Você está na página 1de 215

Direito das Provas

Prof. Dr. Nelson Rodrigues Netto1


Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(1986), instituição onde obteve os títulos de Especialista (1997), Mestre (2001) e
Doutor (2005) em Processo Civil. Pós-Doutorado (Visiting Scholar) pela
Harvard Law School (2006). Pesquisador Sênior Visitante (Gastforscher) no
Institut für ausländiches und internationales Privat- und Wirtschaftsrecht
Ruprecht-Karls – Universität Heidelberg (2015). É membro da International
Association of Procedural Law, do Instituto Brasileiro de Direito Processual, da
American Society of International Law, da Associação de Juristas Brasil-
Alemanha (Deutsch-Brasilianische Juristenvereinigung), da Harvard Law
School Association do Brasil e da Harvard University Association do Brasil, e da
Associação dos Advogados de São Paulo. Professor universitário, advogado e
consultor jurídico.

São Paulo – 2021

1
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução, total ou parcial, por qualquer meio ou
processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos,
videográficos. A violação de direitos autorais é punível como crime (Lei nº 9.610, de 19.02.1998).

1
ÍNDICE:

I – Teoria Geral das Provas

1. Introdução 07
2. Conceito de prova 07
3. Classificação da prova 10
3.1. Critério: objeto 10
3.2. Critério: sujeito 10
3.3. Critério: forma 11
3.4. Critério: preparação 11
4. Objeto da prova 13
4.1. Fatos notórios, incontroversos e presunções 14
4.2. Prova do direito 15
4.4. Prova de fato negativo 17
5. Generalidades sobre os meios de prova 18
5.1. Prova emprestada 18
5.2. Provas ilícitas 20
6. Ônus da prova 23
6.1. Ônus subjetivo e ônus objetivo 24
6.2. Distribuição do ônus da prova 26
6.2.1. Inversão do ônus da prova 30
6.2.1.1. Inversão convencional 30
6.2.1.2. Inversão judicial 31
6.2.2. Inversão do ônus da prova no Código de Proteção e
Defesa do Consumidor 34
6.2.3. Momento da inversão do ônus da prova 35
7. Indícios, presunções legais e máximas de experiência 38
7.1. Indícios 38

2
7.2. Presunções legais 39
7.3. Máximas ou regras de experiências 40
8. Momento da prova 42
8.1. Generalidades 42
8.2. Estágios da prova 42
8.3. Produção antecipada de prova e direito autônomo de prova 44
8.3.1. CPC de 1973 44
8.3.2. CPC de 2015 46
8.3.2.1. Generalidades 46
8.3.2.2. Discovery e disclosure na Inglaterra e nos
Estados Unidos 48
8.3.2.3. Fundamentos do direito de prova 50
8.3.2.4 “Caráter não contencioso” do procedimento e o
devido processo legal 57
8.3.2.5. Procedimento 60
9. Valoração da prova 70
9.1. Sistema de livre apreciação ou convicção íntima do juiz 70
9.2. Sistema de prova legal ou tarifada 70
9.3. Sistema de persuasão racional do juiz 72
10. Dever de colaboração com a Justiça 75
11. Poderes investigatórios do juiz 79

3
II – Provas em espécie

12. Ata notarial 82


13. Depoimento pessoal 84
13.1. Generalidades 84
13.2. Interrogatório 84
13.3. Procedimento 85
13.4. Escusa em depor 86
14. Confissão 88
14.1 Generalidades 88
14.2. Classificação 88
14.3. Irrevogabilidade da confissão 89
14.3. Anulação da confissão 90
15. Prova documental 92
15.1. Generalidades 92
15.2. Classificação dos documentos 92
15.2.1. Público ou particular 93
15.2.2. Original ou cópia 93
15.2.3. Autógrafo ou heterógrafo 93
15.2.4. Autêntico, autenticado e não autêntico 94
15.3. Força probante dos documentos 96
15.3.1. Documento público 96
15.3.2. Documento particular 96
15.3.3. Reconhecimento de firma 97
15.3.4. Data do documento 100
15.3.5. Livros comerciais 100
15.3.6. Cópias 102
15.4. Argüição de falsidade documental 104
15.4.1. Generalidades 104

4
15.4.2. Falsidade ideológica 107
15.4.3. Falsidade material 108
15.4.4. Objeto do incidente (falsidade cabível) 109
15.4.4.1. Impugnação de assinatura 112
15.4.5. Ação autônoma 114
15.4.6. Incidente processual e ação declaratória incidental 115
15.4.7. Direito penal 118
15.5. Produção da prova documental 120
15.5.1. Documentos eletrônicos 120
16. Exibição de documento ou coisa 124
16.1. Generalidades 124
16.2. CPC/1973 127
16.3. CPC/2015 128
16.3.1. Direito autônomo 129
16.3.2. Urgência na exibição 131
16.3.3. Dever de exibição e suas escusas 134
16.3.4. Procedimento 147
16.3.4.1. Procedimento em face da “parte” 149
16.3.4.2. Procedimento em face de “terceiro” 158
16.3.5. Requisição judicial de certidões 160
17. Prova testemunhal 162
17.1. Generalidades 162
17.2. Incapacidade, impedimento e suspeição da testemunha 163
17.3. Admissibilidade e valor da prova testemunhal 170
17.4. Proposição, deferimento e produção 172
18. Prova pericial 183
18.1. Generalidades 183
18.2. Perito e órgão técnico ou científico 185
18.3. Modalidades de perícia 190

5
18.4. Prova técnica simplificada 193
18.5. Perícia consensual 194
18.6. Produção da prova pericial 195
19. Inspeção judicial 205
19.1. Generalidades 206
19.2. Procedimento 210

6
Teoria Geral das Provas

1. Introdução

O tema da prova é certamente um dos mais importantes


do processo. É da prova dos fatos jurídicos que resulta a solução do
conflito de interesses. Excepcionalmente, o Código de Processo Civil (Lei
nº 13.105, de 16 de março de 2015), determina a realização da prova do
direito objetivo. E, na grande maioria das demandas, o julgamento da causa
não se resumirá à resolução de questões de direito, mas também de
questões de fato.

2. Conceito de prova

Prova é todo elemento que pode levar o conhecimento


de um fato a alguém.

O termo prova é polissêmico podendo adotar o sentido


de meio de prova (depoimento pessoal); a produção da prova (a realização
em concreto do depoimento); e, o resultado da prova (“foi feita a prova”,
ou seja, foi demonstrado o fato probando), como leciona Othmar Jauernig.2

De modo semelhante, Andrea Proto Pisani indica a


pluralidade de significados do termo prova: (i) instrumentos; (ii)

2
Zivilprozessrecht, p. 263, edição portuguesa: Direito Processual Civil, Almedina, 2002.

7
procedimento; (iii) atividade lógica de conhecer o fato; e (iv) resultado
desta atividade.3

O autor tedesco inclui sob produção, ambos o


procedimento e a atividade lógica indicados pelo doutrinador italiano.

Com a prova pretende-se convencer da verdade dos


fatos em que se lastreiam as partes para justificar seus argumentos. A busca
da verdade real é um ideário, inclusive no processo civil. Este cede espaço,
no momento do julgamento, à verdade posta em juízo, por força do
postulado do non liquet do nosso sistema. A certeza absoluta muitas vezes
é inviável até pela carga de subjetividade de que se compõe todo
pronunciamento judicial.

A realização da prova, no processo civil, tem por


finalidade o convencimento do juiz, de modo que este é o seu destinatário.
É neste sentido que o vigente art. 369, difere do art. 332, do CPC/1973,
para destacar que o direito das partes de produzir prova está intimamente
ligado com o seu direito de influir eficazmente na convicção do juiz.

Trata-se da aplicação, nesta sede, do princípio do devido


processo legal substanciado no direito ao contraditório e ampla defesa
efetivos, de modo à facultar-se às partes produzir prova de suas alegações
de fato e de persuadir na formação da convicção do juiz sobre a verdade
dos fatos e, por consequência, influenciar no resultado da decisão sobre o
conflito de interesses.

3
Lezioni di diritto processuale Napoli: Jovene editore, 2012, p. 404.

8
Modernamente, aponta-se as partes também como
destinatárias da prova, cujo fundamento reside no direito autônomo de
prova, o qual não se liga, necessariamente, ao direito de influenciar no
resultado do processo, haja vista a possibilidade de nenhum conflito de
interesses ser deduzido em juízo para o exercício do direito de prova.4

4
Ver amplamente item 8.3.2.1. Neste sentido, Enunciado nº 50: “Os destinatários da prova são aqueles
que dela poderão fazer uso, sejam juízes, partes ou demais interessados, não sendo a única função influir
eficazmente na convicção do juiz.” (Forum Permanente dos Processualistas Civis - FPPC).

9
3. Classificação da prova

Existem vários critérios de classificação da prova, sendo


que os mais usuais levam em consideração o seu objeto, o seu sujeito, a sua
forma e o seu momento de preparação.5

3.1. Critério: objeto

Considerando o seu objeto, divide-se a prova em direta


e indireta.

É direta quando visa provar diretamente o fato


probando; há uma relação imediata entre a prova e o fato. São exemplos, o
recibo de pagamento, o instrumento particular de confissão de dívida e etc.

Há prova indireta quando se demonstram fatos


secundários que permitem extrair a convicção da existência do fato
probando, por meio de induções ou raciocínios. Exemplo: prova do
arrombamento da porta para demonstrar a invasão do imóvel.

3.2. Critério: sujeito

Quanto ao sujeito, as provas podem ser: a) pessoal –


obtida por intermédio de uma manifestação pessoal de alguém, como
ocorre nos depoimentos das partes e oitivas de testemunhas; e, b) real –
que resulta da análise de objetos ou coisas.
5
Moacyr Amaral Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, 2º v, pp. 339/341; Vicente Greco
Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, 2º v, p. 182; Marcus Vinicius Rios Gonçalves, Novo Curso de
Direito Processual Civil, v. 1, pp. 419/420; Marcelo Abelha Rodrigues, Elementos de Direito Processual
Civil, v. 1, pp. 329/330.

10
3.3. Critério: forma

Quanto à sua forma, as provas são orais (testemunhos e


depoimentos) ou escritas (documentos e perícias). A perícia é
tradicionalmente considerada uma prova escrita. Há que se reconhecer,
contudo, que possui um caráter misto, pois se de um lado há o laudo
pericial lavrado em suporte físico, por outro lado, cabem esclarecimentos
orais do perito em audiência de instrução e julgamento (art. 361, I, do
CPC).

3.4. Critério: preparação

No tocante à sua preparação podem ser casuais, também


chamadas de simples ou constituendas, e, pré-constituídas.

A doutrina portuguesa faz uma distinção entre provas


constituendas e pré-constituídas sob a ótica do devido processo legal,
insculpido no tema da prova como “princípio da audiência contraditória”.6

Esclarece Abilio Neto que “provas constituendas são


aquelas que se formam no decurso do processo, ou seja, aquelas em que o
meio de prova se forma depois de surgida a sua necessidade (v.g., prova
testemunhal, pericial, etc.); provas pré-constituídas são as que estão
formadas já antes do processo, isto é, aquelas em que o meio de prova já

6
Portugal, CPC/2013: “Art. 415. Princípio da audiência contraditória. 1 - Salvo disposição em
contrário, não são admitidas nem produzidas provas sem audiência contraditória da parte a quem hajam
de ser opostas. 2 - Quanto às provas constituendas, a parte é notificada, quando não for revel, para todos
os atos de preparação e produção da prova, e é admitida a intervir nesses atos nos termos da lei;
relativamente às provas pré-constituídas, deve facultar-se à parte a impugnação, tanto da respetiva
admissão como da sua força probatória.”

11
está formado antes de surgir a necessidade de o utilizar (v.g., prova
documental e provas produzidas antecipadamente)”.7

A distinção entre provas constituendas e pré-constituídas


também é feita por Mandrioli-Carratta para o direito italiano.8

As provas casuais ou constituendas são, portanto,


aquelas produzidas no curso do processo. As provas pré-constituídas
existem antes do processo, não se restringindo, necessário enfatizar, à
produção antecipada de provas, a qual pode ter a finalidade de preparar ou
prevenir uma futura demanda.9

Atualmente, o direito processual brasileiro deixou de se


preocupar apenas com a preservação da prova, de modo a constituí-la
previamente, mas realçou a visão de que o reconhecimento - a prova -
antecipado dos fatos pode melhor delinear o pedido e a defesa e seus
respectivos fundamentos, ou, propiciar um acordo mais justo, e portanto,
menos traumático para as partes em sua relação de direito material, como
ocorre com o discovery no direito norte-americano.10

7
Código de processo civil anotado, Lisboa: Ediforum, 22ª Ed., 2009, p. 786. No mesmo sentido, na
doutrina portuguesa: Jorge Augusto Pais de Amaral, Direito processual civil, Coimbra: Almedina, 2001,
pp. 212/3.
8
Corso di diritto processuale civile, Torino: G. Giappicheli Editore, 2013, vol. II, pp. 120/2.
9
Sobre o direito autônomo à prova e a produção antecipada de prova, ver item 8.3.
10
R. Lawrence Dessem afirma que 95% das causas cíveis federais são resolvidas até a fase de discovery
(investigatória/probatória), ou seja, sem ingressar na fase do procedimento para o julgamento (trial).
(Pretrial litigation, p. 6). O trial é realizado, em regra, sob presidência de um juiz togado e com a
participação de um júri, perante os quais são produzidas as provas, e, ao final proferidos o julgamento e
decisão. V. ainda, Stephen Yeazell, Civil procedure, p. 481.

12
4. Objeto da prova

São objeto da prova os fatos que embasam o pedido


formulado pelo demandante e a exceção apresentada pelo demandado.
Rigorosamente, o que se busca é comprovar a verdade ou não da alegação
de um fato feita pela parte.

Entretanto, não são todos e quaisquer fatos, mas


somente aqueles fatos pertinentes, controvertidos e relevantes.

Fato pertinente é aquele que tem relação direta ou


indireta com a causa (ex.: numa ação de responsabilidade civil por acidente
de trânsito, é pertinente o fato relativo à extensão do dano).11 São os fatos
que suscitam o interesse da parte em demonstrá-los, ao contrário dos
impertinentes que não têm relação direta ou indireta com a causa.12

Os fatos objeto da prova devem ser relevantes, isto é,


são aqueles que têm poder de influenciar a decisão a ser proferida (ex.:
violação de dever matrimonial em ação de separação judicial).

Além de pertinente e relevante, o fato deve ser


controverso, ou seja, corresponde a afirmação feita por uma parte e
refutada pela parte contrária. Não há certeza de sua existência, ou ao
menos, na sua existência conforme afirmado pela parte.

11
João Batista Lopes, A prova no direito processual civil, pp. 32/3.
12
Vicente Greco Filho, ob. cit., p. 182.

13
4.1. Fatos notórios, incontroversos e presunções legais

O art. 374, I, do CPC, dispensa de prova, os fatos


notórios. O conceito é em certa medida impreciso entre os doutos, todavia,
podendo ser caracterizado como o fato de conhecimento geral pelo grupo
social onde ele acontece, no tempo e lugar onde o processo está em curso.

Moacyr Amaral Santos destaca que mesmo que o juiz


não tenha conhecimento do fato, mas por ser ele notório, terá meios de
conhecê-lo sem necessidade de prova, dando como exemplo a época da
colheita de café no estado de São Paulo. Basta consultar qualquer sujeito do
ramo cafeeiro para obter tal dado. Ainda, trata-se de fato notório aquele
que, apesar de não ser contemporâneo, é de conhecimento generalizado da
sociedade ou do estrato social em que se inserem as partes; ex.: data da
Independência do Brasil.13

Há ainda dispensa de prova quando o fato for


incontroverso. O CPC, em seu art. 374, é expresso em preceituar que não
dependem de prova os fatos afirmados por uma parte e confessados pela
parte contrária (inciso II) e os admitidos no processo como incontroversos
(inciso III).

Em ambos os casos, não há controvérsia sobre os fatos


porque alegados por uma parte e confessados pela outra, revelando a
confissão, como definida no art. 389, do CPC: “Há confissão, judicial ou

13
Ob. cit., p. 344.

14
extrajudicial, quando a parte admite a verdade de um fato, contrário ao seu
interesse e favorável ao adversário”.14

São incontroversos os fatos aceitos pela parte, expressa


ou tácitamente, neste último caso surgindo a confissão ficta (arts. 341 e 344
do, CPC). Todavia, a confissão ficta não produzirá os seus efeitos quando a
lei expressamente o vedar (arts. 345 e 392, do CPC), ou quando a lei exigir
forma especial para a prova do fato alegado (v.g., art. 406, do CPC).

Última regra de dispensa de prova diz respeito aos fatos


em cujo favor milita presunção legal de existência e veracidade (art. 374,
IV, do CPC).

A lei em certas hipóteses estabelece uma presunção de


existência e veracidade do fato, de modo que a parte que pretende
demonstrá-lo está legalmente dispensada de fazê-lo.15

4.2. Prova do direito

Como asseveramos, o objeto da prova são os fatos


pertinentes, controvertidos e relevantes para a solução do litígio.

Com razão, em princípio, não faz sentido a prova do


direito, uma vez que incide o brocardo iura novit curia, competindo ao juiz,
com base nos fatos jurídicos apresentados pelas partes, dar-lhe o devido
enquadramento, aplicando a lei aos fatos. O órgão jurisdicional está sempre

14
Sobre confissão, ver item 13.
15
Sobre presunção legal, ver item 7.3.

15
adstrito aos fatos, contudo, devendo emprestar-lhes o correto substrato
jurídico, a despeito das alegações das partes.

Assim, se dos fatos relatados pelo autor surge que a


relação jurídica litigiosa é de compra e venda e não de locação, o juiz
deverá resolver o litígio segundo as regras pertinentes à compra e venda. O
que é expressamente vedado ao magistrado é pretender alterar os fatos
jurídicos, como foram postos em juízo pelas partes.

A despeito disso, excepcionalmente, o direito pode ser


objeto de prova (art. 376, do CPC). A parte que alegar direito municipal,
estadual, estrangeiro ou consuetudinário, em sendo exigido pelo juiz,
deverá provar seu teor e sua vigência.

A prova da existência do direito nacional é mais fácil,


tanto por certidões de repartições públicas municipais ou estaduais, ou
exemplares dos periódicos onde foram publicadas. O direito estrangeiro
deverá ser provado por meio de certidões de órgãos diplomáticos,
compêndios autorizados e etc. O direito costumeiro poderá ser provado por
qualquer meio em direito admitido.16

Parece-nos correta a assertiva de que é impossível, ou ao


menos muito difícil, a prova da vigência da norma, sendo possível apenas
tentar obter-se certidões de que não há revogação expressa. Entretanto, uma
lei pode ser revogada tácitamente, o que exigiria o amplo conhecimento por
parte do juiz, o que contraria o teor na norma em comento.17

16
Greco, ob. cit., p. 182.
17
Amaral Santos sugere o uso de pareceres de jurisconsultos versados no tema a justificar a vigência da
lei, ob. cit., p. 348.

16
Deve ser enfatizado que a norma não faz referência ao
direito federal, o qual deve ser de conhecimento do magistrado.

4.3. Prova de fato negativo

Ao tempo do direito romano vigia a máxima negativa


non sunt probanda, pelo que passou-se a afirmar que não é possível fazer
prova de fato negativo.

Em verdade, se a inexistência de um fato é colocada


pelo direito material como constitutiva de um direito, ao autor incumbe
prová-lo, mediante a prova de um fato positivo em sentido contrário.

Efetivamente, a negativa de um fato consiste de uma


afirmação que deve ser provada.18

João Batista Lopes distingue, a negativa absoluta,


impossível de ser provada, das negativas relativas que podem ser provadas,
dando como exemplo a negativa do sujeito de se encontrar em um dado
lugar, numa data certa.19

Em verdade, o fato indeterminado ou indefinido é que


não é suscetível de ser provado. Por exemplo, provar que alguém nunca
esteve em um dado lugar.20

18
Marcelo Abelha Rodrigues, ob. cit., pp. 311/2.
19
Ob. cit., p. 34.
20
Greco, ob. cit., p. 190; Amaral Santos, p. 343.

17
5. Generalidades sobre os meios de prova

Segundo Vicente Greco Filho, os meios de prova “são


os instrumentos pessoais ou materiais trazidos ao processo para revelar ao
juiz a verdade de um fato”.21

No processo civil não há um rol taxativo, admite-se


qualquer meio de prova, desde que moralmente legítimos, além daqueles
especificados no Código de Processo Civil. Expressamente, o art. 369, do
CPC, estipula: “Art. 369. As partes têm o direito de empregar todos os
meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não
especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se
funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.”

Assim, é possível haver uso de prova emprestada,


reconhecimento de pessoas ou coisas; ou até derivadas de condutas
extraprocessuais, como exemplo, entrevistas concedidas à imprensa.22

5.1. Prova emprestada

A prova emprestada sempre foi apontada como um meio


atípico de produção de prova. Efetivamente, os códigos de processo civil
brasileiros anteriores não disciplinavam expressamente o uso da prova
emprestada, a qual, contudo, era pacificamente empregada.

21
Ob. cit., p. 183.
22
Rios Gonçalves, p. 437/8.

18
O art. 372, do CPC, inovou trazendo para o seu corpo a
previsão da prova emprestada, in verbis:

“O juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro


processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o
contraditório.”

“Prova emprestada” significa a prova produzida em


outro processo, inclusive na esfera administrativa (procedimentos
administrativos, inquéritos e etc), para que seja utilizada, válida e
eficazmente, em outro processo para a demonstração da verdade de uma
alegação de fato.

O ponto nevrálgico do tema é o respeito ao contraditório


derivado do princípio do devido processo legal. Significa dizer que a prova
deve ter sido submetida ao efetivo contraditório perante a parte contra a
qual se pretende demonstrar a verdade de um fato, observada a
competência do juízo e o reconhecimento da validade e eficácia do meio
probatório no outro processo.

Destacamos, portanto, que a observância do


contraditório contida no art. 372, do CPC, significa que a parte contra a
qual se pretende demonstrar a verdade de uma alegação de fato em um
novo processo, deve ter participado de modo eficiente na constituição da
prova em outro processo. Não há necessidade de identidade de partes no
processo em que se pretende utilizar a prova emprestada. Neste sentido o
Enunciado nº 30 da I Jornada de Direito Processual Civil do Conselho da
Justiça Federal:

19
“Enunciado 30 – É admissível a prova emprestada, ainda que não haja
identidade de partes, nos termos do art. 372 do CPC.”

Assim, por exemplo, a prova pericial realizada mediante


contraditório regular e efetivo em uma ação em que uma construtora foi
condenada à reparação de danos por imperícia (culpa por erro de
engenharia da obra), poderá ser utilizada como prova emprestada numa
ação movida por outro condômino deste mesmo prédio que também sofreu
dano decorrente da conduta da construtora.

O uso de prova emprestada em outra ação com partes


idênticas, exige que outro elemento da ação seja distinto, sob pena de
incidência de um pressuposto processual negativo (litispendência ou coisa
julgada). Logo, o autor poderá usar prova produzida em ação cujo pedido
foi dano emergente derivado de culpa em acidente de automóvel, para outra
ação pedindo lucro cessante em face do mesmo réu. A prova da culpa do
réu fixada no primeiro processo já foi demonstrada e será válida e eficaz no
segundo caso.

5.2. Provas ilícitas

O tema da prova ilícita é um dos mais controversos


nesta sede, sendo bastante variadas as posições doutrinárias e o
entendimento pretoriano.

Primeiramente, é possível distinguir a ilicitude da prova


quanto ao modo como ela foi obtida e quanto ao meio (imoral, ilegal) de
sua apresentação em juízo.

20
A interpretação literal da Constituição Federal conduz a
que todo e qualquer modo ou meio de prova ilícita é proibido no processo,
haja visto o disposto em seu art. 5º, inciso LVI:

“Art. 5º (omissis)
LVI – são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meio
ilícitos”.

No tocante à imoralidade da produção da prova, é


inquestionável que tal prova deve ser reputada ilícita.

Em princípio, a prova obtida de modo ilícito é de ser


proibida. Neste ponto, a autorização judicial de interceptação telefônica é
lícita, uma vez que expressamente autorizada pela Constituição Federal
(art. 5º, XII, e regulamentada para o processo penal pela Lei nº 9.296, de
24.07.1996). A gravação telefônica por qualquer dos partícipes,
igualmente, tem sido reconhecida por legítima; não há, na hipótese,
interceptação, pois a gravação é de conversa de ambos os interlocutores.

O uso da prova ilícita não deve ser aplicado sem


temperamentos, devendo ceder espaço, em situações concretas, quando
colidir com algum princípio constitucional, que no caso concreto deva ser
protegido. Por exemplo, com relação ao princípio da dignidade da pessoa
humana. A solução do conflito entre direitos fundamentais deve ser
solucionada pelos princípios da necessidade, da menor restrição possível, e
da salvaguarda do núcleo essencial.23

23
Neste particular, consultar, Nelson Rodrigues Netto, Tutela jurisdicional específica: mandamental e
executiva ‘lato sensu’, p. 160.

21
Há precedentes do Supremo Tribunal Federal que
adotaram a ‘teoria dos frutos da árvore contaminada’ para impedir os meios
de prova realizados a partir de provas obtidas ilicitamente. O excesso
estaria, como apontado por Cândido Rangel Dinamarco, na impossibilidade
de oitiva de testemunhas, cujos nomes foram obtidos a partir de
interceptação telefônica ilícita, por exemplo.24

24
Instituições de direito processual civil, São Paulo: Malheiros, 2004, v. 3, pp. 50/1.

22
6. Ônus da prova

Designa-se de ônus processual ao ato destinado à


própria satisfação da parte, podendo vir a proporcionar-lhe um benefício,
sem que, em regra, a sua omissão venha a gerar-lhe uma sanção.

A noção de ônus processual é desenvolvida a partir da


teoria do processo como situação jurídica idealizada por James
Goldschmidt.25

O ônus processual não se confunde com a posição


jurídica passiva do dever processual. Este visa à satisfação alheia, e seu
descumprimento provoca a aplicação de uma sanção.

A parte a quem incumbe o dever processual o pratica em


benefício do sujeito que se encontra no outro pólo da relação jurídica
processual, sob pena de sofrer uma sanção. Por exemplo, a violação do
dever de lealdade processual, que acarreta a responsabilidade por perdas e
danos, conforme os arts. 79 e 80, do CPC.26

O ônus de provar deriva do ônus da alegação dos fatos


que constituem o pedido e a defesa, pois somente os fatos invocados é que
poderão ser objeto de prova, daí resultando o princípio dispositivo
consagrado no art. 2º, 1ª parte, do CPC, que dispõe: “Art. 2º. O processo
começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as
exceções previstas na lei”.
25
Teoría general del proceso, passim. Sobre o tema, consultar Nelson Rodrigues Netto, Recursos no
Processo Civil, p. 16.
26
Idem, ibidem.

23
6.1. Ônus subjetivo e ônus objetivo

Por muito tempo o ônus da prova foi considerado


somente sob o aspecto subjetivo, no sentido de determinar a qual dos
sujeitos do processo incumbia fazer prova.

Igualmente, a afirmação de que incumbe à parte que


alega um fato fazer sua prova, que por muito perdurou, não corresponde
aos anseios de justiça de um processo civil moderno. Estes ideários
provinham de uma concepção liberal de igualdade formal, no qual a
intervenção estatal deveria ser nenhuma ou mínima.

De qualquer forma, o ônus subjetivo reflete a repartição


dos onus probandi prevista legalmente, o que permite que as partes saibam
antes da solução do litígio que o reconhecimento em juízo de suas
alegações estará, em princípio, dependente de que bem se desincumbam em
prová-las.

Propositadamente afirmamos ‘em princípio’, pois o ônus


da prova é, atualmente, enfrentado sob seu aspecto objetivo, segundo o
qual as normas sobre a produção de provas não seriam destinadas somente
às partes, mas também ao juiz para orientá-lo em seu julgamento.

O ônus objetivo é voltado ao juiz para que ele possa


considerar o material probatório, atribuindo-lhe valor no sentido de ter
havido, ou não, a prova dos fatos alegados.

24
Ao apreciar as provas produzidas, ao magistrado não
interessa saber quem as produziu, apenas deve apreciá-las para proferir seu
julgamento.

Deste modo, deve-se entender ônus subjetivo no sentido


de que a lei não determina que a parte produza provas, mas estabelece que
a omissão em provar os fatos alegados implica no risco de ter a lide
decidida em seu desfavor.

Assim, o ônus da prova não é exclusivamente um ônus


subjetivo, no sentido de regra de procedimento determinadora da produção
da prova, mas antes, ônus objetivo, regra de julgamento, de juízo, devendo
o juiz proferir sentença contra quem tinha o ônus de produzir prova e dela
não se desincumbiu. Jauernig destaca:

“O ônus da prova objetivo é relevante para o êxito do processo se a


prova principal não se produziu. Então o juiz não sabe se a alegação
da parte onerada com a prova, é verdadeira; há um “non liquet”.
Contudo, o juiz tem se decidir sobre o fundo. Por isso tem de
determinar qual das partes suporta o risco da falta de prova e que,
portanto, perde o processo. Essa determinação é feita segundo o ônus
da prova objetivo que, assim, não regula a prova, mas antes a falta de
prova”.27

O uso da expressão ônus objetivo é correntia, mas


incorreta, pois ao juiz não se lhe imputam ônus, de sorte que melhor é tratá-

27
Ob. cit, p. 273.

25
lo como o princípio da comunhão da prova ou da aquisição processual da
prova que, atualmente, vem explicitado no art. 371, do CPC.

Em conclusão, o ônus da prova deve ser entendido,


portanto, sob uma dupla faceta:

(i) de um lado, é regra de procedimento pela qual incumbe a cada parte


fazer a prova dos fatos que alega, sob pena de, em princípio, vir a
sair-se vencida na demanda;

(ii) por outro lado, é regra para o julgamento, posto que o juiz, à luz dos
fatos provados, independentemente de qual parte os tenha
produzido, decidirá apresentando as razões de seu
convencimento, aplicando se necessário a regra do ônus da prova,
tendo ou não havido sua distribuição de modo diverso da regra
geral que incumbe ao autor provar o fato constitutivo de seu
direito e ao réu a prova de fato impeditivo, modificativo ou
extintivo de tal suposto direito.

6.2. Distribuição do ônus da prova

O art. 373, do CPC, dispõe que:

“Art. 373. O ônus da prova incumbe:


I – ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou
extintivo do direito do autor.

26
Os fatos constitutivos são aqueles que provados levam à
conseqüência jurídica pretendida pelo autor e prevista na lei. A relevância
de um dado fato é dada pelo direito material.

A despeito da existência do fato constitutivo do direito


do demandante, o demandado pode obstaculizar as conseqüências jurídicas
pretendidas opondo àquele fato, outro fato: impeditivo, modificativo ou
extintivo. Daí, a doutrina denominá-los de exceções substanciais indiretas.

Exemplo de fato impeditivo é a afirmação de


incapacidade absoluta do agente à época da celebração do negócio jurídico;
de fato modificativo: a alteração da relação jurídica de locação para
comodato; e, de fato extintivo: o pagamento.

Como vimos, o ônus da prova deve ser empregado como


regra de julgamento visando a não incidir na violação do princípio da
indeclinabilidade da jurisdição, pelo qual o juiz não poderá deixar de
decidir o litígio a ele submetido, seja por lacuna ou obscuridade da lei, seja
por falta de provas.

A consagração da proibição do non liquet no processo


civil está incorporada no art. 140, caput, do CPC, in verbis: “Art. 140. O
juiz não se exime de decidir alegando lacuna ou obscuridade do
ordenamento jurídico”.

Os mecanismos de integração do ordenamento em face


da lacuna ou obscuridade foram suprimidos no Código vigente. No CPC/73
eles se encontravam na 2ª parte, do art. 126: “No julgamento da lide caber-

27
lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos
costumes e aos princípios gerais de direito”. Não há dúvida que
remanescem válidos, posto que são instrumentos de integração aplicáveis a
qualquer ramo do ordenamento jurídico (material ou processual), e por isso
mesmo, estão dispostos no art. 4º, da Lei de Introdução às Normas do
Direito Brasileiro (Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942).28

O non liquet por ausência de prova deve estar


expressamente autorizado na lei, como ocorre nos seguintes casos:
(i) art. 18, da Lei nº 4.717, de 29.06.1965 (Lei de Ação Popular – LA)29;

(ii) art. 16, da Lei nº 7.347, de 24.07.1985 (Lei da Ação Civil Pública -
LACP30; e,

(iii) art. 103, I e II, da Lei nº 8.078, de 11.09.1990 (Código de Defesa


do Consumidor – CDC)31.

Nestes processos haverá a formação da coisa julgada


secundum eventum probationis.

28
A ementa da lei foi corrigida, uma vez que era erroneamente nomeada de lei de introdução ao código
civil.
29
“Art. 18. A sentença terá eficácia de coisa julgada oponível erga omnes, exceto no caso de haver sido a
ação julgada improcedente por deficiência de provas; neste caso, qualquer cidadão poderá intentar outra
ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”.
30
“Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão
prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que
qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”.
31
“Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este Código, a sentença fará coisa julgada:
I – erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que
qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova, na
hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;
II – ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência
de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo
único do art. 81;
(omissis)”.

28
Provado que esteja o fato, pouco importa quem tenha
produzido a respectiva prova; por força do princípio da aquisição
processual, o juiz o valorará e proferirá o julgamento (art. 371, do CPC),
não precisando se valer da norma do art. 373, do CPC.

João Batista Lopes aponta que a referida norma não é


bastante para solução de diversos problemas, tais como, a ausência
simultânea de prova do fato constitutivo do autor e do fato impeditivo,
modificativo ou extintivo do direito do autor apresentado pelo réu.32

Parece-nos que em tais hipóteses, é válido o raciocínio


de Vicente Greco Filho quanto à dúvida do juiz sobre a prova (a
demonstração da existência) do fato constitutivo do direito do demandante,
quando deverá julgar não provado o fato, por conseqüência, rejeitando o
pedido.33

Nesta esteira segue o direito português estabelecendo o


princípio de que a dúvida sobre a existência do fato resolve-se contra a
parte a quem o fato aproveita:

“Art. 414. A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição


do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita”
(Portugal - CPC/2013)

32
Ob. cit., p. 44.
33
Ob. cit., p. 189.

29
6.2.1. Inversão do ônus da prova

Reforçamos que é a lei que distribui entre as partes o


ônus da prova, o qual deriva do ônus de alegação dos fatos, de modo que
incumbe à cada parte a prova da verdade de suas alegações de fato.

O tema da inversão do ônus da prova é tratado pela


doutrina moderna como teorias de dinamização do ônus da prova34 ou da
carga dinâmica da prova, ou ainda, da distribuição dinâmica do ônus da
prova35.

Nesta medida, verifica-se que a lei estipula um ônus da


prova – estático -, e a possibilidade de o juiz ou as partes alterarem a
atribuição do encargo probatório, torna-a dinâmica.

6.2.1.1. Inversão convencional

A inversão da previsão legal do ônus da prova, por meio


de convenção das partes, não sofreu alteração substancial no novo CPC,
agora explicitada no art. 373, §3º.

As suas vedações são basicamente idênticas às previstas


no CPC/1973, como vemos nos incisos I e II do §3º, do art. 373.

34
Marinoni-Arenhart-Mitidiero, Curso de processo civil, v. 2, p. 266.
35
Alexandre Freitas Câmara, O novo processo civil brasileiro, p. 232.

30
O modal deôntico é o proibido, de sorte que, as partes
poderão alterar a regra do ônus da prova contida no caput do art. 373,
desde que não incidam nas proibições dos incisos I e II do seu §3º.

Logo, a convenção sobre a distribuição do ônus da prova


é lícita, desde que o litígio não seja relativo a direito indisponível ou que
torne excessivamente difícil à parte o exercício do seu direito, de ação ou
de exceção, conforme o caso.

O negócio jurídico para a alteração do ônus legal da


prova pode ser material ou processual (art. 373, §4º), contudo, anterior à
fase instrutória, inclusive para que o juiz possa homologá-la por decisão de
saneamento (interpretação extensiva do inciso III, do art. 357, do CPC).

6.2.1.2. Inversão judicial

O CPC inovou em relação ao código anterior no tocante


à inversão do ônus da prova, criando a possibilidade de o juiz inverter o
ônus da prova, mediante decisão devidamente fundamentada, consoante o
art. 373, §1º.

O dispositivo citado prevê que o “juiz poderá atribuir o


ônus da prova de modo diverso” ao estipulado (no caput do art. 373):

(i) nos casos previstos na lei; ou,


(ii) diante de peculiaridades da causa relacionadas à
impossibilidade ou excessiva dificuldade de cumprir o
encargo; ou ainda,
(iii) à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário.

31
Resulta claro que quem faz a distribuição do ônus da
prova, de modo diverso daquela prevista na lei, é o juiz. A sua
fundamentação será a excessiva dificuldade ou impossibilidade de uma
parte se desincumbir do ônus, ou, à maior facilidade de obtenção da prova
do fato contrário.

O juiz deverá fundamentar adequadamente a decisão


que determina a inversão do ônus da prova, concedendo à parte a
oportunidade de se desincumbir deste ônus (art. 373, §1º, parte final), e
mais, não poderá gerar situação em que a desincumbência do fato seja
impossível ou extremamente difícil (art. 373, §2º).

A doutrina tem afirmado, com base em preceitos do


Código de Defesa do Consumidor que haveria uma terceira hipótese de
inversão do ônus da prova, a inversão legal.36

O que realmente ocorre, todavia, é o estabelecimento de


regra legal específica de ônus da prova. Não se trata, portanto, de inversão
de ônus, mas da previsão legal específica sobre a quem incumbe o ônus da
prova.

Tome-se de exemplo a regra do art. 38, do CDC,


estipula: “Art. 38. O ônus da prova da veracidade e correção da informação
ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina”. Então, a lei
determina a quem incumbe o ônus da prova, de sorte que, à luz do direito
do consumidor, incumbe a quem patrocina (fornecedor, sua agência de

36
Alteramos em parte, neste ponto, posição anteriormente externada: O direito fundamental de facilitação
da defesa em juízo dos consumidores, Revista de Processo. São Paulo: RT, nº 193, mar/2011, p 101-128,
especialmente, pp. 114/5.

32
publicidade e etc.) o ônus de provar as alegações de fato sobre a verdade, e
correção, da informação ou comunicação publicitária de um dado produto
ou serviço.

Reiteramos que não há o que se falar em inversão legal


de ônus da prova, diversamente, cuida-se de previsão legal de regra de ônus
e não alteração de uma regra previamente estabelecida.

Na mesma esteira, não há que se utilizar a expressão


“nos casos previstos em lei” do §1º, do art. 373, do CPC, para situações em
que o legislador estabelece uma presunção. A presunção legal não é caso
legal de inversão de ônus da prova. Como veremos adiante, presunção
legal é modo de raciocínio do juiz expressamente autorizado pela lei, e,
destarte, nada tem há ver com inversão de ônus da prova. São institutos
diversos.

Em sede do tema de prova, confira-se o preceito do art.


429, do CPC. Há uma regra específica sobre ônus da prova relativa à
arguição de falsidade de documento ou à impugnação de sua autenticidade.
Insista-se: não há uma previsão de inversão de ônus da prova, mas apenas
regra legal específica sobre o ônus da prova no incidente referido.
Trancrevemos o dispositivo a seguir:

“Art. 429. Incumbe o ônus da prova quando:


I - se tratar de falsidade de documento ou de preenchimento abusivo, à
parte que a arguir;
II - se tratar de impugnação da autenticidade, à parte que produziu o
documento.”

33
6.2.2. Inversão do ônus da prova no Código de Proteção
e Defesa do Consumidor.

A inversão do ônus da prova no CDC é realizada pelo


juiz, razão pela qual é denominada de inversão judicial.37

O art. 6º, do CDC, elenca em rol exemplificativo os


direitos básicos do consumidor, dispondo em seu inciso VIII, “a facilitação
da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu
favor, no processo civil, quando a critério do juiz, for verossímil a alegação
ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de
experiência” (destacamos).

Em relação ao primeiro critério legal, a doutrina critica o


uso da expressão verossimilhança, a qual não retrata propriamente regra
para inversão de ônus da prova. Efetivamente, ela diz respeito aos limites
de atividade cognitiva do juízo. O magistrado entende estar provado pela
verossimilhança (grau menos profundo de cognição), a alegação feita pelo
consumidor.38

O segundo critério, a hipossuficiência, não deve ser


entendida apenas sob o aspecto econômico ou cultural, mas a
hipossuficiência para provar os argumentos em favor de seu direito.

37
Rios Gonçalves, ob. cit., p. 429/430; Nery-Nery, Comentários ao Código de Processo Civil [1973], 4ª
ed., nota 15, p. 1805.
38
Kazuo Watanabe, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do
anteprojeto, p. 617; Vicente Greco Filho, ob. cit., p. 191.

34
O dispositivo legal está embasado no princípio
constitucional da isonomia (art. 5º, caput, da C.F.), que no plano
infraconstitucional e do processo é erigida como norma fundamental (art.
7º, do CPC) e capitulado no art. 139, I, pelo qual o juiz dirigirá o processo
atendendo aos dispositivos legais e assegurando às partes igualdade de
tratamento.

É comezinha a noção de que a isonomia somente existe


na medida em que se trate de modo desigual aqueles que são desiguais, na
exata medida da desigualdade existente entre eles.

A inversão do ônus da prova determinada pelo juiz (ope


iudicis) no âmbito do Código do Consumidor é realizada com base nas
regras ou máximas de experiência, juízos formados a partir do
conhecimento ordinário dos fatos da vida.

6.2.3. Momento da inversão do ônus da prova

Em princípio, ao se admitir como regra de julgamento, o


ônus da prova (art. 373, do CPC) deve ser aplicado pelo juiz no momento
do julgamento, quando houver lacuna na produção de prova, proferindo a
decisão em desfavor da parte que deixou de cumprir com o ônus de
demonstrar suas alegações.

A inversão do ônus da prova, realizada


convencionalmente pelas partes deve obrigatoriamente anteceder a fase
instrutória ou probatória, sob pena de não poder ter eficácia.

35
O limite temporal máximo, que já vinhamos defendendo,
é até a fase de saneamento e organização do processo, propriamente, no
momento anterior à prolação da decisão de saneamento. Isto porque no
saneamento do feito é que o juiz deverá, entre outras condutas pertinentes,
definir a distribuição do ônus da prova, quer alterando, ou não, a regra legal
(art. 358, III, do CPC).

Na mesma linha de pensamento, Marcos Vinicius Rios


Gonçalves, à luz do CPC/1973, obtemperava que em casos de inversão
judicial do ônus da prova, esta deveria ser feita até a audiência preliminar
(art. 331, do CPC/1973), com a finalidade de evitar surpresas às partes.
Esclarece o autor, corretamente, que isto não significa que a regra do ônus
da prova deixe de ser regra de juízo, que deve ser implementada quando da
prolação sentença, em face da omissão das partes em provar suas
alegações.39

Outra linha de entendimento é defendida, no âmbito do


Código do Consumidor, no sentido de que o fornecedor já tem ciência da
regra contida no art. 6º, VIII, do CDC, de molde que não pode alegar ter
sido colhido de surpresa pela inversão do ônus da prova realizado pelo juiz
no momento em que proferir sentença. Ao contrário, o fornecedor deve agir
sempre sob a perspectiva da inversão, produzindo as provas para infirmar a
pretensão lamentada pelo consumidor.40

39
Ob. cit., p. 431.
40
Batista Lopes, ob. cit., pp. 51/2. Nery-Nery entendem ser essa a regra a ser seguida, todavia, admitem a
possibilidade do juiz alertar o fornecedor na preparação da fase instrutória da possibilidade de inversão do
ônus da prova, Código [1973], p. 1806.

36
Em que pese exacerbada variação de entendimento no
seio do Superior Tribunal de Justiça, prevalece a primeira posição
apontada.41

O debate tende a desaparecer em face do novo CPC, que


em seu art. 373, §1º, explicitamente prescreve ao magistrado o dever de
conceder “à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus da prova”
quando determinar a inversão da regra legal.

Resulta que a inversão do ônus da prova deve,


obrigatoriamente, ser realizado antes da dilação probatória, sendo o
momento mais oportuno o da decisão de saneamento. Mesmo a inversão
convencional realizada por negócio jurídico, inclusive na relação jurídica
de direito material, deverá ser objeto da decisão de saneamento com a
finalidade de impedir a ocorrência das hipóteses do §3º, do art. 373, do
CPC.

41
Ver o nosso, O direito fundamental de facilitação da defesa em juízo dos consumidores, pp. 122/6.

37
7. Indícios, presunções legais e máximas de experiência

Passemos a analisar, em conjunto, os indícios, as


máximas ou regras de experiência e as presunções. Desde logo, devemos
apontar que o CPC não dispõe expressamente sobre os indícios, contendo
apenas regra explícita sobre as máximas de experiência e sua utilização
pelo juiz, e, as presunções legais.

Ao classificarmos a prova, distinguimos a prova direta


da prova indireta, considerando o seu objeto.

Afirmamos que nem sempre o fato principal


(constitutivo, impeditivo, modificativo, extintivo) está sujeito à prova
direta.

7.1. Indícios

Desse modo, faz-se necessária a prova indireta para


demonstração de fatos secundários que permitam extrair a convicção da
existência do fato probando, por meio de induções ou raciocínios. Da prova
de fatos circunstanciais (indícios) se infere a existência e o modo de ser do
fato principal.42

Rigorosamente, os indícios, as presunções e as máximas


de experiência não são propriamente meios de prova, antes, são formas de
raciocínio do juiz para solução do litígio.

42
Greco, ob. cit., p. 193.

38
Os indícios são circunstâncias de fato das quais o juiz
extrai a convicção do fato principal. São sinais, vestígios ou circunstâncias
que isoladamente não demonstram a verdade do fato probando, a qual é
atingida pela análise e raciocínio do juiz.43

São circunstâncias conhecidas e provadas que,


relacionando-se com determinado fato, autorizam, por indução, concluir-se
a existência de outra circunstância.

7.2. Presunções legais

Às vezes esse modo de raciocinar é estabelecido pela


própria lei que determina ao juiz que deva assumí-lo e proferir sua decisão
atendendo-o, como ocorre com as presunções legais. Greco esclarece que
se o salto mental entre a prova do indício e a convicção do fato principal
resultar de norma legal, há a presunção legal.44

As presunções legais dividem-se em dois grupos: (i)


absolutas (iuris et de iure); e, (ii) relativas (iuris tantum).

A presunção legal relativa é aquela que admite prova em


contrário (presunção iuris tantum), como por exemplo, a prevista na regra
do art. 1.597, do Código Civil, sobre a presunção de paternidade, a qual
admite prova em contrário.45

43
Marcelo Abelha Rodrigues, ob. cit., pp. 327/9; Batista Lopes, ob. cit., pp. 66/7.
44
Ob. cit., p. 193.
45
“Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: I - nascidos cento e oitenta
dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; II - nascidos nos trezentos dias
subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do
casamento; III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV - havidos,
a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial

39
Por outro lado, haverá presunção absoluta, que não
admite prova em contrário (presunção iuris et de iure), em casos de fraude
de execução como o do art. 792, I, do CPC.

7.3. Máximas ou regras de experiência

Não havendo presunção legal, poderá surgir a presunção


simples (hominis) extraída do que ordinariamente acontece (id quod
plerumque accidit) num dado grupo social, em determinadas situações. São
as máximas ou regras de experiência.

O art. 375, do CPC, dispõe que: “O juiz aplicará as


regras de experiência comum subministradas pela observação do que
ordinariamente acontece e ainda as regras de experiência técnica,
ressalvado, quanto a esta, o exame pericial”.

As máximas de experiência podem decorrer do


conhecimento comum (ex.: em dias de chuva o espaço de frenagem é
maior) ou de conhecimento técnico (ex.: a água entra em ebulição, ao nível
do mar, a 100º Celsius), de alguma ciência, ofício ou arte, mas com relação
a esta, a lei ressalva a possibilidade da realização de prova, o exame
pericial.

A regra de experiência não se confunde com o fato


notório; este é dispensado de ser provado, por força de disposição legal
expressa (art. 374, I, do CPC), enquanto que aquela é utilizada como meio
de raciocínio do juiz para de um fato alcançar outro (o fato probando).

homóloga; V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do
marido.”

40
As regras de experiência não estão colocadas nos planos
dos fatos, portanto, não estão sujeitas ao ônus da prova, devendo o juiz
aplicá-las de ofício.46

Apesar de não ser norma legal, o erro na aplicação da


máxima de experiência equivale à violação da lei, pois é parte da premissa
maior do silogismo (violação do art. 375, do CPC), autorizando o
cabimento de recurso especial (art. 105, III, “a”, da CF) e até ação
rescisória (art. 966, V, do CPC), como leciona Vicente Greco Filho.47

46
Idem, ibidem, p. 194.
47
Idem, ibidem, p. 196.

41
8. Momento da prova

8.1. Generalidades

Ao tratarmos da classificação da prova, utilizamos o


critério momento de preparação para estabelecer a distinção entre: (i)
provas casuais ou constituendas, produzidas no curso do processo; e, (ii)
provas pré-constituídas, constituídas antes da pendência da ação, inclusive,
podendo ser produzidas preventivamente tendo em vista preparar ou
prevenir futura demanda.48

Outro enfoque do tema diz respeito aos estágios dentro


do processo em que se desenvolve a prova. Vale dizer, quais atos
processuais são praticados no curso do iter procedimental em relação às
provas constituendas.

8.2. Estágios da prova

O procedimento probatório consiste em três estágios:


um de proposição da prova, onde as partes devem, em face dos fatos
alegados, requerer determinadas espécies de provas que pretendem
produzir, hábeis para demonstrar o alegado; outro de deferimento das
provas, pois o juiz deverá verificar quais os pontos controvertidos que
exigem prova e se os meios de prova estão adequados; por último, haverá a
produção da prova.

48
Ver item 3.4.

42
A proposição da prova deve ser feita na fase
postulatória, em linha de princípio, na petição inicial (art. 319, VI, do
CPC) e na contestação (art. 336, do CPC).

Eventualmente, é possível que em face de réplica à


exceção indireta ou para impugnar documento juntado à defesa direta de
mérito, possa o autor fazer contraprova, respectivamente arts. 350 e 351, e,
437, §1º, do CPC.49 Igualmente, admite-se a juntada de documentos para
prova de fatos ocorridos depois dos articulados na inicial ou contestação,
ou, se os documentos se formaram ou tornaram-se conhecidos ou acessíveis
posteriormente (art. 435, caput e p. único, do CPC).

Como veremos oportunamente, a prova documental


possui uma peculiaridade que consiste na ausência de proposição, devendo
desde logo ser produzida, ou na petição inicial ou na contestação (art. 434,
do CPC). Como é cediço, são indispensáveis para a propositura da ação os
documentos sem os quais deve ser indeferida liminarmente a petição inicial
(arts. 320 e 321, do CPC). São documentos necessários à admissibilidade
da ação e não à procedência do pedido. Por exemplo: a certidão da
matrícula imobiliária em ação reivindicatória de bem imóvel; a certidão de
casamento em ação de nulidade de casamento, sendo possível ser julgado
improcedente o pedido no primeiro caso por prova de usucapião, e, no
segundo, pela não demonstração da nulidade alegada.

O deferimento da prova deve ser realizado na fase de


saneamento e organização do processo, momento em que o juiz proferirá
decisão de saneamento delimitando as questões de fato sobre as quais irá

49
Humberto Theodoro Jr., Curso de Direito Processual Civil, v.I, p. 385.

43
recair a prova, por se trataram de fatos controvertidos, e especificando os
meios de prova admitidos (art. 357, II, do CPC).

Havendo necessidade de prova pericial recomenda-se


que o juiz aguarde a produção do laudo para designação de audiência já que
o trabalho técnico pode exigir prazo mais longo daquele que o juiz tenha
determinado (arts. 465 cc 476, do CPC).

As provas orais deverão ser produzidas na audiência de


instrução e julgamento (art. 361, do CPC).

Excepcionalmente, as provas poderão ser produzidas


antecipadamente, quando a lei expressamente autorizar, como ocorre nas
hipóteses do art. 381, do CPC, que analisaremos a seguir.

8.3. Produção antecipada de prova e direito autônomo de


prova

8.3.1. CPC de 1973

No regime jurídico do CPC/1973 a produção antecipada


de prova era objeto do processo cautelar. O tema era tratado,
exclusivamente, sob a ótica da urgência, do risco do perecimento dos
instrumentos e das pessoas necessárias para a demonstração da verdade de
um fato.

44
O Código disciplinava nos arts. 846 a 851 o
procedimento cautelar específico da produção antecipada de provas.

Assim, no tocante às provas pessoais, a lei autorizava a


realização do interrogatório da parte ou a inquirição de testemunhas, antes
da propositura da ação principal, ou, pendente esta, todavia, antes da
audiência de instrução, quando elas tivessem de se ausentar ou houvesse
justo receio de que, em virtude de idade avançada ou moléstia grave,
estivessem impossibilitadas de depor em audiência.

Em acréscimo, o art. 849, do CPC/1973, previa a


realização da perícia antecipadamente, nos seguintes termos: “Art. 849.
Havendo fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito
difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação, é admissível o
exame pericial.”

A pretensão da produção antecipada de provas era,


portanto, da proteção do direito ao emprego útil dos instrumentos de
prova, ou seja, visava assegurar o direito ao meio de prova. Na lição de
Pontes de Miranda, a parte exercia “pretensão à segurança da prova”.50

Nesta senda, o entendimento pacífico era o de que a


consecução da prova não provocava a invasão da esfera jurídica do
demandado, quer por restrição de direitos, quer por constrição de bens. Era
uma medida cautelar conservativa e por isso não estava sujeita à

50
Comentários ao CPC, vol. VIII, p. 367.

45
caducidade pelo não exercício tempestivo da ação principal (arts. 806 cc
808, I, do CPC).51

8.3.2. CPC de 2015

8.3.2.1. Generalidades

Como é sabido, um dos pontos em que o CPC/2015


evoluiu de maneira substancial foi relativo à dogmática do processo que,
afastando-se do modelo anterior, fortaleceu a dualidade de processos
fundada na atividade jurisdicional: conhecimento e execução, e, criou um
sistema de tutela jurisdicional provisória (proferida em cognição sumária)
em contraposição à tutela definitiva obtida pela decisão de mérito (em
cognição exauriente).52

Nesta perspectiva, os fundamentos que justificam a


obtenção da prova fora de sua sede própria, a audiência de instrução e
julgamento (art. 361, do CPC), estão previstos no capítulo das provas e não
junto à disciplina da tutela provisória (Livro V, da Parte Geral).

Nada obstante a falta de propriedade no título já no


direito anterior, o CPC manteve uma seção sob o nome “Da Produção
Antecipada da Prova” (Seção II, Capítulo XII, Título I, da Parte Especial).
51
Batista Lopes, Curso de direito processual civil, Vol. III, p. 161. Ernane Fidélis dos Santos, Manual de
direito processual civil, vol. 2, p. 432.
52
A tutela provisória pode ter por fundamento a urgência da proteção ou a evidência do direito pleiteado.
Em casos de urgência a lei previu dois meios: tutela antecipada ou tutela cautelar. Para as hipóteses de
evidência a tutela será sempre antecipada.

46
Rigorosamente, a locução “produção antecipada de
prova” nunca retratou com fidelidade o fenômeno que está a regular. A
pretensão na “produção antecipada de prova” sempre foi a de segurança da
prova, vale dizer, de assegurar a produção da prova que poderá ser
realizada em outro processo.53

O novo tratamento legal deve ser entendido a partir do


reconhecimento de um direito autônomo, qual seja, o direito de prova,
aproximando-o do sistema jurídico probatório de países de tradição jurídica
de common law.

É por isso, também, que se o juiz é o destinatário da


prova dentro do processo em que se busca a justa composição do litígio54, a
partir da verdade dos fatos e a pertinente aplicação do direito, o emprego
útil do meio de prova para obtenção do conhecimento dos fatos tem como
destinatários as partes.

As partes têm um direito, normatizado no CPC/2015, e


espelhado em institutos do common law, de conhecer os fatos valendo-se
para tanto da Jurisdição. O interesse processual da parte é delimitado na lei,
cirscunscrito apenas ao direito de obter a prova do fato, independentemente
da dedução de um pedido para a satisfação de um direito material. Neste

53
Marinoni-Arenhart-Mitidiero, ob. cit., p. 307/8 e 311.
54
Flávio Luiz Yarshell, Antecipação da prova sem o requisito da urgência e direito autônomo à prova,
passim. Neste sentido, ver item 2.

47
sentido, a obtenção de prova pode ter como destinatário a parte no contexto
de uma relação jurídica de direito material.55

8.3.2.2. Discovery e disclosure na Inglaterra e nos Estados


Unidos

Ao adotar um direito autônomo de prova o CPC se


inspira nos institutos do disclosure e discovery, adotados na Inglaterra e
nos Estados Unidos

O discovery, que pode ser livremente traduzido como


“descobrimento”, compõe os métodos pelos quais uma parte, ou potencial
parte, obtém e preserva informações relativas a um processo litigioso.56

No âmbito do direito federal, e em larga medida adotado


pelos ordenamentos estaduais, o discovery está disciplinado nos arts. 26 a
37 das Federal Rules of Civil Procedure (código de processo civil federal)
dos Estados Unidos. As regras de obtenção de fatos (discovery), inclusive
por meio de prova técnica, e o respectivo dever de informação à parte
contrária (disclosure) são minuciosamente descritos no art. 26.

Os principais objetivos apontados para a discovery são:


(i) a preservação de informações relevantes que poderão não estar
disponíveis em um futuro processo; (ii) o estabelecimento de pontos ou

55
Enunciado nº 50: “Os destinatários da prova são aqueles que dela poderão fazer uso, sejam juízes,
partes ou demais interessados, não sendo a única função influir eficazmente na convicção do juiz.”
(Forum Permanente dos Processualistas Civis - FPPC).
56
Friedenthal-Kane-Miller, Civil procedure, p. 386.

48
questões que são controvertidas entre as partes; e, (iii) obtenção de
informações que poderão levar a produção de provas sobre pontos ou
questões controvertidas.57

O procedimento da discovery propicia às partes o


conhecimento dos fatos relevantes com a capacidade de provocar ou evitar
o prosseguimento do processo com um julgamento (trial) perante o juíz e o
jurí.

A doutrina aponta, entre outras, as seguintes vantagens


do discovery: (i) eliminação de questões fictícias ou frívolas; (ii)
simplificação da produção da prova na fase de trial; (iii) garantir
depoimentos contemporâneos aos fatos.58

Verifica-se, portanto, que os institutos de discovery e


disclosure nos Estados Unidos propiciam às partes um amplo acesso aos
fatos e aos meios de sua obtenção (provas) visando tanto a preservação da
prova, quanto à composição ou à prevenção do conflito. Esses objetivos
estão inseridos nos preceitos do art. 381, II e III, do nosso CPC.

De modo semelhante, o disclosure inglês serve a quatro


funções principais: (i) proporcionar igualdade de acesso às informações
[dos fatos]; (ii) facilitar a autocomposição de disputas; (iii) impedir o
chamado “trial by ambush” (livremente: julgamento por cilada), impedindo
a parte de manifestar-se adequadamente sobre revelação feita no processo;

57
Idem, ibidem, p. 387.
58
James-Hazard-Leubsdorf, Civil procedure, p. 287/8, e ainda, 290 e ss.

49
(iv) auxiliar o juízo em determinar de modo adequado os fatos para o
julgamento do mérito.59

O instituto está disciplinado nas regras 31 do Civil


Procedure Rules – 1998 (código de processo civil para Inglaterra e País de
Gales).

8.3.2.3. Fundamentos do direito de prova

O legislador estabeleceu cinco diferentes fundamentos,


em abstrato, que provocam, no caso concreto, o interesse processual da
parte em exercer o direito de ação consubstanciado no direito de prova.

(a) quando houver fundado receio de que venha a tornar-se impossível


ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação
(art.381, inciso I, do CPC)

Esta primeira hipótese é a que mais se aproxima do


fundamento da produção antecipada de prova do CPC/1973. O interesse
processual da parte deriva do fundado receio da impossibilidade ou
profunda dificuldade na obtenção da prova do fato. Há um elemento nodal
que é a urgência.

59
Neil Andrews, Andrews on civil processes, vol. I, p. 263 e 71 e ss.

50
O legislador praticamente repetiu a redação constante do
art. 849, do CPC/1973, sem especificar a referência à prova pericial, de
modo a tornar a regra mais ampla permitindo que, no caso concreto,
qualquer meio de prova possa ser utilizado, desde que presente a urgência
na verificação do fato.

Aos interessados as situações exemplificadas no regime


anterior são úteis para a descrição de fundamentos de fatos. Assim,
provável ausência, moléstia grave e idade avançada, qualquer delas para
justificar oitiva de testemunhas ou obter o depoimento de uma das partes de
um negócio jurídico.

Como apontamos na introdução, a produção antecipada


de prova sempre teve a característica de conservar o meio de prova,
diferenciando-se de outras medidas cautelares que, para assegurar o
resultado útil do processo “principal”, impunham limitações na esfera
jurídica do futuro demandado. Este é o sentido em que se pode empregar o
termo cautelar para a hipótese ora em análise. Cautelar como sinônimo de
urgência, sem querer ontologicamente ligá-la à tutela provisória de
urgência cautelar.60

Realmente, a produção antecipada de prova constitui um


direito autônomo, direito de prova, que pode se exaurir com a conclusão do
procedimento e respectiva homologação judicial. Sob esta perspectiva não

60
Daniel Amorim Assumpção Neves, Novo CPC, Metodo, 2016, item 33.8, p. 284.

51
deve ser confundida com a tutela cautelar disciplinada na Parte Geral do
Código.

Nesta mesma linha de pensamento, deve ser apontado


que o procedimento a ser adotado para esta ação é o comum e não o
procedimento previsto no art. 305, do CPC.61

Igualmente, não há que se falar em caducidade da prova


pela ausência da propositura de uma ação “principal” ou dedução de um
pedido principal, na forma do art. 309, I, do CPC, raciocínio que, de resto,
já era consagrado em relação ao art. 808, I, do CPC/1973.

(b) quando a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a


autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito (art.381,
inciso II, do CPC)

Esta hipótese muito se aproxima dos mecanismos de


discovery e disclosure e deixa absolutamente nítido que o direito de prova é
autônomo quanto à relação de direito material, nada obstante seu caráter
instrumental. Ao autor da produção antecipada de prova pode bastar
conhecer a verdade do fato, de modo a enxergar melhor as posições dos
sujeitos da relação material que se encontram em conflito, e aumentar a
probabilidade e a justiça de uma autocomposição.

61
Em sentido contrário, Graciela Marins, Código de processo civil anotado (coord. José Rogério Cruz e
Tucci), AASP/OAB/PR, p. 615.

52
(c) quando o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o
ajuizamento de ação (art. 381, inciso III, do CPC)

A presente hipótese compôem com a anterior a inovação


processual do CPC aproximando-o dos institutos estrangeiros e
consagrando o direito autônomo de prova. Conhecer os fatos da relação
litigiosa é essencial para um agir responsável, no sentido de estar fulcrado
numa acurada posição para justificar ou evitar a propositura da demanda.
Ambas as partes conscientes dos fatos que envolvem os pontos
controvertidos têm melhor capacidade, de um lado, para assumir o risco do
litigio judicial, e de outro, para alcançar uma autocomposição,
especialmente, extrajudicial.

Constata-se ser característica da ação fundada em direito


de prova, a de abranger tanto credor, quanto devedor da relação material,
na medida em que a demonstração de um fato interessa a ambas as partes,
revelando sua natureza dúplice, como explicaremos ao tratar do seu
procedimento.62

(d) quando tiver por finalidade apenas a realização de documentação de


bens por meio de seu arrolamento (art. 381, §1º, do CPC)

O presente dispositivo corrobora a interpretação


sistemática, demonstrando que o direito de prova não tem natureza cautelar
e, portanto, não está sujeito ao regime jurídico da tutela provisória,
inclusive, no tocante ao seu procedimento. Ressalve-se o entendimento de

62
Flávio Yarshell, ob. cit., p. 327 e ss.

53
que o termo cautelar seja empregado para representar a urgência, no caso
do inciso I, do art. 381, do CPC.

O código atual recoloca o arrolamento de bens, aqui


previsto, na categoria de medida probatória, de simples documentação dos
bens, como o fazia o CPC/1939.63

No CPC/1973, o arrolamento de bens possuía natureza


nitidamente cautelar, com procedimento específico nos arts. 855 a 860.
Tratava-se de medida cautelar restritiva de bens, exigindo-se do autor a
demonstração, já na petição inicial, “dos fatos em que funda o receio de
extravio ou de dissipação dos bens”, conforme o art. 857, II. Em
decorrência disto, concedida a medida, far-se-ia o depósito dos bens e a
nomeação de um depositário (art. 858).

Atualmente, a parte final do §1º, do art. 381, do


CPC/2015 deixa claro que o presente arrolamento é realizado com a
finalidade de documentação e “não a prática de atos de apreensão”. No
âmbito do direito das sucessões há um procedimento específico para o
arrolamento e partilha amigável de bens homologada judicialmente,
consoante os arts. 659 a 667, do CPC.

Quando houver necessidade de apreensão dos bens


objeto do arrolamento, deve o autor adotar o procedimento da tutela
cautelar, consoante arts. 305 a 310, do CPC. É exatamente por isso que se
faz a distinção do “mero” arrolamento de bens daquele previsto no art.301.

63
Theodoro Jr., ob. cit., p. 686.

54
É oportuno esclarecer que a enumeração do art. 301,
indubitavelmente exemplificativa, somente faz sentido mediante uma
interpretação histórica, já que o legislador adotou um regime atípico de
tutela cautelar, sem descrever medidas e procedimentos específicos, de
sorte que se faz necessário obter alhures o significado jurídico para arresto,
sequestro, arrolamento de bens e etc.

(e) quando se pretender justificar a existência de algum fato ou relação


jurídica para simples documento e sem caráter contencioso (art. 381, §5º,
do CPC)

Semelhantemente ao caso exposto no item anterior, a


justificação é simples documentação de um fato ou de uma relação jurídica.
Em que pese no CPC revogado existir um procedimento específico dentro
do processo cautelar (arts. 861 a 866, do CPC/1973), era pacífica a
interpretação de sua natureza de instrumento para obtenção (documentação)
da prova.

O art. 861, do CPC/1973 incluía a previsão, agora


suprimida, de que o fato ou relação jurídica objeto da justificação pudesse
servir de prova em “processo regular” (leia-se: processo futuro), in verbis:

“Art. 861. Quem pretender justificar a existência de algum fato ou


relação jurídica, seja para simples documento e sem caráter
contencioso, seja para servir de prova em processo regular, exporá, em
petição circunstanciada, a sua intenção.”

55
A previsão ainda é válida para o CPC atual, sendo lícito
que a prova obtida pela justificação seja utilizada em processo judicial ou
procedimento administrativo. É nesta toada, que a manifestação correntia
do caráter de jurisdição voluntária deve ser analisada com mais vagar e
profundidade.

O Código atual segue o anterior empregando a


expressão “sem caráter contencioso”, a qual deve ser interpretada à luz do
princípio do devido processo legal, na forma do próximo tópico. Por ora,
“sem caráter contencioso” deve ser entendia como a obtenção antecipada
de prova sem a invasão da esfera jurídica de eventual demandado.

É razoável admitir-se casos em que a justificação


interesse, exclusivamente, ao requerente da medida, como a determinação
da autoria intelectual de obra criada sob anonimato ou pseudônimo 64, ou
para a lavratura de assento de óbito de pessoa desaparecida em situações de
catástrofe, conforme previsão do art. 88, da Lei nº 6.015/73 (Lei de
Registros Públicos).65 Inexistindo um potencial requerido, nem há que se
falar em citação.

Todavia, é óbvio que nem sempre situação desse jaez


ocorrerá. Tome-se de exemplo uma relação jurídica, união estável66,
quando há outro interessado, além do autor, que pode ter interesse jurídico
oposto ao do primeiro (um pretende com a justificação demonstrar a união

64
Theodoro Jr., ob. cit., pp. 693/4.
65
Art. 88. Poderão os Juízes togados admitir justificação para o assento de óbito de pessoas desaparecidas
em naufrágio, inundação, incêndio, terremoto ou qualquer outra catástrofe, quando estiver provada a sua
presença no local do desastre e não for possível encontrar-se o cadáver para exame. O exemplo é de Nery-
Nery, Código [2015], 17ª Ed., p. 1172.
66
A união estável para justificar relação jurídica é exemplo de Alexandre Freitas Câmara, ob. cit., p. 238.

56
estável, e, ao outro interessa declarar a sua inexistência). Na mesma linha,
os comuníssimos casos de justificação de tempo de trabalho para o serviço
público, em que o interesse jurídico é do servidor, assim como da
administração pública ou do órgão público.

8.3.2.4. “Caráter não contencioso” do procedimento e o


devido processo legal

Em dois momentos o CPC refere-se à produção


antecipada de prova sem “caráter contencioso”, induzindo a ideia de um
procedimento de jurisdição voluntária. Primeiramente, no §5º, do art. 381
ao tratar da justificação, e em segundo lugar, no §1º, do art. 382, ao
dispensar a citação dos interessados.

Remonta às Ordenações Filipinas a atribuição ao Poder


Judiciário de atividades de naturezas judiciária e administrativa, mantendo-
se até os dias de hoje a dicotomia classificatória da jurisdição entre
contenciosa e voluntária ou graciosa, nada obstante, há muito apontada
contradição existente numa jurisdição que não é contenciosa.67

A jurisdição voluntária é considerada como uma


administração pública de interesses privados, uma vez que o seu núcleo
essencial é o de não existir um conflito de interesses a ser composto pelo
Estado. Assim, fala-se em atividade administrativa (não jurisdicional),
procedimento (não processo), interessados (não partes), ato final

67
Antonio Carlos Marcato, Procedimentos especiais, 10ª ed., pp. 337/8.

57
homologatório (não julgamento), existência de coisa julgada formal (não
coisa julgada material).68

A “produção antecipada de prova” consiste de um


direito autônomo, cujo escopo é o de instaurar um procedimento visando
conhecer um dado fato, por qualquer meio legítimo e legal de prova,
independentemente de sua produção em processo futuro ou do seu
emprego com outra finalidade, v.g., em procedimentos administrativos;
perante associações privadas e etc.

A prova judicial, que visa convencer o juiz da existência


de um fato, deve observar o devido processo legal, portanto, sendo
produzida conforme previsão legal e avaliada segundo o princípio da
persuasão racional ou do convencimento motivado (art. 371, do CPC). A
prova em juízo deve seguir o procedimento estabelecido na lei, e praticados
os atos processuais nela previstos, assim: (i) o requerimento da produção da
prova; (ii) o deferimento da prova; e, (iii) a efetiva produção da prova.

É correto que na produção de prova antecipada, a


atividade judicial circunscreve-se ao aspecto formal do procedimento.
Todavia, o seu caráter não contencioso não é justificativa para a
inobservância do princípio do devido processo legal. A sua extensão e
profundidade é que diferem dos procedimentos de jurisdição contenciosa.

Vimos no item “e” acima que é muito diferente o


interesse jurídico das partes em uma justificação unilateral daquele

68
Em virtude da inexistência de coisa julgada material é sempre possível a revisão da sentença proferida
em procedimentos de jurisdição voluntária, independentemente de ação rescisória. Regra explícita
constava do CPC/1973: “Art. 1.111. A sentença poderá ser modificada, sem prejuízo dos efeitos já
produzidos, se ocorrerem circunstâncias supervenientes.”

58
concernente à uma relação jurídica, por exemplo, uma suposta união
estável. Neste último, a produção da prova será realizada, se e quando, for
proposta uma demanda sobre essa relação jurídica, contudo, ambos os
supostos companheiros têm interesse processual de participar da ação de
justificação.

De tal sorte, uma perícia antecipada deve observar o


procedimento previsto para esta espécie de prova, sob pena de violação do
devido processo legal. É ilegal, por exemplo, decisão do juiz que impede a
qualquer das partes ser auxiliada por assistente técnico na prova pericial.
Igualmente, a colheita de depoimento de parte ou oitiva de uma
testemunha.69

Nesta medida, não viola o devido processo legal a regra


do art. 382, §4º, do CPC, já que a admissibilidade e a valoração da prova
serão objeto de processo contencioso.

A loucação “não contencioso” gera a impressão de que a


produção antecipada de prova pode adotar duas naturezas diversas:
contenciosa ou voluntária. Por não existir neste processo uma composição
da lide, jamais haverá atividade jurisdicional contenciosa, o que é muito
diferente da incidência do devido processo legal (inclusive, podendo surgir
controvérsia sobre a escorreita aplicação das regras concernentes à prova),
o qual sempre deve ser observado, e, reitere-se, dentro da amplitude e
profundidade que o “tipo” de jurisdição – contenciosa ou voluntária – o
exigir.

69
Cassio Scarpinella Bueno, Manual de direito processual, 2018, p. 414.

59
É neste sentido que devem ser entendidas as expressões
“não contencioso” utilizadas na lei.

8.3.2.5. Procedimento

(a) competência

O principal destaque sobre a competência para a


produção antecipada de prova é a inexistência de prevenção do juízo para
eventual ação visando a composição do conflito de interesses (ação
“principal” na linguagem do direito anterior), conforme art. 381, §3º, do
CPC. Não há relação obrigatória de acessoriedade (art. 61, do CPC), cuja
pretensão pode se exaurir com a obtenção ou documentação da prova.

Agora a lei segue a interpretação jurisprudencial,


inclusive sedimentada no Enunciado nº 263, do extinto Tribunal Federal de
Recursos que, à luz do CPC/73, estabelecia:

“Enunciado nº 263. A produção antecipada de provas, por si só, não


previne a competência para a ação principal.”

Nesta linha, reforça-se a opinião expendida nos itens


anteriores sobre o devido processo legal, de modo que o juízo de eventual
ação futura não tem qualquer vínculo com a ação para produção antecipada
de prova. O respeito ao contraditório efetivo e participação isonômica dos
interessados, bem como a atenção aos preceitos legais do procedimento
probatório, derivam do devido processo legal e há de ser aplicado pelo

60
juízo da produção antecipada de prova. O juízo sobre a admissibilidade e
valor da prova é feito pelo juiz na ação em que a lide for posta.

O Código estabelece critério de foros concorrentes (art.


381, §2º, do CPC), sendo certo que o local em que deva ser colhida a
prova pode, no caso concreto, suplantar o critério de acesso à Justiça (foro
do domicílio do réu). Nada obstante, reitere-se há foros concorrentes, de
sorte que a escolha cabe ao autor.

Por último, prescreve o art. 381, §4º, do CPC, que “o


juízo estadual tem competência para produção antecipada de prova
requerida em face da União, de entidade autárquica ou de empresa pública
federal se, na localidade, não houver vara federal.” Em certa medida a regra
é uma derivação da prevista no art. 109, §3º, da Constituição Federal,
visando atender ao princípio do acesso à Justiça.

(b) petição inicial

A petição inicial observará os requisitos essenciais


previstos no art. 319, do CPC. Neste ponto, o autor deverá descrever a
causa de pedir, revelando seu interesse processual, apresentando “as razões
que justificam a necessidade de antecipação de prova e mencionará com
precisão os fatos sobre os quais recairá a prova” (art. 382, caput, do CPC).
Em outros termos, o autor demonstrará interesse processual apontando qual
a situação fática (das cincos hipóteses elencadas na lei e expostas acima)
em que se encontra e para a qual deseja conhecer ou demonstrar um fato.70

70
O Superior Tribunal de Justiça fixou em sede de recursos especiais repetitivos (Tema nº 648) a
necessidade de conduta pré-processual para preenchimento do interesse processual para a ação de
exibição de documentos bancários. Ver item 16.3.4.1 infra.

61
(c) citação

A redação do §1º, do art. 382 não é das mais felizes.

Em primeiro lugar, é requisito essencial da petição


inicial indicar a qualificação do réu (art. 319, II). Isto posto, o CPC/2015
não reproduziu a regra do art. 282, VII, do CPC/1973, que exigia o
requerimento da citação do réu na petição inicial. A razão é que a citação é
uma convocação para integrar a relação jurídica processual (art. 238, do
CPC/2015), ou seja, é um pressuposto processual que deve ser observado, e
se necessário, implementado, pelo juiz, por ser matéria de ordem pública.71

Logo, é dever processual a indicação do interessado,


salvo em caso excepcionalíssimo da justificação unilateral acima tratada,
ou, quando o réu for desconhecido ou incerto, como muito amiúde ocorre
em invasões de propriedade, cuja citação é feita por edital.72 Em nada
diferem os procedimentos em jurisdição voluntária, explicitada a
necessidade de citação dos interessados, conforme o art. 721, do CPC.

Em segundo lugar, decorrência de tais regras, ao juiz


incumbe determinar a emenda da petição inicial, na forma do art. 321, do
CPC. A citação do réu (interessado) é determinada pelo juiz, independente
de requerimento do autor, e, nada tem há ver com a existência ou não de
caráter contencioso do processo.73

71
Ver o nosso: Breves Apontamentos sobre os Requisitos de Admissibilidade para o Julgamento de
Mérito. Prisma Jurídico, São Paulo: Uninove. Vol. 1, set/2002, p. 147-162.
72
Conforme, previsão do art. 256, I, do CPC. Ver, ainda, Assumpção Neves, ob. cit., p. 287.
73
O raciocínio é válido, por exemplo, em caso de litisconsórcio necessário passivo, onde o juiz determina
a emenda da petição inicial para incluir litisconsorte que também deva ser citado (art. 115, parágrafo
único, do CPC). A ausência de citação gera a nulidade da decisão de mérito, se o litisconsórcio for

62
(d) manifestação dos interessados

Além dos pontos já destacados sobre a citação e a


participação dos interessados decorrente do devido processo legal, o art.
382, §3º, do CPC, propicia a análise de outros dois aspectos importantes.

Com efeito, o preceito permite aos interessados “a


produção de qualquer prova no mesmo procedimento, desde que
relacionada ao mesmo fato, salvo se a sua produção conjunta acarretar
excessiva demora.”

O primeiro deles concerne à natureza dúplice da ação


de produção antecipada de prova.74

A ação dúplice é aquela em que “autor e réu ocupam


simultaneamente ambas as posições subjetivas na base da relação jurídica
processual, podendo o último obter, independentemente de pedido expresso
(mas sem prejuízo dele), o bem da vida disputado, como consequência
direta da rejeição do pedido do primeiro”, na definição de Antonio Carlos
Marcato.75

Assim, a natureza dúplice da ação decorre da natureza


da relação de direito material, de sorte que o direito de prova alcança,
igual e indistintamente, os sujeitos da relação material, ambos desfrutando

necessário-unitário, ou, sua ineficácia em relação ao terceiro no litisconsórcio necessário-simples,


respectivamente, conforme prescrito nos incisos I e II, do art. 115.
74
Flávio Yarshell, ob. cit., p. 327/32.
75
Ob. cit., p. 167.

63
de legitimidade para a causa e interesse processual para provocar a
jurisdição para obtenção da prova.

Além disso, deduzido o pedido, desde que não contrarie


o princípio da duração razoável do processo (arts. 6º, do CPC, 5º, LXXVII,
da CF), exacerbando indevidamente o tempo do processo, podem os
interessados (ambos os polos da relação processual) requerer a produção de
qualquer prova sobre o mesmo fato.

Em segundo lugar, a compreensão de “mesmo fato”


deve ser feita de maneira mais ampla, considerando fatos simples
(argumentos ou fatos secundários) com relação a um dado fato jurídico, ou
até, vários fatos jurídicos que possam fundamentar um mesmo pedido. Por
exemplo, oitiva de outra testemunha, além da arrolada pelo autor, sobre
fato concernente ao respeito mútuo no casamento, ou, provas diferentes
sobre respeito mútuo e fidelidade recíproca, cada qual de per se hábil para
fundar um pedido de divórcio.

Observados os esclarecimentos feitos acima em relação


ao devido processo legal, prescreve o art. 382, §4º, do CPC, ser
inadmissível defesa ou recurso na antecipação de prova, salvo contra
decisão de indeferimento total do pedido inicial de prova, haja vista que a
produção da prova (admissibilidade e valoração) será feita, se for o caso,
em um processo contencioso ou administrativo. Destaque-se ainda que
decisões inclusive sobre matéria de ordem pública estão sujeitas à
bilateralidade de audiência (art. 10, do CPC), de modo que nada impede
sejam suscitadas pelo sujeito do polo passivo do processo e objeto de
recurso, a despeito da literalidade da lei.

64
(e) valor da causa e sucumbência

O valor da causa é requisito essencial da petição inicial


(art. 319, V, do CPC), especializado na regra do art. 291, do CPC, que
prescreve que “a toda causa será atribuído valor certo, ainda que não tenha
conteúdo econômico imediatamente aferível”.

Ora, a produção antecipada de prova, como estamos


vendo, é multifacetada, servindo ao direito autônomo de prova –
revelar/conhecer o fato – ou para a proteção da obtenção de prova, haja ou
não urgência. O seu objeto não se confunde com o pedido que possa vir a
ser formulado em ação para a resolução de um litígio. Logo, o valor da
causa não deve, em regra, ser igual.

Nesta toada, colhe-se da jurisprudência interpretação de


que o valor da causa deve ser aquele que corresponde ao valor dos custos
para a colheita da prova:

“Valor da causa – Medida Cautelar – Produção antecipada de prova –


Quantia que deve corresponder às despesas com a feitura da prova
pretendia.” (RT 826/220)

De modo semelhante, Galeno Lacerda aos discorrer


sobre o valor da causa em ação cautelar na vigência do CPC/73 lecionava
que:

“O valor da segurança não pode se identificar ao do objeto


assegurado. Evidentemente será menor, devendo o juiz corrigir, até

65
de ofício, eventuais distorções a respeito (RT 498/194).”
(destacamos)76

O Superior Tribunal de Justiça vem mantendo seu


entendimento sobre o tema, seguindo esta mesma linha, como demonstra a
ementa do julgado proferido em 2017, abaixo transcrita:

“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO (ART. 544 DO CPC/73) -


AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NA ORIGEM -
IMPUGNAÇÃO AO VALOR DA CAUSA - VALOR QUE NÃO
NECESSITA GUARDAR CORRESPONDÊNCIA COM O
QUANTUM ESTABELECIDO NA AÇÃO PRINCIPAL -
PRECEDENTES DO STJ - DELIBERAÇÃO MONOCRÁTICA
QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA
DA AGRAVANTE.” (destacamos) [AgInt no AREsp nº 77135 – PR
(2011/0191690-6), 4ª T., v.u., rel. Min. Marco Buzzi, j. 12/09/2017,
DJe 1 8/09/2017].

Logo, na ação de produção antecipada de prova o valor


da causa não deve refletir aquele que seria atríbuido à futura demanda para
a resolução do conflito. Em muitas situações, como estabelecido no art.
381, do CPC, o objetivo da produção antecipada de prova é o de,
exatamente, não provocar o Poder Judiciário.

Na medida em que a produção antecipada de provas se


afigura como uma ação dúplice77 de jurisdição voluntária, as despesas e

76
Comentários ao código de processo civil, Vol. VIII, Tomo I, nº 56, p. 242, Rio de Janeiro: Forense, 9ª
Ed., 2006.
77
Ver item (d) supra.

66
custas processuais devem ser rateadas entre os interessados, na medida do
interesse de cada um. Desse teor, o art. 88, do CPC: “Nos procedimentos
de jurisdição voluntária, as despesas serão adiantadas pelo requerente e
rateadas entre os interessados”.

Simetricamente, cada parte deve arcar com os


honorários profissionais de advogados de seus respectivos procuradores.

Incidem os princípios da causalidade e sucumbência


somente em havendo uma pretensão resistida. Neste caso, o vencido deverá
suportar integralmente as custas e demais despesas processuais, assim
como honorários advocatícios sucumbenciais. Confira-se a respeito decisão
do Superior Tribunal de Justiça:

“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM


RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. PRODUÇÃO
ANTECIPADA DE PROVAS. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS.
ATENDIMENTO DA REQUERIDA. APELAÇÃO. NÃO
CABIMENTO. ART. 382, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO
CIVIL DE 2015. PRETENSÃO RESISTIDA. INEXISTÊNCIA.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. NÃO CABIMENTO.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência
do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs
2 e 3/STJ).
2. Inadmissível defesa ou recurso no procedimento da produção
antecipada de provas (art. 382, § 4º, do Código de Processo Civil de
2015).
3. Nas ações cautelares de exibição de documentos e produção
antecipada de provas, somente são cabíveis honorários de

67
sucumbência quando houver resistência da parte requerida ao
atendimento do pedido, o que não ocorreu na hipótese dos autos.
4. Agravo interno não provido.” [AgInt no AgInt no AREsp nº
1751492 – PR (2020/0222045-9), 3ª T., v.u., rel. Min. Ricardo Villas
Bôas Cueva, j. 11/05/2021, DJe 24/05/2021].

(f) encerramento

O art. 866, do CPC/1973 explicitava que a medida


cautelar de justificação seria julgada por sentença, sendo omisso quanto à
produção antecipada de prova.

O fim de todo processo deve ser formalizado por ato


processual do juiz que deve ser sentença. Deste modo é que no processo de
execução, o legislador prescreve que a extinção da execução, como
atividade estatal, somente produz efeito depois de declarada por sentença
(art. 925, do CPC), em combinação com a parte final do conceito do art.
203.

Ao conceituar sentença, o legislador combinou dois


critérios, um substancial que corresponde ao seu conteúdo quer do art. 485,
quer do art. 487, do CPC, e, outro, finalístico ou topográfico, ou seja, o
exaurimento da atividade cognitiva. Faltou ressalvar no conceito que a
atividade cognitiva pode exigir uma complementação quando a sentença
for ilíquida (art. 324, §1º), por meio de sua liquidação (art. 509 e
seguintes), a qual não se constitui em atividade executiva.

Pois bem, tratando-se de ato formal de encerramento do


processo, inexiste resolução de mérito, de modo que a sentença na

68
produção antecipada de prova é meramente terminativa (processual),
proferida com base no art. 485, inciso X, do CPC. O parágrafo único, do
art. 866, do CPC/1973 esclarecia que “o juiz não se pronunciará sobre o
mérito da prova, limitando-se a verificar se foram observadas as
formalidades legais”.

Repise-se, o juiz deverá velar pela a observância das


regras pertinentes à cada meio de prova que se pretende antecipar, sem
fazer um juízo de valor, como destaca o §2º, do art. 382, ao prescrever que
o juiz não se pronunciará sobre a ocorrência ou inocorrência do fato, nem
sobre as respectivas consequências jurídicas. Esta atividade compete ao
juízo de eventual ação ou órgão perante o qual se pretenda apresentar o fato
para produção de consequências jurídicas.

Por último, a regra do art. 383, do CPC, soa um pouco


anacrônica na medida em que avançamos rapidamente para uma completa
digitalização de processos, de maneira que qualquer interessado pode
“baixar” a íntegra do processo ao seu fim. Todavia, em se tratando de
processo em suporte físico de papel, os autos ficarão em cartório durante
um mês, para permitir que os interessados possam extrair cópias e,
decorrido tal período, serem entregues ao autor da ação.

69
9. Valoração da prova

Ordinariamente apontam-se três sistemas de valoração


ou apreciação da prova: (i) livre apreciação ou convicção íntima; (ii) prova
tarifada ou prova legal; e, (iii) persuasão racional.

9.1. Sistema de livre apreciação ou convicção íntima do juiz

Pelo sistema da livre apreciação, o juiz de acordo com


sua convicção íntima resolve o conflito de interesses. Segundo esse
modelo, o magistrado não está obrigado a motivar, justificar sua decisão e,
por conseguinte, não fica adstrito às provas produzidas no processo.

É de fácil compreensão a ineficiência do modelo, haja


vista que viola a característica essencial da jurisdição que consiste na
imparcialidade, a qual fica maculada pela ausência de apresentação das
razões que levaram o juiz a julgar num sentido ou noutro.

9.2. Sistema de prova legal ou tarifada

O sistema da prova legal, em sua origem mais remota,


impossibilita qualquer atividade do juiz no sentido da apuração da verdade
e de proferir uma decisão justa. O juiz, segundo este sistema, mais se
aproxima de um autômato devendo proferir sentença de acordo com o valor
predeterminado às provas produzidas.

70
As provas são taxativamente relacionadas e contendo
uma prévia valoração. É conhecido o brocardo latino testis unus, testis
nullus, aniquilando o valor da prova testemunhal se realizada apenas por
uma testemunha.

Nesta senda, o nosso ordenamento estabelece que o fato


jurídico pode ser provado por qualquer meio, salvo se a lei impuser forma
especial para o negócio jurídico, consoante o art. 212, do Código Civil.

Assim, quando o instrumento público for da substância


do ato, ou seja, inerente à sua própria existência, ele não existirá, tampouco
será válido (art. 109, do CC). Por exemplo, prescreve o art. 108, do CC:
“Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à
validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência,
modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a
trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.” Igualmente, o pacto
antenupcial no casamento para escolha de regime de bens diverso do legal
(art. 1.640, p.u., do CC).

Há, ainda, situações de prova legal como ocorre nos arts.


406 e 444, do CPC.

Em todos esses casos, o limite do convencimento


motivado do juiz fica restrito à prova expressamente prevista na lei; sua
ausência, não autoriza o juiz a julgar em sentido contrário à omissão que
dela decorre.

71
9.3. Sistema de persusão racional do juiz

O último modelo é o sistema adotado pelo CPC, da


persuasão racional, tradicionalmente denominado princípio do livre
convencimento motivado.

Com efeito, o art. 131, do CPC/1973, dispunha:


“Art.131. O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e
circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes;
mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o
convencimento”.

A redação do dispositivo foi alterada em virtude de


críticas que se faziam ao termo “livremente”. Este induziria a ideia de que o
juiz tem total liberdade ao decidir, não estando jungido aos fatos como
provados em juízo. Soam um pouco exacerbadas tais manifestações, posto
que a doutrina sempre destacou que o juiz deve atender aos fatos provados
ao fundamentar suas decisões, sendo este o cerne do princípio, ao vedar
qualquer discricionariedade, e mais ainda, repudiando a arbitrariedade
judicial.

A preocupação com o dever de motivação judicial é


tamanha que alcançou patamar de direito fundamental constitucional com a
Emenda da “Reforma do Poder Judiciário” (art. 93, inciso IX – “todos os
julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e
fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei
limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus
advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito
à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à

72
informação” – redação dada pela Emenda Constitucional nº 45/2004 -
destacamos).

O princípio da motivação judicial é duplamente


enfatizado no nível infralegal, tanto por vir inscrito nas normas
fundamentais do CPC – art. 11, quanto pela maneira didática que o §1º, do
art. 489 exemplifica quando uma decisão judicial não está devidamente
fundamentada.

À vista disto, o novo CPC, alterando a redação da regra


jurídica, incorporou também o princípio da comunhão da prova ou
aquisição processual da prova78, reforçando que o juiz não tem arbítrio,
portanto, não é livre, devendo ater-se aos fatos, independemente de quem
os haja provados, e indicará as razões de seu convencimento. Confira-se, o
art. 371, do CPC:

“Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos,


independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na
decisão as razões da formação de seu convencimento.”

Verifica-se que este sistema procura afastar as mazelas


dos anteriores, mitigando a liberdade plena do juiz em valorar a prova,
mediante a exigência da exposição dos motivos que embasaram sua
decisão. Ademais, as provas não têm valor previamente estabelecido,
devendo o juiz formar sua convicção ao analisar todo o conjunto
probatório.

78
Ver item 6.1.

73
Em acréscimo, a doutrina costuma reconhecer o
princípio da verdade formal no preceito legal que determina que a
apreciação e o convencimento do juiz ficam restritos ao material probatório
produzido nos autos.79

79
Greco, ob. cit., p. 198.

74
10. Dever de colaboração com a Justiça

Como disciplina geral, o art. 77, do CPC, capitula os


deveres da lealdade e verdade processuais que devem ser observados pelas
partes, seus procuradores e todos aqueles que de qualquer forma
participem do processo. Propositalmente o seu alcance é amplíssimo,
atingindo qualquer sujeito que, de qualquer modo, participe do processo,
construindo um conceito específico para o termo sujeitos do processo. Tais
condutas estão enfeixadas no princípio da boa-fé, norma fundamental do
processo, contido no art. 5º, do CPC: “Aquele que de qualquer forma
participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”.

Especificamente quanto ao tema da prova, o art. 378, do


CPC, estipula que “ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder
Judiciário para o descobrimento da verdade”.

Em seguida, o CPC elenca deveres às partes e a


terceiros, independentemente da previsão do art. 77.

Compete às partes: comparecer em juízo, respondendo


ao que lhe for interrogado; submeter-se à inspeção judicial, que for julgada
necessária; e, praticar ato que lhe for determinado (art. 379, do CPC);
enquanto ao terceiro incumbe: informar ao juiz os fatos e as circunstâncias,
de que tenha conhecimento, e, exibir coisa ou documento que esteja em seu
poder (art. 380, do CPC).

O regime jurídico das ordens judiciais carece ainda de


uma sistematização no direito brasileiro, cujas normas prescrevem sanções

75
e coerções processuais sem uma nítida distinção entre sua natureza e, via
de consequência, o âmbito e o limite de sua aplicação.

Intrinsecamente uma regra jurídica pode render ensejo à


uma sanção ou à uma coerção, como por exemplo, uma multa que pode ser
coercitiva ou sancionatória. Deste modo se faz necessário verificar outros
elementos para identificação de cada qual. Não cabe neste espaço discorrer
sobre o tema que é intrincado e ainda não devidamente sistematizado.

De maneira simplificada, todavia, pode-se apontar que a


sanção atuação retrospectivamente, ou seja, em relação à conduta passada
– comissiva ou omissiva – da parte. Por outro lado, a coerção se volta ao
futuro – atuação prospectiva – visando compelir a parte à realizar, no
futuro, ato processual (comissivo ou omissivo).

Ao analisar os poderes-deveres dos juízes, a doutrina


procura identificar nas regras do art. 139, do CPC, ambos os poderes de
sanção e coerção judiciais.

O poder genérico de sanção está contido na prescrição


do inciso III, que determina ao magistrado “prevenir ou reprimir qualquer
ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente
protelatórias”, e, o poder de coerção (também denominado de poder geral
de efetivação judicial) na regra do inciso IV que consiste em “determinar
todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias
necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas
ações que tenham por objeto prestação pecuniária”.

76
A novidade do art. 139, IV, do CPC, foi trazer as
medidas coercitivas atípicas para demandas cujo objeto seja uma obrigação
de pagar quantia, completando a esfera da tríade de pretensões processuais
não satisfativas. Para as obrigações de fazer e não fazer, na década de 90, o
art. 461, do CPC/1973 sofreu alteração pela Lei nº 8.952/94, com este
objetivo, e, posteriormente no ano de 2002, a Lei nº 10.444, criou o art.
461-A, para as obrigações de entregar coisa.80

De modo aproximado, é válido apontar que o dever


geral de colaboração com a Justiça remonta ao seguinte quadro:

a) cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza


provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação (art. 77,
IV, do CPC);

b) não opor resistência injustificada ao andamento do processo (art.


80, IV, do CPC); e ,

c) não resistir injustificadamente às ordens judiciais (art. 774, IV, do


CPC).

Por seu turno, as respectivas sanções são:

a) ato atentatório à dignidade da justiça - multa a ser fixada de acordo


com a gravidade da conduta, limitada a 20% do valor da causa,
revertendo em favor da União ou do Estado (art. 77, §§1º a 8º, do
CPC);

80
As regras contidas nos artigos referidos no texto constam, atualmente, dos arts. 497 e 498, do
CPC/2015, respectivamente.

77
b) litigância de má-fé - conjuga multa (sanção) entre 1% a 10% do
valor da causa + indenização (sanção) pelos prejuízos sofridos pela
parte; aplicadas inclusive de ofício pelo juiz ou tribunal (art. 81, do
CPC); e,

c) atos atentatórios à dignidade da justiça – multa (sanção) em


montante não superior a 20% do valor atualizado do débito em
execução, em favor do exequente (art. 774, do CPC).81

81
Sobre o tema, com desenvolvimento, Nelson Rodrigues Netto, A Fase Atual da Reforma Processual e a
Ética no Processo. Revista de Direito Processual Civil. Curitiba: Genesis, nº 31, jan/mar, 2004; Revista
de Direito do Trabalho. Curitiba: Genesis, nº 136, abr/2004; Revista Forense. Rio de Janeiro: Forense, nº
373, mai/jun, 2004, p. 449-458.

78
11. Poderes investigatórios do juiz

Complementar ao ônus da prova, o tema dos poderes


investigatórios ou instrutórios do juiz é um dos mais complexos,
notadamente em seus limites.

O art. 370, do CPC, dispõe que: “Art. 370. Caberá ao


juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias
ao julgamento do mérito”.82

A doutrina tradicional conquanto admitisse que o juiz


pudesse tomar a iniciativa da produção de provas, deveria fazê-lo por
exceção, motivadamente e supletivamente à atividade das partes.83

Atualmente, a doutrina tem se posicionado no sentido de


que a atividade instrutória deve caber tanto às partes, quanto ao juiz.

A limitação decorrente do princípio dispositivo é


relativa ao conhecimento oficioso pelo juiz de alegações de fato não
deduzidas pelas partes e que a lei exige sua iniciativa. Aqui reside o ponto
central do limite investigatório do juiz no campo probatório.

Aponta-se, atualmente, que a atividade probatória não


está limitada à iniciativa da parte e que o ônus da prova é também regra de

82
Semelhantemente, no CPC/1973: “Art. 130. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte,
determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente
protelatórias.”
83
Amaral Santos, ob. cit., p. 356; Arruda Alvim, Manual de direito processual civil, 6ª ed., v. 2, p. 455.

79
julgamento e não apenas de procedimento, vale dizer, de produção de
prova.84

É razoável admitir que, da mesma forma com que o juiz


está autorizado a indeferir diligências inúteis ou protelatórias, está
autorizado a determinar provas que repute necessárias para verificação de
fatos indispensáveis à solução do litígio. Em ambas as hipóteses, parece-
nos lícito exigir que o juiz apresente as razões de sua decisão e submeta a
produção da prova ao contraditório, sob pena de perder sua imparcialidade.
Atenderá, assim, os princípios da fundamentação judicial e da não-supresa,
contidos nos arts. 10 e 11, do CPC.

Conferir, nesse sentido, decisão do Superior Tribunal de


Justiça:

“Tem o julgador iniciativa probatória quando presentes razões de


ordem pública e igualitária, como, por exemplo, quando se esteja
diante de causa que tenha por objeto direito indisponível (ações de
estado), ou quando o julgador, em face das provas produzidas, se
encontre em estado de perplexidade ou, ainda, quando haja
significativa desproporção econômica ou sociocultural entre as partes”
(RT 729/155).

A própria lei, além da norma geral do art. 370, do CPC,


autoriza a iniciativa do juiz na obtenção da prova, em situações que tais: a)
requisição de certidões e procedimentos administrativos a repartições
públicas (art. 438); b) oitiva de testemunha referida (art. 461, I); c)

84
Ver item 6.1.

80
acareação entre testemunhas ou em relação à parte (art. 461, II); d)
realização de nova perícia (art. 480); e, realização de inspeção judicial (art.
481).

É importante notar que a própria lei explicita, em certos


casos, que o motivo que autoriza a atividade oficiosa do juiz é derivada da
necessidade de seu esclarecimento (arts. 480 e 481, do CPC). O “estado de
perplexidade”, citado na ementa transcrita é, a nosso ver, exatamente a
necessidade de esclarecimento, sem o qual o juiz fica num impasse sem
poder solucionar o litígio.

Esgotada a atividade probatória, incluindo a


determinada de ofício, a vedação do non liquet impõe, para a resolução do
conflito, a aplicação das regras do ônus da prova, na forma do art. 373, do
CPC.85

85
Sobre ônus da prova, ver item 6.

81
Provas em Espécie

12. Ata notarial

A ata notarial sempre foi apontada como um meio


atípico de prova, passando a partir do CPC/2015, a mais um meio de prova
especificamente regulado na lei processual no art. 384.

Os serviços notariais, ao lado dos registrais, são


exercidos por delegação do Poder Público, em caráter privado e sob a
fiscalização do Poder Judiciário, como prescreve o art. 236, caput, e §1º, da
Constituição Federal.86

A lavratura de ata notarial é ato de competência


exclusiva dos tabeliães de notas, também chamados de notários, para
atestar fatos, entre outras competências, facultando-se-lhes para tanto
“realizar todas as gestões e diligências necessárias ou convenientes” (arts.
6º, inciso III, 7º, inciso III, e parágrafo único, da Lei nº 8.935/94 – Lei dos
Cartórios).

A ata notarial é um documento público, exarado por


agente que detém fé pública (art. 3º, da Lei nº 8.935/94), aplicando-se-lhe,

86
CF - “Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do
Poder Público. §1º Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários,
dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.
§2º Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados
pelos serviços notariais e de registro. §3º O ingresso na atividade notarial e de registro depende de
concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura
de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.”

82
portanto, a norma prescrita no art. 405, do CPC, e exigindo-se declaração
judicial de falsidade para cessar sua fé, conforme art. 427, do CPC.

A existência e o modo de existir de algum fato, inclusive


se representados por imagem ou som gravados em meios eletrônicos,
prestam-se a ser atestados ou documentados por meio da ata notarial, como
se confirma da redação do art. 384, do CPC:

“Art. 384. A existência e o modo de existir de algum fato podem ser


atestados ou documentados, a requerimento do interessado, mediante
ata lavrada por tabelião. Parágrafo único. Dados representados por
imagem ou som gravados em arquivos eletrônicos poderão constar da
ata notarial.”

Em conclusão, temos que a ata notarial é um meio de


prova que consiste de documento com fé pública, por meio do qual o
notário atesta a existência de um fato ou o modo de existir de algum fato,
inclusive representados por imagem ou som gravados em arquivos
eletrônicos.

83
13. Depoimento Pessoal

13.1. Generalidades

O depoimento pessoal consiste em manifestação da


própria parte em juízo, por força de requerimento formulado ao juiz pela
parte contrária (art. 385, do CPC).

O depoimento pessoal é meio de prova, devendo ser


requerido pela parte contrária, visando sempre provocar a confissão, sendo
realizado na audiência de instrução e julgamento, de acordo com o art.
361, II, do CPC.

13.2. Interrogatório

Difere, portanto, do interrogatório que é determinado de


ofício pelo juiz, em qualquer estado do processo, a fim de se esclarecer
sobre fatos da causa, não havendo a cominação da pena de confesso
(art.385, §1º, do CPC). Esta diferença sempre foi apontada pela doutrina e
lastreada no art. 342, do CPC/1973.

Em redação que deixa estreme de dúvidas, o art. 139,


VIII, do CPC/2015, esclarece que na inquirição da parte por meio do
interrogatório não faz incidir a pena de confesso, in verbis:

“Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste


Código, incumbindo-lhe:

84
VIII - determinar, a qualquer tempo, o comparecimento pessoal das
partes, para inquiri-las sobre os fatos da causa, hipótese em que não
incidirá a pena de confesso.”

Destarte, o depoimento pessoal das partes diferencia-se


do interrogatório ex officio por três elementos: (i) provocação; (ii)
momento; e, (iii) pena de confesso.

Provocação: no primeiro é necessário requerimento da


parte e intimação da outra para comparecimento para depor; o segundo é
realizado de modo oficioso pelo juiz. Momento: o depoimento pessoal
ocorre na audiência de instrução e julgamento, salvo produção antecipada
de prova; o interrogatório pode ocorrer a qualquer tempo no curso do
processo. Pena de confesso: no depoimento pessoal incorrerá em pena de
confesso a parte que, intimada e advertida, deixar de comparecer à
audiência ou, comparecendo, se recusar a depor; por outro lado; no
interrogatório a parte não sofrerá a pena de confissão.

Deste modo, as pessoas incapazes podem ser


interrogadas, entretanto, não podem prestar depoimento pessoal, uma vez
que não podem sofrer efeitos da confissão. Neste sentido é expresso o art.
213, do CC, em reputar ineficaz a confissão realizada por incapaz de dispor
de direito relativo ao fato confessado.

13.3. Procedimento

Não há diferença na forma de inquirição da parte, seja


mediante interrogatório ou depoimento pessoal, a qual deve se pautar pelo

85
procedimento da inquirição de testemunhas, regra que era expressa no
CPC/1973, art. 344.87

A intimação para depoimento pessoal deve ser feita


pessoalmente à parte, constando expressamente do mandado que se
presumirão confessados os fatos contra ela alegados, caso não compareça,
ou comparecendo, se recuse a depor (art. 385, §1º, do CPC).

É vedada a leitura de texto adrede preparado, visando a


garantia da espontaneidade e da sinceridade do depoimento, ressalvada a
consulta de notas (art. 387, do CPC).

13.4. Escusa em depor

O art. 388, do CPC, disciplina a escusa em depor,


ressalvando que as hipóteses arroladas não se aplicam às ações de estado
ou de família, uma vez que o conhecimento dos fatos nestas demandas
muitas vezes somente pode ser obtido por meio de depoimento da parte
(parágrafo único).88 Assim, parte não está obrigada a depor sobre fatos:

I - criminosos ou torpes que lhe forem imputados;


II - a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo;
III - acerca dos quais não possa responder sem desonra própria, de seu
cônjuge, de seu companheiro ou de parente em grau sucessível;
IV - que coloquem em perigo a vida do depoente ou das pessoas
referidas no inciso III.

87
CPC/1973 – “Art. 344. A parte será interrogada na forma prescrita para a inquirição de testemunhas.”
88
Sobre “ações de estado”, ver item 16.3.3.

86
No caso do depoimento pessoal não há vedação de a
parte depor por estar sujeita à imputação de responsabilidade penal por
violação de sigilo profissional. O fundamento repousa na circunstância
de que é o direito da própria parte que se encontra em conflito, de modo
que lhe é lícito revelar fatos conhecidos no âmbito de sua profissão.

O depoimento pessoal, a oitiva de testemunhas, e a


exibição de documento ou de coisa trazem normas sobre escusas
liberando condutas comissivas das partes ou de terceiros. Por estarem
intimamente ligadas, inclusive no tocante às suas redações, optamos por
tratar do assunto, de modo sistemático, na exposição sobre “exibição de
documento ou coisa” (item 16).

87
14. Confissão

14.1. Generalidades

A confissão, rigorosamente, não é meio de prova, antes,


é o resultado da prova, considerando o conceito polissêmico do termo
prova.89

Por ser o resultado pretendido pela parte, a confissão


assumi este sentido de prova, de que restou demonstrado um dado fato. O
depoimento pessoal é a prova (meio) para obtenção da prova (resultado).
Esta a razão porque se costuma apontar que a confissão não é meio de
prova. Todavia, o art. 212, do CC, aponta a confissão como o primeiro
meio de prova de um fato jurídico.90

Há confissão quando a parte admite a verdade de um


fato contrário a seu interesse e favorável ao do adversário (art. 389, do
CPC).

14.2. Classificação

A confissão pode ser judicial ou extrajudicial,


respectivamente, obtida em juízo no depoimento pessoal, ou até,
manifestada por petição, ou, levada a juízo por ser extrajudicial.

89
Ver item 2.
90
CC – “Art. 212. Salvo o negócio a que se impõe forma especial, o fato jurídico pode ser provado
mediante: I – confissão.”

88
Por seu turno, a confissão judicial pode ser provocada
ou espontânea. A confissão provocada é aquela obtida pela inquirição da
parte, em depoimento pessoal, quando devidamente intimida, sob pena de
confesso (art. 390, §2º, do CPC). A confissão espontânea, realizada pela
própria parte ou por mandatário com poderes especiais devendo ser tomada
a termo em juízo (art. 390, §1º, do CPC).

São incontroversos os fatos aceitos pela parte, expressa


ou tácitamente, neste último caso surgindo a confissão ficta (arts. 341,
caput, e 344 do, CPC).

14.3. Irrevogabilidade da confissão

A confissão é irrevogável e indivisível, não podendo a


parte querer aceitá-la ou rejeitá-la parcialmente, para assim se beneficiar.
Entretanto, é possível que a parte pretenda se beneficiar de parte da
confissão corroborando-a com outros fatos distintos daqueles que foram
objeto da confissão. Nesse sentido é a regra do art. 395, do CPC.

Somente deixará de produzir efeitos quando a lei


expressamente o vedar (arts. 392, caput e §1º, do CPC, e 213, do CC) ou
quando se tratar de ato ad solemnitatem, havendo forma especial prevista
na lei para sua existência e cuja prova somente se faz mediante a forma
legalmente estatuída (ex.: art. 406, do CPC, para atos que exigem
instrumento público como substância do ato, somente este serve de meio de
prova).91

91
Sobre a divergência relativa a prova do contrato de seguro, Nelson Rodrigues Netto, comentários ao art.
758, do CC, in, Comentários ao Código Civil Brasileiro, v. VII, pp. 181/7.

89
A confissão realizada por um dos litisconsortes não
prejudica os demais (art. 391, do CPC), sendo que quando se tratar de
litisconsórcio unitário, é de ser considerada válida contra o confitente, mas,
ineficaz com relação aos litisconsortes, como por exemplo, os casos
previstos no art. 391, parágrafo único, do CPC.

Não se admite a confissão sobre fatos relativos a direitos


indisponíveis (art. 392, do CPC), tais os direitos fundamentais do homem,
como: a vida, a liberdade, a saúde, a cidadania, o estado da pessoa
(individual, familiar e político).

A confissão é relativa a fatos, objeto de prova, portanto,


não se confunde com o reconhecimento jurídico do pedido, ato dispositivo
do direito material subjacente à lide, provocando inexoravelmente a
extinção do processo com julgamento de mérito em desfavor do réu (art.
487, III, “a”, do CPC). Pode acontecer que a despeito da confissão,
remanesça a controvérsia sobre a interpretação do direito, ou até mesmo,
que do conjunto probatório, resulte vitorioso o confitente.

14.4. Anulação da confissão

A confissão é irrevogável, contudo, pode ser objeto de


ação anulatória quando obtida por erro de fato ou coação (arts. 393, do
CPC, e 214, do CC), caso em que deverá haver a suspensão processo, ex
vi, art. 313, V, ‘a’, do CPC.

Com efeito, o art. 171, II, do CC, aponta ser anulável o


negócio jurídico por defeitos, notadamente, resultante de erro ou de coação.

90
Trata-se de direito personalíssimo que somente pode ser
exercido pelo confitente, todavia, constituíndo norma especialíssima haverá
sucessão da parte por seus herdeiros (e não extinção do processo ex vi da
regra geral do art. 485, IX, do CPC) em caso de morte do confitente
pendente a ação (art. 393, p.u., do CPC).

No sistema processual atual ficou superada a dualidade


de ações considerando a existência ou não de trânsito em julgado da
decisão fundada em confissão viciada. Inexiste no CPC/2015 previsão de
ação rescisória com fundamento em pretensa confissão inválida (art. 485,
VIII, do CPC/1073).

A ação anulatória, cujo pedido é constitutivo (negativo),


está sujeita a um prazo decadencial de quatro anos, a contar, em caso de
coação, do dia em que ela cessar, e, na hipótese de erro de fato, do dia em
que foi realizada a confissão (“realizado o negócio jurídico”), consoante,
respectivamente o art. 178, I e II, do CC. Reforce-se, não se aplica o regime
jurídico da ação rescisória.

91
15. Prova documental

15.1. Generalidades

Leciona Chiovenda que documento é “toda


representação material destinada e idônea a reproduzir uma dada
manifestação do pensamento”.

Logo, documento não é apenas papel escrito, e sim todo


e qualquer suporte físico que revele um fato. Em um sentido estrito,
documento é prova escrita.92

Por seu turno, instrumento é o documento especialmente


preparado para a prova de um negócio jurídico.

15.2. Classificação dos documentos

Os documentos podem ser classificados segundo vários


critérios. Todavia, o discrímem relevante toma em consideração a autoria
do documento, segundo diferentes elementos.93

92
Theodoro Jr., ob. cit., p. 407.
93
Amaral Santos, ob. cit., pp. 403/4; Cassio Bueno, Manual, p. 423/5; Marinoni-Arenhart-Mitidiero, ob.
cit., pp. 364/6.

92
15.2.1. Público ou particular

Dependendo de sua origem, os documentos podem ser


públicos ou particulares, considerando se elaborados por agente público ou
não. Os primeiros serão documentos heterógrafos, e, os segundos poderão,
ou, não ser autógrafos, conforme distinção abaixo explicada entre autoria
material e autoria intelectual.

15.2.2. Original ou cópia

Os documentos podem ainda ser distinguidos em


originais ou cópias. Estes últimos são reproduções, certidões ou
certificações dos primeiros.

15.2.3. Autógrafo ou heterógrafo

Diz-se que o documento é autógrafo quando produzido


pelo próprio autor, tanto no aspecto material (suporte físico), quanto no
intelectual (conteúdo).

Por seu turno, é heterógrafo o documento produzido


(materialmente) por terceiro diferente do autor intelectual. Verifica-se,
portanto, a coincidência, ou não, entre a autoria material e a autoria
intelectual.

93
15.2.4. Autêntico, autenticado e não autêntico.

É reputado autêntico o documento do qual se tem


certeza de sua autoria. O art. 411, do CPC, prevê três hipóteses em que se
considera o documento autêntico:

“Art. 411. Considera-se autêntico o documento quando:


I - o tabelião reconhecer a firma do signatário;
II - a autoria estiver identificada por qualquer outro meio legal de
certificação, inclusive eletrônico, nos termos da lei;
III - não houver impugnação da parte contra quem foi produzido o
documento.”

O primeiro caso diz respeito ao reconhecimento de firma


realizado por tabelião de notas, ou seja, o notário.94

A segunda hipótese é de autenticação. Como lecionam


Marinoni-Arenhart-Mitidiero: “à certificação quanto à autenticidade de um
certo documento dá-se o nome de autenticação”.95 Assim, o documento
cuja “autoria estiver identificada por qualquer outro meio legal de
certificação, inclusive eletrônico, nos termos da lei” é reputado autêntico
em virtude de sua autenticação.

Documento produzido eletronicamente, por exemplo,


assinatura eletrônica96, e juntado a processo judicial eletrônico é

94
Ver item 15.3.3.
95
Ob. cit., p. 366.
96
Art. 1º, §2º, III, da Lei 11.419/2006 – Lei do Processo Eletrônico.

94
considerado original (art. 11, da Lei 11.419/2006 – Lei do Processo
Eletrônico), e, autenticado na forma do art. 411, II, do CPC. A presunção
de autenticidade somente cede espaço se judicialmente provada sua
falsidade (arts. 427, do CPC, c.c. 11, §§1º e 2º, da Lei nº 11.419/2006).

Em terceiro lugar, é autêntico o documento quando “não


houver impugnação da parte contra quem foi produzido”, de acordo com o
inciso III, do art. 411, do CPC. Esta hipótese, no tocante ao documento
particular, está ligada ao preceito do art. 412, pelo qual resulta provada a
declaração feita pelo seu autor quando não houver dúvida de sua
autenticidade, vale dizer, há a certeza de sua autoria.

Documento não autêntico ou sem autenticidade é aquele


em relação ao qual não se logrou produzir prova da certeza de sua autoria.97

97
Amaral Santos, ob. cit., p. 403.

95
15.3. Força probante dos documentos

15.3.1. Documento público

O documento público gera presunção de autenticidade,


das circunstâncias de sua formação e das declarações ouvidas pelo oficial
(não do conteúdo das declarações), conforme art. 405, do CPC.
Documento público é aquele elaborado por autoridade pública, que tenha fé
publica.98

O juiz não pode formar convicção contra o teor do


documento público, salvo prova de falsidade (art. 427, do CPC).

Atos que a lei exige como essencial o instrumento


público, a forma e a prova são ad solemnitatem, e o juiz não pode aceitar
como praticados sem o instrumento: há prova legal (art. 406, do CPC).99

Em sendo a autoridade incompetente, ou, elaborado o


documento público sem a observância das formalidades legais, desde que
subscrito pelas partes tem a força probatória de documento particular (art.
407, do CPC).

15.3.2. Documento particular

Os documentos particulares são aqueles não emanados


de autoridade pública.

98
Arruda Alvim, ob. cit., p. 457.
99
Ver item 9.2. Sistema de prova legal ou tarifada.

96
Reputa-se autor do documento particular: a) aquele que
o fez e o assinou; b) aquele, por conta de quem foi feito, estando assinado;
e, c) aquele que, mandando compô-lo, não o firmou, porque, conforme a
experiência comum, não se costuma assinar, como livros comerciais e
assentos domésticos (art. 410, do CPC). A norma disciplina, destarte,
documento autógrafo no primeiro caso e heterógrafos nos demais.

A declaração de vontade prova contra quem assinou


(art. 408, do CPC), mas a declaração de ciência exige o ônus da prova a
quem interessa (art. 408, parágrafo único, do CPC).100 Logo, a declaração
de vontade em contrato de prestação de serviços, prova contra quem o
assinou. Quanto á declaração de ciência, tome-se de exemplo a afirmação
da data de construção de um prédio: há prova da autoria e do contexto,
contudo, não há prova do fato de que aquela data é efetivamente a da
construção.

15.3.3. Reconhecimento de firma

O CPC/1973 deixava claro haver uma diferença entre os


chamados reconhecimentos de firma por autenticidade e por semelhança.
Reputava-se autêntico o documento quando o tabelião reconhecesse a firma
do signatário, quando aposta em sua presença (art. 369, do CPC/1973),
salvo prova de falsidade (art. 387, do CPC/1973). Caso contrário, haveria a
firma reconhecida por semelhança.101

100
. Theodoro Jr., ob. cit., p. 411, Greco, ob. cit., p. 212, Araújo Cintra, Comentários ao Código de
Processo Civil, p. 107.
101
No direito anterior, Moacyr Amaral Santos afirmava que as demais formas de reconhecimento de
firma não permitiam considerar autêntico o documento, ob. cit., p. 414.

97
O reconhecimento de firma, ou seja, da assinatura do
autor, gerando a autenticidade do documento, é ato de competência
exclusiva dos tabeliães de notas (art. 7º, IV, da Lei nº 8.935/94 – Lei dos
Cartórios). Há uma presunção relativa da autenticidade do documento, que
pode ser infirmada por outros meios de prova, v.g., demonstrar que alguém
se fez passar pelo autor do documento, mediante carteira de identidade
falsa, e o assina copiando-lhe a assinatura.102

No Estado de São Paulo, a Corregedoria Geral de Justiça


do Tribunal de Justiça, estabeleceu por meio da Portaria nº 58/89, as
Normas de Serviço dos Cartórios Extrajudiciais (Tomo II), que preveem a
existência de firma autêntica ou por semelhança, conforme seu art. 182, in
verbis:

“182. O reconhecimento, com a menção de ser a firma autêntica ou de


ter sido feito por semelhança, deve conter o nome da pessoa
signatária.”

A assinatura na presença do notário, como exigia o


revogado art. 369, do CPC/1973, vem disciplinada no art. 185.1, das NSCE
da Corregedoria Geral de Justiça do TJSP, abaixo transcrito:

“185.1. No reconhecimento da firma como autêntica, o Tabelião de


Notas deve exigir que o signatário assine o livro a que se refere o
item 184, com indicação do local, data, natureza do documento
exibido, do número do selo utilizado e, ainda, se apresentado
Certificado de Registro de Veículo – CRV visando à transferência de

102
Sobre presunções legais, ver item 7.2.

98
veículo automotor, do número do Registro Nacional de Veículos
Automotores – RENAVAM, do nome do comprador, do seu número
de inscrição no CPF e da data da transferência.” (negritamos)

Quando o reconhecimento da firma for por semelhança,


a presença do signatário somente ocorrerá se exigido pelo oficial (art. 189,
das NSCE).103

A exigência de reconhecimento de firma pode ser


realizada pelo oficial em relação às comunicações ao registro civil (art. 13,
§1º, da Lei nº 6.015/73 - Lei de Registros Públicos) ou por força de lei,
como por exemplo, no caso de mandato em relação a terceiros (art. 654,
§2º, do CC), ou, a averbação da alteração de nome por motivo de
casamento (art. 246, §1º, da Lei nº 6.015/73).

A escolha entre os diferentes meios, por autenticidade


ou por semelhança, deverá estar previsto em lei, como ocorre, por exemplo,
na transferência de veículos automotores, ex vi do art. 185.1, das NSCE.
Exigindo-se o reconhecimento da firma, mas omissa a lei quanto à qual dos
dois tipos, qualquer um deve ser aceito.

Atualmente, o CPC deixou de trazer a diferença entre


reconhecimento de firma por autenticidade ou por semelhança, e
acrescentou que ela pode ser realizada por certificação inclusive eletrônica,
e ainda, que inexistente impugnação contra quem foi produzido o
documento, ele será tido como autentico (art. 411, do CPC).

103
“189. Para o reconhecimento de firma por semelhança poder-se-á exigir a presença do signatário,
munido do documento de identificação.”

99
15.3.4. Data do documento

No tocante à data do documento, a dúvida entre as


partes ou a impugnação se prova por qualquer meio em direito admitido
(art. 409, caput, do CPC).

Contudo, em relação a terceiros, considera-se datado: a)


no dia em que foi registrado; b) desde a morte de algum dos signatários; c)
a partir da impossibilidade física, que sobreveio a qualquer dos signatários;
d) da sua apresentação em repartição pública ou em juízo; e, e) do ato ou
fato que estabeleça, de modo certo, a anterioridade da formação do
documento (art. 409, §1º, I a V, do CPC).

Admitido expressa ou tacitamente, o documento é


indivisível, não podendo ser aproveitado em parte e descartado em parte,
salvo prova de que um ou alguns dos fatos dele constante não ocorreram
(art. 412, p. único, do CPC).104

15.3.5. Livros comerciais

No tocante a livros comerciais, fazem prova contra o


autor (art. 417, do CPC); preenchidos os requisitos legais de escrituração
provam a favor de seu autor (arts. 418, do CPC, 226, do CC), mas em
qualquer caso, admitem prova de que não correspondem à verdade dos
fatos.105 Os registros comerciais consistem, portanto, de uma presunção
relativa.

104
Nesse sentido Araújo Cintra, ob. cit., 107.
105
. Theodoro Jr., ob. cit., p. 413.

100
O juiz pode exigir a exibição parcial dos livros e
documentos comerciais (arts. 421, do CPC). O dispositivo do CPC é uma
norma de exceção para a vedação da exibição de livros, conforme previsto
no art. 1190, do CC.106

Aplicam-se os seguintes enunciados da Súmula de


Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal: “Súmula nº
260: “O exame de livros comerciais, em ação judicial, fica limitado às
transações entre os litigantes”. Em se tratando de obrigações tributárias e
previdenciárias, dispõe a Súmula nº 439: “Estão sujeitos à fiscalização
tributária, ou previdenciária, quaisquer livros comerciais, limitado o exame
aos pontos objeto da investigação”. No sentido desta última súmula é o art.
1.193, do CC, que releva a restrição do respectivo capítulo.

A exibição integral de livros comerciais dependerá de


autorização judicial, sendo somente realizada em casos de sucessão,
comunhão ou sociedade, administração ou gestão à conta de outrem ou em
casos de falência, e notadamente, quando e como determinar a lei (arts.
1.191, do CC, e, 420, do CPC).107

106
“Art. 1.190. Ressalvados os casos previstos em lei, nenhuma autoridade, juiz ou tribunal, sob qualquer
pretexto, poderá fazer ou ordenar diligência para verificar se o empresário ou a sociedade empresária
observam, ou não, em seus livros e fichas, as formalidades prescritas em lei.”
107
“Art. 1.191. O juiz só poderá autorizar a exibição integral dos livros e papéis de escrituração quando
necessária para resolver questões relativas a sucessão, comunhão ou sociedade, administração ou gestão à
conta de outrem, ou em caso de falência. §1º. O juiz ou tribunal que conhecer de medida cautelar ou de
ação pode, a requerimento ou de ofício, ordenar que os livros de qualquer das partes, ou de ambas, sejam
examinados na presença do empresário ou da sociedade empresária a que pertencerem, ou de pessoas por
estes nomeadas, para deles se extrair o que interessar à questão. §2º Achando-se os livros em outra
jurisdição, nela se fará o exame, perante o respectivo juiz.”

101
Pela redação do §1º, do art. 1.191, do CC, verifica-se
que o interesse processual pode se limitar ao mero “exame” sem que a
exibição integral dos livros constitua-se em produção de prova.108

15.3.6. Cópias

As cópias fazem a mesma prova que os originais,


consoante o art. 425, do CPC: a) as certidões textuais de qualquer peça
dos autos, do protocolo das audiências, ou de outro livro a cargo do
escrivão, sendo extraídas por ele ou sob sua vigilância e por ele subscritas;
b) os traslados e as certidões extraídas por oficial público, de instrumentos
ou documentos lançados em suas notas; c) as reproduções dos documentos
públicos, desde que autenticadas por oficial público ou conferidas em
cartório, com os respectivos originais; d) as cópias reprográficas de peças
do próprio processo judicial declaradas autênticas pelo próprio advogado
sob sua responsabilidade pessoal, se não lhes for impugnada a
autenticidade; e) os extratos digitais de bancos de dados, públicos e
privados, desde que atestado pelo seu emitente, sob as penas da lei, que as
informações conferem com o que consta na origem; e, f) as reproduções
digitalizadas de qualquer documento, público ou particular, quando
juntados aos autos pelos órgãos da Justiça e seus auxiliares, pelo Ministério
Público e seus auxiliares, pelas procuradorias, pelas repartições públicas
em geral e por advogados públicos ou privados, ressalvada a alegação
motivada e fundamentada de adulteração antes ou durante o processo de
digitalização.

Em relação a documentos digitalizados o legislador


determina que os originais sejam preservados até o decurso do prazo para a
108
Ver item 16, especialmente, item 16.3.1.

102
propositura de ação rescisória, e, quanto à cópia de título executivo
extrajudicial ou outro documento relevante à instrução do processo, o juiz
poderá determinar o seu depósito em cartório ou secretaria (art. 425, §§1º e
2º, do CPC).

No tocante às cópias de documentos particulares, valem


como certidão sempre que o escrivão portar por fé sua conformidade com o
original (art. 423, do CPC). Fazem prova dos fatos ou coisas
representadas, as reproduções mecânicas quando admitidas contra quem se
produz (art. 422, do CPC), e, em sendo impugnadas, exige-se produção de
prova pericial, ou de exemplar de jornal ou revista onde foi publicada a
fotografia (art. 422, §§1º e 2º, do CPC).

A cópia de documento particular tem o mesmo valor


probante que o original, cabendo ao escrivão, intimadas as partes, proceder
à conferência e certificar a conformidade com o original (art. 424, do
CPC).

Em face disso, é possível a apresentação das chamadas


cópias simples em juízo, as quais somente perdem sua fé se forem
impugnadas pela parte contra quem foram produzidas (art. 422, do CPC, e
art. 225, do CC).

103
15.4. Argüição de falsidade documental

15.4.1. Generalidades

Como vimos ao tratar de sua classificação, documento


autêntico é aquele sobre o qual se tem certeza da autoria. Por seu turno,
havendo coincidência entre autoria material e intelectual, o documento é
autógrafo, mas se o autor material for diverso do autor intelectual, diz-se
que o documento é heterógrafo.

Considerando esses conceitos é importante fazer uma


distinção entre a falsidade ideológica e a falsidade material, antes de
ingressarmos propriamente no incidente de falsidade documental.

Outro ponto de destaque preambular são as novas regras


criadas pelo art. 436, do CPC. Em quatro incisos, o legislador estabeleceu
diferentes condutas que pode adotar a parte quando intimada para se
manifestar sobre documento constante dos autos.

Trata-se de um dispositivo didático que discrima


condutas que, anteriormente, eram todas abrangidas pelo art. 398, do
CPC/1973.109 A regra pela qual uma parte tem o direito de se manifestar
sobre documento juntado pela parte contrária, embasada no devido
processo legal, está atualmente prevista no art. 437, §1º, do CPC, o qual,
inclusive, faz referência expressa ao art. 436.

109
Reputando dispensável o artigo, Daniel Neves, ob. cit., p. 300.

104
Logo, é facultado à parte ao se manifestar sobre
documento juntado, em primeiro lugar, impugnar a admissibilidade da
prova documental (art. 436, I). O meio de prova pode ser impertinente em
relação ao fato probando, ou, pode ter sido produzido de modo
deslealmente intempestivo, ou, obtido por meio ilegal ou imoral, violando o
preceito do art. 369, do CPC, por exemplo. Outro exemplo: se para
verificação do fato há necessidade de pessoa com conhecimento técnico ou
científico especializado, indispensável realização de perícia.

Em segundo lugar, faculta-se a impugnação da


autenticidade do documento (art. 436, II). Esta é a hipótese para se
infirmar a presunção de autenticidade prevista no art. 411, III, do CPC. Ou
ainda, do inciso I, do art. 411, afirmando a parte que não é a signatária de
firma reconhecida por notário.

Admitida a autenticidade como a certeza da autoria de


um documento particular autógrafo, resultam como verdadeiras as
declarações nele lançadas (art. 412, do CPC). Noutro sentido, não se
reputando autêntico o documento, as declarações nele contidas não se
podem ser reconhecidas como verdadeiras, daí a inferência de serem falsas.

Por seu turno, o documento público é heterógrafo,


portanto, constatada a certeza da autoria material (do oficial público), é um
documento autêntico. Por força da fé pública de que goza o agente público,
o documento público faz prova de sua formação e dos fatos declarados
ocorridos na presença do seu autor (art. 405, do CPC). Nada impede
cogitar-se de declarações falsas (que não correspondem à realidade) feitas
pelo agente público. Conclui-se que um dado documento público poderia

105
ser autêntico (= certo seu autor) e falso por formado com declarações não
verdadeiras, na forma do art. 427, I, do CPC.

Admitidos os conceitos e as premissas dos parágrafos


anteriores, o art. 436, III, do CPC não se constitue em repetição, nem ao
menos parcial, do seu inciso II.110 Corrobora este raciocínio o fato de que a
impugnação da autenticidade não gera incidente de falsidade, o que poderá
ocorrer apenas no caso da falsidade documental e desde que a parte
expressamente o requeira.111

Acresce salientar que o art. 436, III, do CPC, tem ainda


outra função operativa: deixar claro que a alegação da falsidade do
documento pode deflagrar ou não o incidente de arguição de falsidade.
Pode assim, a alegação de falsidade documental ser utilizada apenas como
modo de impugnação do documento, cujo valor probante será avaliado pelo
juiz, sem instaurar o procedimento do incidente de falsidade e suas
consequências (notadamente a produção de prova pericial, art. 432, do
CPC).112

Por último, o art. 436, IV, do CPC, estabelece a conduta


mais corriqueira na práxis, que é a manifestação sobre o conteúdo do
documento. Fica realizada a distinção entre a oposição à admissibilidade da

110
Afirmando que a falsidade pode retratar documento formalmente autêntico, de modo que não se
confundiriam os dois incisos, Nery-Nery, Código [2015], p. 1218. Em sentido contrário, Renato Montans
de Sá, Manual de direito processual civil, p. 461; Daniel Neves, ob. cit., p. 300.
111
Ver item 15.4.4.1.
112
Neste sentido, João Paulo Hecker da Silva, Código de processo civil anotado (coord. José Rogério
Cruz e Tucci), AASP/OAB/PR, p. 704; Elpídio Donizetti, Curso didático de direito processual civil, p.
581.

106
prova documental (inciso I) e o ataque ao seu conteúdo, ou seja, as
declarações dele contantes (inciso IV).

Parece-nos basilar que em todos os casos, a parte deve


fundamentar suas alegações, contudo, o parágrafo único do art. 436,
reforça essa premissa geral ao estipular que não se admite alegação
genérica de falsidade, e deve-se acrescentar de não autenticidade, exigindo-
se argumentação específica quando impugnada a autenticidade ou alegada a
falsidade do documento. Suprir a omissão do preceito – acrescentando a
impugnação da autenticidade – é necessária para que não se compreenda
que ambos os incisos II e III retratam situação de falsidade, sob pena de se
aceitar que há redundância.

15.4.2. Falsidade ideológica

A falsidade ideológica está ligada ao conteúdo do


documento, ainda que este esteja materialmente perfeito, ele padece de
vícios de consentimento, prescrevendo o Código Civil tratar-se de defeito
de negócio jurídico, que tais: erro ou ignorância, dolo, coação, estado de
perigo e lesão, e fraude contra credores, como descritos nos arts. 138 a 165,
do CC.

Nestas hipóteses o negocio jurídico é anulável (art. 171.


II, do CC), exigindo-se uma ação constitutiva negativa para anulação do
ato viciado, a qual deve ser proposta dentro do prazo decadencial de quatro

107
anos, e cujos termos iniciais estão elencados na lei, conforme o art. 178, I e
II, do CC.113 114

A falsidade ideológica se apresenta sempre em


documentos autógrafos, nos quais há uma divergência entre a manifestação
de vontade externada pelo autor e a efetivamente querida por ele. O
negócio jurídico é defeituoso porque não seria realizado do modo como o
foi se não tivesse o autor sido induzido a erro ou dolo, sofrido coação,
agido em estado de perigo ou de lesão.

A despeito de ser defeito do negócio jurídico, a fraude


contra credores, e a anulação do negócio jurídico nela fundada, não
compõem o quadro de fundamentos da falsidade ideológica documental, já
que o sujeito prejudicado com este vício é um terceiro e não aqueles que
celebram o negócio jurídico. Na falsidade documental, o autor elabora o
documento que é ideologicamente falso por causa de sua vontade estar
viciada, em virtude dos outros defeitos do negócio jurídico.

15.4.3. Falsidade material

Por outro lado, a falsidade material do documento,


importa num vício em seu suporte físico, significa dizer, que o documento é
formado com vício ou é adulterado, independentemente da veracidade, ou
não, de seu conteúdo.

113
CC – “Art. 178. É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio
jurídico, contado: I - no caso de coação, do dia em que ela cessar; II - no de erro, dolo, fraude contra
credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico.”
114
Theodoro Jr., ob. cit., p. 416; Luiz Rodrigues Wambier et alli, Curso avançado de direito processual
civil, v 1, p. 469.

108
Nesse sentido, a lei prescreve que a falsidade consiste
em formar documento não verdadeiro ou alterar documento verdadeiro, de
acordo com o art. 427, parágrafo único, I e II, do CPC. Vale notar que o
inciso II, do art. 427, está ligado ao art. 428, II, do CPC, que preceitua que
“cessa a fé do documento particular quando assinado em branco, for
abusivamente preenchido”.

A falsidade está representada na lei pela expressão


“cessa a fé do documento” (arts. 427, caput, 428, do CPC). O documento
não merece fé porque não representa a realidade dos fatos.

15.4.4. Objeto do incidente (falsidade cabível)

Considerando o objeto do incidente de falsidade


documental, vale dizer, qual espécie de falsidade – material ou ideológica -
pode ser suscitada, duas correntes doutrinárias se formaram: (i) restritiva; e
(ii) ampliativa.

(a) corrente restritiva

Para a corrente restritiva somente a falsidade material


pode ser discutida por meio de arguição de falsidade documental prevista
nos arts. 430 a 433, do CPC.

O argumento parte da redação do art. 427, caput e


paragrafo único, do CPC, que tem redação idêntica ao do art. 388, do
CPC/1973.

109
“Art. 427. Cessa a fé do documento público ou particular sendo-lhe
declarada judicialmente a falsidade.
Parágrafo único. A falsidade consiste em:
I - formar documento não verdadeiro;
II - alterar documento verdadeiro.”

O documento público ou particular cuja falsidade for


declarada judicialmente “perde sua fé”. Como apontamos, documento
digno de fé significa documento verdadeiro em oposição a falso.

A ideia que decorre do dispositivo é da criação material


de documento não verdadeiro, ou, a alteração material de documento
verdadeiro. Em ambas as situações o resultado é um documento falso. Por
este motivo, o falso ideológico, que diz respeito à divergência de
manifestação da vontade externada e a querida pelo seu autor intelectual,
não seria passível de gerar o incidente de falsidade documental.

Em segundo lugar, sob o prisma da eficácia da decisão,


verifica-se que a tutela jurisdicional é declaratória, “declarar judicialmente
a falsidade” (art. 427, do CPC). De outro lado, o falso ideológico exige a
anulação do ato ou negócio jurídico que rendeu ensejo à criação do
documento, de modo que a tutela jurisdicional é constitutiva: há de ser
alterada uma situação jurídica pela desconstituição do negócio viciado.

Por último, considerando o meio de prova, para a


falsidade material a lei estabelece prova legal: perícia (art. 432, do CPC),
ao passo que, na ação anulatória de documento ideologicamente falso são
admitidos quaisquer meios legais ou moralmente legítimos de prova.

110
(b) corrente ampliativa

A corrente ampliativa adota a distinção feita por


Carnelutti115 e introduzida no Brasil, principalmente, por Theodoro
Júnior116 quanto à existência de documentos narrativos e documentos
constitutivos.

Em relação aos documentos constitutivos há uma


declaração de vontade formadora (constitutiva) de um negócio jurídico e
que por estar viciada, exige a desconstituição do negocio representado pelo
documento. Por outro lado, o documento narrativo que apenas enuncia ou
descreve um fato (narração), a sua falsidade pode ser declarada sem a
necessidade da desconstituição do ato jurídico, de modo a torná-lo
imprestável como meio de prova no processo.

Esta é a interpretação pacífica e reiterada do Egrégio


Superior Tribunal de Justiça como se constata das ementas do precedente
de leading case de 1992 e do aresto mais recente de 2017, abaixo
transcritas:

“Processual Civil. Falsidade ideológica. Documento narrativo.


Apuração pela via incidental. Art. 390, CPC. Disciplina no CPP.
Recurso provido. - A falsidade ideológica, salvo nas hipóteses em que
o seu reconhecimento importe em desconstituição de situação jurídica,
pode ser arguida como incidente, máxime quando sua apuração
dependa unicamente da análise de prova documental.” (Resp. nº

115
Marinoni-Arenhart-Mitidiero, ob. cit., p. 387.
116
Ob. cit., pp. 513/4.

111
19.920/PR, 4ª T., rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j.
15.09.1993, DJ 25.10.1993)
................................................
“RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. INCIDENTE DE
FALSIDADE. NOTAS FISCAIS. FALSIDADE IDEOLÓGICA.
DOCUMENTOS NARRATIVOS. CABIMENTO. PRECEDENTES.
1. A instauração de incidente de falsidade é possível mesmo quando se
tratar de falsidade ideológica, mas desde que o documento seja
narrativo, isto é, que não contenha declaração de vontade, de modo
que o reconhecimento de sua falsidade não implique a desconstituição
de relação jurídica, quando será necessário o ajuizamento de ação
própria. 2. Recurso especial provido.” (REsp 1.637.099 / BA, 3ª T.,
rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 26.09.2017, DJe 02.10.2017)

Em conclusão, a falsidade documental poderá ser


suscitada quando o documento for materialmente falso, ou, quando
ideologicamente falso tratar-se de documento narrativo que não exige a
anulação do negócio jurídico que lhe rendeu a criação.

15.4.4.1. Impugnação de assinatura

O incidente de arguição de falsidade documental é


destinado à impugnação do documento como um todo. Quando o objetivo
da parte for o de impugnar sua assinatura, não se instaurará o incidente.

É importante destacar que impugnar assinatura significa


alegar a não autenticidade do documento.

112
Confirma-se, destarte, o raciocínio expendido sobre a
razão de se prever dois preceitos diferentes na lei. Com efeito, a mera
impugnação da assinatura está lastreada no inciso II, ao passo que a
arguição de falsidade documental se encontra fundamentada no inciso III,
ambos do art. 436, do CPC. Tirando a novidade do art. 436, do CPC, a
disciplina do tema não sofreu alteração.

Assim, no CPC/1973, cessava a fé do documento


particular desde que lhe fosse contestada a assinatura (art. 388, I117) e o
ônus da prova era daquele que produzira o documento (art. 389, II118).119

A diferença está na redação, anteriormente havia a


expressão “contestação da assinatura” que, agora, foi substituída por
“impugnação da autenticidade” (art. 428, I c.c. 429, II, do CPC).

Logo, basta à parte, contra quem foi produzido o


documento, impugnar sua autenticidade, para que cesse a fé do documento
particular (art. 428, I, do CPC), incumbindo o ônus da prova da
veracidade à parte que produziu o documento (art. 429, II, do CPC).

117
“Art. 388. Cessa a fé do documento particular quando: I - lhe for contestada a assinatura e enquanto
não se Ihe comprovar a veracidade.”
118
“Art. 389. Incumbe o ônus da prova quando: II - se tratar de contestação de assinatura, à parte que
produziu o documento.”
119
Araújo Cintra, ob. cit., pp. 113/4.

113
15.4.5. Ação autônoma

A falsidade documental pode ser objeto de uma ação


autônoma (art. 19, II, do CPC), de um incidente processual, ou ainda de
uma ação declaratória incidental, as duas últimas embasadas nos arts.
430, parágrafo único e 433, do CPC.

Com efeito, o art. 19, II, do CPC, prescreve que o autor


detém interesse processual para, meramente, obter a declaração da
autenticidade ou falsidade de um documento, in verbis:

“Art. 19. O interesse do autor pode limitar-se à declaração:


II - da autenticidade ou da falsidade de documento.”

O dispositivo reproduz integralmente a letra do art. 4º,


II, do CPC/1973, o qual, todavia, deve ser interpretado sistematicamente e
em harmonia com as novas regras do art. 436, do CPC. Deste modo, ao
autor pode interessar obter uma tutela declaratória da veracidade ou
falsidade de um documento, diferenciando-se assim a autenticidade da
veracidade como o oposto à falsidade.

Explicitando: não se trata somente de autenticidade, ou


seja, certeza da autoria. Ao autor interessa a declaração que o documento é
verdadeiro – e, portanto, autêntico, ou, falso, independentemente de ser
autêntico.120

120
Ver item 15.4.1.

114
15.4.6. Incidente processual ou ação declaratória incidental

A arguição de falsidade documental no âmbito de um


processo pendente pode se realizar de dois modos: (i) mediante um
incidente processual; ou, (ii) pelo exercício de ação declaratória incidental.

A situação é peculiar uma vez que o CPC/2015 procurou


extinguir o uso da ação declaratória incidental, capitulada no art.5º121 c.c.
art. 325122, ambos do CPC/1973. É a única exceção existente no Código,
admitindo a ação declaratória incidental.123

Com efeito, o art. 503, caput, do CPC, fixando o limite


objetivo da coisa julgada, preceitua que a decisão de mérito “tem força de
lei nos limites da questão principal expressamente decidida”. Deste modo,
as questões prévias preliminares e prejudiciais resolvidas na motivação da
decisão não fazem, de regra, coisa julgada material, de acordo com o art.
504, do CPC.

Alterando o regime jurídico anterior, o art. 503, §1º,


estabelece que a questão prejudicial estará acobertada pela coisa julgada,
de modo idêntico às questões principais, desde que: (i) decidida expressa e
incidentemente; e, (ii) de sua resolução depender o julgamento do mérito
(questão principal), (iii) sobre a questão tiver havido contraditório prévio e

121
“Art. 5º. Se, no curso do processo, se tornar litigiosa relação jurídica de cuja existência ou inexistência
depender o julgamento da lide, qualquer das partes poderá requerer que o juiz a declare por sentença.”
122
“Art. 325. Contestando o réu o direito que constitui fundamento do pedido, o autor poderá requerer, no
prazo de 10 (dez) dias, que sobre ele o juiz profira sentença incidente, se da declaração da existência ou
da inexistência do direito depender, no todo ou em parte, o julgamento da lide (art. 5 o).”
123
Neste sentido, Cassio Bueno, ob. cit., p. 426; Câmara, ob. cit., p. 249; Nery-Nery, Código [2015], p.
1213. Contra, Marinoni-Arenhart-Mitidiero, ob. cit., pp. 384/5.

115
efetivo, portanto, inaplicável em caso de revelia; e, (iv) o juízo não for
absolutamente incompetente para resolvê-la como questão principal.

Logo, é uma faculdade processual da parte que suscitar


a falsidade documental, requerer que esta seja resolvida como questão
incidental ou como questão principal, na forma do art. 430, parágrafo
único, do CPC. Como questão principal constará da parte dispositiva da
sentença e estará acobertada pela autoridade da coisa julgada (art. 433, do
CPC).

O CPC/2015 simplificou o procedimento, acabando com


questões tormentosas outrora existentes.

À luz do direito revogado, se o incidente fosse suscitado


antes da audiência, corria nos próprios autos principais; se depois, deveria
ser autuado em apartado (art. 393, do CPC/1973). Em virtude disso, havia
grave divergência doutrinária sobre a natureza da decisão sobre a falsidade
documental, assim resumida: a) decisão interlocutória, portanto, passível de
recurso de agravo124; b) sentença, logo, apelável125; e, c) se o incidente
fosse suscitado antes da audiência, a decisão estaria sujeita a recurso de
agravo; se depois, cabível seria a apelação.126 Por causa da grave
divergência doutrinária e jurisprudencial, dentro da mesma quadra
histórica, defendia-se a aplicação do principio da fungibilidade recursal.127

124
Teresa Arruda Alvim Wambier, Os agravos no CPC brasileiro, passim.
125
Greco, ob. cit., p. 214.
126
Nery-Nery, Código [1973], p. 870.
127
Nesse sentido, Arruda Alvim, ob. cit., p. 526, Marcos Vínicius Rios Gonçalves, ob. cit., p. 449.

116
Atualmente, a falsidade pode ser suscitada na
contestação, na réplica, ou, de forma geral, no prazo de 15 dias da
intimação da juntada do documento aos autos (art. 430, do CPC), sob pena
de preclusão. Preclusão é um fenômeno endoprocessual, de sorte que ao
interessado continuará aberta a alternativa de propor uma ação autônoma
para declaração da falsidade documental.

Em sua petição, deverá a parte expor os motivos em que


funda sua pretensão e os meios de prova que pretende provar o alegado
(art. 431, do CPC). Com efeito, incumbe o ônus da prova à parte que
arguir a falsidade documental (art. 429, I, do CPC). Este último preceito
rege a distribuição legal do ônus da prova, seguindo a máxima de que a
parte que faz uma alegação deve produzir a respectiva prova, não se
confundindo com norma de presunção legal ou de inversão de ônus da
prova.128

Ouvida a parte contrária no prazo de 15 dias, será


realizado exame pericial, o qual não será realizado se a parte que produziu
o documento concordar em retirá-lo (art. 432, do CPC). Cuida o preceito
de caso de prova legal.

Por último, cabe apontar que é cabível ação rescisória


quando a decisão de mérito se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido
apurada em processo criminal ou venha a ser demonstrada na própria ação
rescisória (art. 966, VI, do CPC). O cabimento da ação rescisória depende,
contudo, de que a conclusão da decisão rescindenda esteja fundamentada,
exclusivamente, no documento acoimado de falso. Se outro fundamento for

128
Ver item 6.2.1.2.

117
suficiente para a manutenção do resultado não será cabível a rescisória por
não ser eficiente para alterar a conclusão da decisão rescindenda.129

15.4.7. Direito Penal

O Código Penal Brasileiro, em sua Parte Especial,


destina o Capitulo III para a Falsidade Documental dentro do Título X –
Dos Crimes contra a Fé Pública.

Naquilo que tangencia o tema no campo do direito


privado, é relevante apontar os seguintes crimes: “Falsificação de
documento público” (art. 297, do CP)130; “Falsificação de documento
particular” (art. 298, do CP)131; “Falsidade ideológica” (art. 299, do
CP)132; e, “Falso reconhecimento de firma ou letra” (art. 300, do CP).133

129
Barbos Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 5, 11ª Ed., p. 133.
130
“Art. 297 - Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público
verdadeiro: Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa. § 1º - Se o agente é funcionário público, e
comete o crime prevalecendo-se do cargo, aumenta-se a pena de sexta parte. § 2º - Para os efeitos penais,
equiparam-se a documento público o emanado de entidade paraestatal, o título ao portador ou
transmissível por endosso, as ações de sociedade comercial, os livros mercantis e o testamento particular.
§ 3o Nas mesmas penas incorre quem insere ou faz inserir: I – na folha de pagamento ou em documento
de informações que seja destinado a fazer prova perante a previdência social, pessoa que não possua a
qualidade de segurado obrigatório; II – na Carteira de Trabalho e Previdência Social do empregado ou em
documento que deva produzir efeito perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que
deveria ter sido escrita; III – em documento contábil ou em qualquer outro documento relacionado com as
obrigações da empresa perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter
constado. § 4o Nas mesmas penas incorre quem omite, nos documentos mencionados no § 3 o, nome do
segurado e seus dados pessoais, a remuneração, a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de
serviços.”
131
“Art. 298 - Falsificar, no todo ou em parte, documento particular ou alterar documento particular
verdadeiro: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.”
132
“Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele
inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar
direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante: Pena - reclusão, de um a
cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, de quinhentos mil
réis a cinco contos de réis, se o documento é particular. Parágrafo único - Se o agente é funcionário
público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento
de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte.”

118
133
“Art. 300 - Reconhecer, como verdadeira, no exercício de função pública, firma ou letra que o não
seja. Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público; e de um a três anos, e multa,
se o documento é particular.”

119
15.5. Produção prova documental

O CPC determina que os documentos para prova dos


fatos alegados pelo autor devem ser acostados à petição inicial, enquanto, o
demandando deve juntar os documentos comprobatórios de suas alegações
na contestação (art. 434).

Ocorre que os Tribunais têm sido condescendentes


quanto à juntada de documentos a qualquer tempo, independentemente de
se tratar de fatos novos, que autorizam documentos novos (art. 435).

Contudo, é necessário entender que o juiz ou o Tribunal


devem apreciar o documento segundo o estado do processo, no momento
em que foram juntados, não podendo voltar atrás para rediscutir questões já
decididas.

Calcado nos princípios da instrumentalidade do processo


e da proporcionalidade e razoabilidade (art. 8º, do CPC), autoriza o art.
437, §2º, do CPC, que o juiz a requerimento da parte possa dilatar o prazo
para manifestação sobre prova documental considerando a quantidade e
complexidade da documentação juntada.

15.5.1. Documentos eletrônicos

O Código destinou uma seção para tratar dos


documentos eletrônicos. São três artigos que versam sobre a utilização e o
valor probante dos documentos eletrônicos utilizados em processo

120
convencional. A prática eletrônica de atos processuais vem disciplinada nos
arts. 193 a 199, do CPC.

Verifica-se, desde logo, que processo convencional tem


o sentido de processo cujo suporte físico é o papel e não arquivos ou
sistema eletrônico. Processo convencional contrapõe-se ao processo
eletrônico, este disciplinado, majoritariamente, pela Lei nº 11.419/2006, e
por vários artigos dispersos no CPC.

O art. 439, do CPC, estipula que a utilização de


documento eletrônico em processo convencional, depende de sua
conversão em forma impressa e a verificação da autenticidade, na forma
das regras legais, especialmente, do CPC, do Código Civil e da Lei do
Processo Eletrônico.

Considera-se como forma de identificação inequívoca


do signatário a assinatura eletrônica, mediante: a) assinatura digital
baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora
credenciada, na forma de lei específica; e, b) mediante cadastro de usuário
no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos (art.
1º, §2º, III, da Lei nº 11.419/2006).

A Medida Provisória nº 2.200-2/2001 criou a Infra-


Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil com o objetivo de
“garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos
em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas
que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações
eletrônicas seguras” (art. 1º).

121
Deste modo, o art. 10, §1º, da MP nº 2.200-2/2001,
estabece que “as declarações constantes dos documentos em forma
eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação
disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos
signatários”. Há inclusive referência à regra geral do atual dispositivo
contido no art. 219, do CC. Trata-se de presunção relativa que admite
prova em contrário.

Por outro lado, o art. 10, §2º, da MP nº 2.200-2/2001,


admite “outro meio de comprovação da autoria e integridade de
documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não
emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou
aceito pela pessoa a quem for oposto o documento”. A norma
compatibiliza-se com outras do CPC, como o art. 411, III, e o art. 422, este
relativo a reproduções mecânicas como fotográficas e fonográficas.

As reproduções de fotos ou outros elementos da internet


se impugnadas, devem ser autenticadas eletronicamente ou, em não sendo
possível, objeto de perícia (art. 422, §1º, do CPC).

Conforme o tipo de suporte físico, v.g., CD-ROM


pendrive e etc, é possível a degravação para a respectiva juntada em
processo físico.134

O elemento nevrálgico, insculpido na regra do art. 440,


do CPC, consiste na necessária observância do princípio do devido
processo legal e nos seus consectários do contraditório e ampla defesa. A

134
João Paulo Hecker da Silva, ob. cit., p. 709.

122
parte contrária a que produziu um documento eletrônico deve dispor de
meios para conhecê-lo, examiná-lo, e confrontar sua autentiticade e
veracidade.135

O art. 441, do CPC prescreve que os documentos


convertidos em versão impressa para utilização em processo convencional
(suporte físico de papel) devem ter origem em documentos eletrônicos
produzidos e conservados, na forma da lei, de modo a remeter aos arts. 11 e
12, da Lei nº 11.419/2006, que estipula serem considerados originais
aqueles que tiverem assegurada sua origem e signatário, como apontado
acima. Vale como exemplo, apontado por Alexandre Freitas Câmara, o
título de crédito emitido “a partir dos caracteres criados em computador ou
meio técnico equivalente”, na forma do art. 889, §3º, do CC.136

135
Idem, ibidem, p. 710.
136
Ob. cit., p. 251.

123
16. Exibição de documento ou coisa

16.1. Generalidades

O estudo da exibição de documento ou coisa sempre foi


considerado impregnado de controvérsias sobre interessantes problemas de
direito probatório.137 É possível que isto decorra do fato de que o
regramento legal, tanto no regime anterior, quanto no atual, empregue um
singelo artigo para descrever o instituto e todos os demais dispositivos
estejam voltados ao seu procedimento.

O art. 396, do CPC, reproduzindo literalmente o


disposto no art. 355, do CPC/1973, dispõe:

“Art. 396. O juiz pode ordenar que a parte exiba documento ou coisa
que se encontre em seu poder.”

Outro fator indicativo da problemática envolve o


aspecto de que o direito brasileiro ficou a meio caminho entre os
ordenamentos português e italiano.

Topograficamente o CPC parece ter se espelhado no


regramento italiano. Na Itália, a matéria está disciplinada em apenas dois
artigos (210 e 211), sob o “§3º. Dell´esibizione delle prove” dentro da
Seção III - Da Instrução Probatória”.138

137
Amaral Santos, ob. cit., p. 431.
138
A doutrina italiana confere uma noção muito ampla a documento e coisa, abrangendo aquilo que
comporta ser apresentado em juízo, cf. A. Cairo et alii, Codice di Procedura Civile Operativo, Ed.
Simone, 2016, p. 639.

124
Semelhantemente, o arranjo brasileiro prevê dentro do
Capítulo XII – Das Provas, uma seção para a exibição de documento ou
coisa (Seção VI), e outra distinta para a prova documental (Seção VII).

De outra forma, em Portugal a exibição está inserida


dentro da seção que trata da prova documental (“Seção II – Prova por
documentos” do “Capítulo III – Da Instrução do Processo”).

Ocorre que sob a ótica do procedimento, a exibição de


documento ou coisa no Brasil parece ter-se abeberado do direito português
(arts. 429 a 434, do CPC/2013-Portugal).

Cabe destacar, ainda, que o CPC português regula em


separado a apresentação em juízo de coisa móvel ou imóvel com fins de
produção de prova (art. 416, que se localiza nas disposições gerais do
Capítulo III – Da Instrução do Processo). Se a coisa móvel puder ser
colocada à disposição do juízo, sem inconveniente, será depositada junto à
secretaria, caso contrário, e em se tratando de coisa imóvel, será a parte
contrária intimada para que possa ir examinar e fotografar a coisa.139

A nosso juízo seria mais harmônico sistematicamente


alocar a exibição de documento ou coisa dentro da seção da prova
documental por meio de uma subseção. No mais das vezes, o que a parte
pretende é a exibição de um documento e não de coisa.

A circunstância de que pela exibição de documento ou


coisa a parte vise obter uma conduta da parte contrária – a exibição – para

139
Jorge Augusto Pais de Amaral, Direito processual civil, Almedina, 2001, p. 215.

125
assim provar um fato, ao passo que a prova documental é destinada a
regência da produção da prova pela parte interessada em demonstrar um
dado fato, não nos parece ter relevância suficiente para destacar o tema
como uma diferente espécie de prova.

Em que pese o fato de ser mais comum na práxis o


pedido de exibição de documento, temos que ter em mente que o art. 396,
do CPC, autoriza o juiz a determinar, de ofício, a exibição (como o faz,
genericamente, o art. 370), a qual, contudo, não há de ser confundida com a
inspeção judicial.140 Tal situação não impede que a exibição seja de coisa
móvel ou imóvel.

Novamente, o CPC português traz lições que ajudam na


aplicação do direito brasileiro. Como vimos, o imóvel poderá ser
examinado pelo requerente, inclusive para fotografá-lo. Se, todavia, o juiz
pretender vistoriar pessoalmente o imóvel nada impede-o de o fazer. O art.
416, nº 3, do CPC de Portugal é expresso no sentido que a exibição de
coisa não afeta a possibilidade de prova pericial ou a inspeção judicial.
Vale conferir a íntegra do dispositivo estrangeiro:

“Artigo 416.º - Apresentação de coisas móveis ou imóveis.


1 - Quando a parte pretenda utilizar, como meio de prova, uma coisa
móvel que possa, sem inconveniente, ser posta à disposição do
tribunal, entrega-a na secretaria dentro do prazo fixado para a
apresentação de documentos; a parte contrária pode examinar a coisa
na secretaria e colher a fotografia dela.
2 - Se a parte pretender utilizar imóveis, ou móveis que não possam
ser depositados na secretaria, fará notificar a parte contrária para

140
Ver item 19.

126
exercer as faculdades a que se refere o número anterior, devendo a
notificação ser requerida dentro do prazo em que pode ser oferecido o
rol de testemunhas.
3 - A prova por apresentação das coisas não afeta a possibilidade de
prova pericial ou por inspeção em relação a elas.”

Logo, parece válido aceitar que a exibição de coisa


recaia sobre bens móveis ou imóveis, e, que esta não impede a produção de
outros meios de prova, como a perícia ou a inspeção judicial, ambas
disciplinadas no direito brasileiro. Compete acrescentar que a perícia pode,
igualmente, recair sobre documento que já tenha sido objeto de exibição,
não sendo demais destacar que é uma prova técnica, portanto, realizada por
alguém que detém conhecimento técnico.141

16.2. CPC/1973

Sob a égide do CPC/1973 a doutrina divisava, no


tocante à exibição de documento ou coisa, exemplo de ações concorrentes
no sentido de o sistema disponibilizar mais de uma ação visando à tutela da
mesma pretensão. Entretanto, eleita uma via, não se admite o exercício de
outra.

Assim, reconhecia-se três hipóteses de ações com a


finalidade de obter a exibição de um documento ou de uma coisa.142 Uma
ação autônoma principal, mediante a qual exauria-se o interesse material
do demandante; uma ação cautelar preparatória, na forma dos arts. 844 e

141
Ver item 18.1.
142
Nesse sentido, Greco, ob. cit., 2º v, p. 207; Abelha Rodrigues, ob. cit., 368.

127
845, do CPC/1973143; e, a ação de exibição, mediante processo incidental
na fase probatória do processo. Parcela da doutrina defendia existir o
exercício do direito de ação e, por conseguinte, a formação de um processo
incidental, recusando-lhe natureza de incidente processual.144

Dentro desta perspectiva, Moacyr Amaral Santos


agrupava a exibição em dois grupos: (i) ações autônomas, e, (ii) ações com
finalidade probatória (exibição incidental – arts. 355 a 366, e, ação
cautelar – arts. 844 e 845, todos do CPC/1973).145

A nova teleologia da produção antecipada de prova e o


direito autônomo de prova trazem, contudo, outros contornos à exibição de
documento ou coisa.146

16.3. CPC/2015

Há que se reconhecer que a exibição, no direito atual,


pode ter a finalidade de: (i) um direito autônomo de prova, a propiciar o
conhecimento ou o exame da coisa ou do documento; ou, (ii) ter
característica probatória de um fato.

143
Arruda Alvim apontava que a ação dos arts. 844/845, do CPC, não precisaria necessariamente ser
cautelar, ob. cit., p. 528. Parece-nos que seria, então, a hipótese da ação autônoma, que deveria seguir o
procedimento comum.
144
Assim, expressamente, Theodoro Jr., ob. cit., p. 400; Amaral Santos, p. 433.
145
Moacyr Amaral Santos: “A exibição de coisa, ou documento, pode ter por finalidade: a) a
apresentação de coisa corpórea necessária para o exercício dos direitos relativos à própria coisa, como
quando alguém pede a exibição de várias coisas, em poder de outrem, a fim de conhecer suas qualidades e
habilitar-se para o exercício do direito de escolha que porventura tenha: b) a apresentação de coisa
corpórea, ou documento, com finalidade probatória.” (destaques no original, ob. cit., p. 434).
146
Ver item 8.3.

128
O ponto que nosso raciocínio se distingue da
classificação de Amaral Santos refere-se à possibilidade de, mesmo na
pendência de uma ação, a parte ter o direito à exibição somente para
verificação do documento ou da coisa, sem que necessariamente seu
requerimento vise à prova de um fato.

Esta é a chave de abóboda, segundo nos parece, da


dogmática criada pelo CPC vigente e a inteligência da produção antecipada
de prova, da exibição de documento ou coisa, e do direito autônomo de
prova, o qual se satisfaz com a mera obtenção da prova – perícia; oitiva de
testemunha; exibição de documento; e, etc – sem que necessariamente deva
ser empregada como meio de produzir a prova.

A admissão destas premissas conduz à uma


interpretação sistemática que não exime de crítica a redação de alguns
dispositivos do CPC/2015, notadamente, quanto ao procedimento da
exibição de documento ou coisa.

16.3.1. Direito autônomo

Exibir tem origem no latim “exhibere”, segundo os


léxicos, e significa mostrar, apresentar, expor.147 Segundo definição de
Ulpiano, citada por Theodoro Jr., exibir “é trazer a público, submeter à
faculdade de ver e tocar (est in publicum producere et vivendi tangendique
hominis facultatem praebere).”148

147
Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, Nova Fronteira, 2ª Ed., verbete exibir, p. 740.
148
Ob. cit., p. 658.

129
A exibição de coisa ou documento está, na sistemática
atual do CPC, abrangida pela possibilidade do exercício do direito de
prova, direito de obtenção de prova, ou, direito autônomo de conhecer e
examinar um documento ou coisa.

Aquele que demonstrar interesse processual, lastreado


nos fundamentos legais previstos para a produção antecipada de prova,
poderá demandar a exibição do documento ou coisa, quer apenas para vê-la
ou examiná-la, quer para obter prova a ser, eventualmente, produzida em
outra esfera – judicial ou extrajudicial.149 Neste sentido o Enunciado nº 129
da II Jornada de Direito Processual Civil do Conselho da Justiça Federal:

“Enunciado 129 – É admitida a exibição de documento como objeto


de produção antecipada de prova, nos termos do art. 381, do CPC”.

Frise-se, uma vez mais, que “produzir” tem aqui o


sentido de apresentar em juízo e permitir ao juiz reconhecer, ou não, a
verdade das alegações de fato e suas consequências jurídicas para o
deslinde da demanda (a contrario sensu do preceito do §2º, do art. 382, do
CPC).

Como vimos anteriormente, vale como exemplo, a


hipótese em que a lei expressamente prevê a possibilidade de uma parte
requerer a exibição integral de livro comercial, com o objetivo exclusivo de
examiná-los, sem que, necessariamente, pretenda produzir prova de fato, a
partir da exibição (art. 1.191, §1º, do CC).150

149
Sobre os diferentes fundamentos da produção antecipada de provas, ver item 8.3.2.3.
150
Ver item 15.3.5

130
Os requisitos para o requerimento, a natureza do
procedimento e a eficácia da decisão serão analisadas nos tópicos
seguintes.

16.3.2. Urgência na exibição

O CPC/1973 regulava o pedido de exibição de


documento ou coisa, fundado em urgência da tutela jurisdicional, por meio
do procedimento cautelar específico “Da Exibição”. O art. 844 descrevia as
hipóteses de cabimento, a saber: I - de coisa móvel em poder de outrem e
que o requerente repute sua ou tenha interesse em conhecer; II - de
documento próprio ou comum, em poder de co-interessado, sócio,
condômino, credor ou devedor; ou em poder de terceiro que o tenha em sua
guarda, como inventariante, testamenteiro, depositário ou administrador de
bens alheios; e, III - da escrituração comercial por inteiro, balanços e
documentos de arquivo, nos casos expressos em lei.

Por seu turno, o art. 845 determinava que se aplicasse ao


processo cautelar de exibição, o procedimento previsto no incidente de
exibição, desde que compatível e, em especial, as normas dos arts. 355 a
363, e 381 e 382.

Ocorre que, ao tratar da produção antecipada de prova


no CPC/2015, apontamos que o legislador criou cinco hipóteses para
fundamentar essa pretensão sem exigir que o interesse processual fosse
cautelar. Há um direito de prova, autônomo, que não é assecuratório de
outro direito material.

131
Esta situação é patente no tocante ao arrolamento
quando tiver por objetivo apenas a documentação dos bens e não a
apreensão dos bens (art. 381, §1º, do CPC). O arrolamento com a
finalidade de apreender bens para resguardar o resultado útil de outro
processo é cautelar (art. 301, do CPC). A invasão da esfera jurídica do
demandado é que dá o tom da diferença entre ambos. Lembre-se que no
CPC/1973, o arrolamento cautelar impunha a nomeação de depósitário
para os bens (art. 858).

A exibição de documento ou de coisa não se reveste, a


nosso juízo, de uma invasão da esfera jurídica do requerido, posto que não
há constrição de seus bens, tampouco a restrição de seus direitos.

Enfatizamos que a urgência que justifica a produção


antecipada de prova, e, aqui a prova do fato decorre da exibição do
documento ou da coisa, não reflete uma tutela provisória cautelar.151
Inexiste no CPC/2015, portanto, uma ação cautelar de exibição, cujo
procedimento seria o dos arts. 305 a 310, do CPC.

Isso significa que a exibição de documento ou coisa,


quando requerida sob a égide da urgência, não será processada segundo o
procedimento cautelar. Igualmente, não deverá seguir o procedimento
comum, que deve ser utilizado nos demais casos de produção antecipada de
prova. Isto porque, para a exibição há um procedimento especial em
relação ao procedimento comum do CPC.

151
Ver item 8.3.2.3, letra (a).

132
De tal sorte, concordamos com as conclusões da II
Jornada de Direito Processual do Conselho da Justiça Federal no que tange
à possibilidade de ação autônoma de exibição de documento ou coisa,
fundamentada nas hipóteses do art. 381, do CPC (“produção antecipada de
prova” – Enunciado nº 129). Todavia, discordamos quanto ao
procedimento: entendemos que sempre será adotado o procedimento
especial, exatamente, porque há disposição em contrário no CPC para
afastar o procedimento ordinário, conforme a regra do art. 318, do CPC.152

O Superior Tribunal de Justiça já pacificou a


divergência jurisprudencial sobre o direito à pretensão autônoma de
exibição de documento153, reconhecendo-a no sistema processual vigente,
bem como, a aplicação do procedimento e eficácia da decisão consoante os
arts. 396 e seguintes, do CPC.

Nada obstante tal fato, o STJ reconhece também o


emprego do procedimento comum, sendo que a sua adoção, ao que resulta
da análise da ementa abaixo reproduzida com a expressão “ou até mesmo
pelo procedimento comum”, deve ser considerada subsidiária e
excepcional:

152
Diversamente, quanto à adoção do procedimento especial, o Enunciado nº 119, da II Jornada de
Direito Processual do Conselho da Justiça Federal: “É admissível o ajuizamento de aão de exibição
autônoma, inclusive pelo procedimento comum do CPC (art. 318 e seguintes).”
153
Antes da fixação de entendimento pelo Superior Tribunal de Justiça, por exemplo: “TUTELA
CAUTELAR EM CARÁTER ANTECEDENTE. Julgamento como ação de exibição de documentos.
Procedência. Ação de exibição de documentos. Autonomia não contemplada na nova sistemática
processual. Possibilidade apenas de ajuizamento de ação de produção antecipada de provas, tutela
cautelar antecedente, com posterior aditamento, ou pedido incidental em ação de conhecimento. Pleito da
parte autora que visa tão somente a compelir a ré a lhe apresentar os documentos que lhe possibilitem
verificar a existência de eventuais cláusulas ilegais. Inexistência de emenda da petição inicial para
adequação da tutela pretendida à nova sistemática processual que implica a extinção do processo, sem
exame do mérito, com atribuição das verbas sucumbenciais à parte postulante. Sentença modificada.
Extinção do processo. RECURSO PROVIDO.” (TJSP. Apelação Cível nº 1018040-77.2018.8.26.0003,
23ª Cam. Dir. Priv., v.u, rel. Des. Sebastião Flávio, j. 26/03/2019, registro nº 2019.0000218506)

133
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO
ESPECIAL. AÇÃO DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS.
PRETENSÃO DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. CPC/2015.
POSSIBILIDADE. INTERESSE E ADEQUAÇÃO. HARMONIA
ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DO
STJ.
1. Ação de produção antecipada de provas para exibição de
documentos.
2. Admite-se o ajuizamento de ação autônoma para a exibição de
documento, com base nos arts. 381 e 396 e seguintes do CPC, ou até
mesmo pelo procedimento comum, previsto nos arts. 318 e seguintes
do CPC, ou seja, o cabimento da ação de exibição de documentos não
impede o ajuizamento de ação de produção de antecipação de provas.
Precedentes.
3. Agravo interno no recurso especial não provido.” (destacamos)
(AgInt nos EDcl no Resp nº 1867001 - CE (2020/0063491-0), 3ª T.,
v.u., rel. Min. Nancy Andrighi, sessão virtual de 04/08/2020 a
10/08/2020)

Em conclusão, a exibição de documento ou coisa,


requerida incidentalmente em processo pendente, ou, mediante o exercício
de ação fundada em urgência, adotará as regras dos arts. 397 a 404 quanto
ao procedimento, e também quanto à eficácia da decisão.

16.3.3. Dever de exibição e suas escusas

O direito à exibição pode estar fundamentado em


alguma norma de direito material, por exemplo, a propriedade comum do

134
documento ou da coisa, ou, no dever geral de colaborar com a Justiça no
descobrimento da verdade, de acordo com o art. 379, do CPC.154

Em que pese existir norma explícita somente em relação


a terceiros (art. 380, II, do CPC), o dever de exibir é consequência do
dever de colaborar com a Justiça, retratando um desdobramento dos
princípios da boa-fé processual (art. 5º, do CPC) e da cooperação
processual (art. 6º, do CPC), aplicados a todos que, de qualquer forma,
participam do processo.155

A nova redação do caput do art. 379, do CPC, tem


provocado controvérsias na doutrina sobre se o direito de não produzir
prova contra si pode ser empregado com o objetivo da parte, ou do terceiro,
de recusar-se a exibir documento ou coisa em juízo.156

Em primeiro lugar, incumbe localizar em que província


situa-se o denominado princípio da não auto-incriminação. O art. 5º, inciso
LXIII, da Constituição Federal, trata do tema dentro das garantias
fundamentais do preso, in verbis:

“Art. 5º. (omissis).


LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de
permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de
advogado.”

154
Ver item 10.
155
Na ordem citada no texto: CPC - “Art. 380. Incumbe ao terceiro, em relação a qualquer causa: II -
exibir coisa ou documento que esteja em seu poder.” “Art. 5º. Aquele que de qualquer forma participa do
processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.” “Art. 6º. Todos os sujeitos do processo devem
cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.”
156
“Art. 379. Preservado o direito de não produzir prova contra si própria, incumbe à parte: (omissis).”

135
Em acréscimo, o princípio exsurge no Código de
Processo Penal quando do interrogatório judicial do acusado, como
retratado abaixo:

“Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro


teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar
o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não
responder perguntas que lhe forem formuladas. Parágrafo único. O
silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado
em prejuízo da defesa.”

O princípio nemo tenetur se detegere deita raízes no


direito romano, mas nas sociedades contemporâneas costuma-se apontar
sua origem na Constituição dos Estados Unidos157, cuja “Bill of Rights”,
datada de 15 de dezembro de 1791, mais especificamente, a Emenda
Constitucional nº V, assegura que:

“No person shall be (…) compelled in any criminal case to be a


witness, against himself (…)”158

A escusa de exibir documento ou coisa em juízo está


ligada, tanto aqui como alhures, ao campo do direito penal, preservando o
sujeito de produzir prova contra si, que ofereça risco da propositura de uma
ação penal. Esta é a interpretação adotada em núcleos de estudos de direiro

157
Vitor de Paula Ramos, Código de processo civil anotado (coord. José Rogério Cruz e Tucci),
AASP/OAB/PR, pp. 612/3; Marinoni-Arenhart-Mitidiero, ob. cit., pp. 348/9.
158
Traduçao livre: “Nenhuma pessoa será compelida, em qualquer ação penal, a testemunhar contra si
mesma”.

136
processual, como se verifica dos enunciados aprovados e a seguir
reproduzidos:

“Enunciado 51 - (art. 378; art. 379) A compatibilização do disposto


nestes dispositivos com o art. 5º, LXIII, da CF/1988, assegura à parte,
exclusivamente, o direito de não produzir prova contra si em razão de
reflexos no ambiente penal.” (Forum Permanente de Processualistas
Civis - FPPC)

.....................................................

“Enunciado nº 31 – A compatibilização do disposto nos arts. 378 e


379 do CPC com o art. 5º, LXIII, da CF/1988, assegura à parte,
exclusivamente, o direito de não produzir prova contra si quando
houver reflexos no ambiente penal.” (I Jornada de Direito Processual
Civil – Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal).

O art. 379, do CPC, há de ser interpretado,


sistematicamente, com o art. 404, III, do CPC, conduzindo à uma
conclusão inexorável de que a justificativa para não exibir o documento ou
a coisa é lícita somente para evitar o risco da propositura de uma ação
penal.

Importa, destarte, verificar em quais outras hipóteses o


art. 404, do CPC exime o requerido de exibir, em juízo, o documento ou a
coisa.

137
As regras estão, em certa medida, relacionadas a outros
meios de prova, como os depoimentos das partes e as oitivas de
testemunhas, e são fundamentadas na garantia constitucional de proteção à
intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas (art. 5º, inciso
X, da Constituição Federal).

(a) concernente a negócios da própria vida da família (inciso I)

O preceito visa proteger a intimidade e a vida privada da


pessoa e de sua família com esteio no art. 5º, X, da CF. A escusa cede
espaço exatamente em casos concernentes à vida da família, na forma dos
arts. 388, parágrafo único159, e, 447, §2º, inciso I160, ambos do CPC.
Situações em que somente com a exibição logra-se provar fato essencial em
ações de estado, deve o juiz afastar a aplicação da norma.161

Com muita precisão técnica, o CPC disciplinou o


procedimento especial de ações que versem sobre “divórcio, separação,
reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação”,
em conjunto, denominando-as “ações de família” (arts. 693 a 699 –
Capítulo X, Título III, Livro I, Parte Especial do Código de Processo
Civil).

159
“Art. 388. A parte não é obrigada a depor sobre fatos: (omissis). Parágrafo único. Esta disposição não
se aplica às ações de estado e de família.”
160
“Art. 447. Podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as incapazes, impedidas ou
suspeitas. (omissis). § 2º São impedidos: I - o cônjuge, o companheiro, o ascendente e o descendente em
qualquer grau e o colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes, por consanguinidade ou afinidade,
salvo se o exigir o interesse público ou, tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa, não se puder
obter de outro modo a prova que o juiz repute necessária ao julgamento do mérito.”
161
Marcos André Franco Montoro, Código de processo civil anotado (coord. José Rogério Cruz e Tucci),
AASP/OAB/PR, p. 663.

138
Estas são ações de estado, especificamente,
concernentes ao estado familiar. Daí a correição técnica do CPC ao falar
em ações de família.

Estado da pessoa, contudo, apresenta-se sob uma tripla


perspectiva: individual, familiar e político, como detalhado no item “d”
abaixo.

No particular da regra relativa ao depoimento pessoal da


parte, bastava ao parágrafo único do art. 388, falar em ações de estado, de
modo a abranger quaisquer dos três status da pessoa, inclusive o familiar,
que é apenas, repise-se, um ângulo de identificação da pessoa dentro da
sociedade. Veja-se que em relação à testemunha o art. 447, §2º, I, refere-se
apenas em “causa relativa ao estado da pessoa”.

Esses atributos que identificam e qualificam a pessoa, o


seu estado, correspondem a direitos personalíssimos, irrenunciáveis,
inalienáveis e não caducáveis. Daí costumar-se afirmar que as chamadas
“ações de estado” são personalíssimas e imprescritíveis. Todavia, os
atributos são do direito do estado da pessoa.

(b) sua apresentação puder violar dever de honra (inciso II)

A norma do inciso II, do art. 404, do CPC completa o


preceito do inciso I, estando também embasada na garantia constitucional
do art. 5º, inciso X. As observações feitas no item anterior também são
válidas aqui.

139
A prescrição normativa é direcionada ao requerido na
exibição. O requerido tem um dever de honra em relação à outra pessoa
(física ou até jurídica), e por isso, está legalmente autorizado a não exibir a
coisa ou documento, em juízo.

“Dever de honra” é o de enaltecer, engrandecer, dar


merecimento a alguém. Assim, pelo preceito legal, o requerido tem esse
dever em relação a outrem. Se não o cumpre, estará, por antonímia,
devalorizando, desacreditando, apequenando o outro, em suma, violando
dever de honra.

Parece significativo que o inciso II e o inciso III, do


artigo, no tocante à honra, estão em grande medida um imbricado no outro.
Isto porque, o inciso III, trata de escusa para evitar “desonra”, ou seja,
violação do dever de honra.

É certo que “honra” é conceito vago que deverá ser


valorado no caso concreto. Faz-se necessário ao requerido demonstrar e
convencer o juiz de que há “honra” a ser protegida.

Constata-se que a norma sob análise é, a um só tempo,


mais ampla e mais estreita do que a do inciso III, do art. 404. Mais ampla
porque não restringe o dever de honra aos parentes do requerido; mais
estreita porque não inclui o próprio requerido.

Procurando obter o maior proveito para ambos os


dispositivos, temos que a escusa legal, neste inciso, diz respeito a qualquer
pessoa distinta do requerido. Quando a apresentação do documento ou da

140
coisa puder implicar em desonra do terceiro (parente ou não do requerido),
o juiz deve vedar a exibição.

(c) sua publicidade redundar em desonra à parte ou ao terceiro, bem


como a seus parentes consanguíneos ou afins até o terceiro grau, ou lhes
representar perigo de ação penal (inciso III).

Em consonância com o raciocínio expendido, verifica-se


que a proteção da honra, neste inciso III, alcança apenas o requerido
(tratado no preceito como “parte” ou “terceiro”). Quaisquer outros terceiros
estão albergados pela norma do inciso II.

Entretanto, o inciso III, consigna outra escusa legal à


exibição: “perigo de ação penal”.

Aqui o legislador protege o requerido e seus parentes,


explicitando quais são. A norma retrata o princípio da não auto-
incriminação, estudado acima.

Em vista disso, questiona-se qual é a situação do


cônjuge ou companheiro. Como é sabido, cônjuges ou companheiros não
são parentes entre si, de modo ser necessária uma interpretação lógica e
sistemática para deslinde da pergunta.

O legislador ao regulamentar o depoimento pessoal e a


oitiva de testemunhas enfrentou explicitamente a questão.

141
Com efeito, quanto ao depoimento pessoal, estipula o
art. 388, inciso III, do CPC:

“Art. 388. A parte não é obrigada a depor sobre fatos:


III - acerca dos quais não possa responder sem desonra própria, de seu
cônjuge, de seu companheiro ou de parente em grau sucessível.”

Por seu turno, há dispensa da oitiva de testemunha,


segundo o art. 448, inciso I, do CPC, nos seguintes casos:

“Art. 448. A testemunha não é obrigada a depor sobre fatos:


I - que lhe acarretem grave dano, bem como ao seu cônjuge ou
companheiro e aos seus parentes consanguíneos ou afins, em linha
reta ou colateral, até o terceiro grau.”

O parentesco, consoante o art. 1.593, do Código Civil, é


natural ou civil, considerando resulte de consagüinidade ou outra origem.

Da conjugação dos arts. 1.591 e 1.592, do CC, temos


que consaguíneo é o parentesco existente entre pessoas ligadas umas às
outras em linha reta, ascendente ou descendente, de modo infínito, e em
linha colateral (ou transversal), até o quarto grau, em relação ao
ascendente comum, sem descenderem umas das outras.

142
De outro turno, o parentesco por afinididade se dá
quando um cônjuge ou companheiro se alia aos parentes do outro (art.
1.595, do CC).

Por último, e em atenção ao preceituado no art. 1.593,


do CC, a adoção constitui, junto com a afinidade, modalidade de
parentesco civil.

Analisadas as normas sobre parentesco e sobre escusas


em outros meios de provas, importa, em primeiro lugar, apontar que a
interpretação não pode levar ao absurdo. Logo, ao se referir a parentes
consanguíneos e afins, considera o art. 404, III, do CPC, a possibilidade
do casamento ou união estável do requerido. Por conclusão, a escusa que
visa a evitar o “perigo de ação penal” deve ser aplicada, ao cônjuge ou
companheiro do requerido, por interpretação analógica, em virtude da
omissão da lei.

E quanto ao parentesco, qual é o limite legal para


aceitação da escusa? É o terceiro grau. Portanto, por consanguinidade, na
linha reta, inclui: (i) pais-filhos, (ii) avós-netos, e, (iii) bisavós-bisnetos; na
colateral: (i) irmãos, e, (ii) tios-sobrinhos. O parentesco civil por adoção
segue as mesmas regras. Já o parentesco por afinidade, é ilimitado na linha
reta, todavia, na linha colateral, alcança apenas o segundo grau - os
cunhados, que são os irmãos dos cônjuges ou companheiros (art. 1.595,
§1º, do CC).

143
(d) sua exibição acarretar a divulgação de fatos a cujo respeito, por
estado ou profissão, devam guardar segredo (inciso IV)

Primeiramente devemos apontar que não há diferença


entre as palavras segredo (redação do texto em análise) e sigilo (arts. 388,
II, e 448, II, do CPC).

Iniciemos pelo dever de sigilo, derivado do estado da


pessoa.

A vital importância do estado da pessoa, no seio da


sociedade, remonta ao direito romano que reconhecia três status: o de
liberdade (libertatis), o de cidadania (civitatis) e o familiar (familiae).162

A qualificação que a pessoa é individualizada na


sociedade moderna é encarada, também, sob uma tripla dimensão: (i)
estado individual; (ii) estado familiar; e, (iii) estado político.163

As três dimensões são regidas por normas de ordem


pública, as quais circunscrevem o modo do exercício de seus direitos-
deveres, não admitindo modificações por vontade das partes.164 Daí o
estado da pessoa ser reconhecido como indisponível, irrenunciável,
inalienável e imprescritível.165

162
Silvio de Salvo Venosa, Direito Civil – Parte Geral, Atlas: 2002, p. 193.
163
Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil Brasileiro – 1. Teoria geral do direito civil, Saraiva: 2008,
pp. 214/5.
164
Ver comentários sobre “ações de estado” na letra (a).
165
Venosa, ob. cit., pp. 194/5; Diniz, ob. cit., p. 216.

144
O estado individual abrange: (i) idade (maior ou menor);
(ii) sexo (feminino ou masculino); e, (iii) saúde mental e física (plena
capacidade civil, ou, incapacidade absoluta ou, relativa para certos atos da
vida civil).

O estado familiar é encarado sob dupla perspectiva: (i)


do casamento ou união estável (solteiro, casado, divorciado, separado ou
víuvo); e, (ii) do parentesco (em suas múltiplas relações e naturezas, como
discorremos no item anterior).

O estado político representa a posição da pessoa no


campo da política e cidadania brasileiras, podendo ser: (i) nacional (nato ou
naturalizado); ou, (ii) estrangeiro.166

Constata-se que a escusa fundada no dever de segredo,


em razão do estado da pessoa, pode, em certas situações, sobrepor-se
aquela baseada “nos negócios da própria vida da família”.

Em conclusão, se em face do status da pessoa surgir o


dever de segredo sobre um fato, que seria revelado pela exibição do
documento ou coisa, haverá a dispensa legal para sua apresentação.

Em acréscimo, a norma contempla o sigilo profissional,


o qual, no mais das vezes, está inserido em normas legais ou infralegais ou
códigos de ética profissional. São os casos típicos de advogados, médicos,
psicólogos, sacerdotes, e etc.

166
Deve ser notado que a Emenda Constitucional de Revisão nº 03, de 1994, alterou o inciso II, do §4º,
do art. 12, da CF, explicitando hipóteses de “dupla nacionalidade”.

145
Comumente tais normas prevêem a possibilidade do
levantamento do sigilo por aquele que lhe aproveita, como do paciente em
relação a seu médico. O próprio Código Penal, ao capitular o crime de
violação do segredo profissional, ressalva a possibilidade de existir justa
causa, a autorizar a revelação do fato, descaracterizando o fato típico, como
vemos abaixo:

“Violação do segredo profissional.


Art. 154 - Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem
ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja
revelação possa produzir dano a outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa de um conto a
dez contos de réis.
Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.”

(e) norma de encerramento (incisos V e VI)

Após descrever situações específicas para autorizar a


não exibição de documento ou coisa em juízo, o artigo generaliza hipóteses
de escusa, em dois incisos, abaixo reproduzidos:

“Art. 404. A parte e o terceiro se escusam de exibir, em juízo, o


documento ou a coisa se: (omissis).
V - subsistirem outros motivos graves que, segundo o prudente
arbítrio do juiz, justifiquem a recusa da exibição;
VI - houver disposição legal que justifique a recusa da exibição.”

146
O legislador reconhece que a casuística fática é ampla
para, “segundo o prudente arbítrio do juiz”, autorizar escusa em face de
“outros motivos graves”, demonstrados no caso concreto. O adjetivo não
deixa dúvidas: o motivo deve ser grave, não basta um mero desconforto,
uma leve importunação ou um pequeno constrangimento.

Além disso, havendo previsão legal, o juiz deverá


permitir a não exibição. Assim, por exemplo, o pedido de exibição integral
de livros, fora das hipóteses previstas no art. 1.191, do Código Civil.

Por último, mesmo diante das escusas legais dos incisos


I a VI, se for possível a exibição de parte do documento, desta será extraída
cópia e lavrado auto circunstanciado dos atos processuais praticados (art.
404, parágrafo único, do CPC).

16.3.4. Procedimento

O direito autônomo de prova propicia a pretensão ao


conhecimento do documento ou da coisa, independentemente de futura
demanda. Logo, há um interesse processual tanto pela exibição para
demonstração de um fato na pendência de uma demanda judicial – ou até
antes dela - como para conhecimento do documento ou coisa que pode não
consubstanciar um fato relevante para a resolução da controvérsia.167

A constatação dessa dualidade de interesses processuais


à exibição de documento ou coisa implicou na alteração da eficácia da
decisão judicial prevista no art. 359, do CPC/1973, em relação ao teor do

167
Admitindo poder adotar ambas as feições, Cassio Bueno, ob. cit., p. 419. Reconhecendo apenas mero
mecanismo de obtenção de elementos de prova, Marinoni-Arenhart-Mitidiero, ob. cit., p. 346.

147
art. 400, paragrafo único, do CPC, ponto que surge como diferencial na
disciplina dos procedimentos entre os dois diplomas codificados.

Neste particular, o art. 400, p. único, do CPC é


incompatível com o enunciado nº 372, da Súmula de Jurisprudência
Predominante do Superior Tribunal de Justiça, a qual carece de revogação,
in verbis: “Súmula nº 372. Na ação de exibição de documentos, não cabe a
aplicação de multa cominatória.”

Outros aspectos, como veremos a seguir, deveriam ter


sido adaptados a essa nova dogmática do direito de prova.

Nada obstante existirem muitos pontos em comum, para


uma melhor didática, vamos separar a exibição em dois procedimentos: (i)
requerida entre partes; e, (ii) a formulada em face de terceiros.

É necessário um esclarecimento preliminar.

Por se tratar de direito de prova, cabe tanto ao autor,


quanto ao réu, provocarem a exibição de documento ou de coisa. E esta
pode ser realizada em face da parte contrária ou em face de um terceiro,
logo, alguém que não participa da relação processual.

Por óbvio que se a ação tem por objeto a própria


exibição, fundamentada em uma das hipóteses de produção antecipada de
prova, como demonstramos nos itens 16.3.1 e 16.3.2, inexistem partes de
um processo, neste momento. Ora, este réu na ação de exibição pode ser
alguém que tem uma relação jurídica de direito material com o autor, ou,
alguém que apenas possui a coisa ou documento. Percebam que este

148
“terceiro” nunca será sujeito passivo de uma ação a ser proposta, em
virtude do resultado da ação de exibição.

Assim, temos que o requerido é aquele a quem se dirige


a ordem judicial de exibição. Não importa se uma das partes (originais) do
processo, ou, uma delas e um terceiro. Para evitar confusão, utilizaremos a
palavra “parte” para referirmo-nos ao procedimento entre as partes
originais (sujeitos que tem uma relação de direito material, efetiva ou
potencialmente, controvertida); por outro lado, usaremos o termo “terceiro”
para identificar o requerido, que não é uma das partes originais na relação
processual.

16.3.4.1. Procedimento em face da “parte”

(a) requerimento e incidente processual

Lastreados nas premissas adotadas, haverá um incidente


processual, quando uma parte requerer a exibição do documento ou coisa
em face da outra. E, destaque-se a palavra requerimento, haja vista não se
tratar de pedido, em sentido técnico de uma pretensão processual. Somente
haverá pedido quando a exibição for objeto de ação, autônoma ou
incidental (esta movida em face de “terceiro”).

(b) petição

O legislador, em boa proporção, reproduziu o


regramento legal de 1973, deixando de aproveitar para refinar as regras do

149
procedimento da exibição. Confira-se o teor do art. 397, do CPC, que
reproduz literalmente o art. 356, do CPC/1973.

“Art. 397. O pedido formulado pela parte conterá:


I - a individuação, tão completa quanto possível, do documento ou
da coisa;
II - a finalidade da prova, indicando os fatos que se relacionam
com o documento ou com a coisa;
III - as circunstâncias em que se funda o requerente para afirmar
que o documento ou a coisa existe e se acha em poder da parte
contrária.”

Há duas observações a serem feitas. Comecemos pela


menos relevante. Como a disciplina da exibição de documento ou coisa é
feita em uma única seção, sem maiores destaques em relação ao
procedimento em face da parte ou de terceiro, não é demais apontar que, no
inciso III, “parte contrária” é o requerido, quer uma das partes originais,
quer um terceiro.

A reprodução integral da norma contida no código


revogado, no inciso II, discrepa do fundamento adotado pelo CPC atual,
que estabelece a possibilidade do interesse do requerente ser o de somente
conhecer (examinar) o documento ou a coisa.

Destarte, não se pode exigir, como requisito do


requerimento, a “finalidade da prova, indicando os fatos que se relacionam
com o documento ou com a coisa”, em qualquer situação. Igualmente, sob
a perspectiva do juiz, este não poderá indeferir o requerimento, em todas as
causas, acaso o requerente não possa indicar qual o fato que pretende

150
provar com a coisa ou o documento. O objetivo do requerente pode, em
primeiro lugar, ser exatamente de examinar a coisa ou documento para
saber se é hábil a provar um fato, ou, viabilizar uma autocomposição, ou
ainda, justificar ou evitar o ajuizamento de uma ação, consoante o art. 381,
II e III, do CPC.

Se este raciocínio é absolutamente pertinente para as


ações cujo objeto é a exibição, pode ser mais difícil, no caso concreto, já
pendente a ação, ter o requerente como objetivo o de apenas conhecer o
documento ou coisa. Quando surge o incidente no processo pendente, e a
finalidade da exibição é provar um fato, incide plenamente o inciso II, do
art. 397, do CPC, de modo que sua ausência implica na rejeição do
requerimento pelo juiz.

O requerente deverá, ainda, demonstrar as circunstâncias


em que se funda para afirmar que o documento ou a coisa existe e se acha
em poder do requerido (inciso III).

Além disso, o Superior Tribunal de Justiça fixou a


interpretação de que o interesse processual para a ação cautelar de exibição
de documentos bancários somente se faz presente pela demonstração do
autor de solicitação prévia à instituição financeira, injustificadamente não
atendida dentro de prazo razoável. Confira-se o teor do Tema nº 648
proferido adotando-se a técnica de recursos especiais repetitivos:

STJ – TEMA 648. “A propositura de ação cautelar de exibição de


documentos bancários (cópias e segunda via de documentos) é cabível
como medida preparatória a fim de instruir a ação principal, bastando
a demonstração da existência de relação jurídica entre as partes, a

151
comprovação de prévio pedido à instituição financeira não atendido
em prazo razoável, e o pagamento do custo do serviço conforme
previsão contratual e normatização da autoridade monetária”.168

De tal sorte, o interesse processual, sob a perspectiva da


necessidade da demanda da tutela jurisdicional, exige a demonstração do
pedido prévio do documento à instituição financeira, mediante
procedimento estabelecido no contrato ou em normas da autoridade
monetária, inclusive com a prova do pagamento do respectivo custo para o
seu fornecimento, e, o não atendimento em prazo razoável.

Indeferida liminarmente a petição inicial por falta de


interesse processual (arts. 330, III, c.c. 485, I, do CPC), deverá o juiz impor
ao autor, por sentença sem resolução de mérito, o pagamento de honorários
de advogados, na esteira da jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de
Justiça, destacada no item 8.3.2.5 relativo à produção antecipada de provas.

Explicitamos, por último, que o art. 397 aplica-se em


ambos os procedimentos, tanto em face da “parte”, quanto em face de um
“terceiro”, termos utilizados conforme esclarecido no início desta seção.

168
Precedente do Tema nº 648, do Superior Tribunal de Justiça: “PROCESSO CIVIL. RECURSO
ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. EXPURGOS
INFLACIONÁRIOS EM CADERNETA DE POUPANÇA. EXIBIÇÃO DE EXTRATOS BANCÁRIOS.
AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. INTERESSE DE AGIR. PEDIDO PRÉVIO
À INSTITUIÇÃO FINANCEIRA E PAGAMENTO DO CUSTO DO SERVIÇO. NECESSIDADE. 1.
Para efeitos do art. 543-C do CPC, firma-se a seguinte tese: A propositura de ação cautelar de exibição de
documentos bancários (cópias e segunda via de documentos) é cabível como medida preparatória a fim de
instruir a ação principal, bastando a demonstração da existência de relação jurídica entre as partes, a
comprovação de prévio pedido à instituição financeira não atendido em prazo razoável, e o pagamento do
custo do serviço conforme previsão contratual e normatização da autoridade monetária. 2. No caso
concreto, recurso especial provido” (Resp 1.349.453/MS, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, Segunda Seção,
j. em 10/12/2014, DJe 02/02/2015).

152
(c) resposta do requerido

O art. 398, caput, do CPC, prevê um prazo de cinco


dias para a resposta do requerido. Seguindo as regras gerais para
intimações, esta será feita na pessoa de seu advogado (arts. 103, 269 a 275,
do CPC). Poder-se-ia cogitar de situação em que o requerido é réu revel, o
litígio versar sobre direito indisponível e a prova do fato exigir a exibição
de documento em poder do requerido. Tome-se de exemplo uma ação para
dissolução de união estável, baseada em infidelidade. Neste caso a
intimação deverá ser realizada pessoalmente ao requerido.

O prazo de cinco dias parte da presunção de que o


procedimento é instaurado incidentalmente e entre as “partes”. Entendemos
que, a despeito do procedimento ser o do art. 397 e seguintes, o prazo será
de quinze dias quando a exibição for objeto de uma ação. Isto porque este é
o prazo previsto na ação incidental de exibição, movida pela “parte” em
face de “terceiro” (art. 401, do CPC). O legislador estabeleceu, para esta
situação, prazo igual ao previsto para a contestação, no procedimento
comum (art. 335, do CPC).

(d) dilação probatória e ônus da prova

O ônus da prova há de ser distribuído entre o requerente


e o requerido, considerando as diferentes condutas do requerido.

É do requerente o ônus de provar que não é verdadeira a


alegação do requerido de que não tem a posse da coisa ou documento (art.
398, parágrafo único c.c. 397, III, do CPC).

153
Ao requerido incumbe provar qualquer das escusas do
art. 404, do CPC.

Em ambas situações, a prova pode ser realizada “por


qualquer meio”, conforme previsto no parágrafo único do art. 398. Vale
dizer, por qualquer meio legal e moral de prova. Neste ponto, a previsão do
art. 402, do CPC, que estabelece a realização de audiência, no
procedimento em face de “terceiro”, para produção de depoimento pessoal
e oitiva de testemunhas, somente se justifica para esclarecer que o
depoimento pessoal pode ser de ambas as partes e do terceiro. Qualquer
que seja o requerido (“parte” ou “terceiro”), a dilação probatória é ampla.

(e) decisão

O incidente é resolvido por meio de decisão


interlocutória, como também na ação de exibição movida em face de
“terceiro”, quando já pendente a ação entre as “partes”. O recurso cabível é
o de agravo de instrumento, conforme o art. 1.015, VI, do CPC.

O legislador reconhece o dever legal de exibir, casos em


que o juiz não admitirá a recusa, superando as escusas do art. 404, bem
como, a alegação de não possuir o documento ou a coisa.

De tal sorte, o requerimento será acolhido, não se


admitindo a recusa do requerido:
(i) se este tiver a obrigação legal de exibir (art. 399, I, do CPC), como,
por exemplo, em caso de livros comerciais;
(ii) se ele próprio aludiu ao documento ou coisa com intuito de fazer
prova (art. 399, II, do CPC); e,

154
(iii) se o documento, por seu conteúdo for comum às partes (art. 399,
III, do CPC).

O sentido de “documento comum” vinha explicitado no


art. 218, p. único, do CPC/1939, assim redigido: “O documento
considerar-se-á comum às pessôas cujas relações jurídicas forem nele
determinadas e àquelas em cujo interesse houver sido elaborado”. Valem
como exemplo, os casos elencados no art. 844, II, do CPC/1973, como:
“documento próprio ou comum, em poder de co-interessado, sócio,
condômino, credor ou devedor.”

“Obrigação legal” é o dever expressamente previsto na


lei, de maneira que os incisos II e III são concretizações do inciso I. Por
outras, além dos deveres previstos nos incisos II e III, do art. 399, qualquer
dispositivo legal que estipular uma obrigação de exibir enquadrar-se-á no
inciso I.

Por seu turno, os incisos I e II, do art. 400, poderiam ter


sido suprimidos, já que decorrem logicamente do resultado favorável ao
requerente, e ainda pela redação que não é das mais felizes.

(i) tutela declaratória (art. 400, caput, do CPC)

Relevante no art. 400, do CPC, são as normas do caput


e do parágrafo único, que tratam da eficácia da decisão de procedência do
pedido de exibição.

Nos casos em que o requerente da exibição formulada,


incidentalmente ou mediante ação, em face de sujeito com o qual tem

155
relação de direito material controvertida (ou passível de tornar-se
controvertida), indicar qual o fato que pretende provar, a decisão de
procedência pode assumir uma eficácia declaratória.

O juiz declarará ser verdadeira a alegação de fato que o


requerente queria provar por meio da exibição – e que não foi cumprida
pelo requerido - lastreado na presunção estabelecida no art. 400, caput, do
CPC.

A decisão poderá, assim, estar fundamentada em: (i)


ausência de resposta do requerido; ou, (ii) “a recusa for havida por
ilegítima”. Esclareça-se que o fundamento (ii) corresponde a situações de
existência da presunção legal da posse da coisa ou documento pelo
requerido, ou, quando este não provar qualquer das escusas do art. 404.

(ii) tutelas mandamental ou executiva (art. 400, p. unico, do CPC)

Por outro lado, o legislador, com a finalidade de atender


às hipóteses em que o pedido de exibição não se embasa, “a priori”, na
obtenção de prova, mas, apenas na possibilidade de exame da coisa ou
documento, inseriu um parágrafo único ao art. 400, do CPC.

Em tais circunstâncias, o juiz poderá adotar medidas


para que a coisa ou o documento seja exibido em juízo. O art. 400, p.
único, estabelece que “sendo necessário, o juiz pode adotar medidas
indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para que o
documento seja exibido.”

156
São quatro medidas, a exemplo do preconizado na
norma geral dos poderes-deveres do juiz, consoante o art. 139, IV, do
CPC.

As três primeiras medidas, indutivas, coercitivas e


mandamentais, têm por peculiaridade, exatamente, o fato de exercerem
pressão sobre o requerido, para que ele próprio cumpra com a ordem
judicial de exibir. São tutelas mandamentais, compostas por uma ordem
judicial combinada com um meio de coação, pecuniário ou restritivo de
direitos.169

A última previsão da lei se refere às medidas sub-


rogatórias, as quais se caracterizam por satisfazer o requerente,
independentemente da conduta do requerido. São medidas executivas, daí a
decisão consagrar uma tutela executiva, levada a cabo por outros sujeitos
distintos do requerido, inclusive, efetivadas até mesmo contra a vontade
dele.

Vale aqui a regra do art. 403, do CPC, devendo o juiz,


ao proferir decisão, determinar ao requerido que deposite, em cinco dias,
no cartório ou em outro lugar, o documento ou a coisa. Descumprida a
ordem judicial, serão aplicadas medidas coercitivas ou sub-rogatórias.

A eficácia da decisão deverá ser mandamental ou


executiva, essencialmente por ser incabível a tutela declaratória e a
presunção de veracidade da alegação de fato. O requerente pode não ter

169
Sobre classificação das tutelas jurisdicionais, ver o nosso, Classificação das tutelas jurisdicionais
segundo a técnica processual empregada para satisfação do direito. Revista de Processo. São Paulo: RT,
nº 186, ago/2010, p 31-65.

157
conhecimento do teor/conteúdo/atributos do documento ou da coisa, de
maneira que é necessário o exercício do poder jurisdicional para compelir o
requerido a realizar a exibição.170

Nesta toada é que se constata estar superado o teor do


verbete nº 372, da Súmula do STJ, já que existirão casos em que a multa
cominatória é um meio adequado e eficaz para viabilizar a exibição, em
juízo, do documento ou coisa.

Em resumo, quando o requerente formula pedido de


exibição em face da parte, especificando o fato que pretende provar com o
documento ou a coisa, a decisão poderá assumir uma tutela declaratória. De
outra sorte, quando o requerente precisar conhecer a coisa ou o documento
para, eventualmente, empregá-lo como meio de prova, o juiz aplicará
medidas executivas ou mandamentais.

16.3.4.2. Procedimento em face de “terceiro”

Praticamente todos os apontamentos sobre o


procedimento em relação à “parte”, aplicam-se ao “terceiro”.

Diversamente, contudo, há o exercício de ação, por


meio de pedido, quando formulado em face de um terceiro. Logo,
sobrevém uma cumulação de pedidos superveniente, homogênea ou
heterogênea, a depender de o requerente já ter pedido formulado na ação ou
na reconvenção.

170
Câmara, ob. cit., p. 244.

158
Os pedidos correrão em simultaneus processus, não se
justificando mais a autuação da exibição em separado, o que resultava da
previsão do art. 361, do CPC/1973, que estipulava ser sentença o ato
judicial para resolução do pedido e a apelação como recurso cabível.171
Como explicitado pelo art. 402, do CPC, a resolução da ação se faz por
“decisão” interlocutória, impugnável por agravo de instrumento (art.1.015,
VI, do CPC).

A petição inicial deverá preencher os requisitos do


art.397, do CPC, e o requerido (“terceiro”), será citado - aplicando-se todas
as normas do instituto - para responder no prazo de quinze dias (art. 401,
do CPC).

O art. 402, do CPC preceitua que “se o terceiro negar a


obrigação de exibir ou a posse do documento ou da coisa, o juiz designará
audiência especial, tomando-lhe o depoimento, bem como o das partes e, se
necessário, o de testemunhas, e em seguida proferirá decisão.” Consoante
nosso entendimento, a dilação probatória é ampla, valendo aqui, a locução
“por qualquer meio” do paragrafo único, do art. 398, de modo a não limitar
a amplitude dos meios de prova.

A decisão de procedência proferida em face do terceiro


nunca terá eficácia meramente declaratória, a teor do art. 400, caput, do
CPC.

Com efeito, o art. 403, do CPC, estabelece que o juiz


reconhecendo a obrigação de exibir, ordenará ao requerido que “proceda ao

171
Nery-Nery, Código [1973], nota 2 ao art. 360 e, novamente, nota 2 ao art. 361, p. 652.

159
respectivo depósito da coisa ou documento, no cartório ou em outro lugar
designado no prazo de cinco dias.” As despesas correm por conta do
requerente.

Em seguida, o legislador retrata no parágrafo único, do


art. 403, hipóteses de tutelas mandamental e executiva. Realmente, repete
a redação do parágrafo único, do art. 400, indicando “medidas indutivas,
coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias”, e, exemplificando os meios:
(i) sub-rogatório do “mandado de apreensão”; e, (ii) coercitivo pecuniário
do “pagamento de multa”. Acrescenta que a busca e apreensão se faz sem
prejuízo da responsabilidade por crime de desobediência.172

Contata-se que o pronunciamento judicial que acolhe o


pedido de exibição em face de “terceiro” terá eficácia executiva ou
mandamental e, dada a fungibilidade existente entre elas173, poderá o juiz
manejar uma ou outra para assegurar o cumprimento da decisão.

16.3.5. Requisição judicial de certidões

A requisição judicial de certidões ou de procedimentos


administrativos para obtenção de certidões segue na esteira dos poderes
instrutórios do juiz, que o autoriza a determinar a exibição de documento
ou coisa, capitulado no art. 396, do CPC.174

172
Código Penal - “Desobediência. Art. 330 - Desobedecer a ordem legal de funcionário público: Pena -
detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.”
173
Ver, Nelson Rodrigues Netto, ob. ult. cit., p. 61.
174
Neste sentido, já no direito anterior à luz de norma semelhante ao art. 396, do CPC, Barbosa Moreira,
Novo processo civil brasileiro, p. 62, e, Theodoro Júnior, ob. cit., 39ª ed., v I, p. 394, nota 40.

160
Assim, complementa a exibição judicial, a requisição
judicial às repartições públicas, em qualquer tempo ou grau de jurisdição,
de certidões necessárias à prova das alegações das partes, ou de
procedimentos administrativos nas causas em que forem interessados a
União, o Estado, o Município, ou as respectivas entidades da administração
indireta, quando serão extraídas certidões ou cópias de peças, inclusive
podendo ser fornecidos por meio eletrônico (art. 438, do CPC).

A norma legal deve ser empregada quando a parte não


conseguir obter, por si própria, as certidões necessárias à prova de suas
alegações, uma vez que se refere a um ônus processual que lhe incumbe
solver. Somente quando não for possível a obtenção das certidões por
motivos alheios à vontade da parte, seria cabível a requisição judicial.175

175
Nery-Nery, justificam o raciocínio expendido no texto invocando o art. 5º, XXXIV, da CF, pelo qual é
garantido a todos, independentemente de pagamento de taxas, o direito de petição e de obtenção de
certidões em repartições públicas, Código [2015], p. 1220.

161
17. Prova testemunhal

17.1. Generalidades

Testemunha é a pessoa capaz e imparcial que, estranha


ao feito, depõe em juízo, sob compromisso de dizer a verdade sobre fato de
que tem ciência pessoal, o qual é relevante, pertinente e controvertido no
litígio.

São elementos característicos da prova testemunhal: a)


pessoa natural e capaz; b) estranha ao feito; c) que deve saber sobre o fato
litigioso; d) convocada a depor; e) não estar impedida ou for suspeita.

O testemunho é consectário do dever geral de


colaboração com a Justiça no descobrimento da verdade dos fatos jurídicos
do litígio (art. 378, do CPC), especificado aos terceiros, que não são partes
na causa, no dever de informar o juiz sobre fatos de que tenham
conhecimento (art. 379, do CPC).

Além de ser um dever jurídico, o depoimento em juízo é


um serviço público, podendo a testemunha requerer ao juiz o pagamento da
despesa que efetuou para comparecimento à audiência. O pagamento deve
ser feito pela parte, assim que arbitrada, ou, depositado em cartório em até
três dias. Em acréscimo, se a testemunha for trabalhador celetista não
poderá sofrer qualquer sanção em razão do depoimento, como descontos do
salário ou do tempo de serviço (arts. 462 e 463, do CPC).

162
O dever de testemunhar cede espaço a situações de
escusa, que guardam relação de simetria com as do depoimento pessoal da
parte e da exibição de documento ou coisa.176

Assim, a testemunha não é obrigada a depor sobre fatos:


(i) que lhe acarretem grave dano, bem como ao seu cônjuge ou
companheiro e aos seus parentes consanguíneos ou afins, em linha reta ou
colateral, até o terceiro grau; e, (ii) a cujo respeito, por estado ou profissão,
deva guardar sigilo177 (art. 448, do CPC).

17.2. Incapacidade, impedimento e suspeição da testemunha

O CPC, seguindo o modelo do código revogado,


distingue a falta de capacidade para a prática do ato de testemunhar um
fato - incapacidade, de situações em que há um risco de ausência de
imparcialidade do sujeito para tanto – impedimento e suspeição.

Diversamente, o Código Civil reúne, em seu art. 228,


todas as hipóteses em que a testemunha está legalmente proibida de depor
em juízo.

(a) Incapacidade (art. 447, §1º, do CPC)

(i) menores de 16 (dezesseis) anos

176
Aplicável às escusas de depor, ver a análise detida das escusas para exibir documento ou coisa no item
16.3.3.
177
Sobre o crime de violação de sigilo profissional, ver item 16.3.3 letra (d).

163
É comum em ambos os diplomas codificados – civil e
processual civil - a incapacidade dos que tiverem menos de 16 anos (arts.
228, I, CC, 447,§1º, I, do CPC).

Apesar da redução da idade para a maioridade civil, dos


21 para os 18 anos, desde o CC/2002, a incapacidade absoluta remanesce
para os menores de 16 anos (art. 3º, do CC). Há uma presunção, derivada
de elementos biológicos e psicológicos, de que o jovem, antes dos 16 anos,
ainda não atingiu maturidade para assumir, em plenitude, os direitos e
deveres em sociedade.

É uma presunção, certamente, relativa, como se verifica


com destaque em relação à possibilidade, mesmo que facultativa, do
exercício da cidadania, considerada na sua expressão do direito de votar
(art. 14, §1º, II, da CF).

E este elemento – relatividade – da incapacidade do


menor de 16 anos para prestar testemunho vem confirmado na lei, ao
prescrever que o juiz pode admitir-lhe o depoimento quanto à “prova de
fatos que só elas conheçam” (art. 228, §1º, do CC). O dispositivo é
corroborado pelo §4º, do art. 447, do CPC, que autoriza o juiz a admitir o
depoimento de menores, além de pessoas impedidas ou suspeitas, “sendo
necessário”, e sempre, independente de compromisso, atribuindo-lhes “o
valor que possa merecer” (art. 447, §5º, do CPC).

(ii) demais hipóteses legais

Ao tratar da incapacidade de testemunhar, devemos


adotar como premissa o fato de que ela não corresponde, ao menos não em

164
sua integralidade, à incapacidade genérica para a prática de atos da vida
civil. É ato específico consistente na transmissão de um fato apreendido
pelos sentidos da testemunha, e que é relatado em juízo.

Exatamente por exigir a apreensão do fato, e sua


transmissão, é que devemos analisar o art. 447, §1º, do CPC, em conjunto
com o art. 228, do CC, e sua alteração procedida pelo “Estatuto da Pessoa
com Deficiência” (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência –
Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015).

O Estatuto da Pessoa com Deficiência revogou


expressamente os incisos II e III, do art. 228, do CC, que dispunham:

“II – aqueles que, por enfermidade ou retardamento mental, não


tiverem discernimento para a prática dos atos da vida civil;
III - os cegos e surdos, quando a ciência do fato que se quer provar
dependa dos sentidos que lhes faltam.”

Poder-se-ia cogitar, no âmbito do direito intertemporal,


se o “Estatuto” teria revogado as hipóteses do CPC sobre incapacidade de
testemunhar. Em primeiro lugar não houve revogação expressa. Pois bem,
caberia ponderar se houve uma omissão do legislador. Assim não nos
parece, porque as mesmas hipóteses contidas no Código Civil foram
expressamente revogadas. Outra conjectura recairia sobre eventual
revogação tácita do CPC por incompatibilidade com o “Estatuto”.
Igualmente, descartamos essa possibilidade, posto que o deficiente estará
apto a depor na exata medida em que possa ter ciência do fato e transmití-
lo, inclusive, com o uso de tecnologia assistiva ou ajuda técnica.

165
A revogação das hipóteses do Código Civil da
capacidade de depor como testemunha, e principalmente, da capacidade
civil genérica para atos da vida civil, exigem uma interpretação sistemática
com toda a nova disciplina do instituto da curatela, adaptado ao “Estatuto
da Pessoa com Deficiência”. Tais alterações são, todavia, plenamente
compatíveis com a interpretação dos casos de incapacidade para
testemunhar em juízo.

Situações de enfermidade ou deficiência mental vêm


descritas, em superposição, nos incisos I e II, do §1º, do art. 447, do CPC.
A diferença está em que o inciso I trata do interdito, e, o inciso II, de
alguém que não está interditado, contudo, que não possui discernimento
para compreender o fato ao tempo que ocorreu, ou, não está habilitado a
transmitir tal percepção.

As hipóteses dos cegos e surdos, revogada no CC e


mantida no CPC, são teleológicamente idênticas.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência disciplina a


inserção do indivíduo na sociedade, visando permitir-lhe o exercício de
todos os direitos e garantias fundamentais, mediante adaptação ou
superação, na medida do material e tecnologicamente possível, de sua
deficiência. O seu art. 1º, dispõe: “É instituída a Lei Brasileira de Inclusão
da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada
a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos
direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando
à sua inclusão social e cidadania.”

166
Em sede de prova testemunhal, é certo que o deficiente
que possa capturar e transmitir os fatos controvertidos, por seus sentidos,
inclusive, mediante “tecnologia assistiva” ou “ajuda técnica” (art. 3º, III, do
Estatuto), estará apto a depor em juízo. É nesta senda que segue o
parágrafo 2º, do art. 228, do CC, inserido pelo “Estatuto”, como podemos
conferir abaixo:

“Art. 228 (omissis)


§2º A pessoa com deficiência poderá testemunhar em igualdade de
condições com as demais pessoas, sendo-lhe assegurados todos os
recursos de tecnologia assistiva.”

Como conclusão, a incapacidade prevista nos incisos I e


II, do art. 447, do CPC, é válida desde que ponderado, no caso concreto, o
limite humano, ainda que assistido técnica ou tecnologicamente, a impedir
a compreensão ou a transmissão do fato que se pretende provar em juízo.

O mesmo resulta em relação aos cegos e surdos (art.


447, §1º, IV, do CPC). Reiteramos que é noção elementar e insofismável
que a testemunha somente poderá depor sobre fato que, por seus sentidos,
detém conhecimento. Logo, o cego e o surdo que, por deficiência destes
sentidos, não teve ciência do fato, não poderá depor. Diferentemente, o
surdo que pela visão apreendeu o fato, poderá testemunhar ao ser assistido
por intérprete (art. 162, III, do CPC cc art. 228, §2º, do CC).

(b) Impedimento (art. 447, §2º, do CPC)

O impedimento de testemunhar está lastreado em


situações em que o terceiro, em virtude de vínculo com a parte, não goza de

167
confiança, pela possibilidade de não conseguir ser imparcial em seu
depoimento.

A maior objetividade ou subjetividade na demonstração


da falta de imparcialidade do terceiro é que diferencia o impedimento da
suspeição, critério esse também aplicado aos juízes e aos auxiliares da
Justiça (arts. 144 a 148, do CPC).

Verifica-se, para o impedimento, situações


objetivamente demonstráveis, derivadas de vínculo de casamento, união
estável, ou parentesco, assim as do “cônjuge, companheiro, ascendente e
descendente em qualquer grau e o colateral, até o terceiro grau, de alguma
das partes, por consanguinidade ou afinidade” (inciso I). O impedimento
está limitado ao terceiro grau de parentesco com a parte.178

A parte final do inciso I, do §2º, do art. 447, que permite


o depoimento de pessoa impedida, quando: “o exigir o interesse público ou,
tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa, não se puder obter de
outro modo a prova que o juiz repute necessária ao julgamento do mérito”,
dá concretude a norma geral autorizadora, representada pela expressão
“sendo necessário” constante do §4º do dispositivo.

O inciso II configura a noção de testemunha: um


terceiro em relação à causa. Por consequência, a parte é impedida de depor
como testemunha. O depoimento da parte é meio específico de prova, cujo
objetivo primordial é obter a confissão do fato.179

178
Sobre as regras de parentesco, ver item 16.3.3 letra (c).
179
Ver itens 13 e 14.

168
Por último, há um vínculo jurídico, de natureza material
ou processual, entre a parte e o terceiro, assim descrito: “o que intervém em
nome de uma parte, como o tutor, o representante legal da pessoa jurídica,
o juiz, o advogado e outros que assistam ou tenham assistido as partes”
(inciso III).

(c) Suspeição (art. 447, §3º, do CPC)

As circunstâncias que revelam a supeição do terceiro


encerram elementos de maior subjetividade para sua demonstração e, por
consequência, devem sempre ser analisadas e demonstradas à luz do caso
concreto.

O Código atual suprimiu duas circunstâncias retratadas


como de supeição no CPC/1973: “o condenado por crime de falso
testemunho, havendo transitado em julgado a sentença” e “o que, por seus
costumes, não for digno de fé”. Ambas eram muito criticadas pela doutrina
e acoimadas de preconceituosas e de duvidosa constitucionalidade.

O art. 447, §3º, do CPC, considera como suspeitos para


depor: a) o inimigo capital da parte, ou o seu amigo íntimo; b) o que tiver
interesse no litígio.

A lei adjetiva a inimizada como “capital” a exigir dado


objetivo, grave, que justifique a supeição. Não basta, portanto, simples
animosidade ou antagonismo com a parte. Semelhantemente, os laços de
amizade devem revelar grau profundo, “íntimo”, o que não se considera
apenas, por exemplo, colegas de trabalho, condôminos e etc.

169
O interesse no litígio, como exemplifica Moacyr Amaral
Santos, surge em relações como a “do fiador, na causa do afiançado; do
cedente, na causa do cessionário; do vendedor, sujeito à evicção, na causa
do comprador”.180

17.3. Admissibilidade e valor da prova testemunhal

O legislador explicitou que a prova testemunhal é


sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso (art. 442, do
CPC). A norma, que já constava do código revogado, foi isolada em um
único artigo, para destacar a ampla admissibilidade da prova testemunhal.

O direito material contempla regras de prova legal181


para atos e negócios jurídicos, que exigem prova documental, como por
exemplo: do contrato de seguro (art. 758, do CC); da existência da
sociedade entre os sócios (art. 987, do CC); da constituição ou transmissão
de direitos reais por ato entre vivos (art. 1.227, do CC); do estado de casado
(art. 1.543, do CC); do pacto antenupcial no casamento para escolha de
regime de bens diverso do legal (art. 1.640, p.u., do CC); e etc.

Em complemento às restrições da ampla admissibilidade


da prova testemunhal, dispõe o art. 443, I, do CPC, que, por razão de
lógica, não se admite o testemunho quando o fato já estiver provado por
documento ou confissão da parte. Se o fato está provado é ilógico
autorizar-se prova testemunhal (ou, diga-se, qualquer outra). Ainda, quando
a prova do fato só puder ser realizada por documento ou perícia,
igualmente, não cabe prova testemunhal (art. 443, II, do CPC).
180
Ob. cit., p. 466.
181
Ver item 9.2.

170
Não subsiste no diploma atual a regra de que a prova
exclusivamente testemunhal somente é admissível em contratos cujo valor
seja inferior a dez vezes o salário mínimo, ao tempo de sua constituição
(art. 401, do CPC/1793), tendo sido revogada norma idêntica contida no
art. 227, caput, do Código Civil.

De tal sorte, qualquer que seja o valor da obrigação a


que a lei exige prova escrita, a prova testemunhal é admissível desde que
para complementar a prova escrita emanada da parte contra a qual se
pretende produzir a prova (art. 444, do CPC). Exatamente neste sentido, o
parágrafo único do art. 227, do CC, in verbis: “Art. 227. (omissis).
Parágrafo único. Qualquer que seja o valor do negócio jurídico, a prova
testemunhal é admissível como subsidiária ou complementar da prova por
escrito.” O que se deve entender por “começo de prova por escrito”
descrito na norma, é a existência de escrito produzido pela parte contra
quem se pretende demonstrar o fato, que não é se traduz em prova
documental, e, por conseguinte, admite ser corroborada, completada, por
depoimento de testemunha.

A prova testemunhal também é admissível: (i) quando o


credor não pode ou não podia, moral ou materialmente, obter a prova
escrita da obrigação, em casos como o de parentesco, de depósito
necessário ou de hospedagem em hotel, ou, em razão das práticas
comerciais do local onde contraída a obrigação (art. 445, do CPC); (ii) nos
contratos simulados, para demonstrar a divergência entre a vontade real e a
vontade declarada; e, (iii) nos contratos em geral, para provar a existência
de vício de consentimento (art. 446, do CPC).

171
Fique claro que a prova exclusivamente testemunhal é
da “simulação”, ou, de outro “vício de consentimento”; a obrigação que se
exige prova escrita, deve por este meio ser demonstrada.182

17.4. Proposição, deferimento e produção da prova


testemunhal.

(a) proposição e deferimento

Como toda prova, a testemunhal deve ser requerida na


petição inicial e na contestação, respectivamente conforme os arts. 319,
VI, e 336, do CPC.

A prova será deferida, em decisão de saneamento (art.


357, II, in fine, do CPC), a qual poderá ser proferida em cooperação com
as partes, em audiência de saneamento, a ser realizada quando a causa
apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito (art. 357, §3º, do
CPC).

(b) produção

(i) rol de testemunhas e intimação para depoimento

Deferida a produção da prova, as testemunhas deverão


ser arroladas, sendo o respectivo rol apresentado pelas partes: (i) na

182
Pela sistemática do código civil revogado, o tema “vícios dos negócios jurídicos” englobava todos os
atuais defeitos do negócio jurídico e também a simulação. Como leciona Venosa: “No novo Código, sob a
epígrafe “defeitos do negócio jurídico”, regula o erro ou a ignorância, o dolo, a coação, o estado de
perigo, a lesão e a fraude contra credores. No novo sistema legal, a simulação situa-se no campo da
nulidade do negócio jurídico.”, ob. cit., p. 405.

172
audiência de saneamento, quando esta for determinada pelo juiz; ou, (ii) em
prazo fixado pelo juiz, comum e não superior a 15(quinze) dias (art. 357,
§§ 4º e 5º, do CPC).

O rol conterá no máximo 10 (dez) testemunhas, sendo 3


(três), no máximo, para a prova de cada fato, e ainda, poderá o juiz limitar
o número de testemunhas levando em conta a complexidade da causa e dos
fatos individualmente considerados (art. 357, §§ 6º e 7º, do CPC).

Alicerçado no postulado do devido processo legal e nos


princípios dele decorrentes como o da boa-fé (art. 5º do CPC), cooperação
(art. 6º do CPC), e não-surpresa (art. 10, do CPC), o arrolamento das
testemunhas tem por objetivo permitir à parte contrária conhecê-las para,
eventual e oportunamente, contraditá-las por incapacidade, impedimento
ou suspeição.

Por isso, as testemunhas devem ser identificadas,


sempre que possível, por nome, profissão, estado civil, idade, número de
inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas, o número de registro de
identidade e o endereço completo da residência e do local de trabalho (art.
450, do CPC).

Arrolar a testemunha significa, em resumo, apresentar


pessoas, estranhas ao feito, devidamente identificadas e qualificadas, para
prestarem depoimento em juízo.

Arrolada a testemunha, ela poderá ser intimada ou


meramente informada do dever de depor, tópico em que o CPC inovou
buscando melhorar a efetividade do procedimento.

173
Atualmente, incumbe ao advogado da parte informar ou
intimar a testemunha arrolada do dia, da hora e do local da audiência
designada, dispensando-se a intimação do juízo (art. 455, do CPC).

O advogado providenciará a intimação por carta com


aviso de recebimento, juntando aos autos, com antecedência de pelo menos
3 (três) dias da data da audiência, cópia da correspondência de intimação e
do comprovante de recebimento (art. 455, §1º, do CPC). Neste caso,
resulta que a testemunha foi arrolada e intimada e, deixando de
comparecer à audiência, sem motivo justificado, será conduzida e
responderá pelas despesas do adiamento (art. 455, §5º, do CPC). Este
motivo para o adiamento da audiência de instrução e julgamento deve ser
acrescido aqueles previstos no art. 362, do CPC.

A lei prescreve que a inércia na realização da intimação


da testemunha pelo advogado, importa na desistência de sua inquirição
(art. 455, §3º, do CPC), de modo que é essencial para aplicação da sanção
que o juiz fixe prazo razoável para a prática do ato processual (art. 218,
§1º, do CPC).

Ocorre que a testemunha arrolada pode ser apenas


informada da audiência, deixando-se de proceder à sua intimação. Nesta
situação, presume-se que a parte desistiu de sua inquirição se a testemunha
não comparecer (art. 455, §3º, do CPC).

Subsidiariamente, a intimação será realizada pelo juízo,


quando: (i) for frustrada a intimação realizada pelo advogado, na forma da
lei; (ii) sua necessidade for devidamente demonstrada pela parte ao juiz;

174
(iii) figurar no rol de testemunhas servidor público ou militar, hipótese em
que o juiz o requisitará ao chefe da repartição ou ao comando do corpo em
que servir; (iv) a testemunha houver sido arrolada pelo Ministério Público
ou pela Defensoria Pública; e, (v) a testemunha for alguma das autoridades
públicas que são inquiridas em sua residência ou onde exercem sua função
(art. 455, §4º, do CPC).

Em suma, toda testemunha deve ser arrolada, podendo


ser intimada, ou, meramente informada para o comparecimento à
audiência, momento em que prestará seu depoimento.

É possível haver a substituição da testemunha (art. 451,


do CPC), cujo rol já foi apresentado em juízo, somente se ela: (i) falecer;
(ii) não puder depor por enfermidade; (iii) não for encontrada porque
mudou de residência ou de local de trabalho. Esta última circunstância deve
ser demonstrada pela parte, mediante a prova de que a intimação, pelos
meios legais, resultou frustrada.

Como soa basal, o juiz não pode ser testemunha, já que


é sujeito imparcial do processo, e deve conhecer dos fatos da causa
provocado pelas alegações das partes. Logo, se nada souber sobre os fatos
jurídicos relevantes para a resolução do conflito, deve mandar excluir seu
nome do rol (art 452, II, do CPC). Todavia, se tiver conhecimento prévio
dos fatos que possam influir na decisão, ou seja, conhecimento anterior ao
processo, deve declarar-se impedido de julgar o conflito, sendo vedado à
parte desistir de seu depoimento. O juiz irá depor como testemunha e a
causa será processada e julgada pelo seu substituto legal (arts. 144, I, c.c.
146, §1º, c.c. 452, I, do CPC).

175
(ii) local e momento processual

A oitiva da testemunha é produzida na sede do juízo, em


audiência de instrução e julgamento (arts. 450, caput c.c. 453 caput, e
361, III, CPC).183 Excepcionalmente é possível que a testemunha preste
depoimento em outro local e momento, quando: (i) por enfermidade ou por
outro motivo relevante, estiver impossibilitada de comparecer à sede do
juízo (art. 449, p.u., do CPC); (ii) por prestarem depoimento
antecipadamente (arts. 453, I, c.c. 381, do CPC); (iii) inquiridas por carta
precatória, rogatória, de ordem ou arbitral (arts. 453, II, c.c. 237, do CPC).

Se a testemunha residir fora da sede do juízo


poderá ser ouvida por meio de videoconferência ou outro recurso
tecnológico de transmissão de sons e imagens, em tempo real, inclusive
durante a audiência de instrução e julgamento. A despeito da crônica
escassez de recursos financeiros do país, inclusive para o Judiciário, a
norma determina [“deverão”] que os órgãos judiciais possuam tais
equipamentos (arts. 453, §§1º e 2º, do CPC).

Certas autoridades públicas serão inquiridas em sua


casa ou onde exercem sua função, como estabelece o art. 454, do CPC:
(i) do Poder Executivo: o Presidente e Vice-Presidente da República;
os chefes dos executivos estaduais, distrital e municipais; os ministros de
Estado e do Tribunal de Contas da União; e os conselheiros dos Tribunais
de Contas dos Estados e do Distrito Federal;
(ii) do Poder Legislativo: membros do Congresso Nacional e das
Assembleias Estaduais e Distrital;

183
A oitiva na sede do juízo é norma que segue a regra geral de que os atos processuais, de ordinário, são
praticados na sede do juízo art. 217, do CPC.

176
(iii) do Poder Judiciário: ministros do Supremo Tribunal Federal;
dos Tribunais Superiores, do Conselho Nacional de Justiça;
desembargadores dos Tribunais de Justiça, Tribunais Regionais Federais,
Tribunais Regionais do Trabalho e Tribunais Regionais Eleitorais;
(iv) do Ministério Público e da Advocacia Pública: o procurador-
geral da República e os conselheiros do Conselho Nacional do Ministério
Público; os procuradores-gerais de Justiça; os procuradores-gerais dos
Estados; os procuradores-gerais dos Municípios; o defensor-público geral
federal e os defensores-públicos gerais dos Estados;
(v) da Diplomacia: o embaixador de país que, por lei ou tratado,
concede idêntica prerrogativa a agente diplomático do Brasil.

A prerrogativa para depoimento em casa ou no


local onde exerce função é acompanhada da possibilidade de indicação,
pela autoridade, de dia, hora e local para ser inquirida, a qual será
solicitada pelo juiz, que deverá enviar uma copia da petição ou da defesa
oferecida pela parte que a arrolou como testemunha. (arts. 454, §1º, do
CPC).

A inércia da autoridade não pode prejudicar a


duração razoável do processo para a resolução do mérito e satisfação do
vencedor, de sorte que o juiz deverá marcar data e local para o depoimento,
preferencialmente na sede do juízo, se a testemunha deixar de comparecer,
injustificadamente, à sessão previamente agendada, ou, deixar de se
manifestar dentro de um mês da solicitação judicial de agendamento (arts.
454, §§2º e 3º, do CPC).

177
(iii) inquirição da testemunha

Instalada a audiência, com a presença de todos que dela


devam participar, e, após o juiz tentar conciliar as partes, em se tratando de
litígio sobre direito disponível, vale dizer, que admitem autocomposição,
serão colhidas as provas orais, em primeiro lugar, a oitiva do perito e dos
assistentes técnicos, em seguida, o depoimento pessoal das partes, e, por
último, a oitiva das testemunhas (arts. 334, §4º, II, 358, 359 e 361, do
CPC).

A oitiva das testemunhas se inicia com as arroladas pelo


autor e depois as do réu, separada e sucessivamente, providenciando o juiz
que umas não ouçam o depoimento das outras, podendo haver inversão
desta ordem se as partes concordarem (art. 456, do CPC).

A testemunha será qualificada antes de depor,


confirmando seus dados pessoais e informando se tem parentesco com a
parte ou interesse no objeto do processo (art. 457, do CPC).

Depois de qualificada em juízo, mas ainda antes de


depor, três situações distintas podem ocorrer.

Primeiramente, a testemunha poderá requerer ao juiz


que a escuse de depor, com base nos permissivos legais (art. 457, §3º, do
CPC). Conquanto a norma estipule que “o juiz deverá decidir de plano,
após ouvidas as partes”, não se pode deixar de reconhecer o direito da
testemunha de demonstrar, neste momento, por quaisquer meios de prova, a
procedência da escusa alegada. A decisão de plano importa em proibir uma
dilação probatória, contudo, não impede a demonstração, na audiência de

178
instrução, do fundamento da escusa. Acolhida a escusa, a testemunha será
dispensada; caso contrário, deverá depor, ficando sujeita à eventual sanção
penal por falso testemunho.

Em segundo lugar, a testemunha poderá ser


contraditada pela parte contraria àquela que a arrolou, sob alegação de
incapacidade, impedimento ou suspeição. Negados os fatos pela
testemunha, a prova da contradita deve ser feita no ato, por meio de
documentos ou até três temunhas. Provada a contradita, a testemunha será
dispensada, ou, o juiz poderá ouví-la como informante, significa dizer, sem
prestar compromisso. (art. 457, §§1º e 2º, do CPC).

Em não ocorrendo qualquer das duas situações acima


descritas, a testemunha prestará compromisso de dizer a verdade do que
souber ou lhe for perguntado, devendo o juiz advertí-la de que se fizer
afirmação falsa, calar ou ocultar a verdade inocorrerá em sanção penal (art.
458, do CPC). Trata-se do crime de falso testemunho estatuído nos arts.
342 e 343, do CP.184

184
CP - “Falso testemunho ou falsa perícia. Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar
a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou
administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbItral: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro)
anos, e multa. §1º As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é praticado mediante
suborno ou se cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal,
ou em processo civil em que for parte entidade da administração pública direta ou indireta. §2º O
fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito, o agente se
retrata ou declara a verdade.
Art. 343. Dar, oferecer ou prometer dinheiro ou qualquer outra vantagem a testemunha, perito,
contador, tradutor ou intérprete, para fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade em
depoimento, perícia, cálculos, tradução ou interpretação: Pena - reclusão, de três a quatro anos, e
multa. Parágrafo único. As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é cometido com
o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal ou em processo civil em que
for parte entidade da administração pública direta ou indireta.”

179
Outra novidade em relação à prova testemunhal diz
respeito à forma de inquirição. As perguntas serão feitas pelas partes (seus
advogados) diretamente à testemunha (art. 459, caput, do CPC).

Restou também explicitado que a parte contrária está


autorizada a formular perguntas à testemunha, após a inquirição da parte
que a arrolou. Como é cediço, o juiz poderá inquirir a testemunha, antes ou
depois das perguntas feitas pelas partes, notadamente, por ser ele quem
deve formar convicção sobre a existência, ou não, do fato. Além disso,
deve velar para que as testemunhas sejam tratadas com urbanidade, e,
proibir perguntas capciosas, vexatórias, que induzam as respostas, ou
ainda, que não tenham pertinência com as questões de fato objeto da prova
testemunhal. Se a parte o requerer, serão transcritas no termo de audiência,
as perguntas indeferidas pelo juiz (art. 459, §§1º a 3º, do CPC).

O depoimento poderá ser documentado por meio de


gravação, como preceitua o art. 460, do CPC. O dispositivo está em
consonância com as normas que autorizam a qualquer das partes,
independentemente de autorização judicial, gravar a audiência “em
imagem e em áudio, em meio digital ou analógico, desde que assegure o
rápido acesso das partes e dos órgãos julgadores, observada a legislação
específica” (art. 367, §§5º e 6º, do CPC).

No tocante à documentação do depoimento da


testemunha, o legislador acrescenta que “quando digitado ou registrado por
taquigrafia, estenotipia ou outro método idôneo de documentação, o
depoimento será assinado pelo juiz, pelo depoente e pelos procuradores”, e,
“se houver recurso em processo em autos não eletrônicos, o depoimento

180
somente será digitado quando for impossível o envio de sua documentação
eletrônica” (art. 460, §§1º e 2º, do CPC).

(iv) testemunha referida e acareação

Em decorrência do depoimento das testemunhas, poderá


o juiz, de ofício ou a requerimento da parte, ordenar a oitiva de testemunha
referida, ou, a acareação (art. 461, do CPC).

Referida é a testemunha mencionada nas declarações


das partes ou das testemunhas (art. 461, I, do CPC).

“Acareação, acareamento ou careação é o ato pelo qual


o juiz põe frente a frente duas ou mais testemunhas ou alguma delas com a
parte, quando detectar divergência entre seus depoimentos sobre ponto
relevante da lide”, como leciona João Batista Lopes.185

A acareação pode ser realizada entre duas ou mais


testemunhas ou entre alguma delas e a parte, exigindo-se que a divergência
entre os sujeitos seja relevante para a decisão do juiz sobre a existência ou
não do fato controvertido (art. 461, II, do CPC). Nota-se que é medida
grave e deve ser imposta somente em situações desse jaez, que coloquem o
juiz em dúvida sobre pontos relevantes concernentes à verdade do fato, e
não por mera conveniência ou oportunidade. Igualmente, entende-se
incabível a acareação entre as partes, mormente, porque dificilmente

185
Código de processo civil anotado (coord. José Rogério Cruz e Tucci), AASP/OAB/PR, p. 739.

181
alterariam seus depoimentos, haja vista não incorrerem em falso
testemunho, todavia, estando sujeito às sanções por litigância de má-fé.186

Na acareação, que pode ser realizada por


videoconferência ou por outro recurso tecnológico de transmissão de sons e
imagens em tempo real, os acareados serão reperguntados para que
expliquem os pontos de divergência, reduzindo-se a termo o ato de
acareação (art. 461, §§1º e 2º, do CPC).

186
Batista Lopes, idem, ibidem.

182
18. Prova pericial

18.1. Generalidades

As alegações de fatos que constituem o direito afirmado


pelo autor ou que extingam, modifiquem ou impeçam esse direito, devem
ser provadas, de ordinário, pela sua demonstração por meio de documentos,
depoimentos das partes e oitiva de testemunhas.187 A demonstração e a
compreensão dos fatos são realizadas diretamente ao juiz.188 O juiz, direta e
pessoalmente, colhe as provas.

O juiz é versado em Direito, e é isso que se espera dele,


o conhecimento dentro desta área do saber. Quando se exige para a
verificação ou a apreciação de fatos, ou ainda, para perquirir-se suas causas
ou consequências, uma ciência ou uma técnica diversas do saber jurídico,
deverá o juiz ser assistido por outra pessoa: o perito.189

Ao juiz não é dado, mesmo que tenha uma formação


multifacetada (v.g., ser engenheiro, contador, médico, psicólogo, e etc,
além de bacharel em direito), deixar de se valer do perito, por diversas
razões.190

187
Amaral Santos, ob. cit., p. 481.
188
Theodoro Jr. ob. cit., p. 533.
189
Amaral Santos, ob. cit., p. 483.
190
William Santos Ferreira, Código de processo civil anotado (coord. José Rogério Cruz e Tucci),
AASP/OAB/PR, p. 741. Neste sentido, a jurisprudência do STJ: Resp. 1.549.510-RJ; AgRgAResp-RN
184.563; Resp 1324681-SC; AgRgAResp-RS 1.396.201.

183
A principal diz respeito à observância do princípio do
contraditório e da ampla defesa.191 Sendo o processo construído por todos
os sujeitos do processo, a prova destina-se tanto ao juiz, quanto às partes.192
A participação das partes na elaboração da prova pericial é consectário
deste princípio. A atuação efetiva das partes na perícia dá-se desde a
indicação de assistententes técnicos, incluindo, formulação de quesitos,
acompanhamento dos trabalhos e diligências, apresentação de críticas,
solicitação de esclarecimentos, dedução de quesitos suplementares e etc.

Aponta-se, ainda, o fato de que o exercício da atividade


judicial poderia ficar maculado se o juiz, além de judicar, também
exercesse a função de expert.193

Outro argumento considera que, pelo princípio do duplo


grau de jurisdição, haveria a possibilidade de outros juízes, nos Tribunais,
revisarem a causa, resultando que a questão de fato controvertida acabasse
sendo apreciada tecnicamente apenas pelo juiz de 1º grau de jurisdição.194 É
essencial ter em mente que o processo é um instrumento público para a
resolução dos conflitos de interesses e nesta medida, a prova não é
produzida para ou pelo juiz, e sim interessa a todos os sujeitos do processo,
e também a comunidade jurídica, daí não caber ao juiz, mediante seu
conhecimento privado aquilatar o ponto objeto da prova, sem o auxílio do
perito, portador de saber especializado técnico ou científico. Incide o
princípio da aquisição processual da prova que, nesta quadra, destaca que

191
Nery-Nery, Código [2015], nota 2 ao art. 156, p. 746.
192
Ver itens 2 e 8.3.2.1.
193
Ernane Fidélis dos Santos, ob. cit., p. 573.
194
Marinoni-Arenhart-Mitidiero, ob. cit., p. 397.

184
a prova é elemento do processo e não dos sujeitos processuais, partes ou
juiz.195

Por último, da análise sintática do art. 156, do CPC,


verifica-se que o verbo “ser” corresponde ao deôntico lógico “obrigatório”,
de modo que o juiz está obrigado a utilizar-se do perito, quando a
verificação do fato depender de conhecimento técnico ou científico.

Pode-se, então, definir perícia como o meio de prova a


ser utilizado quando a revelação ou a interpretação do fato, as suas causas
ou consequências, depender de conhecimento técnico ou científico.

18.2. Perito e órgão técnico ou científico

(a) natureza do cargo e cadastro nos tribunais

O juiz será assistido por perito quando a prova do fato


depender de conhecimento técnico ou científico, conforme o art. 156, do
CPC.

O perito é um auxiliar do juízo, da Justiça, e como prevê


a lei tem conhecimento técnico ou científico específico para examinar,
vistoriar ou avaliar o fato probando. Em razão disso, age em nome do
Poder Judiciário, detendo fé pública, devendo exercer seu trabalho
imparcialmente, de sorte que está sujeito aos fatores de impedimento e de
suspeição, previstos nos arts. 144 e 145, do CPC (arts. 148, II, c.c. 467, do
CPC).
195
Ver item 6.1.

185
Uma das novidades do CPC/2015 é a possibilidade da
perícia ser realizada tanto por profissionais legalmente habilitados, quanto
por órgãos técnicos ou científicos, ambos devidamente inscritos em
cadastro mantido pelo tribunal ao qual o juiz está vinculado (art. 156, §1º
do CPC). No último caso, o órgão deverá informar ao juiz, os nomes e
qualificação dos profissionais que executarão a perícia para que seja
possível averiguar a ausência de circunstâncias para seu impedimento ou
supeição (art. 156, §4º do CPC).

A elaboração de cadastro pelos tribunais, norma criada


consoante recomendação da Resolução nº 127, de 15 de março de 2011, do
Conselho Nacional de Justiça, deve ser realizada por consulta pública, via
internet ou jornais de grande circulação, além de consulta direta a
universidades, a conselhos de classe, ao Ministério Público, à Defensoria
Pública e à Ordem dos Advogados do Brasil, para a indicação de
profissionais ou de órgãos técnicos interessados (art. 156, §2º do CPC). É
necessária a revisão e atualização periódica dos profissionais cadastrados,
de modo a servir de instrumento idôneo para a indicação de profissionais e
órgãos com conhecimentos especializados (art. 156, §3º do CPC).

A existência do cadastro de profissionais e órgãos


técnicos ou especializados junto aos tribunais é elemento que gera equidade
na seleção dos experts, reforça sua imparcialidade e equidistância entre os
sujeitos principais do processo, inclusive do juiz.

Em sede de princípio, é recomendável a escolha


paritativa, sempre que possível, entre os profissionais disponíveis,
atribuindo-se-lhes um volume semelhante de trabalho. A livre escolha do
perito deverá somente ocorrer em localidades que não disponha de

186
inscritos, ou, que estes não detenham conhecimento necessário para a
realização da perícia (art. 156, §5º do CPC).196

Nesta esteira, sempre com o objetivo de promover a


eficiência do serviço judiciário, os ofícios judiciais deverão, a partir do
cadastro do respectivo tribunal, organizar lista de peritos, disponibilizando
à consulta de interessados – especialmente, o próprio juiz, as partes e seus
advogados - seus documentos de habilitação, capacidade técnica e área de
conhecimento (art. 157, §2º do CPC). Isto não significa criar uma
vinculação entre um dado perito e uma vara específica, mas, propiciar a
facilitação na escolha, e atender à uma nomeação equitativa entre os
especialistas.197

(b) responsabilidade e substituição

O perito, por ser um sujeito do processo (auxiliar do


Poder Judiciário), cumpre com seu ofício de forma técnica e ética
(conscienciosamente, escrupulosamente), dispensado-se-lhe de firmar
termo de compromisso (art. 466, do CPC).

Deverá declinar da nomeação se verificar estar impedido


ou ser suspeito de eticamente desempenhar o seu ofício e, o juiz, acolhendo
a escusa, nomeará novo perito (art. 467, do CPC).

Ao perito é facultado alegar motivo legítimo para


dispensa do encargo, no prazo de quinze dias da ciência de sua nomeação,

196
Renata Polichuk Marques, Código de processo civil anotado (coord. José Rogério Cruz e Tucci),
AASP/OAB/PR, p. 278.
197
Nery-Nery, Código [2015], nota 5 ao art. 157, p. 750.

187
sob pena de renúncia ao direito de alegá-lo (art. 157, caput, e §1º, do
CPC). Por se tratar de conceito vago, o juiz deverá decidir,
fundamentadamente, sobre a procedência da escusa.

Parece-nos que o prazo peremptório para a arguição do


motivo legítimo também deve ser avaliado criteriosamente pelo juiz, posto
ser possível remanescerem motivos graves e fundados que possam macular
a imparcialidade ou a capacidade técnica para a perícia, em que pese não
terem sido alegados no momento previsto pela lei.

Conclui-se que, dentro da perspectiva ética, o perito


deverá ser substituído quando impedido ou suspeito, ou ainda, julgado
procedente o motivo legítimo tempestivamente por ele arguido.

A falha técnica para o cumprimento do encargo importa


também na substituição do perito.

O perito será substituído quando incorrer em falha


técnica para ou no cumprimento de seu encargo. Logo, a substituição
ocorrerá se o perito: (i) não detiver conhecimento técnico ou científicio
necessário para executar o trabalho; ou, (ii) sem motivo legítimo, deixar de
cumprir o encargo no prazo que lhe foi assinado (art. 468, incisos I e II,
do CPC).

Nesta situação, deverá o juiz comunicar o fato à


corporação profissional respectiva para que adote as medidas que entender
cabíveis (art. 468, §1º, 1ª parte, do CPC).

188
Ao juiz incumbe também informar o tribunal e órgão
responsável pela formação do cadastro de peritos do fato ocorrido para as
providências devidas, na forma dos arts. 156, §3º, e 158, do CPC.

O juiz poderá impor uma multa ao perito quando este


deixar de entregar o laudo no prazo assinalado, a qual será fixada
considerando o valor da causa e possível prejuízo decorrente no atraso do
processo (art. 468, §1º, 2ª parte, do CPC).

O juiz condenará o perito substituído a restituir, no


prazo de quinze dias, os valores recebidos pelo trabalho não realizado, sob
pena de ficar impedido de atuar como perito judicial pelo prazo de cinco
anos. A decisão judicial é título executivo judicial, autorizando a parte que
depositou os honorários a promover a execução contra o perito, segundo o
procedimento do cumprimento de sentença (art. 468, §§ 2º e 3º, do CPC).

Em acréscimo, o legislador estabeleceu sanção ao perito


por violação de sua responsabilidade funcional, dolosa ou culposa, ao
prestar informações inverídicas (art. 158, do CPC). Nota-se que é
circunstância gravíssima, considerando a fé pública conferida ao perito.

O juiz declarará, neste caso, o perito inábil para atuar


em outras perícias por um período de dois a cinco anos, comunicando o
respectivo órgão de classe para adoção de eventuais medidas cabíveis.
Além disso, o perito está sujeito a responder pelos prejuízos que tiver
causado à parte, a ser apurado em ação autônoma.

189
A inabilitação não impede a aplicação de outras sanções,
civis, processuais ou criminais previstas em lei, v.g., incorrer no crime de
falsa perícia (arts. 342 ou 343, do CP).198

18.3. Modalidades de perícias

(a) modalidades de perícias

A lei aponta, sem definir, que a prova pericial consiste


em exame, vistoria e avaliação (art. 464, do CPC).

A perícia, por ser realizada por pessoa que detém


conhecimentos técnicos especializados, não se confunde com a exibição de
documento ou coisa, a qual é examinada pela parte. A prévia exibição não
impede a realização de prova pericial.199

O exame versa sobre a inspeção por meio de perito


sobre pessoas, coisas, móveis e semoventes. A vistoria consiste de inspeção
relativamente a imóveis. Por sua vez, a avaliação é destinada à estimação
do valor em moeda, de coisas, direitos ou obrigações.

(b) não cabimento de perícia

Logo após elencar as modalidades de perícia, o


legislador estabelece hipóteses em que o juiz indeferirá a sua realização
(art. 464, §1º, do CPC).

198
O preceito legal penal está transcrito na nota 178.
199
Ver item 16.1.

190
Indeferir significa rejeitar o requerimento feito pela
parte, assim como, deixar de determinar, de ofício, a realização da perícia,
em razão dela ser logicamente incabível.

A primeira hipótese surge quando a prova do fato não


depender de conhecimento técnico ou científico. Retrata-se situação de
incompatibilidade lógica, já que é pressuposto da perícia a necessidade de
conhecimento técnico ou cientifico para a verificação do fato.

Em segundo lugar, será indeferida a perícia se o fato já


estiver provado por outros meios. Tome-se de exemplo, a arguição pelo réu
de falsidade de documento juntado pelo autor, que concorda em retirá-lo do
processo (art. 432 e p. único, do CPC); ou, há prova documental de que o
imóvel objeto de ação reivindicatória é ocupado pelo réu; ou ainda, que o
autor, em ação declaratória de inexistência de relação jurídica, alega a
falsidade do contrato, posto que falsa sua assinatura, e o réu confessa o
fato, em resposta (arts. 374, II e III, c.c. 389, do CPC).200

O terceiro caso concerne a fato cuja verificação for


impraticável. Se não mais existente o objeto da perícia, pessoas ou coisas,
tampouco qualquer elemento indiciário, como vestígios ou marcas, o fato
não poderá ser reproduzido e analisado. Impossível a verificação direta
pelo perito. Todavia, muito comum no foro é a chamada perícia indireta,
exatamente quando há elementos que possibilitem a reconstrução do fato e
sua análise técnica.201 Assim, o perito pode, por exemplo: a) consultar
documentos oficiais ou banco de dados; b) inquirir o mecânico que
consertou o automóvel, em ação de reparação de danos; e, c) consultar

200
Os dois últimos exemplos são de Ernani Fidélis dos Santos, ob. cit., p. 575.
201
Theodoro Jr., ob. cit., p. 535.

191
prontuários médicos, entrevistar pessoas do convívio do falecido, em ações
de nulidade de testamento, fundadas na alegação de incapacidade do
testador.

(c) dispensa da perícia

Dentro dos objetivos de celeridade e efetividade da


reforma processual dos anos 1990, o art. 427 do CPC/73 teve sua redação
alterada pela Lei nº 8.455, de 24 de agosto de 1992, cujo teor está
reproduzido literalmente no atual art. 472, do CPC. A regra é designada
por alguns autores como perícia extrajudicial, nada obstante ser a perícia
um meio de prova produzido em contraditório, e perante o órgão judicial.

De tal sorte, o dispositivo é preciso ao empregar o termo


pareceres e não laudo para o documento acostado pelas partes. O juiz
dispensará a produção da prova pericial, se considerar suficiente para a
demonstração e interpretação dos fatos, pareceres técnicos ou documentos
elucidativos trazidos aos autos pelas partes, na petição inicial e na
contestação.

Cabe destacar que o preceito legal atribui ao juiz a


prerrogativa de considerar suficiente, ou não, os pareceres ou documentos
acostados pelas partes. Não tem sentido que, estando devidamente
esclarecidos os pontos controvertidos, seja determinada a produção da
prova técnica. Por sinal, a norma subsume-se em hipótese de indeferimento
da perícia por estar o fato provado por outros meios (art. 464, §1º, II, do
CPC).202

202
Cassio Bueno, ob. cit., p. 433.

192
Situações desse jaez têm sido reconhecidas pelos
tribunais, autorizando, por exemplo, apresentação de três orçamentos de
oficinas mecânicas de veículos para ações de reparação de danos, ou, de
avaliações realizadas por corretores, devidamente credenciados por órgão
de classe, em demandas envolvendo imóveis.

Recomenda-se, contudo, que o juiz seja bastante


criterioso em dispensar a prova pericial, notadamente considerando que
todas as provas são realizadas com a participação das partes, em obediência
ao princípio do contraditório e da ampla defesa.

Neste sentido é que o preceito menciona que os


pareceres técnicos e documentos elucidativos serão apresentados pelas
partes, na petição inicial e na contestação. Somente em caráter
excepcional, poderá o juiz dispensar a prova pericial quando tais
documentos forem apresentados somente por uma das partes. A
legitimidade da conclusão do juiz exige, por óbvio, a ampla oportunidade
para a parte contrária se manifestar, inclusive, impugnando o documento
juntado.

18.4. Prova técnica simplificada

Prosseguindo na perspectiva da efetividade processual, o


CPC criou a prova técnica simplificada a ser realizada em substituição à
perícia (art. 464, §2º, do CPC).

A prova técnica simplificada, determinada de ofício ou


por requerimento das partes, conduzida pelo juiz e coordenada com as
partes, consiste de inquirição em audiência de um especialista e de

193
assistentes técnicos, com o fim de esclarecer ponto controvertido de menor
complexidade (art. 464, §§ 2º e 3º, do CPC).

Exige-se que o especialista possua “formação acadêmica


especifica na área objeto de seu depoimento”, podendo valer-se durante a
sua inquirição “de qualquer recurso tecnológico de transmissão de sons e
imagens”, de acordo com o §4º do art. 464, do CPC.

18.5. Perícia consensual

Outra novidade que consagra o princípio da cooperação


dos sujeitos do processo para a célere e justa resolução do conflito (art. 6º,
do CPC), superando a vetusta dogmática que colocava o juiz como o
protagonista do processo, é a perícia consensual.

A perícia consensual é o negócio processual pelo qual as


partes de comum acordo escolhem e indicam ao juiz o perito que irá
elaborar o laudo pericial.

Os requisitos para a perícia consensual são os mesmos


para todos os negócios jurídicos processuais (art. 190, do CPC), a saber: (i)
que as partes sejam maiores e capazes; e, (ii) que a causa possa ser
resolvida por autocomposição, vale dizer, trata-se de conflito sobre direito
disponível (art. 471, do CPC).

A única diferença, portanto, entre a perícia dita judicial,


cujo perito é nomeado pelo juiz, e a perícia consensual reside no fato da
escolha do perito ser efetuada pelas partes (art. 471, §3º do CPC).

194
Deste modo, as partes devem indicar os respectivos
assistentes técnicos, formular quesitos, e, o juiz fixará prazo para a entrega
do laudo e dos pareceres (art. 471, §§ 1º e 2º, do CPC). Nada impede,
contudo, que as partes também submetam ao juiz, na forma do art. 191, do
CPC, calendário para a entrega do laudo e dos pareceres, e, em sendo o
caso, de audiência de instrução e julgamento para esclarecimento de
quesitos suplementares.

18.6. Produção da prova pericial

(a) nomeação do perito e definição do objeto da perícia

O juiz deve definir o objeto da perícia, nomeando o


perito especializado, e fixando de imediato o prazo para entrega do laudo
(art. 465, do CPC).

A ciência da nomeação provoca para o perito o dever de


apresentar suas escusas por impedimento, suspeição ou outro motivo
legítimo, e acolhida a alegação, o juiz o substituirá (arts. 157, c.c. 467, do
CPC).

Não sendo este o caso, ao perito incumbe apresentar em


cinco dias: (i) proposta de honorários; (ii) currículo, com comprovação de
especialização; e, (iii) contatos profissionais, em especial o endereço
eletrônico, para onde serão dirigidas as intimações pessoais (art. 465, §2º,
do CPC).

195
As partes poderão se manifestar, no prazo comum de
cinco dias sobre a proposta de honorários do perito (art. 465, §3º, do
CPC).

O dispositivo ainda prescreve que o juiz arbitrará o


valor dos honorários periciais e intimará as partes para fins do art. 95. As
regras do adiantamento dos honorários periciais, previstas no art. 95 devem
ser conciliadas com a previsão do §4º, do art. 465, do CPC.

Logo, o juiz está autorizado, e não obrigado, a intimar a


parte que requereu a perícia, ou, ambas se o requerimento for conjunto ou
se houve determinação de ofício para sua realização, para que deposite até
50% dos honorários arbitrados no início dos trabalhos (art. 95, caput e §§1º
e 2º, c.c. 465, §4º, do CPC). Isto porque o perito pode demonstrar a
necessidade de empenho de recursos para custear a realização da perícia.
Assim não fosse, o perito teria que “tirar do próprio bolso” a importância
necessária para efetuar seu trabalho.

O saldo dos honorários periciais será quitado depois de


entregue o laudo e prestados todos os esclarecimentos necessários (art.
465, §4º, do CPC). Por outro lado, “se perícia for inconclusiva ou
deficiente, o juiz poderá reduzir a remuneração inicialmente arbitrada para
o trabalho” (art. 465, §5º, do CPC). A nosso sentir, o juiz deverá reduzir a
remuneração do perito, exatamente porque este deixou de cumprir
adequadamente com o encargo cometido, e via de consequência, provocou
a elaboração de uma nova perícia, consoante o art. 480, do CPC.

Saliente-se que os honorários serão antecipados, dado


que o pagamento será suportado pela parte que sucumbir na demanda.

196
Considerando que a decisão que arbitra os honorários
periciais não está elencada dentre aquelas sujeitas a recurso de agravo de
instrumento (art. 1.015, do CPC), em princípio, a sua intimação tem o
condão de comunicar o ato processual e propiciar sua impugnação na forma
do art. 1.009, §§1º e 2º, do CPC.203

Se a perícia tiver de ser realizada perante juízo distinto


do da demanda, vale dizer, o ato processual é praticado por carta, a
nomeação do perito será realizada pelo juízo deprecado, contudo, os
assistentes técnicos, que são de confiança das partes, por estas serão
indicados (art. 465, §6º, do CPC).

(b) autenticidade ou falsidade de documento e exame médico-legal

O art. 478, do CPC, na esteira do revogado art. 434,


estabelece uma preferência por peritos de estabelecimentos oficiais
especializados quando o exame tiver por objeto a autenticidade ou a
falsidade de documento ou for de natureza médico-legal.

O juiz, que não é obrigado a utilizar estabelecimentos


oficiais, autorizará a remessa dos autos, se físicos, bem como o material
para exame ao respectivo diretor (art. 478, do CPC).

203
Apontamos o não cabimento do recurso de agravo de instrumento, em princípio, uma vez que o STJ
fixou a tese jurídica de que o rol do art. 1.015, do CPC, é de “taxatividade mitigada”, autorizando
interposição do recurso em casos omissos quando verificada a “urgência decorrente da inutilidade do
julgamento da questão no recurso de apelação” (Resp. 1.704.520-MT). Sobre a “utilidade” como requisito
para conhecimento de agravo de instrumento, já válido no regime do CPC/1973, e ainda plenamente
aplicável ao CPC/2015, ver o nosso “O vai e vem do recurso de agravo: uma nova modalidade de sua
interposição - o agravo nos autos do processo”. Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo:
Oliveira Rocha, nº 94, jan/2011, p. 89-98.

197
O dispositivo inova ao estipular uma preferência na
ordem dos trabalhos dentro do órgão público em favor de demandas de que
participem beneficiários da justiça gratuita, admitindo, ainda, a
prorrogação do prazo fixado para a sua conclusão, desde motivadamente
requerida (art. 478, §§1º e 2º, do CPC).204

Quando o exame for relativo à autenticidade de letra ou


firma, o perito “poderá requisitar, para efeito de comparação, documentos
existentes em repartições públicas e, na falta destes, poderá requerer ao juiz
que a pessoa a quem se atribuir a autoria do documento lance em folha de
papel, por cópia ou sob ditado, dizeres diferentes, para fins de
comparação”, de acordo com o art. 478, §3º, do CPC.

O Código Civil estabelece uma presunção legal, juris


tantum, contra quem se nega a submeter-se a exame médico, suprindo a
prova do fato que se pretende obter com a perícia, vedando ainda que o
sujeito possa se aproveitar de sua recusa em realizar o exame (arts. 231 e
232, do CC).

A regra deve ser aplicada por analogia contra quem se


recusa a escrever “dizeres diferentes” para fins de apuração da autoria de
documento, na forma do art. 478, §3º, do CPC.

204
O art. 95, §§3º a 5º, do CPC, disciplina detalhadamente a forma de custeio das perícias requeridas por
beneficiário da justiça gratuita.

198
(c) assistentes técnicos e quesitos

Intimadas da nomeação do perito, as partes poderão, no


prazo de quinze: (i) arguir o impedimento ou a suspeição do perito, se for o
caso; (ii) indicar assistente técnico; e, (iii) apresentar quesitos (art. 465,
§1º, do CPC).

A indicação de assistente técnico e a apresentação de


quesitos são ônus processuais, cuja omissão milita em desfavor da parte
pela falta de um expert para auxiliá-la no acompanhamento da perícia.

Os assistentes técnicos são de confiança da parte e não


estão sujeitos a impedimento ou suspeição (art. 466, §1º, do CPC).

As partes estão autorizadas a formular quesitos


suplementares durante a diligência, que poderão ser respondidos pelo
perito previamente ou na audiência de instrução e julgamento. A parte
contrária deve ser intimada para poder se manifestar sobre os quesitos
juntados (art. 469, do CPC).

Os quesitos formulados pelas partes não podem levar a


conclusões jurídicas; estas competem exclusivamente ao juiz da causa.

Considerando a busca da verdade real, é comezinho que


o juiz poderá formular quesitos que entenda necessários para o
esclarecimento e interpretação do fato probando. Por outro lado, no
exercício do controle do contraditório, deve indeferir quesitos
impertinentes (art. 470, do CPC). Nesta última circunstância, é de se
aplicar por analogia, a regra do art. 459, §3º, do CPC.

199
(d) laudo pericial e pareceres

As partes terão ciência da data e do local designados


pelo juiz ou indicados pelo perito para ter início a produção da prova (art.
474, do CPC).

Em certa medida, incrementando a participação das


partes na perícia, além do que era previsto no art. 431-A, do CPC/1973,
reproduzido integralmente no art. 474, deverá o perito assegurar aos
assistentes das partes o acesso e o acompanhamento das diligências e dos
exames que realizar, mediante comunicação prévia de ao menos cinco dias,
devidamente comprovada nos autos (art. 466, §2º, do CPC).

Outro ponto que sofreu sensível melhoria foi o da


especificação da forma e do conteúdo do laudo pericial, consoante o art.
473, do CPC.

Do laudo pericial devem constar quatro itens: (i) a


exposição do objeto da perícia; (ii) a análise técnica ou científica realizada
pelo perito; (iii) a indicação do método utilizado, esclarecendo-o e
demonstrando ser predominantemente aceito pelos especialistas da área do
conhecimento da qual se originou; e, (iv) resposta conclusiva a todos os
quesitos apresentados pelo juiz, pelas partes e pelo órgão do Ministério
Público.

Em sua fundamentação, deverá o perito usar linguagem


simples e coerência lógica, indicando como alcançou suas conclusões,
contudo, sem emitir opiniões pessoais que excedam o exame técnico ou
cientifico objeto da perícia (§§1º e 2º, do art. 473).

200
A produção da prova pericial, que engloba o laudo do
perito e os pareceres dos assistentes, deve procurar apreender da melhor
forma possível o objeto de análise, e, igualmente, transmití-lo ao juiz e às
partes. Logo, perito e assistentes podem se valer “de todos os meios
necessários”, contando com rol exemplificativo no §3º, do art. 473, do
CPC.

Em situações em que o objeto da perícia exige


conhecimento de mais de uma área de especialização, v.g., exame que
necessita de especialistas de mais de uma área da medicina, o juiz deverá
nomear um perito para cada área de conhecimento especializado, assim
como, as partes poderão indicar mais de um assistente técnico (art. 475, do
CPC). Esta é a chamada perícia complexa, que é única e, portanto, não se
confunde com a designação de segunda perícia.

O laudo pericial deverá ser protocolado em juízo com


pelo menos vinte dias de antecedência da audiência de instrução e
julgamento (art. 477, caput, do CPC). O prazo fixado judicialmente
poderá ser prorrogado, por motivo justificado pelo perito, uma única vez e
pela metade do período concedido originalmente para a elaboração do
trabalho (art. 476, do CPC).

Intimadas do protocolo do laudo, e em prazo comum de


quinze dias, poderão as partes se manifestar, e seus assistentes técnicos
oferecer pareceres (art. 477, §1º, do CPC).

No prazo de quinze dias subsequentes, deverá o perito


esclarecer ponto: (i) sobre o qual foi suscitada divergência ou dúvida pelas

201
partes, pelo juiz ou pelo representante do MP, ou, (ii) divergente dos
pareceres dos assistentes técnicos (art. 477, §2º, do CPC).

Remanescendo dúvida ou divergência, podem as partes


requerer a intimação do perito ou dos assistentes técnicos para comparecer
à audiência de instrução e julgamento, formulando quesitos de
esclarecimentos. (arts. 477, §3º, c.c. 361, I, do CPC). A intimação dos
experts será feita por meio eletrônico, com antecedência mínima de dez
dias (art. 477, §4º, do CPC).

(e) segunda perícia

O juiz, quando entender que o objeto da perícia não foi


devidamente esclarecido, poderá determinar a realização de uma nova
perícia. Significa que, remanescendo dúvidas no julgador sobre o tema
periciando, estas devem ser esclarecidas por meio de uma segunda perícia,
a qual pode ser determinada de ofício, ou mesmo, mediante requerimento
das partes (art. 480, do CPC).

Cabe notar que a segunda perícia não se confunde com a


perícia complexa, tampouco, trata-se de hipótese de irresignação das partes
com as conclusões ou respostas aos quesitos apresentadas pelo perito.

Seu limite é bem delineado pela lei: tem por objeto os


mesmos fatos sobre os quais recaiu a primeira perícia, e tem por objetivo
corrigir eventual omissão ou inexatidão dos seus resultados (art. 480, §1º,
do CPC).

202
Exatamente por isso que a segunda perícia não substitui
a primeira e “rege-se pelas disposições estabelecidas para a primeira”,
incumbindo ao juiz avaliar ambas (art. 480, §§2º e 3º, do CPC). Repita-se,
seu objetivo é corrigir omissão ou inexatidão dos resultados apresentados
pelo primeiro perito, circunstâncias que impediram a adequada avaliação
pelo juiz dos fatos objeto da prova técnica.

Considerando que a realização da segunda perícia


somente tem lugar quando há uma falha técnica do perito, defendemos
acima que a remuneração, inicialmente arbitrada, deve ser reduzida,
especialmente, porque haverão outros custos com a producação da perícia
de “correção”.

(f) valor da prova pericial

O Brasil, salvo exceções expressamente previstas na lei,


adota o princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão
racional (art. 371, do CPC), pelo qual não há uma graduação entre os meios
de prova dos fatos.205

O art. 479, do CPC, reforça a aplicação do princípio e


suas regras, fazendo referência explícita ao art. 371, e explicitando que o
juiz deverá declinar “os motivos que o levaram a considerar ou deixar de
considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado
pelo perito”.

205
Ver item 9.3.

203
A motivação específica é mais pungente na prova
pericial, em virtude da exigência de pessoa com conhecimento técnico ou
científico especializado para apuração do fato probando.

Vimos que, a despeito da criação de cadastro para


organização do quadro de peritos e órgãos técnicos e científicos perante os
tribunais, pode ocorrer que em dada comarca, seção ou subseção judiciária,
não exista um perito com conhecimento específico, mas apenas genérico,
sobre a área do saber relativa ao objeto da perícia.

A norma aponta o método utilizado pelo perito,


atualmente constante como requisito do laudo pericial (art. 473, II, do
CPC), como um dos possíveis fundamentos para a desconsideração
judicial das conclusões lançadas no laudo.

A avaliação deve levar em consideração outras provas


produzidas para o resultado da decisão206, todavia, reforçando que o fato
que se faz revelar e interpretar por perícia exige conhecimento técnico, e
sua infirmação deve ser muito bem fundamentada pelo juiz.

206
Neste sentido: STJ, Resp. nº 1.599.405.

204
19. Inspeção judicial

19.1. Generalidades

A inspeção judicial ingressou no direito positivo


brasileiro com o CPC/1973, não obstante já ser admitida pela doutrina e
jurisprudência à época do CPC/1939.207 O CPC/2015 reproduz, integral e
literalmente, a disciplina do direito anterior.

A inspeção judicial é prevista em diversos ordenamentos


jurídicos estrangeiros208, e apesar de sua ampla aplicação ao redor do
mundo, diversos aspectos continuam sendo objeto de intensas divergências
doutrinárias.

Costuma-se apontar que, se de um lado, a inspeção pode


ser um meio extremamente eficiente, pois permite ao juiz pessoalmente
verificar o fato probando, por outro lado, constitui em mecanismo que pode
vir a macular a imparcialidade do juiz, haja vista que ele pessoalmente
estaria produzindo a prova.209

207
Greco, ob, cit., p. 245; Abelha Rodrigues, ob. cit., p. 421.
208
Como por exemplo: argentino (CPC, arts. 479 e 480); chileno (CPC, arts. 403 a 408); mexicano (CPC,
arts. 161 a 164); português (CPC, arts. 490 a 493), italiano (CPC, arts. 258 a 262), espanhol (CPC, arts.
353 a 359); francês (CPC, arts. 179 a 183); alemão (CPC, arts. 371 a 372); e, suíço (CPC, arts. 181 e 182).
209
Greco, ob, cit., pp. 245/6; Abelha Rodrigues, idem, ibidem.

205
(a) meio de prova

Outro ponto diz respeito a tratar-se ou não de meio de


prova. Para alguns, a inspeção judicial seria um mecanismo análogo ao
interrogatório judicial das partes.

O interrogatório não se confunde com o depoimento


pessoal, meio de prova que tem por objetivo a obtenção da confissão.210 No
interrogatório o juiz pode, na forma do art. 139, VIII, do CPC, intimar as
partes “a qualquer tempo” para inquirí-las sobre os fatos da causa, sem
“aplicação da pena de confesso”. De forma análoga, o art. 481, permite ao
juiz realizar a inspeção judicial de pessoas ou coisas “em qualquer fase do
processo” com o objetivo de “se esclarecer sobre fato que interesse à
decisão da causa”.

De lege lata, a inspeção judicial brasileira é um meio de


prova (arts. 481 a 484, do CPC), apontado como sendo facultativo.211

(b) prova complementar

Profunda desinteligência recai, todavia, sobre a


facultatividade da inspeção judicial, vale dizer, teria o juiz poder
discricionário para determinar este meio de prova?

210
Ver item 13.2.
211
Greco, ob, cit., p. 246.

206
Embasado no poder instrutório do juiz de inspecionar
pessoas e coisas, a doutrina italiana, costumeiramente, refere-se a um poder
discricionário para a inspeção judicial.212

Nesta esteira, Arruda Alvim dá notícia de decisão do


Superior Tribunal de Justiça, na qual se emprega expressamente os
conceitos de conveniência e oportunidade, reconhecendo uma
discricionariedade judicial, como se verifica: “no que toca ao indeferimento
de prova solicitada (inspeção judicial), ressalte-se que tal decisão compete
à esfera discricionária do Juiz, que decidirá livremente sobre a
conveniência e oportunidade da produção de determinada prova” (Resp. nº
480.697/RJ, j. 07.12.2004).213

A jurisprudência italiana, conforme leciona Luciano


Ciafardini, propende por reconhecer a discricionariedade judicial, citando,
contudo, precedente que exige “fundamentação adequada” para indeferir
requerimento de uma das partes.214 Abílio Neto, em Portugal, colaciona
julgados também conflitantes, alguns explicitamente reconhecendo “um
poder discricionário” do juiz na realização da inspeção judicial, e outros
exigindo o dever do juiz demonstrar que a prova é “desnecessária ou
inútil”.215

212
Neste sentido Satta- Punzi fundamentados no art. 118, do CPC italiano, Diritto processuale civile,
Padova: Cedam, 2000, p. 327 a 321.
213
Ob. cit., p. 530.
214
Codice di procedura civile operativo, Napoli: Simone, 2013, nota ao art. 258, do CPC italiano, p. 723.
215
Ob. cit., p. 845.

207
Esta é a razão pela qual preferimos reconhecer um
caráter subsidiário à inspeção judicial, de sorte a considerá-la um meio de
prova complementar.216

Inexiste discricionariedade judicial, e, o devido processo


legal, na dimensão do dever de fundamentação das decisões judiciais se
espraia em diversos preceitos no campo das provas. O juiz decide – sempre
mediante fundamentação adequada – sobre os fatos controvertidos e os
meios de prova admitidos para demonstrá-los (art. 357, II, do CPC), e,
indefere provas e diligências inúteis ou meramente protelatórias (art. 370,
p. único, do CPC).

Segue nesta senda o entendimento consolidado do


Superior Tribunal de Justiça, como se confere de trecho do voto do relator,
abaixo reproduzido:

“No que se refere ao argumento de cerceamento de defesa por


indeferimento da realização de inspeção judicial, melhor sorte não
assiste à parte. Nesse sentido, tendo a Corte local entendido pela
desnecessidade de realização da inspeção judicial, hão de ser levados
em consideração o princípio da livre admissibilidade da prova e do
livre convencimento do juiz, que, nos termos do art. 130 do Código de
Processo Civil, permitem ao julgador determinar as provas que
entende necessárias à instrução do processo, bem como o
indeferimento daquelas que considerar inúteis ou protelatórias”
(destacamos - AgRg no AResp nº 555.585/PR, 3ª T., v.u., rel. Min.
Paulo de Tarso Sanseverino, j. 08.09.2015, DJe 15.09.2015)

216
Arruda Alvim, ob. cit., pp. 529/530; Amaral Santos, ob. cit., p. 501; Ivan Aparecido Ruiz, Código de
processo civil anotado (coord. José Rogério Cruz e Tucci), AASP/OAB/PR, p. 770.

208
Expressões utilizadas na lei, no Brasil e no exterior,
como: “pode” (art. 481, do CPC); “sempre que o julgue conveniente” (art.
490, do CPC de Portugal); “quando se estime necessária” (art. 403, do CPC
do Chile); “seja necessário ou conveniente” (art. 353, Ley de
Enjuiciamiento Civil da Espanha); não tem o condão de conferir ao juiz um
poder discricionário, permitindo que, por conveniência ou oportunidade, tal
qual o ato administrativo, possa arbitrariamente realizar ou não a inspeção
judicial.

Há um poder-dever do juiz em determinar ou não a


inspeção judicial, devendo em caso positivo delimitar o objeto da prova e
todo o procedimento a ser adotado, especialmente, com a intimação das
partes e seus advogados para acompanhamento.217

O caráter de meio de prova complementar reside no fato


de que a atividade probatória deve, em sede de princípio, ser realizada pelas
partes por juntada de documentos, oitiva de testemunhas ou depoimento
das partes, e quaisquer outros meios legais e moralmente legítimos, e,
sendo necessário conhecimento especializado técnico ou científico, por
meio de peritos e assistentes técnicos.

Ao juiz cabe realizar a inspeção “a fim de que possa se


esclarecer” (art. 481, do CPC), ou seja, melhor compreender e interpretar
a prova que, em regra, já foi produzida (art. 483, I, do CPC).218 Daí o
caráter complementar da inspeção judicial. Remanescendo pontos
duvidosos e que sejam essenciais para a demonstração do fato probando,

217
Nery-Nery, Código [2015], nota 6 ao art. 481, p. 1269.
218
Amaral Santos, ob. cit., pp. 500/1.

209
caberá a inspeção judicial. Inviável ou insatisfatória a inspeção judicial, o
sistema processual faz aplicar as regras dos ônus da prova e suas
consequências para a resolução do conflito de interesses.

Nesta linha de raciocínio, nada impede que o juiz faça a


inspeção antes da produção de outras provas, como destaca o art. 481, do
CPC - “em qualquer fase do processo” – todavia, o recomendável é que,
em sendo necessário, o faça para esclarecer ponto que continua obscuro.

(c) prova direta e constituenda

Além de prova complementar, a inspeção judicial


classifica-se como meio de prova direta e constituenda.219 O juiz por seus
sentidos (visão, audição, paladar, tato e olfato) diretamente observa
pessoas, coisas, lugares, as quais se constituem elementos do fato
controvertido.

19.2. Procedimento

(a) iniciativa

A inspeção judicial pode ser determinada de ofício pelo


juiz ou por provocação de qualquer das partes (art. 481, do CPC). Não se
deve descurar do fato de que o juiz possui poder investigativo na busca da
verdade dos fatos, regra genericamente estatuída no art. 370, do CPC.

219
Ver itens 3.1 e 3.4.

210
(b) objeto

A lei prescreve que o juiz poderá inspecionar pessoas e


coisas. A interpretação deve ser ampla, entendendo-se abranger: coisas,
móveis e imóveis, estes considerados como quaisquer lugares.220

Ao decidir por realizar a inspeção judicial, o juiz deve


delimitar pormenorizadamente as pessoas, coisas ou lugares que irá
inspecionar, relacionando-os com o fato ou fatos controvertidos, e,
fundamentando que sobre tais fatos ainda precisa de melhor
esclarecimento, verificação ou interpretação (arts. 481 c.c. 483, I, do
CPC). A ausência destes elementos pode eivar a decisão e a própria prova
de nulidade.

Em alguma medida, a inspeção judicial de coisa


aproxima-se da exibição de documento ou coisa, sem, contudo,
confundirem-se.

Ambas podem ser determinadas pelo juiz, de ofício, ou


mediante requerimento das partes (arts. 396 e 481, do CPC).

Ocorre que a exibição possui regime jurídico específico,


notadamente, no que se refere à eficácia da decisão que acolhe o pedido.

Por outro lado, a inspeção judicial é prova direta,


produzida pelo próprio juiz, e, complementar, visando propiciar-lhe
esclarecimento, ou, melhor interpretação do fato probando.

220
Utilizando expressamente a palavra “lugar”: art. 479, nº 1, do CPC argentino e o art. 258, do CPC
italiano.

211
É no caso concreto que se verificará se há um
requerimento da parte para exibição da coisa, ou, trata-se de situação em
que o juiz deverá inspecionar dita coisa. E, acrescente-se, nada impede a
realização dos dois meios de prova.

(c) local

Como se depreende do art. 483, do CPC, a inspeção


pode ser realizada na sede do juízo ou no local em que se encontra a pessoa
ou coisa.

Rente à realidade dos fatos, o art. 483, II e III, do


CPC, traz hipóteses em que o juiz realizará a inspeção no local em que se
encontra a pessoa ou coisa por ser; (i) impossível levá-las ao ofício judicial,
como imóveis ou doentes que não podem ser mobilizados; ou, (ii) por
existirem graves dificuldades ou consideráveis despesas para o traslado; ou
ainda, (iii) quando determinar a reconstituição dos fatos.

A casuística é recheada de situações, como: a inspeção


no local para apurar a poluição sonora ou do ar; a reconstituição do
acidente automobilístico, e etc.

É de especial relevo a inspeção judicial obrigatória no


procedimento especial de interdição, para que o juiz pessoalmente
entreviste o interditando, na sede do juízo, ou, no local onde ele estiver se
não for possível seu deslocamento (art. 751, caput, e §1º, do CPC).

212
(d) auxílio de perito

O juiz poderá ser assistido por um ou mais peritos,


prescreve o art. 482, do CPC.

A inspeção judicial é produzida pelo próprio juiz que


colhe a prova por meio de seus sentidos. Havendo necessidade de auxílio
de pessoa com conhecimento técnico ou científico especializado – perito –
este poderá acompanhar o juiz.

A perícia é outro meio de prova, cuja verificação e


interpretação, causas ou consequências, do fato probando é realizada pelo
perito. Este é que aporta ao processo, por intermédio de seu laudo,
impressões e conclusões sobre o objeto da perícia, transmitindo-os ao juiz e
às partes.

A norma ao falar em um ou mais peritos tem em vista a


necessidade de especialistas em mais de uma área de conhecimento, como
ocorre na perícia complexa.221

(e) participação das partes e assistentes técnicos

Em observância ao postulado do devido processo legal,


expresso nos princípios fundamentais do contraditório e ampla defesa, e, da
cooperação processual, as partes têm o direito de participar e influir na
adequada coleta da prova de inspeção judicial. Assim explicita o parágrafo
único do art. 483, do CPC, in verbis: “As partes têm sempre direito a

221
Ver item 18.6. letra (d).

213
assistir à inspeção, prestando esclarecimentos e fazendo observações que
considerem de interesse para a causa.”

Ora, se o objeto da inspeção exige conhecimentos


técnico ou científico especializados, de molde ao juiz solicitar a ajuda de
perito para examiná-lo, igualmente, poderão as partes ser auxiliadas por
seus assistentes técnicos.

(f) documentação da inspeção

O art. 484, do CPC, trata da documentação da inspeção


judicial.

O Código utiliza, em regra, a palavra “termo” quando o


ato processual é praticado dentro do ofício judicial – vara e cartório, ou
secretária – e documentado (formalização) pelos auxiliares do juiz. Se o ato
é praticado fora do ofício judicial, normalmente, sua documentação é feita
por “auto”.

Em consequência, se a inspeção for realizada na vara


judicial deverá ser lavrado termo. Por outro lado, se feita no lugar onde se
encontra a pessoa ou a coisa, tratar-se-á de auto.

Como bem recomenda Humberto Theodor Júnior, em


caso da inspeção in loco, para manter a maior fidelidade possível dos atos
praticados, é recomendável que o auto seja realizado, ao menos

214
parcialmente, no local, deixando suas conclusões para serem lançadas no
ofício judicial, se for o caso.222

Igualmente, devem ser registradas todas as ocorrências e


manifestações, inclusive de peritos, assistentes técnicos, partes e quaisquer
pessoas que tenham participado da inspeção judicial.

Dado o avanço da ciência, todo e qualquer meio de


captação de imagem, som ou outro elemento relativo ao objeto da prova,
deve ser empregado para retratar a inspeção da forma mais fidedigna
possível. Nesta linha, preceitua o art. 484, parágrafo único, do CPC, que:
“O auto poderá ser instruído com desenho, gráfico ou fotografia.”

222
Ob. cit., p. 544.

215

Você também pode gostar