Você está na página 1de 2

Notas Técnicas e Documentos 173

Em Defesa da Avaliação Psicológica

Documento redigido por Ana Paula P. Noronha, Cilio Ziviani, Cláudio S. Hutz, Denise Bandeira, Eda Marconi Custódio,
Iraí Boccato Alves, João Carlos Alchieri, Livia de O. Borges, Luiz Pasquali, Ricardo Primi e SimoneDomingues.

Reunidos em Lindóia, SP, nos dias 29 e 30 de origem sócio-cultural e que, portanto, a interven-
agosto de 2002, durante o Simpósio da ANPEPP. os ção deveria restringir-se mais à dimensão social que
membros do Grupo de Trabalho em Avaliação Psi- a do indivíduo. Desta concepção, têm surgido mo-
cológica, em conjunto com as diretorias do IBAP vimentos que buscam, em última instância, redu-
(Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica) e da zir a formação profissional do psicólogo na área da
SBRo (Sociedade Brasileira de Rorschach e ou- avaliação psicológica, especialmente o ensino dos
tras Técnicas Projetivas), discutiram a situação da instrumentos de avaliação psicológica.
Avaliação Psicológica no país, especialmente ques-
tões de formação e treinamento de psicólogos nes- Outra posição defendida por profissionais e pes-
ta área e consideram que a situação atual é extre- quisadores da área vê a tendência acima descrita
mamente preocupante. com extrema preocupação, porque lhes parece que
ela renega os avanços científicos da área, relegan-
Vários setores da sociedade, inclusive os psi- do a avaliação psicológica a um período ultrapas-
cólogos, vêm identificando há algum tempo uma sado de avaliações embasadas puramente no
série de problemas na avaliação psicológica. Den- subjetivismo e, conseqüentemente, de extremo pre-
tre estes se pode exemplificar: o uso inadequado juízo para o indivíduo e para a sociedade. Este gru-
dos instrumentos, produzindo preconceitos e dis- po entende que a visão de mundo, na qual os tes-
criminação social; a existência de instrumentos co- tes se legitimam, particularmente a teoria da me-
mercializados desatualizados e sem embasamento dida em ciências, não somente representa um co-
científico; a produção de laudos inadequados e o nhecimento legítimo, mas também constitui um
uso exclusivamente técnico de instrumentos sem critério de avanço do saber embasado cientifica-
uma atitude crítico-reflexiva fundamentada teóri- mente. Este grupo tem esta visão porque vem acom-
ca e cientificamente. Diante de tal quadro, duas panhando os avanços nos modelos de teoria e me-
posições divergentes são assumidas no país e elas dida, bem como estes vêm se refletindo no desen-
se tornam preocupantes porque ocorrem, especial- volvimento de instrumentos e procedimentos de
mente, dentro da própria classe dos psicólogos. avaliação.

Uma das posições radicaliza a situação precá- Quanto à avaliação psicológica, este grupo
ria da avaliação psicológica, em especial dos ins- entende que o perito na área é o psicólogo, mas ele
trumentos de avaliação, concluindo que estes de- precisa se valer de instrumentos adequados, entre
vem simplesmente ser abolidos. Esta posição foca- os quais, os testes psicológicos, como auxiliares ne-
liza sua crítica nos testes psicológicos, conceben- cessários para tomar decisões baseadas em normas
do-os como produto de uma visão de homem, soci- objetivas e não no subjetivismo pericial do profissi-
edade e conhecimento tecnicista e, por isso mes- onal. Evidentemente os instrumentos possuem uma
mo, inadequada. Os testes psicológicos seriam ins- série de limitações inerentes à sua condição de
trumentos derivados desta visão cujo objetivo em técnica. Por isso mesmo, a competência dos profis-
essência seria conferir foro cientifico e justificar sionais, condicionada à qualidade da sua forma-
processos de marginalização e exclusão social. Para ção, possibilitará uma compreensão mais ampla e
os defensores desta posição, a solução seria aban- contextualizada do processo de avaliação no qual
donar os testes psicológicos, particularmente as ele está inserido, permitindo uma interpretação mais
tarefas padronizadas, e partir para métodos mais adequada dos resultados.
abertos de avaliação, tais como a observação den-
tre outros. Além disso, para este grupo de profissi- Para este grupo, os problemas da avaliação
onais existe uma tendência a minimizar a impor- psicológica decorrem basicamente de deficiências
tância de fatores individuais, enfatizando que todo na formação profissional e, por isso mesmo, vê a
problema apresentado pelo indivíduo teria uma solução como oposta à apontada pelos defensores
Avaliação Psicológica, 2002,2, pp. 173-174
174 Notas Técnicas e Documentos

da posição anti-instrumentos. Trata-se, enfim, de riedade da instrumentação psicológica razão sufi-


aprimorar a formação do psicólogo em avaliação ciente e imperativa para abandoná-la por inútil na
psicológica, incluindo no currículo dos cursos de avaliação psicológica, o segundo grupo procura
Psicologia temas e conteúdos que reflitam ou fun- aprimorar e ampliar o conjunto de conhecimentos
damentem tal aprimoramento, permitindo assim e procedimentos na área. Este grupo está consci-
que o psicólogo seja capaz de avaliar a qualidade ente de que o conhecimento científico é sempre
dos instrumentos que utiliza e que saiba fazer uso precário e até lacunar, mas a solução não é o aban-
adequado dos mesmos. Estes temas deveriam, pelo dono e sim o aprimoramento do mesmo. Enfim,
menos, cobrir os seguintes tópicos: 1) teoria da entende que, porque como o metro comete erros
medida e psicometria; 2) avaliação da inteligên- de medida, isso não é razão suficiente e imperativa
cia; 3) avaliação da personalidade, incluindo téc- para voltar a se medir por pés e braças.
nicas projetivas e os inventários de personalidade;
4) práticas integrativas de planejamento, execu- A conseqüência infeliz destas duas posições
ção e redação dos resultados da avaliação psicoló- aparece na indicação de estratégias políticas dife-
gica (elaboração de laudos) nos mais variados con- rentes e contrastantes para a formação em Psicolo-
textos, incluindo conhecimentos das mais diversas gia. A posição do segundo grupo consiste em pro-
áreas da Psicologia. por o caminho mais produtivo para buscar contri-
buir na solução dos problemas apontados, insistin-
Os defensores de ambas as posições apresen- do no aprimoramento da formação dos psicólogos
tam uma preocupação muito grande em fazer uma em relação à avaliação psicológica, bem como dos
avaliação que não seja discriminatória, que leve instrumentais em Psicologia. Reiteramos, portan-
em conta a complexidade do comportamento hu- to, a necessidade de treinar e capacitar professores
mano na sua diversidade e que, em última instân- na área da avaliação, aprimorar currículos, desen-
cia, aponte caminhos que auxiliem o desenvolvi- volver e validar instrumentos e dar condições téc-
mento humano. Entretanto, os dois grupos diferem nicas e éticas para que os psicólogos possam exer-
radicalmente na estratégia para se atingir tal obje- cer a profissão com dignidade e em benefício da
tivo. Enquanto o primeiro grupo vê na atual preca- população.

Avaliação Psicológica, 2002,2, pp. 173-174

Você também pode gostar