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PSICOMETRIA

(LP, 3º ano, 1º Sem.)


2023/2024

TRABALHO PRÁTICO
Deontologia da avaliação psicológica em contexto de diagnóstico e intervenção

TP5. QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL

ENQUADRAMENTO
O presente trabalho visa desenvolver competências deontológicas no domínio da medição e da
avaliação psicológica. Dado que uma formação sólida em ética não se alcança através do mero
conhecimento de um conjunto de princípios ou de normas reguladoras de uma qualquer atividade, mas
envolve também o desenvolvimento de atitudes profissionais adequadas e de sensibilidade aos
problemas e dilemas que a prática coloca, este trabalho visa contribuir para o objetivo geral da formação
na UC de PSICOMETRIA: o “desenvolvimento de competências técnicas e atitudes de rigor
metodológico, humanismo científico e deontologia na medição e avaliação psicológica”. De facto, “tal
como vem expresso no artigo 4.1 do Código Deontológico da Ordem dos Psicólogos Portugueses, a
avaliação psicológica é um ato exclusivo da Psicologia e um elemento distintivo da autonomia técnica
dos psicólogos. Por isso mesmo, devem os profissionais de psicologia ser os primeiros a dar o exemplo,
fazendo uma aplicação competente e consciente dos instrumentos que estão à sua disposição” (Ricou,
2014, p.26).
A utilização de testes psicológicos constitui, assim, uma competência exclusiva dos psicólogos,
sendo estes desde logo responsáveis pela escolha adequada dos instrumentos a utilizar num
determinado contexto, em face de uma problemática ou solicitação concreta. Quando não existam
instrumentos de avaliação previamente construídos e/ou estudados nas populações alvo, cabe aos
psicólogos construírem novos instrumentos, ou traduzirem e adaptarem testes desenvolvidos noutros
países, com o propósito de adquirir ferramentas de avaliação psicológica objetivas e fidedignas e de as
adaptar de forma tecnicamente correta para uso junto das populações com que trabalham. Além disso,
mesmo que existam já disponíveis instrumentos de avaliação alegadamente “aferidos” para uma
determinada população, cabe aos psicólogos, antes de qualquer utilização, ajuizar da sua pertinência,
atualidade e qualidade científica, para verificar a adequação desses instrumentos aos objetivos de
avaliação pretendidos. Em face do conjunto complexo de competências requeridas nesta área, os
psicólogos necessitam de dominar conceitos e técnicas de construção, estudo e avaliação dos próprios
instrumentos psicométricos, sendo-lhes exigida qualificação profissional específica – nomeadamente,
formação em Psicologia e em Psicometria.
Para mais, a qualidade dos resultados dos testes e a sua utilidade para tomada de decisão em
contextos de intervenção do psicólogo (por exemplo, em seleção, em clínica, em educação, em
orientação vocacional, etc.) depende cada vez mais do domínio que os seus utilizadores detêm, não só
dos conceitos da Psicometria, mas também, em larga medida, da investigação, conceptualização e
intervenção em Psicologia. Por exemplo, de que servem os resultados de um teste de personalidade a
um profissional que não tenha um profundo conhecimento do domínio de investigação, conceptualização
e avaliação da personalidade? Como poderá interpretar e utilizar esses resultados de forma adequada e
fidedigna? Como poderão esses resultados ser integrados com outros dados acerca da pessoa avaliada
e desse conjunto de informações serem extraídas implicações fundamentadas, para o diagnóstico e/ou
a intervenção? E como pode um profissional sem formação em Psicometria e Psicologia avaliar se esse
teste de personalidade seria, desde logo, o mais adequado aos objetivos de avaliação, no contexto em
causa?
Deste modo, a larga maioria dos instrumentos de avaliação psicológica requer da parte dos seus
utilizadores o domínio de conceitos, teorias, modelos e respetivas implicações para o diagnóstico e a
intervenção psicológica, não bastando que se conheça o conteúdo de um teste e se saiba quantos e
quais os resultados que proporciona, para que dele se faça uma utilização relevante, correta e
verdadeiramente consequente. Ainda assim, existe uma enorme diversidade de técnicas ou testes,
distintos quanto a diferentes aspetos – desde o tipo de conteúdos ao formato de aplicação, desde o tipo
de materiais aos tipos de resposta que solicitam, desde os constructos que pretendem medir ao nível de
complexidade da interpretação dos seus resultados…Desta diversidade decorre, naturalmente, que
diferentes instrumentos requerem da parte de quem os utiliza graus de formação e experiência
específicos, exigindo que os seus utilizadores apresentem “nível de qualificação” profissional adequado.
Esta exigência tornou-se mais premente, ainda, em face da possibilidade de divulgação de conteúdos
dos testes nos media, ou por via da internet (apesar de tal ser supostamente impedido pelos direitos de
autor e pelas exigências de reserva de informação psicométrica, por parte das editoras de testes): de
facto, a utilização indiscriminada dos instrumentos por quem não tem formação, competência e sentido
de responsabilidade para deles fazer um uso adequado constitui uma ameaça séria, não só à população
geral, que pode sair diretamente prejudicada do uso inadequado ou da interpretação falaciosa de
resultados, como à própria classe dos psicólogos, que pode ver-se alvo de ataques da população à
legitimidade dos instrumentos de avaliação que utiliza.
Assim, constitui responsabilidade dos psicólogos respeitar os princípios deontológicos que estão
subjacentes à prática da psicologia, genericamente, e em particular da avaliação psicológica,
reconhecendo as suas competências, bem como os limites dessas competências, e utilizando apenas
os instrumentos de avaliação psicológica para os quais tenham recebido formação adequada. Alguns
instrumentos poderão exigir apenas uma Licenciatura em Psicologia, outros uma formação mais
avançada (ao nível do Mestrado) e outros, ainda, podem requerer uma formação pós-graduada
específica ou mesmo uma prática prolongada de utilização supervisionada por um psicólogo experiente.
Para além de terem consciência destas exigências, cabe aos psicólogos, também, na sua esfera de ação,
evitar que terceiros desrespeitem os princípios deontológicos subjacentes à avaliação psicológica,
ultrapassando os limites das suas competências ao, por exemplo, utilizar instrumentos que exigem um
“nível de qualificação” superior ao que de facto detêm. É obrigação deontológica do psicólogo não ser
cúmplice de atuações de outros profissionais, psicólogos ou não, que lesem os Princípios do Código
Deontológico da Ordem dos Psicólogos Portugueses relativos à utilização de instrumentos de avaliação,
e que ameacem o bem-estar e a saúde mental dos utentes dos serviços de psicologia, bem como o bom
nome da própria classe dos psicólogos.
O exercício prático envolvido neste trabalho baseia-se, assim, numa denúncia dirigida à
COMISSÃO DE ÉTICA da Ordem dos Psicólogos Portugueses por uma psicóloga, docente envolvida na
formação de psicólogos, que, no âmbito de uma solicitação de um dos seus estudantes, tomou
conhecimento da sua prática continuada de atividades de avaliação psicológica com instrumentos que
exigem “nível de qualificação” elevada (“nível C”), sendo que o referido estudante não tinha ainda atingido
sequer o final do 1º Ciclo de formação em Psicologia (3º ano). Segue-se o texto da carta de denúncia:

Estimados Colegas da COMISSÃO DE ÉTICA da OPP,


Venho dirigir-me a Vós na minha qualidade de Psicóloga, mas também como docente
num curso superior de Psicologia, especialmente envolvida na formação no domínio da
Psicologia Diferencial, em particular na área da Psicometria e Avaliação Psicológica.
No âmbito da Unidade Curricular de PSICOMETRIA, de que sou responsável, os
estudantes têm de realizar, como trabalho prático obrigatório, um conjunto de três
administrações-treino de testes de Inteligência, designadamente, de uma das Escalas de
Inteligência de Wechsler (WAIS, WISC ou WPPSI), procedendo de seguida à respetiva
classificação das respostas, cotação e apuramento dos resultados. De assinalar que este
trabalho é realizado sob consentimento informado por parte dos participantes que se
voluntariam para o efeito e é supervisionado pela docência da Unidade Curricular.
No atendimento individualizado da última semana, recebi um estudante (com idade
claramente superior à tendência etária média no 3º ano do curso) que se dirigiu à docência
desta disciplina solicitando “dispensa de realização do trabalho prático obrigatório”, dado
alegar ter já “muita experiência com os instrumentos de avaliação da inteligência envolvidos
nesse trabalho”, isto é, com as Escalas de Inteligência de Wechsler, para crianças e para
adultos.
Perante a minha surpresa, relativa a tal afirmação, dado que o estudante ainda não
tinha completado sequer o 3º ano do curso de Psicologia (o 1º Ciclo do Mestrado Integrado
em Psicologia), este explicou que, sendo estudante de Psicologia, trabalha há vários anos como
“assistente de uma psicóloga sua conhecida”, a Drª XYZ, procedendo no seu consultório à
administração, cotação e apuramento de resultados de diversos instrumentos de avaliação
psicológica, com particular destaque para as supramencionadas escalas de inteligência. Além
disso, acrescentou que auxilia essa psicóloga preparando “esboços” dos relatórios de
resultados, com base em modelos previamente formatados, esboços que a psicóloga apenas
revê, aperfeiçoa e entrega aos seus pacientes ou a outros colegas, quando por eles solicitada
uma avaliação.
Reconhecendo a profunda irregularidade ética desta situação, sublinhei perante o
estudante a sua inadequação e chamei a atenção para que Drª XYZ está a cometer um grave
desrespeito pelo Código Deontológico da Ordem dos Psicólogos Portugueses, bem como pelas
exigências de qualificação profissional impostas pela editora desses testes específicos, algo a
que não posso ficar indiferente, seja por imperativo ético, seja em defesa dos direitos dos
utentes do serviço, dos instrumentos de avaliação psicológica em causa e respetiva editora e
da própria classe dos psicólogos. O estudante mostrou-se chocado com a minha afirmação de
que não poderia ignorar esta situação irregular, ainda que tenha dado mostras de recear
sobretudo as consequências pessoais de uma eventual denúncia como a que aqui venho
efetuar (não reconhecendo os verdadeiros contornos éticos da situação, que a ele se afigura
perfeitamente aceitável, dado ser “estudante de Psicologia”). Apesar disso, e uma vez
informado o estudante desta minha decisão, julgo ser meu dever deontológico não me manter
passiva face a esta situação, pelo que venho apelar à vossa atenção a esta denúncia,
solicitando a eventual emissão de um Parecer que de algum modo venha a contribuir para
impedir que a situação altamente irregular descrita se prolongue.
Agradeço a atenção da Comissão de Ética da OPP e disponibilizo-me para alguma
informação adicional necessária ao processo de apreciação desta denúncia.
Com os melhores cumprimentos,
A Psicóloga e Docente,
ABC
Assumindo o estatuto de COMISSÃO DE ÉTICA da OPP, neste exercício o grupo de trabalho
deverá apreciar e discutir a situação exposta e, tomando em conta a exploração da temática da
Qualificação Profissional em Avaliação Psicológica e os princípios éticos consagrados no Código
Deontológico da Ordem dos Psicólogos Portugueses, bem como noutros documentos de diretrizes
relativas à avaliação psicológica, deverá pronunciar-se na forma de um Parecer devidamente
fundamentado (máximo: 3 páginas) emitido por aquela comissão em resposta à reclamação
apresentada à OPP.

PROCEDIMENTOS

Etapa 1. LEITURA ATENTA DA CARTA CONTENDO A DENÚNCIA


Leitura atenta da carta dirigida pela Psicóloga/Docente do Ensino Superior à OPP, e identificação
dos principais elementos que configuram a situação que conduziu à denúncia apresentada.

Etapa 2. LEITURA ATENTA DO CÓDIGO DEONTOLÓGICO DA OPP


Identificação dos princípios do Código Deontológico da Ordem dos Psicólogos Portugueses
aplicáveis à avaliação da situação e cuja violação poderá eventualmente ser invocada no âmbito
do Parecer. Consulta de outros documentos e diretrizes relativas à avaliação psicológica e
recolha de princípios orientadores pertinentes à apreciação da denúncia em análise.

Etapa 3. PESQUISA SOBRE NÍVEL DE QUALIFICAÇÃO EM AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA


Consulta de sites de empresas editoras de testes (ex: Pearson; Hogrefe; CEGOC-TEA, etc.) para
identificação dos “níveis de qualificação” exigidos em função da natureza dos instrumentos de
avaliação psicológica. Identificação do “nível de qualificação” exigido para utilização das Escalas
de Inteligência de Wechsler.

Ponderação das razões que poderão levar a psicóloga responsável pela situação irregular
descrita a atuar desse modo. Antecipação da argumentação que a psicóloga XYZ poderá vir a
utilizar em defesa das suas práticas, para prevenir lacunas do Parecer a ser emitido pela
COMISSÃO DE ÉTICA.

Etapa 4. REDAÇÃO DO PARECER


Preparar um Parecer (máximo: 3 páginas) sobre a situação denunciada e o fundamento para
aceitação ou rejeição de tal denúncia, não esquecendo a fundamentação da opinião emitida no
Código Deontológico da Ordem dos Psicólogos Portugueses, bem como noutras referências
consultadas.

Para elaborar este documento, do ponto de vista formal, sugere-se que seja efetuada uma
pesquisa sobre o formato de redação que um “Parecer” pode assumir e adotar um formato que
pareça ajustar-se ao contexto e objetivos da situação proposta neste trabalho. O parecer deverá
ser construído pelo grupo e evitar a simples transcrição adaptada de pareceres antes emitidos
pela OPP.

Etapa 5. APRECIAÇÃO CRÍTICA


Apresentar uma reflexão crítica (máximo: 2 páginas) sobre o tema trabalhado (por exemplo,
critica/discussão do tema e/ou do significado e implicações dos resultados da pesquisa), na qual
podem ser incluídos também comentários ao valor formativo deste trabalho prático. Não
esquecer a lista de referências consultadas para a realização do trabalho, que deverá constar
neste documento (não incluída no limite de 2 páginas).
REFERÊNCIAS SUGERIDAS
(NOTA: o trabalho deve ser valorizado a partir de pesquisas adicionais sobre o tema efetuadas pelo grupo
de trabalho)

AERA, APA, NCME (2014). Standards for Educational and Psychological Testing. Washington,DC:
AERA. (Ver Parte II. Capítulo 6. Test Administration, Scoring, Reporting, and Interpretation, pp.
111-122; Capítulo 8. The Rights and Responsibilities of Test Takers, pp.131-138; Capítulo 9. The
Rights and Responsibilities of Test Users, pp. 139-150.)

International Test Commission (2003). Diretrizes Internacionais para a Utilização de Testes. Lisboa:
CEGOC-TEA.
http://static.cegoc.pt/wp-content/uploads/2012/01/DIRECTRIZES.pdf

Messick, S. (1980). Test Validity and the Ethics of Assessment


https://jkernpsychometrics.files.wordpress.com/2018/03/messick-1980.pdf

Ordem dos Psicólogos Portugueses (2016). OPP Código Deontológico. Ordem dos Psicólogos
Portugueses.
https://www.ordemdospsicologos.pt/ficheiros/documentos/web_cod_deontologico_pt_revisao_2
016_1.pdf
Ordem dos Psicólogos Portugueses (2019). Pareceres da Comissão de Ética da OPP. Ordem dos
Psicólogos Portugueses.
https://www.ordemdospsicologos.pt/ficheiros/documentos/pareceres_comissao_de_etica.pdf
Ricou, M. (2014). A Ética e a Deontologia no Exercício da Psicologia. Lisboa: Ordem dos Psicólogos
Portugueses. (Sobretudo Capítulo 8. Processos de Avaliação Psicológica, pp.295-308).
https://www.ordemdospsicologos.pt/ficheiros/documentos/etica_e_deontologia.pdf

Simões, M., & Almeida, L. (1996). Problemas Éticos e Deontológicos na Prática de Avaliação Psicológica.
Atas do Colóquio Europeu de Psicologia e Ética, pp.169-177. Lisboa: ISPA.

Tranel, D. (1994). The Release of Psychological Data to Nonexperts: Ethical and Legal Considerations.
Professional Psychology: Research and Practice, 25, 1, 33-38.
https://users.phhp.ufl.edu/rbauer/Intro%20CLP/tranel_94.pdf

Links sugeridos:

Divulgação de dados e materiais dos testes


https://www.apa.org/science/programs/testing/data-disclosure-faqs

Hogrefe – “Qualificações dos Utilizadores”


https://www.hogrefe.com/pt/encomendar/qualificacao-dos-utilizadores

Pearson – “Qualifications”
https://www.pearsonassessments.com/professional-assessments/ordering/how-to-
order/qualifications.html

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