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Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.15, n.2, p.200-6, abr./jun.

2008 ISSN 1809-2950

Estabilização segmentar da coluna lombar nas lombalgias: uma revisão


bibliográfica e um programa de exercícios
Spinal segmental stabilisation in low-back pain: a literature review
and an exercise program
Fábio Jorge Renovato França1, Thomaz Nogueira Burke1, Daniel Cristiano Claret2, Amélia Pasqual Marques3

Estudo desenvolvido no RESUMO: No tratamento de lombalgias, exercícios tradicionais de fortalecimento


Programa de Pós-Graduação dos músculos abdominais e extensores do tronco têm sido alvo de críticas por
em Ciências da Reabilitação submeter a coluna vertebral a altas cargas de trabalho, aumentando o risco de
do Fofito/ FMUSP – Depto. de nova lesão. Estudos recentes comprovam a eficácia da estabilização segmentar
Fisioterapia, Fonoaudiologia e como tratamento para a lombalgia, sendo menos lesiva por ser realizada em
Terapia Ocupacional da posição neutra. Pesquisas sugerem que, sem a ativação correta dos estabilizadores
Faculdade de Medicina da profundos do tronco, as recidivas do quadro álgico são notadas com muita
Universidade de São Paulo, freqüência. Este estudo procedeu à revisão da literatura sobre o tratamento
São Paulo, SP, Brasil das lombalgias mediante estabilização da coluna e propõe exercícios para
1
Mestrandos no Programa de seu tratamento baseados na estabilização segmentar lombar. Na base PubMed,
Ciências da Reabilitação do por meio dos descritores estabilização lombar, multífido lombar, transverso do
Fofito/FMUSP abdome e os equivalentes em inglês, foram selecionados 47 artigos e livros
publicados entre 1984 e 2006. A literatura estabelece um elo entre lombalgia
2
Fisioterapeuta Ms. e escasso controle dos músculos profundos do tronco, em especial o multífido
lombar e o transverso do abdome; estudos também indicam os músculos
3
Profa. Livre-Docente do Fofito/ quadrado lombar e diafragma como estabilizadores lombares. Propõem-se assim
FMUSP exercícios de contrações isométricas sincronizadas, sutis e específicas, que
atuam diretamente no alívio da dor por meio do aumento da estabilidade do
ENDEREÇO PARA segmento vertebral.
CORRESPONDÊNCIA
Fábio J. R. França DESCRITORES: Dor lombar/reabilitação; Terapia por exercício; Multífido lombar;
Fofito/FMUSP Transverso do abdome; Revisão
Rua Cipotânea 51 Cidade
Universitária ABSTRACT: When treating low-back pain, traditional exercises for strengthening
05360-160 São Paulo SP abdomen and trunk erector muscles have been criticised for their submitting
e-mail: fabiojrf@usp.br spinal structures to high loads, thereby increasing the risk of new injury. Recent
studies have pointed to the effectiveness of segmental stabilisation in treating
low-back pain, less damaging since it is done in neutral position. Current
research suggests that, unless the trunk deep stabilizers are correctly activated,
recurrence of pain is more often noticed. This is a review of 47 articles and
books published between 1984 and 2006, resulting from a search in PubMed
database by means of key words lumbar stabilization, lumbar multifidus and
transversus abdominis muscles. Literature has established a link between low-
back pain and poor control of deep trunk muscles, particularly the lumbar
multifidus and transversus abdominis muscles; some studies also point out the
quadratus lumborum and diaphragm muscles as lumbar stabilizers. By drawing
on the reviewed material, we suggest exercises of subtle and specific
APRESENTAÇÃO synchronized isometric contractions for these lumbar stabilisers, which act
nov. 2006 directly upon pain relief by increasing lumbar spine stability.
ACEITO PARA PUBLICAÇÃO KEY WORDS: Low-back pain/rehabilitation; Lumbar Multifidus; Transversus
ago. 2007 Abdominis; Review

200 Fisioter Pesq. 2008;15(2) :200-6


França et al. Estabilização segmentar lombar na lombalgia

INTRODUÇÃO monstrem a eficácia da ESL no alívio


da dor e na recorrência, além de propor
Barr et al.11 definiram a estabilida-
de como um processo dinâmico que
A lombalgia está hoje presente em exercícios para os músculos profundos inclui posições estáticas e movimen-
todas as nações industrializadas1. Afe- do tronco, em vista da estabilização da to controlado. Isso inclui um alinha-
ta de 70% a 80% da população adul- coluna lombar, para prevenção e/ou tra- mento em posições sustentadas e pa-
ta em algum momento da vida2, com tamento da lombagia. drões de movimento que reduzam a
predileção por adultos jovens, em fase tensão tecidual, evitem causas de trau-
ativa3. É uma das causas mais freqüen- ma para as articulações ou tecidos
tes de atendimento médico, e a segun- METODOLOGIA moles, e forneçam ação muscular efi-
da causa de afastamento do trabalho4. ciente.
Procedeu-se à busca na base de da-
Citam-se como causas processos dos PubMed mediante os descritores Bergmark 12 propôs o conceito de
degenerativos, inflamatórios e altera- estabilização lombar, multífido lombar, vários músculos com diferentes papéis
ções congênitas e mecânico-posturais. transverso do abdome e os correspon- na estabilidade dinâmica. A hipótese
Estas últimas são responsáveis por gran- dentes em inglês lumbar stabilization, é que há dois sistemas atuando na es-
de parte das dores. Nelas ocorre um lumbar multifidus, transversus abdominis, tabilidade. O global consiste de gran-
desequilíbrio entre a carga funcional tendo sido selecionados 47 artigos e des músculos produtores de torque,
(esforço requerido para atividades do livros publicados entre 1984 e 2006. atuando no tronco e na coluna sem
trabalho e da vida diária) e a capaci- Os principais achados são a seguir co- serem diretamente ligados a ela. São
dade funcional, que é o potencial para mentados discutindo-se a estabilida- eles o reto do abdome (RA), o oblíquo
a execução 2. de da coluna, o papel dos principais externo (OE) e a parte torácica do
músculos em sua estabilização, os iliocostal lombar. Fornecem estabili-
Um grande número de intervenções
mecanismos compensatórios, para, fi- dade ao tronco, não sendo capazes de
fisioterapêuticas tem sido utilizadas,
nalmente, propor um programa de influenciar diretamente a coluna. O
como exercícios aeróbios, de flexão
exercícios com base nesses achados. sistema local é formado por músculos
e extensão da coluna para o tronco,
ligados diretamente à vértebra e res-
realizados com os membros inferiores,
ponsáveis pela estabilidade e controle
de inclinação pélvica, órteses e alon- ESTABILIDADE DA segmentar. Tais músculos são o mul-
gamentos5. O exercício realizado em
prono com extensão do tronco e dos COLUNA tífido lombar (ML), o transverso do
abdome (TA) e as fibras posteriores do
membros inferiores é contra-indicado, oblíquo interno (OI). O quadrado lom-
Segundo Panjabi10, a estabilidade da
pois há risco de lesão ou recidiva. bar (QL) também tem funções estabili-
coluna decorre da interação de três
Nessa tarefa, a região lombar subme- zadoras, discutidas abaixo.
sistemas: passivo, ativo e neural. O
te-se a carga maior que 4000 N, trans-
sistema passivo compõe-se das vérte-
ferindo-a para as facetas, podendo
oprimir o ligamento interespinhoso6. A
bras, discos intervertebrais, articula- Multífido lombar na
ções e ligamentos, que fornecem a
aplicação de terapias passivas superio- maior parte da estabilidade pela limi- estabilidade
res a seis semanas, além de ocasionar tação passiva no final do movimento.
custos, é pouco eficaz 7. Mesmo na Os músculos lombares estabilizam
O segundo, ativo, constitui-se dos
melhora da dor, é difícil precisar quais o segmento lombar12. Alguns, contudo,
músculos e tendões, que fornecem
características dos exercícios são res- têm um potencial maior e contribuem
suporte e rigidez no nível interverte-
ponsáveis pelo sucesso do tratamento8. mais especificamente na estabilidade.
bral, para sustentar forças exercidas
Um estudo mostrou que o ML é capaz
Entre as técnicas utilizadas, encon- no dia-a-dia. Em situações normais,
de fornecer rigidez e controle de mo-
tra-se o conceito da estabilização seg- apenas uma pequena quantidade de
vimento na zona neutra13. Consiste em
mentar lombar (ESL), caracterizada por co-ativação muscular, cerca de 10%
pequenos feixes dirigidos do sacro à
isometria, baixa intensidade e sincronia da contração máxima, é necessária
C2, atingindo seu máximo desenvol-
dos músculos profundos do tronco, com para a estabilidade. Em um segmento
vimento na lombar. No sacro, origi-
o objetivo de estabilizar a coluna lom- lesado pela frouxidão ligamentar ou
na-se da superfície posterior e medial
bar, protegendo sua estrutura do des- pela lesão discal, um pouco mais de
da espinha ilíaca póstero-superior e
gaste excessivo 8 . O´Sullivan et al. 9 co-ativação pode ser necessária. O
ligamentos sacroilíacos posteriores. Na
observaram que exercícios para o mús- último sistema, o neural, é composto
inserção, abrange duas a quatro vér-
culo multífido lombar eram efetivos pelos sistemas nervosos central e pe-
tebras, inserindo-se no processo espi-
riférico, que coordenam a atividade
na redução da dor e da disfunção lom- nhoso de uma vértebra acima14.
muscular em resposta a forças espera-
bar causada por espondilólise ou
das ou não, fornecendo assim estabi- Wilke et al.15 observaram que, pró-
espondilolistese, mesmo após 30 me-
lidade dinâmica. Esse sistema deve ximo à L4-L5, o ML contribui com 2/3
ses do término do tratamento.
ativar os músculos corretos no tempo do aumento da rigidez segmentar re-
Este trabalho objetivou reunir evi- certo, para proteger a coluna de le- sultante da contração. Assim, qualquer
dências em ensaios clínicos que de- sões e permitir o movimento. lesão no segmento pode comprome-

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ter a estabilidade16. Evidenciou-se uma
forte relação entre a má funcionali-
bar (FTL) 21 . As fibras do TA correm
horizontalmente ao redor do abdome,
Papel de outros músculos na
dade do ML e a recorrência da dor ligando-se via FTL ao processo trans- estabilidade
após cirurgia discal17. verso de cada vértebra lombar 22. O
aumento na PIA e na tensão da FTL foi A estabilidade lombar não depen-
Estudos16,18,19 mostraram que ocorre de apenas do ML e TA. Um cilindro
inicialmente atribuído à diminuição da
uma disfunção do ML após um primei- de músculos profundos ao redor da
carga na coluna por meio da produ-
ro episódio de lombalgia unilateral. coluna fornece estabilidade11. O mús-
ção de um momento extensor do tron-
Uma rápida atrofia no ML foi demons- culo QL atua como estabilizador la-
co23. Essa teoria foi largamente refu-
trada ipsilateralmente ao local de dor teral lombar da coluna6. Como teto, o
tada 24 e, subseqüentemente, cresceu
por meio de ultra-som18. Hides et al.16 diafragma é o principal contribuinte
a idéia de que a contração do TA pu-
notaram que a recuperação do ML não para a pressão intra-abdominal. Para
desse aumentar a estabilização 25 .
ocorre espontaneamente na remissão que o TA aumente sua tensão na FTL,
McGill e Norman25 sugeriram que a
da dor. Acredita-se que possíveis me- a atividade do diafragma é requerida
contração do TA cria um cilindro, re-
canismos para a atrofia sejam a inibi- para prevenir descolamento da víscera
sultando em rigidez espinhal. Do mes-
ção reflexa ou a inibição da dor via abdominal 32. O diafragma contribui
mo modo, espera-se que a tensão la-
arco reflexo18. Em virtude dos efeitos para o aumento da PIA previamente
teral por meio do processo transverso
indiretos da inibição terem sido vistos ao início de grandes movimentos dos
da vértebra resulte em limitação da
na ausência de dor, o mecanismo mais membros, contribuindo para a estabi-
translação e da rotação vertebral26.
provável foi o reflexo de inibição19. lidade 4.
Há evidencias de que o TA e os
Uma das explicações para a alta
músculos profundos lombares são pre-
taxa de recidivas em lombálgicos
ferencialmente afetados na presença Fáscia toracolombar
pode ser o fato de o ML não recuperar
de lombalgia16, dor lombar crônica27 e A FTL cobre os músculos profundos
o volume mesmo após a redução da
instabilidade28. Hodges e Richardson29 lombares e do tronco. Na região lom-
dor, comprometendo a estabilidade16.
observaram que o TA se ativa antes bar a fáscia possui três camadas. A
Hides et al.20 mostraram que os exer-
do deltóide na flexão, extensão e posterior é ligada ao processo espinho-
cícios específicos de ESL para o ML
abdução do ombro em indivíduos sem so, crista mediana do sacro, e ligamento
podem aumentar seu volume em
lombalgia, demonstrando a antecipa- supra-espinhoso; a média é ligada ao
lombálgicos, diminuindo a atrofia.
ção desse músculo na região lombar processo transverso e aos ligamentos
Nesse estudo, indivíduos com o pri-
para os movimentos do membro supe- intertransversais, abaixo da crista ilíaca
meiro episódio de lombalgia unilate-
rior. Em sujeitos lombálgicos, a ativa- e acima da borda inferior da décima
ral com atrofia do ML foram divididos
ção do TA foi mais lenta que o deltóide segunda costela e do ligamento lom-
em grupo controle, recebendo orien-
nos mesmos movimentos. Notou-se bocostal; a anterior cobre o QL e é
tação postural e cuidados, e tratados
que o RA, OE e OI raramente prece- ligada medialmente à face anterior do
realizando treinamento específico
diam o movimento do membro. Hou- processo transverso, dorsalmente à
para o ML. Nos dois grupos notaram-
ve então fortes indicativos de que há região lateral do músculo psoas maior4.
se melhoras na dor em quatro sema-
diferença de função entre os abdomi- As camadas posterior e média unem-
nas. No controle, a área de secção
nais superficiais e profundos no senti- se na margem lateral do eretor da co-
transversa (AST) do ML permaneceu
do da ESL. luna e na borda lateral do QL. São
inalterada após quatro semanas, ao
passo que, no tratado, a AST voltou O TA tem um papel fundamental na unidas pela camada anterior, originan-
aos níveis normais após quatro sema- antecipação. Previamente à execução do a aponeurose do TA. A contração
nas de tratamento. Um acompanha- de movimentos gerais, esse músculo do OE e TA aumenta a tensão na FTL,
mento em longo prazo revelou que ativa-se, evitando perturbações pos- elevando a pressão dentro da fáscia,
84% dos pacientes do controle tive- turais. Essas respostas que antecedem o que pode resultar em rigidez aumen-
ram recorrência dolorosa em um ano, o movimento podem ser pré-programa- tada da coluna lombar, contribuindo
contrastando com 30% do tratado. das pelo sistema nervoso central e ini- para melhor estabilidade, somada aos
Ainda, o controle mostrou nove vezes ciadas como parte de um comando mecanismos posturais paravertebrais
mais chances de recidiva do que o motor para a ação. e abdominais33.
grupo submetido à ESL, após três anos.
Hides et al. observaram, correlacio-
nando ultra-som e ressonância mag-
Mecanismos compensatórios
Transverso do abdome como nética, que a correta contração do TA Sugere-se que os três sistemas de
estabilizador melhorava a estabilidade lombar30. Em
outro trabalho, a ativação do TA dimi-
estabilização, passivo, ativo e neural,
sejam interdependentes, e que um sis-
O TA atua primariamente na manu- nuiu significativamente a lassidão tema possa compensar défices em
tenção da pressão intra-abdominal sacroilíaca, o que não foi observado outro. A instabilidade poderia ser o
(PIA), ao conferir tensão à vértebra quando os outros músculos abdominais resultado de uma lesão tecidual, tor-
lombar por meio da fáscia toracolom- se contraíram31. nando o segmento mais instável, com

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França et al. Estabilização segmentar lombar na lombalgia

força ou resistência (endurance) insu- e QL na estabilização, assim como possíveis causas de desordens agudas
ficientes, ou fraco controle muscular10. suas disfunções em episódios de lom- e crônicas44. McDonald et al.45 ques-
Instabilidade pode ser definida como balgia, sugere-se focar a atenção nes- tionam a falta de evidências da co-
diminuição na capacidade de estabi- ses músculos8. O desenvolvimento de contração do TA e do ML durante ati-
lizar os sistemas da coluna para man- testes e exercícios reprodutíveis na vidades abdominais.
ter as zonas neutras dentro de limites clínica estabeleceu a ESL como práti-
fisiológicos, sem deformidade, sem ca no tratamento de disfunções lomba-
deficit neurológico ou sem dor incapa-
citante.
res37. O treino de estabilização local tem EXERCÍCIOS
A instabilidade lombar tem sido
sido aplicado também na reabilitação
do ombro por meio de exercícios para
ESTABILIZADORES
sugerida como causa de desordens os músculos da bainha rotatória e Em virtude das diferenças funcionais
funcionais e tensões, assim como dor. escápula 39 , bem como dos flexores entre os músculos locais e globais, os
A força de deformação dos ligamen- profundos do pescoço40. exercícios devem ser feitos de formas
tos e dos discos induzida por cargas
passivas da coluna dessensibiliza os O papel dos estabilizadores seg- diferentes quando se objetiva o trata-
mecanoceptores teciduais, diminuin- mentares consiste em fornecer prote- mento das disfunções e das dores. Há
do ou eliminando a força estabiliza- ção e suporte às articulações por meio pacientes em que os globais mais ati-
dora muscular reflexa no ML34. Panjabi do controle fisiológico e translacional vos predominam nos exercícios gerais.
propôs que a disfunção muscular ao excessivo do movimento 41. Os mús- É difícil detectar se a ativação dos
longo do tempo pode levar à lom- culos globais atuam encurtando-se ou locais ocorre durante esses exercícios.
balgia crônica via lesão adicional de alongando-se e gerando torque e mo- Por isso, são propostos exercícios es-
mecanoceptores e inflamação do te- vimento às articulações. Os locais li- pecíficos que isolam os músculos lo-
cido neural35. gam-se de vértebra a vértebra e são cais dos globais. A ESL não coloca a
responsáveis pela manutenção da po- estrutura lesada em risco, principal-
Exercícios específicos para os sição dos segmentos lombares durante mente no início da reabilitação, re-
movimentos funcionais. Essas deman- duzindo a carga externa e mantendo
estabilizadores lombares das indicam que exercícios isométricos a coluna em posição neutra. Os exer-
Há evidências de que os exercícios são mais benéficos por atuarem na re- cícios são sutis, específicos e preci-
tradicionais prescritos para a lombalgia educação dos músculos profundos. Em sos, reduzindo a chance de dor ou re-
tenham um importante componente um estágio mais avançado de treino, flexo de inibição. Para um máximo
lesivo 34. Um exemplo é a realização a isometria pode ser combinada com benefício, precisam ser repetidos tan-
de retroversão da pelve durante exer- exercícios dinâmicos para outras par- tas vezes quantas forem necessárias8.
cícios para a coluna lombar, que au- tes do corpo8. A progressão pode ser realizada em
menta o risco de lesão por comprimir inúmeros estágios. As séries podem ser
as articulações e aumentar a carga nas A co-contração e a estabilidade progredidas de cargas baixas com peso
estruturas passivas. McGill6 concluiu mínimo até posições mais funcionais
que exercícios em série para a lom- A co-contração é outro mecanismo
com aumento gradual de carga.
bar, realizados em aparelhos com car- que pode fornecer rigidez por meio de
ga, podem produzir herniações. músculos antagonistas e, assim, man- Para pacientes com disfunção local,
ter a estabilidade na presença de car- o isolamento do ML e TA não é uma
Músculos mais fortes parecem não gas externas e internas nas articula- tarefa fácil. Em virtude disso, Richardson
ter valor profilático na redução de pro- ções42. e Jull8 desenvolveram estratégias in-
blemas lombares. Os músculos de re-
Há posições em que a co-contra- cluindo palpação, observação de mu-
sistência (endurance) têm sido eviden-
ção dos músculos profundos pode ser danças na forma do corpo e retroali-
ciados como protetores. Maior mobi-
realizada enquanto se mantêm os glo- mentação (biofeedback).
lidade da coluna lombar, ao contrário
bais relaxados e a coluna em posição
do que se pensava, aumenta as chan- Comerford e Mottram46 propuseram
neutra8. A co-ativação pode ser alcan-
ces de problemas no segmento 36 . um guia clínico para o re-treino dos
çada pela inibição ativa dos interneu-
McGill 6 sugeriu que o mais seguro estabilizadores. Segundo eles, a pal-
rônios em vias recíprocas43. A co-con-
modelo de estabilização lombar não pação deve estimular a correta ativa-
tração dos antagonistas do tronco é
seria o exercício de força, mas sim o ção. É necessário observar o padrão
necessária para manter o equilíbrio
de resistência, que manteria a coluna de controle correto e o recrutamento
mecânico estável4. O controle do equi-
em uma posição neutra, enquanto tônico das fibras, sem que se note fa-
líbrio e estabilidade mecânica requer
encorajaria o paciente a co-contrações diga. O paciente não deve sentir dor
recrutamento muscular apropriado e tem-
dos estabilizadores.
po ótimo de recrutamento muscular e a respiração deve ser normal. A con-
Em virtude das evidências da im- (timing). Disfunção muscular e erros no tração deve se manter por 10 segun-
portância dos músculos locais TA, ML controle motor têm sido sugeridos como dos e ser repetida 10 vezes.

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Dada a importância do QL como
a b estabilizador lateral, a técnica ideal
para maximizar a ativação e minimi-
zar a carga parece ser a ponte lateral
e, para aprimorar o controle motor, há
a técnica avançada da ponte em de-
cúbito lateral (ver Figuras a seguir)6.

Reeducação em quatro apoios


para o transverso do abdome
Figura 1 Reeducação do transverso do abdome (TA) em quatro apoios: a, note-se Há posições em que se consegue
o relaxamento da parede abdominal; b, contração do TA isolar os músculos específicos em
isometria, ao mesmo tempo que se
relaxam os globais, mantendo a colu-
a b na em posição neutra. Preconiza-se
que a posição inicial no aprendizado
seja a posição em quatro apoios (Fi-
gura 1). Richardson e Jull8 sugerem que
esse exercício seja o ideal para o
aprendizado mais fácil da contração
da parede abdominal e para a manu-
tenção dessa posição em isometria.
Ensina-se ao paciente como localizar
e manter as curvas torácica e lombar
Figura 2 Ponte lateral: em a, o suporte do peso do corpo inferior com os joelhos em posições normais para a execução
sobre a plataforma (nos casos de maior preocupação com a de exercícios. A partir da posição ini-
segurança do segmento lombar, nesta posição há redução da cial, é necessário treinar esse mesmo
demanda adicional); em b, o suporte inferior com os pés aumenta o exercício em decúbito dorsal, em pé e
recrutamento muscular, mas também aumenta a carga na coluna sentado. A contração do TA pode ser

a b c

Figura 3 Ponte lateral avançada: após a manutenção da ponte lateral (a), girar de um cotovelo a outro (b, c) com o
abdome em contração, mantendo a estabilidade da pelve e da caixa torácica
palpada medialmente à espinha ilíaca
ântero-superior e inferiormente à cica-
a b
triz umbilical.
Treinamento do quadrado lombar: a
ponte lateral é a técnica escolhida para
ativação do estabilizador lateral, qua-
drado lombar, em virtude de otimizar
a ativação e de minimizar a sobrecar-
ga na coluna lombar (Figura 2). Na
Figura 4 Co-contração dos multífidos e do transverso do abdome: em a, nota-se a ponte inicial, o apoio inferior é reali-
parede abdominal relaxada; em b, observa-se a co-contração zado com o joelho, evoluindo para os

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França et al. Estabilização segmentar lombar na lombalgia

pés. Em um exercício mais avançado, mantém por 10 segundos. Repete-se pode ser palpada medialmente à es-
ponte lateral avançada (Figura 3), o 10 vezes. O terapeuta deve sentir com pinha ilíaca ântero-superior (Figura 4).
paciente começa da posição lateral da seus polegares a contração no local
ponte, isto é, com apoio inferior dos
pés e gira sobre os cotovelos enquanto
palpado e verificar a capacidade de
execução de uma contração simétri-
CONCLUSÃO
o abdome realiza o suporte segmentar ca e bilateral por parte do paciente, A revisão permitiu constatar a efi-
“travando” a pelve e a caixa torácica. assim como a intensidade e a capaci- cácia da estabilização segmentar nas
dade da manutenção de forma homo- lombalgias e, principalmente, na pre-
Exercícios para o multífido lombar: venção de sua recidiva, por atuar dire-
gênea, sem compensações 47.
deita-se em prono, com os joelhos es- tamente no controle motor, devolven-
tendidos e os braços ao longo do cor- A co-contração dos músculos TA e do a função protetora dos músculos pro-
po. O terapeuta toca com seus pole- ML começa preferencialmente nas fundos. Os exercícios propostos, por se-
gares os ML adjacentes ao processo posições em pé e sentada. Em ambas, rem sutis, específicos e em posição
espinhoso. Solicita então que o paci- o paciente realiza exatamente os mes- neutra, são adequados para o início da
ente realize uma contração leve como mos exercícios para o TA e o ML ao terapia, por submeterem as estruturas
se quisesse empurrar os dedos, e a mesmo tempo. A contração do TA articulares lesadas a sobrecarga leve.

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