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29/11/2020 Enrique Metinides e as tragédias no cotidiano | by Alexandre Maia | O Conta-Fios | Medium

Enrique Metinides e as tragédias no cotidiano


O fotojornalismo tem muito de tragédia. E este fotógrafo entendia disso muito bem.

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Jul 27, 2015 · 6 min read

F otografar tragédias cotidianamente costuma ser considerado algo intrínseco ao ao


trabalho de fotojornalistas que cobrem guerras e conflitos de grandes proporções
em geral. Tragédias “menores”, cobertas não tão intensamente pelos jornais e revistas
(como acidentes automobilísticos fora de pistas de corrida) são mais frequentes, porém
costumam não criar fotógrafos especializados no assunto ou que tenham no registro das
tragédias mais corriqueiras sua marca.

Uma belíssima exceção, do qual sou fã assumido, é o fotógrafo mexicano Enrique


Metinides. Por mais que a apreciação de seu trabalho possa parecer mórbida para
muitos, é preciso ver além do simples registro de situações quase, ou definitivamente,
fatais. Um olhar mais frio para a técnica fotográfica, sociológico e — será exagero meu?
— até filosófico é bem-vindo e adequado para os cliques de Metinides. Vejo mais
profundidade nas capturas realizadas por ele do que por paparazzi, mesmo quando estas
são postas em exposição. Como bem lembrou o Cultura Colectiva, Freud afirmou que
estamos sujeitos a duas forças unificadoras da vida humana: o eros e o thanatos — que
podem ser resumidos e traduzidos (ainda que algo grosseiramente) como a sexualidade
e a morte — e é nesta última área que encontra-se o trabalho de Enrique Metinides.

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Enrique Metinides

Tendo suas fotos publicadas desde os 11 anos, El Niño, como era chamado pelos
fotojornalistas mais velhos, já registrou variados motivos dentro das chamadas bloody
news (notícias sangrentas, ou no original mexicano, nota roja): acidentes de carro e de
avião, incêndios, eletrocução… Segundo ele, em depoimento à Vice Portugal, todos os
dias de seus 50 anos de carreira ocorreram acidentes, e ele já clicou ocorrências mais
impressionantes que as que se pode imaginar. Segundo conta, seu interesse por tais
temas vem desde que seu pai, que possuía uma loja onde vendia câmeras e revelava
filmes, lhe deu uma câmera e uma bolsa cheia de rolos. Com essa câmera, uma Brownie,
o garoto de 10 anos começou a clicar acidentes de carro pelo centro da Cidade do
México, onde mora e trabalha até hoje, e assim começou a ter, ainda novo, suas
primeiras visões de corpos e assassinos.

O grande motivo porque sou fã dele, porém, não são as ocorrências em si que já foram
fotografadas por ele, e sim suas fotografias, que já mereceram até exposições no México
e países como Inglaterra, Espanha e até na disputadíssima Nova York. Suas fotos têm um
senso de composição apurado, que demonstram uma certa tensão de cena, mas com a
tranquilidade do fotógrafo acima de tudo, tratando de registrar o fato sem descuidar-se
de mostrar a história e seu contexto. Disse Trisha Ziff, que fez a curadoria de fotos para o
livro 101 Tragedias de Enrique Metinides: “As fotografias de Metinides são criadas com
precisão e estilo cinematográficos, mas sua compaixão pelas vítimas nunca está longe.
Ele sente uma responsabilidade moral profunda para com aqueles deixados para trás.”.

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Em suma, não são fotografias nervosas, e sim registros muito bem feitos da falibilidade
humana.

Abaixo, algumas imagens, com descrições do fotógrafo:

Extraído do La Prenza, 25/maio/69: Centenas de pessoas amontoam-se para ver um


ônibus que capotou e caiu no rio San Esteban, depois que seus freios falharam na rota
entre a Cidade do México e Huixquilucan. Dentro estavam 23 crianças gritando. Quando
eles viraram o ônibus, descobriram o corpo de uma criança morta, que tinha caído
através de uma janela aberta.

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Cidade do México, 19/set/85: O Hotel Regis, no centro após o terramoto de 1985. O hotel
era perto da loja que meu pai anos tinha anos antes, quando ele me deu minha primeira
câmera. Não apenas o hotel entrou em colapso, como também lojas, restaurantes e
salões de cabarés nas proximidades, bem como o prédio Salinas y Rocha. Você pode ver
a Torre Latinoamericano em segundo plano.

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Lago Xochimilco, Cidade do Mésico, 1960: Alguém jogou o corpo de um homem


assassinado no canal em Xochimilco. O salva-vidas, amarrado a um cabo para sua
própria segurança, nadou até o corpo. Na margem oposta você pode ver todos os
espectadores refletidos na água. Eu chamo isso de fotografia detetivesca com arte!

Colonia Doctores, Niños heroes, Cidade do México, 1966: Esta mulher não tinha dinheiro
para comprar um caixão para seu filho, que havia morrido quando um ônibus passou
por cima dele. Ela foi a uma loja de caixão perto do hospital e comecei a orar e implorar,
gritando por ajuda. Depois de algum tempo, ela estava cercada por pessoas, que
perguntaram o que aconteceu. Juntas, cada uma dessas pessoas deu um pouco de
dinheiro para ajudá-la. Com isso e um desconto do fabricante de caixões, ela foi capaz de
comprar um caixão e enterrar seu filho com alguma dignidade. Ela teve que caminhar
nove quilômetros com o caixão para sua casa.

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Parque Chapultepec, Cidade do México, 1995: Uma jovem chora enquanto sentada ao lado
de seu namorado, que tinha sido morto em um assalto que deu muito errado. Parece que
ele está dormindo.

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Cidade do México, 25/maio/71: Eu estava no alto do edifício em frente quando eu tirei


esta sequência de fotografias. Estava em um local perigoso. Eu tive muitos acidentes, 19
no total: sete costelas quebradas, um ataque do coração, dedos quebrados. Caí em
muitas valas, mas sempre consegui tirar minhas fotografias de ação. Com esta história, o
La Prensa correu, “Eu queria saber o que era como a morte”, disse Antonio N., 45 anos,
depois de dois profissionais de resgate persuadirem-no a não pular. O homem não tinha
trabalho e uma série de preocupações.

Estrada para Queretorro, set/67: Funcionários da Cruz Vermelha seguram uma jovem,
que estava a caminho de uma festa, da cena de um acidente.

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Cidade do México, 29/abril/79: Adela Legarreta Rivas era uma jornalista mexicana. Ela
tinha uma conferência de imprensa no mesmo dia em que apresentaria seu mais recente
livro. Ela tinha ido ao salão de beleza naquela manhã, onde fez seu cabelo e unhas. No
caminho do salão de beleza para sua casa, ela foi morta, atropelada por um Datsun
branco na Avenida Chapultepec. Esta fotografia não foi a publicada no dia seguinte nos
jornais. Muitas vezes, as fotografias que mais tarde passaram a se tornar importantes
não foram as escolhidas pelos editores para o jornal.

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Polanco, Cidade do México, 09/ago/67: Vi estas crianças, que eram norte-americanas, se


divertindo em meio a este desastre natural. Haviam carros surfando em uma enchente
súbita na esquina da [Avenida] Horacio com a Presidente Masaryk! Quando me viram
tirando fotos, viraram-se e acenaram!

Caso seja do interesse de algum leitor, o livro 101 Tragedias de Enrique Metinides da
editora Aperture pode já ser adquirido aqui no Brasil em várias lojas.

Originalmente publicado no Atelliê Fotografia em 08/12/2014

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