Reflexões sobre o acolhimento de crianças e adolescentes em
serviços de acolhimento institucional
Sabrina Simões Castilho
Em 2013, concluí o Mestrado em Psicologia na Universidade Federal de São
João del Rei (UFSJ), com a apresentação da Dissertação intitulada “Relações Afetivas e Processos Identitários de Crianças e Adolescentes em Programas de Acolhimento Institucional: uma pesquisa com Oficinas de Grupo.”
Minha atuação na Política de Assistência Social iniciou-se em 2009, quando fui
contratada como Psicóloga na instituição de Acolhimento onde, posteriormente, desenvolvi a referida pesquisa de Mestrado. Após a conclusão, continuei atuando na Política de Assistência Social em diferentes equipamentos públicos. Por um período de 1 ano e meio, atuei como Psicóloga em um Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) de um município de pequeno porte I e, há 8 anos, atuo como Analista de Gestão em Políticas Públicas na Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (SEDESE).
Essa trajetória na Política de Assistência Social que se iniciou na Proteção
Social Especial de Alta Complexidade, passando pela Proteção Social Básica e agora, ocupando um espaço de gestão e orientação técnica na esfera estadual, me proporcionou e, ainda provoca, reflexões diárias sobre o meu fazer profissional.
Revisando um artigo que elaborei em 2014, em co-autoria com meus
orientadores do Mestrado, observo os avanços alcançados em termos técnicos e conceituais que me permitem problematizar o título colocado na Dissertação de Mestrado.
Atualmente, o termo “Programas de Acolhimento Institucional” não é utilizado
nas referências técnicas e legislações que versam sobre o acolhimento de crianças e adolescentes em situação de violação de direitos, pois não se trata de um acolhimento organizado dentro de um programa, com início, meio e fim, mas diz respeito à organização de um serviço que é continuado e está tipificado na Resolução CNAS nº 109/2009, como um serviço de Proteção Social Especial de Alta Complexidade.
Posto esse ponto, considero que o conhecimento das atualizações das
diretrizes e normas da Política de Assistência Social, bem como das nomenclaturas e conceitos sobre os programas, serviços, projetos e benefícios por parte dos trabalhadores, gestores, conselheiros e demais atores envolvidos qualificam o fazer cotidiano. E é de suma importância este conhecimento para que cada ator envolvido tenha embasamentos para se posicionar e defender os direitos dos destinatários desta Política Pública: os usuários e famílias em situação de risco e vulnerabilidade social. A discussão em torno das questões sociais que envolvem crianças e adolescentes institucionalizados tem nuances e complexidades que foram citados na pesquisa de Mestrado que desenvolvi há 10 anos atrás, mas que ainda hoje se fazem presentes na prática cotidiana das instituições de acolhimento, em detrimento dos avanços conquistados na Política de Assistência Social ao longo desse período.
No artigo de Franco et. Al (1999), é posto em discussão que o processo de
acolhimento é entendido como um dispositivo que interroga sobre as relações instituídas e permite capturar e escutar ruídos do modo como o trabalho é realizado. A pesquisa evidencia a dinâmica das instituições de acolhimento e o modo pelo qual crianças e adolescentes, vítimas de direitos violados, são vistos, acolhidos e atendidos pelos operadores do Direito (Juízes, Promotores, Conselheiros Tutelares) e por quem está na lida diária das instituições de acolhimento (cuidadores, coordenação, auxiliares, equipe técnica de nível superior).
Pois bem, historicamente, temos que a atual política de promoção, proteção e
defesa dos direitos da criança e do adolescente tem como precursoras práticas de natureza assistencialista, pautadas em uma lógica de benevolência e caridade, sustentadas por uma moral cristã; assim como ações de natureza repressiva e coercitiva, pautadas na concepção de recuperação, tratamento e regeneração do então chamado “menor”, estigmatizado como um infrator que necessitava ser isolado, treinado e reeducado para voltar ao convívio social. (Oliveira & Próchno, 2010; Vectore & Carvalho, 2008; Zaniani & Boarini, 2011).
Revendo estas citações, pontuo quanto avanço foi alcançado na política de
proteção e promoção de direitos de crianças e adolescentes, a começar pela mudança do termo “menor” para “sujeitos de direitos”, o que representa uma alteração não somente conceitual, mas nos convida a refletir sobre o olhar sobre esses sujeitos, dentro e fora das instituições, e a repensar as práticas cotidianas nos serviços de acolhimento, o que é uma grande conquista, pois não se trata mais de executar uma política pública pautada em ações higienistas e sim alicerçada na defesa de direitos para um grupo populacional historicamente excluído, estigmatizado e que sofre as mazelas sociais geração após geração.
O trabalho preventivo que é realizado na Proteção Social Básica através dos
CRAS é de suma importância para que as situações de vulnerabilidade ocorridas nas relações familiares não se tornem gravosas a ponto de se fragilizarem e desencadearem em rupturas de vínculos e a necessária intervenção do Estado para garantir a proteção de crianças e adolescentes e a reconstrução dos laços familiares, pois esse é um processo complexo, cheio de idas e vindas que requer conhecimentos técnicos, teóricos e éticos e sobretudo, muito respeito com as particularidades e demandas de cada família.
Porém, como as realidades e dinâmicas das famílias e da sociedade são
complexas e trazem grandes desafios para todos e todas, a organização, a estruturação, a qualificação e o fortalecimento dos serviços da Proteção Social Especial de Alta Complexidade é um ponto que precisa estar no radar de todos os atores envolvidos: legisladores, governantes, gestores, trabalhadores, conselheiros, sociedade civil.
E no que diz respeito aos serviços de acolhimento de crianças e adolescentes
é importante pensar que se os encaminhamentos para as instituições de acolhimento se fazem necessários, que seja um período mais breve possível e que seja uma intervenção acolhedora, reparadora e altamente qualificada, visando evitar a revitimização de crianças e adolescentes que são sujeitos de direitos em pleno desenvolvimento.
Assim, as capacitações e apoios técnicos ofertados pelas equipes da Sedese
têm contribuído sumariamente para qualificar a atuação dos atores envolvidos, com o alinhamento de conceitos, com a problematização das questões cotidianas e com orientações técnicas para os reordenamentos necessários.