é ótima e de rápida leitura (eu havia lido anos
atrás, emprestado por meu antigo pastor). Ambos tratam de
apologética interna, ou seja, temas que servem de
obstáculo, desvio da ortodoxia e incômodo para o
evangelho e para a vida espiritual da igreja, e que – uma
pena – partem de dentro dela própria!

“Olhai, pois, por vós, e por todo o rebanho sobre que o


Espírito Santo vos constituiu bispos, para apascentardes a
igreja de Deus, que ele resgatou com seu próprio sangue.
Porque eu sei isto que, depois da minha partida, entrarão no
meio de vós lobos cruéis, que não pouparão ao rebanho; e
que de entre vós mesmos se levantarão homens que falarão
coisas perversas, para atraírem os discípulos após si.” (Atos
20.28-30).

Logo nas primeiras páginas, pude perceber a situação


caótica por que a igreja evangélica brasileira já passava por
aqueles tempos. Fiquei impressionado, confesso, pois
converti-me em 1998 e o livro é de 1999 (4a edição)...
Perguntei-me onde eu estava naquela época que não me
dava conta de tudo aquilo que o autor mencionava no livro.
Graças a Deus, a guerra espiritual na igreja estourava e
eu estava sorridente com Jesus, pedindo licença para passar
pelo meio dos escombros que eu não via. Nessa época eu
passava pela “lua-de-mel” da conversão, por aquele
momento de deslumbramento e felicidade que subverte a
vida impetuosamente, e que, infelizmente, um dia acaba. É
quando você cai na real, que está no meio de um combate e
não num parque aquático celestial.
Talvez fosse o efeito “slow motion ” da “lua-de-mel”...
Talvez fosse o cuidado de Deus para comigo mesmo: em
não me permitir enxergar a terrível Matrix logo naquela
época, sem estar pronto e alimentado apropriadamente
para o baque de tristeza que a cena me traria.
Ok, de volta ao século XXI, lendo o livro, hoje, pude
constatar, infelizmente, que a esperança do autor não se
cumpriu. Quem alçava falsas profecias e pregava heresias
destruidoras continuou se aperfeiçoando no seu mal e
ajudando a causar mais baixas entre os companheiros do
evangelho da paz. Fiquei triste de ver que se a coisa parecia
estar perto do fundo do poço naquela época, hoje está
muito pior!
O que tivemos de aumento nas fileiras do movimento
evangélico, estatisticamente falando, desde então,
aparentemente, foi uma carga morta, um grande prejuízo
para o testemunho, um gol da Argentina contra nós. Onde
estamos errando se é fato que os números crescem?
Digo “aparentemente” porque sei que no meio de muito
estrume, sempre há muita vida, e aquelas que saem no
tempo certo. Pois no meio do estrume também se lançam
sementes, com a semente também vem a fé, a luz de Deus,
o crescimento e as flores – e as ervas daninhas que
aguardam sua hora.
A igreja está aí. Pode até ser difícil de enxergar, duro de
reconhecer, mas Deus está cuidando de nós. E nós devemos
tomar parte nisso e cuidarmos uns dos outros.

“Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações,


batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito
Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que eu vos
tenho mandado; e eis que eu estou convosco todos os dias,
até a consumação dos séculos. Amém.” (Mateus 28.19-20).

“Amados, procurando eu escrever-vos com toda a


diligência acerca da salvação comum, tive por necessidade
escrever-vos, e exortar-vos a batalhar pela fé que uma vez
foi dada aos santos.” (Judas 3).

Avelar Jr é blogueiro, advogado, professor de Escola


Bíblica Dominical e colunista do Púlpito Cristão
19 | COMO SERÁ A IGREJA
EVANGÉLICA BRASILEIRA
DE 2040?
Paul Freston [19]

Saiu nos jornais o resultado de uma pesquisa do IBGE


com dados interessantes sobre a realidade evangélica no
Brasil. O dado que mais nos chamou a atenção é o que diz
respeito à categoria evangélica que mais cresce: o
“evangélico sem igreja”. A maior parte desse grupo não é
de evangélicos “nominais” (os que se autodenominam
evangélicos, mas não frequentam uma igreja); antes, é
composta pelos que se consideram evangélicos, mas não se
identificam com denominação alguma. Longe de ser
“nominal” ou “não-praticante”, o evangélico sem igreja
talvez frequente várias igrejas sem se definir por uma; ou
pode ser que assista a uma igreja durante alguns meses,
antes de passar facilmente a outra. Com isso, não chega a
se sentir assembleiano ou batista ou presbiteriano ou
quadrangular. Existe, então, um setor crescente de pessoas
que se identificam como evangélicas, mas não como
pertencentes a uma determinada denominação.
Há também outra tendência que logo vai aparecer.
Ainda não temos os resultados religiosos do Censo de 2010,
mas as pesquisas recentes indicam que a porcentagem de
evangélicos continua crescendo -- não no ritmo dos anos 90
(que foi inteiramente excepcional), mas voltando ao ritmo
de crescimento que caracterizou os anos 50, 60, 70 e 80.
Contudo, esse crescimento um dia vai parar. Tal afirmação
não é uma questão de “falta de fé”! Mesmo
estatisticamente, nenhum processo de crescimento pode
durar para sempre. Percebemos, pelas tendências atuais,
que o fim do crescimento evangélico no Brasil pode não
estar distante. De cada duas pessoas que deixam de se
considerar católicas, apenas uma passa a se considerar
evangélica. Além disso, evidentemente, a Igreja Católica
não está a ponto de desaparecer. Fenômenos como a
Canção Nova e outros testemunham disso; ou seja, há
formas de catolicismo que arrebanham muita gente. É
verdade que o catolicismo continua diminuindo
numericamente, mas principalmente entre adeptos
nominais ou de vínculo fraco. Existe um núcleo sólido que
não está desaparecendo e que constitui, provavelmente, em
torno de 25 a 30% da população. Pelas tendências atuais,
será difícil que os evangélicos, que hoje são em torno de
20%, passem de 35% da população.
Tudo isso significa que logo vivenciaremos uma nova
fase da religião evangélica no Brasil. Estamos desde os anos
50 na fase do crescimento rápido. (Antes dos anos 50 as
igrejas não cresciam tanto.) Crescimento rápido significa
que a igreja média tem poucas pessoas que nasceram
evangélicas, mas muitas que se converteram, inclusive que
acabaram de se converter. Essa situação é privilegiada sob
muitos aspectos, mas também tem certas implicações.
Quando terminar a fase do crescimento rápido --
provavelmente nas próximas duas ou três décadas --,
haverá outro perfil em uma igreja média: mais pessoas que
“nasceram na igreja” e menos que se converteram ou que
acabaram de se converter. Com isso, muitas coisas
mudarão. O perfil de liderança eclesiástica exigida mudará.
O crescimento rápido privilegia certo tipo de líder: o que
tem um ministério capaz de atrair novos membros. Isso,
claro, é muito importante, e sempre haverá espaço para
esse tipo de líder. Porém, com a estabilização da igreja,
haverá mais espaço para outras modalidades de liderança.
E, como sabemos pelo Novo Testamento, os ministérios na
igreja são múltiplos e variados. Não devemos ter uma linha
de montagem de líderes cristãos com todos exatamente
iguais. Temos de abraçar a variedade de ministérios e de
tipos de líder evangélico.
Por que no futuro uma variedade de tipos de líder será
ainda mais importante? Quando as igrejas crescem muito, a
exigência é fazer bem o bê-á-bá, pois há sempre pessoas
novas chegando. Entretanto, quando há uma comunidade
estabilizada numericamente, com mais pessoas com muito
tempo de vivência evangélica, outras exigências ganham
força. “Entre a conversão e a morte, o que tenho de fazer?
Como desenvolvo a minha fé? Como devo crescer nas mais
variadas áreas? O que significa ser discípulo de Cristo em
todas as dimensões da vida? O que a fé evangélica tem a
dizer sobre as questões que agitam a sociedade?” Haverá,
então, mais exigência por um ensino variado e por pessoas
que saibam falar para a sociedade em nome da fé
evangélica. Precisaremos de pessoas preparadas nas mais
diversas áreas de interface com a sociedade; portanto,
precisaremos de ministérios cada vez mais diversificados.
Esse tipo de líder não aparece da noite para o dia, pois a
formação leva tempo. O carisma e o autodidatismo não
bastam nesses casos.
Além disso, será cada vez mais importante a questão da
transparência: primeiro, porque é uma demanda do próprio
evangelho e, segundo, porque (queira Deus!) o Brasil de
2040 terá uma democracia mais limpa e transparente. Os
líderes evangélicos do futuro precisarão ter vida pessoal
capaz de ser examinada. Haverá menos tolerância para o
líder inacessível e opaco, que vive atrás das máscaras. Em
vez disso, uma liderança mais exposta e vulnerável será
exigida. E as técnicas não ajudam nisso. O que produz esse
tipo de líder é um profundo processo de formação pessoal,
que leva tempo.
Se não houver pessoas à altura, é possível que, quando
terminar o crescimento rápido, em vez de uma comunidade
evangélica estabilizada em torno de 35% durante gerações
e com um efeito benéfico profundo na vida do país, haja um
decréscimo na porcentagem de evangélicos. A curva
numérica que agora ascende rapidamente pode cair de
forma igualmente rápida. O evangélico ingênuo, que acha
que isso nunca poderá acontecer, desconhece a história da
igreja cristã, pois isso aconteceu algumas vezes em outros
países. Se não tivermos um olhar para o futuro, para
perceber os desafios de amanhã e nos preparar hoje para
eles, a probabilidade é que esse declínio aconteça.
Portanto, o primeiro desafio de hoje em função do futuro
é formar um leque de tipos de líder, com ministérios
variados, mas sempre humildes e com vidas transparentes.
E o segundo desafio é a recuperação da Bíblia. A identidade
evangélica não deve estar ligada meramente a uma
tradição que se chama evangélica. Antes, ser evangélico
significa a vontade de ser verdadeiramente bíblico, em
todas as dimensões da vida com Cristo. E a Bíblia é um
grande país, um terreno vasto, que precisamos conhecer
por inteiro. Todavia, perdemos muito o sentido de ser
bíblico. É raro hoje ouvir sermões verdadeiramente
embasados na Bíblia. São mais comuns aqueles que nem
sequer partem da Bíblia, ou aqueles em que o pregador lê
um texto bíblico para depois falar de outro assunto. É
incomum a interação séria com o texto bíblico, em que se
deixa o texto falar para depois se fazer as aplicações para a
vida pessoal, comunitária e social. É raro porque é difícil.
Esse tipo de mensagem requer formação, preparo,
pensamento, meditação. Via de regra, na fase atual do
crescimento rápido, é mais fácil não fazer tudo isso, se
preocupar apenas em ter uma igreja cheia.
Em um futuro próximo, porém, esse enfoque será cada
vez mais necessário. Se não recuperarmos a capacidade de
interagir com o texto bíblico, de deixá-lo falar a nós e, a
partir disso, tirar as implicações individuais, eclesiásticas e
nacionais, nos mostraremos irrelevantes. Assim, é possível
que a curva decline logo após a estabilização, pois a
capacidade de estudar e ensinar a Bíblia é algo que não se

É
constrói da noite para o dia. É necessário exigirmos de
nossos líderes que ensinem a Palavra, que interajam
profundamente com o texto bíblico, que não fujam!
Contudo, o bom ensino na igreja precisa também ser
complementado pela leitura individual. É fundamental
adquirir menos livros água com açúcar ou triunfalistas e
mais leituras que nos embasem biblicamente.
O processo, portanto, tem de começar com os membros
comuns exigindo uma melhor qualidade de ensino e de
literatura. A nova liderança para fazer frente aos desafios de
2030 e 2040 só vai surgir se houver uma demanda
articulada a partir dos membros das igrejas.
Dentro do tema da recuperação da Bíblia, insisto na
centralidade dos Evangelhos. Comenta-se que a fé
evangélica se tornou prisioneira da cultura religiosa da
barganha. Ora, uma das maneiras de superar a cultura da
barganha é incentivar a dedicação a uma causa (como
fazem os movimentos políticos mais ideológicos). O
problema, neste caso, é a persistência ao longo do tempo, a
capacidade de continuar dedicado a ela durante décadas e
apesar dos contratempos. Porém, existe uma outra maneira
de combatermos a cultura religiosa da barganha:
encantando-nos com a figura de Cristo, com a humildade
amorosa de sua figura humana retratada nos quatro
Evangelhos. O melhor antídoto para a cultura da barganha é
o fascínio por Cristo, que advém do estudo sério dos
Evangelhos.
A igreja evangélica brasileira de 2040 precisará,
portanto, de líderes mais diversos nos seus dons, profundos
no seu conhecimento e sabedoria e transparentes nas suas
vidas; e precisará ter redescoberto o verdadeiro sentido de
ser evangélico, que é a vontade de ser profundamente
bíblico em toda a nossa existência. Esses dois requisitos
existirão se a igreja de hoje tomar as medidas necessárias.
Paul Freston, inglês naturalizado brasileiro, é professor
colaborador do programa de pós-graduação em sociologia
na Universidade Federal de São Carlos e professor
catedrático de religião e política em contexto global na
Balsillie School of International Affairs e na Wilfrid Laurier
University, em Waterloo, Ontário, Canadá.

20 | MATRIX – UMA
INTERPRETAÇÃO
FILOSÓFICA
Izabela Bocayuva [20]

Com gosto de nostalgia, comemorativamente volto ao


tempo da publicação do primeiro número da Revista Ítaca:
2001. Foi mais ou menos nesta época que o Filme Matrix foi
lançado. É com esse espírito que apresento esse texto,
escrito já há bastante tempo, mas ainda atual, tanto quanto
a Alegoria da caverna de Platão nunca envelhece.
Muitas e diversas são as interpretações do classic
MATRIX dos irmãos Wachowski. Ele pode ser visto tão
somente como um ótimo ou então como um barulhento
filme de ação. Pode até mesmo ser visto como uma mera
americana propaganda armamentista temperada de frieza e
mecanicismo. Podemos, entretanto, ver nesse filme muito
mais do que tiros e lutas marciais, podemos ver mais do que
uma acrítica aceitação do mecanicismo. Há ali sem dúvida
também uma problematização do que seja propriamente a
realidade, questão filosófica secular, tratada então com
roupagem atual em meio a uma tecnologia de ponta: lá, o
envolvimento profundo com a informática, compreendida
como espaço em que se exerce o interesse pelo
conhecimento, propicia uma difícil mas possível
transformação qualitativa e irreversível de vida.
Acolhendo essa “camada interpretativa” que ultrapassa
as tão freqüentes rajadas de tiros do filme, vem à tona, para
quem quiser ou puder ouvir, um texto bem antigo, como se
fosse ele a falar ali novamente: é a Alegoria da caverna de
Platão. O texto do filme apela também para a atualização de
outras realidades antigas como é o caso do Oráculo grego
de Delphos revisitado, tal como veremos mais adiante.
A Alegoria da caverna é um mito inventado por Platão
em seu diálogo chamado A República e que consiste num
recurso explicativo do processo de crescimento e
aprofundamento do homem.
Uma tal situação requer um homem que esteja disposto
e seja corajoso porque ele efetiva- e definitivamente se
perde de modo radical no caminho mesmo em que
encontrará seu próprio rumo para a sabedoria, uma
sabedoria de quem é iniciado. Vamos fazer uma
apresentação da Alegoria em linhas gerais e depois
compará-la com o filme.
A Alegoria, contada por Sócrates – alguém que
supostamente conhece por experiência própria a trama da
história –, diz que homens encontram-se dentro de uma
caverna, presos pelo pescoço e pelas pernas vendo apenas
as sombras do que acontece, invisível para eles, às suas
costas; sombras estas possibilitadas pela luminosidade de
um fogo sempre aceso que se encontra mais atrás.
Como acreditam que as sombras que veem são, sem
dúvida, “a” única e exclusiva realidade não precisam nem
querem alterar em nada sua posição, daí sua estaticidade,
daí seu aprisionamento. Tais prisioneiros, diz Sócrates,
somos todos nós, de início, enquanto ainda não começamos
nosso processo de educação o qual só pode se dar a partir
de uma ruptura repentina em relação àquela situação
estática, cheia de suficiência e crente de saber.
Destrinchando a alegoria, podemos perceber que de início e
muitas vezes até tarde na vida, acreditamos que estamos
seguros (ou inseguros) vivendo uma realidade que julgamos
ser constituída pelas coisas que se passam ou acontecem
imediatamente, ao alcance de nossas mãos ou olhos.
Entretanto, esse ponto de vista depende de não termos
apreendido como o Real é muito mais que isso. Sim, ele
emerge do que não alcançaremos nunca ainda, ao mesmo
tempo que, paradoxalmente, concretiza-se em tudo o que
vivemos. Isto significa que sua marca, além da
intangibilidade é a inesgotabilidade, acompanhada da
surpresa a qual é preciso aprender a perceber. Segundo
aquela primeira percepção de realidade, porém, aconteça o
que acontecer de agradável ou desagradável, ela só precisa
reaplicar as atitudes já registradas para cada caso e
permanece, assim, “acomodada-satisfeita” às opiniões que
tão só reproduz sobre as coisas do mundo e pronto, sem
surpresas. Dessa forma, não precisa pensar nada: não
precisa decidir nada, não precisa agir, correr riscos. Quando
vivemos dessa forma, agimos, falamos, pensamos segundo
os outros, isto é, alienadamente.
Pode, entretanto, acontecer de alguém não se satisfazer
mais com as opiniões ou repostas prontas já disponíveis,
pode acontecer o incômodo com as situações e suas
atitudes correntes. Uma tal insatisfação é o que pode ir
preparando aquela ruptura capaz de alterar o quadro. Diz a
Alegoria que é subitamente, sem explicação prévia, que um
prisioneiro rompe suas amarras e vira-se e olha para o que
ocorre atrás de suas costas. A luz do fogo que provocava as
sombras no fundo da caverna, imediatamente à sua virada,
lhe ofusca e faz seus olhos doerem fortemente. Nesse
momento ele tenta esquivar-se da situação em que se
encontra, tenta voltar atrás, pois o acontecimento é por
demais desconfortável, mas já não é mais possível, pois,

É
não pode evitar o fato tão forte de ter visto a luz. É quando
o desconforto na existência nos alcançou como um raio
fulminante. Trata-se de um desconforto, uma angústia,
porém altamente positivos, pois acordam, quem passa por
isso, para a criação (o parente mais próximo da surpresa),
única fonte da qual podemos colher verdadeira alegria
sobre essa Terra que habitamos.
Não poder mais aceitar meramente as opiniões ou
attitudes correntes vem de, de repente, já se estar vendo ou
vivendo de outro modo ainda que este modo não seja de
fácil acolhimento no início da metamorfose, pois é muito
difícil deixarmos o confortável hábito aparentemente “feliz”
para nos lançarmos na vida, sem medo da não ventura, do
engano, do erro. Exige coragem aceitar-se a mudança como
algo bem mais do que uma mera palavra vazia. Com efeito,
o processo de acolhimento da transformação, mais longo ou
mais curto, acontecerá inevitavelmente, à medida que tudo
o que, desse modo, se viver e sentir, o for a partir dessa
nova experiência de mudança. Na Alegoria isso significa: ver
com mais nitidez, e tal maior clareza fará com que esse
homem em questão goste mais de sua nova experiência
com o mundo e a considere melhor do que aquela que ele
se lembra de ter vivido anteriormente quando estava preso.
Aliás, só agora ele pode saber que esteve preso. Só agora
ele pôde fazer a experiência de prisão, a qual nunca mais
lhe abandonará: ele sabe agora o quanto para sempre é
preso, preso à sua própria liberdade de ver, de avaliar
mesmo que seja em relação a algo que não se tem escolha.
Já os prisioneiros da caverna se enganam na medida em
que se acreditam absolutamente livres na sua suficiência.
Acham que ter liberdade é poder escolher entre coisas ou
mesmo entre ruas a seguir. Daí a fantasia tão comum de
que o dinheiro, por si, traz a felicidade, pois ele amplia o
leque das escolhas.
Na Alegoria, aquele que vê com mais nitidez e que vem
se tornando cada vez mais sagaz por estar aprendendo que
nunca mais pode se arrogar saber a totalidade, por estar
aprendendo a estar disposto para aprender, vai se
aproximando da saída da caverna até que ele finalmente sai
daí, não sem antes cumprir um ritual de adaptação olhando
primeiro para o céu estrelado e a luz da lua, depois para a
luz do sol refletida na água, depois para o próprio sol. Esse
seria o ponto máximo de sabedoria a atingir por aquele que
antes, alegoricamente, mesmo tendo visão, enxergava mal
no interior de uma caverna, aquele que mesmo tendo
condições de aprender a aprender o mundo em sua
dinâmica inesgotável – tal como o sol abunda em iluminar
tudo –, e com todas as suas surpresas, apenas aprendia a
reproduzir o que lhe era passado como sendo “o” mundo.
Na Alegoria ainda é dito que aquele que trilha esse
caminho de maior esclarecimento, retornando à caverna
para alertar para a possibilidade de um tal percurso, está
sujeito a sofrer, por parte dos que estão prisioneiros, as
maiores agressões, a ponto de quererem pegá-lo e matá-lo
(clara alusão ao que de fato aconteceu a Sócrates,
condenado a tomar cicuta pelos cidadãos de Atenas). O
medo que eles têm da morte é imenso! Pois para nascerem
para o mundo da criação é preciso morrerem, ainda que
simbolicamente, para o mundo que eles mesmos
reconhecem como “mundo”, o “mundo” que eles acreditam
conhecer. Seu medo da morte é medo de serem
desmascarados em sua própria ignorância, pois como pode
alguém vir dizer de algo que eles não conhecem: que
audácia!
O filme MATRIX começa mostrando o conflito entre uma
força destrutiva e repressora – representada pela polícia
comum e uma polícia especial extremamente sóbria e
calculista – e outra força cuja capacidade extraordinária de
agir e saber se defender dos ataques destrutivos nos lança
de chofre numa inverossímil dimensão do virtual (ou, como
veremos, do Real). Nosso julgamento imediato racional
pensa logo na habilidade técnica dos efeitos especiais hoje
em dia no cinema. Uma mulher sozinha luta contra cinco
homens armados, ao mesmo tempo, andando pelas paredes
e depois ainda escapa dando saltos humanamente
impossíveis, para, por fim, desaparecer misteriosamente
numa cabine telefônica. Para quem só gosta de ver realismo
em tudo, inclusive no cinema, já teria nessa primeira cena
motivo o suficiente para abandonar a sala de projeções.
Entretanto, se esperasse o desenvolvimento do filme e se se
deixasse levar pela história, poderia ver que tais
demonstrações de inverossimilhança não são senão a
apresentação da mais real capacidade humana, a qual se
encontra usualmente adormecida em cada um de nós.
A história do filme mostra o desenvolvimento dessas
capacidades no personagem principal chamado Neo, nome
esse que traduzido (do latim “neo” e do inglês “new”)
significa: “novo”. O “Novo”, aquele que sempre está se
renovando, a mudança, é o personagem principal do filme,
procurado como sendo o escolhido (Tradução para a
expressão “The One ”: NEO também é a palavra ONE
composta em outra ordem), sempre a resistir à repressão à
liberdade dos homens, os quais estão, naquele momento
vivendo no ano 2199, confinados no centro da Terra,
procurando bravamente se defender das forças
maquinizantes que por hora quase estão a dominar todo o
mundo. As máquinas, tendo entrado em guerra contra os
homens, criaram um sistema de computador cujo nome é
Matrix que cultiva seres humanos a fim de que eles sejam
como que pilhas para alimentar energeticamente as
máquinas, elas próprias. Na Matrix , o ano é o de 1999 (ano
em que o filme foi lançado) e os homens vivem
normalmente seus afazeres exatamente como no nosso ano
agora de 2014 (e como em qualquer outro ano em que esse
texto for lido); mas os homens vivem aí apenas
virtualmente como projeções maquinais.
Neo, quando ainda vive na Matrix , além de ser um
funcionário de uma conceituada empresa de softwares, é
um hacker, ou seja, alguém que dribla o sistema, mas não
só isso, ficamos sabendo, no filme, que ele está intrigado
com a questão de saber o que é esse sistema: “o que é a
Matrix ?”. Para resolver este problema faz longas buscas na
internet a ponto de dormir trabalhando nisto. Com certeza,
esse personagem não acha que o que vive é o suficiente.
Ele procura, está inquieto, e para obter aquela resposta, ele
anseia entrar em contato com um outro hacker, famoso por
ser de há muito e intensamente perseguido pela polícia:
Morpheus, nome mitológico dado ao “deus do sonho”. No
filme, o “Sonho”, isto é, o desejo, isto é, Morpheus, é um
dos generais da resistência contra as forças maquinizantes
e ele está encarregado de encontrar justamente Neo – “o
Novo” – a fim de prepará-lo para a sua tarefa de salvador da
liberdade dos homens reais que vivem, naquele momento,
no interior da terra sob a constante ameaça de serem
definitivamente destruídos.
O “Novo” e o “Sonho” se procuram reciprocamente, mas
não podem se encontrar sem a mediação súbita da
personagem Trinity, isto é: a “Trindade”, a dimensão do
“Sagrado”. Por ser geradora do “Novo” – tendo acordado
Neo – o “Sagrado” é, no filme, uma mulher.
É Trinity que primeiro entra em contato com ele,
despertando-o sem aviso prévio (da mesma forma repentina
em que o homem da Alegoria da caverna é tocado e se vira)
de seu sono inerte, maquinal, de sonhos viciados,
começando a levá-lo para junto do “Sonho” Real, do sonho
virtuoso, que abre ruas que ele ainda não conhece. Desde o
momento em que seu próprio computador o acorda e
começa a falar com ele, Neo já não sabe mais se está
acordado ou dormindo. Está, pois, dado o salto para o
extraordinário, que no filme significa dar o salto para dentro
do verdadeiro Real, do mais humano. É humano lidar com o
desconhecido e sonhar. Fica sugerido, no filme, o quanto a
maravilhosa parafernália informática auxilia na
possibilitação de uma tal especial experiência humana num
mundo dominado pela máquina.
O Real é o virtual e o virtual é o Real, realidade não são
os fatos que costumamos constatar, mas sim situações que
implicam oportunidades de descobertas e experiências de
possibilidade antes inimaginável.
Tudo começando com a sagacidade no uso da máquina,
mas também com a dúvida e com o reconhecimento da
ilusão em que se vive.
Começo confuso! No filme, a partir do contato com o
verdadeiro Real (mas que Neo ainda desconhece como real
– pois é a partir da Matrix que ele está acostumado a
pensar) Neo sofre um terrível ofuscamento, o mesmo
daquele homem na Alegoria da caverna que fere os olhos
com a luz do fogo quando se vira. Ele já não sabe o que é
sonho e o que é realidade.
Com efeito, no filme, é o “Sagrado” que faz despertar do
sono inerte, mas ainda outra mediação é necessária para
que o encontro entre o “Novo” e o “Sonho” se realize.
Quando Trinity está falando com Neo através do
computador e acabou de dizer-lhe para seguir o coelho
branco (alusão explícita à “Alice no País das Maravilhas” de
Lewis Carrol), alguém bate em sua porta, alguém cujo nome
é Choi, apelido de “choice”, palavra que significa, em inglês:
escolha. A “Escolha”, pois, lhe bate à porta e o convida para
sair. Neo a princípio recusa, mas quando vê um coelho
branco tatuado no braço da menina que acompanha Choi,
decide que os seguirá para onde forem. Quer dizer que para
se acordar realmente da letargia de uma vida dominada
para uma vida auxiliada pela máquina, é necessário a
decisão de trilhar um caminho Novo, mesmo que não se
saiba (e principalmente não se sabendo) para onde ele vai
levar. E ele levará ao “Sonho”, o Chefe do navio libertário,
chamado Nabucodonosor, nome do Imperador babilônio que
conquistou Jerusalém, a Terra prometida.
É interessante lembrar também que o nome do lugar, no
centro da Terra, onde vivem os confinados homens naturais
– não cultivados pela Matrix – é Sião, ou seja, o mesmo
nome da montanha que representa Jerusalém (tal como o
Corcovado representa o Rio de Janeiro).
Diante de Morpheus, Neo será colocado mais uma vez
na situação de escolha, quando decidirá continuar seguindo
este caminho que ele ainda não sabe onde dará. Toma,
então uma pílula que lhe permite “atravessar o espelho”
(mais uma alusão à obra de Lewis Carrol: “Alice através do
espelho”). Até esse momento, o sentido da palavra
liberdade, na vida do personagem Neo significou escolha,
arbítrio. Depois disso irá mudar radicalmente, como
veremos mais adiante. Até aqui ele diz não gostar de
acreditar em destino já que não gosta de crer que não é ele
mesmo a fazer sua própria vida.
A pílula vermelha engolida propicia a desconexão da
Matrix , o corte e, simultaneamente, a localização do corpo
de Neo em meio aos trilhões de homens-pilhas
adormecidos, cultivados como que em casulos repletos de
uma espécie de placenta. Depois, então, de ser como que
deglutido pelo seu próprio espelhamento, ele cai (ainda
inconscientemente) em si e está nu, desperto, sentado em
seu casulo e preso por vários tubos ao longo de todo o
corpo. Daí, uma engenhoca voadora enorme solta primeiro o
tubo que o está prendendo à nuca, após o que, todos os
outros tubos soltam-se violentamente e é também
violentamente que seu corpo percorre um canal até cair
num poço cheio d’água donde é resgatado pela nave de
Morpheus que lhe diz: – Bem vindo ao mundo Real. Neo
nasce de novo, mas de um nascimento, que de tão violento
quase não se distingue da morte, sendo as primeiras
palavras de Neo a pergunta: – Estou morto? Ao que escuta a
resposta: – Longe disso! Ele sente também dor nos olhos: –
Por que? ; – Porque nunca os usou antes, lhe diz Morpheus
(nítida alusão à dor nos olhos da personagem da Alegoria da
caverna).
Já na nave Nabucodonosor, há primeiro uma preparação
de seu corpo, de seus músculos, da “cicatrização” dos
orifícios onde estavam presos os tubos do casulo em que ele
se encontrava antes do novo nascimento. Começa, depois, a
preparação de seu espírito.
Ambas as preparações são necessárias já que Neo terá
que enfrentar a terrivelmente forte força repressora contra a
liberdade. Essa força que, como já dissemos no início do
texto, é extremamente sóbria e calculista, é representada,
no filme, por três agentes em forma humana que podiam
ocupar o corpo de qualquer homem-pilha-prisioneiro, isto é,
de qualquer um que viva na Matrix como homem comum
que se acredita livre (como era o caso, por exemplo, de Neo
enquanto funcionário da Megacortex ou como é o caso de
qualquer um de nós, qualquer passante em uma cidade
qualquer). Ficamos sabendo que o agente chefe tinha como
nome Smith, isto é, o sobrenome em ingles que em
português corresponde ao “Silva”: aquele que “é” todos.
Quer dizer que a repressão à liberdade, pode estar em
qualquer parte, a qualquer hora, sendo a perspectiva que
ocupa nossos corpos quando ainda não nos viramos.
Depois de apresentar todos os tripulantes, Morpheus
mostra a Neo o que é a Matrix : uma armação, um programa
de computador do qual os homens enquanto prisioneiros
são apenas como pilhas que alimentam o sistema. Ele de
início não acredita, sofre, ao mesmo tempo que acha tudo o
que está vivendo agora, a nave, suas roupas, os furos em
seu corpo algo muito estranho. Vê-se num beco sem saída.
Passa mal. Quando acorda faz a mesma pergunta que
aquele homem da Alegoria da caverna se faz quando se
encontra ofuscado pela luz e confuso: – Posso voltar? Ao que
Morpheus responde: – Não. Mas, mesmo que pudesse, você
voltaria? Fica sem resposta.
A tripulação da nave é composta por outros quatro seres
humanos nascidos na Matrix , mas dela libertos: Apoc,
Switch, Mouse e Cypher, e por dois seres humanos nascidos
em Sião: Tank e Dozer.
Apoc e Switch fazem o papel de guardiões do grupo
libertário quando ele está na Matrix . Apoc é apelido de
“Apocalipse”, assim como Switch quer dizer em inglês ligar
e desligar: eles são como um anjo negro e um anjo branco
que protegem a entrada e a saída da Matrix .
Mouse é o nome para o garoto que faz os programas de
computador (daí seu apelido) os quais são postos em ação
por Tank cujo nome lembra a expressão inglesa de
agradecimento: Thanks. A ele todos estão o tempo todo
agradecendo pelos serviços, pelo aprendizado que ele
proporciona como operador dos programas. Já o nome de
seu irmão, Dozer, quer dizer “sonhador” e é aquele
solicitado no filme no momento especial de adentrarem na
Matrix para irem visitar o Oráculo, chamado pelos gregos
de: “o umbigo do mundo”, momento esse da irradiação mais
profunda a que o chefe “Sonho” e os outros que o
acompanham podem ir. “Umbigo do mundo” é outro nome
para “Origem”. É como se fosse o limite de tudo, o grande
começo. E porque o Oráculo seria no interior da Matrix ? No
interior do programa inventado pelas máquinas? Talvez
porque o único acesso que podemos ter ao grande começo
de tudo seja atravessando o conflito que tenta obstruir esse
começo. Eis a irradiação mais profunda da qual fala o
personagem Morpheus, aquela a que pode nos levar apenas
o sonhador.
Somente ele pode levar à origem, ao Oráculo que sabe
sobre tudo, tudo o que aconteceu, tudo o que acontece e
tudo o que acontecerá. Neo é do tipo que irá gostar cada
vez mais de estar ali e do que ele pode fazer e aprender
naquele “espaço reduzido da nave”.
Diferente de Cypher, outro tripulante e que será o
traidor do grupo. Seu nome já diz: é apelido de Lu-cipher, o
que queria estar no lugar de deus, o que sempre sente o
lugar onde está como um mau lugar, daí ser o lado mau da
história. Cypher acha que liberdade é a total
insubordinação, o total livre-arbítrio e como existe ali um
chefe que é Morpheus, vê-se somente como peça de sua
manipulação, sem conseguir descobrir nada que realmente
lhe diga respeito, nenhum “lugar”, onde possa exercer e
exercitar a sua própria “liberdade”, entendida por ele como
insubordinação. Já os outros tripulantes da nave libertária,
sem nunca desrespeitarem a hierarquia que faz de cada um
o que cada um está sendo, são apresentados como homens
que se sentem livres. Morpheus nunca deixa de ser o chefe
até mesmo para Neo que, na história, lhe é como que
“superior”. Pelo contrário, este chega até mesmo a
sacrificar sua vida em nome da daquele. A discussão que o
filme apresenta em torno da questão da liberdade é bem
interessante e inusitada, pois estamos acostumados a
pensá-la apenas no nível da colocação de Cypher, ou seja,
de que liberdade significa fazer o que se quer e pronto.
Vemos, entretanto, que a questão é bem mais complexa.
Neo não tem saída. Seu lugar no mundo agora é dentro de
uma nave fria, mas vai tomando gosto pelas possibilidades
de desempenho em lutar que ele não tem senão ali dentro;
ele toma gusto pela floração das virtualidades e habilidades
que são suas e que ele desconhecia e só pôde conhecer ali.
Sobretudo ele desconhecia que a realidade é virtualidade
agora e sempre, é algo que se manipula de algum modo,
daquele modo que se é capaz de manipular aquilo naquele
momento e que pode mudar numa próxima oportunidade.
Antes de nascer de novo para o verdadeiro Real, ele
achava, vivendo na Matrix , que a realidade era só o dado
imediato. Cypher, porém, mesmo vivendo no Real-virtual,
continua pensando dessa forma estreita, o que torna sua
vida na fria, inóspita e metálica nave uma prisão para ele
muito maior e mais insuportável, comparada à sua vida
anterior. Cypher, ao ter tomado a pílula vermelha, tomada
também por Neo, na promessa de chegar à verdade, achava
que já sabia o que era a verdade e que ela era a fama e a
riqueza: a chefia. Sua decepção foi ficando cada vez mais
sólida e profunda, fazendo, portanto, nascer o ódio e o
cansaço. Ao contrário disso, Neo se deixa levar, sem saber
ao certo onde irá chegar o seu caminho. Isto possibilita que
ele aprenda e principalmente que possa se divertir com seu
aprendizado.
A traição de Cypher proporciona mais uma situação de
decisão no filme: o “ Novo” se sacrifica pelo “Sonho”,
escolhe a vida do “Sonho” em detrimento da sua. Por causa
desta escolha ele de fato morre, sendo ressuscitado pelas
palavras amorosas do “Sagrado” que novamente o
acordam: a certeza do “Sagrado” de que ele ama o “Novo”
o acorda mais uma vez. O amor do “Sagrado” possibilita
agora a geração do “Novo” eternamente: daí este último ser
o que é.
Neo aprende a lutar e, principalmente, a se superar em
tudo.
Aprende, nos jogos que exercita, a libertar sua mente do
medo, da dúvida e da descrença – isto é, da morte –, como
diz o “Sonho”, no filme. Ele cresce, vai subindo a caverna
em que habita. Mas, apesar disso, não chega a ter clareza
sobre quem ele mesmo é, sobre o caminho que percorre.
Para ajudá-lo nisso, entra em cena o Oráculo grego
revisitado. Logo na entrada do prédio onde tem lugar o
Oráculo, vemos sentado um velho cego com uma bengala,
que representa certamente Tirésias, o adivinho grego. Tal
como é uma mulher a Pitonisa – a sacerdotisa do Oráculo
grego de Delphos –, no filme é uma mulher que será
consultada enquanto se encontra junto ao forno, fumando, o
que faz lembrar o modo como a sacerdotisa de Apolo dava
suas consultas: sentada sobre uma rocha por debaixo da
qual saiam vapores que, se diz, eram alucinógenos.
Para o espectador menos atento, fica parecendo que o
Oráculo, no filme, teria dito a Neo que ele não é quem
Morpheus diz que ele é: o escolhido, o salvador. Entretanto,
ela não faz nada disso.
Tudo o que ela fala – tal como todo Oráculo – é verdade:
que Neo parece já saber que ela lhe dirá que ele não é o
escolhido (o que não significa dizer que ele não é o
escolhido), que ele parece estar esperando sua próxima
vida para ser o escolhido (e ele de fato só tomará
consciência de si mesmo depois de ressuscitar), que ele irá
se ver numa situação de escolha entre a vida de Morpheus e
a sua própria e de que algum dos dois morrerá. Ao sair da
consulta ao Oráculo, Neo não tinha convicção diferente
daquela com que entrou ali, achando que não era o
escolhido, mas saía com indicações que, sem o saber,
fariam com que ele, agindo, decidindo seus próprios passos,
subitamente se encontrasse a si mesmo, tal como estava
escrito na tabuleta acima da porta do Oráculo: Conhece-te e
ti mesmo. MATRIX apresenta o Oráculo belamente, como se
estivesse fazendo uma interpretação do fragmento 93 do
pensador Heráclito que diz: “O autor, de quem é o oráculo
de Delphos, não diz nem subtrai nada, assinala o
retraimento.” [21]
Neo conhece-se a si mesmo quando, ressuscitado, cai
agora conscientemente em si e vê finalmente a Matrix :
tudo em volta se mostra como é: programa de computador,
uma paisagem verde sem consistência. Ele de repente
descobre que era ilusória a configuração dessa paisagem. É
quando ele pode parar balas no ar e atravessar o “corpo”
das máquinas em forma de gente, atravessar o efeito-corpo,
pois tudo na Matrix se mostra agora como mero efeito. Esse
momento corresponde, na Alegoria, ao momento da visão
direta do sol fora da caverna, o momento da revelação do
Real em sua plenitude. Trata-se de um momento da maior
maleabilidade para toda e qualquer ação e percepção,
momento da perspectiva. De repente vê-se o invisível.
Tal como na Alegoria, Neo retorna para interferir, para
falar aos outros que se encontram presos, que há um outro
caminho diferente do da aparente suficiência e que somente
cada um pode trilhar o seu. Neo é, desde o início, sem
escolha, o escolhido para ser o salvador, mas, como fica
claramente demonstrado, o seu destino de salvador foi, ao
mesmo tempo e, necessariamente, decidido e traçado por
ele. Ao contrário do que costumamos pensar e do que o
próprio personagem achava no início, destino não significa
passividade, assim como liberdade não é mero arbítrio, mas
principalmente o talhe de beleza que damos em nossos
passos. No filme se discute o quanto destino deve ser
tomado como ação, a ação de cada um naquilo que faz.
Na verdade, tal como o personagem principal, Neo,
insiste em pensar ao longo do filme, somos sempre apenas
pessoas comuns e sendo assim, somos cada um a cada vez
“o escolhido”. Mesmo aquele que se revela como genial é
apenas uma pessoa comum que em sua existência é
responsável pelos seus atos. Não somos nunca mais do que
o que nós mesmos fazemos de nós mesmos e além disso
não sabemos nunca inteiramente o que podemos fazer de
nós mesmos.
Cabe experimentar, de preferência com todo gosto o
sabor de ser, isto é, cabe o mais possível saber.

[1] https://omelete.uol.com.br/filmes/artigo/a-religiao-e-a-mitologia-de-imatrixi/

[2] Adaptado do texto: “Um olhar sobre o atual cenário religioso brasileiro:
possibilidades e limites para o pluralismo”.
https://www.metodista.br/revistas/revistas-
ims/index.php/ER/article/view/4434/3768

[3] http://www.gper.com.br/noticias/ff4aef3d3c39e9aa409a4a25d34fc5c2.pdf

[4] Disponível na Amazon. Direitos cedidos pelo autor.

[5] http://prrodrigorezende.blogspot.com.br/2009/04/matrix-do-reino-de-
deus.html

[6] http://reflexosteologicos.blogspot.com.br/2009/05/matrix-e-pilula-
vermelha.html

[7] Superinteressante. http://super.abril.com.br/historia/bem-vindo-a-matrix/

[8] http://outros-televisao.pergunte.info/relacao-de-matrix-com-religiao-

[9] http://thiagomendanha.blogspot.com.br/2009/07/matrix-os-evangelicos-e-
crise-do-real-e.html

[10] http://thiagomendanha.blogspot.com.br/2008/10/e-se-igreja-fosse-uma-
matrix.html
[11] http://www.ultimato.com.br/comunidade-conteudo/desconstrucao

[12] Fonte retirada do ar.

[13] http://thiagomendanha.blogspot.com.br/2009/02/tomou-pilula-
vermelha.html

[14] http://thiagomendanha.blogspot.com.br/2008/01/algum-que-tomou-plula-
vermelha.html

[15] https://omelete.uol.com.br/filmes/artigo/imatrixi-e-a-filosofia/

[16] http://perplexos.blogspot.com.br/2003_05_18_archive.html

[17] http://bloghomensrealistas.blogspot.com.br/2011/08/uma-matrix-chamada-
igreja.html

[18] http://www.pulpitocristao.com/2010/06/evangelicos-em-crise.html

[19] http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/333/como-sera-a-igreja-
evangelica-brasileira-de-2040

[20] https://revistas.ufrj.br/index.php/Itaca/article/view/1415

[21] Os Pensadores Originários. Anaximandro – Parmênides – Heráclito. Editora


Vozes: Petrópolis, 1991. Tradução de Emmanuel Carneiro Leão e Sergio
Wrublewski.

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