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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIFG INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR (IES)

DO GRUPO ÂNIMA EDUCAÇÃO

DIREITO
UC - RELAÇÕES TRABALHISTAS

A CONSTITUCIONALIDADE DO TRABALHO INTERMITENTE

Parecer Jurídico Nº 01, 05/06/2023

Ementa: CONSTITUIÇÃO FEDERAL DA


REPÚBLICA DO BRASIL; DIREITO SOCIAL
AO TRABALHO (ART. 6, ART. 7, INCISOS I
AO XXXIV, ART. 8, ART. 9, ART. 10, ART. 11).
CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS TRABALHISTAS
(DECRETO LEI nº 5.452/1943, ART 443, CLT);
REFORMA TRABALHISTA (LEI nº
13.467/2017 - ART. 443, § 3º; ART. 452-A até
ART. 452-H, CLT )

ASSUNTO: A nova modalidade de trabalho intermitente prevista na CLT, incluída na


reforma trabalhista de 2017.

TEMA: Parecer Jurídico

REQUERENTES: Professoras Ana Paula Lima Cardoso da Silveira e Isabela


Fernandes Amorim
Sumário

1. RELATÓRIO ........................................................................................................................ 3
1.1. Objetivo ................................................................................................................................... 3
2. FUNDAMENTOS JURÍDICOS ........................................................................................... 4
3. A CONSTITUCIONALIDADE DO TRABALHO INTERMITENTE ................................ 9
3.1. Argumentos a favor do trabalho intermitente ........................................................................ 12
3.1.1. Flexibilidade para empregadores e trabalhadores ......................................................... 12
3.1.2. Geração de empregos .................................................................................................... 12
3.1.3. Possibilidade de remuneração proporcional à produção ............................................... 12
3.2. Argumentos contra o trabalho intermitente ........................................................................... 13
3.2.1. Precarização das condições de trabalho ........................................................................ 13
3.2.2. Fragilização dos direitos trabalhistas............................................................................. 13
3.3.3. Potencial abuso por parte dos empregadores....................................................................... 14
4. CONCLUSÃO..................................................................................................................... 14
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................... 17

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1. RELATÓRIO

O trabalho intermitente era totalmente ilegal até 2017, mas as empresas adotavam
essa modalidade como forma de não pagar pelos direitos dos trabalhadores. Ou
seja, o trabalhador que aceitava essa contratação não tinha nenhum direito. Desde
então, foi promulgada uma lei que regulamentou essa forma de trabalho, trazendo
segurança aos profissionais que, até então, contavam apenas com o valor do próprio
serviço. A partir dessa lei, o trabalhador passou a ter direitos como remuneração,
férias proporcionais com acréscimo de um terço, descanso semanal remunerado,
décimo terceiro salário proporcional, recolhimento do INSS e FGTS.

Assim, com a reforma trabalhista de 2017, uma nova modalidade de trabalho passou
a vigorar na relação jurídica entre o empregador e empregado. O trabalho
intermitente trouxe como principal característica a intermitência na prestação de
serviços, ou seja, ele ocorre quando há alternância entre os períodos de atividade e
os períodos de inatividade do trabalho. Consequentemente, o empregado vai prestar
serviços mas de forma descontínua ao empregador. Desse modo, o empregador vai
contratar o empregado para trabalhar utilizando meios eficazes de comunicação
para que o trabalhador seja convocado, sendo remunerado somente pelo período de
execução do seu trabalho. Essa nova modalidade de trabalho está prevista na Lei
13.467 de 2017, que alterou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com a
alteração do artigo 443 e inclusão dos artigos 452-A até 452-H da CLT.

1.1. Objetivo

O objetivo deste parecer é analisar a constitucionalidade do trabalho intermitente,


uma modalidade de contratação prevista na reforma trabalhista de 2017. Para isso,
iremos apresentar a priore, os fundamentos jurídicos que embasam o Direito do
Trabalho na legislação brasileira, e a posteriore, os argumentos tanto a favor quanto
contra essa modalidade, com base na legislação vigente e na jurisprudência
relacionada.

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2. FUNDAMENTOS JURÍDICOS

O Direito ao trabalho está previsto na Constituição Federal de 1988 enquanto direito


social, em seus inúmeros artigos, do 6 ao 11, nos quais esclarecem sobre os direito
ao trabalho livre, justo e remunerado no Brasil. Em seu art. 7, a Constituição
estabelece em 34 incisos o rol dos direitos dos trabalhadores, além do parágrafo
único que assegura também direitos dos trabalhadores domésticos, dentre estes: a
proteção na relação de emprego em caso de demissões sem justa causa; o seguro-
desemprego; o fundo de garantia do tempo de serviço - FGTS; o salário mínimo; a
jornada de trabalho por turno; repouzo semanal remunerado; férias anuais; aviso
prévio; aposentadoria; etc. Nesse apanhado, o direito social ao trabalho está
constitucionalmente assegurado, como podemos acompanhar nos 1/3 incisos do art.
7/CF,
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros
que visem à melhoria de sua condição social:

I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem


justa causa,
II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;
III - fundo de garantia do tempo de serviço;
IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado,
V - piso salarial proporcional à extensão e à complexidade
VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou
acordo coletivo;
VII - garantia de salário, nunca inferior ao mínimo,
VIII - décimo terceiro salário com base na remuneração ou
aposentadoria;
IX - remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;
X - proteção do salário na forma da lei,
XI - participação nos lucros, ou resultados, e na gestão da empresa
XII - salário-família para os seus dependentes;
XII - salário-família pago em razão do dependente do trabalhador
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e
quarenta e quatro semanais
XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos
ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;
XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;
XVI - remuneração do serviço extraordinário superior (50%)
XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, 1/3 a mais;
XVIII - licença à gestante, com a duração de cento e vinte dias;
XIX - licença-paternidade, nos termos fixados em lei;
XX - proteção do mercado de trabalho da mulher
XXI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, 30 dias
XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas
de saúde, higiene e segurança;
XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas,
insalubres ou perigosas, na forma da lei;

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XXIV - aposentadoria;
XXV - assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o
nascimento até seis anos de idade em creches e pré-escolas;
XXV - assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o
nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas
XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de
trabalho;
XXVII - proteção em face da automação, na forma da lei;
XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho,

No art 8, a CF preve a livre associação sindical; no art 9, o direito a greve; no art 10,
a participação de trabalhadores em colegiados dos órgãos públicos; e, no art 11, o
direito de representação dos trabalhadores em empresas com mais de 200
empregados.

Contudo, no Brasil, desde a década de 40, do século passado, os direitos


trabalhistas estão regulamentados no documento da CLT- Consolidação das Leis
Trabalhistas, por meio do Decreto Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. O direito
relacionado ao objeto do presente parecer vem primordialmente estruturado na Lei
n. 13.467/2017, em especial em seu art. 443 e arts. 452-A até 452-H da CLT.
Segundo Mauricio Goldinho Delgado (2019, p.345/671), ―a Lei da Reforma
Trabalhista (n. 13.467/17), vigorante desde 11 de novembro de 2017, inseriu figura
contratual controvertida na CLT, denominada de contrato de trabalho intermitente‖,
que se ―trata, sem dúvida, de um trabalho não eventual‖. Todavia, ao considerar a
rejeição da teoria de descontinuidade pela CLT para configurar a prestação de
serviço eventual, conclui-se que
[...] a luz da Consolidação, um trabalhador que preste serviços ao
tomador, por diversos meses seguidos, mas apenas em domingos ou
fins de semana (caso de garçons de clubes campestres, por
exemplo), não poderia se configurar como trabalhador eventual, em
face da não absorção pela CLT, da teoria da descontinuidade
(DELGADO, 2019, p.343).

[...] A eventualidade, para fins celetistas, não traduz intermitência; só


o traduz para a teoria da descontinuidade — rejeitada, porém, pela
CLT, relativamente à caracterização da relação empregatícia. Desse
modo, se a prestação é descontínua, mas permanente, deixa de
haver eventualidade. É que a jornada contratual pode ser inferior à
jornada legal, inclusive no que concerne aos dias laborados na
semana (DELGADO, 2019, p.345).
A nova modalidade de trabalho não eventual, reitera Luciano Martinez (2019, p.
607), foi ―um dos mais polêmicos institutos da reforma trabalhista de 2017‖, pois
estava

5
[...] caracterizado pela admissão da licitude da conduta patronal de
contratar um empregado para pagar-lhe, somente quando se
mostrarem necessários os seus serviços, apenas as horas laboradas
sem que se estipule uma jornada fixa mínima de trabalho ou uma
carga semanal fixa mínima a ser cumprida.

No antigo texto da CLT, em seu art. 443, previa-se somente o contrato por tempo
determinado ou indeterminado, como vemos a seguir, no qual o prazo deveria ser
prefixado em caso de contrato por tempo determinado. Nos casos de contratos por
tempo indeterminado, se assegurava ao trabalhador todos direitos previstos na
constituição:

Art. 443. O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita


ou expressamente, verbalmente ou por escrito e por prazo
determinado ou indeterminado.

Parágrafo único. Considera-se como de prazo determinado o


contrato de trabalho cuja vigência dependa de termo prefixado ou da
execução de serviços especificados ou ainda da realização de certo
acontecimento suscetível de previsão aproximada.

Com a reforma trabalhista de 2017, o art. 443, da CLT, ganhou nova redação,
conforme podemos evidenciar. Ao artigo foram acrescentados três parágrafos, e, no
caput, uma nova modalidade ―para prestação de trabalho intermitente‖:

Art. 443. O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita


ou expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo
determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho
intermitente. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)

§ 1º - Considera-se como de prazo determinado o contrato de


trabalho cuja vigência dependa de termo prefixado ou da execução
de serviços especificados ou ainda da realização de certo
acontecimento suscetível de previsão aproximada. (Parágrafo único
renumerado pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)

§ 2º - O contrato por prazo determinado só será válido em se


tratando: (Incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)
a) de serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a
predeterminação do prazo; (Incluída pelo Decreto-lei nº 229, de
28.2.1967)
b) de atividades empresariais de caráter transitório;
(Incluída pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)

c) de contrato de experiência. (Incluída pelo Decreto-lei nº


229, de 28.2.1967)

§ 3º Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no


qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua,

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ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e
de inatividade, determinados em horas, dias ou meses,
independentemente do tipo de atividade do empregado e do
empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação
própria. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

Observa-se que, no parágrafo 3, do art. 443, da CLT reformada, definiu-se


sistematicamente o conceito de trabalho intermitente, de modo a distinguí-lo do
trabalho por prazo de tempo determinado. Além do requisito da subordinação,
podemos destacar a prestação de serviço de forma descontínua, com alternancia de
períodos ativos e inativos, de modo a estabelecer uma relação contratual com maior
flexibilização para a relação empregatícia. Dessa maneira, reitera Martinez (2019,
p.607), essa prestação de serviço ―fracionado‖ segue ―segundo a lógica do just in
time, vale dizer, do consumo fatiado, a granel, do número exato de horas, dias ou
meses necessários à satisfação dos interesses patronais‖. E, podemos ―tratá-lo de
trabalho não eventual, embora este seja fracionado no tempo de duração do vínculo‖
(DELGADO, 2019, p.406).

A reforma trabalhista de 2017 também introduziu novos artigos na CLT, no qual


disciplinou o trabalho intermitente do art 452-A até art 452-H. Segundo Martinez
(2019, p.608), o art 452-A dispõe sobre a forma de contrato, em seu inciso II, trata
de como deve ser registrado valor da hora/trabalho e a jornada completa. No § 6, do
art. 452-A, ―na data acordada para o pagamento‖, observado o disposto no § 11, o
empregado receberá, de imediato, as seguintes parcelas: I – remuneração; II – férias
proporcionais com acréscimo de um terço; III – décimo terceiro salário proporcional;
IV – repouso semanal remunerado; e V – adicionais legais. Segundo Delgado (2019,
p.674), a remuneração e demais parcelas especificadas no § 6º devem ser pagas ao
empregado de imediato, ao ―final de cada período de prestação de serviços‖, sendo
reiterado

[...] Naturalmente que esse rol de parcelas mencionadas no art. 452-


A, § 6º, ostenta caráter meramente exemplificativo. De fato,
dependendo do caso concreto, pode ele ser acrescido de outras
verbas (por exemplo, direitos estipulados em CCTs ou ACTs)

[...] Por fim, dispõe a CLT (§ 8º do art. 452-A) que o recolhimento da


contribuição previdenciária e o depósito de FGTS deverá ser
efetuado, pelo empregador,―na forma da lei, com base nos valores
pagos no período mensal‖,com o fornecimento ao empregado do

7
comprovante do cumprimento dessas obrigações (DELGADO, 2019,
p.674).

No art 452-B, são retificadas ―as formas e instrumentos de convocação e de


resposta para a prestação de serviços‖, tendo o prazo de 3 dias para convocação do
empregado, e este, 1 dia útil para responder ao chamado. Como preve o art 452-C,
o tempo de inatividade do empregado fica sendo considerado como tempo
disponível para outros contratantes, para execução de outros serviços (MARTINEZ,
2019, p.610). Ou seja, se houver remuneração do tempo disponível descaracteriza a
natureza jurídica do contrato de trabalho intermitente, visto que, ―o contrato de
trabalho intermitente é, no todo, on demand; o trabalho é fruído em toda a sua
dimensão, sem que o empregador pague por algo diverso do efetivo serviço
prestado‖ (MARTINEZ, 2019, p.613).

A rescisão do contrato intermitente está previsto no art 452-D, como sendo


―decorrido o prazo de um ano sem qualquer convocação do empregado pelo
empregador, contado a partir do último serviço prestado. Exceto nos casos cobertos
por alguma proteção trabalhista, para estabilidade do trabalhador (ex. Auxilio
doença/acidente; licença a gestantes, dirigentes sindicais), geram consigo
impeditivos de despedimento do empregado (MARTINEZ, 2019, p.614).

A extinção do contrato, por qualquer uma das partes, está previsto no art 452-E,
ficando devidas verbas rescisórias pela metade e/ou na integralidade caso haja
descumprimento do contrato. Martinez explica (2019, p. 615) que nessa relação
jurídica

[...] o contrato é resolvido por causa patronal (art. 483 da CLT),


quando o trabalhador receberá, na integralidade, todas as verbas
decorrentes da cessação do contrato, especialmente o pagamento
por inteiro (a) do aviso prévio indenizado, calculado conforme o art.
452-F; (b) da indenização sobre o saldo do Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço — FGTS, prevista no §1º do art. 18 da Lei n.
8.036, de 11 de maio de 1990.

[...] em caso de falta grave operária, o trabalhador perderá, por óbvio,


integralmente o aviso prévio indenizado, a indenização sobre o saldo
do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço — FGTS e o
recebimento da proporcionalidade do décimo terceiro salário e das
férias acrescidas de 1/3.

8
[...] Se ele for demissionário (resilição por iniciativa operária), não
haverá falar-se em favor do trabalhador de aviso prévio ou de
indenização sobre o saldo do FGTS, embora se possa afirmar
existente pagamento das proporcionalidades de décimo terceiro
salário e de férias, acrescidas de 1/3, tudo calculado com base na
média dos valores recebidos pelo empregado no curso do contrato
de trabalho intermitente (MARTINEZ, 2019, p.615).

Por fim, o art. 452-H trata do aviso prévio, que por sua vez, ―será necessariamente
indenizado, nos termos dos § 1º e § 2º do art. 487 CLT‖. Segundo Martinez (2019,
p.617), o Ministério do Trabalho publicou a Portaria n. 349, de 23 de maio de 2018,
repetindo quase que literalmente os textos meramente interpretativos, da reforma
trabalhista sobre o contrato de trabalho intermitente. Pode-se considerar que o artigo

[...] o art 452-H trouxe regras previdenciárias e ali previu que, no


contrato de trabalho intermitente, o empregador efetuaria o
recolhimento das contribuições previdenciárias próprias (dele,
empregador) e do empregado, além do depósito do FGTS com base
nos valores pagos no período mensal, fornecendo ao empregado
comprovante do cumprimento dessas obrigações.

Finalmente, a reforma trabalhista apresentou uma nova modalidade de contrato de


trabalho que se diferiu das outras formas previstas em lei. A intermitencia dos
períodos ativos, no trabalho contratado, e inativos, disponível para outros trabalhos,
é a característica principal que configura um trabalhador intermitente. Todavia, como
toda lei, será observada em sua constitucionalidade, se corrobora para assegurar
direitos ou tende afetar a garantia dos direitos sociais do trabalhador brasileiro?

3. A CONSTITUCIONALIDADE DO TRABALHO INTERMITENTE

Como podemos destacar sobre a nova modalidade de trabalho introduzida com a


reforma da CLT, houve uma série de retrocessos nos direitos assegurados. Como
ressalva Delgado (2019, p.673), ― o novo contrato de trabalho intermitente inscreve-
se entre as mais disruptivas inovações da denominada reforma trabalhista, por
instituir modalidade de contratação de trabalhadores, via CLT, sem diversas das
proteções, vantagens e garantias estruturadas pelo Direito do Trabalho‖. Para ele há
um

[...] pacto formalístico, necessariamente celebrado por escrito, busca


afastar ou restringir as garantias que a ordem jurídica confere à
jornada de trabalho e, do mesmo modo, ao salário, colocando o
trabalhador em situação de profunda insegurança quer quanto à

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efetiva duração do trabalho, quer quanto à sua efetiva remuneração
(DELGADO, 2019, p.673).

Da perspectiva de Delgado, a nova modalidade se adequa ao interesse do


capitalismo, contribuindo de fato para o funcionamento estrutural do sistema
capitalista. Nesse contexto, o trabalho intermitente permitiria ―o manejo da relação
de emprego sem grande parte das conquistas civilizatórias alcançadas pelo Direito
do Trabalho‖. Com destaque para a nova figura instituída de remuneração variável
prevista no contrato específico de trabalhador intermitente, contraria o art 7, da
CF/88, quanto ―à sua concretização a norma constitucional expressa de ―garantia de
salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável‖ (art.
7º, VII, CF/88) (DELGADO, 2019, p.674).

Noutro entendimento, anterior a reforma trabalhista, constata-se a necessidade da


sua regulamentação, que pode ser verificado na Súmula nº 361/2003 do TST, ao
qual já se projetava direitos que precisavam ser instituídos em uma nova
modalidade, veja:
ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. ELETRICITÁRIOS.
EXPOSIÇÃO INTERMITENTE (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20
e 21.11.2003

O trabalho exercido em condições perigosas, embora de forma


intermitente, dá direito ao empregado a receber o adicional de
periculosidade de forma integral, porque a Lei nº 7.369, de
20.09.1985, não estabeleceu nenhuma proporcionalidade em relação
ao seu pagamento.

Após a reforma trabalhista de 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) começou a


julgar, em dezembro de 2020, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) 5826,
5829 e 61541. Na ocasião, as ações foram julgadas sob as acusações de
propiciarem a precarização da relação de emprego e o impedimento à organização
coletiva, na qual

[...] a ADI 5826 foi ajuizada pela Federação Nacional dos


Empregados em Postos de Serviços de Combustíveis e Derivados de
Petróleo (Fenepospetro); a ADI 5829, pela Federação Nacional dos

1
Para maiores informações ver site. Disponível em:
https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=456516&ori=1. Acesso: maio de 2023.

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Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações e Operadores de
Mesas Telefônicas (Fenattel); e a ADI 6154 foi apresentada pela
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI).

No final do ano de 2021, as noticias2 traziam informações sobre o julgamento do


trabalho intermitente pelo STF. Segundo constava que, o STF havia adiado
novamente o julgamento das ações que contestavam o contrato de trabalho
intermitente. Até naquele momento, dois ministros tinham votado a favor da
modalidade, enquanto um foi contrário. O próximo voto aguardado era o da ministra
Rosa Weber, que possuia experiência como juíza do Trabalho. As ações foram
propostas por entidades que apontavam a precarização da relação de trabalho e o
favorecimento empresarial. A Advocacia-Geral da União (AGU) e a Procuradoria-
Geral da República (PGR) manifestaram-se pela constitucionalidade da norma. O
ministro Fachin, contrário ao trabalho intermitente, destacava a imprevisibilidade e a
falta de garantias de direitos. Já o ministro Nunes Marques considerava que o
contrato não suprime direitos e mas oferece flexibilidade. Moraes justificava as
regras com a necessidade social e a flexibilização dos contratos em uma sociedade
pós-industrial. Os advogados dos trabalhadores apontavam para
inconstitucionalidade na forma de remuneração do trabalho intermitente e possíveis
perdas de direitos, como décimo terceiro salário e férias.

Em noticiário3 publicado recentemente, janeiro de 2023, se destacou quais direitos o


contrato de trabalho intermitente pode violar, principalmente aos direitos sociais ao
trabalho previsto na Constituição Federal de 1988, se considerando seus aspectos
inconstitucionais, ja que

[...] as críticas gravitam, em geral, nos aspectos de inexistência de


jornada de trabalho (violando o art. 7º, inciso XIII, da Constituição
Federal); violação da garantia de salário mínimo, inclusive nas
formas de remuneração variável (violação ao art. 7º, inciso VII, do
Texto Constitucional) e cabimento apenas para as ocasiões em que
a própria atividade econômica desenvolvida pelo empregador é
intermitente (violação ao artigo 170, caput e incisos III, VII e VIII,
dispositivos constitucionais relacionados à ordem econômica).

2
Para maiores informações ver site. Disponível em: https://www.redebrasilatual.com.br/trabalho/stf-
julgamento-trabalho-intermitente/. Acesso: maio de 2023.
3
Para maiores informações ver site. Disponível em: https://portal.unit.br/blog/noticias/o-contrato-
intermitente-de-trabalho-e-inconstitucional/. Acesso: maio de 2023.

11
Com isso, a doutrina apresenta o trabalho intermitente do ponto de vista
inconstitucional, e também a jurisprudencia já traça sua envergadura do ponto de
vista constitucional. A seguir iremos apontar quais argumentos podemos sustentar a
favor, e quais são contra a constitucionalidade do trabalho intermitente.

3.1. Argumentos a favor do trabalho intermitente


3.1.1. Flexibilidade para empregadores e trabalhadores

O trabalho intermitente oferece uma opção flexível de contratação que pode


se adequar às necessidades de empregadores e trabalhadores em setores
com demanda variável. Permite que empresas contratem mão de obra
somente quando necessário, evitando custos fixos excessivos. Além disso,
permite aos trabalhadores terem múltiplos empregos ou conciliarem o
trabalho com outras atividades, o que pode ser vantajoso em certos casos.
Nesse contexto, com a maior oferta de trabalho no mercado o Estado garante
o direito social ao trabalho previsto no art 6 da CF.

3.1.2. Geração de empregos

A flexibilização das formas de contratação, como o trabalho intermitente, pode


estimular a criação de novos postos de trabalho, especialmente em setores
sazonais. Ao permitir que as empresas ajustem sua força de trabalho de
acordo com a demanda, o trabalho intermitente pode incentivar a contratação
de mais funcionários, beneficiando a economia como um todo. Apesar da
jornada intermitente, em certa medida, o incentivo as contratações assegura o
direito previsto no art. 7, inciso I,

I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem


justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá
indenização compensatória, dentre outros direitos;

Sobretudo, porque o empregado terá proteção na sua relação de trabalho, já


que no caso de demissão sem justa causa ―o trabalhador receberá, na
integralidade, todas as verbas decorrentes da cessação do contrato‖.

3.1.3. Possibilidade de remuneração proporcional à produção

O trabalho intermitente estabelece uma remuneração proporcional às horas


efetivamente trabalhadas. Isso pode ser vantajoso para os trabalhadores, pois

12
permite que eles sejam recompensados de acordo com sua produtividade.
Além disso, essa modalidade de contratação também permite uma maior
previsibilidade para os empregadores em relação aos custos trabalhistas.
Cabe ressaltar que esse salario proporcional assegura a garantia de um
pagamento em salario, mesmo se percebida a remuneração variável,
conforme previsto no art. 7, inciso VII, da CF.

VII – garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que


percebem remuneração variável;

3.2. Argumentos contra o trabalho intermitente


3.2.1. Precarização das condições de trabalho

Críticos argumentam que o trabalho intermitente pode levar à precarização


das condições de trabalho, uma vez que os trabalhadores podem enfrentar
uma falta de estabilidade financeira e social. A imprevisibilidade dos horários
de trabalho e a possibilidade de convocações em curto prazo podem dificultar
o planejamento da vida pessoal e profissional dos empregados. Nesse caso,
com jornadas intermitentes não se assegura o cumprimento do direito previsto
no art 7, CF, no qual

XIII – a duração do trabalho normal não deve ser superior a oito


horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a
compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo
ou convenção coletiva de trabalho;

3.2.2. Fragilização dos direitos trabalhistas

Há preocupações de que o trabalho intermitente possa fragilizar os direitos


trabalhistas, uma vez que os trabalhadores podem ter dificuldades em
acessar benefícios sociais e direitos trabalhistas garantidos em contratos de
trabalho tradicionais, como férias remuneradas, 13º salário e estabilidade no
emprego. Além disso, a possibilidade de convocação frustrada também pode
causar prejuízos financeiros aos trabalhadores.

Como trata o art. 452-D CLT, ―decorrido o prazo de um ano sem qualquer
convocação do empregado pelo empregador será considerado rescindido de
pleno direito o contrato de trabalho intermitente. Se o empregador deve
somente o trabalho produzido, se a partir da data da celebração do contrato,

13
esse longo periodo não houver convocação, o empregado não receberá o
pagamento, recendo proporcionalmente ao trabalhado.

3.3.3. Potencial abuso por parte dos empregadores

O trabalho intermitente pode abrir espaço para abusos por parte dos
empregadores, como convocações excessivas, não pagamento da
compensação financeira devida em caso de convocação frustrada ou até
mesmo redução dos direitos trabalhistas. Isso pode resultar em uma
desigualdade de poder entre as partes envolvidas na relação de trabalho.
Nesse momento o trabalhador carece de uma organização sindical fortalecida
para fazer frente aos direitos acordados com empresas de modo a garantir o
mínimo de proteção trabalhista.

Assim, esse impedimento à organização coletiva produzido com o trabalho


intermitente viola o direito previsto no art 7, da CF, que diz que - ―são direitos
dos trabalhadores [...] que visem à melhoria de sua condição social - inciso
XXVI - o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho. Se
o trabalhador intermitente não possui representação sindical então não
poderá negociar seus direitos e garantias com as empresas por meio de
negociações coletivas. Logo, não cumprirá assim o previsto no art 8º, da CF,
na qual ‖é livre a associação profissional ou sindical‖, desde que – inciso VI –
seja ―obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de
trabalho‖.

4. CONCLUSÃO

Com base nos argumentos apresentados, é possível perceber que o trabalho


intermitente é uma modalidade de contratação que gera opiniões divergentes.
Existem argumentos a favor, destacando a flexibilidade para empregadores e
trabalhadores, a possibilidade de geração de empregos e a remuneração
proporcional à produção. Por outro lado, há preocupações legítimas relacionadas à
precarização das condições de trabalho, à fragilização dos direitos trabalhistas e ao
potencial abuso por parte dos empregadores.

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Quanto à constitucionalidade do trabalho intermitente, é importante considerar que a
Constituição Federal estabelece princípios e direitos fundamentais relacionados ao
trabalho, como a valorização do trabalho humano, a dignidade da pessoa humana, a
proteção dos direitos dos trabalhadores e a busca pelo pleno emprego. Nesse
sentido, é necessário avaliar se o trabalho intermitente, dentro dos limites legais,
respeita tais princípios e direitos.

Um dos benefícios dos contratos de trabalho intermitente é que não há carga horária
mínima exigida para a contratação de um profissional. Antes da promulgação da lei,
os trabalhadores cobertos pela CLT eram obrigados a trabalhar 44 horas semanais.
Agora, eles podem trabalhar apenas 3 horas por semana ou por mês. O trabalhador
também tem flexibilidade no contrato intermitente, onde pode se coordenar com
outro trabalho durante o período em que não estiver trabalhando.

A jurisprudência sobre o trabalho intermitente ainda é recente e em constante


evolução, pois a modalidade foi introduzida apenas em 2017. No entanto, alguns
tribunais têm se pronunciado sobre casos específicos, reconhecendo a legalidade do
trabalho intermitente desde que respeitados os direitos trabalhistas e as garantias
constitucionais dos trabalhadores. Lembrando também que o empregado tem o
direito de não aceitar a convocação de trabalho quando isso acontecer, e que isso
deve ser feito com antecedência mínima de 72 horas e respondido em até 24 horas
após essa comunicação. A desvantagem do contrato intermitente é que o
trabalhador recebe apenas quando o trabalho é feito, ou seja, quando o empregador
o chama, o empregado também não tem direito ao seguro-desemprego. Outro
aspecto inconstitucional diz respeito a falta de proteção ao trabalhador, sem contar
aos direitos descobertos.

Todavia, conforme o entendimento semelhante ao de alguns ministros do STF, o


trabalho intermitente, por si só, não pode ser considerado inconstitucional.
Sobretudo, com a flexibilização da relação trabalhista, a empresa pôde contratar
mais com menos receio dos encargos trabalhistas, pagando de forma proporcional
ao valor da produtividade do trabalhador. Em certa medida, o que estava
acontecendo na realidade do mundo do trabalho, em 2003, estava sendo
regulamentado, em 2017, assegurando ao menos o direito social ao trabalho,
conforme previsto no art 6º, da CF, independente se esse contrato de trabalho está

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de acordo com todas aquelas condições sociais de melhorias, previstas nos XXXIV
incisos do art 7º, da CF.

No entanto, é fundamental que essa nova modalidade de contratação seja exercida


de forma responsável, observando as regras estabelecidas na legislação trabalhista,
a fim de evitar abusos e garantir a proteção dos direitos dos trabalhadores. Cabe
aos órgãos competentes fiscalizarem o cumprimento dessas normas e assegurarem
que o trabalho intermitente não seja utilizado como instrumento de precarização das
relações de trabalho e perda de direitos conquistados com muita luta dos
trabalhadores brasileiros.

É o parecer.

Guanambi-BA, 5 de junho de 2023

Advogados

Alan Almeida Guimarães,

OAB XX.SSS/ BA

Ana Cláudia Benevides Fonseca,

OAB XX.SSS/ BA

Ana Emília Magrinelli Lisboa Ataíde,

OAB XX.SSS/ BA

César Fernando da Silva e Silva,

OAB XX.SSS/ BA

Cintia Amorim Leal Paiva,

OAB XX.SSS/ BA

Maycon Lendon Ferreira dos Santos.

OAB XX.SSS/ BA

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição Federal Da República Do Brasil. 1988.

CLT – Consolidação das leis do trabalho e normas correlatas. – Brasília : Senado


Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2017. 189 p.

DALLEGGIO, A. R. Direito do trabalho: jurisprudência temática. São Paulo: LTr,


2019.

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho: obra revista e atualizada


conforme a lei da reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais
posteriores — Mauricio Godinho Delgado. — 18. ed.— São Paulo :LTr, 2019, 1.775
p.

CARRION, V. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. São Paulo:


Saraiva, 2021.

ALMEIDA, R. C. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Revista dos Tribunais,


2019.

NASCIMENTO, A. M. Direito do trabalho esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2021.

MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho : relações individuais, sindicais e


coletivas do trabalho /Luciano Martinez. – 10. ed. – São Paulo : Saraiva Educação,
2019, 2.105 p.

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