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Treinamento
FUNCIONAL
Fáscia e relações
biomecânicas entre
cadeias musculares
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Fáscia, reabilitação
e tratamento funcional
Existem duas regiões do corpo que são de particular interesse quando se trata de reabilitação
ou de treinamento funcional, a saber:

• Fáscia toracolombar;

• Fáscia plantar.

Fáscia Toracolombar
A fáscia toracolombar (FTL) é importante para este estudo em função de suas propriedades
biomecânicas de conectar os dorsais aos glúteos, ou seja, ela conecta os ombros aos mem-
bros inferiores (MMII) transmitindo forças contralateralmente por meio da camada posterior.

Vleeming e Stoeckart (2007) preconizam a existência de duas camadas da FTL, que são:

• Camada superficial (CS);


• Camada profunda (CP).

A CS conecta o grande dorsal ao sacro; no sacro, conecta-se ao glúteo máximo. A CS, além de
promover a estabilidade da região lombossacral, contribui para a transmissão de tensão cruza-
da entre o tronco e os MMII, sendo, portanto, a lâmina que transmite a maioria das forças dos
MMII para os membros superiores (MMSS) durante a execução da maioria das atividades
atléticas.

A CP envolve os paravertebrais ao glúteo médio e apresenta extensões fibrosas para o sacro,


para formar o ligamento sacrotuberal, o qual mantém continuidade com os músculos posteri-
ores da coxa, para, assim, contribuir com a transmissão de tensão. Essa parte da fáscia está
envolvida no controle posterior estático.

Para Vleeming e Stoeckart (2007), a CP cobre os músculos dorsais da região sacral passando
pela região torácica até a nuca. O transverso do abdome e os internos oblíquos estão indireta-
mente conectados à FTL por uma densa rafe formada pela fusão das camadas anterior e pos-
terior (Adams e Dolan, 2007).

O principal papel da FTL tem a ver com a função dos músculos do core e com a transmissão
de força e de potência dos MMII para os MMSS, e vice-versa, durante a prática desportiva.

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Com esses modelos, pode-se perceber que os exercícios realizados em base monopodal têm
um potencial maior de transferibilidade para o treinamento funcional que os realizados em
base bipodal, em que a transmissão de forças pela FTL ocorre de forma simétrica, bilateral-
mente, em contraposição à transmissão de forças no sentido contralateral dos exercícios
feitos em base monopodal.

Como a maioria dos gestos desportivos ocorre quando o atleta está em base monopodal, o
efeito de treinamento é potencializado pela utilização da base monopodal. Além dessas con-
siderações, a ativação dos multífidos e dos eretores da coluna, tanto em base bipodal quanto
monopodal, cria uma tensão subsequente por meio da aponeurose, que ocasiona a nutação da
pelve (anteversão), aumentando as forças acopladas na articulação sacroilíaca (SI) pelos liga-
mentos sacroespinhoso, sacrotuberal e interósseos.

O efeito líquido do acoplamento das forças na articulação SI é aumentar a estabilidade dessa


articulação. Além disso, a nutação da articulação SI faz com que a curvatura lombar seja
preservada, ou seja, é de importância fundamental para a segurança de todos os exercícios de
MMII.

Fáscia Plantar
Praticamente todo esporte é realizado em cadeia cinética fechada e o sucesso dele depende
da saúde e da funcionalidade da fáscia plantar (FP). Assim, esta aula discutirá um pouco sobre
essa estrutura, tão importante quanto esquecida.

DEFINIÇÃO

DEFINIÇÃO
A FP é, essencialmente, uma continuação do tendão de calcâneo, cuja inserção é na base do
calcâneo. A FP recobre toda a superfície inferior do pé e se insere em cada um dos cinco dedos
do pé. Essa banda funciona tanto como estabilizadora do arco do pé quanto como um
amortecedor de impactos.

A FP é referida como o principal estabilizador responsável pela manutenção do arco plantar, de


modo a evitar o colapso de pé na fase intermediária da passada, quando o peso da pessoa
passa da parte posterior do pé para frente (Huang e colaboradores, 1993).

Pelas conexões da FP com o tríceps sural, os isquiotibiais, o ligamento sacrotuberal, os ereto-


res da coluna e até mesmo a fáscia epicranial, por meio da linha superficial posterior (em
inglês, superficial back line [SBL]) (Myers, 2014), problemas com a FP têm o poder potencial de
influenciar todo o corpo, e sua importância na gênese e na perpetuação de disfunções neuro-
musculares não pode ser menosprezada.

IMPORTANTE

IMPORTANTE
A sinalização aferente proveniente da FP afeta todos os músculos tônicos responsáveis pala
manutenção da boa postura (Kavounoudias e colaboradores, 2001). Assim, a execução de
exercícios com os pés descalços aumenta a propriocepção vinda da FP, o que melhora a
discriminação funcional do tornozelo em termos de equilíbrio (Tsai e colaboradores, 2006)

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As pessoas que apresentam os pés supinados ou pronados têm menor controle postural do
que as que possuem os pés em posição neutra (Tsai e colaboradores, 2006). Além desses
aspectos posturais, a disfunção nos pés ou nos tornozelos reflete-se logo mais acima, nos joel-
hos.

A importância da manutenção da funcionalidade da FP fica evidente quando se sabe que as


cargas biomecânicas a que ela é submetida na fase intermediária da passada excede 2,8 vezes
o peso corporal (Giddings e colaboradores, 2000).

Relações biomecânicas
entre as cadeias musculares
Antes de prosseguir, é necessário entender quatro importantes relações biomecânicas exis-
tentes entre as cadeias musculares (Osar, 2017; Page e colaboradores, 2010), que são:

• Sinergistas;
• Antagonistas;
• Agonistas;
• Local para global.

Sinergistas
Os sinergistas são músculos que auxiliam outros em dada ação articular. Por exemplo, quais
são os músculos responsáveis pela flexão do quadril? Por meio da visão da anatomia clássica,
seriam o psoas e o ilíaco. Contudo, os adutores curtos (pectíneo e adutor breve) são sinergis-
tas quando do início da flexão do quadril. Além deles, o reto femoral (RF) também é sinergista
da flexão do quadril, assim com o tensor da fáscia lata (TFL). Ainda, de acordo com o modelo
de cadeias musculares de David Weinstock (2010), os abdominais, o diafragma e os flexores
cervicais profundos são também sinergistas do psoas-ilíaco.

EXEMPLO
EXEMPLO
O que aconteceria se o RF estivesse desativado e os adutores curtos fossem forçados a atuar
como movimentadores primários da flexão de quadril? O quadro se apresentaria como dor no
pectíneo e no adutor curto, além de, possivelmente, dor no RF. Ao se testar a flexão de quadril,
principalmente contra o outro lado, seria nítida a “fraqueza” do lado acometido. O tratamento
seria realizado pela desativação dos adutores curtos, que estariam hiperativados, seguida da
ativação de todos os flexores do quadril.

A ação sinérgica de cadeias musculares para realizar a centralização de uma articulação é con-
hecida como acoplamento de forças. Na articulação glenoumeral, o manguito rotador externo
é responsável pela rotação externa do úmero; contudo, isso somente será possível se os rom-
boides, o serrátil anterior e o trapézio trabalharem juntos para estabilizar a escápula no gradil
costal. Dessa forma, os estabilizadores escapulares atuam como sinergistas do manguito
rotador para manter a centralização da articulação glenoumeral.

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Antagonistas
Antagonistas ligam-se à ação de uma cadeia muscular oposta à cadeia agonista. Uma apli-
cação clássica desse mecanismo é a dor cervical ocasionada por uma batida de carro na
traseira do veículo (em inglês, whiplash).

O impacto na traseira do veículo faz com que a cabeça chicoteie violentamente para trás e para
frente. O trauma faz com que os extensores cervicais se tornem hiperativados (contraturados)
e os flexores profundos, desativados. Esse modelo pode ser utilizado não somente nesse caso
traumático, mas em diversas outras situações de cervicalgia.

TRATAMENTO

TRATAMENTO
O tratamento para o caso de os extensores cervicais se tornarem hiperativados (contratura-
dos) e os flexores profundos, desativados consiste em, primeiramente, liberar os extensores
cervicais para, em seguida, ativar os flexores capitais profundos. Mais detalhes sobre o proces-
so de reabilitação serão vistos na aula sobre intervenção.

Agonistas
Os agonistas também são conhecidos como os “movimentadores primários”, ou seja, aqueles
músculos responsáveis pelo movimento dos segmentos corporais. Ocorre que nenhum mús-
culo é responsável unicamente pela movimentação de um segmento corporal.

O paradoxo de Lombard e Abbott (1907) sugere que a ação muscular é fruto do resultado da
ação de agonistas funcionais. Por exemplo, durante um agachamento, o quadríceps e os
isquiotibiais se contraem tanto na fase ascendente quanto descendente do movimento. A
diferença é que, na fase descendente, os isquiotibiais estão realizando a tarefa de frear o movi-
mento, além de auxiliar na centralização articular do joelho. Essa ação também ocorre cada
vez que o calcanhar do pé de apoio toca o solo durante a corrida.

A ação de sinergia entre os agonistas e os antagonistas fica mais evidente durante a corrida.
Na fase de impulsão da corrida, quando uma das pelves está estendida, o quadríceps do
membro que faz contato com o solo é alongado, enquanto o isquiotibial ipsilateral contrai-se
para estender o quadril. No lado oposto, na pelve que se encontra flexionada, o quadríceps
encontra-se contraído para auxiliar na flexão do quadril e, posteriormente, estender o joelho
para que a perna avance.

Local para Global


A relação local para global é muito importante. Por local, entende-se músculos que atuam
apenas sobre uma articulação, são tônicos e responsáveis pela estabilização articular. Por
global, entende-se músculos fásicos que atuam sobre uma ou duas articulações e são
responsáveis pela movimentação dos diversos segmentos corporais.

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IMPORTANTE
IMPORTANTE
A disfunção de músculos locais leva à hiperativação de músculos globais, com consequências
desastrosas, uma vez que os músculos globais não são “projetados” para a tarefa de estabili-
zar articulações.

Há importantes sistemas locais no tronco, na articulação glenoumeral e na pelve. Novamente,


seu papel é estabilizar as articulações as quais estão relacionados, e não produzir movimento.

A disfunção muscular pode ser bilateral, no sentido de que tanto os músculos locais podem
estar disfuncionais sobrecarregando os globais quanto vice-versa.

O Quadro 1 apresenta os sistemas locais e globais de acordo com Evan Osar:

Sistemas Locais e Globais segundo Evan Osar

REGIÃO SISTEMA LOCAL SISTEMA GLOBAL

Diafragma Reto abdominal


Transverso do abdome Oblíquo interno/externo
Tronco Multífidos/paraespinhais Eretores superficiais da coluna
e coluna Psoas maior/menor
Quadrado lombar
Assoalho pélvico

Fibras superficiais do glúteo máximo


Psoas maior/menor
Glúteo médio
Assoalho pélvico
Isquiotibiais
Gêmeos
Pelve Quadríceps
Obturadores
TFL
Fibras profundas do glúteo máximo
Adutores
Piriformes
Sartório

Supraespinhal Peitoral maior/menor


Infraespinhal Grande dorsal
Ombros Subescapular Serrátil anterior
Redondo menor Trapézios
Bíceps braquial Romboides
Deltoides
Coracobraquial
Subclávio
Redondo maior
Fonte: Adaptado de Osar (2017)
Tríceps braquial

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O sistema local possui ação muscular, independentemente da direção na qual o segmento
proximal à articulação está. O sistema global, em contrapartida, ativa-se na direção específica
em que o movimento é requerido. Por exemplo, o manguito rotador (interno e externo) do
ombro atua para manter a congruência da articulação glenoumeral, não dependendo da
posição do úmero ou da escápula. O mesmo raciocínio vale para a articulação femuroacetabu-
lar. Em contraste, os músculos superficiais do tronco ou da pelve respondem na direção espe-
cífica do movimento.

Outra questão essencial para os propósitos da reabilitação é o conceito de coativação. Os


músculos estabilizadores são (ou deveriam ser) ativados milésimos de segundos antes dos
globais, a fim de proporcionar a estabilização necessária ao movimento.

A sincronização da ativação muscular entre músculos locais e globais promove a estabilização


intersegmentar, de maneira que haja estabilização proximal que permita a mobilidade distal.
Essa resposta automática de sincronização de disparo normalmente está corrompida na hipó-
tese de ter ocorrido trauma ou outra disfunção articular. Tanto no âmbito da reabilitação
quanto no do treinamento funcional, esse princípio é de fundamental importância.

EXEMPLO
EXEMPLO
O processo de reabilitação se inicia com ativações musculares dos músculos locais, realiza-
das por meio de contrações isométricas contra cargas elásticas.

Uma vez que o clínico tenha se assegurado, na reabilitação, de que as articulações afetadas
tenham obtido a estabilização necessária para a realização de movimentos mais complexos,
coloca-se o paciente em progressões de movimentos funcionais ou integrativos, visando à
integração e à sincronização das cadeias locais e globais, utilizando-se, entre outras técnicas,
o treinamento reativo. Mais detalhes sobre este processo serão trabalhados na sequência
deste curso.

Além disso, os músculos locais são os primeiros a sofrer desativação subsequentemente a


um evento traumático (cirurgia ou lesão). Contudo, o problema não está limitado a eventos
traumáticos. A inibição reflexa pode, também, ocorrer pela hiperativação decorrente de desvi-
os posturais.

A importante conclusão acerca desses fatos é que o processo de reabilitação não deve ser
iniciado por movimentos de classe funcional ou mesmo integrativos. A desativação das
cadeias locais ou a falta de sincronização entre as cadeias locais e globais poderá ocasionar
problemas como novas “contraturas” ou até mesmo novas lesões. Na melhor das hipóteses,
essa abordagem não será efetiva na reabilitação do paciente.

Responsável pelo material: Ivan Jardim

FONTES
Vleeming A, Stoeckart R. The role of the pelvic girdle in coupling the spine and legs: a clinical anatomical perspective on pelvic stability. In: Vleeming A, Mooney V, Stoeckart R, editors.
Movement, stability and lumbopelvic pain. 2nd ed. Edinburg: Elsevier; 2007. p. 113–40.

Adams MA, Dolan P. How to use the spine, pelvis and legs effectively in lifting. In: Vleeming A, Mooney V, Stoeckart R, editors. Movement, stability and lumbopelvic pain. 2nd ed.
Edinburg: Elsevier; 2007. p. 167–84.

Huang CK, Kitaoka HB, An KN, Chao EY. Biomechanical evaluation of longitudinal arch stability. Foot Ankle. 1993 Jul–Aug;14(6):353–7.

Myers TW. Anatomy trains: myofascial meridians for manual & movement therapists. 3rd ed. London: Churchill Livingstone; 2014.

Tsai LC, Yu B, Mercer VS, Gross MT. Comparison of different structural foot types for measures of standing postural control. J Orthop Sports Phys Ther. 2006 Dec;36(12);942–53.

Kavounoudias A, Roll R, Roll JP. Foot sole and ankle muscle inputs contribute jointly to human erect posture regulation. J Physiol. 2001 May:532(Pt 3);869–78.

Giddings VL, Beaupré GS, Whalen RT, Carter DR. Calcaneal loading during walking and running. Med Sci Sports Exerc. 2000 Mar;32(3);627–34.

Page P, Frank CC, Lardner R. Assessment and treatment of muscle imbalance. Champaign: Human Kinetics; 2010.

Osar E. Exercícios corretivos para disfunções de quadril e ombros. Porto Alegre: Artmed; 2017.

Weinstock D. Neurokinetic therapy: an innovative approach to manual muscle testing. Berkeley: North Atlantic Books; 2010.

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Lombard WP, Abbott FM. The mechanical effects produced by the contraction of individual muscles of the thigh of the frog. Am J Physiol. 1907;20:1–60.

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