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TECNOLOGIA DE TRADUÇÃO E SEU ENSINO

Érika Nogueira de Andrade Stupiello*

PYM, A., PEREKRESTENKO, A., STARINK, B. (2006)


Translation technology and its teaching.Tarragona, Espanha.
Disponível em http://isg.urv.es/publicity/isg/
publications/technology_2006/idex.htm. Acesso em 22/
06/2006

O progresso tecnológico experimentado em nossa era tem


provocado diversas mudanças na maneira como vivemos e
interagimos com as pessoas e o mundo à nossa volta. Velocida-
de e facilidade de acesso a informações, e de troca das mesmas,
são conveniências características da globalização e, em grande
parte, responsáveis pelo considerável impulso observado no co-
mércio de produtos, serviços e informações entre povos de dife-
rentes nacionalidades. A demanda por respostas rápidas às
informações recebidas por meios eletrônicos tem estimulado a
progressiva substituição de materiais impressos por documen-
tos digitalizados, de edição mais eficaz e de transmissão mais
rápida ou de ágil compilação e armazenamento em banco de
dados. Se, por um lado, a internet tem propiciado acesso irrestrito
a informações e promovido contatos mais rápidos e eficazes en-
tre pessoas e empresas, por outro, ela promove a ilusão de que
as diferenças lingüísticas possam ser facilmente resolvidas pela
tradução.
Segundo Anthony Pym, Alexander Perekrestenko e Bram
Starink, organizadores do livro Translation tecnhology and its

*
Doutoranda em Estudos Lingüísticos pela Unesp de São José do Rio
Preto. Coordenadora e docente do curso de Bacharelado em Letras com
Habilitação em Tradutor e Intérprete em Língua Inglesa da União das
Faculdades dos Grandes Lagos – Unilago, de São José do Rio Preto/SP.

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teaching (“Tecnologia de tradução e seu ensino”), nunca houve
uma demanda tão acirrada por traduções nas mais diversas lín-
guas, traduções essas que não deixam de requerer conhecimen-
to lingüístico, mas já não podem ser consideradas “meras
traduções”, desde que envolvidas com as tecnologias de tradu-
ção. Conforme explicam no prefácio do livro, o qual, aliás, já
incorpora as mudanças que são discutidas na obra acerca do
status do texto impresso, por exemplo, ao disponibilizar a mes-
ma em formato digital (extensão pdf), a demanda atual por ser-
viços de tradução envolve tanto conhecimento de línguas, como
competência na manipulação de programas de memórias de tra-
dução, em gerenciamento de terminologia e conteúdo e, cada
vez mais, na integração de várias formas de tradução automáti-
ca e semi-automática.
Em face à mudança da concepção sobre a tradução, mui-
tas instituições que se dedicam ao ensino dessa disciplina têm
refletido sobre as inevitáveis mudanças a que seus currículos
terão de se submeter a fim de atender às solicitações de seus
aprendizes de tradução, qualificando-os para a prática profissi-
onal. Nesta obra sobre a qual ora refletimos, tais mudanças são
abordadas pelas perspectivas da pedagogia e da prática,
delineadas por artigos resultantes de várias atividades desen-
volvidas pelo Grupo de Estudos Interculturais da Universitat
Rovira e Virgili, em Terragona, Espanha. Esses artigos estão dis-
tribuídos em três seções.
A primeira delas apresenta um histórico da tecnologia de
tradução e é encabeçada por um artigo de José Ramon Biau Gil
e Anthony Pym, os quais constroem um panorama dos progres-
sos alcançados pelas novas ferramentas computacionais de tra-
dução e do impulso por elas proporcionado em termos de
eficiência de comunicação com clientes e colegas, além de agili-
dade de trabalho. Conforme argumentam, se, por um lado, pro-
gramas de memórias de tradução propiciam ganhos consideráveis
em recuperação de traduções já realizadas e no compartilhamento
de dados, por outro, ainda requerem investimento considerável
por parte do tradutor, bem como a disponibilidade de tempo
para o treinamento e domínio dessas novas tecnologias. Essa é
uma realidade geralmente ignorada por clientes que, cada vez

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mais, esperam que o tradutor já tenha familiaridade com certas
ferramentas na realização de suas traduções, uma habilidade
que se demonstra, então, um requisito decisivo na contratação
de serviços.
Os autores chamam a atenção para a própria caracterís-
tica de muitos dos textos traduzidos nos dias de hoje que, con-
forme demonstram, apresentam delimitação cada vez mais
imprecisa, uma vez que, em formato digital, são passíveis de
constante revisão e alteração, o que pode distanciar muito o tra-
dutor do formato final que o material por ele traduzido tomará.
Por outro lado, salientam que, embora o tradutor esteja, por ve-
zes, muito distante de seu cliente final, a “tradução ainda é um
serviço que depende de um alto grau de confiança entre o tradu-
tor e o cliente”. Esse aspecto parece interessante ao tomarmos
que, embora a tecnologia torne possível que um tradutor, atuante
numa cidade distante dos grandes centros, tenha acesso a cli-
entes e empresas multinacionais em qualquer parte do mundo;
e mais: não o restrinja à competição, em condições de igualda-
de, com tradutores estabelecidos em grandes metrópoles, os re-
cursos por ela disponibilizados não são suficientes para que este
profissional se estabeleça no mercado de trabalho. Da mesma
forma que a implementação de novas tecnologias é imprescindí-
vel ao tradutor, não se pode menosprezar a relação de confiança
entre o profissional e o cliente.
Os dois outros artigos incluídos na primeira parte do livro
tratam da localização, uma prática que envolve a tradução e a
adaptação de softwares para novos mercados. Bert Essenlink,
em “The Evolution of Localization”, faz um retrospecto da indús-
tria da localização que, com a introdução dos microcomputadores
no início dos anos oitenta, experimentou considerável cresci-
mento com a rápida expansão comercial de produtos de
informática norte-americanos em mercados internacionais. A
própria mudança de foco mercadológico teria levado muitos fa-
bricantes a buscar meios de adaptar seus produtos aos padrões,
aos hábitos e às línguas locais, o que passou a exigir o desenvol-
vimento de habilidades técnicas para a realização de tais tare-
fas. Soma-se a isso a necessidade de sofisticado conhecimento
lingüístico e cultural de tradutores dispostos a atuar nesse pro-
missor mercado.

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Se o desenvolvimento dessas novas habilidades era pro-
movido pelas próprias indústrias no início, a localização, mais
tarde, passou a atrair o interesse, ainda que restrito, de algu-
mas instituições acadêmicas nos Estados Unidos e na Europa.
Essas instituições passaram, a partir dos anos noventa, a ofere-
cer programas e cursos sobre localização, conforme revela Tim
Altanero em “The localization job market in academe”.
Aliás, segundo Pym, pelo fato de a localização ser
institucionalmente vista como mais “um nome elegante para o
ato de adaptar um texto para um público leitor específico, algo
que os tradutores fazem há milênios”, o espaço que ocupa nos
departamentos dos poucos cursos de tradução ainda é limitado.
Seu ensino é, na maioria das vezes, exercido por docentes que
não começaram trabalhando com localização e, pelo fato de a
prática não ter ainda constituído objeto sistemático de estudo,
ainda não conta com publicações que possam descrever e, tal-
vez, orientar o rumo que a área possa vir a tomar.
De uma maneira também inusitada, a segunda seção de
Translation technology and its teaching, intitulada “Localization
and translation training (an online conference)” traz as respos-
tas às questões sobre treinamento em localização discutidas em
uma conferência on-line por professores de universidades na Ir-
landa, no Reino Unido e no Canadá. Todos os participantes re-
conhecem que os materiais traduzidos atualmente pouco se
assemelham aos textos traduzidos no início dos anos noventa, e
que a localização estaria muito mais associada à globalização do
que à tradução, sendo vista como uma resposta à necessidade
das empresas de adaptar seus produtos às particularidades dos
mercados internacionais. Vê-se, também, como essencial que a
localização passe a integrar os currículos dos cursos de forma-
ção de tradutores, embora se reconheça que a qualificação des-
ses aprendizes muito provavelmente deverá ser conduzida por
profissionais atuantes no mercado de localização e que não ne-
cessariamente compõem o quadro docente da maioria das uni-
versidades que oferecem cursos de tradução.
Por fim, a terceira seção, denominada “Technology and
Translation”, reúne seis artigos contemplando, de maneira mais
pontual, o treinamento de tradutores nas tecnologias de locali-
zação e memórias de tradução.

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Ignacio Garcia, da University of Western Sydney, na Aus-
trália, questiona se as memórias de tradução constituíram uma
“benção ou uma maldição” para o trabalho do tradutor. Se, por
um lado, tradutores que utilizam diferentes programas de me-
mórias de tradução atestam ganhos em produtividade, com o
acesso rápido a soluções já encontradas para suas traduções,
eliminando-se o retrabalho, por outro, vivenciam uma situação
peculiar às tecnologias adotadas: a solicitação de clientes para
reduzirem-se os custos de traduções que contenham segmentos
já traduzidos, integrando os bancos de dados das memórias for-
necidos pelos próprios clientes, ou a solicitação sobre aquelas
que resultem de serviços anteriormente realizados para esses
mesmos clientes, serviços esses já remunerados.
Pode-se argumentar que esse cenário suscita questões de
natureza ética em, pelo menos, dois aspectos: quando se esta-
belece um valor para um serviço de tradução, deve-se conside-
rar que o contratante terá direito, também, ao banco de dados
formado a partir da tradução para ele realizada? E, por exten-
são, o tradutor que faz uso do banco de dados previamente for-
necido por um cliente pode afirmar que a tradução que realizou
é realmente sua? Essas são apenas duas das várias questões
que devem gerar bastante discussão acerca do impacto das
tecnologias nas relações entre tradutores e potenciais clientes.
Uma conclusão a que se pode chegar com a leitura do livro
ora resenhado é a de que a tecnologia não é mais uma opção nos
dias de hoje; antes, é indissociável de qualquer trabalho de tra-
dução. Se, a princípio, experimentou-se com os avanços
tecnológicos um temor ingênuo de que a automação levaria à
substituição do tradutor, hoje tem-se por indispensável a atua-
ção do tradutor humano em projetos sérios, que envolvam um
certo grau de automação na produção de traduções. Uma das
maiores contribuições deste livro é apresentar, por diversas pers-
pectivas, o que há de mais moderno a ser empregado pelo tradu-
tor em seu trabalho. Serve também como ponto de partida para
uma reflexão mais detalhada sobre os limites e os conflitos da
coexistência entre o homem e a máquina, especialmente quando
se trata de assumir a responsabilidade sobre a produção do novo
significado que o texto traduzido passará a ter.

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